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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ALEXANDRE KRÜGER ZOCOLOTTI
Concepções sobre os processos de ensino e de
aprendizagem de Matemática: Um estudo de
caso com professores graduados em áreas afins
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
SÃO PAULO
2015
0
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ALEXANDRE KRÜGER ZOCOLOTTI
Concepções sobre os processos de ensino e de
aprendizagem de Matemática: Um estudo de
caso com professores graduados em áreas afins
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Educação
Matemática, sob a orientação do Prof. Dr.
Saddo Ag Almouloud.
SÃO PAULO
2015
1
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta dissertação por qualquer meio de
fotocopiadoras ou eletrônicos, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Assinatura: ------------------------------------ Local e Data: -------------------------------------
0
Para minha esposa Geicine e meu filho Klaus, presentes que Deus concedeu-me e com os quais aprendo a cada dia.
Para os meus sobrinhos Antônio, Alice e Cecília, símbolos da continuidade do elo fundamental, a família.
De modo especial à memória de meu saudoso pai, de quem recebi os preceitos da ética e da retidão moral.
0
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, acima de tudo, pela graça de viver e ter vida em plenitude.
À minha esposa e a meu filho, pelo imenso amor que me dedicaram ao longo dos últimos anos, demonstrando esse amor inúmeras vezes, quer seja entendendo minha ausência, quer seja me apoiando, de modo incondicional, nos momentos mais difíceis dessa caminhada;
À minha mãe, por todo o zelo e carinho com minha educação;
Às minhas irmãs Cristiane, Luciana e Letícia, companheiras e amigas, pontos de apoio sempre presentes em minha caminhada.
À família Stein Meirelles, que me acolheu como filho e que jamais duvidou da minha capacidade, incentivando-me a ir à busca dos meus sonhos.
Ao meu orientador, Professor Doutor Saddo Ag Almouloud, pela paciência e incentivo, fundamentais para a realização do sonho de concluir este trabalho;
Aos componentes da Banca Examinadora, Professoras Doutoras Ana Lúcia Manrique, Cláudia Regina Flores, Maria Auxiliadora Vilela Paiva e Maria Cristina Souza de Albuquerque Maranhão, por todas as críticas construtivas feitas e pelas sugestões dadas;
À professora Maria Auxiliadora Vilela Paiva, querida professora Dôra, por tanto acreditar em mim e pelo auxílio e apoio dados em um momento delicado e crucial de minha carreira profissional;
Aos quatro professores que aceitaram participar da pesquisa, elementos fundamentais para a realização da mesma.
Ao amigo Elson Ferreira, pela revisão gramatical e pelas inúmeras sugestões dadas.
Aos colegas do Centro Educacional Charles Darwin pela constante preocupação com o andamento da tese e pelo incentivo dado em todos os momentos. De modo especial, aos amigos Alessandro do Nascimento Pinto, Hamilton Henrique Campos e Victor Loyola Perini pelo incondicional apoio e ajuda que sempre me prestaram.
A todos a quem, por esquecimento, não me referi, e que contribuíram para esta minha realização.
0
Ninguém começa a ser educador numa
certa terça – feira às quatro da tarde.
Ninguém nasce educador ou marcado para
ser educador. A gente se faz educador, a
gente se forma, como educador,
permanentemente, na prática e na reflexão
sobre a prática. (FREIRE, 1991, p. 32)
1
RESUMO
A pesquisa aqui apresentada teve como foco investigar concepções sobre os
processos de ensino e de aprendizagem de professores de Matemática
formados em áreas afins a essa disciplina e que frequentaram um curso de
Complementação Pedagógica. Um estudo empírico foi conduzido com quatro
professores de Matemática – duas docentes que atuavam no Ensino
Fundamental II e dois docentes que atuavam no Ensino Médio - que possuíam
formação nos moldes citados. O referencial teórico estudado envolveu
concepções, saberes docentes e formação de professores de Matemática, com
especial atenção aos modelos de formação docente vigentes no Brasil. Para a
coleta de dados, foram utilizados dois elementos diferentes: entrevistas
semiestruturadas e observações da prática de cada um dos professores
pesquisados. Na análise dos dados, foram percebidos detalhes que permitiram
identificar como cada um dos participantes entende os processos de ensino e
de aprendizagem da Matemática. Esses detalhes, que reúnem aspectos que
revelam saberes de cada um dos docentes, mostraram diferenças no
conhecimento matemático manifestado ou na prática cotidiana observada, de
cada um dos participantes. A conclusão do trabalho aponta a necessidade de
uma discussão sobre a reestruturação dos Cursos de Complementação
Pedagógica, bem como a urgência de um levantamento que revele, a nível
nacional, o número de professores de Matemática que foram formados por
esses cursos.
Palavras-chave: Concepção; Complementação Pedagógica; Formação de
Professores de Matemática.
0
ABSTRACT
The research presented here focused on investigating conceptions of the
processes of teaching and learning mathematics teachers trained in areas
related to this discipline and who have attended a course in Educational
Complementation. An empirical study was conducted with four teachers of
mathematics - two teachers who worked in the Secondary School and two
teachers who worked in high school - who had training in those molds. The
theoretical study involved conceptions, teaching knowledge and training of
mathematics teachers, with special attention to the models of teacher education
in force in Brazil. For data collection, two different elements were used: semi-
structured interviews and observations of the practice of each of the surveyed
teachers. In the data analysis, it was perceived details that have identified how
each participant understands the processes of teaching and learning of
mathematics. These details, which combine aspects that reveal knowledge of
each of the teachers showed differences in expressed or mathematical
knowledge in everyday practice observed, each of the participants. The
conclusion of the study highlights the need for a discussion on the restructuring
of Pedagogical Supplementary courses, as well as the urgency of a survey that
reveals, at national level, the number of mathematics teachers who have been
trained through these courses.
Keywords: Design; Pedagogical complementing; Mathematics Teacher
Education.
0
LISTA DOS QUADROS Quadro 1: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 2: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 3: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 29 Quadro 4: Estrutura de um curso de Complementação Pedagógica ........................... 30 Quadro 5: Revisão de operações e seus termos ....................................................... 50
0
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Relação entre concepção e saber da experiência ........................................ 23 Figura 2: Exemplo usado pela professora Marcela para divisão ................................. 51 Figura 3: Exercício sobre divisão ................................................................................ 52 Figura 4: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 53 Figura 5: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 53 Figura 6: Exercícios sobre divisão .............................................................................. 54 Figura 7: Prova aplicada pela professora Luísa – 1 de 5 ............................................ 55 Figura 8: Prova aplicada pela professora Luísa – 2 de 5 ............................................ 56 Figura 9: Prova aplicada pela professora Luísa – 3 de 5 ............................................ 57 Figura 10: Prova aplicada pela professora Luísa – 4 de 5 .......................................... 58 Figura 11: Prova aplicada pela professora Luísa – 5 de 5 .......................................... 59 Figura 12: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 1 de 3 ..................................... 69 Figura 13: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 2 de 3 ..................................... 69 Figura 14: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 3 de 3 ..................................... 70 Figura 15: Trapézio ABCD .......................................................................................... 73 Figura 16: Ilustração relativa à questão 6 ................................................................... 73 Figura 17: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 1 de 6 .......................... 75 Figura 18: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 2 de 6 .......................... 76 Figura 19: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 3 de 6 .......................... 76 Figura 20: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 4 de 6 .......................... 77 Figura 21: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 5 de 6 .......................... 77 Figura 22: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 6 de 6 .......................... 77 Figura 23: Representação de função feita pelo professor Roberto.............................. 98 Figura 24: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 100 Figura 25: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 101 Figura 26: Exercício corrigido pelo professor Roberto ............................................... 102 Figura 27: Exercícios propostos ................................................................................ 110 Figura 28: Exercício proposto ................................................................................... 111 Figura 29: Exercício porposto ................................................................................... 111 Figura 30: Exercício proposto ................................................................................... 112
1
Sumário Introdução .................................................................................................................................. 12
Capítulo I: Definindo a pesquisa - Problema e Objetivo..................................................... 16
1) Problema ........................................................................................................................ 16
2) Objetivo .......................................................................................................................... 19
Capítulo II: Concepções .......................................................................................................... 20
Capítulo III: Professor de Matemática – Processos de Formação ................................... 25
Capítulo IV: Metodologia e Procedimentos Metodológicos ............................................... 33
1) O ato de pesquisar concepções ................................................................................. 33
2) Caracterizando a pesquisa ......................................................................................... 34
3) Os sujeitos da pesquisa .............................................................................................. 36
4) Instrumentos para a coleta de dados ........................................................................ 37
4.1) Entrevistas ................................................................................................................. 38
4.2) Observações da prática ........................................................................................... 39
5) Procedimentos de tratamento e análise de dados .................................................. 40
Capítulo V: Dados Coletados ................................................................................................. 41
1) Professora Marcela ...................................................................................................... 41
1.1) Entrevista ............................................................................................................... 42
1.2) Observações da Prática ...................................................................................... 50
2) Professora Luísa ........................................................................................................... 61
2.1) Entrevista ................................................................................................................... 61
2.2) Observações da Prática .......................................................................................... 68
3) Professor Caio .............................................................................................................. 79
3.1) Entrevista ................................................................................................................... 79
3.2) Observações da Prática .......................................................................................... 79
4) Professor Roberto ........................................................................................................ 89
4.1) Entrevista ................................................................................................................... 89
4.2) Observações da Prática .......................................................................................... 97
Capítulo VI: A análise dos dados ......................................................................................... 113
Concepção � ......................................................................................................................... 113
Concepção � .......................................................................................................................... 115
Concepção � ......................................................................................................................... 116
Os Professores pesquisados e suas concepções......................................................... 117
Professora Marcela ............................................................................................................ 117
2
Professora Luísa ................................................................................................................. 121
Professor Caio .................................................................................................................... 126
Professor Roberto .............................................................................................................. 131
Capítulo VII: Considerações e perspectivas ...................................................................... 137
Referências: ............................................................................................................................ 143
12
Introdução
Desde o início de minha escolarização ouço que “Matemática é difícil” ou
que “Matemática é apenas para quem tem dom; não é qualquer um que
aprende Matemática”.
Do pouco que ainda me recordo, são vivas as lembranças de um aluno
que para aprender Matemática não questionava as regras que lhe eram
ensinadas: eu apenas seguia o modelo. Não me interessava de onde vinham
as regras: o importante era que eu “sabia como usá-las”.
Até a conclusão do antigo segundo grau eu era considerado um bom
aluno em Matemática, sendo sempre indicado como monitor dessa disciplina.
Mantendo minha prática de seguir a regra de aprender como se fazia, sem
questionar o porquê, acabei sendo aprovado no vestibular de 1990 da
Universidade Federal do Espírito Santo, no curso de Engenharia Elétrica. Logo
no primeiro semestre do curso, uma reprovação em Cálculo I revelou que eu
não era tão bom em Matemática.
Adaptando-me da maneira que podia e que conseguia, conclui o período
básico do curso. Mas antes mesmo da conclusão desse período, iniciei minha
carreira docente, ministrando aulas em um pequeno curso pré-vestibular.
Ensinava aos meus alunos a fórmula que havia dado “certo” comigo: bastava
saber como fazer e mais nada.
Talvez porque esse fosse o “método” adequado ao modelo de curso em
que atuava, alcancei certo destaque nesse meio, sendo convidado para
assumir aulas em outros cursos pré-vestibulares. Ao fim de três anos, acabei
largando a Engenharia para que pudesse assumir mais aulas, atuando não
apenas como professor de pré-vestibular, mas também como professor do
Ensino Médio. Nessa época, fim da década de 1990, era permitido que alunos
de cursos de áreas afins assumissem aulas de Matemática por meio de um
documento chamado “Licença Precária” 1. Para continuar sendo aluno de um
1 Esse documento era emitido pela Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo e concedia a autorização para que um aluno de graduação atuasse como professor no ensino básico.
13
curso superior e para poder ter direito a essa licença, ingressei em um curso de
Tecnólogo em Processamento de Dados de uma instituição privada.
A rotina de professor e a não identificação com a área de informática me
levaram, após cinco anos, a abandonar o segundo curso superior. Mesmo sem
uma formação superior, continuava como professor em diferentes escolas.
Hoje, olhando sob outra perspectiva, percebo o quão inconsequente fui e como
posso ter afetado a vida de muitos daqueles que foram meus alunos naquela
época. Ainda que tenha agido de boa fé, o desconhecimento pode ter me
levado por caminhos errados.
Em 2003, preocupado em obter um diploma de um curso superior,
ingressei em um curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição
particular. Admito que meu pensamento era: “estou aqui para ter o diploma,
pois Matemática eu já sei e ser professor eu já sou”. Ledo engano que durou
10 minutos da minha primeira aula.
Meu modo de ver a Matemática e os seus processos de ensino e de
aprendizagem de Matemática, além do meu próprio saber matemático, foram
sendo modificados com o decorrer do curso. Eram nítidas as mudanças:
abandonei algumas práticas e adotei novas metodologias de trabalho,
assumindo uma postura mais reflexiva sobre aquilo que ocorria em sala de
aula.
A Licenciatura, além de abrir meu olhar para os processos de ensino e
de aprendizagem de Matemática, me impulsionou aos estudos de Mestrado e,
posteriormente, aos de Doutorado.
Sei que não posso afirmar que a docência foi uma escolha, pois ela
surgiu como uma alternativa, algo que faria durante certo tempo: “estaria” como
professor pelo período em que estivesse fazendo Engenharia e, após a
conclusão do curso, abandonaria o “bico”.
Alguns anos depois, ao recordar essa experiência, um questionamento
surgiu: quais as concepções sobre Matemática, e sobre o seu ensino, possuem
um professor de Matemática graduado de uma área afim a essa disciplina?
Para elaborar respostas a esse questionamento, apresento o trabalho a
seguir, realizado com professores que, após a graduação, frequentaram um
14
curso de Complementação Pedagógica em Matemática. A proposta foi
entrevistar e acompanhar a prática desses professores, na tentativa de
descobrir qual concepção cada um possui sobre a Matemática e sobre os seus
processos de ensino e de aprendizagem.
O trabalho foi estruturado em sete capítulos. No capítulo I foi feita a
formulação do problema de pesquisa e o seu objetivo. O texto procura mostrar
ao leitor um pouco das leituras e reflexões feitas para a sua definição.
A revisão bibliográfica sobre concepções, encontrada no capítulo II, traz
contribuições de diferentes autores como Ponte (1992), Thompson (1997) e
Garnica (2008). Durante sua elaboração, à medida que a leitura e a escrita
avançavam, foi possível, por meio de processos reflexivos, estruturar como a
ideia de concepção utilizada neste trabalho.
A questão da formação do professor de Matemática é debatida no
capítulo III. Além de uma discussão sobre as diferentes possibilidades de
formação para um professor de Matemática, também é apresentado um
panorama da situação desses cursos no Estado do Espirito Santo.
Os procedimentos metodológicos são descritos no capítulo IV. Além de
uma consideração inicial sobre o ato de pesquisar concepções, nele são
encontradas as principais caracterizações da natureza da pesquisa, os
detalhes sobre os seus participantes e os motivos para a escolha desses
participantes. Em sua parte final são apresentados os instrumentos de coleta e
de análise dos dados.
Se no capítulo anterior foram citados os instrumentos de coleta de
dados, no capítulo V foi descrito o processo da coleta de dados. Procurou - se
fazer uma caracterização que permitisse esclarecer ao leitor em que condições
os dados foram coletados. Essa caraterização foi feita de modo individual para
cada um dos participantes, pois entendeu - se que as diferentes condições em
que um docente realizou seu trabalho também deveriam ser um dos elementos
de análise.
Os dados levantados pelos diferentes instrumentos foram analisados, no
sexto capítulo, da mesma forma que no capítulo anterior: cada participante teve
sua análise separada dos demais. É nesse capítulo que surgem as categorias
15
de análise que permitiram perceber as concepções de cada um dos
participantes.
O último capítulo traz as conclusões da pesquisa. De modo reflexivo,
foram apontados os indicativos que podem ser entendidos como conclusivos a
respeito das concepções dos participantes, bem como as limitações
encontradas. Também foram apontadas algumas sugestões de pesquisa que
podem ser desenvolvidas por aqueles que desejam trabalhar na pesquisa
sobre a formação do professor de Matemática e sobre o estudo das
concepções.
16
Capítulo I: Definindo a pesquisa - Problema e Objet ivo
1) Problema
É comum encontrar em sala de aula professores de Matemática,
habilitados e legalmente amparados para o exercício da docência, que não
frequentaram um curso de Licenciatura Plena em Matemática. Esses
professores, graduados em cursos que compõem as chamadas “áreas afins à
Matemática”, tornam-se habilitados ao exercício da docência após a conclusão
de um curso de complementação pedagógica de 540 horas. Segundo Paz:
Objetivando atender as demandas de formação de professores dos níveis Fundamental e Médio, são autorizados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) os Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes (PEFPD), os quais devem ser desenvolvidos com no mínimo 540 horas (LDB, art. 63, inciso I; Parecer CNE nº04/97); disponibilizados a profissionais de áreas diversificadas, que são submetidos à complementação pedagógica. (PAZ, 2007, p.1)
Essa medida, que a princípio tinha caráter emergencial e que se
mostrava uma alternativa para combater a falta de professores que se
verificava na década de 1990 no Brasil, tornou-se, aparentemente, uma política
permanente em nosso país já que, ainda hoje, mais de 20 anos após a sua
entrada em vigor, continua válida. A continuidade dessa medida indica que
nossos cursos de licenciatura ainda não formam o contingente de professores
requeridos pelo nosso sistema educacional, mesmo com todos os esforços
governamentais para a captação de um número maior de alunos para os
cursos de licenciatura.
O processo de formação de professores a partir da permissão de que
profissionais de áreas chamadas afins frequentem cursos de complementação
pedagógica (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1997) vem chamando
a atenção de pesquisadores nacionais como mostram, por exemplo, os estudos
de Passos e Oliveira (2008), Freitas (2007), Dias-da-Silva (2005), Linhares
(2001) e Patinha (1999), entre outros. Discutindo informações obtidas por
Freitas (2007) e os possíveis resultados que os novos programas de formação
podem trazer para a identificação profissional dos professores, Passos e
Oliveira (2008, p.107) afirmam que “tais informações são provocativas e vêm
17
confirmar a necessidade de estudos sobre o Programa Especial de Formação
de Professores”.
Mas, o que esses estudos devem abordar? Certamente, essa pergunta
possui um número considerável de respostas. Optamos por uma abordagem do
tema seguindo a ideia de que nenhum saber por si mesmo é formador de seu
processo de ensino (Tardif, 2011). Assim, por mais que se afirme ou acredite
que um profissional de uma das áreas chamadas afins à Matemática “sabe
Matemática”, parece óbvio que esse profissional não foi formado para ensinar
Matemática. Usando as palavras do próprio Tardif (2011, p.43): “saber alguma
coisa não é mais suficiente, é preciso também saber ensinar”. Nesse cenário,
parece-nos que os cursos de complementação pedagógica teriam o objetivo de
oferecer a esse profissional – que se presume já saber Matemática –
conhecimentos sobre como ensinar Matemática.
Entretanto, essa lógica de que um graduado em área afim já sabe
Matemática carece de uma análise mais aprofundada: ainda que esses cursos
ofereçam disciplinas relacionadas à Matemática, quais são essas disciplinas e
como são ministradas essas disciplinas? A estruturação e a execução dos
cursos de complementação pedagógica vêm permitindo a esse docente
conhecer particularidades dos processos de ensino e de aprendizagem de
Matemática?
Se for verdade que “a formação inicial de professores visa a formar
profissionais competentes para o exercício da profissão” (Ponte, 2002, p.3),
então, a graduação em uma área afim, juntamente com a complementação
pedagógica, equivale ao curso de formação inicial pelo qual passam os
licenciados em Matemática, pelo menos nos termos de lei. Mas, em termos de
prática: como é o “fazer” de um professor que frequentou um curso de
complementação pedagógica?
Questionar o “fazer” do professor leva em conta o fato de que a ação do
professor é um ato intencional.
Um acto que, portanto, pressupõe no professor razões e motivos, propósitos e objectivos, eventualmente nem sempre claramente definidos e explícitos, que o orientam nos juízos que faz e nas opções e decisões que toma na sua prática de ensino. (GUIMARÃES, p.81, 2010)
18
Ainda que o professor tenha que seguir uma série de normas e rotinas a
ele impostas, ele também carrega consigo algumas certezas – as razões e os
motivos citados por Guimarães (2010). Essas certezas, construídas ao longo
da sua vida, estão “guardadas” em seus pensamentos; uma vez dentro de sala
de aula, tais pensamentos influenciam suas ações. Por isso, “entender” o modo
como o professor pensa pode auxiliar no entendimento de suas ações
cotidianas. E para “tentar entender” o pensamento do professor, optamos por
estudar suas concepções2.
Escrevendo sobre concepções de professores de Matemática, Carvalho
e César (1996) afirmam que elas são formadas antes do início de sua atuação
como docente, “sendo influenciadas pelas suas vivências como alunos e pelas
problemáticas debatidas durante a sua formação inicial universitária,
nomeadamente a que se realiza nas Licenciaturas em Ensino de Matemática”
(p. 1). Em tese, a Licenciatura em Matemática é o curso que prepara o
professor para o exercício da docência em Matemática. Ora, se as concepções
dos professores de Matemática sofrem influência daquilo que é trabalhado
durante a Licenciatura – como formação inicial – essas concepções serão
diferentes das concepções dos professores de Matemática, formados em uma
área afim e que frequentaram um curso de complementação pedagógica?
Sabemos que o estudo das concepções dos professores não é algo
novo no âmbito da Educação Matemática.
No que diz respeito ao ensino da Matemática, trata-se de uma área de investigação em desenvolvimento sensivelmente desde o início dos anos oitenta, e que, desde então, foi merecendo uma atenção crescente. (Guimarães, p. 82, 2010)
Entretanto, a maioria dos trabalhos opta por seguir em duas direções:
estudos de concepções de professores em formação ou estudos de
concepções de professores em exercício. Não conseguimos encontrar estudos
sobre concepções de professores de Matemática que levem em conta o curso
feito na graduação (as pesquisas feitas com professores em formação são
realizadas em Licenciaturas, e as pesquisas com professores em exercício os
veem como professores já formados, não importando o modo como se
tornaram licenciados). Desse modo, uma pesquisa sobre concepções feita,
2 A definição do termo concepção a ser usado neste trabalho será apresentada posteriormente.
19
especificamente, com professores de Matemática que tiveram como formação
inicial um curso de uma área afim à Matemática pode contribuir para as
discussões sobre o campo de formação de professores de Matemática no
Brasil.
As leituras feitas e os apontamentos até aqui colocados nos permitiram
elaborar a seguinte questão de pesquisa:
Que concepções sobre os processos de ensino e de ap rendizagem da
Matemática têm professores de Matemática cuja forma ção inicial seja um
curso em uma área afim à Matemática e que fizeram C omplementação
Pedagógica?
2) Objetivo
A busca por uma resposta ao problema proposto permite definir que o
objetivo principal desta pesquisa será: Identificar concepções sobre os
processos de ensino e de aprendizagem de Matemática de professores de
Matemática cuja formação inicial seja um curso em u ma área afim à
Matemática e que fizeram Complementação Pedagógica.
Dada à importância que o conceito de concepção possui nesta pesquisa,
será feita, no próximo capítulo, uma discussão a respeito desse assunto; do
mesmo modo, a questão da formação de professores de Matemática, nas
diferentes formas até aqui levantadas – Licenciatura em Matemática ou Cursos
de Complementação Pedagógica – também serão debatidas ao longo desse
trabalho.
20
Capítulo II: Concepções
Em sua prática cotidiana, o professor, por diversas vezes, precisa tomar
decisões. São, por exemplo, perguntas corriqueiras para um professor: qual a
melhor forma de abordar um conteúdo novo? Qual metodologia de avaliação
aplicar para verificar a aprendizagem dos alunos? Quais materiais didáticos
utilizar durante as aulas?
Ainda que a elaboração de algumas dessas respostas não conte com a
participação dos professores – algumas escolas, por exemplo, definem o valor
de uma avaliação ou o uso de certo material didático sem levar em conta a
opinião dos docentes – inevitavelmente o professor, ao longo de sua atuação,
acabará tomando decisões, escolhendo rumos de ação. Para tomar essas
decisões, o professor lança mão de uma série de recursos pessoais:
“elementos” que ele foi construindo ao longo de sua vida, por meio de suas
experiências, quer sejam individuais – suas interpretações dos fatos – quer
sejam sociais, nas quais o contato com outras pessoas e com outros modos de
pensar acaba por exercer influência sobre as suas visões de mundo. Os
elementos que possuem tais características, a nosso ver, são as concepções.
Mas o que são concepções?
Concepção é, na verdade, um termo difícil de definir e cujo significado nos escapa com facilidade. Em linguagem corrente, quando perguntamos a alguém qual é a sua concepção disto ou daquilo, o que, de um modo geral, queremos saber é o que a pessoa pensa sobre determinada coisa, qual é a forma como ela a vê ou encara. (GUIMARÃES, 2010, p. 84)
Para alguns autores, (Ponte, 1992; Sztajn, 1998; Guimarães, 2010), Alba
Thompson é a primeira autora a se dedicar a esse campo de pesquisa na
Educação Matemática. Contrariando as tendências da época – início da
década de 1980 - a pesquisadora investiu numa linha de trabalho baseada na
seguinte afirmativa:
Os professores desenvolvem padrões de comportamento característicos de sua pratica pedagógica. Em alguns casos, estes padrões podem ser manifestações de noções, crenças e preferências, conscientemente sustentadas, que agem como “forças motrizes” na formação do seu comportamento. Em outros casos, as forças motrizes podem ser crenças ou instituições, inconscientemente sustentadas, que podem ter evoluído fora da experiência do professor. (THOMPSON, 1997, p. 12)
21
A partir da definição dada pela autora para concepções – visões,
crenças, e preferências, conscientemente sustentadas – neste trabalho
exploraremos apenas suas duas últimas componentes.
Pelo que se pode perceber da citação anterior, a autora acredita que as
concepções exercem forte influência na prática cotidiana do professor,
interferindo de modo direto na sua atuação como “mediadores primários entre o
conteúdo e os alunos” (p. 12). É sabido que a atuação docente é constituída de
uma série de ações. E, para “ordenar” essas ações, as concepções entram em
cena.
Todo professor possui concepções que permitem a ele interpretar
situações de seu dia a dia da sala de aula e do convívio escolar, assim como
definir modos de atuação para alcançar os objetivos que o trabalho docente
impõe. Em qualquer um desses casos, essas concepções foram sendo
“construídas” a partir de situações por ele vivenciadas, quer seja durante o seu
processo de formação inicial, quer seja durante a sua própria atuação como
docente. Assim, dois professores, que frequentem um mesmo curso de
formação docente, não necessariamente construirão as mesmas concepções
sobre um determinado assunto já que, cada um, em sua individualidade,
recebe e processa a mesma informação de modos diferentes.
O interesse em estudar as concepções, para Ponte (1992), também
pode ser reforçado pelo fato:
de que existe um substrato conceitual que joga um papel determinante no pensamento e na ação. Esse substrato é de natureza diferente dos conceitos específicos – não diz respeito a objetos ou ações bem determinadas, mas antes constitui uma forma de os organizar, de ver o mundo, de pensar. Não se reduz aos aspectos mais imediatamente observáveis do comportamento e não se revela com facilidade – nem aos outros nem a nós mesmos. (PONTE, 1992, p. 01)
Dessa forma, ao estudarmos as concepções de um professor, temos
acesso ao seu modo particular de organizar o conteúdo e ao modo que julga
ser pertinente torná-lo objeto de aprendizagem de seus alunos. É interessante
notar que existe uma distinção entre conhecimento específico e concepções3·:
3 Na distinção entre saberes específicos e concepções, o trabalho de Thompson é um dos
pioneiros, pois abandona a pesquisa vigente na época – conhecimentos matemáticos dos
22
enquanto o primeiro é passível de aprendizagem e de medição – são comuns
os processos de avaliação de aprendizagem de conteúdos em todos os nossos
níveis de ensino – o segundo é formado por meio de uma construção pessoal,
não momentâneo, em que pesam as situações vividas ao longo do processo de
formação, quer seja pessoal, quer seja profissional. Além disso, as
concepções, como afirma Ponte (1992), não são elementos que possam ser
medidos por meio de exames ou de avaliações: ao contrário, sua descoberta
demanda processos mais subjetivos, e que, por isso mesmo, nem sempre são
simples ou de respostas imediatas.
Nos textos de Ponte (1992), Guimarães (2010), assim como em
Thompson (1982), existe a indicação de que as concepções possuem, na vida
docente, uma dupla função:
- De um lado surge a ideia de que as concepções servem como “elementos de
adaptação” à situação, influenciando diretamente a ação do professor. Assim,
quando um professor é apresentado a uma nova proposta de trabalho, suas
concepções entram em cena, auxiliando-o na adaptação do seu trabalho a
essa nova condição;
- De outro lado, encontra-se a ideia de que as concepções atuam como um
fator de mediação entre a situação e o professor. Assim, por exemplo, quando
um professor é apresentado a uma informação, suas concepções servem como
um “elemento antecipador”, auxiliando sua percepção e sua interpretação
dessa informação.
A associação entre concepção e interpretação antecipadora é
compartilhada por Dewey (1910). Para ele, as atividades: (i) de interpretação
antecipada de uma situação – tomando como base a experiências adquirida
com situações anteriores - e (ii) confronto dessa interpretação com a
experiência – aqui podendo ser entendido como a realidade na qual se está
inserido - é que permite à pessoa a formação de uma concepção. O autor
ainda afirma que “(...) à medida que este processo de pressuposição e
experimentação constante é completado e refutado pelos resultados [que] as
suas concepções ganham corpo e clareza” (DEWEY, 1910, p.129)
professores – para investigar como suas concepções interferiam nos seus afazeres de sala de aula.
23
Gostaríamos de propor aqui uma relação entre os trabalhos de Dewey
(1910) e de Thompson (1997), a partir da situação de um professor iniciante;
mesmo iniciante, esse professor possui concepções formadas muito mais por
crenças do que por experiências anteriores. Essas concepções permitem a
interpretação antecipada da situação e indicam caminhos de ação, conforme a
proposta de Dewey (1910). Porém, para esse autor, é somente no confronto
com a experiência vivida que a concepção se forma.
Nesse ponto, discordamos do autor por entendermos, apoiados em
Thompson (1997), que o professor iniciante possui suas concepções, ainda
que sejam formadas quase que, exclusivamente, por crenças que foram sendo
formadas durante os seus anos como aluno. Entretanto, as situações que ele
começará a viver como docente irão gerar um saber da experiência, nos
termos de Shulman (1986) e de Tardif (2002). E esse saber da experiência,
incorporado ao conjunto de outros saberes desse professor, influenciará as
preferências conscientemente sustentadas defendidas por Thompson (1997).
Assim, existe uma interação entre as concepções e os saberes da experiência:
as concepções influenciam as ações do docente; essas ações permitirão a
aquisição dos saberes da experiência; e esses saberes exercerão influência
nas concepções, alterando-as.
Esquematicamente:
Figura 1: Relação entre concepção e saber da experi ência
Fonte: acervo do autor
Pelo esquema, ao deparar com uma situação – que pode ser o
planejamento de um curso ou de uma aula, por exemplo - o professor, apoiado
24
em suas concepções, adota uma ou mais ações que julga serem adequadas
para a sua condução. Essas ações trarão uma série de resultados. E, a partir
da análise desses resultados, novos saberes serão obtidos pelo professor – os
saberes da prática ou da experiência.
Esses novos saberes, ao serem incorporados ao conjunto de
conhecimentos dos professores, acabam por alterar não apenas os próprios
saberes, mas também as crenças e as suas concepções.
Assim, assumimos que entendemos que as concepções – no caso dos
professores – são os suportes do trabalho docente. Esses suportes podem ser
pontos de vista, opiniões, crenças ou conhecimentos prévios que cada
professor possui e que manifesta por intermédio de suas ações, moldando algo
que se pode definir como “estilo próprio”. Desse modo, a prática cotidiana pode
ser entendida como uma das formas de manifestação das concepções de um
professor.
Também acreditamos que as concepções são passíveis de mutações ao
longo do tempo de exercício da docência: ao iniciar a carreira, o docente
apresenta concepções que podem ser modificadas ao longo do tempo. Não
cabem aqui afirmações como: “com o tempo, as concepções se tornam
melhores” ou “esse docente melhorou suas concepções”. Acreditamos apenas
que, com o tempo, as concepções se modificam.
O “estilo próprio” é revelado pelo modo como o professor conduz os
processos de ensino e de aprendizagem: quais atividades são propostas, como
divide os tempos de aula, qual relação estabelece com seus alunos e quais
materiais são utilizados em suas aulas, entre outros. Desse modo, se for
possível elencar algumas particularidades desse “estilo próprio”, acredita-se
estar em um caminho adequado na tentativa de caracterização (momentânea)
das concepções de um professor.
No próximo capítulo, abordaremos a questão da formação do professor
de Matemática. Nessa discussão, daremos ênfase a questão da formação fora
dos cursos de Licenciatura em Matemática: nosso foco estará nos cursos de
Complementação Pedagógica, oferecidos a graduados em áreas afins à
Matemática.
25
Capítulo III: Professor de Matemática – Processos d e Formação
Discutir a formação de um professor é algo bastante complexo, pois se
trata de um profissional que não deve apenas ter domínio do conteúdo da
disciplina que irá ministrar. Também deverá ser detentor de conhecimento
produzido em diferentes áreas – Psicologia da Educação, História da
Educação, Sociologia da Educação, Políticas Educacionais, entre outras.
Talvez, por conta de tudo que se tenha conseguido conhecer desse processo
formativo, é que muitos autores afirmam que o professor é um profissional de
formação contínua, cujo aprendizado se dá todos os dias, em diferentes
espaços formativos. Nesse sentido, Tardif (2011) afirma que:
Em suma, o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos (TARDIF, 2011, p 39).
Qual o “modelo legal” de formação inicial de um docente vigente no
Brasil? De acordo com a Lei nº 9.294/96 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far–se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de professores para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram dedicar-se à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação nos diversos níveis. (BRASIL, 1996, p. 35)
Do texto, podemos extrair que, no Brasil, atualmente, há dois caminhos
a serem seguidos por aquele que deseja se tornar professor de Matemática: ou
fazer o curso de licenciatura em Matemática ou frequentar, caso já seja
portador de diploma de curso superior, um programa de formação pedagógica.
Sobre a licenciatura em Matemática, no Brasil, a discussão é longa e
multifacetada. Encontramos discussões sobre o formato do curso, sobre qual
Matemática deve ser ensinada, sobre os estágios obrigatórios, entre outros
26
assuntos relacionados a esse curso. Ainda que a lista seja longa, essa parece
ser uma discussão longe de ser encerrada. E nem poderia ser diferente, por
toda a complexa rede de fatores envolvida. Entretanto, raras são as discussões
envolvendo o outro modelo de formação docente.
Foi por meio da resolução nº 02/97 que o Conselho Nacional de
Educação regulamentou os programas especiais de formação docente:
Art. 1º - A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio, será feita em cursos regulares de licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica estabelecidos por esta Resolução (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,1997, página 1)
Pelo texto, parece ficar claro que o CNE entende que o que falta ao
portador de diploma de curso superior não é o conhecimento da disciplina, mas
sim o conhecimento pedagógico, pois regulamenta apenas programas de
formação pedagógica, que, até hoje, são conhecidos como cursos de
complementação pedagógica.
Essa questão – formação específica versus formação pedagógica – é
algo que vem sendo discutido há bastante tempo pelos pesquisadores na área
de formação de professores de Matemática. Inúmeros são os textos que tratam
da questão da dicotomia entre teoria e prática nos cursos de formação inicial e
a tentativa de romper com o formato “3+1”.
Mesmo com toda essa discussão, o fato é que a dicotomia entre teoria e
prática ainda se encontra presente nos nossos cursos de licenciatura em
Matemática, na visão de Moreira (2012). Para esse autor, “a licenciatura saiu
do 3+1, mas o 3+1 não saiu da licenciatura” (p. 1137), pois o princípio
norteador ainda é o mesmo: as disciplinas de Matemática estão separadas das
disciplinas de ensino. Para ele:
Não podemos continuar separando conteúdo e ensino na formação do professor, uma vez que na prática docente esses elementos não são separáveis. Se os separamos no processo de formação, não estamos preparando o profissional para a sua prática real (MOREIRA, 2012, p. 1142)
Se, como comunidade científica, discutimos modos pelos quais podemos
resolver essa dicotomia na licenciatura, então precisamos, também, por
questão de coerência, pensar nessa dicotomia nos cursos de complementação
27
pedagógica, pois eles continuarão a formar professores, uma vez que sua
existência4 se encontra prevista em lei.
A motivação para a criação dos programas especiais – há grande
necessidade de formação de professores para atender a falta deles nas quatro
últimas séries do primeiro grau e no segundo grau (Parecer CNE Nº 4/97,
p.283) – ainda continua presente na realidade nacional. Dados retirados do
documento Escassez de professores no Ensino Médio: Propostas Estruturais e
Emergenciais (Ruiz, Ramos, Hingel, 2007) mostram que a carência de
professores de Matemática, ainda hoje, é grande.
De acordo com o documento citado, o aumento do número de matrículas
nos últimos anos do Ensino Fundamental e no Ensino Médio gerou um
aumento na demanda de professores habilitados para atuarem nesses
segmentos. Entretanto, a formação desses profissionais não acompanhou o
progresso do número de matrículas, gerando um déficit de 235 mil professores
no país somente nas disciplinas de: Física, Química, Matemática e Biologia
(Ruiz, Ramos, Hingel, 2007).
Percebe-se que, mesmo com a criação dos Programas Especiais de
Formação Docente, quer sejam eles uma política permanente ou não, a falta de
professores continua a ser alvo de preocupações. Mesmo com todos os
esforços governamentais, os cursos de licenciatura não conseguem atrair um
grande número de ingressantes, não sendo raros os casos de fechamento de
cursos Licenciatura em Matemática por falta de interessados. A discussão
sobre os motivos pelos quais a profissão docente não é atraente para os jovens
que ingressam na universidade e qual o perfil daqueles que ingressam nas
licenciaturas (Moreira et al, 2012) deve permanecer na agenda de discussões
da formação docente, assim como a discussão sobre os modelos de curso de
formação, algo que já citamos anteriormente. Porém, pensamos que essas
discussões também devem incluir os Programas Especiais de Formação, visto
que eles podem ser um elemento de auxílio no combate à escassez de
professores vivida nos dias atuais.
4 Enquanto alguns conselheiros entendiam, no parecer CNE nº 4/97, que os programas especiais de formação de professores que ora discutiam eram de caráter emergencial, o conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset ressalvava que tal discussão era sem sentido, pois a existência de tais cursos já estava prevista em esfera maior, no caso a LDB. Particularmente, concordamos com a observação feita pelo conselheiro Ulysses.
28
Incluir os Programas Especiais nas discussões sobre a formação do
professor de Matemática alinha-se com a preocupação manifestada pelos
conselheiros que elaboraram o Parecer CNE Nº4/97:
Sendo assim equacionada, dentro do quadro geral de formação e de valorização do magistério, tal proposta deverá representar uma possibilidade de abertura e flexibilização das atuais estruturas dos cursos de licenciatura, procurando atender às necessidades prementes, mas atentando para as inúmeras experiências que vem sendo desenvolvidas com o intuito de verificar quais alternativas vem sendo bem sucedidas, no todo ou em parte (BRASIL, 1997, pp. 283 e 284)
Na tentativa de entender um pouco mais do funcionamento e da
estrutura dos Programas de Especiais de Formação de Professores, fizemos
um levantamento dos cursos que são oferecidos no Estado do Espírito Santo.
De acordo com o site do MEC (in http://mec.gov.br, acessado em 02 de
fevereiro de 2015), nesse estado existem vinte e três instituições autorizadas a
oferecerem o curso em Licenciatura em Matemática, sendo que vinte
efetivamente o fazem5. Entre essas, duas são instituições federais, uma
municipal, nove são privadas com fins lucrativos e outras nove privadas sem
fins lucrativos.
O tempo de curso, nas instituições federais e na municipal, é de quatro
anos. Em todas as demais instituições, o curso possui duração de três anos.
Apenas seis instituições – as duas federais, a municipal e as três privadas -
oferecem cursos presenciais, sendo que as restantes oferecem cursos a
distância com encontros presenciais de periodicidade variável.
Das vinte instituições que oferecem o curso de Licenciatura em
Matemática, oito também oferecem o Curso de Complementação Pedagógica,
sendo uma federal, cinco privadas com fins lucrativos e duas privadas sem fins
lucrativos. Todos esses cursos são oferecidos na modalidade a distância, com
encontros presenciais variados.
Mantivemos contato com essas oito instituições, solicitando informações
sobre o curso e sua ementa disciplinar. Das oito, quatro – a federal e três
privadas – responderam-nos positivamente, enviando-nos suas matrizes
curriculares, que apresentamos a seguir:
5 Todas as instituições que não oferecem o curso são privadas com fins lucrativos.
29
Quadro 1: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica
Disciplina Carga Horária
Desafios e demandas da formação de professores 80 horas Didática 120 horas
Avaliação e planejamento da Aprendizagem 60 horas Estágio e Práticas Docentes 300 horas
Práticas Pedagógicas 90 horas Projeto de Complementação (Artigo Científico) 50 horas
Estrutura, Organização e Funcionamento da Educação Nacional
100 horas
Fundamentos Teóricos da Matemática 60 horas Metodologia do Ensino da Matemática 100 horas
Carga Horária Total 960 horas Fonte: Instituição A
Quadro 2: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica
Disciplina Carga Horária
Educação a Distância e Ambientes de Aprendizagem 20 horas Seminário: Educação e Sociedade Contemporânea 20 horas
Bases Sociofilosóficas da Educação 60 horas História da Educação Brasileira 30 horas
Psicologia da Educação 60 horas Diversidade e Educação 60 horas
Política e Organização da Educação Brasileira 60 horas Seminário: Formação dos professores no Século XXI e o
desenvolvimento profissional 20 horas
Didática Geral 90 horas Metodologia de Ensino de Matemática 60 horas
LIBRAS 60 horas Tecnologias Integradas à Educação 30 horas
Estágio Supervisionado 300 horas Seminário de Integração 10 horas
Carga Horária Total 880 horas Fonte: Instituição B
Quadro 3: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica
Disciplina Carga Horária Política Educacional Brasileira 80 horas
Didática 80 horas Avaliação Educacional e Institucional 80 horas
Psicologia da Educação e Aprendizagem 80 horas Práticas de Ensino 80 horas
Carga Horária de Ensino 400 horas Fonte: Instituição C
30
Quadro 4: Estrutura de um curso de Complementação P edagógica
Disciplina Carga Horária Leitura e Produção de textos --
Metodologia do Trabalho Científico --
Escola e Sociedade --
Fundamentos Filosóficos da Educação --
Psicologia da Educação: Desenvolvimento e Aprendizagem --
Libras --
Organização e Legislação do Ensino --
Didática e Projetos Educacionais --
Atuação Docente --
Avaliação Escolar --
Metodologia do Ensino de Matemática --
Fonte: Instituição D
Assim como nos cursos de Licenciatura em Matemática, percebe-se
uma grande diferença nas disciplinas ofertadas, bem como na carga horária de
cada curso. Pelas propostas apresentadas, apenas a instituição A oferece uma
disciplina relacionada a conteúdos matemáticos. A ausência de disciplinas
dessa natureza, ao mesmo tempo em que enfatiza o caráter pedagógico da
formação, reforça a tendência de separar teoria e prática na formação docente.
De certo modo, essa ausência de disciplinas relacionadas ao
conhecimento matemático não chega a gerar surpresas, pois a própria
resolução CNE/CEB nº 02/97 prevê que os programas são destinados “a
portadores de diploma de nível superior em cursos relacionados à habilitação
pretendida, que ofereçam sólida base de conhecimentos na área de estudos
ligados à essa habilitação” (CONSELHO NACIO0NAL DE EDUCAÇÃO, 1997,
p. 1)
A compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina na qual
pretende habilitar-se é de responsabilidade da instituição, não sendo
especificado, na resolução, nenhum parâmetro balizador dessa
compatibilidade.
Mais tarde, analisando a exigência quanto a esses “conhecimentos” prévios, percebemos que se tratava apenas da apresentação do histórico escolar, de nível superior, composto por disciplinas diretamente ligadas à habilitação e cujo tempo mínimo necessário era de 160 horas em toda graduação. (PASSOS e OLIVEIRA, 2008, p. 111)
31
Pensamos que essa situação poderia ser modificada. Limitar ao mínimo
de 160 horas a formação matemática de um futuro professor de Matemática é
algo que, na nossa opinião, poderia ser repensado, pois se trata da disciplina
que irá ministrar, o ponto de convergência de todo o trabalho de sala de aula.
Ainda que estejamos, como comunidade acadêmica, discutindo qual deve ser a
Matemática conhecida por um professor de Matemática, em nosso
entendimento, o limite de 160 horas fica abaixo daquilo que entendemos ser o
indicado, mesmo sabendo que não é o número de horas de disciplinas
relacionadas à Matemática que fará a diferença na prática cotidiana do
professor.
Mais uma vez: se estamos discutindo a formação do professor de
Matemática, por que não incluir os programas especiais de formação também
nessa discussão? É nítido o esforço que vem sendo feito para encontrar o
“modelo ideal” de formação. Entretanto, esse modelo, ao que parece, leva em
conta apenas a licenciatura.
Mas, enquanto nos concentramos na licenciatura, esquecemos que a
legislação permite essa outra via de formação. Não queremos discutir qual das
duas é a melhor ou a mais adequada, mas entendemos que, se estamos
discutindo a formação docente, devemos discuti-la em todas as suas opções.
Essa insistência em incluir os programas especiais nessas discussões
apoia-se, no nosso entendimento, em um aspecto: ainda carecemos de
professores de Matemática e os cursos de licenciatura não estão formando o
número suficiente de professores.
Deve estar claro que não defendemos a extinção ou a desqualificação
desses cursos: apenas acreditamos que, ao discuti-los, estamos pensando na
melhoria da formação do professor de Matemática. Vale lembrar que, quando
somos criticados como professores de Matemática, somos criticados como um
todo, independentemente da maneira como nos formamos. Se estamos
constantemente repensando os processos de formação, por que excluir esses
cursos?
Voltando à questão da formação Matemática, por que não discutir
melhor essa “sólida base de conhecimentos”? Por exemplo: em um curso de
Economia, não existem cadeiras relativas a Geometria, mas certamente um
aluno desse curso estudou mais de 160 horas de disciplinas relacionadas a
32
Matemática. Caso um Economista frequentasse um dos quatro cursos cujas
ementas apresentamos anteriormente, ele obteria sua habilitação para a
docência sem ter feito, em um curso superior, uma disciplina relacionada à
Geometria. Ainda que existam argumentos de que a existência de uma
disciplina relacionada à Geometria não garantiria a essa pessoa conhecimento
sólidos no assunto, o que queremos levantar é a reflexão sobre os modelos
legais de formação que temos no Brasil e suas diferenças.
No capítulo a seguir, faremos a apresentação da metodologia utilizada
em nossa pesquisa, bem como a caracterização da pesquisa como trabalho
científico.·.
33
Capítulo IV: Metodologia e Procedimentos Metodológi cos
Nesse capítulo, apresentaremos as características dessa pesquisa como
um trabalho científico. Para isso, debateremos o enquadramento do trabalho
como uma pesquisa qualitativa e como um estudo de caso; detalharemos o
contexto da pesquisa, as características dos participantes e os instrumentos de
coleta de dados utilizados.
O capítulo encerra-se com o encaminhamento a ser dado para a análise
dos dados obtidos.
1) O ato de pesquisar concepções
Como pesquisadores que buscavam identificar concepções, estivemos
atentos às informações dadas por Garnica (2008) sobre as dificuldades de se
efetivarem pesquisas sobre esse assunto: “são as concepções estáveis de
modo a se deixarem identificar tão facilmente?” (p. 498). As características
abstratas das concepções representaram um desafio para nós, pois tínhamos
em mente que o que buscávamos era algo com características transitórias,
mutáveis e que, por vezes, poderiam estar “escondidas” em detalhes.
Thompson (1997) é apontada como uma das pioneiras no estudo das
concepções de professores. Em um estudo que investigou as relações entre
concepções e práticas de três professoras da “junior high school”, fez
observações diárias de aulas de cada uma das professoras durante um período
de quatro semanas: nas duas primeiras semanas, as atividades de pesquisas
estavam restritas a observações; já nas duas últimas, além das observações,
foi realizado um processo de entrevistas com cada uma das professoras. A
sequência, primeiro, observações e depois entrevistas, foi justificada do
seguinte modo:
A primeira fase permitiu inferências que induziram a uma tentativa de caracterização das concepções das professoras com base somente em suas aulas, sem entrar diretamente nas suas crenças e pontos de vista professados. Este procedimento pretendeu evitar a influência potencial que os pontos de vista professados pelas professoras pudessem ter sobre a sensibilidade do investigador para os diferentes eventos observados. (THOMPSON, 1997, p. 15)
34
2) Caracterizando a pesquisa
A pesquisa em Educação Matemática pode ser de cunho qualitativo, de
cunho quantitativo, ou mesmo uma combinação dos dois tipos, dependendo do
contexto da pesquisa e das caraterísticas dos fenômenos educacionais que se
pretende investigar.
Bogdan e Biklen (1994), ao caracterizarem a pesquisa qualitativa,
apontam cinco conjuntos de considerações básicas presentes nesta pesquisa:
� Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2015, em turmas
regulares dos Ensinos Fundamental e Médio das redes municipal e
privada dos municípios de Vila Velha e de Vitória, no Estado do Espírito
Santo. As observações ocorreram durante as aulas de Matemática, o
que significa que a coleta de dados ocorreu no cotidiano das escolas.
Por isso, concluímos que a pesquisa está de acordo com a afirmação
que: “a fonte direta dos dados é o ambiente natural, constituindo o
investigador o instrumento principal”. (Bogdan e Biklen, 1994, p. 47);
� A investigação possui característica predominantemente descritiva, pois
os dados foram obtidos a partir dos protocolos de observações de aulas
e das entrevistas feitas. Assim, pode–se afirmar que “os dados
recolhidos são em forma de palavras e não de números”. (Bogdan e
Biklen, 1994, p. 48);
� Ao observamos as práticas dos professores, em nenhum momento
estivemos preocupados com resultados ou com avaliações: nosso
interesse estava concentrado em suas ações e no seu modo particular
de conduzir os processos de ensino e de aprendizagem de Matemática.
A atenção nos processos e não nos resultados, segundo Bogdan e
Biklen (1994), é uma característica presente em uma pesquisa
qualitativa;
� Não tínhamos uma hipótese a priori. Seguindo a sugestão de Bogdan e
Biklen (1994), tínhamos dados abundantes, e as amplas possibilidades
de análise nos permitiram um tratamento indutivo, característica da
pesquisa qualitativa.
� Era desejo que os significados – elemento importante numa abordagem
qualitativa (Bogdan e Biklen, 1994) – fossem os elementos
35
desencadeadores das análises que pretendíamos fazer. A efetiva
participação dos docentes e o empenho dos pesquisadores foram
elementos que permitiram trazer à tona algumas evidências sobre as
concepções dos primeiros, na perspectiva de que, numa abordagem
qualitativa, os pesquisadores estão interessados no modo como
diferentes pessoas dão sentido às suas vidas (Bogdan e Biklen, 1994, p.
50).
Esse conjunto de argumentos fornece indícios de que este trabalho é
uma pesquisa qualitativa na área da Educação Matemática.
Ainda dentro da linha de uma abordagem qualitativa, a pesquisa também
possui características de estudo de caso.
Seu objetivo – analisar as concepções de professores de Matemática
que possuem como formação inicial um curso em uma área afim à Matemática
– constitui a singularidade citada por Fiorentini e Lorenzato (2006) em sua
caracterização do estudo de caso.
Para esses autores,
o caso não significa apenas uma pessoa, grupo de pessoas ou uma escola. Pode ser qualquer “sistema delimitado” que apresenta algumas características singulares e que fazem por merecer um investimento investigativo especial por parte do pesquisador. (FIORENTINI E LORENZATO, 2006, p. 110)
O sistema foi delimitado pela escolha da formação inicial dos
participantes: um curso superior numa área afim à Matemática. A escassez de
pesquisas nessa área e o número de profissionais (professores de Matemática)
que podem ser encontrados com esse perfil permitem afirmar, na nossa
opinião, que reunimos elementos que justificam o “investimento investigativo”
pretendido.
Sabe – se que um estudo de caso
... busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível, enfatizando a interpretação ou a análise do objeto, no contexto em que ele se encontra, mas não permite a manipulação das variáveis e não favorece a generalização. (FIORENTINI E LORENZATO, 2006, p. 110)
A opção feita - trabalhar com um grupo reduzido de professores -
impede maiores afirmações sobre a ocorrência dos mesmos resultados em
36
outros locais e em outros grupos. Desse modo, os resultados encontrados
nesta pesquisa não podem ser generalizados.
Mesmo assim, esta pesquisa contribui com mais informações sobre esse
modelo de formação – formação inicial diferente da licenciatura mais a
complementação pedagógica.
3) Os sujeitos da pesquisa
Como os cenários de pesquisa localizam-se em municípios do Espírito
Santo, julgamos conveniente relatar um pouco da recente história da formação
de professores de Matemática nesse Estado.
Historicamente, os professores que atuavam nessa região eram formados no curso de licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – ou eram profissionais de outras áreas que, devido à falta de licenciados, atuavam como docentes, mesmo sem a habilitação legal. Com a intervenção do MEC, fiscalizando a formação dos professores que atuavam em sala de aula e com a expansão de vagas no ensino superior na rede particular, alguns cursos de licenciatura curta (ou complementação pedagógica) e plena foram criados na região. (ZOCOLOTTI, 2010, p. 89)
O convívio de mais de 20 anos com profissionais que, em sua maioria,
não passaram por um curso de licenciatura, mas que se tornaram professores
de Matemática após a complementação pedagógica, numa relação diária de
troca de experiências, permitiu-nos observar que esses professores - em sua
maioria - adotavam práticas que poderiam ser classificadas, de acordo com
Fiorentini (1995), como tradicionais: as aulas quase sempre se resumiam à
resolução de exercícios padrões, não se constituindo problemas; normalmente,
a resolução ocorria após uma explanação teórica do professor, com os alunos
atuando apenas como ouvintes. A interação aluno e professor ficava restrita
aos esclarecimentos de dúvidas dos exercícios, e a avaliação dos processos
de ensino e de aprendizagem é baseada quase unicamente em provas
escritas, com questões abertas ou de múltiplas escolas.
É fato que tais observações quase sempre ocorreram em cursos de pré-
vestibulares, cursos nos quais tal prática pode até se justificar. Entretanto,
mesmo quando esses profissionais atuavam em outros segmentos,
principalmente no Ensino Médio, as práticas não se alteravam: a mudança
mais significativa que ocorria, para alguns, era o fato que, no Ensino Médio,
37
teriam mais tempo para trabalhar determinados assuntos. Esse “ter um tempo
maior” pode ser entendido como “agora tenho tempo para fazer mais
exercícios”; ou seja: não existia mudança de metodologia. Fica a impressão de
que, para esses profissionais, só se aprende Matemática fazendo muitos
exercícios.
Essas observações, ao longo dos anos, tornaram-se indagações: será
essa uma prática comum a profissionais com esse perfil de formação? Será
que, no Ensino Fundamental, tais práticas também podem ser observadas?
Será um fenômeno restrito às escolas particulares?
Pelos motivos expostos e pelos questionamentos levantados,
entendemos que os participantes da pesquisa deveriam ser professores de
Matemática cuja formação inicial não fosse a licenciatura em Matemática. Não
foram pesquisados professores cuja formação inicial fosse a licenciatura ou o
bacharelado em Matemática: a pesquisa se destina ao estudo das concepções
de professores de Matemática cuja formação inicial seja um curso em uma
área afim à Matemática.
A busca por um grupo de participantes com esse tipo específico de
formação alinha-se com a hipótese de que a concepção relativa à Matemática
e a seus processos de ensino e de aprendizagem possui influência da
formação que se teve na graduação.
Por fim, optamos por trabalhar com professores dos Ensinos
Fundamental II e Médio, tanto da rede pública como da rede privada. Tal opção
teve por finalidade fazer com que a pesquisa fosse a mais abrangente possível.
Assim surgiu a ideia de trabalharmos com quatro professores: dois do Ensino
Médio – ambos da rede privada – e dois do Ensino Fundamental II – ambos da
rede municipal.
4) Instrumentos para a coleta de dados
Para realizar a coleta de dados, foram utilizados dois diferentes
instrumentos, tentando obter o maior número de informações que pudessem
auxiliar na identificação das concepções dos professores pesquisados.
38
4.1) Entrevistas
O recolhimento de dados da pesquisa foi iniciado por uma entrevista.
Bogdan e Biklen (1994) afirmam que a entrevista é uma conversa intencional
em que uma das pessoas deseja obter informações da outra – ou das outras.
Ainda de acordo com esses autores, a entrevista pode estar associada a outros
instrumentos de recolhimento de dados, algo que foi feito nesta pesquisa.
Sobre a entrevista, inicialmente fizemos perguntas menos direcionadas,
mais abertas; no fim, perguntas mais específicas, direcionadas para alguns
assuntos específicos.
A entrevista foi constituída das seguintes perguntas:
� Qual a sua idade?
� Qual a sua formação inicial?
� Chegou a atuar na sua área de formação inicial?
� Possui algum estudo de pós-graduação na sua área de formação inicial?
� Possui algum projeto futuro relacionado à sua formação inicial?
� Por que a sala de aula, uma vez que possui uma formação inicial
diferente da licenciatura?
� Fez curso de complementação pedagógica? O que o motivou a fazer
essa complementação?
� Há quanto tempo atua como docente? Em quais níveis já atuou e em
qual leciona atualmente? Em qual nível prefere atuar?
� Possui algum estudo de pós-graduação na área da Matemática ou na
área de Educação Matemática? O que o motivou a fazer esse estudo?
� Fale um pouco da sua trajetória profissional como docente.
� Possui algum projeto futuro relacionado à sala de aula?
� Costuma participar de encontros, de congressos ou de cursos de
formação continuada na área da educação?
� Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor
ao longo desses anos? O que motivou essas mudanças?
� Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por mudanças, desde o
início de sua atuação docente? Se sim, quais foram as mudanças que
você percebeu?
39
� O que é aprender Matemática? O que é necessário para que um aluno a
aprenda?
� Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a
Matemática?
� Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que
atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mudadas?
� Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?
� Qual o papel do professor numa aula de Matemática?
Nesse momento, o desejo era conhecer o profissional que estava sendo
entrevistado. Por isso, foi permitido que cada um manifestasse aquilo que
julgava relevante. A construção de uma trajetória que não começa numa
licenciatura despertou o nosso interesse para ouvir os motivos pelos quais
esses profissionais optaram pela sala de aula: foram motivos financeiros?
Desejava fazer licenciatura e pressões familiares o encaminharam para um
outro curso? Não identificação ou frustração com a carreira escolhida? Apesar
de algumas hipóteses, nenhuma delas foi citada, pois não existia a intenção de
influenciar em qualquer tipo de resposta. Eram esperadas respostas
espontâneas, pois pensávamos que as repostas espontâneas revelariam muito
mais “pistas” sobre as concepções do que as “pistas” obtidas a partir de
respostas para perguntas direcionadas.
4.2) Observações da prática
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 90), em estudos de casos com
observações – e essa é uma característica desta pesquisa – “... a melhor
técnica de recolha de dados consiste na observação participante”. Como a
pesquisa foi caracterizada como um estudo de caso, procuramos seguir as
orientações desses autores, além das apresentadas por outros pesquisadores
da área de concepções (Ponte (1992), Thompson (1994) e Garnica (2008)).
Após a entrevista, iniciamos uma série de quatro observações de aula,
na tentativa de observar a prática de cada um dos professores em diferentes
situações.
O objetivo das observações era reunir elementos que nos permitissem
analisar o fazer da sala de aula de cada um dos entrevistados a partir dos
seguintes pontos:
40
� Existe interação entre professor e aluno? Que tipo de interação é essa?
São apenas perguntas ou existe algum outro tipo de diálogo? O
professor incentiva a participação do aluno?
� Existe interação entre aluno e professor? Que tipo de interação é essa?
� O professor utiliza algum tipo de material de apoio? Que material é
esse?
� O professor segue alguma rotina: faz chamada, cobra tarefas dos
alunos, exige disciplina rígida, coisas desse tipo?
� O professor convida os alunos para participarem da aula? Qual tipo de
provocação positiva ele faz para incentivar a participação dos alunos?
� Que tipo de “linguagem matemática” utiliza com os alunos? Busca pelo
formalismo matemático ou utiliza uma linguagem menos formal na
apresentação dos conteúdos?
� Que tipo de exercício ou de tarefa propõe para os alunos, quer seja no
decorrer da aula, quer seja para casa?
� O professor faz alguma alusão a uma possível aplicação prática do
conteúdo que está sendo ensinado?
De posse da entrevista e das observações da sala de aula, associamos
o que inicialmente foi dito pelo professor com aquilo que observamos em suas
aulas, na perspectiva que Garnica (2008) propõe , buscando identificar suas
concepções.
5) Procedimentos de tratamento e análise de dados
Para preservar o processo de coleta de dados, não foi utilizada nenhuma
categoria pré-definida. Entendemos que a existência de categorias definidas
previamente poderia influenciar negativamente o processo de
acompanhamento da prática. Assim, após a coleta dos dados, e com o auxílio
da teoria que embasou a pesquisa, foram criadas as categorias de análise.
41
Capítulo V: Dados Coletados
Neste capítulo apresentamos os dados coletados. A apresentação será
feita por professor, iniciando com a entrevista, seguida dos relatos das
observações feitas.
Optamos pela apresentação separada da análise, pois entendemos que,
desse modo, não estaríamos interferindo na leitura do nosso trabalho.
Vale destacar que ao descrevermos as observações que fizemos das
práticas de cada um dos docentes, inserimos diversas atividades por eles
utilizadas. Nenhuma dessas atividades será analisada isoladamente neste
capítulo ou no próximo; essas análises estarão inseridas no corpo da análise
das concepções de cada um dos professores participantes, a ser debatido no
capítulo VI.
1) Professora Marcela 6
A professora Marcela, 40 anos, casada e mãe de dois filhos, possui
formação inicial em Economia, mas jamais atuou nessa área. Professora desde
1995, já atuou no Ensino Fundamental II – segmento onde prefere atuar - e no
Ensino Médio, sendo que neste último ministrou apenas disciplinas
relacionadas à Economia. Além da complementação pedagógica, também
possui pós-graduação na área de Educação. No período em que participou da
pesquisa, atuava como professora efetiva na rede pública de ensino de dois
municípios – Serra e Vila Velha – sendo que as observações foram feitas na
rede do segundo município, em turmas de sexto ano.
A escola onde a professora atua localiza-se em um bairro de classe
média do município de Vila Velha. Trata-se de uma unidade de ensino
inaugurada no ano de 2009 e que atende a alunos que residem em bairros em
seu entorno, uma região em franca expansão imobiliária. A escola possui boa
estrutura, contando com quadras poliesportivas, laboratórios de informática e
biblioteca com acervo considerável.
6 Nome fictício
42
1.1) Entrevista 7
A entrevista foi concedida no dia 24 de março de 2015, por volta das 14
horas, nas dependências da própria escola.
Qual a sua formação inicial?
Economia.
Você chegou a atuar como Economista?
Não. Era um campo que eu gostava da informação da Economia, mas que é
um campo muito restrito, muito fechado. Então, acabei não entrando no ramo,
E eu sempre tive pretensão de ser militar, mas na carreira militar, na Marinha,
sempre havia apenas uma vaga para Economia.
Você possui algum estudo de Pós-Graduação na área d e Economia?
Não. Em Economia mesmo eu apenas me formei. Tudo o que eu tenho feito é
na área de Educação.
Pretende voltar à área de Economia?
Não.
Por que a sala de aula?
Eu comecei na sala de aula após ter trabalhado em escritório, ter sido faturista,
recepcionista, secretaria, tudo isso para pagar a faculdade, mas o que me
interessava na sala de aula era a troca.
Por exemplo: Em um ano não tive muito acesso à sala de aula; só pude ter
acesso à sala de aula à noite, quando fui substituir a minha prima. Era o horário
em que eu me realizava; eu trabalhava em um escritório de contabilidade pela
manhã. Ali parecia que eu estava morta, dentro de quatro paredes. Mas
quando eu chegava à escola à noite, eu tinha lá com quem brigar, com quem
falar, com quem trocar informações, e isso me fazia bem; parecia que isso
aumentava a minha adrenalina. Por isso, acredito que a sala de aula seja
melhor.
Você fez o curso de Complementação Pedagógica?
Sim, eu fiz.
7 Em todas as entrevistas, as intervenções do pesquisador estão em negrito e itálico , enquanto que as respostas dos entrevistados estão em itálico.
43
O que a motivou?
Se eu falar para você, hipocritamente, que no início não foi por questão de
salário, que até hoje não é lá essas coisas, o que me motivou é o que me
motiva até hoje: eu não gosto de ficar na mesmice. Eu, se eu pudesse mesmo,
se eu tivesse tempo, eu gostaria de fazer uma formação mais forte em
Matemática. Até tenho tempo, mas tenho alguns impedimentos pessoais.
Quem sabe daqui a alguns anos eu não consiga fazer esse curso?
O que me motiva é isso: eu gosto de aprender coisas novas. E me frustra, às
vezes, não conseguir fazer um exercício. Eu acho que tenho que conseguir ir à
frente.
Você acha que o curso de Complementação Pedagógica foi suficiente
para você atuar em sala de aula?
Não, lógico que não. Não é. O curso te dá papel. Como todo curso te dá papel.
E professor não precisa de papel. Professor precisa de informação, de troca,
de dia a dia. Até essas formações que fazemos aqui, acho que é muito papel e
pouca ação. Nós tínhamos que ter, verdadeiramente, laboratórios, troca.
Chegar para outro professor e pergunta: ”Você sabe fazer isso? Pode me
auxiliar?”. Nós somos muito fechados para auxiliar uns aos outros, por que o
professor de Matemática se acha o bam bam bam. Então, nós somos muito
fechados para essa troca, para essa questão de troca, de chegar para o outro e
perguntar, pois a gente tem vergonha de dizer que não sabe. Professor de
Matemática tem muito isso.
Certa vez, fui a um curso com alguns professores que eram formados em
Matemática pela UFES e com alguns professores que haviam feito à
complementação pedagógica. A impressão que dava era que os professores
que haviam feito à complementação pedagógica eram o resto, formavam a
ralé... E todos haviam passado no mesmo concurso. Existe uma discriminação
que não entendo, pois o que faz o professor não é a sua formação, o seu
curso: é o seu dia a dia na sala de aula.
Então, quem forma o professor é o chão da sala de a ula....
É o chão da sala de aula.
Se for pensar em papel, ambos têm a mesma “coisa”: todos são
professores da mesma forma.
Com certeza.
44
Você atua a quanto tempo como docente?
Desde 1995.
Já atuou em quais níveis?
Eu já trabalhei de 5ª a 8º série e no Ensino Médio, mas nesse segmento, mais
voltado para a Economia.
Em qual nível prefere atuar?
De 5ª a 8º Série. Deus me livre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I.
Mas você pode dizer que gosta de atuar no Ensino Mé dio...
Não é. De 5ª a 8ª Série, depende de você. De 5ª a 8ª, eles sabem que você é o
professor. De 1ª a 4ª, você tem que conquistar primeiro o respeito do pai para
ele saber que você é professor. E no Ensino Médio, o aluno já está se
“achando”, querendo colocar você debaixo do pé. Não liga mais, acha que não
tem mais necessidade, anda mais com tudo isso que eles têm de facilidade, de
mesada, de curso disso, curso daquilo... Eles acham que não precisam mais do
professor. Eles acham que precisam de uma celular e de um computador.
A informação está ali, disponível...
Sim, é isso mesmo. Eu vejo uma diferença nisso em nível de Escola Pública e
Escola Particular: o menino da Escola Particular ainda quer estudar, prestar um
vestibular, pois ele sabe que o pai paga. Já o menino da escola Pública só
termina o Ensino Médio.
Ele acaba não aproveitando as oportunidades que o G overno oferece.
É isso aí.
Triste isso, muito triste. Existe um mundo de oport unidades...
Eu falo muito isso. Por exemplo, você que está no IFES, eu gostaria muito de
levar os meus alunos da Serra, que é uma área mais carente, para ter acesso
ao IFES. Se você soubesse, eu tenho alunos no Planalto Serrano que não
sabem o que é o IFES, e o IFES está do lado deles ali.
E não veem...
E não sabem nada. Não sabem que é um ensino gratuito, que eles podem
estudar a lá qualquer, se eles tivessem oportunidade. Teve um ano que nos
tivemos que implorar aos pais para pagar a taxa.
Mas até isso se consegue isenção...
Mas eles já tinham deixado passar o período de isenção. Falávamos para os
pais: “Que desperdício não deixar o seu filho fazer”.
45
No IFES da Serra, posso te colocar em contato com a psicóloga.
Eu queria levá-los até lá para eles verem que mundo que é aquilo, gratuito, e
que eles podem ter acesso a outras coisas depois.
O IFES está começando a pensar em cota para o Ensin o Médio.
Porque eles não têm essa visão. O aluno daqui tem a visão do IFES, pois
estamos em um bairro dito de classe média, Já na Serra é um bairro de
criminalidade. Então, eles terminam a 8ª série e dizem: Ufa! Vou trabalhar no
Rede Show (rede de supermercados da região).
A perspectiva deles não vai lá longe.
O máximo que eles pensam em subir na vida é subir do Planalto Serrano para
o João Antunes, que é uma escola que fica no alto de um morro. Triste isso,
mas essa é a verdade.
Você possui alguma pós-graduação na área de Matemát ica ou de
Educação Matemática?
Não. Eu fiz pós-graduação na área de Métodos e Técnicas de Ensino. Quando
eu fiz pós-graduação, quase não tinha curso na área de Matemática. Hoje tem
muito mais. E o que eu te falo: é igual vendedor de livro. Quando você vai
numa palestra do Imenes, por exemplo, você acha que ele vai trazer a solução
para a gente. Vai trazer filmes para que a gente possa trabalhar, vai trazer
filmes na área de Matemática, alguns filmes legais que possamos trabalhar;
você já vai nessa expectativa. Chega lá, ele vai te dar uma folha, com um
problema para você resolver até o final.
Seria algo: “Isso eu já sei, eu quero novidades?”.
Tanto que, há alguns, me foi proporcionado fazer, na UFES, um curso na área
de música, que é uma coisa que eu gosto de trabalhar. Mas nem tanto dentro
da área de Matemática, mas chamando o aluno a gostar de ter aula comigo,
como professora de Matemática, algo que o aluno já tem aversão. Eu falo que
em reunião de pais, vai apresentar todo mundo, quando chega na gente, eles
torcem o nariz. Você pode reparar: começa com o pai, não é com o aluno.
Você já viu pedagogo apresentando professor de Mate mática?
Então. Você sabe qual foi a última que ouvi? MALTEMÁTICA: O próprio nome
já diz. Apresentaram-me assim, na última reunião aqui.
46
Como docente você sempre trabalhou na rede pública?
Eu tenho experiência na rede particular. Trabalhei praticamente quase 10 anos
na rede particular.
Você possui algum projeto futuro para a sala de aul a?
Eu gostaria muito de associar música à Matemática. Se eu tivesse esse dom,
esse talento, pois eu sou muito da área do canto, mas eu gostaria de tocar...
Eu acharia lindo e maravilhoso. É uma coisa que eu gosto. Eu acho que iria
muito bem se eu tivesse essa oportunidade.
Você disse que participa de congressos, de formação continuada, mas vê
essa falta da vivência da sala de aula.
O professor em si não gosta da troca. Eu vejo pela formação que frequentamos
aqui em Vila Velha. Sempre é perguntado ao pessoal que está fazendo pós-
graduação, mestrado, doutorado, o que eles podem contribuir nesses
encontros. Todo mundo fica quietinho e ninguém fala nada.
Pessoalmente, acredito que isso seja uma coisa do M atemático, aquele
formado em Matemática...
Mas é o que estou te falando.
Você acha que mudou a sua maneira de atuar, ao long o desses anos?
A minha maneira? Eu aprendi muita coisa. Mas, ao mesmo tempo, o sistema te
fecha muito. Os livros Têm fechado muito. Hoje em dia... Qual livro para você é
bom?
A gente pensava no Imenes, pensava no Bigode...
Você já parou para analisar a olimpíada de Matemática pública e a olimpíada
de Matemática particular?
São dois mundos diferentes.
Ali já faz uma distinção. Eu sempre briguei muito lá na UFES por isso quando
eu dava aula na escola particular. Eu dizia: “Vocês me mandam uma coisa que
não tem nada a ver com o que a gente trabalha em sala de aula!”. O aluno se
frustra. Quando um aluno termina uma prova de olimpíada e ele vê o resultado
dele, ele se questiona: O que eu estou fazendo escola? Estudo tanto e não sei
nada.
47
Então, a gente tem duas Matemáticas: A Matemática d a escola e a
Matemática da olimpíada.
Se você trouxesse a pública para dentro da particular, nossa, os meninos iriam
muito bem.
O ensino de Matemática passou por mudanças ao longo desses anos?
Eu acho que não. O sistema incentiva que se continue assim, Veja o caso do
professor de um professor que terminou o mestrado na UFES agora. O
trabalho dele é como ensinar trigonometria dentro da 8ª série. Mudou alguma
coisa na hora de ensinar trigonometria? Tem alguma diferença na hora de
ensinar trigonometria?
Você vai ter elementos novos.
Mas, a maneira de você mostrar para os alunos?
Você pode trazer mais para o concreto... Você pode, na questão do
triângulo retângulo, projetar sombras, sair da sala de aula.
Mas, por que ele fez esse trabalho? Por que não tem essa abertura no sistema.
Ele está tentando proporcionar uma maneira de ensinar trigonometria que os
alunos venham a compreender melhor. É o que eu falo: ainda é muito fechado.
O sistema é muito fechado? Você ainda tem que “bate r” muito conteúdo?
Sim. Aí, para diversificar um pouco, vem um autor e quer fazer de um jeito. Mas
ele enxuga tanto que o aluno não entende. Você não consegue chegar e
abranger. Quando a gente consegue, ótimo. Lá na Serra, por exemplo, na 6ª
série, nós começamos trabalhando com ângulos para auxiliar no trabalho da
professora de Artes, que trabalha bastante com figuras geométricas,
montagens, desenhos, fotos. Ela trabalha muito com isso e nós resolvemos
trabalhar com ângulos e depois os mandarem montarem também. Ou seja:
trabalhar no concreto. Mas é muito difícil. Você se choca com várias barreiras.
Você quer me ver incomodada? Basta eu pedir uma coisa e ouvir como
resposta que acabou. Eu peguei uma apostila do Colégio X, de 6ª série solicitei
cópias aqui. A resposta foi que não havia papel. Uma colega conseguiu papel.
Ainda assim não conseguimos copiar, pois não podíamos usar o tonner. Então
são coisas que você vai desanimando. Você tem que ter vontade de avançar.
Isso é triste!
Isso é triste porque você pode pensar que seu filho poderia estar aqui...
48
Sim, mas a ideia é essa. A ideia é fazer da escola pública uma escola
forte.
O que eu brigo muito na escola pública é que o pessoal não quer um ensino de
qualidade. O pessoal quer o be a bá. Ele quer pessoas que saibam escrever,
pelo menos para assinar na hora do voto, ou para apertar a tecla verde e que
saiba que número ele está apertando. Eles não querem alunos informados.
Eles querem alunos que possam ter subemprego. Eles não querem alunos
disputando vagas de faculdade com outras pessoas. Não adianta: escola
pública não quer.
Nós estamos com alunos no 6º ano que não sabem escrever, mas que estão
sendo avançados pela política que a gente tem vivido. Nós estamos vivendo a
progressão a qualquer custo. Avança por que senão o seu trabalho está mal
feito. O pai vai vir aqui te questionar porque só você é assim. É muito
complicado. Escola Pública está muito complicada.
Eu falo com meus alunos sobre essa situação. Eu fui aluna de escola pública e
sei que precisar trabalhar para pagar cursinho pois eu não eu não sabia o que
era Geometria, não conseguia chegar num nível de polinômio mais rígido, no
máximo adição e subtração. Às vezes você escuta de Diretores: “Ah... 2 + 2
está bom. Para que você quer mais que isso?”.
Mas, e a educação para a cidadania?
Mas, o que é ser cidadão? Parece que ser cidadão está se resumindo apenas
a votar. Ter o título de eleitor e saber ler e escrever. Se bem que agora não
precisa nem escrever: basta o dedo.
O que é necessário para aprender Matemática?
Vontade.
Existe aluno com pré-disposição para aprender Matem ática?
Existe. Com certeza. Existem alunos que eu gosto tanto do raciocínio deles
que eu guardo. Ele fez, ele resolveu algum problema de uma maneira que nem
eu conseguia resolver. Eu tiro cópia da resolução deles. Ele foi por um caminho
que nem eu percebi aquele caminho.
49
Nós temos diversos alunos em sala de aula. Nós nos incomodamos não
com os bons alunos, mas com aqueles que “odeiam” a Matemática. Por
que aluno odeia Matemática, em sua opinião?
Pela maneira que ele foi tratado. Pela maneira como a Matemática foi oferecida
a ele. A Matemática já entra causando trauma. A coisa vem de casa: o pai já
odeia a Matemática. E isso vai sendo passado. Eu falo com eles: eu não gosto
de Português; eu acho mais complicado Português do que Matemática. Porém,
eu nunca quis ser uma má aluna em Português. Eu falo com eles que eu não
quero que eles falem errado, que eles tenham alguma cultura, que eles saibam
alguma coisa.
Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?
O aluno deve tentar captar aquilo que o aluno está fazendo.
Qual o papel do professor numa aula de Matemática?
O papel do professor é tentar passar. Tentar lançar a rede e pegar o peixe.
Hoje em dia está difícil tentar lançar a rede e pegar peixe. Você lança e ela
volta vazia, infelizmente.
Quando ela volta vazia ainda está bom. O problema é quando ela volta
com um buraco...
Todo dia você entra e acha que você vai pegar pelo menos uns três, quatro.
Quando você pega três ou quatro está bom. E quando você não pega nenhum?
Mas hoje em dia eu vejo muito é a falta de atenção. A questão familiar mesmo,
de o aluno ter um estímulo. O aluno não tem estímulo vindo de casa. Hoje eu
tive que parar uma aula na Serra para mandar 15 bilhetes escritos à mão,
dizendo para os pais que os filhos não estão cumprindo as tarefas. Faltou pedir
que pelo Amor de Deus que eles, os pais, passem a olhar os cadernos de seus
filhos. Minha esperança é de mudar alguma coisa.
Eu cobro muito deles que executem as tarefas, pois executando as tarefas,
eles acabam aprendendo. Outra coisa: aluno acha que Matemática não se
estuda. Eles chegam em casa, fecham o livro, e acham que Matemática não
precisa estudar. Somente História, Geografia, Português é que precisa ler,
rever. Eles têm esse conceito.
Esse conceito sobre a matéria.
Isso mesmo. Muitos alegam que não precisam ler Matemática, que Matemática
não tem o que estudar.
50
1.2) Observações da Prática
1ª Observação: Dia 14 de abril de 2015 – Horário: 1 3h00min às 13h50min – 6º ano
Após os cumprimentos iniciais, a professora solicitou que cada aluno
pegasse seu livro e o abrisse à página 70. O clima em sala era bem
descontraído: alguns alunos brincavam entre si e mesmo com a professora,
tratando-a pelo nome, sem o uso de termos como senhora, professora ou
mesmo tia, algo que poderia ocorrer, dado a faixa etária dos alunos em sala.
Enquanto os alunos atendiam ao seu pedido, a professora foi ao quadro
e registrou as seguintes informações:
Quadro 5: Revisão de operações e seus termos
ADIÇÃO SUBTRAÇÃO MULTIPLICAÇÃO DIVISÃO
Parcela
+
Parcela
Soma
Minuendo
-
Subtraendo
Diferença
Fator
x
Fator
Produto
Fonte: acervo da professora Marcela
A partir desse quadro, a professora fez uma revisão sobre cada uma das
operações já estudas, revendo algumas palavras-chaves que caracterizam
cada uma das operações. Também fez uma ligação entre o conteúdo que
estava sendo estudado com assuntos futuros, principalmente equações,
enfatizando que nas equações, muitas vezes, as situações serão propostas e
caberá ao aluno montar a equação correspondente.
Após essa revisão de operações e termos, solicitou que uma aluna
fizesse a leitura do texto que se encontrava no livro didático (figura a seguir):
51
Figura 2: Exemplo usado pela professora para de divisão
Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática 8
Após a leitura, buscou contextualizar a situação proposta com o
cotidiano dos alunos. Investiu bastante tempo no esclarecimento de alguns
termos apresentados no texto, dando destaque a palavras como
CAPACIDADE, DIARIAMENTE, entre outras.
Após isso, foi ao quadro e repetiu a operação apresentada no texto,
fazendo uma associação entre a divisão e a multiplicação:
�2�2 � 4 2 � 22�3 � 6 2 � 3
Para explicar a divisão, seguiu o seguinte raciocínio:
15344 28
- 140 548
134
- 112
224
- 224
0
8 SOUZA, J.; PATARO, P. M. Vontade de Saber Matemática, 6º ano
28 x 1 = 28
28 x 2 = 56
28 x 3 = 84
28 x 4 = 112
28 x 5 = 140
28 x 6 = 168
28 x 7 = 196
28 x 8 = 224
A professora fez essas
operações sem a
participação dos alunos
52
Enfatizou que teriam avaliação em uma data próxima e lembrou que, na
avaliação, não cobraria um método específico e que deixaria cada aluno livre
para escolher o seu modo de resolução. Aliás, a todo o momento, questionava
os alunos e os convidava a participar da aula. Ao encerrar a divisão, perguntou
como procederiam se, tendo o divisor e o quociente, desejassem obter o
dividendo9.
A seguir, pediu que os alunos lessem o exercício 66 e retirassem as
informações que o exercício oferecia:
Figura 3: Exercício sobre divisão
Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática
Como muitos alunos apresentaram dificuldades, a professora interferiu e
comentou que para compreender esse exercício era necessário relacioná-lo
com a situação vivida anteriormente. Sua atuação, nesse momento, estava
toda centrada na interpretação da questão: lia e relia a questão, fazendo muitos
questionamentos aos alunos. Por fim, foi ao quadro e efetuou a divisão:
16123 701
- 1402 23
2103
- 2103
0
Durante a resolução, a professora dialogava com os alunos com
afirmações do tipo: “16 não divide por 701”, “161 não divide por 701”.
Nitidamente, dizia tais frases para explicar aos alunos o processo de divisão e
para tentar fazer com que eles interagissem com ela durante a resolução da
questão. Ao fim da resolução, pediu que os alunos efetuassem a “prova real”,
fazendo 701 x 23, novamente sem fazer qualquer citação do resto.
9 A professora não fez qualquer comentário sobre o resto ou sobre o algoritmo de Euclides (dividendo = divisor x quociente + resto).
701 x 1 = 701
701 x 2 = 1402
701 x 3 = 2103
A professora relembra aos
alunos que eles devem
fazer a tabuada de 701
essas operações sem a
53
Prosseguindo com a aula, solicitou que os alunos que fizessem as
questões 67, 68, 69 e 70 – algo que os alunos reclamaram bastante - e afirmou
que os cobraria na próxima aula. Até o fim da aula, os alunos trabalharam
nesses exercícios.
Figura 4: Exercícios sobre divisão
Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática
Figura 5: Exercício sobre divisão
Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática
54
Figura 6: Exercícios sobre divisão
Fonte: Livro Vontade de Saber Matemática
2ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 1 3:00 às 13:50 – 6º ano
A professora levou os alunos para o laboratório de informática. A
atividade do dia foi a resolução de uma prova com conteúdos já vistos
anteriormente. O objetivo, segundo a professora, era prepara-los para a prova
do SAEB, que seria feito, de acordo com ela, daí a alguns dias.
A professora, assim como a responsável pelo laboratório de informática,
limitava-se a fiscalizar os alunos, repreendendo qualquer contato entre eles e
pedindo que se concentrassem na resolução da prova.
55
A prova proposta foi a seguinte:
Figura 7: Prova aplicada pela professora Luísa – 1 de 5
Fonte: Acervo da escola
60
3ª observação: Dia 30 de abril de 2015 – Horário: 1 3h00min às 13h50min – 6º ano
Os alunos retornavam para a sala de aula após cantarem o Hino
Nacional – momento cívico. Mostravam-se bem agitados, demorando um
pouco mais para se acalmarem em relação às outras observações. Como a
professora conhecia todos os alunos pelos nomes, chamava-os e pedia que se
sentassem para que ela pudesse começar sua aula.
Na aula anterior, a professora havia introduzido o conceito de
potenciação. Para essa aula, a tarefa seria resolver o quadrado de todos os
números naturais menores ou iguais a 100.
A justificativa dada pela professora para a realização da atividade era a
preparação que ela desejava fazer para o próximo assunto: radiciação.
Ressaltou que isso também será útil quando estiverem no nono ano, ao
trabalharem com Equações do Segundo Grau ou com o Teorema de Pitágoras.
Quando uma aluna a questionou sobre radiciação, explicou que √4 = 2,
pois 2 = 4; √9 = 3, pois 3 = 9; √121 = 11, pois 11 = 121. Continuou
dizendo que a atividade seria importante, pois quando tivessem que responder
a essas perguntas, já saberiam as respostas, pois as calcularam e não
obtiveram as respostas por meio de uma calculadora.
Os alunos faziam a atividade lentamente, achando-a bastante
enfadonha. Em certo momento, a professora precisou ausentar-se da sala;
durante esse período, o barulho aumentou consideravelmente, com os alunos
conversando bastante.
Enquanto os alunos faziam a tarefa, a professora se ocupou de outras
atividades, como a correção de provas e o registro de suas notas na pauta.
Apesar de a professora conhecer os alunos por nome e “manter a
disciplina”, as respostas dadas aos alunos nem sempre são amistosas: muitas
vezes, usavam de palavras mais ríspidas, até mesmo chegando a “escarnecer
ou ironizar” os alunos.
Aos alunos que insistiram em questionar a tarefa, a resposta era sempre
a mesma: de uma utilidade futura, algumas vezes dada pelos próprios colegas,
reforçando as ideias defendidas pela professora. No fim da observação, ao se
despedir dos alunos, o professora lembrou-os que a atividade prosseguiria na
outra aula que teriam com ela nesse mesmo dia.
61
2) Professora Luísa 10 A professora Luísa, 43 anos, casada e mãe de dois filhos, é Bacharel em
Economia e também nunca trabalhou nessa área. Professora com 15 anos de
experiência, já atuou no Ensino Fundamental II – segmento onde prefere atuar
- no Ensino Médio e na formação de professores. Além da complementação
pedagógica, também possui pós-graduação na área de Educação e Mestrado
na área de Ensino de Ciências e Matemática pelo Instituto Federal de Ensino,
Ciência e Tecnologia do Espírito Santo - IFES. No período em que participou
da pesquisa, atuava como professora efetiva na rede pública de ensino de dois
municípios – Serra e Vila Velha – sendo que as observações foram feitas na
rede do segundo município, em turmas de oitavo e nono ano11.
A escola onde foram feitas as observações localiza-se em um bairro
antigo do município e que cresceu à sombra de uma indústria alimentícia. A
escola atende a uma clientela que reside no próprio bairro ou nos seus
arredores.
Trata-se de uma escola fundada ainda na década de 1970, dotada de
infraestrutura que possui algumas limitações. A quadra poliesportiva não é
isolada dos prédios onde estão as salas de aula. Desse modo, quando ocorrem
as aulas de Educação Física, é inevitável que as salas de aulas sejam
“invadidas” pelos sons que vem da quadra.
As salas de aula são pequenas, sem possibilidade de ampliação. Mesmo
com essas limitações, a escola mostrava-se bem organizada, com boa limpeza
e condições adequadas para atender as demandas dos alunos.
2.1) Entrevista
Qual a sua idade?
43 anos.
Qual a sua formação inicial?
Bacharel em Economia. Conclui o curso em 2000. Depois fiz a minha
licenciatura em Matemática.
10 Nome fictício. 11 Como a professora Luísa trabalhava com essas duas séries na mesma escola, optamos por fazer observações em ambas, tentando, com essa diversidade, obter mais informações sobre a sua prática.
62
Chegou a atuar na sua área de formação inicial?
Não cheguei a atuar como Economista. No ano 2000, conclui o Bacharelado
em Economia e fiz a minha Licenciatura em 2001. Eu vi dificuldades de entrar
no mercado de trabalho na área da Economia, uma área extremamente restrita,
onde era necessário fazer concurso. Por uma série de motivos pessoais,
resolvi não fazer esses concursos e optei pelo magistério e que eu acabei,
realmente, incorporando.
Possui algum estudo de pós-graduação na sua área de formação inicial?
Não tenho nenhuma pós-graduação na área de Economia. Todas as que
possuo são na área de Educação, inclusive Mestrado na área de Educação.
Possui algum projeto futuro relacionado à sua forma ção inicial?
Eu digo que sou Economista aqui também. Certas situações de conflito que eu
tinha com a Economia eram com a área social. E aqui eu consigo, de certa
maneira, colocar isso em prática no espaço escolar. Minha pesquisa em
Economia foi voltada para mão-de-obra, para mercado de trabalho, e de certa
forma, dentro da escola, eu tenho essa oportunidade também de qualificar, de
pensar, e eu gosto muito desse público de Fundamental II, pois é justamente a
fase inicial dessa formação social da criança. Estou tentando mudar para uma
outra faixa etária, mas eu gosto muito desse público.
Por que a sala de aula, uma vez que possui uma form ação inicial diferente
da licenciatura?
A dificuldade de entrar no mercado de trabalho na área de Economia e
algumas questões de ordem pessoal.
Fez curso de complementação pedagógica?
Sim, fiz a Licenciatura.
O que o motivou a fazer essa complementação?
Com certeza eu precisaria me preparar para a sala de aula. Quando eu iniciei,
pegava contratos; devido a competição entre o licenciado e a área afim por
esses contratos, eu precisava dessa titulação. Então, a motivação foi
regulamentar uma situação em que, inicialmente, eu comecei na área afim,
mas logo depois foi encaminhada para a Licenciatura. Vale destacar que a área
afim só era aceita para contrato no Estado; eu não poderia fazer um concurso,
por exemplo. Hoje eu sou concursada em duas redes; então, se eu não tivesse
63
essa licenciatura, eu não estaria habilitada para formar uma carreira no
magistério conforme eu tenho formado.
Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente
para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?
Não, nem se eu tivesse feito Matemática, não teria sido suficiente. Com certeza
não. São os primeiros olhares, o primeiro ambiente. A formação do professor
se dá na sala de aula, no seu dia a dia, na observação do seu aluno, na sua
prática, o que você pode mudar, uma questão mesmo de bom senso e depois
na formação continuada do próprio grupo. A complementação pedagógica é
insuficiente, como eu também acredito que a formação inicial em Matemática
também seja insuficiente. A formação do professor se dá com a sua própria
prática, e a reflexão em relação a essa prática.
Há quanto tempo atua como docente?
15 anos.
Em quais níveis já atuou e em qual leciona atualmen te?
Já atuei no Estado, somente com contrato, tanto no ensino Médio como no
Fundamental II. No Ensino Médio eu atuei um ano. Eu comecei em 2000, no
Estado; em 2005, eu efetivei na Prefeitura de Vila Velha e, em 2007, eu efetivei
na Prefeitura de Serra. No caso das prefeituras, elas só atendem a Ensino
Fundamental II; então, eu quase sempre estive ligada a esse segmento.
Em qual nível prefere atuar?
Eu gosto mais do Ensino Fundamental II. Eu tive a oportunidade de
trabalhar com Formação de Professores na Prefeitura de Serra, no ano
de 2012. Logo depois eu fui aprovada no Mestrado, tirei licença, e
retornei esse ano. Também trabalhei na Formação de Professores pelo
PNAIC – Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa – em 2014.
Mas, onde me identifico mesmo é no Fundamental II. A minha pretensão
é consolidar-me na Formação de Professores num futuro próximo. No
momento atual, preciso dedicar-me aonde sou concursada.
64
Possui algum estudo de pós-graduação na área da Mat emática ou de
Educação Matemática?
Tenho uma pós-graduação em Psicopedagogia; depois fiz outra em Informática
Educacional. Já o meu Mestrado é pelo IFES, em Educação, Ciências e
Matemática. Fui orientada pela professora Ligia Arantes Sad.
O que a motivou fazer o Mestrado?
Busca de qualificação, de entendimento onde eu estava, uma vez que eu
entendi que minha área era essa. Certa vez, uma pesquisa me questionou se
eu era da área da Economia; respondi que sou da área da Educação. E a
minha área agora é a Educação Matemática. A Economia, e na minha
dissertação eu trago isso, me trouxe olhares diferentes das questões sociais,
do funcionamento da sociedade em si; então, isso me trouxe muitas
sensibilidades. Às vezes, alguém que não é da área, pode não ter essa
sensibilidade.
Qual o tema da sua dissertação de Mestrado?
Eu fiz um trabalho voltado para a Etnomatemática, com um trabalho de campo
envolvendo crianças ciganas. Procurei estudar como o grupo cigano se
estrutura dentro da escola e como a escola trata grupos que são minoria
Possui algum projeto futuro relacionado à sala de a ula?
Pretendo trabalhar com a Formação de Professores, talvez sem largar a sala
de aula.
Costuma participar de encontros, congressos ou curs os de formação
continuada na área da educação?
Tudo que eu tenho oportunidade. Durante a fase de mestrado, fiz algumas
submissões de trabalhos, algumas apresentações de trabalhos também.
Procuro, sempre que tenho oportunidade, estar disponível, mesmo com a rotina
pesada, de 50 horas semanais, trabalhando em dois municípios distintos, e de
certa forma, distantes.
É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da
Matemática e o campo da Educação Matemática?
Eu acho que o professor precisa da formação dos dois... Até porque na sala de
aula, no segmento onde atuo, é lógico que trabalhamos as questões da
Matemática, é o nosso ponto de conversa com o aluno. Mas, o nosso olhar é
bem mais amplo, até porque você está, de uma maneira geral, com um grupo
65
de alunos que terão destinos diversos, então é preciso que a gente tenha uma
formação mais precisa em Educação Matemática e não somente em cima de
cálculos, de processos de cálculos, de propriedades... Isso é importante, pois é
o nosso ponto de conversa com o aluno. Mas não pode ser apenas isso.
Acredito que nem mesmo na Licenciatura devemos ter essa visão mais ampla.
Eu gosto do cálculo em si, eu gosto de fazer cálculos, mas ele não é o
primordial. É preciso uma formação em Educação Matemática, entender as
tendências da Educação Matemática, criar novas estratégias, e nós estamos,
eu acho, nesse ponto da Educação Matemática, a gente está discutindo muito.
Nós é que estamos escrevendo as primeiras linhas da Educação Matemática.
O professor, na sua formação inicial, precisa ter essa visão da Educação
Matemática e, logicamente, na Matemática, que é o ponto de início da
conversa, do diálogo.
Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor ao
longo desses anos?
Eu acho que sim. Eu acho até depois da nossa conversa, eu vou mudar e você
vai mudar. Nós estamos mudando sempre
O que motivou essas mudanças?
Eu acho que aprender mais.
Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por m udanças, desde o
inicio de sua atuação docente?
Pouco, praticamente nada, olhando os professores como um todo, olhando o
sistema como um todo. Eu acho que estamos tentando muito, mas ainda não
temos respostas e nós não saímos das questões exemplo, repetição de
exercícios, correção de exercícios, exemplos de novo... Eu acho que isso que
ainda está de uma maneira geral. Até o próprio aluno está propenso a ver a
Matemática dessa forma; o aluno ainda espera que o professor determine
aquilo que ele deve fazer. Se você abre muito o diálogo, principalmente com
aquele grupo de alunos que, por vezes, não está muito acostumado ao diálogo,
um diálogo mais reflexivo, onde ele entenderia a praticidade da Matemática, às
vezes surge a seguinte pergunta: ”Nós vamos fazer dever quando,
professora?”.
Às vezes, depois que o aluno acostuma com o jeito de ser, isso se modifica.
Não que eu não faça e não ache importante o algoritmo, os exercícios, a
66
formatação desses exercícios... Acho que isso é importante sim, mas ele tem
que compreender onde ele está. E outra coisa que eu acho muito problemática
no sistema, como um todo, é a falta de continuidade na história do aluno. Ele
começa, está ali com um professor, daqui um pouco ele vai para outro
professor, e é como se, todos os anos, ele começasse tudo de novo. Ele perde
a continuidade
O que é aprender Matemática? O que é necessário pa ra que um aluno a
aprenda?
É ter compreensão do ambiente onde ele está. É saber refletir de acordo com
cada situação. Tomar decisões a partir daquele ponto. Eu acho que os nossos
processos de cálculo também fazem isso. Ter autonomia para olhar um
contexto, compreender, decidir o que ele vai fazer, para depois ele partir para
um processo de cálculo; às vezes, esse processo de cálculo tem um papel
coadjuvante nesse processo de tomada de decisão. É um ferramental
necessário, mas a compreensão, o raciocínio lógico, a tomada de decisão e a
autonomia fazem parte do processo de aprender Matemática.
E, logicamente, depois você tem que conseguir explicar tudo aquilo que você
está pensando por um raciocínio, quer seja um processo de cálculo quer seja
uma lógica construída, que não necessariamente precisa ser um processo de
cálculo. Você pode construir uma ideia que seja um raciocino lógico, um
desencadeamento lógico de pensar que não necessariamente venha a ser
apenas um resultado numérico. Eu acho que nossas práticas de Matemática
podem levar uma pessoa a ter essa compreensão.
Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a Matemática?
Eu acho que existe estímulo. Eu acho que ninguém nasce geneticamente
modificado para a Matemática. Muitos alunos que possuem uma tendência a se
desenvolver bem em Matemática, ele sempre fala: “Ah, é por que meu tio é
muito bom em Matemática.”.
Existe uma tendência a associar a uma parte biológica, que não é a que eu
acredito. Eu acho que os alunos (que vão melhor em Matemática) se espelham
sempre em alguém para ter essa segurança.
E a gente, às vezes, sente essa segurança mais nos meninos do que nas
meninas. Não quer dizer que as meninas não sejam capazes, mas essa
insegurança que vem no decorrer do tempo, do espaço, da História é que dá
67
essa dificuldade, um pouco maior, na hora de concluir. O menino tem menos
medo de errar que a menina; a menina se censura muito. E na Matemática a
gente erra; a gente reavalia; a gente refaz; a gente recalcula; e essa
necessidade é preciso na pessoa para que ela aprenda Matemática. Algumas
competências ela tem, que ter para aprender Matemática.
Quando a pessoa tem essa segurança um pouco maior, ela fica mais pré-
disposta a aprender. Mas ainda existe muito o preconceito de Matemática é
para alguns. Ele está muito presente: eis uma coisa para agente lutar para
acabar.
Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que
atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mu dadas?
Eu costumo trabalhar de uma maneira bem diferenciada; uso muito a
Geometria para ser minha ferramenta de diálogo com o aluno, faço
construções geométricas, associo a Matemática a outras disciplinas. Adoro
associar a Matemática à Arte. Por exemplo, você pode ter um aluno que não
sabe dividir: não sabe fazer o algoritmo da divisão. Mas quando ele tem que
fazer um polígono, a partir de uma circunferência, onde ele precisa tomar os
360° e marcar para ser um pentágono regular, por exemplo, ele vai saber como
dividir 360 por 5. Às vezes, eu busco, no aluno, o que ele tem quase que de
instinto, para destacar as possibilidades que ele tem para formalizar a
Matemática que a gente exige no ambiente escolar. Assim eu tenho
conseguido, não de uma maneira geral – às vezes alguns chegam odiando
Matemática e saem odiando Matemática, não tem jeito – e como eu costumo
utilizar métodos diferentes de avaliação, às vezes o aluno não consegue fazer
a prova, mas ele consegue me entregar um outro tipo de trabalho, que eu
oportunizei a todos (não oportunizei a uma só, pois não temos condições de
dar aula especialmente para um único aluno), então eu lanço a proposta de
uma maneira geral. Por exemplo, proponho uma pesquisa; e dessa pesquisa,
vamos transformar isso e tabulação de dados? Vamos transformar isso em
gráficos? Então, quanto de Matemática o aluno vai fazer e toda essa prática?
Às vezes, ele não é bom de fazer o cálculo de porcentagens, mas ele é capaz
de redigir as questões que vão ser elaboradas; então, eu peguei uma
potencialidade dele, e eu costumo identificar isso nos meus alunos, e
transformar essa potencialidade que ele possui para um olhar matemático.
68
Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?
Eu acho que o aluno deveria estar mais pré-disposto a aprender. Eu não sei se
a Educação brasileira, de uma maneira geral, foi muito da elite e agira que
estamos oportunizando, universalizando a Educação e ainda temos muitos
alunos que só comparecem à escola por causa da obrigatoriedade, e eles não
entendem, e a gente ainda não conseguiu colocar esse encantamento no aluno
do que a educação pode fazer de diferença para a vida dele, e eu também não
sei se isso está muito claro para os nossos professores, para nós da educação,
exatamente que diferença isso poderia fazer e para o sistema, como um tudo,
que não deixa isso florescer.
Então, o aluno teria que estar mais pré-disposto a essa aprendizagem, a
entender que isso faria diferença para a vida dele.
Qual o papel do professor numa aula de Matemática?
O papel do professor é a motivação, mostra a realidade, os conhecimentos que
temos, onde estamos, e convidar os alunos a ingressar nesse mundo científico,
contribuindo com a visão dele (aluno), com as experiências dele, com a visão
dele, para se tornar um ser ativo. Ele precisa entender aquilo que já foi feito,
até onde já chegamos, e convidá-lo a contribuir um pouco também.
2.2) Observações da Prática
1ª observação: Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 0 7h00min às 07h50min – 9º ano
O assunto que estava sendo trabalhado era o Teorema de Pitágoras. A
professora já havia feito uma demonstração e nessa aula observada propôs
mais uma demonstração, dessa vez utilizando material concreto – uma folha de
papel sulfite. O trabalho que seria feito faria parte do laboratório de Matemática,
cujas atividades somadas valeriam dois pontos.
O trabalho começa com o corte de um quadrado a partir da folha de
papel de tamanho A4 (Figura 12)
69
Figura 12: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 1 de 3
Fonte: acervo do autor
A medida que a professora dava as orientações, os alunos, sozinhos ou
em duplas, iam realizando as tarefas, mostrando envolvimento com a atividade.
Em seguida, o quadrado resultante é divido em quatro artes menores,
sendo que as partes em negrito são descartadas, dando origem a figura da
direita. (Figura 13)
Figura 13: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 2 de 3
Fonte: acervo do autor
Rotineiramente, a professora interagia com os alunos, perguntando se
existiam dúvidas ou se algum estava com dificuldades. Quando solicitada,
atendia os alunos em suas carteiras, dando atenção aquelas que pediam
auxílio.
70
Em suas explicações, a professora usava linguagem coerente, mas sem
formalizações excessivas. Usou termos como “dividir o ângulo ao meio” ou
“triângulos congruentes”, sempre usando as figuras como elementos de apoio.
Quanto aos alunos, era claro o envolvimento deles na aula e o desejo de
cumprir a tarefa, nem tanto pela questão da avalição, mas sim pela questão de
ver algo prático – concreto – acontecendo.
Ainda na figura, nomeou os lados do triângulo vermelho de c (verde), b
(azul) e a, a hipotenusa. Após definir a nomenclatura, ela desafiou os alunos a
formarem, com as peças disponíveis, um quadrado de lado a, como
apresentado na figura 14.
Figura 14: Demonstração do Teorema de Pitágoras – 3 de 3
Fonte: acervo do autor
Uma aluna conseguiu cumprir o desafio logo de imediato. Outros alunos
chamavam a professora, na tentativa de obter a resposta. Foi interessante
observar que a professora incentivava os alunos a continuarem tentando, a
avaliar o que já haviam conseguido e o que ainda precisam fazer para obter
êxito. Em nenhum momento deu a solução a um ou outro aluno: queria que
todos pensassem a respeito.
No final da aula, quando muitos já haviam conseguir montar o quadrado
de lado a, a professora, com seu próprio material, mostrou como terminar a
tarefa.
71
2ª observação Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 07 h50min às 08h40min – 8º ano
O assunto que estava sendo trabalhado era polígonos. A intenção da
professora era recolher o material – inscrição de polígonos regulares12 em
circunferências - que havia deixado para que os alunos terminassem em casa.
Segundo a professora, essa é uma prática que não gosta de adotar, preferindo
trabalhar com os alunos em sala, pois, normalmente, os trabalhos que são
passados para casa não retornam terminados.
Devido ao baixo número de alunos que haviam concluído a tarefa, a
professora mudou os planos e permitiu que os alunos terminassem a tarefa em
sala.
Os alunos trabalharam individualmente ou em duplas e fizeram uso de
transferidores, réguas e compassos sem maiores dificuldades. Existia interação
entre os alunos, com grande colaboração entre eles. A professora deslocava-
se por toda a sala, acompanhando os trabalhos e fazendo pequenas
intervenções, auxiliando alunos com dúvidas ou chamando a atenção para
detalhes que alguns não haviam percebido.
Nessas intervenções, a professora evitava dar respostas diretas aos
alunos. Ao invés disso, recorria a exemplos do cotidiano para fazer com que os
alunos refletissem sobre as dúvidas que apresentavam. De modo sereno, a
professora exigia que os alunos, de fato, trabalhassem em suas tarefas.
De acordo com relato da professora, antes desse trabalho havia
trabalhado com geometria plana, principalmente ângulos e paralelismo.
Segundo ela, essa turma observada apresentava um nível maior de dificuldade
em relação as demais – existiam outras três turmas de 8º ano na escola; isso
fez com ela revisse seu planejamento, optando por um recomeço, atrasando
um pouco o conteúdo, mas pensando em garantir a aprendizagem dos alunos.
Ao logo da aula, muitos alunos conseguiram concluir a tarefa.
Entretanto, alguns ainda levaram a tarefa mais uma vez para concluí-la em
casa.
12 Os polígonos regulares a serem inscritos eram: triângulo, quadrado, pentágono, hexágono, eneágono, decágono e dodecágono.
72
3ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 0 7h00min às 07h50min – 9º ano
A aula observada era a última antes da avaliação. Naturalmente, a aula
serviu como revisão. Na aula anterior, a professora sugeriu uma série de
atividade de revisão:
1) Calcule o valor da expressão numérica �8 �⁄ + 16� ⁄ �. 9� ⁄ .
2) Aplique as propriedade de potência e determine o valor de cada
expressão:
a) 1�
b) 8��
c) 8�
d) ������
e) �− ����
f) �− ����
g) −1�
h) �−1 �
i) �− ����
j) �− ����
k) 8��
l) �− ����
3) Cada medida a seguir representa a área de um quadrado. Calcule a
medida do lado de cada um dos quadrados:
a) 56,26$% ;
b) 12,96% ;
c) 784$%
4) Reduza as expressões e calcule as somas:
a) −√27' − √18( + √50( + √125' − √4(
b) √24' − √56' − √189'
c) √675 − √675'
5) Calcule a medida do lado *+,,,, do trapézio, sabendo que a base menor
mede um terço da medida da base maior.
73
Dados: -.,,,, � 4,5% e .*,,,, � 9%
Figura 15: Trapézio ABCD
Fonte: acervo da professora
6) Uma viga de madeira com seis metros de comprimento foi apoiada
em um muro, como indicado na imagem a seguir.
Figura 16: Ilustração relativa à questão 6
Fonte: acervo da professora
A que distância da base da viga deve ficar a base muro para que o
topo da viga coincida com o topo do muro?
Nessa aula, a professora passou de mesa em mesa, conferindo o que os
alunos haviam feito dos exercícios de revisão. Apesar das aulas começarem às
sete da manhã, existe uma tolerância por parte da escola em permitir a entrada
dos alunos até às sete e dez. Por isso, mesmo com a professora já tendo
iniciado a aula, muitos alunos ainda entravam em sala.
74
A professora mostrou-se bastante preocupada com a individualidade de
seus alunos – conhece-os pelos nomes; ao atendê-los, procede de maneira
serena, como se entendesse que essa era a necessidade daquele grupo de
alunos.
A participação dos alunos na aula foi efetiva. A maioria dos alunos
tentava fazer as atividades e também interagiam entre si para sanar algumas
dúvidas. O assunto da avaliação foi Potenciação, Radiciação e Teorema de
Pitágoras.
Os alunos apresentavam dúvidas comuns no trabalho com as raízes. A
professora mostrava-se preocupada em usar linguagem matemática correta,
por isso era comum ouvir termos como índice, expoente, soma dos quadrados
dos catetos e decomposição em fatores primos.
A sala mostrava-se viva, existindo agitação, mas nada abusivo. O
barulho que se ouvia vinha da interação entre os alunos, algo natural para uma
aula com uma proposta de ser um trabalho de revisão e onde a professora
permitia que os alunos que os alunos colaborassem entre si.
As intervenções feitas buscavam sempre um embasamento matemático.
E, a partir dessa colocação, a professora questionava o aluno, perguntando-o
como aquele ponto da teoria poderia ser aplicado na questão a ser resolvida.
Por exemplo, para um aluno com dúvida na questão 5, a professora fez a
seguinte colocação: “O Teorema de Pitágoras deve ser aplicado em triângulos
retângulos. Existe, na figura proposta, possibilidade de obtermos um triângulo
retângulo onde possamos aplicar o teorema?”.
4ª observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 0 7h50min às 08h40min – 8º ano
Um fato inusitado marcou o inicio dessa observação: ao chegar à sala, a
professora deparou-se com muitos alunos sem mesas e cadeiras. Durante a 1ª
aula, quando a sala estava vazia, pois os alunos estavam na aula de Educação
física, as mesas e cadeiras foram retiradas e não foram recolocadas. Então a
professora, antes de começar sua aula, teve que reorganizar a sala,
localizando e buscando, com o auxílio dos alunos, mesas e cadeiras para
todos.
Nessa turma, a aula observada também foi a última antes da avaliação,
com a professora optando também por um trabalho de revisão. Porém, a
75
professora utilizou uma dinâmica diferente; na aula anterior, havia deixado os
exercícios a seguir para que os alunos fizessem em casa:
1) Dada a expressão algébrica 3� � 2� + 8, calcule o valor numérico
quando:
a) � � 6
b) � � �2
c) � � 2,1
2) Se um ângulo mede 37°, qual é a medida do seu:
a) Complemento?
b) Suplemento?
3) Observe as informações representadas nos desenhos geométricos e
determine as medidas angulares:
a)
Figura 17: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 1 de 6
Fonte: acervo da professora
76
Figura 18: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 2 de 6
Fonte: acervo da professora
Figura 19: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 3 de 6
Fonte: acervo da professora
4) Pensei em um número, elevei-o ao quadrado e somei 21 ao resultado.
a) Escreva a expressão algébrica que representa a frase anterior.
b) Calcule o valor numérico dessa expressão sabendo que pensei no
número 8.
c) Agora, pense em um número diferente de 8, substitua na expressão
e calcule o valor numérico.
Durante a aula observada, propôs os seguintes exercícios:
5) No desenho geométrico, as retas r e s são paralelas. Determine o valor
de x e depois encontre as medidas dos ângulos assinalados:
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Figura 20: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 4 de 6
Fonte: acervo da professora
6) A semirreta /.000001 é bissetriz do ângulo AÔC. A partir dessa informação,
determine os valores de x e y.
a)
Figura 21: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 5 de 6
Fonte: acervo da professora
b)
Figura 22: Exercício de revisão feito pela professora Luísa – 6 de 6
Fonte: acervo da professora
78
Enquanto os alunos trabalhavam nas novas questões, ela solicitou que
cada aluno fosse a sua mesa e mostrasse o que havia feito e quais dúvidas
possuía nas quatro questões anteriores. Nesse processo de interação com os
alunos, a professora mostrou-se preocupada com cada aluno individualmente,
pois pode acompanhar, realmente, o que cada um havia feito e o que o impediu
de fazer o exercício.
Enquanto a professora fazia seus atendimentos, os alunos trabalhavam
nos novos exercícios propostos, alguns individualmente, outros em pequenos
grupos de no máximo três alunos. Qualquer que fosse a forma que estivessem
trabalhando, muitos alunos buscavam colegas para discutirem as questões ou
mesmo para perguntarem sobre suas dúvidas. Entre os alunos a troca foi
constante e, mesmo com alguns alunos de pé, a aula transcorria de modo
tranquilo.
Muitos alunos estavam com seus livros em mãos ou mesmo com as
anotações anteriores feitas em sala. Esse material também era compartilhado
com os colegas, mostrando que essa intensa interação entre os alunos parecia
ser uma característica do trabalho da professora: isso já era feito de modo
natural, sem maiores constrangimentos, algo bastante natural de fato.
A um observador externo, a turma pareceria bem barulhenta. Entretanto,
como estávamos imersos no mesmo ambiente, pudemos perceber que esse
barulho era provocado pela arquitetura da escola: a única janela da sala está
voltada para a quadra poliesportiva. Ou seja; grande parte do barulho que se
ouve não vem dos alunos em sala, mas sim dos alunos envolvidos nas
atividades de Educação Física (que, nesse dia, envolvia a realização de um
jogo de voleibol).
79
3) Professor Caio 13
Trata-se de uma escola privada, situada na Capital Vitória, atendendo a
uma clientela considerada da classe mais alta. Todos os alunos estudam em
tempo integral, independente da série ou nível em que estejam. Suas
dependências são bem conservadas e existe um nítido primor pela organização
e harmonia do espaço escolar.
Suas salas de aula seguem esse mesmo padrão: as mesas de estudo
para os alunos são organizadas da forma tradicional – uma após a outra; a
limpeza é impecável. As salas apresentam boa iluminação e são climatizadas,
oferecendo um ambiente propício para os alunos estudarem.
Os professores possuem uma sala ampla, com computadores e material
de estudo à disposição. Por exigência, todos os professores usam jalecos para
ministrarem suas aulas. A escola conta ainda com um grupo de apoio
disciplinar e pedagógico em todos os seus andares, além de um coordenador e
de um pedagogo para cada nível de ensino.
3.1) Entrevista
O professor, por questões pessoais, desmarcou a entrevista duas vezes.
Por meio de conversas informais, durante as observações que fizemos,
soubemos que possui formação em Engenharia Mecânica, além de ter
frequentado o curso de Complementação Pedagógica.
3.2) Observações da Prática
1ª Observação: Dia 14 de abril de 2015 – Horário: 0 8h25min às 09h20min – 2º
Ano
O professor, antes de iniciar a aula, procurou deixar o ambiente bem
leve e descontraído. Cumprimentou os alunos e teve com eles uma breve
conversa informal, falando sobre fatos corriqueiros.
Nessa aula, o professor deu sequência a uma série de exercícios que
tinham por finalidade aprimorar as técnicas de resolução de Sistemas Lineares.
Nas palavras do próprio professor, em um futuro próximo, surgiriam situações
13 Nome fictício
80
em que os problemas seriam transformados em Sistemas Lineares: assim,
estudar as técnicas de resolução seria primordial para resolver esses
problemas futuros.
Após ser informado de que já havia resolvido as letras a e b da série de
exercícios propostos, convidou os alunos a resolverem com ele a letra c:
2 � + 3 � 4 � 0� � 23 + 4 � 5�� + 3 + 4 � �2
O professor disse que iria resolver esse sistema pelo método
“Escalonamento Fajuto”, que consistia em zerar os coeficientes da incógnita x
na segunda e terceira linha e resolver o sistema de duas incógnitas formado
pelas novas segunda e terceira linhas. Antes de começar a resolver, reforçou a
importância de que o coeficiente da incógnita x seja igual a 1 para facilitar as
demais ações. Um dos alunos sugeriu que fizessem um sistema em que essa
situação não ocorresse, e o professor afirmou que esse seria o próximo
exemplo a ser resolvido.
A resolução que propôs foi bem padronizada, algo que poderia ser
repetido em todas as questões que envolvam Sistemas Lineares:
2 � + 3 � 4 � 01� � 23 + 4 � 5�1� + 3 + 4 � �2
2 � + 3 � 4 � 0� � 23 + 4 � 5�� + 3 + 4 � �2
2 � + 3 � 4 � 00� + 33 � 24 � 50� � 23 + 04 � 2
Até chegar a esse último sistema, ocorreu uma grande interação por
parte dos alunos, que perguntaram bastante: sobre a resolução – questões
sobre sinais, valores, entre outros –, sobre sistemas em que os coeficientes
não são números inteiros e sobre outros métodos de resolução. Nesse ponto, o
professor relembrou os três métodos já discutidos por ele: o Tradicional
(substituição), a Regra de Cramer e o Escalonamento.
1L1-L2
-1L1-L3
Esse formato será
sempre padrão: basta
apenas substituir os
valores a cada novo
sistema
81
Sempre que solicitado, o professor respondia às dúvidas dos alunos de
modo sereno, falando pausadamente, mas mostrando firmeza em suas
respostas.
Para terminar a questão, resolveu o sistema 533 − 24 = −5−23 = 2 ,
encontrando como resposta: � = 2, 3 = −164 = 1. Apresenta a solução como
7 = 82,−1,1914. Assim que terminou a resolução, sugeriu aos alunos que em casa
resolvessem o mesmo sistema usando a Regra de Cramer. Relembrou que
isso somente é possível por que os determinantes oriundos do sistema são
todos quadrados15.
O segundo e último exercício proposto – os alunos tiveram um tempo
para resolvê-lo, foi o seguinte:
2 2� − 33 + 4 = 91� + 23 − 24 = −53� − 3 + 34 = 8
Antes de resolvê-lo, alertou que o sistema é uma combinação linear16 e
que as linhas poderiam ser trocadas (aqui ficou nítida a intenção do professor
em reforçar o algoritmo que utilizou na resolução anterior).
Durante o tempo dado para que os alunos resolvessem as questões,
alguns, de fato, investiram no trabalho. Sempre que solicitado, o professor ia a
cadeira do aluno que o havia chamado e procurava esclarecer a dúvida que
havia surgido.
Passados cerca de dez minutos, voltou ao quadro e apresenta a
resolução:
14
Em nossa opinião, a modo correto de apresentar a solução seria 7 = 8�2, −1,1 9. 15 Em nossa opinião, a afirmação do professor está equivocada: a Regra de Cramer poderia ser utilizada, no sistema proposto, por tratar-se de sistema de solução única e não por possuir determinantes quadrados a ele associados. 16 Nesse caso parecia haver, por parte do professor, um equivoco na definição de combinação linear.
82
2 2� � 33 + 4 � 91� + 23 � 24 � �53� � 3 + 34 � 8
21� � 23 � 24 � �52� � 33 � 4 � 93� � 3 � 34 � 8
2 1� � 23 � 24 � �50� � 73 � 54 � �190� � 73 � 94 � �23
Por fim, resolveu o sistema 573 � 54 � �1973 � 94 � �23, encontrando como
resposta � � 1, 3 � �264 � 1, e como solução 7 � 81,�2,19. Durante a resolução do segundo sistema, o professor novamente
comentou sobre a possibilidade de usar a Regra de Cramer. Nesse momento,
um dos alunos pergunta se a Regra de Cramer não poderia ser abolida, uma
vez que o Escalonamento é bastante confiável, nas palavras do professor. Em
resposta, este afirma que a Regra de Cramer é um “porto seguro”, um método
em que o aluno pode confiar17.
Durante a aula, foi nítida a preocupação dos alunos em copiar o que
estava escrito no quadro e sua tentativa de compreender o método algorítmico
que estava sendo ensinado. Nenhum aluno propôs outro modo de resolução ou
fez perguntas na tentativa de buscar outro caminho: as perguntas estavam
sempre relacionadas ao modo como o professor fez, quais valores deveriam
ser utilizados e quais variações poderiam ser encontradas.
Quase no fim da aula, o professor lembrou aos alunos que a próxima
avaliação será objetiva18. Comentou que, no caso de uma prova com essas
características, muitas vezes não é necessário que o aluno resolva o sistema:
basta apenas substituir os valores das incógnitas e verificar a sua validade ou
17 De modo particular, acreditamos que nesse momento o professor poderia aprofundar um pouco mais a discussão sobre a Regra de Cramer e a sua utilização. A afirmação do aluno, a nosso ver, é bastante procedente, vista as restrições que a mesma possui (e que parecerem ser desconhecidas do professor). De todo modo, ainda que se pote pelo ensino de tal regra, faz-se necessário o esclarecimento de sua limitação (vale lembrar que a Regra de Cramer é aplicável apenas em sistemas de solução única). 18 A escola divide as avaliações em dois grupos distintos: uma parte objetiva e uma parte com questões abertas, que chama de questões discursivas.
2L1-L2
3L1-L3
Reforçando a ideia do
formato padrão: basta
apenas substituir os
valores a cada novo
sistema
83
não. Encerrando, relembrou que em uma prova com 45 questões19, quando se
existe a preocupação “em ganhar tempo”, medidas como essa podem auxiliar
bastante.
Encerrou a aula pedindo que os alunos fizessem em casa uma série de
exercícios do livro texto adotado.
2ª Observação: Dia 23 de abril de 2015 – Horário: 1 0h40min às 11h35min – 2º
Ano
O professor começou a aula conversando com os alunos sobre os
perigos, na opinião dele, de uma prova objetiva: se numa prova aberta, que ele
chama de discursiva, o professor pode validar alguns pensamentos, na prova
objetiva, caso a alternativa marcada não seja a correta, nada pode ser feito.
Nessa aula, a proposta foi que os alunos trabalhassem na resolução de
questões, como forma de revisar os conteúdos listados para a avaliação que se
aproximava. A lista de conteúdos incluía matrizes, determinantes e sistemas
lineares.
Os exercícios propostos, listados a seguir, foram retirados do livro
Matemática e Aplicações20:
42) Sejam - � :�4 31 2; e . = : 1 0−1 3;. Calcule o determinante das matrizes:
a) A c) A + B e) A + 2B g) A + I2
b) B d) A – B f) A . B
45) Sejam - = �<=>��?�, em que <=> = �@ − A . Obtenha o valor de:
a) det A b) det At
46) Sejam - = �<=>��?�, em que <=> = 51, B6@ ≥ A2, B6@ < A e . = �E=>��?�, em que
E=> = 5−1, B6@ ≥ A1, B6@ < A . Calcule det A, det B, det (A+B) e det (A.B).
47) Resolva, em ℝ, as equações:
a) G � −3� + 2 � − 2G = 8
b) H � 0 12� � 23 2� �H = 0
19 Para nós, nesse momento, ficou claro que existe uma preocupação em preparar os alunos para a prova do ENEM, algo bastante desejável por parte da escola. 20 Os exercícios forma retirados das páginas 209 e 210 e seguem a numeração original.
84
c) H 1 2 �−1 � � + 13 2 � H = 6
Os alunos começaram a resolver os exercícios propostos pelo professor,
trabalhando individualmente. Existia pouca interação entre os alunos. O
professor os atendia em seus lugares, já que a sala de aula não possui uma
mesa para o professor – existia apenas um pequeno suporte onde o professor
poderia colocar seus pertences. Mesmo com a ausência do professor – ele foi
chamado pelo coordenador, os alunos continuaram fazendo suas atividades,
mantendo um clima bem tranquilo em sala.
O atendimento do professor aos alunos foi feito de dois modos distintos:
i. Para o aluno que não conseguia começar o exercício, ele fazia uma
breve explicação sobre o assunto, indicando o caminho a ser seguido;
ii. Para o aluno que conseguia resolver o exercício, mas não encontrava a
resposta esperada, ele observava a resolução e indicava o erro
cometido.
Foi marcante a pouca interação entre os alunos. Nos momentos de
dúvidas, não recorriam uns aos outros, preferindo sempre tirar suas dúvidas
com o professor
No fim da aula, alguns alunos perguntaram sobre exercícios “modelo
ENEM” ou exercícios que tivessem sido questões de vestibulares. Nesse
momento, parece ficar claro que, para os alunos, “aprender a matéria” significa
ser capaz de resolver problemas desse tipo.
3ª Observação: Dia 28 de abril de 2015 – Horário: 0 8h25min às 09h20min – 2º
Ano
A sala de aula estava bem tranquila: pouco barulho, apesar de os alunos
conversarem entre si.
O objetivo dessa aula era a correção dos exercícios deixados
anteriormente. A principal finalidade da correção era rever os conteúdos que
seriam abordados na avaliação que seria feita posteriormente.
Os exercícios propostos, listados a seguir, foram retirados do livro
Matemática e Aplicações21:
21 Os exercícios forma retirados das páginas 209 e 210 e seguem a numeração original.
85
42) Sejam I � :�J KL M; e N � : L O�L K;. Calcule o determinante das
matrizes:
a) A c) A + B e) A + 2B g) A + I 2
b) B d) A – B f) A . B
O professor iniciou a correção revendo o modo de resolução de um
determinante de ordem 2: multiplicar os elementos da diagonal principal menos
a multiplicação dos elementos da diagonal secundária. Segundo o professor, a
intenção dos exercícios propostos era fazer com que eles realmente
exercitassem a resolução de determinantes. A impressão que os alunos
deixavam no ar era de que realmente haviam feito os exercícios, pois não
apresentavam dúvidas ou faziam perguntas.
A correção das letras a, b e c ocorreu sem maiores problemas. Ao
terminar a letra d, um aluno questionou se o resultado não seria igual a -14 (o
professor havia acabado de resolver a questão e o resultado que havia
encontrado era -1). Demorou um tempo para o professor entender de onde o
aluno tirou o resultado -14 (o aluno havia apenas feito det (A-B) = det A – det B
= -11 – 3 = -14). Quando percebeu, pouco explorou a pergunta, afirmando
apenas que a proposta do aluno não era válida.
Antes de explicar a letra f, o professor revisou produto de matrizes. Uma
aluna afirmou que tinha dificuldades para efetuar essa operação, o que fez com
que o professor procurasse explicar de modo bem pausado, reforçando cada
ação que executava. Nesse momento, poucos alunos participavam da aula.
Nem as perguntas do professor eram respondidas.
De posse da matriz A.B, o professor calculou o seu determinante e
seguiu para o próximo item. Em nenhum momento o professor ou os alunos
perceberam que P6Q�-. . � P6Q-. det .. Talvez os alunos talvez não
acreditassem nessa possibilidade, já que na letra d a possibilidade havia sido
rejeitada. Mas, e o professor? Esquecimento ou desconhecimento? Esse item
parecia ser, assim como os itens c e d, os mais indicados a uma pequena
“investigação”, uma provocação que poderia ser feita aos alunos sobre outros
caminhos a serem seguidos na resolução de exercícios envolvendo
determinantes.
86
Ao encerrar a resolução dessa questão, um aluno questionou sobre uma
avaliação que a escola intitula “Simulado Modelo ENEM”. O professor levou
quase cinco minutos explicando sobre as questões que estavam nessa
avaliação. Essa discussão sobre a prova mobilizou os alunos, que discutiam
entre si as questões.
Ao tentar retomar a correção dos exercícios, o professor percebeu que a
turma estava apática. Para tentar animá-los, fez uma série de brincadeiras,
tentado retomar o planejamento que havia feito.
45) Sejam I � �UVW�KXK, em que UVW � �V � W M. Obtenha o valor de:
a) det A b) det A t
Ao corrigir o exercício 45, o professor primeiro montou a matriz
- � Y<�� <� <��< � < < �<�� <� <��Ze depois dedicou um tempo maior na explicação do termo
aij, comparando com diversos elementos da matriz que havia montado. Após
essa explicação, completou a matriz com os elementos calculados através da
lei de formação, obtendo - � Y0 1 41 0 14 1 0Z. Como a matriz obtida possui a diagonal principal igual a zero, o
professor questionou se já poderia afirmar se o determinante seria igual a zero.
Os alunos ficaram receosos em responder, sem certeza sobre a validade da
afirmação. Antes que os alunos pudessem verificar que a afirmação era falsa –
isso poderia ser feito através do calículo do determinante – ele mesmo
relembrou que haviam estudado apenas os casos de determinantes nulos por
terem linhas ou colunas iguais.
Para resolver o determinante, o professor afirmou que usaria a Regra de
Sarrus. Um aluno o questiona sobre a regra, o que fez com que o professor
explicasse a regra em detalhes, enfatizando a repetição das duas primeiras
colunas do lado direito do determinante e a questão dos sinais dos produtos.
Para resolver a letra b, calcula -[ = Y0 1 41 0 14 1 0Z e afirma que P6Q- =P6Q-[. Muitos alunos questionam se poderiam fazer uso da afirmação em
qualquer outro caso, pois, para eles, a afirmação P6Q- = P6Q-[ só parecia
87
correta pois - � -[. Para tentar convencer os alunos da validade da afirmação
P6Q- � P6Q-[, o professor propõe o cálculo de :1 32 4; e o de :1 23 4;. Somente a
partir desse exemplo os alunos mostraram aceitar melhor a ideia de que
P6Q- = P6Q-[. Após toda essa discussão, um aluno perguntou como obter a
matriz transposta, algo que o professor respondeu prontamente.
46) Sejam I = �UVW�KXK, em que UVW = 5L, \]V ≥ WM, \]V < W e N = �^VW�KXK, em que
^VW = 5−L, \]V ≥ WL, \]V < W . Calcule det A, det B, det (A+B) e det (A.B).
Faltando quinze minutos para encerrar a aula e percebendo que não
conseguiria terminar todas as questões, o professor pergunta aos alunos se
existia alguma dúvida na questão 46. Com a negativa dos alunos, solicitou que
resolvessem a questão 47.
47) Resolva, em ℝ, as equações:
a) G X −KX + M X − MG = _
b) H X O LMX X MK MX XH = O
c) H L M X−L X X + LK M X H = `
Depois de dez minutos, o professor começou a resolver a questão,
iniciando pela letra a. Ao calcular o determinante, obteve a equação
� + � − 2 = 0. Uma aluna propôs substituir a incógnita por 122. O professor
explica que ela poderia fazer isso e, caso o valor encontrado fosse igual a 0,
que ela estaria de posse de uma das soluções da equação.
Finalizando a aula, o professor propôs resolver a equação de modo
diferente, sem utilizar a Fórmula de Báskara, já que no 3º ano a questão é
ganhar tempo. Explicou que se a soma dos coeficientes de uma equação do 2º
grau é igual a zero, então 1 será uma das raízes e a outra será igual a $ <⁄ .
22 Como observadores, nos pareceu claro que a aluna não entendia o que seria resolver uma equação. A simples substituição, sem qualquer explicação dos motivos pelos quais havia escolhido aquele valor – ou outro qualquer- e a análise que deve ser feita posteriormente reforça, em nós, essa percepção.
88
4ª Observação: Dia 30 de abril de 2015 – Horário: 0 7h30min às 08h25min – 2º
Ano
O início de aula foi bem tumultuado, com os alunos andando de um lado
para o outro e pouco atentos às instruções do professor. Entre eles, o assunto
era bem variado, mas todos externos à sala de aula ou à escola.
A escola, para turmas de segundo ano, possui um projeto de teatro, que
envolve os alunos na montagem de uma peça, desde a escolha do tema até a
encenação, passando pela providência de todos os detalhes que um
espetáculo desse tipo demanda.
O corpo docente da escola deve estar envolvido, apoiando os alunos em
suas demandas. Para o professor observado, ficou a responsabilidade de
auxiliar nas finanças. Importante destacar que essa não é uma opção do
professor – é uma “imposição” da escola. Ainda que o professor o faça, não é
uma escolha sua, e a inserção da matéria não é algo natural.
Na aula observada, os alunos faziam a prestação de conta dos valores
arrecadados até aquela data. Ainda que a apresentação tenha utilizado
tabelas, não vimos em nenhum momento a aplicação de conhecimentos
envolvendo os conteúdos que seriam avaliados: MATRIZES,
DETERMINANTES E SISTEMAS LINEARES.
Durante toda a apresentação, o professor atuou como um motivador, um
gerente de equipe, orientando os alunos nos passos que deveriam ser dados
para que alcançassem suas metas.
89
4) Professor Roberto 23
4.1) Entrevista
Qual a sua idade?
26 anos; faço 27 em 19 de abril.
Qual a sua formação inicial?
Engenharia Mecânica de Aeronáutica, formado pelo ITA.
Chegou a atuar na sua área de formação inicial?
Não. Fiz apenas um estágio obrigatório.
Possui algum estudo em nível de pós-graduação na su a área de formação
inicial?
Não.
Possui algum projeto futuro relacionado à sua forma ção inicial?
Para a área de Engenharia acho difícil. Posso voltar, não digo que não, mas
acho difícil.
Por que a sala de aula, uma vez que possui uma form ação inicial diferente
da licenciatura?
É questão de eu gostar mesmo. Eu não sei explicar. Um gosto que eu adquiri
estranho, porque eu comecei com aula particular mais por necessidade. Criei
gosto pelo negócio e depois... A sala de aula mesmo eu comecei ano
retrasado... Então, quer dizer, vai fazer dois anos que eu estou em sala de
aula. Então, o porquê da sala de aula é meio difícil explicar; eu também não
sei. Eu sei por que eu gosto: eu acordo de manhã e digo que quando eu chego
aqui eu fico contente.
Fez curso de complementação pedagógica?
Sim, eu fiz o curso de complementação pedagógica ano passado, mas eu fui a
uma aula. O Rafael24 me indicou o curso para que eu tivesse permissão para
dar aula no Ensino Médio e aí, como era sábado de manhã, os compromissos
aqui da escola não me permitiram ir a todas as aulas. Eu tenho o certificado.
O que o motivou a fazer essa complementação?
O que me motivou fazer foi única e exclusivamente a questão legal.
23 Nome fictício 24 Nome fictício do pedagogo responsável pelo Ensino Médio da escola onde o professor atua.
90
Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente
para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?
Não consigo nem avaliar isso. Da aula que eu assisti pude concluir que a
maioria dos professores que também faziam a mesma aula não eram
professores de Ensino Médio, muito menos de pré-vestibular ou de terceiro
ano; eram professores de Ensino Fundamental Básico, de 1ª a 4ª série; o curso
tinha muitas dinâmicas para trabalhar com crianças pequenas, o que não me
ajudava em quase nada. Tanto é que, quando um dos professores descobriu
que era professor da escola X para 3º ano e pré-vestibular, ele procurou-me e
afirmou que muitas coisas que estavam sendo ensinadas não poderiam ser
usadas no 3º ano e pré-vestibular, pois a didática é quase nula... Então, eu não
consigo nem avaliar o que me ajudou ou não sobre isso. Eu sei que não me
ajudou muito, mas não sei dizer se me ajudaria ou não.
Há quanto tempo atua como docente?
Atuo como professor mesmo, em escola, desde a metade de 2013, ou seja,
quase dois anos.
Em quais níveis já atuou e em qual leciona atualmen te?
Já atuei no Pré-vestibular e 3º ano. Atualmente, além do pré-vestibular e do 3º
ano, também estou dando aulas para o 2º ano do Ensino Médio.
Em qual nível prefere atuar?
Antes de começar a dar aula no 2º ano, fiquei com medo, pois pensei: eu não
tenho experiência com o 2 ano. Eu acho que esse ano ainda vou aprender
muita coisa. Mas agora, com dois meses de aula praticamente, eu estou
bem dividido... Assim, eu gosto dos dois. Eu acho que no 3º ano é bom
porque eu posso mostrar mais meu conhecimento, pois o aluno quer
aprender mais; então, pela questão do conteúdo, no 3º ano, você acaba
se motivando mais.
Agora, no 2º ano, por outro lado, apesar de ter um aluno que não está
buscando tanto o conteúdo assim, você tem mais entrosamento com o aluno; o
aluno tem menos vergonha de perguntar, então você conversa mais com ele,
você vai à carteira dele, a relação professor-aluno é mais próxima do que no 3º
ano, e que no pré-vestibular não existe. Eu dou aula no pré-vestibular e
dificilmente você vai ter com o aluno uma relação de sala de aula mesmo.
91
Então, falar que gosto mais de 2º ano ou 3º ano, eu acho que, ainda hoje, eu
me sinto mais à vontade no 3º ano porque eu sei como funciona já. Mas
não que não goste do 2º ano, mas eu acho que no 2º ano eu tenho muito
que aprender ainda.
Possui algum estudo em nível de pós-graduação na ár ea da Matemática
ou de Educação Matemática?
Não possuo.
Fale um pouco da sua trajetória profissional como d ocente.
Como eu cheguei a dar aula? Quando eu estava no 3º ano do Ensino Médio,
eu já tinha aula em um nível diferente, pois eu já era um 3º ano em nível ITA.
Eu morava em Belo Horizonte e um professor meu me disse: “Olha, eu estou
dando aula particular para uma menina e não poderei continuar. Você quer dar
aula para ela?”. Foi a primeira vez que eu fui dar uma aula particular, para uma
menina que era da mesma escola que eu, mas eu era da turma ITA e ela era
da turma Medicina.
Quando eu mudei para São Paulo, para estudar no Poliedro e fazer cursinho,
eu não dei nenhuma aula particular. Existia um acordo meu com o Poliedro.
Qual foi o acordo? No primeiro ano estudando em São Paulo, eu não passei no
ITA. No segundo ano, eles queriam que eu voltasse para lá de qualquer jeito;
havia passado em 1º lugar na UFMG e eles gostariam que eu retornasse.
Durante o primeiro ano de estudo no Poliedro, eu não paguei nada. Para o
segundo ano, o Poliedro não me exigiu pagamento, exceto para o alojamento e
para a comida, que eu só pagaria se eu fosse aprovado no ITA.
Como eu passei no ITA, era necessário que eu pagasse minha dívida com o
Poliedro. A proposta de pagamento feita pelo Poliedro foi que eu quitasse a
minha dívida com plantões para os seus alunos e com correções de provas.
Assim começou uma nova fase na minha relação com o Poliedro.
Como eu fui crescendo no Poliedro, corrigindo mais provas, dando mais
plantões, comecei a dar aulas extras também, coisas que não fazia antes.
Fiquei quatro anos e meio com eles nesse sistema. Durante esse período, tive
a oportunidade de ter muitos alunos particulares.
No meu último ano de formação em Engenharia, eu comecei a dar aulas de
reforço. Nessa época, agosto de 2013, surgiu a oportunidade de atuar em uma
92
turma intensiva de pré-vestibular, que teria aulas de agosto até o final do ano.
Foi nesse momento que eu comecei a minha trajetória em sala de aula, pois
até então eu nunca tinha tido a oportunidade de ter uma turma realmente
minha.
No final do ano fui extremamente mal avaliado na enquete dos alunos, porque
minha experiência era totalmente nula; eu achei que eu tinha que ensinar
Matemática para eles, e não era bem isso... Só que eu não tinha ninguém para
conversar: literalmente, me botaram numa sala de aula e disseram: “Vai!”.
Com isso, quase desisti da sala de aula. Em dezembro de 2013 me formei e
pensei que não daria certo como professor. Foi quando eu decidi deixar de ser
militar, já que era militar da Força Aérea Brasileira. Um tio meu questionou se
eu não gostava de dar aula; eu andava receoso com a sala de aula. Foi por
intermédio desse tio que vim aqui para a escola X, fiz uma aula teste e cabei
ficando aqui. Em termos de salário, vim para receber bem menos do que eu
recebia. Mas, existia uma expectativa de isso ocorresse apenas no primeiro
ano, já que era esperado um aumento de carga horária para o segundo ano,
que me atenderia nas minhas pretensões salariais.
Então, essa foi a minha trajetória: foi porque eu gosto mesmo. Muitas pessoas
questionam a minha escolha, por ser um Engenheiro formado no ITA. Mas é
engraçado que, em geral, o Engenheiro não trabalha com Engenharia. E
Engenheiro do ITA menos ainda: o que mais ele faz é não ir para a Engenharia.
A maioria vai para mercados financeiros, consultorias, pois o Engenheiro
formado pelo ITA é uma pessoa que lida bem com dados. No Brasil,
infelizmente, a Engenharia, tanto em termos econômicos como em termos de
trabalho, não é atrativa para esse tipo de pessoa. Por isso acredito que não
voltaria a trabalhar com Engenharia.
Por esse motivo, muitos amigos meus, que pensaram primeiro em dinheiro,
foram para a área financeira. Eu não pensei tanto em dinheiro e vim fazer algo
que eu gosto, pois penso que eu estudei muito para fazer algo que eu gosto
não algo que eu não gosto.
Possui algum projeto futuro relacionado à sala de aula?
Tenho vontade de ter algo meu, mesmo que não tenha fins financeiros, mas
que atenda pessoas que não possuem condições de pagar a uma escola como
essa em que trabalho hoje.
93
Agora que estou trabalhando com o 2º ano, percebo que o conhecimento é
negado para nossas crianças pelos professores. Eu ouço muitos professores
comentando que aluno de Ensino Médio não precisa saber isso ou aquilo.
Penso que esse conhecimento que é negado acaba sendo acumulado para o
3º ano ou em três ou quatro anos de cursinho. Eu acho que o professor tem
que dosar: é claro que ele não vai dar a mesma aula do 3º ano no 2º ano, mas
ele não pode negar conhecimento, ele não pode negar, por exemplo, um jeito
rápido de fazer uma soma de fração. Não se pode afirmar que não se vai se
ensinar algo assim pelo não entendimento do aluno. De onde vem tanta
certeza do não entendimento do aluno?
Então, um projeto futuro é um projeto social, relacionado a pessoas que não
podem pagar um curso caro, pois acredito que uma pessoa dessas, trabalhada
por dois anos, obterá sucesso.
Costuma participar de encontros, congressos ou curs os de formação
continuada na área da educação?
Não
É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da
Matemática?
Olha, eu acho. Eu acho até que eu deixo a desejar, às vezes, por causa disso,
apesar da Matemática que eu tive no ITA foi bem pesada mesmo. Inclusive, até
curso de Análise eu tive que fazer. Eu tive que fazer oito disciplinas
relacionadas à Matemática, mas, mesmo assim, às vezes, em sala de aula, eu
sinto falta de conceitos. Eu sei que eu não sei conceitos que uma pessoa que
tenha feito Matemática, três ou quatro anos, sabe. Eu não fiz tantas disciplinas
relacionadas à Matemática.
Eu acho que é essencial para o professor de Matemática porque é o conteúdo
a ser ensinado
É importante que o professor tenha uma boa formação no campo da
Matemática?
Eu penso que seja essencial também, mas não consigo nem avaliar isso, pois
eu não tenho conhecimento de causa disso.
Você acredita que tenha mudado sua maneira de atuar como professor ao
longo desses anos?
Muito
94
O que motivou essas mudanças?
Não sei dizer o que motivou as mudanças; sei que elas foram acontecendo. No
dia a dia, ao dar aula, você percebe uma coisa que você fez ou falou e o efeito
que isso produziu.
Por exemplo: eu dou aula em sete turmas de uma mesma matéria. A primeira
turma que tiver essa aula, dificilmente terá uma aula melhor que a última turma
que tiver essa mesma aula.
Por quê? Ao longo das aulas, você vai percebendo onde estão as dúvidas dos
alunos, e, a cada nova aula, você vai mudando a forma de conduzir a aula.
Acaba que a última turma que assiste à mesma aula, sobre o mesmo tema,
acaba assistindo uma aula melhor. Então, imagina: se você muda, de aula para
aula, sendo o mesmo conteúdo, imagina ao longo de dias, imagina ao longo de
anos. Então: a motivação para eu mudar foi mesmo querer dar uma aula
melhor, mas eu não consigo nem aprofundar muito nisso. Percebo mudanças
no modo de preparar aula, na forma de abordar o conteúdo, mas também
percebo mudanças em coisas mais simples, como o modo de me expressar em
sala de aula. Toda semana eu começo agindo de um jeito e vou mudando ao
longo dos dias. Eu acho que ainda estou me construindo como professor; só
não sei quanto tempo vai durar essa construção. Sei que ainda não consigo
afirma, por exemplo, que meu estilo é esse ou aquele.
Em sua opinião, o ensino de Matemática passou por m udanças, desde o
inicio de sua atuação docente?
Se eu for falar em função da minha experiência, que está relacionada ao
vestibular, sim, tivemos mudanças, motivadas pela inserção do ENEM como
quase obrigatório para todos os alunos. A Matemática que eu aprendi, ainda
que eu tenha feito turma ITA, durante o Ensino Médio é bem diferente da que
eu vejo hoje.
O que é aprender Matemática?
Eu tenho refletido muito sobre isso. Eu acho que aprender Matemática é muita
coisa, mas uma pessoa que utiliza bem, mesmo que seja pouco o que ele sabe
de Matemática, é uma pessoa que sabe analisar informações, sejam elas
numéricas ou não. Uma pessoa que recebe uma informação de um jornal e não
sabe analisar logicamente aquela informação, se aquela informação contiver
números, ela não sabe usar nada de Matemática. Ela pode dizer que sabe
95
somar, subtrair, mas, para mim, saber Matemática, é saber analisar dados e
informações. É o que falo bastante em sala de aula.
O que é necessário para que um aluno a aprenda?
Eu posso até parecer meio retrogrado, mas além da necessidade de um
professor – acredito que um aluno imaturo, como é um aluno de ensino Médio,
pegar um livro sozinho e estudar; existem casos especiais, eu conheço, mas eu
acho que precisa de um professor pelo menos para guiar, para dar um norte –
penso que a Matemática está intimamente ligada a exercícios. Então eu falo
com os meus alunos: é muito difícil você ler uma teoria de Matemática dez
vezes e falar que você sabe aquele capítulo. Eu falo que hoje em dia eu me
lembro de muitas coisas porque fiz muitos exercícios ao longo da minha vida.
Eu acho que resolver exercícios é o ponto essencial para o ensino de
Matemática.
Você acredita que existam alunos com pré-disposição para a Matemática?
Acredito que existam alunos com pré-disposição para a Matemática assim
como existem também os que não têm tanta pré-disposição para a Matemática
Muitos alunos possuem atitudes diferentes frente à Matemática. A que
atribui essas atitudes? Essas atitudes podem ser mu dadas?
Isso está muito ligado à questão da pré-disposição. Talvez um ligado tenha
mais facilidade para entender uma matéria, ou não, mas o que eu observo
muito assim é que às vezes, tem o aluno que estuda todas as matérias e é
muito bom e tem o aluno que não estuda nada e é muito ruim. Tem o aluno que
não estuda Matemática e, automaticamente, ele é bom em Matemática, ele tem
mais facilidade que o outro. É muito difícil discutir as atitudes diferentes,
depende de cada caso.
Mas, em geral, os dois pontos que eu acho são:
1º) Atitudes diferentes são por facilidade, ou não, em Matemática, a pré-
disposição;
2º) Estudo: às vezes você vê um aluno que não entende nada mas não é
porque ele tem pré-disposição ou não para a Matemática, mas é porque ele
realmente não estuda nada. Nesse caso, é muito mais amplo que o estudo de
Matemática. Passa a ser como trazer aquele aluno para estudar mesmo ou se
ele precisa daquilo mesmo, não fica restrito ao estudo de Matemática.
96
Comento com os meninos na sala: por que eu virei professor? Porque eu me
espelhei muito em professores meus, principalmente os de pré-vestibular. Eram
doutores em engenharia Naval, Física, diversas áreas, e eu sentia que eles
ensinavam a matéria, mas o mais interessante é que eles, às vezes, deixavam
um ponto no ar, durante a aula, e aquele ponto no ar instigava a minha
curiosidade. Então, afirmo para os meus alunos que professor não é só a
pessoa que ensina; é a pessoa que desperta curiosidade. Se o aluno for
curioso, ele vai aprender muito. Às vezes, eu falo coisas tentando despertar a
curiosidade dos alunos, tentando mostrar que o estudo é importante, não só na
Matemática, mas em todas as áreas. Ter conhecimento é importante para a
vida dele, porque ele vai precisa daquilo. O aluno acha que não vai precisar,
mas ele vai precisar daquilo. Não se trata apenas de somar ou não: é todo o
cognitivo que está por trás, é todo um raciocínio. Esse processo cognitivo é
importante, independe da área de especialização.
Qual o papel do aluno numa aula de Matemática?
Instigar a curiosidade de seus alunos.
Qual o papel do professor numa aula de Matemática?
Como eu poderia dizer? O aluno tem um papel mesmo? Será que o aluno tem
necessidade aprender mesmo? O aluno aprende porque a gente o obriga a
aprender, por que ele te nota, o Governo obriga ele a aprender, por que para
ele entrar numa Faculdade Federal ele tem que tirar certa nota. Então, desse
modo, o aluno o papel do aluno é aprender. Mas, por quê? É isso que a gente
tem que mostrar para o aluno. Que ele teria que estudar para ele ter um
processo mental cognitivo um pouco mais avançado. Agora, até que ponto o
papel do aluno é estudar ou não, estudar certo número de horas, não sei até
que ponto isso é papel do aluno ou não. O que eu sei é que, no fundo, ele tem
que sair da escola, todo dia, melhor que ele entrou.
97
4.2) Observações da Prática
1ª Observação: Dia 26 de março de 2015 – Horário: 1 1h00min às 11h50min – 2º
Ano
Percebemos a preocupação do professor em cumprir alguns
“expedientes burocráticos” exigidos pela escola. Sua primeira orientação foi
relacionada à disciplina, solicitando que os alunos sentassem e fizessem
silêncio, pois ele iria começar a aula, Conhecia alguns alunos pelos nomes e
usou isso a seu favor, chamando-os e solicitando que se sentassem. Assim
que julgou a turma apta, fez a chamada.
Livre desses trâmites, o professor informou que como havia, na aula
anterior, encerrando o capítulo sobre Estatística, iniciaria o “conteúdo mais fácil
de todos os tempos”, anunciando o nome do novo conteúdo: Sequências
Numéricas. Comentários como esse, indicando que o conteúdo a ser
trabalhado é fácil, ou mesmo que a disciplina Matemática é fácil, foram
constantes em sua aula.
Em seus comentários iniciais sobre sequências, procurou destacar,
usando como contraexemplo dois conjuntos iguais - 82,4,5,79 = 84,2,5,79 - que,
nas sequências, diferente do que ocorre em conjunto, a posição de cada um
dos elementos da sequência é importante. Em seguida, escreveu a seguinte
definição para sequências numéricas:
5a�b = <ca:ℕ∗ → ℝ
Buscando reforçar a ideia de representação de sequências por meio de
funções, esboçou a seguinte figura no quadro:
98
Figura 23: Representação de função feita pelo professor Roberto
Fonte: acervo do professor
O professor fez uso, durante sua explicação, da linguagem formal em
termos matemáticos. Expos os conceitos de domínio, contradomínio e imagem
de uma função e afirmou que, em sequências numéricas, os alunos usariam a
função como um operador. Usou uma metáfora – uma fruta que, depois de
processada (sendo o processador a função), torna-se suco – para reforçar essa
última ideia. Até esse momento, nenhum exemplo de sequência havia sido
colocado no quadro: a aula ainda estava em um nível bem teórico, sem
qualquer ilustração ou aplicação cotidiana.
O primeiro exemplo de sequência surgiu apenas quando iniciou as
formas de representação de sequência – tópico colocado por ele no quadro.
Iniciou esse tópico falando da Lei de Recorrência, pedindo que uma aluna
explicasse o termo recorrência. Todas as anotações que faz no quadro
estavam contidas em um caderno, que usou como material de apoio durante a
aula. Utilizou, como exemplo inicial:
5 <� � 1<c � <c�� + 3
99
A partir daí, ele mesmo calculou o segundo, terceiro e quatro termos. Com os
resultados obtidos, escreveu (1, 4, 7, 10, ...) e pediu que os alunos calculassem
o quinto e o sexto termos.
Após concluir sua explanação sobre Lei de Recorrência, falou da
Fórmula do Termo Geral ou Lei de Formação da Sequência. Nesse caso, usou
o exemplo <c � 3b − 2, b ∈ ℕ∗. Sugeriu que os alunos trocassem n por 1.
Os alunos apresentam muitas dúvidas e recorrem ao professor.
Entretanto, para nós, fica claro que o professor não compreendia, muitas
vezes, as dúvidas que os alunos apresentavam. Ainda que tenha respondido a
todos com muita cordialidade e presteza, as respostas apresentadas não
pareceram suprir as dificuldades apresentadas pelos alunos.
Em novo exemplo, pede aos alunos que calculem os cinco primeiros
termos da sequência:
5 b ∈ ℕ∗a�b = 4b − 8
Alguns alunos tentaram fazer o exercício, mas outros ainda
sentiam dúvidas, principalmente quanto ao significado do termo n. Percebendo
isso, o professor começou a resolver os exercícios, destacando que n
representa, nesse caso, a posição do elemento a ser calculado. No momento
de suas explicações, era nítida a maior preocupação dos alunos em copiar a
resolução do que compreender o que de fato o professor tentava transmitir.
Para encerrar a aula, propôs um desafio: escreveu a sequência
(-3,4,11,18, ...) e pediu que os alunos descobrissem sua lei de formação.
Muitos alunos observaram que se tratava de uma sequência em que, para
obter um novo termo, bastava somar sete ao termo anterior.
Com essa resposta dos alunos, o professor insistiu em uma
formalização, ainda que oral. Sugeriu que os alunos calculassem o enésimo
termo (algo que ele ainda não havia dito durante a aula). Diante da negativa
dos alunos, explica que, para chegar ao segundo termo, a partir do primeiro,
deve somar o sete uma vez. Usa o mesmo procedimento para o terceiro e
quarto termos – todos de forma oral – e conclui dizendo que:
100
<c � <� + �b � 1 . 7
<c � �3 � �b � 1 . 7
<c � �3 � 7b � 7
<c � �10 � 7b
Por fim, testa alguns valores para n e conclui que a fórmula proposta
estava correta.
2ª Observação: Dia 9 de abril de 2015 – Horário: 07 h00min às 07h50min –
2º Ano
Assim como na primeira observação, o professor mostrou-se
preocupado em cumprir os expedientes burocráticos exigidos pela escola.
Dessa vez, além da chamada dos alunos e da questão disciplinar, também fez
a cobrança de alguns exercícios, algo que a escola chama de Tarefa Mínima25
(TM).
Os exercícios corrigidos foram os seguintes:
Figura 24: Exercício corrigido pelo professor Roberto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
25 Trata-se de uma apostila de exercícios elaborada pelo próprio professor.
101
Figura 25: Exercício corrigido pelo professor Roberto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
102
Figura 26: Exercício corrigido pelo professor Roberto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
Para corrigi-los, solicitava que um aluno fizesse a leitura do exercício e
indicasse sua resposta. Durante a resolução26, exigia que os alunos se
mantivessem concentrados, atentos ao que se passava em sala.
Ao relembrar as fórmulas de desvio-padrão e variância, comentou que o
ENEM já abordou tais assuntos e que por isso trata-se de um assunto a ser
bem fixado por parte dos alunos.
26 Em dado momento, durante a resolução dos exercícios, cremos que para “motivar” seus alunos, o professor comentou que as questões da TM eram ridículas.
103
Concluída a resolução, o professor fez uma breve revisão sobre
Estatística, assunto da avaliação que estava próxima. Nessa revisão, aborda,
oralmente:
i. População, Amostra e Variável (Quantitativas e Qualitativas –
discretas e contínuas);
ii. Histograma, Polígono de Frequência e Gráfico de Setores;
iii. Medidas de Tendência Central: Média, Mediana e moda;
iv. Medidas de Dispersão: Desvio-Padrão.
Para encerrar a revisão, relembra que as questões da avaliação terão
como base as questões da TM.
Aproveita o tempo que resta da aula e inicia o estudo das Progressões
Aritméticas (PA). Para isso, escrever sua definição:
Definição: Uma PA é uma sequência numérica cuja fórmula de recorrência é: <c � <c�� + i
sendo r a razão, um valor constante. Acrescenta à definição o seguinte
comentário: Cada termo é igual ao seu anterior mais uma constan te. Insiste
com esse comentário, repetindo-o diversas vezes.
A seguir, escreve no quadro.
Cada termo é igual ao seu antecessor mais uma const ante denominada
razão da PA. UM � UL � UK � UM � UJ � UK � ⋯ �Uk � Uk�L
Uma aluna o interrompeu e afirma que ainda tinha dúvidas a respeito
disso, bem como tinha dúvidas sobre o uso do termo antecessor. O professor
procura sanar as dúvidas, enfatizando a questão dos índices.
Um detalhe a ser lembrado é que, entre a aula de sequências e essa
aula, tínhamos uma diferença de duas semanas. Em nenhum momento o
professor levou isso em conta, promovendo uma recapitulação ou mesmo
recordando alguns pontos já vistos.
Voltando ao quadro, escreve:
Classificação de PA
� r > 0: PA é crescente;
� r = 0: PA é constante;
� r < 0 : PA é decrescente.
104
Após a classificação, resolveu os seguintes exercícios com os alunos.
1) Identifique, entre as sequências a seguir, quais são progressões
aritméticas:
a) (3, 10, 17, 24)
a2 – a1 = 10 – 3 = 7
a3 – a2 = 17 - 10 = 7
a4 – a3 = 24 – 17 = 7
Como a 2 – a1 = a3 – a2 = a4 – a3 = 7, é uma PA.
b) � LLOOO , LlOO , K
LOOO , KlOO�
UM − UL = LlOO − LLOOO = LLOOO
UK − UM = KLOOO − LlOO = LLOOO
UJ − UK = KlOO − KLOOO = KLOOO
Como UM − UL = UK − UM ≠ UJ − UK, não é uma PA.
c) (-1, 1, -1, 1)
a2 – a1 = 1 – (-1) = 2
a3 – a2 = - 1 - 1 = - 2
Como UM − UL ≠ UK − UM, não é uma PA
d) �LM , − L
M , −KM , −lM�
Essa questão ficou como exercício a ser feito em ca sa.
A aula foi encerrada com esse exercício.
3ª Observação: Dia 9 de abril de 2015 – Horário: 11 h00min às 11h50min – 2º Ano
Como a segunda e a terceira observações foram feitas em um mesmo
dia, pudemos, nessa observação, acompanhar a continuação da resolução de
mais exercícios propostos pelo professor.
105
2) Classifique as seguintes Progressões Aritméticas:
a) ( -2, -5, -8, -11, -14)
O professor opta por fazer: a2 – a1 = -5 – (-2) = -3 (PA decrescente).
Em seguida, pede que os alunos obtenham a lei de formação:
( -2, -5, -8, -11, -14)
a2 = a1 + 1.(-3)
a3 = a1 + 2.(-3)
a4 = a1 + 3.(-3)
a5 = a1 + 4.(-3)
Após citar esses exemplos, solicita que os alunos completem a seguinte
expressão an = a1 + ? (-3).
Sem dar tempo os alunos para elaborarem suas respostas, completou a
expressão, reescrevendo-a como an = a1 + (n - 1). (-3).
b) �√3, √3, √3, √3,…� r = a2 – a1 = 0 (PA constante).
Em seguida, pediu que os alunos encontrassem o termo geral.
Novamente, sem dar tempo para que os alunos pensassem a respeito
da questão, afirmou que <c � √3.
c) (- 10, 0, 10,...)
Resolveu o exercício seguindo a mesma metodologia aplicada
anteriormente.
A seguir, a aula continuou com a dedução do termo geral, feita pelo
professor da seguinte forma:
TERMO GERAL DE UMA PA:
Considere uma PA cuja razão seja igual a r. �<�, < , <�, <o, <�, … , <c� , <c��, <c Para incentivar a participação dos alunos, lançou a pergunta: “Quantos
termos possui essa PA?”. De imediato, um aluno respondeu que a PA possui
cinco termos. Pacientemente, o professor explicou que se tratava de uma PA
com n termos.
-3 -3 -3 -3 Utiliza essa estrutura para explicar esses valores
Ainda não havia utilizado a expressão “termo geral”, algo que gerou dúvida em alguns alunos.
106
Relembrando que a fórmula de recorrência de uma PA é <c � <c�� + i.
A partir daí, escreveu:
pqqrqqs < � <� + i<� � < + i<o � <� + i<� � <o + i...<c�� � <c� + i<c � <c�� + i
Para prosseguir com a dedução, questionou aos alunos se poderiam
somar os dois lados da equação. Como mais uma vez não obteve resposta,
deu o seguinte exemplo:
5� � 23 = 3 ⇒ � + 3 = 5
Assim, escreveu:
< + <� + <o + ⋯+ <c�� + <c = <� + < + <� + <o + ⋯+ <c�� + i + i + ⋯+ i
Explicou que os termos iguais serão cancelados e que o número de
razões era igual a (n – 1). Assim, concluiu que <c = <� + �b − 1 . i
Para que os alunos pudessem resolver as questões da TM, sugeriu que
resolvessem algumas questões da apostila.
4) Encontre o 10º termo da PA (-4, 1, 6, ...).
i = < − <� = 1 − �−4 = 5
<��� = <� + �101 − 1 . 5 ⇒ <��� = 496
5) Os dois últimos termos de uma progressão aritmét ica de 13
termos são 35 e 42. Quais são os primeiros termos d essa sequência?
Começou perguntando quanto valiam o 12º e o 13º termo. Dai:
5<�� = 42<� = 35 ⇒ i = <�� − <� = 42 − 35 = 7
2<�� = <� + �13 − 1 . 742 = <� + 12.7<� = −42
Para obter os demais termos da PA, afirmou que bastava somar 7:
(-42, -35, - 28, ....).
6) Em um teatro, a primeira fila tem 24 assentos; a segunda, 28; a
terceira, 32; e assim, sucessivamente. Quantos luga res têm a 18ª
poltrona?
Perguntou aos alunos quantas equações estavam escritas? Diante da falta de respostas, afirmou que eram (n – 1) equações.
107
i � < � <� � 38 − 24 = 14
<�� = <� + �18 − 1 . 14
<�� = 24 + 17.14
<�� = 262
4ª Observação: Dia 16 de abril de 2015 – Horário: 0 9h50min às 11h50min – 2º
Ano
Inicia a aula anunciando que trabalharia Interpolação Aritmética.
Justificou que ensinaria esse tópico devido a presença de um exercício sobre
esse assunto na apostila de TM.
Inicialmente, propôs uma questão:
Exemplo. Interpole cinco meios aritméticos entre 1 e 151.
Questiona os alunos o que seria interpolar. Diferente de outros
exercícios, nesse vários alunos participaram, dando a resposta que o professor
esperava.
Iniciou a resolução, escrevendo �1, < , <�, <o, <�, <u, 151 . Assim:
<v = <� + �7 − 1 . i
151 = 1 + 6i
i = 25
Terminou a resolução escrevendo a PA (1, 26, 51, 76, 101, 126, 151).
Durante a resolução, os alunos estavam em silêncio, bastante
preocupados em copiar a resolução do professor. Mais uma vez, o professor
insistiu em fazer ele mesmo a resolução, não dando tempo para que os alunos
tentassem encontrar a resposta.
Ao resolver a questão, o professor afirmou que a questão da TM era
idêntica à já resolvida e que, em vestibulares ou mesmo no ENEM, o assunto
Interpolação Aritmética não costuma ser cobrado.
A seguir, começou a trabalhar o que chamou de Propriedade da Média
Aritmética:
�<, E, $ são termos consecutivos de uma PA se, e somente se, E = wxy .
Nesse caso, usou a PA calculada anteriormente pra exemplificar a
propriedade que acabará de enunciar.
108
Uma aluna o questionou sobre o termo “se e somente se”; o professor,
de modo sereno, explicou que se trata de um termo matemático, em que “vale
a ida e a volta”.
Fez a demonstração da propriedade do seguinte modo: �<, E, $ são termos consecutivos de uma PA ⇔ E � < � $ � E ⇔ 2E �< + $ ⇔ E � wxy .
Uma aluna afirmou que não havia entendido a expressão E � < � $ � E.
Para esclarecer sua dúvida, o professor retoma a definição de PA:
Se �<�, < , <�, <o, <�, … , <c� , <c��, <c formam uma PA de razão r, então
{ � UM � UL � UK � UM � UJ � UK � ⋯ �Uk � Uk�L
Exemplo proposto: Se ��5, �, �13 forma uma PA, calcule o valor de x
e a razão da PA.
� � �5 � 132 � �9
i � � � ��5 � �9 � 5 � �4
SOMA DOS TERMOS DE UMA PA
Iniciou esse tópico propondo aos alunos que fizessem a seguinte soma:
1 + 2 + 3 + 4 + ... + 97 + 98 + 99 + 100.
Sem dar tempo para que os alunos pensassem a respeito, fez a
montagem:
1 + 2 + 3 + 4 + ... + 97 + 98 + 99 + 100.
Explica que a soma de dois termos equidistantes27 dos extremos é
sempre constante.
Daí:
50 equações:
pqrqs1 � 100 � 1012 � 99 � 1013 � 98 � 101...50 � 51 � 101
7 � 1 � 2 � 3 � ⋯� 98 � 99 � 100 � 1002 . 101 � 50.101 � 5050
27 Ao usar a expressão “termos equidistantes dos extremos”, explica-a, antes de prosseguir com a demonstração.
101
O professor explicou que o número de equações é igual a metade do números de termos.
109
O professor afirmou que a partir da ideia exposta, pode-se deduzir a
fórmula para a soma dos termos de uma PA. Após essa firmação, convidou os
alunos a deduzirem essa fórmula.
Dedução
Considere uma PA com n termos: �<�, < , <�, … , <c� , <c��, <c Calculando a soma dos termos, obtém-se:
57c � <� + < + <� + ⋯� <c� � <c�� � <c7c � <c � <c�� � <c� � ⋯� <� � < � <�
Somando as duas equações: 27c � �<� � <c � �< � <c�� � ⋯� �<c�� � < � �<c � <� 27c � �<� � <c � �<� � <c � ⋯� �<� � <c � �<� � <c 27c � �<� � <c . b
7c � �<� � <c . b2
Durante a dedução da fórmula, a aula ficou bastante abstrata. Os alunos
não participaram em nenhum momento, ficando restritos a copiarem o que era
colocado no quadro. Assim que conclui a dedução, o professor resolveu os
seguintes exercícios;
Apostila – página 24:
Questão 17 - Calcule a soma dos 24 primeiros de cada PA:
a) (-57, -27, 3, ...) i � < � <� � �27 � ��57 � �22 � 57 � 30
< o � <� � �24 � 1 . i
< o � �57 � 23.30< o � <� � �24 � 1 . i
< o � 633
7 o � �w|xw(} . o
7 o � ��57 � 633 . 242
7 o � 6912
b) � � , �� , �o� �
O professor explicou o símbolo, inclusive com exemplos para n.
Uma aluna perguntou se isso ainda fazia parte da resolução. Ficou claro que ela não entendeu o processo: ela estava apenas copiando, sem saber direito o que deveria fazer
110
O professor, para calcular a soma pedida, seguiu o mesmo
procedimento usado na letra a.
Terminou a aula indicou os exercícios a seguir para resolução em
casa:
Figura 27: Exercícios propostos
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
111
Figura 28: Exercício proposto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
Figura 29: Exercício proposto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
112
Figura 30: Exercício proposto
Fonte: apostila da escola onde o professor atua
No próximo serão apresentadas as categorias de análises criadas,
seguidas das análises envolvendo sobre os professores envolvidos.
113
Capítulo VI: A análise dos dados
A partir dos dados obtidos por meio das entrevistas e das observações
da prática, optamos pela criação de três categorias de análise que incluíssem
os participantes.
As concepções condicionam a forma de abordagem das tarefas, muitas vezes orientando-nos para abordagens que estão longe de ser as mais adequadas. Estritamente ligadas às concepções estão as atitudes, as expectativas e o entendimento que cada um tem do que constitui o seu papel numa dada situação. (PONTE, 1992, p. 8).
Após a apresentação de cada uma das categorias, analisamos os
professores pesquisados de acordo com uma dessas categorias buscando, em
suas palavras e em suas ações, elementos que nos permitiram enxergá-los de
acordo com uma ou outra concepção que havíamos definido previamente.
Concepção �
Essa categoria se caracteriza por uma visão mecanicista da Matemática,
com valorização das operações matemáticas. As ações dão ênfase nos
algoritmos que permitem a execução de cada uma delas.
Os aspectos de cálculo são sem dúvida importantes e não devem ser desprezados. Mas a identificação da Matemática com o cálculo significa a sua redução a um dos aspectos mais pobres e de menor valor formativo – precisamente aquele que não requer especiais capacidades de raciocínio e que melhor pode ser executado por instrumentos auxiliares como calculadoras e computadores (PONTE, 1992, p. 15)
Ainda de acordo Ponte (1992), são desenvolvidas apenas as
competências elementares – representadas por processos de memorização e
execução – e as intermediárias – processos mais complexos, mas que não
demandam uso de criatividade.
A postura do professor estará mais voltada para a explicação dos
processos, utilizando, sempre que possível, o livro didático como a sua
principal referência.
Aos alunos, caberá, em um primeiro momento, uma postura mais
passiva, devendo estar atentos às explicações dadas pelo professor durante a
sua exposição. Após a explanação do professor, será a sua vez de executar as
tarefas indicadas pelo professor, que normalmente serão exercícios retirados
114
de livros didáticos ou apostilas. Esses exercícios serão, na maioria das vezes,
exercícios de aplicação de algoritmos anteriormente explicados, não chegando
a representar, de fato, problemas.
Nessa abordagem, primeiramente o professor “comunica” esse novo conhecimento, mostrando, em seguida, algumas de suas aplicações através de exemplos ou de exercícios resolvidos. Segue-se, ainda, uma bateria (em geral extremamente longa), de exercícios em que o aluno deverá aplicar esse novo conhecimento; é o que chamamos, geralmente, de exercícios de fixação. (SANTOS, 2002, p. 11)
Tal categoria se aproxima daquilo que Fiorentini (1995) classifica como
Tendência Formalista Clássica, por se assemelharem – a concepção e a
tendência – no seguinte aspecto:
Didaticamente, o ensino nessa tendência pedagógica foi acentuadamente livresco e centrado no professor e no seu papel de transmissor e expositor do conteúdo através de preleções ou de desenvolvimentos teóricos à lousa. A aprendizagem do aluno era considerada passiva e consistia na memorização e na reprodução (imitação/repetição) precisa dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelos livros (FIORENTINI, 1995, p. 7)
Nessa categoria, o professor se preocupará com o “saber fazer”, não
estando preocupado com justificativas ou detalhes formais da própria
Matemática.
Os materiais utilizados, na maioria dos casos, serão o quadro e os livros
didáticos. Outros materiais poderão ser utilizados, mas o método de utilização
permanecerá o mesmo: exposição por parte do professor e resolução de
exercícios por parte do aluno.
Sobre a aplicação dos conhecimentos matemáticos adquiridos, essa
estará sempre voltada para à própria Matemática, como se ela fosse um fim em
si mesmo; isso acaba por reforçar, nos alunos, a ideia de que os
conhecimentos matemáticos possuem uma sequência ordenada e que não
pode ser alterada, sob pena de não ser possível compreender o que se
sucede.
O papel do professor está intimamente ligado à transmissão de certo conteúdo que é predefinido e que constitui o próprio fim da existência escolar. Pede-se ao aluno a repetição automática dos dados que a escola forneceu ou a exploração racional dos mesmos. (MIZUKAMI, 2007, p. 15).
115
O conhecimento do professor que será valorizado nessa categoria de
análise será o conhecimento matemático, principalmente aquele relacionado à
resolução de exercícios, preferencialmente de modo simplificado e rápido. O
profissional valorizará cursos que o desenvolva do ponto de vista matemático,
dando pouco valor às questões de ensino e de aprendizagem.
Concepção �
Essa concepção é bastante parecida com a anterior, com uma atividade
inicial centrada no professor e com posterior atividade dos alunos.
Para tanto, cabe ao professor “transmitir” da melhor forma possível esse conhecimento (em geral partindo de definições), e, ao aluno, cabe estar atento, escutar e anotar em seu caderno, para que ele possa “receber bem” o conhecimento transmitido pelo professor. (SANTOS, 2002, p. 11).
Entretanto, algumas diferenças são encontradas. Por exemplo, durante a
sua explanação, o professor utilizará linguagem matemática formal. Em alguns
momentos, essa formalização será precipitada, não permitindo que os alunos
acompanhem as proposições feitas pelo professor. O resultado dessa
formalização precoce será, normalmente, será apenas uma fórmula ou um
método a ser decorado, sem qualquer outro significado. O profissional também
estará preocupado em demonstrar, com rigor, todas as deduções que fizer,
preocupado em mostrar a Matemática como um corpo cientifico de
conhecimentos.
Outra concepção bastante frequente diz que a Matemática consiste essencialmente na demonstração de proposições a partir de sistemas de axiomas mais ou menos arbitrários, perspectiva em que se reconhece a influência direta do formalismo. (PONTE, 1992, p. 15)
Outra característica que marcará essa concepção é a aplicação que será
feita do conhecimento aprendido. Nesse caso, a preocupação estará voltada
para a resolução de exercícios que sirvam como modelos que poderão ser
encontrados em atividades futuras, sendo que, normalmente, essas atividades
futuras estarão ligadas aos processos avaliativos existentes na própria escola
ou em provas externas à escola, notadamente concursos de vestibulares ou
mesmo o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.
116
Concepção �
Enquanto nas duas concepções anteriores existia uma centralidade do
professor, nessa terceira tenta-se fazer com que o aluno seja o centro das
atenções. Por isso “aqui, o professor deixa de ser o elemento fundamental do
ensino, tornando-se o orientador ou facilitador da aprendizagem. O aluno passa
a ser considerado o centro da aprendizagem – um ser “ativo””. (FIORENTINI,
1995, p. 09).
Ainda que o professor utilize os materiais tradicionais, ele também faz
uso de outros materiais – geralmente materiais concretos ou manipulativos –
para expor suas ideais ou as teorias matemáticas. Com isso, faz com que o
aluno participe ativamente de suas aulas, não sendo apenas um mero
expectador ou repetidor de duas ações.
Quanto às competências desenvolvidas, além das elementares e das
intermediárias, o professor também utilizará atividades para o desenvolvimento
das competências avançadas ou de ordem geral, principalmente com a
resolução de problemas mais complexos e a realização de demonstrações
(PONTE, 1992).
Sobre a aplicação dos conteúdos matemáticas, além do entendimento
que eles podem ser aplicados dentro do desenvolvimento de novas ideias
matemáticas, também existe a preocupação com a sua aplicação na vida
cotidiana do aluno.
117
Os Professores pesquisados e suas concepções
Com base na entrevista e nas observações da prática, procuramos fazer
uma associação entre cada um dos professores e as categorias de análise que
criamos anteriormente.
Professora Marcela
Entrevista
Pessimismo. Essa palavra marca a entrevista dessa professora, que
possui uma visão negativa do sistema educacional, dos alunos e até mesmos
dos processos formativos oferecidos pela rede de ensino onde atua.
Talvez esse pessimismo possa ser explicado, em parte, pela sua
trajetória profissional até a sala de aula: a docência foi uma escolha depois de
várias experiências. A formação em Economia a atraia apenas pelas
informações que ela poderia obter nesse curso; já a sala de aula injeta, nas
suas palavras, a adrenalina que outras profissões, ou as experiências que ela
viveu anteriormente, não eram capazes de injetar.
Possui uma visão “primária” do que é ser professor, entendendo que o
conhecimento está contido apenas nele. Isso pode ser percebido em algumas
de suas colocações:
- E me frustra, às vezes, não conseguir fazer um exercício; eu acho que tenho
que conseguir ir à frente.
– Ele (aluno) resolveu algum problema de uma maneira que nem eu consegui
resolver 28. Eu tiro cópia da resolução deles. Ele foi por um caminho que nem
eu percebi aquele caminho 29.
A professora entende que um professor de Matemática deve saber
Matemática e também ser capaz de ensiná-la. Entretanto, é capaz de perceber
que sua formação matemática foi precária e que alguns alunos possuem
habilidades em relação à Matemática que ela, mesmo como docente, não
possui.
Ainda sobre o professor, a professora Marcela entende que sua função é
tentar passar, tentar lançar a rede e pegar o peixe, cabendo ao aluno tentar 28 Negrito nosso. 29 Negrito nosso.
118
captar aquilo que o professor está fazendo. Questionada sobre o que é
necessário para aprender Matemática, limitou-se a dizer vontade, como se o
aluno não aprendesse Matemática apenas por falta de vontade. Essas duas
colocações são marcantes, e, a nosso ver, a ligam diretamente com a
concepção ~ de nossas categorias de análise.
Com relação aos alunos, afirmou que possuem uma visão limitada da
educação, nem mesmo sendo capaz de enxergar nela uma possibilidade real
de mudança de vida. Também entende que as famílias pouco participam dos
processos educacionais, não sendo parceiros nesse processo: faltou pedir que
pelo amor de Deus que eles, os pais, passem a olhar os cadernos de seus
filhos. Ou seja: os meninos não possuem expectativas e as famílias também
não os incentivam ou apoiam nos estudos.
Outro ponto criticado pela professora foi a formação oferecida, tanto pela
Complementação Pedagógica que, segundo ela, te dá papel, como todo curso
te dá papel, e professor não precisa de papel, ou pelos cursos de formação
continuada oferecidos pela rede em que atua: parece que ambas não oferecem
aceso as informações que ela julga importante .
Essa mesma crítica é feita em relação aos autores de livros didáticos,
que não oferecem novidades para serem aplicadas na sala de aula: quando
você vai numa palestra, por exemplo, você acha que o palestrante vai
trazer a solução para a gente 30. Vai trazer filmes para que a gente possa
trabalhar, vai trazer filmes na área de Matemática, alguns filmes legais, você
vai nessa expectativa. Chega lá, ele vai te dar uma folha, com um problema
para você resolver até o final. Tais críticas nos fizeram vê-la como alguém que
acredita ser incapaz de criar novos métodos de ensino ou de trabalhar de modo
diferente daquele que trabalha hoje; assim, se outras alternativas de trabalho
não lhe são oferecidas, ela também não as criará.
Apesar de entender que possui uma formação insuficiente, em termos
de Matemática, não se mostra motivada a desenvolver-se nesse sentido: eu, se
pudesse mesmo, se eu tivesse tempo, eu gostaria de fazer uma formação mais
forte em Matemática; até tenho tempo, mas tenho alguns impedimentos
pessoais. Até mesmo os níveis em que um licenciado pode atuar não são de
30 Negrito nosso.
119
seu conhecimento, pois disse que jamais atuaria na Educação Infantil ou no
ensino Fundamental I – níveis nos quais um licenciado não pode, por lei, atuar.
Em resumo: a professora Marcela precisa investir em seu
desenvolvimento profissional, ampliando seus conhecimentos, quer seja sobre
a Matemática, quer seja sobre os demais saberes docentes que citamos
anteriormente.
Observações da Prática
Quanto à prática, observamos uma postura bastante conservadora da
professora, cabendo ao professor ensinar e, ao auno, aprender. Ficou claro,
durante as observações, que a professora entende o processo de ensino e
aprendizagem dividido em dois polos distintos, um de competência exclusiva
do professor e outro de competência exclusiva do aluno.
Já na primeira observação, percebemos que a professora utiliza o livro
didático como um instrumento de apoio importante: até o exemplo que utilizou
para introduzir – ou revisar – a operação de divisão estava no livro (resolvido,
inclusive). De certa maneira, isso é coerente com o fato de não saber bem
Matemática.
Com frequência ela justificava o aprendizado de um determinado
assunto citando algum conteúdo futuro. Por exemplo, justificou o aprendizado
da potenciação com da seguinte forma: Quando vocês chegarem ao nono ano,
irão aprender a Fórmula de Báskara. E, para fazê-la, vocês devem saber
potenciação. Percebemos que sua prática esteve sempre centrada no
conteúdo.
A atividade proposta pela professora para o conteúdo de potenciação
nos impressionou bastante: a professora pediu que os alunos fizessem os
quadrados de todos os números naturais positivos menores ou iguais a 100 (os
alunos deveriam apresentar os cálculos de todas as operações realizadas).
Sua justificativa: prepará-los para a operação de radiciação e para outras
aplicações futuras, como o Teorema de Pitágoras ou a resolução de equações
de segundo grau.
Aqui pensamos haver um questionamento: Não seria possível realizar tal
atividade de outra maneira? Ainda que a professora quisesse investir em um
trabalho envolvendo a habilidade de efetuar cálculos, não seria a quantidade
120
de exercícios exagerada? Não seria possível utilizar a calculadora como
elemento de verificação? Enfim: existem, no nosso entendimento, outras
maneiras de se propor essa atividade, ainda que se mantenha o mesmo
objetivo.
Ao mesmo tempo, em dados momentos, a professora mostrou pouca
preocupação – ou desconhecimento – com “detalhes matemáticos”. Por
exemplo, na aula sobre divisão, não citou o resto na “prova real”; concluiu
apenas que o dividendo seria igual ao produto do quociente pelo divisor. Já na
aula sobre potenciação, escreveu �2�2 = 4 ÷ 2 = 22�3 = 6 ÷ 2 = 3, ignorando, por completo, o
conceito de igualdade.
Em determinados momentos, pareceu-nos que a intenção, com certas
atividades, era apenas manter os alunos ocupados: foi assim com a atividade
sobre potenciação e foi assim também na segunda observação, quando levou
os alunos para o laboratório de informática para que resolvessem uma prova
sob o pretexto de prepará-los para a prova do SAEB.
Pareceu-nos que, durante sua formação, a professora não se
desenvolveu do ponto de vista matemático e nem vivenciou situações que
possibilitasse desenvolver seus saberes pedagógicos do conteúdo (Shulman,
1986). E ainda: pelas dificuldades que apresentava em relação à Matemática,
pensamos que sua opção pela valorização do saber relacionado ao conteúdo
matemático, elemento central de suas aulas, deve estar relacionado aos
impactos que essas dificuldades causam sobre a sua prática. Desse modo,
pela valorização excessiva das atividades envolvendo a realização de
operações, a utilização do livro didático como o principal recurso didático, a
polarização do processo de ensino e aprendizagem e sua pouca preocupação
com a sua própria formação nos forneceram indícios que julgamos serem
suficientes para que associássemos a professora Marcela à concepção ~.
121
Professora Luísa
Entrevista
Bacharel em Economia e vendo-se sem condições em entrar no
mercado de trabalho com essa formação, a professora vislumbrou na sala de
aula uma possibilidade de atuação profissional. Inicialmente, atuava por meio
de contratos, mas a competição entre licenciados e formados em área afim por
esses contratos, com grande desvantagem para esses últimos, a motivou a
fazer a complementação pedagógica, que ela prefere chamar de licenciatura.
Aquilo que no início era uma alternativa tornou-se, de fato, uma nova profissão,
não apenas no sentido de emprego, mas também no sentido de identificação
ou incorporação. Essa identificação não ficou restrita apenas às palavras: além
da complementação pedagógica, ela também possui também estudos de pós-
graduação em Psicopedagogia e Informática Educacional, além de Mestrado
em Ensino de Matemática, onde pesquisou a inserção do grupo cigano no
cotidiano escolar.
Com 15 anos de experiência como docente, já tendo atuado na
formação de professores, no Ensino Médio e no Ensino Fundamental II –
segmento onde prefere atuar, a professora possui uma visão bastante
esclarecida de sua formação como docente: entende que a complementação
pedagógica é apenas uma formação inicial, e que a formação do professor se
dá na sala de aula, no seu dia a dia, na observação do seu aluno, na sua
prática, o que você pode mudar, uma questão mesmo de bom senso e depois
na formação continuada do próprio grupo. Ou seja: a professora parece
entender a formação docente como um processo contínuo e que a sua prática
profissional também é fonte de produção de conhecimento, como propõe Tardif
(2011).
Ainda sobre a formação do professor, a professora Luísa entende que o
professor deve possuir conhecimentos sobre a Educação Matemática, pois ela
será o instrumento que permitirá ao professor criar novas estratégias de
aprendizagem, quando a situação assim exigir. Entende também que o ensino
de Matemática deve ir além dos cálculos, que, em sua opinião, são o ponto de
início da conversa, mas a conversa não deve se reduzir a ele.
122
Em relação às questões de aprendizagem, possui uma visão bastante
crítica da situação, pois entende que o ensino de Matemática, de modo geral,
está preso a um ciclo exemplo – exercícios – correção de exercícios. Até
mesmos os alunos, segundo ela, esperam que esse seja o processo de ensino,
mostrando-se surpresos quando essa não é a sistemática adotada.
Para ela, um aluno, para aprender Matemática, precisa ter compreensão do
ambiente onde ele está. É saber refletir de acordo com cada situação. Tomar
decisões a partir daquele ponto. Ter autonomia para olhar um contexto,
compreender, decidir o que ele vai fazer, para depois ele partir para um
processo de cálculo O cálculo é um ferramental necessário, mas a
compreensão, o raciocínio lógico, a tomada de decisão e a autonomia fazem
parte do processo de aprender Matemática.
E, logicamente, depois você tem que conseguir explicar tudo aquilo que você
está pensando por um raciocínio, quer seja um processo de cálculo quer seja
uma lógica construída, que não necessariamente precisa ser um processo de
cálculo. Você pode construir uma ideia que seja um raciocino lógico, um
desencadeamento lógico de pensar que não necessariamente venha a ser
apenas um resultado numérico. Eu acho que nossas práticas de Matemática
podem levar uma pessoa a ter essa compreensão.
Seu envolvimento com a sala de aula chega a ser impressionnte, sendo
capaz de perceber detalhes que, para outros, podem passar despercebidos.
Por exemplo, sua percepção a faz crer que os meninos se sentem mais
seguros em relação a Matemática por terem, segundo ela, menos medo errar
que as meninas (não querendo dizer com isso que as meninas sejam menos
capazes). Como, para ela, o aprendizado de Matemática envolve erro e
correções, é necessário que o aluno aprenda a trabalhar assim, calculando,
errando e recalculando. Para ela, a pessoa que possui menos medo de errar
possui maior pré-disposição para aprender Matemática. Esse desejo
manifestado de inserir o aluno no seu próprio processo de aprendizagem,
vendo-o como um ser ativo durante esse processo, aproxima a professora
Luísa de nossa concepção �.
Por fim, acredita que o aluno deve estar mais pré-disposto a aprender e ser
capaz de perceber que a educação pode fazer a diferença em sua vida. E para
o professor, o papel é de motivar os alunos, mostrando a eles a realidade e os
123
conhecimentos que já possuímos e convidando-os a ingressar nesse novo
mundo cientifico, contribuindo com as visões e experiências dele (aluno),
tornando-o um ser ativo.
Observações da Prática
As aulas observadas dessa professora mostraram uma prática que
tentava fazer com que o aluno fosse, de fato, um ser ativo em seu processo de
aprendizagem, em conformidade com aquilo que a professora havia
manifestado em sua entrevista. Vale destacar que as observações de aula
dessa professora ocorreram em duas séries distintas – 8º e 9º anos, ambas na
mesma escola.
Na primeira observação feita na turma de 9º ano, a professora
trabalhava com a demonstração do Teorema de Pitágoras. Para fazer essa
demonstração31, a segunda a ser feita e que faria parte daquilo que a
professora chamava de “Laboratório de Matemática”, utilizou um folha de papel
– normalmente chamada de chamex ou sulfite ou A4 – e um instrumento de
corte – tesoura ou, em casos, régua.
Utilizando linguagem matemática adequada, mas sem formalismos
excessivos, a professora demonstrava aos alunos o que iria ser feito e depois
os auxiliava em suas construções, mostrando sempre uma atitude muita ativa e
exigindo que seus alunos também estivessem empenhados na realização de
suas tarefas. Quanto aos alunos, pareciam estar bem envolvidos, motivados
com o trabalho proposto pela professora; em certos momentos, interagiam
entre si, discutindo entre eles seus pontos de dúvidas.
Alinhada com seu pensamento de que o aluno precisa compreender
“onde está” durante o processo de ensino e aprendizagem, a professora não
“entregou” o final da demonstração, lançando-a como um desafio para os
alunos, que deveriam entender o que já haviam feito e onde deveriam chegar.
Essa atividade foi, no nosso modo de ver, um diferencial em relação a
todas as outras observações feitas nessa pesquisa, pois nela os alunos foram,
de fato, colocados como seres ativos em sua aprendizagem - as respostas não
chegavam prontas, sendo necessário algo mais, era necessária a interação, o
31 O passo a passo dessa demonstração encontra-se nos anexos desse trabalho.
124
entendimento, por parte do aluno, da situação que estava sendo vivenciada
para que ele pudesse elaborar uma resposta. Em situações como essas a
professora manifestava sua crença sobre o que é aprender.
A segunda aula observada nessa turma foi uma aula de revisão para
uma prova que aconteceria no dia seguinte. A professora propôs, na aula
anterior, um grupo de exercícios para que os alunos os resolvessem em casa e
planejou para essa aula observada a resolução dessas questões. Os exercícios
envolviam potenciação, radiciação e aplicações do Teorema de Pitágoras.
Durante toda a aula, a professora mostrou-se bastante preocupada em
atender às dúvidas de seus alunos, indo de mesa em mesa para atendê-los.
Sem abrir mão da linguagem matemática apropriada, orientava seus alunos em
suas dúvidas, mas sempre buscava fazer com que seus alunos refletissem
sobre aquilo que perguntavam e de que modo o conteúdo que haviam
estudado poderia ser aplicado na questão que discutiam (professora e aluno).
Por exemplo, para um aluno com dúvida, a professora fez a seguinte
colocação: “O Teorema de Pitágoras deve ser aplicado em triângulos
retângulos. Existe, na figura proposta, possibilidade de obtermos um triângulo
retângulo onde possamos aplicar o teorema?”. Esse exemplo de intervenção
feita pela professora revela sua convicção na ideia de que o aluno deve ser um
elemento ativo na sua própria aprendizagem.
As outras duas aulas observadas ocorreram em uma turma de oitavo
ano da mesma escola. Na primeira dessas observações, a proposta da
professora era recolher uma atividade de inscrição de polígonos regulares em
circunferências (ela havia deixado que os alunos a terminassem em casa).
Conhecedora do perfil dos seus alunos, a professora afirmou que não gostava
de adotar essa prática de tarefas para casa, pois sabia que seus alunos não
costumavam concluir tais atividades. Essa observação feita mais um dos
saberes docente (Tardif, 2011) que a professora Luísa possui.
Confirmando o conhecimento da professora, um pequeno número de
alunos havia concluído a atividade proposta. Por isso, o planejamento foi
alterado, com os alunos devendo concluir atividade durante a aula que foi
observada.
Enquanto os alunos trabalhavam individualmente ou em duplas, a
professora deslocava-se por toda a sala, acompanhando o trabalho dos alunos,
125
intervindo sempre que necessário, quer seja em caso de dúvidas, quer seja no
caso de algum não estar desenvolvendo o trabalho proposto.
Como já havíamos observado anteriormente, a professora evitava ao
máximo responder diretamente às questões dos alunos: sempre que possível,
tentava fazer com que os alunos buscassem, por seus próprios meios, as
respostas às questões que levantavam, tentando relacionar a dúvida a alguma
forma ou a alguma situação do cotidiano do próprio aluno.
Mostrando conhecimento dos alunos e do conteúdo a ser trabalhado –
elementos que constituem os saberes docentes, a professora afirmou que a
turma onde estavam sendo feitas as observações era, entre as quatro turmas
de oitavo ano da escola, a que apresentava maior nível de dificuldade de
aprendizagem. Por isso, optou por uma ampla revisão dos conceitos iniciais da
Geometria Plana, atrasando um pouco a turma em relação às demais, mas
pensando em garantir um aprendizado mais efetivo dos seus alunos. A
professora, ao fazer essa escolha, manifesta um saber pedagógico ligado ao
conteúdo matemático capaz de sustentar e dar credibilidade às suas ações de
revisão do planejamento inicial proposto.
A segunda observação feita nessa turma também aconteceu em uma
aula de revisão. Como na turma de nono ano, a professora havia proposto, na
aula anterior, quatro exercícios para que os alunos os resolvessem em casa.
Durante a aula, propôs mais dois exercícios e, enquanto os alunos trabalhavam
neles, chamava cada aluno à sua mesa para verificar a atividade do dia
anterior. Entendemos que com essa metodologia de trabalho, a professora
pode atender, de certo modo, cada aluno em sua individualidade: ao debater
com o aluno qual era a sua dificuldade, poderia oferecer-lhe um suporte que
poucas vezes ocorre numa sala de aula quando, por exemplo, o professor opta
por uma correção coletiva dos exercícios propostos.
A postura frente aos desafios da profissão docente, seu engajamento
com a sua própria formação, os métodos de ensino que usou durante suas
aulas e sua preocupação constante em fazer com que o aluno tenha uma
participação ativa em seu processo de aprender, nos sugerem associar a
professora Luísa à concepção � que descrevemos anteriormente.
126
Professor Caio
Entrevista
Não foi possível fazer a entrevista com o professor Caio. Apesar de
permitir as observações, o professor, por duas vezes, desmarcou a entrevista
presencial que havíamos marcado. Numa última tentativa, enviamos as
perguntas que formavam a entrevista para o e-mail do professor, atendo a uma
solicitação que ele mesmo nos fez. Entretanto não tivemos resposta.
Em conversas informais, durante as observações, soubemos que o
professor é formado em Engenharia Mecânica e que, posteriormente, fez a
Complementação Pedagógica em Matemática.
Observações da Prática
Pragmatismo. Essa palavra pode definir as observações da prática do
professor Caio. Em três observações, o que pudemos perceber foi um
professor preocupado, quase sempre, em resolver exercícios (não problemas)
com os alunos, aprimorando técnicas e algoritmos de resolução.
Na primeira observação, expôs o método de resolução de sistemas
lineares que chamava de “Escalonamento Fajuto”: através de algoritmos que
foram exaustivamente repetidos, o professor mostrava aos alunos como “zerar”
os coeficientes de uma variável. Interessante ressaltar que as situações
propostas seguiam sempre um mesmo padrão, com pouca flexibilidade.
Após a resolução de um exemplo, propôs uma atividade na qual os
alunos poderiam aplicar o algoritmo (algo bem característico das concepções ~
e �de nossas categorias de análise). Estabeleceu um tempo de dez minutos
para que os alunos tentassem resolver e, após esse tempo, foi ao quadro e
resolveu o exercício.
Nessa primeira observação, pudemos constatar que, mesmo tentando
usar uma linguagem matemática coerente, em alguns momentos o professor
cometeu alguns deslizes do ponto de vista matemático. Por exemplo: ao
apresentar a solução de um sistema, escreveu S = {2, -1 ,1}, como se a
solução não fosse um trio ordenado, mas sim um conjunto. Em outro momento,
afirmou que a Regra de Cramer poderia ser aplicada na resolução de certo
127
sistema linear, pois o mesmo apresentava determinantes quadrados. Aqui, o
professor, além de ignorar a definição de determinante (número associado a
uma matriz quadrada), também não atentou para o fato de que a Regra de
Cramer somente pode ser aplicada em sistemas lineares possíveis e
determinados (de solução única). De certa maneira, o professor manifestou o
saber do conteúdo, mas não demonstrou o saber pedagógico relacionado a
este conteúdo, algo que deve estar presente para que o processo de ensino e
de aprendizagem ocorra.
No final da aula, o professor lembrou aos alunos que a próxima
avaliação seria composta apenas de questões objetivas. Nesse caso, alertou-
os de que não precisariam resolver os sistemas: bastaria apenas testar as
alternativas, verificando aquela que satisfaria as condições colocadas pela
questão. Em outras palavras: em provas desse tipo, não é necessário resolver
a questão; basta apenas eliminar as alternativas incorretas.
Na segunda observação, o professor propôs uma série de exercícios de
revisão para a avaliação que se aproximava. A lista incluía exercícios sobre
matrizes, determinantes e sistemas lineares. Os alunos trabalharam na lista
individualmente, sem qualquer tipo de interação entre eles; caso tivessem
dúvidas, recorriam diretamente ao professor.
O atendimento do professor aos alunos, em caso de dúvidas, era feito
de dois modos distintos:
i. Para o aluno que não conseguia começar o exercício, ele fazia uma
breve explicação sobre o assunto, indicando o caminho a ser seguido;
ii. Para o aluno que conseguia resolver o exercício, mas não encontrava a
resposta esperada, ele observava a resolução e indicava o erro
cometido.
Mais uma vez, a proposta de trabalho se resumiu apenas à resolução de
exercícios, como se este fosse o único método possível para a aprendizagem
dos conteúdos matemáticos. A pouca interação entre os alunos e a postura
adotada pelo professor, de apontar o erro e não provocar uma atitude mais
reflexiva dos alunos nos chamou a atenção.
Também percebemos que os alunos aceitavam os métodos de
resolução de modo passivo, sem questionamentos ao professor; pareceu-nos
que eles entendiam que o caminho a ser seguindo para a aprendizagem dos
128
conteúdos matemáticos era repetir a ação feita pelo professor, entendo que
nele se concentra o conhecimento (algo que nos pareceu também ser a ideia
transmitida pelo professor).
No final da aula, alguns alunos questionaram o professor sobre
exercícios “modelo ENEM” ou mesmo sobre a utilização de questões de
vestibulares, pois estavam sentindo falta desse tipo de exercício que o
professor, em outra situação, já havia utilizado.
A utilização desse tipo de atividade – lista com exercícios “modelo
ENEM” ou “modelo Vestibular”, bem como a postura dos alunos em cobrar
exercícios desse “modelo específico” 32, iniciam a associação do professor Caio
à nossa concepção �.
A terceira aula observada foi destinada à correção dos exercícios
propostos anteriormente. A correção esteva a cargo do professor, que resolveu
todas as questões no quadro. Existia pouca participação dos alunos, que em
sua grande maioria já haviam resolvido os exercícios e pouco se interessavam
pela resolução. Num dos raros questionamentos, um aluno perguntou se det (A
– B) = det A – det B. O professor nem chegou a explorar a questão, já
respondendo que a afirmação era falsa. No nosso entendimento, o professor
deixou escapar a oportunidade de promover uma discussão mais ampla, nem
que fosse discutindo a questão a partir de matrizes quadradas de ordem dois.
A simples resposta, sem maiores provocações ou reflexões, nos faz reforçar a
visão pragmática que tivemos do professor: pareceu-nos que para esse
docente, o importante é a resolução do exercício, da questão, o uso da regra
correta, não importando como essa regra foi formulada, reforçando
caraterística presentes na concepção ~.
Nem mesmo quando a questão exigia uma discussão maior, o professor
a promoveu. Para calcular det (A.B), o professor primeiro fez o produto A.B e
depois calculou seu determinante, sem fazer referência àquilo que é conhecido
como Teorema de Binet – det (A.B) = det A . det B. A não citação desse
teorema nos chamou a atenção, pois trata-se de um assunto bastante citado
em livros didáticos utilizados no Ensino Médio, e também é tema frequente de
32 Esse pedido, feito por diversos alunos, nos deu a impressão que, para aquele grupo de alunos, aprender Matemática está intimamente ligado à capacidade de resolver exercícios daquele tipo.
129
questões de vestibular, elementos que parecem ser norteadores do trabalho
em sala de aula do professor Caio.
A quarta e última observação mostrou um “trabalho” bastante diferente.
Para atender a uma exigência da escola, o professor se viu obrigado a inserir-
se em um projeto de montagem e apresentação de uma peça teatral, utilizando
o conteúdo que estava sendo ensinado nessa inserção.
Na aula observada, os alunos responsáveis pela gestão financeira do
processo de montagem da peça teatral deveriam apresentar um balanço dos
valores arrecadados e gastos. Para isso, segundo o professor, os alunos
deveriam utilizar conhecimentos sobre matrizes.
Porém, o que observamos não nos lembrou em nada o conteúdo de
matrizes. Utilizando uma planilha eletrônica, os alunos informaram o somatório
dos valores arrecadados, destacando como esses valores foram obtidos – no
caso, por meio do pagamento de mensalidades instituídas em comum acordo
entre eles.
Gostaríamos de destacar que não fomos nós quem escolhemos as aulas
em que faríamos as observações. Como a participação dos professores foi
voluntária, deixamos que eles nos indicassem os dias em que poderíamos
fazer as observações.
O que queremos dizer com isso?
Queremos afirmar que se o professor nos indicou esse dia, cremos que,
para o professor, o que os alunos fizeram foi, de fato, uma aplicação dos
conteúdos estudados – algo que discordamos veemente. Utilizar uma planilha
eletrônica e no final apresentar um somatório de valores não nos parecer ser
uma aplicação concreta do estudo de matrizes.
Entretanto, não queremos aqui tecer uma crítica ao professor. O que
queremos criticar é a exigência da escola em obrigar o professor a inserir-se
em um projeto, utilizando o conteúdo que está sendo ensinado. Nesse caso, o
que professor fez é, a nosso ver, o que poderia ser feito: nesse projeto, com o
que lhe foi passado, a utilização da Matemática não poderia ser outra a não ser
apenas efetuar operações de adição e subtração. O que os alunos fizeram – a
utilização de uma planilha eletrônica – apenas “maquiou” as operações,
adaptando-as ao formato de uma matriz.
130
No fim, a escola se dá por satisfeita, pois entende que o conteúdo que
está sendo ensinado está sendo aplicado no cotidiano do aluno, e o professor
consegue entende que conseguiu atender à exigência feita pela escola. Criticar
o professor por essa adaptação nos parece descabida; esdrúxula nos parece
ser a exigência da escola de que os professores, de alguém modo, se
encaixem em um projeto33 que, por muitas vezes, não oferece possibilidades
de inserção. Mais adequado seria que a escola permitisse a implantação de
outros projetos, nascido no âmbito de discussões entre os professores e que,
de fato, fossem aplicações dos conteúdos estudados.
Entre todos os pesquisados, o professor Caio foi o único que mostrou-se
entre duas categorias de análise – nos caso, as concepções ~ e �. Entretanto,
sua postura, colocando-se como elemento central da aula, sua metodologia de
trabalho baseada em exemplos e exercícios de aplicação, e, principalmente
sua preocupação em apresentar modos como os conteúdos poderiam ser
cobrados em algum exame, nos fizeram perceber nele características que o
associam de modo mais efetivo à concepção � de nossas categorias de
análise.
33 Ficou a impressão de que o termo projeto, para essa escola, possui um significado diferente daquele encontrado na literatura especializada nesse assunto.
131
Professor Roberto
Entrevista
O professor Roberto, 27 anos, solteiro, formado pelo ITA em Engenharia
Mecânica de Aeronáutica (área na qual fez apenas o estágio obrigatório),
estava iniciando a carreira docente, com pouco mais de dois anos de
experiência em sala de aula.
Começou com aulas particulares, meio que utilizava para suprir
algumas necessidades financeiras enquanto ainda era estudante. Como ele
mesmo citou, a partir daí, “tomou gosto” pela docência, optando por deixar a
formação inicial e ir para a sala de aula (na época da entrevista, o professor
ainda não havia completado dois anos como docente).
Essa resposta do professor nos trouxe uma reflexão sobre a profissão
docente. Como Tardif (2011) afirma, o tempo que passamos como alunos,
reforçam a ideia de que o saber docente essencial é o saber da disciplina.
Desse modo, para ensinar, basta saber. Talvez isso explique porque muitos
não licenciados se julguem capazes de serem professores.
Cremos que ocorram situações similares a essa fora do âmbito
educacional. Por exemplo: um farmacêutico, depois de alguns anos de
experiência, sente-se à vontade para indicar uma medicação a um cliente,
mesmo não sendo médico.
Entretanto, para que esse farmacêutico se torne médico, não basta uma
complementação: faz-se necessário uma nova formação. Já no caso dos
docentes...
As respostas dadas pelo professor a respeito do curso de
Complementação Pedagógica revelam uma situação que, na falta de um
adjetivo mais adequado, pode ser classificada como preocupante. Pela
complexidade desses fatos, optamos por repetir, na íntegra, tais respostas34:
Fez curso de complementação pedagógica?
Sim, eu fiz o curso de complementação pedagógica ano passado, mas eu fui a
uma aula. O Rafael35 me indicou o curso para que eu tivesse permissão para
34 Em negrito estão as perguntas que fizemos. As respostas do professor estão em itálico. 35 Nome fictício do pedagogo responsável pelo Ensino Médio da escola onde o professor atua.
132
dar aula no Ensino Médio e aí, como era sábado de manhã, os compromissos
aqui da escola não me permitiram ir a todas as aulas. Eu tenho o certificado.
O que o motivou a fazer essa complementação?
O que me motivou fazer foi única e exclusivamente a questão legal.
Você acha que o curso de complementação pedagógica foi suficiente
para atuar em sala de aula do ponto de vista pedagó gico e didático?
Não consigo nem avaliar isso. Da aula que eu assisti pude concluir que a
maioria dos professores que também faziam a mesma aula não eram
professores de Ensino Médio, muito menos de pré-vestibular ou de terceiro
ano; eram professores de Ensino Fundamental Básico, de 1ª a 4ª série; o curso
tinha muitas dinâmicas para trabalhar com crianças pequenas, o que não me
ajudava em quase nada. Tanto é que, quando um dos professores descobriu
que era professor da escola X para 3º ano e pré-vestibular, ele procurou-me e
afirmou que muitas coisas que estavam sendo ensinadas não poderiam ser
usadas no 3º ano e pré-vestibular, pois a didática é quase nula... Então, eu não
consigo nem avaliar o que me ajudou ou não sobre isso. Eu sei que não me
ajudou muito, mas não sei dizer se me ajudaria ou não.
De fato, é lamentável que fatos assim ocorram e que a Complementação
Pedagógica, para esse professor, tenha se resumido a apenas um encontro
que não lhe trouxe contribuições para a prática profissional. Torcemos para que
essa situação seja um caso isolado, uma exceção. Entretanto, esse fato traz à
tona a questão da necessidade de se manter, como se mantém para os demais
cursos superiores, fiscalização regular, a fim de se evitar situações como a
descrita pelo professor.
A passagem direta de um curso de engenharia para a sala de aula, sem
formação específica para a sala de aula, talvez explique algumas de suas
convicções. Com apenas dois anos de experiência, sua prática se resumia,
basicamente, a turmas de terceiro ano do Ensino Médio, que no estado do
Espírito Santo, equivale a um pré-vestibular. Assim, quando a escola propôs
que assumisse turmas do segundo ano do Ensino Médio, recebeu a proposta
com receio, pois entedia que, nessa série, os alunos não buscam tanto o
conteúdo como no terceiro, local em que ele pode mostrar mais o seu
conhecimento. Isso mostra que o professor acredita que o saber da disciplina é
133
o fundamento para a sua prática docente, alinhado com as características
descritas na concepção �.
Essa concepção, certamente, foi sendo formada ao longo de sua vida
estudantil. Durante o Ensino Médio, ainda morando em BH, o professor se
preparou para o vestibular do ITA, frequentando aulas em turmas específicas
para esse fim. Quando se mudou para SP, continuou estudando em turmas
desse modelo, pois desejava ingressar naquela instituição. E, depois de sua
entrada, retornou à sua escola de São Paulo, agora como estudante do ITA e
monitor de Matemática, atendendo a alunos que também desejavam fazer esse
concurso. No último ano como estudante, assumiu uma turma de pré-vestibular
no segundo semestre de 2013. Desse modo, não é de estranhar que o
professor Roberto possua estreita ligação com a concepção �.
Talvez por conta de sua ligação com a preparação para concursos, o
professor acredita que o conhecimento matemático é essencial -- e nisso
concordamos com ele - pois trata-se do conteúdo a ser ensinado. Sobre a
Educação Matemática, disse não conseguir avaliar a importância de ter
conhecimentos sobre essa área, pois desconhece o tema por completo por
completo36.
Apesar da pouca experiência, Roberto entende que evolui a cada dia de
trabalho, sendo capaz de perceber mudanças na forma de abordar os
conteúdos em sala e na preparação das aulas. Entretanto, quando perguntado
sobre as mudanças que percebeu no ensino de Matemática, afirmou que essas
foram causadas pela inserção do ENEM no cotidiano dos alunos. Ou seja: para
o professor, a justificativa do aprendizado matemático parece estar sempre
ligado à questão da preparação para uma prova ou um concurso (reforçando
sua identificação com a concepção �).
Aprender Matemática, segundo ele, está diretamente ligado à habilidade
de analisar dados e informações. E para isso, entende que o ponto essencial é
a resolução de exercícios, orientados pelo professor, pois acredita que os
alunos sejam imaturos para estudarem sozinho, salvo algumas exceções.
A crença de que existem bons e maus alunos - sendo que os bons o
são, ou porque estudam, ou porque são pré-dispostos para aprender
36 Vale lembrar que as Diretrizes para a formação de professores de Matemática, no Brasil, sugerem que esses profissionais tenham conhecimentos a respeito da Educação Matemática.
134
Matemática – nos fizeram entender o professor Roberto como alguém que
necessita ampliar seus saberes docentes. A convicção com que dava algumas
respostas – algo que talvez não conseguimos mensurar em nossa narrativa –
nos fizeram vê-lo como um professor tradicional, com convicções e certezas
desalinhas com o perfil desejado, segundo os documentos oficiais, para um
professor de Matemática
Observações da Prática
Obediência às normas da escola. Essa foi uma impressão que marcou
as observações da prática do professor Roberto. Sempre que chegava numa
sala de aula, sua preocupação era com a disciplina dos alunos. Depois de
todos sentados, fazia a chamada e somente então começava a sua aula.
Pensamos que isso se deve a sua pouca experiência e, consequentemente,
autonomia para a condução da aula.
Na primeira observação, anunciou o conteúdo de sequências como “o
mais fácil de todos os tempos”. Frequentemente, dizia que uma ou outra coisa
era fácil ou muito fácil, com ênfase no muito. Isso nos chamou a atenção: será
que um aluno, ao ouvir isso, se sentiria à vontade de perguntar algo ao
professor? Bem, por conta disso ou não, raras foram às vezes que os alunos
participaram das aulas. Na maioria das vezes em que isso ocorreu, as dúvidas
estavam relacionadas ao entendimento do que estava escrito no quadro (e não
do significado daquilo que estava escrito).
Em todas as observações, a metodologia usada pelo professor seguia o
modelo de apresentação ou exposição do conteúdo, resolução de exercícios e
indicação de exercícios para serem feitos em casa.
A exposição do conteúdo sempre era feita com ênfase no formalismo e
nas definições matemáticas. Para apresentar sequências numéricas, usou o
conceito de função. Em nenhum momento interagiu com os alunos para saber
quais conhecimentos possuíam a respeito do assunto. O primeiro exemplo de
sequência surge apenas quando iniciou a apresentação das formas de
representação: até então, não havia nenhum registro de qualquer tipo de
sequência numérica, por mais simples que fosse.
135
Qual foi o primeiro exemplo? Vejamos:
5 <� � 1<c = <c�� + 3
Esses e os outros exemplos que usou na primeira aula já deixaram claro
que o professor optava por uma formalização rigorosa dos conceitos
matemáticos. Entretanto, essa formalização não favorecia o entendimento dos
alunos. Pelas perguntas que eram feitas, percebíamos que os alunos não
conseguiam acompanhar o que o professor ia propondo. E nem mesmo o
professor tinha compreendia as dúvidas dos alunos. Infelizmente, com o
decorrer da aula, percebemos os alunos mais preocupados em copiar o que o
professor escrevia no quadro do que em compreender o conteúdo.
No final da aula, reforçando sua ênfase na formalização, propôs que os
alunos descobrissem a lei de formação da sequência �−3, 4, 11,18 . Muitos
alunos foram capazes de perceber que a sequência era formada pela adição
de sete ao termo anterior. Entretanto, o professor insistia para que
formalizassem sua descoberta, encontrando uma fórmula para o enésimo
termo (expressão que ainda não havia usado durante a aula).
Na segunda observação, define Progressão Aritmética como uma
sequência numérica cuja fórmula de recorrência é <c = <c�� + i. Ainda sem
utilizar nenhum exemplo numérico, escreveu a classificação das progressões
aritméticas apenas em função da razão. Apenas após essa explanação é que
utilizou exemplos.
Se lembrarmos da trajetória de vida estudantil narrada pelo professor e a
maneira como foi inserido em sala de aula, podemos entender os motivos pelos
quais o professor opta, ou por aulas expositivas, ou por aulas de resolução de
exercícios: essa é a maneira pela qual foi formado. Em outras palavras, esse é
o seu saber docente (Tardif, 2011). Acreditamos que as experiências que viveu
como aluno de cursos preparatórios, bem como sua formação em Engenharia,
são as responsáveis pela formação de suas crenças e concepções. Desse
modo, podemos conjecturar que, tendo vivido em um ambiente em que as
aulas, em sua maioria, pareciam seguir esse padrão, seria de se esperar que
fizesse as opções metodológicas de trabalho que faz.
Pensando assim, o fato de o professor Roberto não ter frequentado a
Complementação Pedagógica parece ser um ponto a se lamentar. Talvez esse
136
curso pudesse ter oferecido a ele novas experiências sobre a prática docente
ou outras opções de metodologia de trabalho. O fato é que, tendo saído direto
do curso de engenharia para a sala de aula, o professor acaba trazendo
apenas a sua experiência como aluno de um curso que não o preparou para a
sala de aula. Outro detalhe que podemos acrescentar refere-se ao saber
disciplinar da Matemática: o que um engenheiro sabe é diferente do que
precisa saber um professor. Desse modo, o professor Roberto ainda manifesta
um saber de engenheiro e não de professor.
Ainda que se possa argumentar que a Complementação Pedagógica
pudesse não trazer grandes contribuições a sua formação ou não ser capaz de
promover alterações na sua metodologia de trabalho, ainda assim, acreditamos
que o contato com os outros saberes docentes, como os propostos por Tardif
(2011) e Shulman (1986), com outras metodologias de trabalho ou mesmo o
convívio com outros professores em formação, poderiam fazer com que o
professor vivesse novas experiências, tirando algum significado de suas
vivências.
Por fim, entendemos que a sua prática como uma manifestação das
suas concepções. Assim, sua opção por aulas baseadas na exposição do
conteúdo e na resolução de exercícios de aplicação, muitas vezes retirados de
vestibulares ou de provas anteriores do ENEM, a formalização excessiva, não
permitindo a construção de um significado por parte dos alunos e a pouca
participação desses mesmos alunos nos processos de ensino e aprendizagem
ligam o professor Roberto ao quadro de análise que chamamos de concepção �.·
137
Capítulo VII: Considerações e perspectivas
A pesquisa apresentada pode ser inserida na discussão sobre a
formação do professor de Matemática. Especificamente, voltou sua atenção
para aqueles professores que não fizeram um curso de Licenciatura em
Matemática, mas formaram-se um curso de área afim à Matemática e,
posteriormente, cursaram a complementação pedagógica em Matemática. A
falta de pesquisas sobre esses profissionais e sobre esse modelo de formação
nos fez concluir que uma pesquisa sobre esse tema poderia trazer importantes
contribuições à formação do professor no Brasil.
Devido à proposta colocada, os referenciais teóricos utilizados
buscavam dar sustentação a esse trabalho. A intenção era entender o fazer
pedagógico de cada um dos professores pesquisados, pois acreditávamos que
dessa maneira poderíamos reunir elementos que nos permitissem identificar
suas concepções.
Por isso mesmo, o conceito de concepção foi um dos elementos centrais
da pesquisa. Entretanto, devemos salientar que, em nossa pesquisa, usamos a
ideia de concepção de maneira mais ampla, envolvendo desde crenças até
atitudes.
À medida que nos aprofundávamos sobre esse tema, percebemos que
necessitávamos de outros elementos para fornecer a sustentação teórica de
nossa pesquisa. Foi assim que pensamos em associar concepção e saberes
docentes, numa integração em que um exerce influência sobre o outro, num
contínuo processo de realimentação.
Esses referenciais mostraram-se adequadas para trabalhar com nossa
crença de que muitos professores de Matemática ainda acreditam que o saber
da disciplina é suficiente para o exercício da docência. Por isso, esses
docentes baseiam suas práticas na exposição dos conteúdos e na resolução
de exercícios de fixação de algoritmos. Para confrontarmos a realidade que
observaríamos com nossa crença, pensamos no conceito de concepção,
motivados pela influência que ela exerce sobre as ações.
Ainda sobre os referenciais teóricos que utilizamos, o fato de não termos
encontrado pesquisas sobre o grupo que escolhemos – professores com
formação em área afim que tinham feito o curso de complementação
138
pedagógica – nos fez optar por primeiro conhecer a realidade desses cursos,
para só depois iniciarmos nossa coleta de dados.
Nossos levantamentos nos permitem afirmar que para ser professor de
Matemática hoje no Brasil, uma pessoa pode optar por dois caminhos: fazer a
Licenciatura ou, depois de graduado, fazer a Complementação Pedagógica.
Porém, esses caminhos, a nosso ver, estão sendo tratados de modos distintos.
Por todo entendimento que se tem a respeito da Licenciatura e da sua
importância, constantes discussões são feitas a respeito desse curso.
Recentemente, a SBEM e a SBM lançaram, em conjunto, o documento “A
formação do professor de Matemática no curso de licenciatura: reflexões
produzidas pela comissão paritária SBEM/SBM”. Ao longo das quarenta e duas
páginas que compõem esse documento, as sociedades debatem diferentes
assuntos relacionados à .formação do licenciado em Matemática
Mas, e a complementação pedagógica? Em nossas pesquisas a
diferentes fontes de dados, não encontramos nenhum documento similar a
esse que estivesse relacionado à Complementação Pedagógica. Isso significa
que tais cursos ainda estão sujeitos a regulamentações que datam de sua
implantação, ainda na década de 1990.
O cenário encontrado nos fez chegar à conclusão de que se faz
oportuno discutir os cursos de Complementação Pedagógica. Entendemos que
enquanto nossas licenciaturas não formarem o contingente de professores
necessário para atender as demandas do país, tais cursos devem ser
mantidos. Entretanto, acreditamos que esses cursos devem ser repensados.
Nesse sentido, as pesquisas feitas a respeito das licenciaturas podem
contribuir para a reestruturação de tais cursos, aproximando os dois modelos
de formação vigentes no País.
Uma dificuldade que encontramos em nossa pesquisa foi a falta de
informações sobre profissionais com essa formação. Buscamos informações
em duas redes municipais, na rede estadual e na rede privada. Em nenhuma
delas existia qualquer informação sobre o modelo de formação de cada um dos
seus professores. Somente conseguimos convidar os professores que
participaram de nossa pesquisa por meio de pessoas que conheciam suas
formações.
139
Essa falta de informação nos impediu de expressar o número de
profissionais que possuem essa formação e qual a sua representação no
universo de professores de Matemática em cada uma das redes. Uma
pesquisa que traga esses números pode ser um indicativo do grau de
importância que o curso de complementação pedagógica possui no cenário de
formação de professores no Brasil, contribuindo para as discussões nessa
área.
Mesmo com as dificuldades encontradas, a pesquisa de campo, por
meio dos dados coletados, nos revelou diferentes cenários:
� A prática profissional é um fator que contribui fortemente na
formação do professor. O cotidiano da sala, com suas diferentes
situações, e a maneira como o professor se adapta a essas
situações vai formando-o, moldando-o, tornando-o professor.
Como disse uma das professoras pesquisadas: “o que forma o
professor é o chão da sala de aula”;
� A sala de aula é, ainda, uma alternativa para aqueles que não
conseguem se inserir no mercado de trabalho na sua área de
formação. E, enquanto alguns não se identificam com essa
“segunda opção”, outros a abraçam e a ela se dedicam como se
ela tivesse sido sua “primeira opção”;
� Uma surpreendente identificação com a Geometria de uma
professora cuja formação inicial era Economia. Pelas
características desse curso, essa era uma relação, a nosso ver,
improvável. Entretanto, a professora mostrou “intimidade” com o
assunto, utilizando-a em suas aulas como instrumento de diálogo
com os alunos;
� A forte influência que as provas de vestibulares e do ENEM
exercem sobre o trabalho dos professores observados que atuam
no Ensino Médio. Durante as aulas que acompanhamos desses
professores, em todas, ouvimos menções a exercícios ou a
situações cobradas nessas provas. Pelo que pudemos observar
durante nossa inserção nas escolas para tais observações, nem
sempre essa é uma opção do professor, mas sim uma demanda
140
da escola. Ou seja: mesmo que o professor não concorde, o
“sistema” o faz trabalhar assim.
Nossa pesquisa não nos permite chegar a uma conclusão a esse
respeito, pois esse pode ser um fenômeno restrito às escolas
onde os professores atuavam. Entretanto, a dúvida ficou no ar:
será que nosso Ensino Médio está sendo mesmo encarado como
uma etapa de preparação para os vestibulares? Como a prova
ENEM tem influenciado as práticas dos professores de
Matemática do Ensino Médio? Essa questão pode ser tema de
uma pesquisa futura, principalmente nesse momento em que
discutimos as bases curriculares nacionais para a educação
básica em nosso país.
A análise dos dados nos permitiu a criação de três grupos distintos de
professores, de acordo com as suas concepções:
i. No primeiro grupo foi inserida a docente que, a nosso ver,
possuía as maiores limitações, quer seja em termos didáticos,
quer seja em termos matemáticos. Suas práticas estavam
centradas em processos de cálculos e algoritmos.
ii. No segundo grupo foram inseridos os dois professores que atuam
no Ensino Médio. Apesar de atuarem em escolas distintas e de
trabalharem, nas aulas observadas, com conteúdos diferentes,
suas práticas eram bastante semelhantes, centradas em
processos de resolução de exercícios, com preferência para
exercícios de vestibulares ou de ENEM passados. Quanto ao
saber da disciplina, percebemos uma grande diferença: enquanto
um demonstrava conhecimento profundo do assunto, sendo, em
alguns momentos, excessivamente formal, o outro mostrou-se
bem superficial, cometendo erros primários (não sabemos se por
desconhecimento ou se por descuido) e deixando de citar pontos
importantes da teoria apresentada;
iii. O terceiro grupo foi formado pela professora que, para nós,
conciliou, de modo equilibrado, teoria matemática adequada e
prática pedagógica eficiente. Entendendo a sala de aula como um
ambiente vivo, a professora usou diferentes metodologias de
141
trabalho, tentando sempre melhorar os processos de ensino e de
aprendizagem. Sem abrir mão da linguagem matemática correta,
mas sem formalismos exacerbados, essa professora conseguia
envolver os alunos, tornando-os seres ativos, participantes do seu
próprio processo de aprendizagem.
Seria natural esperar que uma pesquisa como a nossa fizesse uma
comparação entre as concepções de licenciados e de não licenciados.
Entretanto, em nenhum momento tivemos essa intenção. Essa ideia sempre
nos pareceu estranha, pois favoreceria uma espécie de disputa entre os dois
modelos de formação, o que nos parece inadequada.
Entendemos que todos os professores de Matemática deveriam fazer o
curso de Licenciatura. Como isso ainda não é possível, somos favoráveis que
se abra essa outra possibilidade de formação e, se possível, que essas duas
formações estejam bem próximas, tanto em termos de objetivos como em
termos de métodos. Por isso, estabelecer um comparativo entre concepções de
professores licenciados por cursos diferentes conveniente salientar nunca esteve
em nossos propósitos.
Entretanto, esse pode ser tema de uma pesquisa futura. Nesse caso,
essa comparação não deve levar em conta os resultados de pesquisas
anteriores; a comparação deve ser feita a partir de dados coletados com os
mesmos instrumentos. Acreditamos que isso daria maior credibilidade à
pesquisa, pois todos os participantes estariam sujeitos às mesmas condições
de observação.
Outro tema que pode ser abordado em pesquisas próximas é o grau de
influência que a primeira formação exerce sobre a prática do docente que
frequentou a complementação pedagógica. A professora Luísa, durante a sua
entrevista, comentou que era economista dentro da escola. Não percebemos
na sua prática detalhes que mostrassem isso. Também não percebemos, nas
práticas dos demais professores, elementos que pudéssemos identificar como
uma influência direta da sua primeira formação. Mas, é conveniente salientar
que em nenhum momento estivemos voltados exclusivamente para detalhes
que evidenciassem essa influência. Talvez uma investigação que
acompanhasse os professores com esse perfil por um tempo mais longo de
142
observação pudesse revelar se essa influência de fato ocorre, e em que
medida ocorre.
Se, ao iniciarmos a pesquisa, citamos que as concepções são
fortemente influenciadas pela formação inicial recebida, agora, ao encerrá-la,
gostaríamos de acrescentar que, de fato, a formação inicial influencia as
concepções com as quais o professor iniciante se insere no mercado de
trabalho. Entretanto, pudemos perceber que essas concepções não
permanecem intactas. Pelo contrário: elas são mutáveis. Mas essa mutação
depende da postura do professor frente a situações que lhe são colocadas,
quer seja no cotidiano da sala de aula, quer seja nos processos de formação
continuada.
143
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