Conselho de Seguranca 17 Maio

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    OCONSELHODESEGURANA, ASOPERAESDE

    MANUTENO

    DA

    PAZ

    E

    A

    INSERO

    DO

    BRASILNOMECANISMODESEGURANACOLETIVADASNAESUNIDAS

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    MINISTRIODAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretrio-Geral Embaixador Antonio de Aguiar Patriota

    FUNDAOALEXANDREDE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    INSTITUTORIOBRANCO

    Diretor-Geral Embaixador Georges Lamazire

    AFundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada aoMinistrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaessobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionaise para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

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    Braslia, 2010

    O Conselho de Segurana, asOperaes de Manuteno da Paz e

    a Insero do Brasil no Mecanismode Segurana Coletiva das NaesUnidas

    EDUARDO UZIEL

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    Copyright Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco H

    Anexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conformeLei n 10.994, de 14/12/2004.

    Equipe Tcnica:

    Maria Marta Cezar LopesCntia Rejane Sousa Arajo GonalvesErika Silva NascimentoFabio Fonseca RodriguesJlia Lima Thomaz de GodoyJuliana Corra de Freitas

    Programao Visual e Diagramao:Juliana Orem e Maria Loureiro

    Capa:Roberto Burle Marx, Sem ttulo.Kamanita, gravura, 40,01 x 53,98 cm, 1989.

    Impresso no Brasil 2010

    CDU: 341.781

    U99c Uziel, Eduardo.Conselho de segurana, as operaes emanuteno da paz e a insero do Brasil nomecanismo de segurana coletiva das NaesUnidas / Eduardo Uziel.Braslia : FUNAG,2010.244 p. : il. ; color.

    Quinquagsimo-quarto Curso de Altos Estudos.Instituto Rio Branco, MRE.

    1. Manuteno da paz. 2. Segurana coletiva. 3.

    Misso de paz. 4. Misso diplomtica. I. Ttulo.

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    A minha Me e Dica, zl.

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    Agradecimentos

    A meu Pai, minhas irms, meus sobrinhos, por tudo. Kaska por ter mudado minha vida, para muito melhor.Ao Embaixador Paulo Tarrisse por ser um amigo, chefe e guru para as

    Naes Unidas.

    Aos Embaixadores Ronaldo Sardenberg, Henrique Valle, PiragibeTarrag, Maria Luiza Viotti e Regina Dunlop, meus chefes em Nova York,pelos ensinamentos e oportunidades.

    Ao Embaixador Tadeu Valladares que teve a bravura de ler atentamenteos rascunhos e ser sempre otimista.

    Ao Ministro Carlos Duarte, Conselheira Gilda e a todo o pessoal daDNU e do DOI durante o perodo de pesquisas por se inestimvel apoio.

    Ao Bruno, Alexandre e Matias por terem tido a pacincia de ler o textoe contribuir e aos colegas de Delbrasonu pela amizade.

    Aos funcionrios das bibliotecas Dag Hammarskjld das Naes Unidas,Antonio Azeredo da Silveira do Itamaraty e dos arquivos do Itamaraty, daCmara dos Deputados e do Senado Federal por sua cooperao.

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    Abreviaturas e Siglas

    So listadas abaixo as abreviaturas e siglas utilizadas neste trabalho.Quando necessrio para melhor compreenso, alm designao por extenso, formulada explicao sobre a utilizao da sigla ou opo entre duasexistentes.

    AI-5 Ato Institucional no. 5AGNU Assembleia Geral das Naes UnidasC-34 (C-33) Comit Especial sobre Operaes de Manuteno

    da Paz. Criado em 1965 com 33 membros, foiconhecido originalmente como C-33, passando designao C-34 em 1988, a qual mantm at hoje.

    CANZ Canad, Austrlia e Nova ZelndiaCARICOM Comunidade do CaribeCCP Comisso de Construo da PazCPLP Comunidade dos Pases de Lngua PortuguesaCSNU Conselho de Segurana das Naes UnidasDFS Departamento de Apoio ao TerrenoDOMREP Misso do Representante do Secretrio-Geral na

    Repblica DominicanaDPKO Departamento de Operaes de Manuteno da PazECOSOC Conselho Econmico e Social

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    E-10 Os dez membros eletivos do Conselho de SeguranaEUA Estados Unidos da Amrica

    FFAA Foras ArmadasFMEI Fora Multinacional de Emergncia Interina na

    Repblica Democrtica do CongoFMI Fora Multinacional Interina no Haiti, estabelecida pela

    Resoluo 1529 (2004)GRULAC Grupo Latino-Americano e CaribenhoG-77 Grupo dos 77 e ChinaIBAS Foro ndia-Brasil-frica do SulINTERFET Fora Internacional para Timor-Leste

    LDN Liga das NaesMD Ministrio da DefesaMINURCAT Misso das Naes Unidas na Repblica Centro-

    Africana e no ChadeMINUSTAH Misso de Estabilizao das Naes Unidas no HaitiMNA Movimento dos Pases No AlinhadosMONUC Misso das Naes Unidas na Repblica

    Democrtica do CongoMPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoMRE Ministrio das Relaes ExterioresONG Organizao No GovernamentalONU Organizao das Naes Unidas. No corpo deste

    trabalho no se utiliza a sigla ONU, preferindo-seNaes Unidas ou a Organizao, termos maisconsoantes Carta. A sigla foi mantida em citaes.

    ONUC Misso das Naes Unidas na Repblica do CongoONUMOZ Operao das Naes Unidas em MoambiqueOTAN Organizao do Tratado do Atlntico norteP-3 Membros permanentes ocidentais do Conselho de

    Segurana: EUA, Reino Unido e FranaP-5 Membros permanentes do Conselho de Segurana:

    EUA, Reino Unido, China, Rssia e FranaPCCs Pases contribuintes de policiaisPDD-25 Deciso Diretiva Presidencial 25, de 3/5/1994, dos

    EUAPNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

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    RDC Repblica Democrtica do CongoSGNU Secretrio-Geral das Naes Unidas

    SNA Aliana Nacional SomaliSOFA Acordo sobre Status da ForaTCCs Pases contribuintes de tropasTIAR Tratado Interamericano de Assistncia RecprocaTPI Tribunal Penal InternacionalUA Unio AfricanaUE Unio EuropeiaUNAMIR Misso das Naes Unidas em RuandaUNAMSIL Misso das Naes Unidas em Serra Leoa

    UNAVEM III Misso de Verificao das Naes Unidas em AngolaIIIUNCIO Conferncia das Naes Unidas sobre Organizao

    InternacionalUNCTAD Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e

    o DesenvolvimentoUNDOF Fora de Desengajamento das Naes UnidasUNEF Fora de Emergncia das Naes Unidas (1956-

    1967)UNEF II Segunda Fora de Emergncia das Naes Unidas

    (1973-1979)UNFICYP Fora de Manuteno da Paz das Naes Unidas

    em ChipreUNIFIL Fora Interina das Naes Unidas no LbanoUNIPOM Misso de Observao das Naes Unidas ndia-

    PaquistoUNITA Unio para a Libertao Total de AngolaUNITAF Fora Tarefa UnificadaUNMEE Misso das Naes Unidas na Etipia e Eritreia

    UNMIK Misso de Administrao Interina das Naes Unidasem Kossovo

    UNMISET Misso das Naes Unidas de Assistncia a Timor-Leste

    UNMIT Misso Integrada das Naes Unidas em Timor-LesteUNMOGIP Grupo de Observao das Naes Unidas na ndia e

    no Paquisto

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    UNMOVIC Comisso das Naes Unidas de Monitoramento,Verificao e Inspeo

    UNOGBIS Escritrio das Naes Unidas de Construo da Pazem Guin-Bissau

    UNOSOM I e II Operao das Naes Unidas na SomliaUNOTIL Escritrio das Naes Unidas em Timor-LesteUNPROFOR Fora de Proteo das Naes UnidasUNSF Fora de Segurana das Naes Unidas na Nova

    Guin OcidentalUNTAET Administrao de Transio das Naes Unidas em

    Timor-Leste

    UNTAG Grupo das Naes Unidas de Apoio TransioUNTSO Organizao das Naes Unidas para Superviso daTrgua

    UNYOM Misso de Observao das Naes Unidas no ImenURSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

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    Sumrio

    Introduo, 17O Conceito de Operaes de Manuteno da Paz, 19O Conceito de Segurana Coletiva, 24Potncias Grandes, Mdias e Pequenas nas Naes Unidas, 27

    Estrutura do Trabalho e dos Captulos, 30I. As Naes Unidas, a Segurana Coletiva e as Operaes deManuteno da Paz, 33

    I. 1. Introduo, 33I. 2. Da Carta Resoluo Uniting for Peace, 34I. 3. A Criao da UNEF e a Inovao representada pelas Misses dePaz, 45I. 4. As Crises da Dcada de 1960 e as Misses de Paz at o Fim daGuerra Fria, 50I. 5. A Emergncia das Misses de Paz como Instrumento de SeguranaColetiva aps 1988, 54I. 6. O Relatrio Brahimi e seu Significado, 63I. 7. O Novo Surto de Misses de Paz e seus Contribuintes de Tropas, 67I. 8. Debates, Desafios e Estratgias Atuais, 74I. 9. Concluses Preliminares,77

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    II. O Brasil e sua experincia nas Operaes de Manuteno da Paz, 79II. 1. Introduo, 79

    II. 2. A Atuao Brasileira de So Francisco a Suez, 80II. 3. O caso e Ressurgimento do Ativismo Brasileiro, 85II. 4. As Decises Brasileiras de Enviar Tropas para Misses de Paz, 89

    II. 4. 1. Moambique ONUMOZ, 91II. 4. 2. Angola UNAVEM III, 93II. 4. 3. Timor-Leste UNTAET (2000)/UNMISET (2004), 93II. 4. 4. Haiti MINUSTAH, 95II. 4. 5. As Foras Multinacionais em Timor-Leste e na RDC, 97II. 4. 6. Contribuies para Misses de Paz e Estratgias Brasileiras, 99

    II. 5. Situao Atual e Perspectivas, 104II. 6. Concluses Preliminares, 109

    III. O Processo decisrio do Conselho de Segurana e as Operaesde Manuteno da Paz, 113

    III. 1. Introduo, 113III. 2. Estrutura, Procedimentos e Mtodos de Trabalho, 114III. 3. As Decises do CSNU e suas Caractersticas, 121III. 4. Membros Permanentes e Membros Eletivos, 126III. 5. Foros Decisrios Multilaterais o Caso do CSNU, 129III. 6. Prticas e Barganhas do CSNU em Relao s Operaes deManuteno da Paz, 134III. 7. O Papel do Secretariado e dos Grupos de Amigos, 138III. 8. As Decises do Conselho de Segurana e as Misses de Paz Casos Exemplares, 144III. 9. Perspectivas e Concluses Preliminares, 151

    IV. O Brasil, o Conselho de Segurana e as Operaes de Manutenoda Paz, 155

    IV. 1. Introduo, 155IV. 2. A Experincia nos ltimos Binios e a Condio de MembroEletivo do CSNU, 156IV. 3. O Binio 2004-2005 e a Poltica do Brasil no Conselho deSegurana, 163IV. 4. O Brasil como Membro do Conselho e as Operaes deManuteno da Paz, 169

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    IV. 5. O Brasil e a Estruturao de Misses de Paz, 172IV. 5. 1. Timor-Leste UNMISET (2004) e UNMIT (2006), 174

    IV. 5. 2. Haiti MINUSTAH (2004 e 2007, 178IV. 5. 3. Guin-Bissau UNOGBIS (2004 e 2008), 184

    IV. 6. O Conselho de Segurana, as Misses de Paz e as Perspectivaspara o Brasil, 187IV. 7. Concluses Preliminares, 190

    Concluso, 193

    Bibliografia, 207

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    Introduo

    Na ltima dcada, popularizou-se nas Naes Unidas a metfora segundoa qual as operaes de manuteno da paz so assimiladas a um corpo de

    bombeiros voluntrio. Nessa percepo, toda vez que surge um incndio, necessrio encontrar os cidados dispostos a trabalhar como bombeiros,

    trein-los, equip-los e envi-los para o local do fogo. Como explicou KofiAnnan no Relatrio do Milnio:

    Our system for launching operations has sometimes been comparedto a volunteer fire department, but that description is too generous.

    Every time there is a fire, we must first find fire engines and the fundsto run them before we can start dousing any flames1.

    No entanto, para que essa figura de linguagem se torne maisadequada, necessrio ir alm dos elementos tradicionalmentemencionados. Em realidade, para que os bombeiros peacekeepers

    possam ser mobilizados, indispensvel que ocorra uma reunio dacmara de vereadores metafrica (nesse caso, o Conselho deSegurana), o rgo poltico que dever discutir se existe realmente um

    1We the Peolpes the Role of the United nations in the twenty-first Century (A/54/2000). NovaYork: Naes Unidas, 2000, pg. 37 ( 224).

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    incndio, se conveniente apag-lo e a quem caberia essa tarefa. Se osvereadores concordarem que existe o fogo e sobre as outras questes,

    passaro a debater qual a estrutura e os recursos que sero dados aocorpo de bombeiros voluntrio, quanto tempo ele poder atuar e quaisos limites de suas aes no combate ao fogo. S quando, e se, houvernovo acordo sobre esses temas, ser autorizado o recrutamento desses

    bombeiros, cuja mobilizao depender, em alguns casos, de permissoa ser dada pelo prprio incendirio2.

    Essa imagem poderia se tornar ainda mais complexa se fossemadicionados elementos como, por exemplo, as segundas intenes dos

    bombeiros e dos vereadores ou as estratgias de venda dos fornecedores de

    equipamentos. Mas o importante passar do plano da linguagem figuradapara o da anlise da realidade internacional. As operaes de manuteno dapaz esto no mago de um complexo mecanismo de segurana coletiva que parte do funcionamento das Naes Unidas, e que hoje lida com algunsdos principais conflitos no mundo.

    Este trabalho tem por objetivo analisar as operaes de manuteno dapaz como instrumento de atuao das Naes Unidas no cenrio internacionale como possvel meio de otimizao da atuao do Brasil na rea de paz esegurana internacionais, especificamente nos esforos multilaterais deencaminhamento e soluo pacfica de conflitos armados. Ser tambmestudada a dinmica poltica do Conselho de Segurana, a qual determina aestrutura e o mandato das misses, bem como a atuao brasileira recentenaquele foro e possibilidades de ampliar o papel brasileiro no futuro. Conformeexplicitado na metfora do corpo de bombeiros, no se trata de investigar osaspectos operacionais das misses de paz, mas antes os debates polticosque as definem e o sentido que ganham no contexto da poltica internacional.

    Em fins de 2009, as quinze operaes de manuteno da paz dasNaes Unidas empregavam mais de 100 mil pessoas (includos militares,policiais e pessoal civil). As Naes Unidas comandam o segundo maior

    nmero de tropas em atividade atrs somente dos EUA. As misses depaz contam com oramento de cerca de US$ 7,8 bilhes de dlares para operodo de 2008-2009 quase o triplo do oramento regular das NaesUnidas. Se, para um Estado, um esforo dessa natureza j seria muito

    2 Para um outro uso dessa metfora, ver Sitkowski, A. UN Peacekeeping Myth and Reality.Westport: Praeger, 2006, pg. 8.

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    INTRODUO

    significativo, ainda mais surpreendente em se tratando de uma organizaointernacional3. Apesar de seu valor considervel, as operaes de

    manuteno da paz representam apenas cerca de 0,5% dos gastos militaresatuais (de um total de US$ 1.339 trilho por ano, aproximadamente). Sotambm muito menos dispendiosas do que misses similares levadas a cabo

    pelos EUA4.O engajamento brasileiro na reforma do Conselho de Segurana e a

    busca de um assento permanente em eventual configurao expandida dotestemunho da importncia atribuda pelo Brasil ao CSNU como pea centralda poltica global. Como afirmou o Presidente Lula, nenhum organismo podesubstituir as Naes Unidas na misso de assegurar ao mundo convergncia

    em torno de objetivos comuns. S o Conselho de Segurana pode conferirlegitimidade s aes no campo da paz e da segurana internacionais5. OConselho, por sua vez, tem as misses de paz como seu principal instrumentode atuao direta nas crises e conflitos internacionais.

    Nesta introduo, sero discutidos, inicialmente, trs conceitos quepermearo todo o trabalho: a definio de operaes de manuteno da paz;a ideia de segurana coletiva; e a diferenciao entre potncias grandes, mdiase pequenas no mbito das Naes Unidas. Em seguida se passar a uma

    breve descrio dos quatro Captulos que compem o trabalho, seus objetivose estrutura.

    O Conceito de Operaes de Manuteno da Paz

    No h uma deciso das Naes Unidas que defina o que so operaesde manuteno da paz. Na dcada de 1970, quando foi feita uma tentativade defini-las, o Comit Especial de Operaes de Manuteno da Paz nochegou a uma concluso. Nem mesmo sobre a terminologia existe um acordo

    alguns preferempeace operations, outros,peacekeeping operations,

    3 Dados disponveis no endereo www.un.org/Depts/dpko/dpko/bnote.htm, acessado em 23/11/2008;Approved resources for peacekeeping operations for the period from 1 July 2008 to30 June 2009 (A/C.5/62/31). Nova York: Naes Unidas, 2008.4Security Council Report. Collective Security and Armament Regulation. Nova York: SecurityCouncil Report, 2008, pg. 7; United States Government Accountability Office.Peacekeeping:Cost Comparison of Actual UN and Hypothetical U.S. Operations in Haiti. Washington: GAO,2006.5 Seixas Corra, L. F. (org.). O Brasil nas Naes Unidas (1946-2006). Braslia: FUNAG, 2007,pg. 721.

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    outrospeacekeeping missionsou aindapeace forces. Esse complexo campoterminolgico e conceitual reflete razes histricas e polticas6.

    Do ponto de vista histrico, as misses de paz surgiram de modoimprovisado, no estando previstas na Carta de So Francisco, e seconsolidaram ao longo de muitos anos. Como afirma Boyd, as Naes Unidastm uma natural dificuldade em concordar sobre um nome a ser dado aqualquer fenmeno. Isso ocorre porque os Estados tendem a desconfiar queuma designao mascara interesses de outros Estados em controlar aqueleinstrumento e exclu-los da possibilidade de influir nas decises mais relevantes

    o que, por vezes, verdade. Como resultado, proliferaram as designaesatribudas a essas operaes, organizadas desde os anos 1940, mas que

    ganharam fora a partir de 19567

    .Politicamente, a terminologia utilizada reflete posies e preferncias depases e grupos de pases, expressas nos rgos intergovernamentais dasNaes Unidas que tratam do tema, tais como o Conselho de Segurana, oComit Especial de Operaes de Manuteno da Paz e a V Comisso daAssembleia Geral. Esses rgos no primam pela coerncia em suas decisese costumam estabelecer misses de paz cujos nomes variam ou introduzemnovos termos sem qualquer rigor conceitual.

    A mais recente das controvrsias sobre a terminologia ope o termopeace operations apeacekeeping operations. Os defensores da primeiraexpresso argumentam que existe uma ampla gama de operaes de paz,empreendidas por muitos pases e organismos internacionais, entre as quaisesto as misses das Naes Unidas. Nesse sentido,peace operations seriaum termo mais amplo que englobariapeacekeeping operations e deveriaser preferido nos documentos da Organizao. Essa posio abriga vrias

    posturas polticas. Para o Canad e a Unio Europeia, por exemplo, trata-sede legitimar as misses que levam a cabo por meio de seus arranjos regionaise de defesa ou individualmente, que no contam com o reconhecimento deque desfrutam as Naes Unidas. Para os EUA, por sua vez,peace operations

    contemplaria qualquer operao militar diferente de guerra declarada,

    6Eleventh Report of the Working Group (A/AC.121/L.3). Nova York: Naes Unidas, 1977. Arevista The Economist refletiu essa situao: Call it peacekeeping, peace-enforcement,stabilisation or anything else, but one thing is clear: the worlds soldiers are busier than everoperating in the wide grey zone between war and peace, em Call the blue helmets. In. The

    Economist, 6/1/2007, pg 22.7 Boyd, A.Fifteen Men on a Powder Keg. Nova York: Stein and Day, 1971, pp. 222-223.

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    INTRODUO

    a chegar paz. No se confunde com a neutralidade, porque no podehaver omisso em vista de atos que contrariem os mandatos;

    2) consentimento das partes a necessidade de que os grupos emconflito concordem com a presena das Naes Unidas. Nos atuaisconflitos, pode ser difcil identificar quem so as partes legtimas, masisso no exclui a necessidade de que se obtenha algum tipo de acordo

    para o desdobramento das misses. Em ltima instncia, a definio dequem parte caber ao CSNU e ao Secretariado;

    3) uso da fora somente em legtima defesa o compromisso de queospeacekeepers evitaro ao mximo o uso da fora, o que no significaque devero se deixar agredir pelas partes em conflito e podem agir

    preventivamente14

    .

    A definio apresentada no arbitrria e se liga diretamente aopropsito de analisar a poltica interna das Naes Unidas como centralna estruturao e execuo das misses. As operaes de manutenoda paz das Naes Unidas apresentam natureza diversa de outras missesmilitares existentes tanto pelo processo decisrio que as estabelece quanto

    pelo modo de gerenci-las. Nenhuma outra organizao internacionaladota, ao mesmo tempo, o princpio da igualdade soberana dos Estadose composta por grupo to amplo e heterogneo de pases. Essascaractersticas da Organizao singularizam suas misses de paz15.

    Para maior clareza, necessrio fazer duas distines e uma ressalva.As Naes Unidas tambm estabelecem misses polticas especiais que,administrativamente, so distintas das operaes de manuteno da paz.O processo decisrio de sua criao e seus mandatos, porm, so

    bastante semelhantes. Por isso, no se incluiro nos nmeros computadosde operaes de manuteno da paz as misses polticas especiais, mas,

    14United Nations Peacekeeping Operations: Principles and Guidelines. Nova York: DPKO,2008, pp. 31-35. Vale recordar que o termo em inglsself-defensecompreende apenas a defesa de si, razo pela qual foi necessrio acrescentar ao longo do tempoa expresso except in self-defense and defense of the mandate.Em portugus, porm, a expresso legtima defesa inclui qualquer bem jurdico protegido,inclusive os de terceiras pessoas, razo pela qual no necessita de complemento. Para umadiscusso abrangente do termo no direito brasileiro, ver Hungria, N. Comentrios ao Cdigo

    Penal, volume I. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1949, pp. 444-468.15 Diehl, P. Forks in the road: Theoretical and Policy Concerns for 21st Century Peacekeeping.In. Global Society, vol. 14, no. 3, 2000, pp. 339-342.

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    no Captulo IV, o processo de modificao do mandato de uma delas, oUNOGBIS, em Guin-Bissau, ser analisado. Outra distino diz respeito

    s foras multinacionais criadas com autorizao do Conselho deSegurana. Elas no esto sob comando e controle do Secretrio-Gerale no so financiadas por todos os Estados membros das Naes Unidas.Essas foras multinacionais no so consideradas como misses de pazneste trabalho16. indispensvel ressalvar que as operaes demanuteno da paz foram originalmente estabelecidas nos anos 1940,com as pioneiras UNSCOB (Blcs), UNTSO (Palestina) e UNMOGIP(ndia-Paquisto). Em vista, porm, de serem misses muito reduzidas,compostas de observadores, no sero objeto de particular ateno. Este

    trabalho se concentra nas operaes que contaram ou contam com tropas,a comear pela UNEF (estabelecida em 1956) e que foram um mtodode soluo das dificuldades enfrentadas pelo mecanismo de seguranacoletiva.

    O Conceito de Segurana Coletiva

    A ideia de que os Estados poderiam estabelecer um sistema de seguranacoletiva que substitusse as alianas e o equilbrio de poder ganhou realmentefora ao fim da Primeira Guerra Mundial, com as propostas do Presidenteestadunidense Woodrow Wilson e, no Tratado de Versalhes, com oestabelecimento da Liga das Naes (LDN). O princpio operativo domecanismo da Liga era o das obrigaes morais universais. A Segunda GuerraMundial e o evidente fracasso da LDN levaram a uma nova onda deconsideraes sobre a viabilidade da segurana coletiva17.

    No h um consenso sobre o conceito de segurana coletiva. Nosprimeiros anos aps o estabelecimento das Naes Unidas e nos anos apso fim da Guerra Fria, quando a Organizao se viu revitalizada, foram vigorosasas discusses sobre o tema. Em ambos os casos, houve forte tendncia de

    alguns autores a adotar um conceito rigorista. Inis Claude Jr., escrevendo

    16 Uziel, E. Trs questes empricas, uma terica e a participao do Brasil em operaes depaz das Naes Unidas. In.Poltica Externa, vol. 14, no. 4, 2006, pg. 92.17 Haas, E. Types of Collective Security: an Examination of Operational Concepts. In. The

    American Political Science Review, vol. 49, no. 1, 1955, pp. 40-41;Armstrong, D.; Lloyd, L.; e Redmond, J.From Versailles to Maastricht. Nova York: St. MartinsPress, 1996, pp. 62-67.

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    INTRODUO

    originalmente em meados da dcada de 1950, argumentou em favor deuma definio estrita, que colocava a segurana coletiva em oposio direta

    ao equilbrio de poder. Nessa concepo, deveria haver no s umcompromisso de todos os Estados com o sistema, mas tambm as ideiasde uma paz indivisvel e de uma submisso do interesse nacional ao coletivo.Ademais, significativa difuso e homogeneidade de poder deveriamcaracterizar o mundo para que a segurana coletiva pudesse funcionar. Comoresultado dessa viso exigente, comparvel ao mercado perfeito para oseconomistas clssicos, Claude descartou as Naes Unidas como formade segurana coletiva, dado o poder concentrado nos cinco membros

    permanentes do Conselho de Segurana e os interesses nacionais que

    prevaleciam. Adam Roberts, escrevendo no incio dos anos 1990, tambmno viu perspectivas reais de que o sistema das Naes Unidas se afirmassecomo uma forma de segurana coletiva. Nesse caso, as principaisdificuldades apontadas seriam os double standards aplicados pelo CSNU,a desconfiana de alguns pases em relao a outros, a impossibilidade deobter unanimidade quanto s medidas a serem aplicadas a um Estadoagressor e os custos inerentes ao sistema. Roberts concluiu, ento, que asegurana coletiva no deveria ser vista como um mecanismo perene, mascomo uma possibilidade ocasional18.

    Essas avaliaes exigentes do que seria a segurana coletiva no forampredominantes. Desde o estabelecimento das Naes Unidas houve analistas,como Ernest Haas, que reconheceram o impasse do Conselho de Seguranacriado pelas discordncias entre os cinco membros permanentes. Haasassinalou, porm, que a ausncia do funcionamento integral no implicava ofracasso da segurana coletiva e, ainda nos primeiros anos da Organizao,indicou vrios xitos. Postulou tambm que poderia ser traado um contnuode modalidades de segurana coletiva, as quais atentassem mais parasolues pragmticas do que para as exigncias tericas19.

    O prprio Inis Claude Jr., em outra obra, matizou suas observaes e

    concordou com a ideia de um espectro que vai do equilbrio de poder ao

    18Claude Jr., I. L. Swords into Plowshares. The problems and progress of internationalorganization. Nova York: Random House, 1964, pp. 232-248;Roberts, A. The United Nations and International Security. In. Survival, vol. 35, no. 2, 1993,pp. 23-26.19 Haas, E. Types of Collective Security: an Examination of Operational Concepts. In. The

    American Political Science Review, vol. 49, no. 1, 1955, pp. 40-62.

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    Estado global e que tem a segurana coletiva em seu centro. Afirma que setrata de fenmeno conectado s organizaes internacionais e que tem por

    objetivos reduzir o abuso de poder, desencorajar a competio violenta epromover a paz. Opinou que, em 1945, se criou um mecanismo de seguranacoletiva, mas que no era aplicvel aos cinco membros permanentes20.

    Escrevendo na dcada de 1990, Kupchan e Kupchan atriburam sinstituies multilaterais a capacidade de criar em seus membros a expectativade que recebero benefcios uniformes se demonstrarem atitudescolaborativas. Nesse sentido, no viram na segurana coletiva o rechao da

    prpria ideia de equilbrio de poder, mas sua otimizao. Aduziram que deveriahaver um mnimo de compatibilidade entre as grandes potncias, como a que

    se podia ver em ao naquele momento histrico21

    .Apesar das divergncias sobre o alcance do conceito, os principaisanalistas concordam que a segurana coletiva no pode ser confundida coma autodefesa coletiva. Arnold Wolfers, procura afastar em termos tericos e

    prticos as Naes Unidas das alianas militares como a OTAN e o TIAR,que proliferaram no incio da Guerra Fria. A autodefesa coletiva pertence esfera do realismo tradicional, voltada contra um adversrio conhecido; asegurana coletiva pertence esfera wilsoniana de uma comunidade de naesvoltadas contra a agresso. Pondera, porm, que os dois sistemas podem sechocar ou ser complementares. Claude considerou tambm que as tentativasde assimilar a segurana coletiva e a autodefesa coletiva sodespropositadas22.

    Este trabalho considerar que o mecanismo estabelecido pela Carta dasNaes Unidas em 1945 uma forma de segurana coletiva, e sua evoluoe percalos sero analisados ao longo do Captulo I. Suas caractersticas

    principais so: 1) a paz como objetivo ltimo, sendo a guerra, em princpio,banida, e a conquista territorial, ilegal; 2) a agncia organizadora das aes

    20 Claude Jr., Inis L.Power and International Relations. Nova York: Random House, 1962, pp.106-117.21 Kupchan, C. e Kupchan, C. The Promise of Collective Security. In. Brown, Michael; Cot,Owen; Lynn-Jones, Sean; e Miller, Steven. Theories of War and Peace. Cambridge: MIT Press,1998, pp. 397-402.22 Wolfers, Arnold.Discord and Collaboration. Baltimore: Johns Hopkins University Press,1981, pp. 184-196; Claude Jr., I. L. Swords into Plowshares. The problems and progress ofinternational organization. Nova York: Random House, 1964, pp. 223-226. Ver tambm: Weiss,T.; Forsythe, D. e Coate, R. The United Nations and Changing World Politics. Boulder: WestviewPress, 2004, pg. 8.

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    INTRODUO

    de segurana coletiva de composio quase universal e opera por umprincpio, ainda que matizado, de igualdade soberana; 3) as decises sobre

    aes a serem empreendidas em conflitos armados so tomadas por rgoscoletivos e, ao menos do ponto de vista formal, representativos, constitudosanteriormente aos casos com os quais lidam. No h necessidade de que asegurana coletiva funcione para todos os conflitos e de maneira uniforme a existncia desse mecanismo no anula a existncia de relaes de poderentre os Estados mas ela representa fonte indiscutvel de legitimidade23. Asoperaes de manuteno da paz so, nesse contexto, parte integral domecanismo de segurana coletiva das Naes Unidas, tal como tem existidoe funcionado desde o fim da Guerra Fria.

    Uma ressalva necessria neste ponto. Este trabalho visa a analisar ofuncionamento quotidiano do mecanismo de segurana coletiva tal comoele existe e no as tentativas de reform-lo. Por esse motivo, no soabordadas em profundidade as posies e propostas relativas reformado Conselho de Segurana, salvo para explicitar casos em que a

    participao em misses de paz foi utilizada como parte de umaargumentao sobre a reforma.

    Potncias Grandes, Mdias e Pequenas nas Naes Unidas

    O artigo 2.1. da carta das Naes Unidas consagra o princpio daigualdade soberana dos Estados mas isso nunca significou para os pasesmembros que deixassem de existir as diferenas de influncia e de poder. AOrganizao marcada desde o incio pela existncia de Estados mais

    poderosos e influentes, o que fica claro na existncia do veto e de assentospermanentes no Conselho de Segurana24. No se trata aqui de estabeleceruma classificao geral ou uma hierarquia entre os Estados na ordeminternacional, mas antes de delinear, como forma de orientao, algumascategorias de Estados, no mbito da Organizao, na rea de paz e segurana.

    A prpria ideia de uma classificao precisa entre os Estados criticada.Andrew Hurrell, por exemplo, no v sentido em uma categoria de potncias

    23 Fonseca Jr., G. Legitimidade Internacional: uma aproximao didtica. In.A Legitimidade eoutras Questes Internacionais. So Paulo: Paz e Terra, 1998, pp. 151-153. Ver tambm: Ointeresse e a regra ensaios sobre o multilateralismo. So Paulo: Paz e Terra, 2008, pp. 26-27.24 Hurrell, A. Hegemony, liberalism and global order: what space for would-be great powers.In.International Affairs, vol. 82, no. 1, 2006, pg. 10.

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    mdias (middle powers) porque seria muito difcil de encontrar atributoscomuns a todos os pases que afirmam estar nessa categoria e ainda mais

    improvvel identificar estratgias semelhantes de poltica externa. Nessesentido, considera que a condio de potncia mdia serviria, sobretudo,como um artifcio retrico na narrativa das polticas externas. Admite,entretanto, que, em alguns contextos, Estados que compartilham um certo

    patamar de influncia regional e peso poltico e econmico acabam por tercomportamentos empiricamente semelhantes e criam uma identidade comogrupo25. Os autores que advogam o conceito de potncias mdias ouintermedirias concordam que a definio tem muito de subjetivo ecircunstancial26.

    Dois fatores, que influem diretamente no caso das Naes Unidas, devemser comentados sobre a dificuldade de definir uma escala de potncias. Emprimeiro lugar, ao longo do tempo, a evoluo normal, econmica, social epoltica, dos Estados altera suas caractersticas e sua posio de poder.Exemplos claros so Japo, Alemanha, Itlia e China os trs primeiros,derrotados na Segunda Guerra, retomaram posies de relevncia, partindoquase do zero27; a China passou de aliado menor a potencial rival dos EUA.Em segundo lugar, sendo a hierarquia um conceito essencialmente relacional,a posio relativa de cada Estado se altera com o ingresso de outros naOrganizao. Assim, pases como Colmbia ou a Blgica, que exerceram

    papel destacado nos primeiros anos das Naes Unidas, perderam espao erelevncia com o aumento do nmero e da diversidade de membros.

    Robert Keohane props, na dcada de 1960, uma categorizao dosEstados, tendo em conta sua capacidade de influenciar decises, a qual semostra relevante para uma organizao como as Naes Unidas, com umconjunto de regras estruturais definidas. Para o autor, haveria potncias:

    25Hurrell, A. Some Reflections on the Role of Intermediate Powers in International Institutions.

    In. Hurrell, A. et al.Paths to Power: Foreign Policy Strategies of Intermediate States. Washington:Woodrow Wilson International Center, Working Paper Nr. 244, 2000; e Hegemony, liberalismand global order: what space for would-be great powers. In.International Affairs, vol. 82, no.1, 2006, pp. 1-3.26 Sennes, R.Brasil, Mxico e ndia na Rodada Uruguai do GATT e no Conselho de Seguranada ONU: um estudo sobre pases intermedirios. Tese de Doutorado, Programa de Ps-Graduaoem Cincia Poltica, USP, So Paulo, 2001, pp. 24-26.27 Basta recordar o artigo 53.2. da carta: The term enemy state as used in paragraph 1 of thisArticle applies to any state which during the Second World War has been an enemy of anysignatory of the present Charter.

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    INTRODUO

    grandes, que desempenham papel central na maioria das decises; secundrias,que no tm perspectiva de dominar todo o sistema, mas podem influenciar

    significativamente algumas reas; mdias, que, sozinhas, no so capazes deafetar decises, mas que podem faz-lo em conjunto; e pequenas, que estofadadas a no influir diretamente e a no liderar os grupos relevantes28. A fimde atualizar essa classificao e de torn-la mais simples e adaptada realidadedas Naes Unidas e do Conselho de Segurana, este trabalho consideraras seguintes categorias: 1) grandes potncias, que ocupam os assentos

    permanentes no CSNU (EUA, Rssia, China, Reino Unido e Frana, ditos,em conjunto, P-5) e que desfrutam de poderes especiais na Organizao; 2)

    potncias mdias, que, por seu peso poltico, econmico ou contribuies

    para misses de paz, tm a possibilidade de influenciar decises ou decoordenar grupos que as influenciem (incluiriam Brasil, Argentina, Mxico,ndia, Paquisto, Japo, frica do Sul, Nigria, Egito, Alemanha, Itlia,Espanha, entre outros); 3) pequenas potncias, que, mesmo quando integramo Conselho, tm poucas possibilidades de fazer a diferena no processodecisrio. Deve estar claro que essa classificao no exaustiva e, por essemotivo, ao longo do trabalho haver esforo para indicar de que pases setrata.

    Mas a categoria de potncias mdias permanece por demais ampla,reunindo pases desenvolvidos e em desenvolvimento, com agendas eestratgias muito dspares na Organizao. A fim de mitigar essa dificuldade,este trabalho tambm adotar a classificao proposta por Jordaan paradiferenciar entre potncias mdias tradicionais e potncias mdias emergentes.Tradicionais so normalmente pases desenvolvidos, que cresceram no cenriomundial durante a Guerra Fria, so democracias liberais e, de modo geral,tm vizinhos de poderio semelhante. As emergentes so pases emdesenvolvimento, com transio recente para a democracia ou ainda emregimes autoritrios, e que se destacam em suas vizinhanas29.

    Independentemente da sub-categorizao das potncias mdias, os autores

    indicam que elas compartilham um interesse em fortalecer as organizaesinternacionais, que tambm agrada os pequenos. Esses organismos oferecem

    28 Keohane, R. LilliputiansDilemmas: Small States in International Politics. In.InternationalOrganization, vol. 23, no. 2, 1969, pp. 295-296.29 Jordaan, E. The concept of a middle power in international relations: distinguishing betweenemerging and traditional middle powers. In.Politikon, vol. 30, no. 2, 2003.

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    igualdade, mesmo que formal, reconhecimento como membro de umacomunidade, facilidade para articular estratgias comuns e limitaes

    institucionais para as grandes potncias. O comportamento das potncias mdiasno mbito das organizaes internacionais e, em particular, das Naes Unidastende a ser construtivo e a favorecer a formao do consenso. Isso deriva dointeresse de manter o funcionamento do sistema como um todo e evitardesistncias por parte dos grandes. Isso no significa que os pases mdios no

    bloquearo decises, mas que o faro cautelosamente e procuraro circunscreveressas iniciativas a reas especficas30.

    O Brasil, por suas dimenses geogrfica, econmica, poltica e pelaatuao nos foros das Naes Unidas, inclusive o Conselho de Segurana,

    considerado como uma potncia mdia. Como pas em desenvolvimento, uma potncia mdia emergente, com apreo pelo multilateralismo, atitudeconstrutiva e poltica externa que investe em atuaes autnomas. Por suascaractersticas prprias se posiciona de maneira privilegiada para construir

    pontes e formar consensos. Embora questione aspectos da estrutura dasNaes Unidas (notadamente a composio do Conselho de Segurana),tende a faz-lo de modo a no afetar seu funcionamento quotidiano31.

    Estrutura do Trabalho e dos Captulos

    Este trabalho se desenvolve em dois blocos principais: um primeiro histricoe um segundo de anlise da dinmica poltica atual das Naes Unidas. Na

    primeira parte, sero debatidos os conceitos bsicos sobre a segurana coletivae as operaes de manuteno da paz, por meio da anlise de sua evoluo.Ainda nessa parte, ser traado o histrico da contribuio brasileira para asmisses de paz ao longo das ltimas seis dcadas, com particular nfase nos

    30 Keohane, R. Lilliputians Dilemmas: Small States in International Politics. In.International

    Organization, vol. 23, no. 2, 1969, pp. 294-297; Hurrell, A. Some Reflections on the Role ofIntermediate Powers in International Institutions. In. Hurrell, A. et al.Paths to Power: Foreign

    Policy Strategies of Intermediate States. Washington: Woodrow Wilson International Center,Working Paper Nr. 244, 2000, pp. 4; Jordaan, E. The concept of a middle power in internationalrelations: distinguishing between emerging and traditional middle powers. In.Politikon, vol.30, no. 2, 2003, pp. 166-171.31 Lima, Maria R. S. e Hirst, M. Brazil as an intermediate state and regional power. In.

    International Affairs, vol. 82, no. 1, 2006; Lima, Maria R. S. Emergence on Global Stage LeavesBrazilians Divided. In. Spiegel Online, 8/10/2008, disponvel no endereo ww.spiegel.de/international/world/0,1518,druck-582861,00.html, acessado em 10/10/2008.

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    INTRODUO

    ltimos anos. Na segunda parte, ser traado um modelo para explicitar adinmica atual do Conselho de Segurana no que concerne ao estabelecimento

    e conduo das operaes de manuteno da paz. Como elemento da segundaparte, ser analisada a atuao do Brasil no Conselho de Segurana desde adcada de 1990, com particular ateno para o mandato eletivo no binio2004-2005. Sero identificados os principais desafios da participao brasileirana rea de operaes de manuteno da paz e as estratgias empregadas para

    permitir que as perspectivas nacionais fossem contempladas. O trabalho estdividido em quatro Captulos: os Captulos I e III tratam da situao geral das

    Naes Unidas, das misses de paz e do Conselho de Segurana; os CaptulosII e IV lidam com a atuao brasileira na Organizao, nas operaes de

    manuteno da paz e no mbito do CSNU.No Captulo I, o objetivo analisar historicamente a formao e evoluodo mecanismo de segurana coletiva e como as misses de paz gradativamentese tornaram um aspecto indissocivel dos esforos de manuteno da paz esegurana internacionais. O Captulo II tambm adota uma perspectiva histricae busca explicitar as razes e circunstncias que levaram o Brasil a tomar parte nomecanismo de segurana coletiva das Naes Unidas e em vrias das misses de

    paz, bem como a, de modo geral, apoiar a implementao desse instrumento. OCaptulo III prope-se a analisar o funcionamento do Conselho de Segurana,como principal foro na rea de paz e segurana, com especial nfase em seu

    processo decisrio e em suas prticas relativas s operaes de manuteno dapaz. importante frisar que a ateno ao Conselho de Segurana no significaafirmar que todos os conflitos esto submetidos a sua considerao. Embora orgo possa teoricamente tratar de qualquer ameaa paz ou rompimento da

    paz, h casos em que claramente o CSNU no pode agir. Mas tambm, emoutros, o CSNU prefere muitas vezes acompanhar esforos alheios, sempredisposto a intervir se necessrio e se forem encontrados os acordos indispensveisentre seus membros. O Captulo IV busca compreender a atuao brasileira noConselho de Segurana em seus mandatos mais recentes e, especificamente, a

    capacidade do pas de influir nas decises do rgo, sobretudo no que concernea operaes de manuteno da paz. A Concluso deste trabalho procurarrecapitular os principais temas, estrutur-los de modo a evidenciar a dinmica

    poltica do mecanismo de segurana coletiva e indicar como podem confluir parafortalecer a posio brasileira nas questes de paz e segurana nas Naes Unidas.

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    I - As Naes Unidas, a Segurana Coletiva e

    as Operaes de Manuteno da Paz

    I. 1. Introduo

    A deciso tomada pelas grandes potncias, ao final da Segunda GuerraMundial, de dotar o sistema internacional de um mecanismo de seguranacoletiva que prevenisse futuros enfrentamentos da mesma magnitude

    destruidora teve papel estruturante no cenrio mundial. A criao das NaesUnidas objetivou dar concretude a essa deciso. Pelas razes que serodiscutidas adiante, porm, o mecanismo de segurana coletiva no se mostrouinteiramente funcional. Mas essa aparente falha explicitou uma importantequalidade da nova Organizao a de adaptar-se.

    Como explica Hans Morgenthau, as transformaes por que passaram asNaes Unidas na prtica, em contraste com a arquitetura da Carta, indicam nos uma mudana das funes polticas exercidas, mas tambm do prprio carterda Organizao:

    In order to understand the constitutional functions and actual operationsof the United Nations, it is necessary to distinguish sharply between theconstitutional provisions of the Charter and the manner in which the agenciesof the United Nations, under the pressure of unforeseen politicalcircumstances have actually performed their functions under the Charter32.

    32 Morghentau, H.Politics among Nations. Nova York: Alfred A. Knopf, 1973 (5a edio), pg.455.

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    Inis Claude Jr., por sua vez, assinala que o processo de organizao uma caracterstica marcante do sistema internacional do sculo XX. Suas

    bases no so apenas os esquemas dispostos nas cartas fundadoras, masantes o contexto poltico dos interesses de poder e a configurao do sistema.Seu maquinrio desenhado para manter uma ordem especfica, e suacapacidade adaptativa s mudanas do poder define sua habilidade desobreviver33. Claude afirma:

    International organization is a product of international politics,which largely determines its shape and the course of its development.On the other hand, there is a mutuality of interaction, with

    international organization becoming a factor influencing the courseof international politics (). Their actual operations can only beunderstood with reference to the world of politics, and their ultimateresults can be properly evaluated only in terms of their impact uponthe world34.

    O propsito deste captulo analisar o desenvolvimento de uma das principaisfunes das Naes Unidas a manuteno da paz e da segurana internacionais

    por meio da segurana coletiva e de como tal funo se adaptou s realidadesda poltica internacional. As operaes de manuteno da paz, estabelecidas demaneira criativa a partir dos anos 1950, so fundamentais nessa anlise.Representaram um novo meio de atuao coletiva e no conflitiva, permitiram oencapsulamento de disputas entre EUA e URSS, atraram a ateno de pequenose mdios Estados para a Organizao e, a partir dos anos 1990, tornaram-se o

    principal instrumento de atuao prtica do Conselho de Segurana. Nesseprocesso, as misses de paz interagiram com a estrutura da Organizao epermitiram atuao destacada do Secretariado e de diversos Estados.

    I. 2. Da Carta Resoluo Uniting for Peace

    Dois fatores relativos percepo poltica e s estratgias de atuaointernacionais so indispensveis para o entendimento das instituies

    33 Claude Jr., I. Swords into Plowshares. The problems and progress of internationalorganization. Nova York: Random House, 1964, pp. 41-45.34 Idem, pp. 6-7.

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    ASNAESUNIDAS, ASEGURANACOLETIVAEASOPERAESDEMANUTENODAPAZ

    corporificadas na Carta das Naes Unidas. O primeiro fator foi a crena deEUA, Reino Unido e URSS de que a cooperao estabelecida durante a

    Segunda Guerra poderia ser mantida e mesmo ampliada no ps-guerra. Noestava claro para os Trs Grandes que suas polticas levariam ao tipo deconfrontao que passaria a ser chamada de Guerra Fria. Havia conscinciade que a promoo dos interesses dos Estados poderia levar a atritos; masno havia a perspectiva de enfrentamentos sistemticos que bloqueassem acolaborao. Ainda sob Roosevelt, o Governo dos EUA apostava nacolaborao com a URSS para manter a nova ordem global. Aps a assunode Harry Truman (abril de 1945), no momento em que a Carta foi assinada(26/6/1945), avanava a deteriorao das relaes sovitico-estadunidenses,

    mas a Guerra Fria no estava efetivamente iniciada; as grandes potnciasainda tinham expectativa de cooperar dentro da nova moldura institucional35.O segundo fator a ser considerado a opo estratgica dos EUA de,

    ao sair da guerra com mais poder do que os vitoriosos em qualquer conflitoanterior, construir uma ordem constitucional36, materializada em uma sriede arranjos institucionais (Naes Unidas, GATT, Banco Mundial, FundoMonetrio Internacional, entre outros). Com essa deciso, os EUA retiravamo nus de sua sociedade de sustentar o que poderia ser um eventual conflitocom a URSS e investiam na criao de legitimidade que lhes poderia sermuito til quando o diferencial de poder se reduzisse. A contrapartida eraceder parte do poder decisrio a outros Estados, tanto os do bloco soviticoquanto as potncias menores, por meio de regras estveis, como a Carta das

    Naes Unidas, que serviriam para reduzir o impacto da predominnciaestadunidense.

    importante notar que o acordo alcanado no momento doestabelecimento das Naes Unidas no poderia assegurar o mesmo tipo de

    35 Droz, B. e Rowley, A.Histoire gnrale du XXe sicle. Paris: ditions du Seuil, 1987, vol. 2,

    pp. 232-247. Ver tambm: Gaddis, J. L. We Now Know. Rethinking the Cold War History.Oxford: Clarendon Press, 1998, pp. 15-23.36 A definio dada para ordem constitucional por Ikenberry a seguinte: Constitutionalorders are political orders organized around agreed-upon legal and political institutions thatoperate to allocate rights and limit the exercise of power. In a constitutional order power istamed by making it less consequential. The stakes in political struggles are reduced by thecreation of institutionalized processes of participation and decision making that specify rules,rights and limits on power holders, in. Ikenberry, G. J. After Victory. Princeton: PrincetonUniversity Press, 2001, pg. 29. Ver tambm: Fonseca, Jr. G. O interesse e a regra ensaios

    sobre o multilateralismo. So Paulo: Paz e Terra, 2008, pp. 75-90.

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    concordncia sobre as estratgias a serem seguidas pela Organizao, ousobre a diviso de benefcios dessas aes em casos concretos. Isso significa

    que a estrutura institucional dava um mnimo de previsibilidade s disputas,sem determinarex ante seu resultado.

    Na conferncia de Dumbarton Oaks, encarregada de fazer um primeirorascunho da Carta que pudesse contar com apoio de EUA, URSS, ReinoUnido e China, predominou uma dinmica de transigncia e concessesmtuas, e foi possvel chegar a acordos sobre quase todos os temas de paz esegurana. Enquanto EUA e Reino Unido defendiam uma Organizao decomposio ampliada e com competncias que se estendessem alm dasegurana coletiva, os soviticos preferiam limitar o nmero de membros aos

    signatrios da Declarao das Naes Unidas (firmada pelos Quatro Grandesem 1o/1/1942, qual logo aderiram 26 pases37) e acreditavam serdesperdcio de energia dedicar ateno a matrias sociais, legais e de outranatureza. A preocupao principal dos soviticos era, j naquele momento, ade que estariam em minoria permanente na nova Organizao; os EUA tinhama viso decididamente contrria, imaginavam que disporiam sempre umamaioria confortvel e efetivamente no se importavam de atribuir competnciasde paz e segurana Assembleia Geral. Em Dumbarton Oaks foram acordados

    pontos centrais do texto que depois seria a Carta: composio do Conselho;poderes residuais da Assembleia na rea de paz e segurana; o conceito deigualdade soberana dos Estados; capacidade de determinar ameaas paz;criao de um Comit de Estado Maior; e medidas interinas de segurana. O

    ponto que no pde ser resolvido foi a insistncia da URSS em um vetoabsoluto, que pudesse ser utilizado mesmo para questes de procedimento.A ausncia de consenso fez que o tema fosse transferido para consideraodos Chefes de Estado e Governo em Yalta. Naquela conferncia, em trocada entrada da Bielorssia e da Ucrnia na Organizao, Stalin concordoucom o veto limitado a assuntos substantivos e com a obrigao de abster-seem casos em que um membro do rgo fosse parte na disputa (artigo 27.3

    da Carta).Com base no projeto de Dumbarton Oaks, complementado pela frmula

    de Yalta, a Conferncia das Naes Unidas sobre a Organizao Internacional(UNCIO) se reuniu entre abril e junho de 1945, em So Francisco, a convite

    37United Nations Declaration, http://www.un.org/aboutun/charter/history/declaration.shtml,acessado em 24/8/2008.

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    ASNAESUNIDAS, ASEGURANACOLETIVAEASOPERAESDEMANUTENODAPAZ

    de EUA, URSS, China e Reino Unido (a Frana somente assumiria comoquinto grande durante a Conferncia). Uma primeira caracterstica da

    UNCIO foi o grande ativismo dos pequenos e mdios Estados. Embora osanfitries tivessem acordado o projeto de documento, estabelecido

    procedimentos que lhes concediam direito de veto sobre emendas e levado acabo os trabalhos em ritmo que desafiava as pequenas delegaes38, os demais

    pases procuraram contribuir construtivamente para o documento e limitar ospoderes dos grandes. Foram responsveis por incluir, manter ou reforarimportantes aspectos do texto, tais como: a igualdade soberana dos Estados;expanso das competncias do Conselho Econmico e Social (ECOSOC);introduo do princpio da legtima defesa individual ou coletiva; estruturao

    do sistema de tutela; e a reafirmao dos poderes subsidirios da AGNU narea de paz e segurana39. Esses casos demonstraram o que seria umacaracterstica marcante da Organizao: a capacitao de pequenos e mdiosEstados para atuar alm de seus fatores materiais de poder.

    A segunda caracterstica da Conferncia, porm, foi verso especular daprimeira: onde os grandes insistiam em proteger de modo absoluto seusinteresses, no houve espao real para negociaes. Os pequenos e mdios

    pases procuraram de vrias maneiras mitigar o poder contido no veto epropuseram quantidade significativa de emendas. As discusses chegaramao ponto em que ficou claro que, sem o veto, no haveria Organizao. Osdemais Estados tiveram que ceder. Ao final da Conferncia, o princpio daliderana dos Cinco Grandes foi reconhecido, pela primeira vez, como umaregra do jogo clara na diplomacia. Mas seu poder legtimo tambm foilimitado pelo que acabou constando da Carta, cujo arcabouo constitucionalfoi aceito pelos Grandes como disse Claude, the Charter registered power,it did not confer it40.

    A Carta e as Naes Unidas guardavam muitas semelhanas com o Pactoe a Liga das Naes (LDN)41. Mas eram suas diferenas que produziam

    38 Hoopes, T. e Brinkley, D.FDR and the Creation of the U.N. New Haven: Yale UniversityPress, 1997, pg. 186.39 Ruth Russell dedica os captulos XXVI, XXVII, XXVIII e XIX Conferncia de SoFrancisco. Russell, R.History of the United Nations Charter. Washington: Brookings Institution,1958.40 Claude Jr., I. Swords into Plowshares. The problems and progress of internationalorganization. Nova York: Random House, 1964, pg. 66.41 Morghentau, H.Politics among Nations. Nova York: Alfred A. Knopf, 1973 (5a edio), pp.455-458.

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    vitalidade. As inovaes faziam que a Organizao se mostrasse mais tendentea perdurar do que a LDN: I) o veto era condio fundamental para

    funcionamento do CSNU, e as concesses feitas no limitavam apreponderncia dos Cinco Grandes; II) os EUA, ao contrrio do que ocorrerano caso da LDN, eram os artfices da Organizao e, nela, os principaisinteressados; III) as Naes Unidas obtiveram considerveis competnciasem reas sociais e econmicas, em parte como concesso aos Estados

    pequenos e mdios; IV) o sistema decisrio em todos os rgos era maisrealista, expungindo parte da contradio entre igualdade soberana edistribuio real de poder; V) as Naes Unidas abriam a possibilidade paraos Estados promoverem diversos aspectos de suas agendas (anticolonialismo,

    direitos humanos, cooperao, entre outros)42

    . Como ocorre com frequnciaao final reunies diplomticas, cada participante acreditava obter um resultado.A Carta criou diversas percepes sobre a Organizao cujo futuro no se

    podia prever. Como afirma Claude:

    As in the case of the League of Nations, the United Nations reflectedthe influence of a variety of formative factors. It was not simply thebrainchild of idealists, a contrivance of nationally-oriented statesmen,a flowering of historically planted seeds, or an excrescence upon the

    surface of contemporary world politics. It was all these things andmore43.

    Cabe indagar qual o mecanismo de manuteno da paz e da seguranacriado em So Francisco. A Carta regulamenta o CSNU em seus CaptulosV, VI e VII. O primeiro estabelece composio, regras de votao e

    procedimentos. No artigo 27.3 est consagrada a regra da unanimidade dosmembros permanentes, a frmula de Yalta a que se faz referncia semprecomo direito de veto. A combinao com o artigo 25, que prev ocumprimento das decises do Conselho por todos os Estados membros, e

    com o artigo 24.2, que estabelece que o rgo age em nome da Organizao,faz que o sistema esteja baseado na unanimidade e na ao coordenada dos

    42 Armstrong, D.; Lloyd, L.; e Redmond, J. From Versailles to Maastricht. Nova York: St.Martins Press, 1996, pp. 62-63.43 Claude Jr., I. Swords into Plowshares. The problems and progress of internationalorganization. Nova York: Random House, 1964, pg. 54.

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    Cinco Grandes. A criao de um Comit de Estado Maior (artigo 47)corrobora a percepo de que a Organizao deveria dar seguimento s

    aes das foras armadas nos tempos da Segunda Guerra. E o artigo 43explicita que foras militares seriam colocadas disposio das Naes Unidas

    por meio de acordos entre a Organizao e os Estados.Quanto ao mtodo para determinao das ameaas paz ou de rupturas

    da paz, o Captulo VI prope escala gradativa de aes investigativas,negociadoras e implementadoras do CSNU. Fica especificado que qualquerEstado (membro ou no da Organizao) pode trazer um tema ateno doConselho. Tambm decorre do texto que o CSNU no tem itinerrioobrigatrio a seguir se as condies para uma medida estiverem dadas na

    forma de acordo de seus membros, o rgo pode agir imediatamente.O Captulo VII, afinal, trata das medidas mais assertivas de combate aagresses, ameaas paz ou ruptura da paz, situaes que podem levar autorizao do uso da fora. Seus artigos iniciais compreendem o uso de sanescomo modalidade de desencorajamento de atitude belicosa. O artigo 42 tratado uso da fora, o qual dependeria dos acordos do artigo 43 e do Comit deEstado Maior para implementao. Morgenthau e Nicholas afirmam que os

    poderes atribudos ao CSNU so sem precedente e que o rgo poderiafuncionar como um conselho de guerra. Ernest Haas nota que, no consensode 1945, no havia competncias para lidar com as causas profundas dasguerras. Aduz que o gerenciamento coletivo de conflitos por esse mtodosomente ir to longe quanto for o consentimento dos Estados mais poderosos44.

    O mecanismo de manuteno da paz e da segurana, nos termos doartigo 14 da Carta, tambm compreende a competncia subsidiria daAssembleia Geral, mesmo que essa esteja restrita a recomendaes. Essaarquitetura fica completa com a garantia de que as obrigaes para com as

    Naes Unidas no podero vulnerar o direito de legtima defesa (artigo 51) com a ressalva de que qualquer atitude tomada com esse objetivo deve sertrazida imediatamente ao conhecimento e considerao do CSNU. Essas

    dimenses foram includas a contragosto dos Cinco Grandes, mas tiveramconsequncias duradouras na histria da Organizao.

    44 Morghentau, H.Politics among Nations. Nova York: Alfred A. Knopf, 1973 (5a edio), pg.458; Nicholas, H. G. The United Nations as a political institution. Londres: Oxford UniversityPress, 1962, pp. 65 e 86; Haas, E. The Collective Management of International Conflicts,1945-1984. In. UNITAR. The United Nations and the Maintenance of International Peace andSecurity. Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1987.

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    Em abstrato, as instituies estabelecidas pela Carta pareciam aderir segurana coletiva imperfeita postulada por Wolfers e Claude (vide

    Introduo), que anistiaria previamente os Cinco Grandes, mas dependeriada dinmica entre as superpotncias. A atmosfera do incio dos trabalhos das

    Naes Unidas, em janeiro de 1946, era otimista em relao ao potencial danova Organizao; mesmo ao longo do ano que se seguiu, a maioria dosdiplomatas no se desencorajou pelo contraste entre a realidade da poltica ea letra da Carta45. Do Conselho de Segurana, esperava-se que usasse, demodo criterioso e assertivo, os poderes de que dispunha para promover a

    paz e, se preciso, obrigar as partes nos conflitos a cumprir suas decises.Poucos dias depois da abertura dos trabalhos, quando s duas resolues

    haviam sido adotadas, em 16/2, sobreveio o primeiro veto sovitico. O vetosurpreendeu porque lidava com um tema (A Questo Srio-Libanesa) queno parecia de interesse direto para a URSS e porque a objeo soviticaera menos de substncia e mais de forma. Nas palavras de Lie:

    Why was this first veto cast? Not because Mr. Vyshinsky opposedthe substance of the resolution, but because its language was not

    strong enough to please him. This first, almost lighthearted use of theveto that I hope would rarely be exercised by any of the great powersdisturbed me as much as the violence of the debate on the Greekquestion46.

    Esse primeiro gesto da URSS foi visto como um capricho e no comopoltica sistemtica que poderia romper a unidade das grandes potncias ebloquear o CSNU. As evidncias favoreciam essa interpretao: quando houveo segundo veto, em 18/6/1946, quatro outras resolues haviam sido adotadas.Mesmo quando, em 26/6/1946, a URSS vetou trs propostasconsecutivamente, a Resoluo 7 (1946) foi afinal adotada, sobre a questoespanhola. No ano de 1946, adotaram-se 15 resolues sobre 8 diferentes

    temas; os 12 vetos concentraram-se quase todos em dois temas: ingressosde novos Estados (3) e a questo espanhola (7). Como nota Paul Kennedy,o exerccio do veto naquele momento deu aos soviticos alguma tranquilidade

    o sistema da Carta realmente impedia que decises contrrias a seus

    45 Entrevista com diplomata brasileiro.46 Lie, T.In the Cause of Peace. Nova York: MacMillan, 1954, pg. 34.

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    interesses diretos fossem tomadas pelo CSNU47. Mas tambm concedeuaos EUA e a seus aliados uma poderosa arma de propaganda. Comeou-se,

    porm, a criar uma cultura de desconfiana na qual era difcil tomar qualquerdeciso positiva. Rompia-se a convivncia relativamente harmnica entre osmembros permanentes.

    Naquele ano e nos dez primeiros de seu funcionamento, o Conselho deSegurana tomou muitas decises (111 resolues at 31/12/1956) sobreassuntos controversos e de relevncia para a paz e segurana internacionais48.Basta alinhar alguns: Palestina, Ir, Espanha, Grcia, Indonsia, ndia-Paquisto e Coreia. Os vetos soviticos, 80 nesse perodo, no eram umobstculo intransponvel, visto que os Estados encontraram meios de contorn-

    los por mtodos de procedimento ou pela superao dos fatos no terreno. Oprprio CSNU tendeu a reduzir o significado da falta de unanimidade previstana Carta ao decidir que a absteno de um membro permanente no implicariaum veto49. Os EUA tambm tinham sua quota de responsabilidade ao utilizarsua maioria automtica para demonstrar a mesma intransigncia que a URSS.Mas as decises do Conselho e sua implementao tenderam a ficar com aexceo da relativa Coreia na esfera da soluo pacfica de controvrsias,no envio de misses de investigao e bons ofcios, na observao militar,como nos casos da Palestina (UNTSO) e de ndia-Paquisto (UNMOGIP).Esse modo de proceder, fruto da Guerra Fria, criou grande frustrao arespeito da Organizao, que muitos, a cada crise, consideravam moribunda50.Mesmo nos casos em que o interesse convergente dos membros permanentes

    permitiu uma deciso, no foi possvel acordar uma implementao condizentecom a ideia de segurana coletiva. Com a falta da concertao polticanecessria para materializar aes militares da Organizao, o Comit de

    47 Kennedy, P. The Parliament of Man. Nova York: Random House, 2006, pg. 57.48 Embora esse total seja reduzido em relao ao atual ritmo do CSNU cerca de 80 resoluespor ano na poca no havia a expectativa de um nmero to significativo de decises. Evidncia

    disso que, nas sesses pblicas, esperava-se que estivessem presentes chanceleres e chefes deEstado e Governo (o que no se confirmou).49 Delon, F. Le rle jou par les membres permanents dans laction du Conseil de scurit. In.Dupuy, R-J.Le Dveloppement du Rle du Conseil de Scurit.Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1993, 351.50 Goodrich, L. The UN Security Council. In. International Organization, vol. 12, no. 3,1958, pp. 281-282: Clearly the Security Council has failed to discharge its Charterresponsibilities in the manner and with the degree of effectiveness which the authors of theCharter envisaged. Furthermore, there can be little doubt that the Council has declined greatlyin prestige and has seemed to most Members of the UN less useful than in the beginning.

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    Estado Maior e os acordos previstos no artigo 43 gradativamente perderamo sentido e colocaram em desuso os artigos 42 a 47 da Carta.

    Privadas de poder e influncia, as Naes Unidas comearam adesenvolver, porm, caractersticas que seriam magnificadas nos anosseguintes, sobretudo aps 1950. Procuravam deter-se em conflitos menoscontroversos para as grandes potncias e encontrar linhas de menorresistncia, como explica Marcos Azambuja. O CSNU, sobretudo, assumiuuma funo de cmara de descompresso em alguns casos em que aesno eram praticveis. Mas muito relevante que as grandes potncias notenham proposto deixar o rgo ou elimin-lo, com exceo do boicotesovitico de 1950, cujo fracasso demonstrou sua futilidade51.

    Os debates e os vetos relativos adeso de novos membros evidenciavamque estava em disputa a prpria natureza da Organizao. Em 1945, forapresumida sua vocao universal, condizente com a ideia de segurana coletiva,mas no foram estabelecidos acordos polticos que pudessem lidar com osnovos membros e com o desequilbrio que causariam. Como resultado, aentrada de nmero significativo de pases ficaria bloqueada at 1955. Duranteesses dez primeiros anos, os EUA cogitaram de transformar as Naes Unidasem sua aliana de defesa, o que implicaria antagonizar crescentemente a URSSe, talvez, expuls-la e a seus aliados. Os soviticos e muitos Estados pequenose mdios ocidentais viam mais valor, entretanto, numa Organizao universal.

    Nesse contexto, a Resoluo 377 (V) Uniting for Peace foi um marcona histria das Naes Unidas.

    O cenrio da adoo dessa Resoluo foi criado pelos soviticos. AURSS iniciou, em 13/1/1950, um boicote ao Conselho por no concordarcom a ocupao do assento da China pelos representantes do Kuomitang.

    Na ausncia do delegado sovitico e tendo eclodido o conflito na PennsulaCoreana, o CSNU pde adotar as Resolues 82 (1950), 83 (1950), 84(1950), 85 (1950) sobre a guerra. A segunda delas autorizava os Estados afornecerem o auxlio militar necessrio para que a Repblica do Coreia repelisse

    o ataque de que era vtima. Com o retorno da URSS, em 1o/8, porm, oCSNU no pde mais adotar medidas semelhantes.

    Os desenvolvimentos iniciais haviam conduzido ao menos no blocoocidental a uma renovao das esperanas de que as Naes Unidas

    51 Azambuja, M. As Naes Unidas e o conceito de segurana coletiva. In.Estudos Avanados,vol. 25, 1995, pp. 140-142.

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    poderiam finalmente desempenhar as funes para que haviam sido criadas.No era um caso de segurana coletiva no sentido previsto pela Carta, dado

    o processo decisrio descentralizado de contribuio de tropas (comandadaspor um Estado e no pela Organizao), mas essa ideia foi propagada pelosEUA. Nesse contexto, foi includo item na agenda da AGNU intitulado UnitedAction for Peace, a pedido da delegao estadunidense52. Sob esse ttuloforam considerados projetos de resoluo que lidavam com a transfernciade competncias do Conselho para a Assembleia. O texto adotado, em3/11/1950, continha disposio segundo a qual, em caso de bloqueio doCSNU por falta de unanimidade dos membros permanentes, a AGNU

    poderia ser chamada, por meio de uma votao de procedimento no

    Conselho, a fazer recomendaes. As demais lidavam com uma Comissode Observao da Paz, disponibilizao de tropas para as Naes Unidas eum Comit de Medidas Coletivas.

    No processo de debate da resoluo ficou claro que o texto, emboramotivado pelo conflito coreano, tinha impacto muito mais relevante. A URSSe seus aliados apressaram-se em afirmar que se tratava de tentativa decontornar o veto, por meio de manobra contrria Carta. notvel que

    pases pequenos e mdios tenham no s co-patrocinado o texto, mas tambmse apresentado como seus principais defensores. Argumentaram que ascompetncias de paz e segurana eram atribudas AGNU pela Carta e queesse rgo deveria utiliz-las, uma vez que o Conselho de Segurana estava

    bloqueado desde o incio de seu funcionamento. Como ocorria na Coreia, asNaes Unidas deveriam ser capazes de continuar a promover a seguranacoletiva.

    A primeira inteno dos EUA foi, sem dvida, usar a Assembleia Geralcomo rgo de segurana coletiva, na ausncia de margem de manobra noCSNU. Pode-se dizer que tentaram associar a segurana coletiva e a defesacoletiva por meio das Naes Unidas; na prtica, dar o primeiro passo natransformao da Organizao numa aliana de defesa contra os soviticos.

    Essa transferncia de prestgio e competncia, pelos EUA, do Conselho paraa AGNU, era prtica comum naquele momento de domnio parlamentarestadunidense. As virtudes da Assembleia continuariam a ser propaladasenquanto perdurasse essa situao, at final da dcada de 1950.

    52 A Resoluo 377 (V), que ficaria conhecida como Uniting for Peace, foi inicialmenteapelidada de Acheson Plan, em referncia ao Secretrio de Estado Dean Acheson.

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    Cedo, porm, os EUA descobriram que a AGNU no era o rgo idealde gesto da segurana coletiva, em grande parte porque Washington teria

    que lidar com uma pluralidade de pequenas e mdias potncias as quaisrelutavam em atuar como fantoches e tinham interesse em fortalecer aAssembleia. Brasil, Argentina, Canad, ndia, Chile e Iugoslvia so apenasalguns dos Estados que se destacaram nos debates e que favoreciam, desde1946, a tendncia de , transferi competncias e poderes para o rgo plenrio.O bloqueio criado no CSNU teve como consequncia a maior vitalidade daAssembleia e do Secretariado, e at mesmo o nmero de reunies do Conselhodiminuiu53.

    Goodrich e Morgenthau questionam a validade legal da Resoluo 377

    (V), baseada em interpretaes liberais e criativas da Carta. Claude eAzambuja falam de encroachmente usurpao de poderes. No negam,entretanto, o interesse da grande maioria dos Estados membros em apoiar amedida. Nicholas afirma que o texto se baseava no fato de que (...) though thefailure to equip the sheriff in advance robs him of his right to compel his possesservice, it does not rob him of his inherent right to draw citzens attention to theirduty and urge them to assist54. Hans Kelsen conclui que a Carta permite vriasinterpretaes sobre a Uniting for Peace, algumas contraditrias. Haveriano uma violao da letra da Carta, mas de seu esprito. Em qualquer caso, aAssembleia era o nico rgo legitimado para decidir sobre o tema55.

    Apesar do entusiasmo inicial, vrios dispositivos da Resoluo 377 (V)no produziram quaisquer resultados alm de relatrios, como no caso daComisso de Observao da Paz e do Comit de Medidas Coletivas. Noque concerne convocao de sesses de emergncia e da transferncia deatribuies de paz e segurana, ficariam em relativo desuso at as crises de1956 no Egito e na Hungria.

    53 Armstrong, D.; Lloyd, L.; e Redmond, J. From Versailles to Maastricht. Nova York: St.Martins Press, 1996, pg. 73. Stoessinger, J. The United Nations and he Superpowers. Nova

    York: Random House, 1966, pp. 17-18.54 Nicholas, H. G. The United Nations as a political institution. Londres: Oxford UniversityPress, 1962, pg. 72. Goodrich, L. The UN Security Council. In.International Organization,vol. 12, no. 3, 1958, pg. 280; Morghentau, H.Politics among Nations. Nova York: Alfred A.Knopf, 1973 (5a edio), pg. 462;Azambuja, M. As Naes Unidas e o conceito de segurana coletiva. In.Estudos Avanados,vol. 25, 1995, pg. 142; e Claude Jr., I. Swords into Plowshares. The problems and progress ofinternational organization. Nova York: Random House, 1964, pg 161.55Kelsen, H. Is the Acheson Plan Constitutional?. In. The Western Political Quarterly, vol. 3,no. 4, 1950, pp. 512-527.

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    I. 3. A Criao da UNEF e a Inovao Representada pelas Missesde Paz

    O estabelecimento da Fora de Emergncia das Naes Unidas(UNEF56), em 1956, foi sem dvida um produto das circunstncias da Crisede Suez. Mas o mecanismo institucional criado decorreu da confluncia defatores estruturais presentes na Organizao e no cenrio internacional e alouas operaes de manuteno da paz funo de mais relevante instrumento disposio das Naes Unidas na tentativa de atuar concretamente namanteno da paz e da segurana internacionais. Trs processos convergiamnaquele momento, mas eventualmente viriam a divergir:

    A) Ao longo dos primeiros anos de existncia das Naes Unidas(que coincidiram com a fase mais confrontacionista da Guerra Fria), os EUAcultivaram a ideia de transformar a Organizao em uma manifestao desuas alianas defensivas. Para contornar o veto no CSNU, patrocinaram aresoluo Uniting for Peace, contando com a formao de uma maioriaautomtica na AGNU. Quando sobreveio a crise de Suez, apoiaram atransferncia do tema para a Assembleia e foram vocais na condenao daaventura de Israel, Frana e Reino Unido. Embora nesse caso especfico nodiscordassem substantivamente de Moscou, contavam obter da AGNU umacondenao dos atos de agresso e diretrizes de cessar-fogo que mantivessemos soviticos longe de Suez, do Egito e do Oriente Mdio. Arriscaram suarelao prxima com Paris e Londres na esperana de cortejar os novosEstados presentes na Organizao. Nesse contexto, os EUA atuaram muitomais para obter endosso para sua oposio invaso do que para criar umafora internacional que monitorasse a cessao de hostilidades57.

    B) Os Estados pequenos e mdios tinham participao ativa nas NaesUnidas desde So Francisco, mas no formavam um bloco coeso, semdesenvolver aes coordenadas. As potncias mdias europeias e os pases

    latino-americanos haviam dado o tom dessa participao aliada dos EUA,

    56 A Fora de Emergncia foi inicialmente denominada de UNEF. Somente em 1973, aps acriao de uma segunda fora de mesmo nome (UNEF II), a original foi renomeadaretrospectivamente UNEF I.57 Stoessinger, J. The United Nations and the Superpowers. Nova York: Random House, 1966,pp. 66-74; sobre a Resoluo 997 (ES-I), ver Naes Unidas. Yearbook of the United Nations1956. Nova York: Department of Public Information, 1957, pp. 28-29.

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    mas com interesses e estratgias prprios, como, na rea de paz e segurana,o de fortalecer a AGNU como foro poltico. A partir de 1955-56, comea a

    surgir o que seria o bloco afro-asitico (eventualmente o Movimento dosPases No Alinhados, MNA58), mas que no tinha ainda uma agenda definidae votava disperso. Recorde-se que, em 1955, o nmero de membros subiu de60 para 76 e que, em 1962, alcanaria 110. Percebe-se que se tratava, porm,de focalizar o combate ao colonialismo, o que fica claro nas resolues daAGNU de condenao s aes franco-britnicas. Como um conjunto, os

    pases pequenos e mdios (com exceo dos pertencentes ao bloco sovitico)apoiaram a criao da UNEF, concebida pelo Canad e pelo Secretariado, e, maneira dos liliputianos, procuraram usar a Fora para amarrar as grandes

    potncias. Consolidava-se para as potncias mdias tradicionais a oportunidadede participar ativamente da manuteno da paz; para os afro-asiticos, ganhavafora a possibilidade de construir uma cultura poltica internacional quefavorecesse suas aspiraes (com realce para o combate ao colonialismo)59.

    C) O cargo de Secretrio-Geral, que parecia menos importanteem 1946, vinha ganhando relevncia desde ento, por suas funes deinformar os rgos intergovernamentais, organizar as entidades e rgoscriados e mediar tratativas entre os Estados em alguns casos; o SGNUera apoiado tambm por uma burocracia crescente e relativamenteautnoma. Dag Hammarskjld demonstrava mais desembarao polticoque Trygve Lie, alm de desfrutar de mais prestgio naquele momento60.A crise de Suez e a solicitao de estabelecer uma fora internacionalcriaram para Hammarskjld a possibilidade de dar contedo poltico realao cargo. Abandonou a diplomacia silenciosa e pde aproveitar asdiferenas entre as grandes potncias para advogar uma soluo prpria,

    baseada em uma doutrina, na burocracia da Organizao e em alianascom os Estados. As mesmas condies que permitiram tal desenvoltura

    58Ferro, M. Suez. Bruxelas: ditions Complexe, 1995, pg. 105.59 Keohane compara os pequenos e mdios Estados ao liliputianos do livro de Jonathan Swift.No mbito das organizaes internacionais, ganham o arcabouo intitucional necessrio paracompensar, em parte, sua fraqueza material e assegurar igualdade, ainda que formal; aceitaocomo membros; e restrio s aes das grandes potncias. A organizao permite a formao deuma cultura poltica e um conjunto de normas e procedimentos que os tornam menos vulnerveis.Keohane, R. Lilliputians Dilemmas: Small States in International Politics. In.InternationalOrganization, vol. 23, no. 2, 1969, pp. 291-297.60 Scott, A. e Thant, Myint-U. The UN Secretariat. A Brief History. Nova York: InternationalPeace Academy, 2007, pp. 24-37.

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    em 1956 levariam a uma disjuntiva nos anos seguintes entre aspossibilidades de falar autonomamente pela Organizao e manter o favor

    dos poderosos61.

    A crise de Suez propriamente dita comeou com a nacionalizao da companhiaadministradora do Canal, em 26/7/1956, pelo Governo de Nasser. Apesar darealizao de vrias conferncias internacionais para tentar conciliar o Egito, a Frana,o Reino Unido e os demais usurios do Canal, no se pde divisar soluo para otema. Em 13/10, o CSNU adotou a Resoluo 118 (1956), que delineava um

    plano para as negociaes, mas que no foi obedecida. Em 29/10, tropas israelensesinvadiram o Egito e marcharam em direo ao Canal de Suez. Em conluio com

    Israel, Frana e Reino Unido desembarcam suas prprias tropas a partir de 6/11,alegadamente para impedir a continuao das hostilidades. Frente condenaointernacional, inclusive das Naes Unidas, dos EUA e da URSS, e criao daUNEF pela Assembleia Geral, um cessar-fogo foi acertado em 7/1162.

    O Conselho de Segurana reuniu-se nos dias 30 e 31/10, a pedido dos EUA,que propunham condenao das aes israelenses, no que foi apoiado pela URSSe pela maioria dos membros do rgo. Os dois projetos de resoluo propostossucessivamente por EUA e URSS foram vetados por Frana e Reino Unido (comabstenes de Austrlia e Blgica). Nesse contexto, decidiu-se, por meio domecanismo da resoluo Uniting for Peace, transferir a considerao do tema

    para a Assembleia Geral. Os debates no CSNU deixaram claras as posies quanto dinmica do tratamento do tema pelas Naes Unidas: a) as duas superpotnciasforam vocais na questo substantiva, mas no exerceram papel protagnico nadeciso de enviar a matria AGNU; b) Reino Unido e Frana isolaram-se erecorreram a chicanas de procedimento, para tentar conter a situao; c) coube aalguns membros eletivos (sobretudo Iugoslvia, Ir e Peru) tomar a iniciativa deadvogar o uso da Resoluo 377 (V)63.

    61 Hammarskjld revelou tanto seu interesse em obter autonomia quanto sua conscincia dosriscos inerentes a essa estratgia em sua histrica alocuo ao CSNU, em 31/10/1956. SecurityCouncil Official Records eleventh year. 751st Meeting: 31 October 1956(S/PV.751). NovaYork: Naes Unidas, 1956, pp. 1-2.62 Neste trabalho, somente se procurou dar noo muito geral dos acontecimentos. Pormenorese anlise podem ser encontrados em Ferro, M. Suez. Bruxelas: ditions Complexe, 1995.63Security Council Official Records eleventh year. 750th Meeting: 30 October 1956(S/PV.750).Nova York: Naes Unidas, 1956, pp. 1-14; Security Council Official Records eleventh year.751st Meeting: 31 October 1956 (S/PV.751). Nova York: Naes Unidas, 1956, pp. 1-22; eNaes Unidas.Yearbook of the United Nations 1956. Nova York: Department of PublicInformation, 1957, pp. 25-28.

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    Na Assembleia Geral, em sesso de emergncia, antes do cessar-fogo, foramadotadas as Resolues 997 (ES-I), 998 (ES-I), 999 (ES-I), 1000 (ES-I), 1001

    (ES-I) e 1002 (ES-I). As Resolues 997 (ES-I), 999 (ES-I) e 1002 (ES-I) trataramda questo poltica ampla, inclusive a necessidade de retirada de todas as partesda rea de conflito (depois especificada para referir-se s tropas israelenses, francesase britnicas). As demais derivaram da iniciativa canadense (concertada previamentecom o Secretrio-Geral) de sugerir a criao de uma fora internacional deemergncia que seria estruturada a partir de sugestes e esclarecimentos contidosem sucessivos relatrios do SGNU. Os EUA, que chegaram a tabular dois projetossobre o tratamento a longo prazo da questo de Suez, retiraram seus textos eapoiaram a iniciativa canadense. Tambm possvel traar quadro das posies em

    relao ao encaminhamento da matria: a) EUA recuaram de sua iniciativa original,mas foram protagnicos nos aspectos substantivos e apoiaram a UNEF; b) URSSe seus aliados mantiveram as crticas veementes s aes franco-britnicas, masabstiveram-se no que concerne UNEF por acreditar que qualquer ao executivacaberia ao CSNU; c) os pases do Terceiro Mundo concentraram-se nas crticasa Israel, Reino Unido e Frana, mas cedo reconheceram o valor da propostacanadense; d) Reino Unido e Frana contaram sobretudo com apoio de membrosdoCommonwealthe de baluartes do colonialismo, como Portugal e Blgica64.

    Nas semanas seguintes, o Secretariado, com grande dose de improvisao,conseguiu organizar o embrio de uma Fora para supervisionar o cessar-fogo

    e obteve acordo do Egito para que fosse estacionada em seu territrio. Selecionoutambm os Estados membros que contribuiriam com tropas sem incluirmembros permanentes do CSNU e com a inteno de obter equilbrio: Brasil,Canad, Colmbia, Dinamarca, Finlndia, ndia, Indonsia, Iugoslvia, Noruegae Sucia. Foi tambm constitudo o Comit Consultivo criado de acordo coma Resoluo 1001 (ES-I) Brasil, Canad, Ceilo, Colmbia, ndia, Noruegae Paquisto para assessorar o SGNU.

    A UNEF resultou de um conjunto de fatores distintos. Foi, antes de tudo, umaopo (entre as vrias disponveis, inclusive nos relatrios de Hammarskjld65), que

    serviu convenincia dos atores. Como fenmeno de poltica internacional, a Forademonstrou possuir certas caractersticas que a transformaram em possvel modelo

    64General Assembly Official Records First Emergency Special Session. 563rdPlenary Meeting:3 November 1956(A/PV.563). Nova York: Naes Unidas, 1956, pp. 45-78; General AssemblyOfficial Records First Emergency Special Session. 565rdPlenary Meeting: 4 November 1956(A/PV.565). Nova York: Naes Unidas, 1956, pp. 159-194.65 Naes Unidas. Yearbook of the United Nations 1956. Nova York: Department of PublicInformation, 1957, pp. 24-34.

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    ASNAESUNIDAS, ASEGURANACOLETIVAEASOPERAESDEMANUTENODAPAZ

    para futuras crises. Sugeriu que algum tipo de ao coletiva organizada pelas NaesUnidas era realmente possvel, ainda que de modo matizado em relao ao ideal da

    Carta. A ideia de fora internacional permitiu que a Guerra Fria fosse mantidarazoavelmente distante do Oriente Mdio, o que agradava maioria dos Estados e,naquele momento, tambm aos EUA. A necessidade de consentimento das partes,salientada desde o incio por Hammarskjld, resguardou os interesses dos pequenos

    pases, temerosos de intervenes, e garantiu uma desculpa para salvar a honra dosinvasores. Ao depender de tropas de Estados que no eram membros permanentesdo CSNU e ao criar Comit Consultivo dos contribuintes de tropas, a deciso valorizou

    pequenos e mdios pases na rea de manuteno da paz e segurana e estabeleceuuma inverso dos preceitos da Carta, que tornava a possibilidade de usar esse novomecanismo dependente da excluso das grandes potncias66.

    A mesma conjuno de fatores que tornou a UNEF atrativa como modelotambm expunha suas fragilidades. Em primeiro lugar, decorria justamente do fracassode tentativas anteriores de operacionalizar mecanismos de segurana coletiva e nohavia garantia de que a mesma conjuno de fatores se repetiria. A atuao docanadense Lester Pearson e de Hammarskjld fora puramente pragmtica e poderiano ser articulvel novamente no futuro. Ademais, a disjuno entre processo

    poltico de paz e manuteno do cessar-fogo servia ao caso do Oriente Mdio,mas poderia no ser til em outras reas. Acrescente-se que o fortalecimento doSecretariado no agradava a todos os Estados a longo prazo e seria objeto de

    duras crticas poucos anos depois67. Em textos publicados em 1957 e 1958, Pearsone Hammarskjld tentaram fazer um balano da experincia da UNEF e de seusignificado. Propuseram, com perspectivas diferentes, que parte significativa dosacontecimentos no voltaria a acontecer, mas que os princpios de estruturao daFora (excluso das grandes potncias, consentimento das partes, disjuno entremonitoramento e negociao poltica e ausncia de funes executivas ou queimplicassem uso da fora) poderiam ser utilizados no futuro68. No incio da dcadade 1960, no Congo, a nova ideia de misses de paz e a coeso das Naes Unidasseriam, porm, postas prova.

    66 Goodrich, L. e Rosner, G. The United Nations Emergency Force. In. InternationalOrganization, vol. 11, no. 3, 1957, pp. 417-419.67 Morrison, A. Pearsonian Peacekeeping: Does It Have a Future or Only a Past?. In. The

    Journal of Conflict Studies, vol. XXIII, no. 1, 2003, pp. 8-9; Hoffmann, S. Sisyphus and theAvalanche: the United Nations, Egypt and Hungary. In.International Organization, vol. 11,no. 3, 1957, pp. 447-456.68 Pearson, L. Force for U.N.. In.Foreign Affairs, vol. 35, no. 3, 1957, pp. 395-404 e United

    Nations Emergency Force. Summary Study of the Experience derived from the Establishmentand Operation of the Force (A/3943).Nova York: Naes Unidas, 1958.

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    I. 4. As Crises da Dcada de 1960 e as Misses de Paz at o fimda Guerra Fria

    Aps o xito da UNEF, as Naes Unidas enfrentaram, a partir de julhode 1960, a crise do Congo, que resultou na criao da Operao das NaesUnidas no Congo (ONUC) e levou a Organizao e o conceito de missesde paz a serem testados.

    Com a independncia do Congo, a continuada presena de tropas belgas nopas e as ameaas existentes prpria integridade territorial do novo Estado, oConselho de Segurana estabeleceu, pelas Resolues 143 (1960) e 145 (1960),a ONUC, com base na experincia da UNEF. Foi criada com o propsito de

    auxiliar na retirada das tropas belgas do pas, mas desde o incio houve controvrsiano CSNU sobre quais seriam os limites de sua atuao, visto que o Congo tinhapouca capacidade de exercer as competncias estatais na rea de segurana.Tambm havia controvrsia porque a URSS pretendia condenar como colonialistaa presena belga. As discordncias no prprio seio do Governo congols levarama questionamentos, que se refletiram em intervenes no CSNU, que acusavam oSecretrio-Geral de interpretar erradamente as Resolues e de usar a ONUC

    para interferir em assuntos internos congoleses.O rompimento entre o Presidente Joseph Kasavubu e o Primeiro-Ministro