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1 CRITICA TEXTUAL DO NOVO TESTAMENTO ESTUDOS AVANÇADOS

CRITICA TEXTUAL DO NOVO TESTAMENTO ESTUDOS AVANÇADOS · 2 A História Manuscrita do Novo Testamento Nataniel dos Santos Gomes (UNESA) Dedicado ao professor e amigo José Pereira,

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CRITICA TEXTUAL

DO NOVO

TESTAMENTO

ESTUDOS

AVANÇADOS

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A História Manuscrita do Novo Testamento

Nataniel dos Santos Gomes (UNESA)

Dedicado ao professor e amigo José Pereira, que me contagiou com a paixão pelos estudos

filológicos.

Introdução

Num período de quase 1500 anos o Novo Testamento foi copiado à mão em papiro e pergaminho.

Temos notícia de uns 5500 manuscritos espalhados em museus e bibliotecas pelo mundo afora. Os

documentos vão desde fragmentos de papiro até Bíblias inteiras em grego, produzidas a partir da

invenção da imprensa.

É notório que nem todos os manuscritos concordam. Essas pequenas variações requerem uma

avaliação cuidadosa para determinar o que ao autor realmente escreveu. Não existe mais nenhum

manuscrito original, vamos depender tão somente de cópias dos textos-fontes de autores

apostólicos. Por isso precisamos da crítica textual.

Acreditamos que a Bíblia é plena e verbalmente inspirada no seu original. A nossa intenção é

procurar dar maior segurança possível ao leitor quanto à fidedignidade da fonte grega de todas

versões que temos hoje.

Os problemas

O apóstolo Paulo diz em sua carta aos gálatas: “Vede com que letras grande vos escrevi de meu

próprio punho” (6.11). Agora, imaginemos como seria impressionante poder ver a epístola no

original ou ver como apóstolo assinava seus textos. Mas, infelizmente, todos os originais já

desaparecem e o confronto da cópia de um manuscrito com o original ou com outra cópia, para

verificar a correspondência entre os respectivos textos e assim analisar a maior ou menor

autoridade para escolha do texto exato é impossível.

É importante percebermos que uma das razões para o fim prematuro dos autógrafos do Novo

Testamento foi a pouca durabilidade do papiro, que não durava muito mais que o papel atual. É

bem possível que os cristãos primitivos tenham lido e relido os originais até que eles se desfizeram

por completo. Mas antes que os textos desaparecessem, eles foram copiados. E aí estamos com um

outro problema: os erros introduzidos nos textos mediante as cópias feitas manualmente.

Até a invenção da imprensa, muitos erros foram cometidos, resultado natural da fragilidade dos

copistas. E obviamente, à medida, que aumentavam as cópias, mais cresciam as divergências entre

elas. Afinal cada copista acrescentava os próprios erros àqueles já cometidos pelo anterior. O

objetivo da Crítica Textual tem sido de avaliar as fontes e reconstruir o texto com a maior

probabilidade de ser o original.

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Dificuldades de trabalho

O primeiro desafio da Edição Crítica do Novo Testamento está na distância entre as cópias mais

completas e os originais. O texto sagrado estava completo por volta do ano 100, sendo que a

grande maioria dos livros que o compõem já exista há pelo menos 20 anos antes dessa data, alguns

até 50 anos antes, e de todas as cópias manuscritas que chegaram até nós, as melhores e mais

importantes são do século IV. Ou seja, a distância entre os autógrafos chega perto de três séculos.

Isso faz com que o Novo Testamento seja a obra mais bem documentada da Antigüidade.

Só para ilustrar a afirmação acima podemos dizer que os Clássicos (gregos e latinos), que poucas

pessoas questionam a autenticidade, possuem um espaço muito maior entre os autógrafos e as

cópias. Por exemplo, a cópia mais antiga que se conhece de Platão foi escrita 1300 anos depois de

sua morte. Um único dos clássicos que se aproxima do Novo Testamento é Virgílio, falecido no

ano 8 a.C., que encontramos um manuscrito completo de suas obras no século IV d.C.

Nesse aspecto, a situação do Novo Testamento é bem diferente. Temos manuscritos do século IV,

em pergaminho, e um número considerável de fragmentos em papiro de praticamente todos os

livros que compõem o Novo Testamento, que nos levam até o século III, e alguns até o século II.

Há um segundo obstáculo: o grande número de documentos disponíveis. Conforme foi dito no

início do trabalho, existem cerca de 5500 manuscritos gregos (língua que o Novo Testamento foi

escrito) completos ou fragmentos, fora aproximadamente 1300 manuscritos das versões e milhares

de citações dos Pais da Igreja. Ou seja, o problema não está na falta de evidências textuais, mas no

excesso. Assim, temos mais um problema que resulta em vantagem, afinal temos uma

multiplicação de manuscritos que oferecem ensejo para os mais variados erros e muito mais

elementos de comparação. Isso faz com que o texto tenha muito mais apoio crítico do que

qualquer outro livro da antiguidade.

O terceiro desafio é o número assustador de variantes existentes. Num processo natural de

multiplicação de manuscritos por um período de mais ou menos 1400 anos, foram surgindo

inúmeras variações textuais. Notemos que as variações são de pouca importância doutrinária. Por

exemplo, são variações na ordem de palavras, no uso de diferentes preposições e outras, o que na

prática não tem como ser representado na língua portuguesa.

A preparação do texto

Conforme dissemos acima, até o século XV, os textos eram transmitidos a partir de cópias

manuais, usando material muito rústico.

Papiro

O papiro foi utilizado nas primeiras cópias do Novo Testamento, já que era o principal material de

escrita da Antigüidade.

O papiro era um tipo de junco, com caule triangular, com a grossura de um braço, com altura que

variava entre 2 e 4 metros, que crescia nas margens do Lago Huleh, na Fenícia, no vale do Jordão e

junto Nilo (onde foram encontrados os mais antigos fragmentos de papiro conhecidos, que

constam de 2850 a.C.). A folha era feita com a medula do caule cortada em tiras estreitas e postas

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em duas camadas transversais sobre uma superfície plana. Depois eram batidas com um objeto de

madeira, e se colocavam por causa da substância liberada da medula. Em seguida era seca ao sol e

alisada, e estava pronta para a escrita.

O tamanho médio de uma folha era de 18 x 25cm, que podia variar de acordo com a finalidade.

Várias podiam ser coladas pela borda para formar um rolo, que geralmente não tinha mais do que

10 metros de comprimento. O texto normalmente aparecia em colunas de 7 cm de altura, com

intervalo de 1,5 cm ou 2 cm, com um pequeno espaço para correções e anotações. As margens

superiores e inferiores eram maiores. A margem do começo do rolo era ainda maior. Nos rolos

utilizados com maior freqüência, usa-se um bastão roliço, cujas pontas sobressaiam acima e

abaixo.

Como regra só se escrevia sobre um lado, exceto em caso de escassez que se utilizava o verso. A

tinta era feita com fuligem, goma e água, e a escrita era feita com uma cana de 15 a 40 cm de

comprimento, de uma planta vinda também do Egito.

O papiro foi utilizado como material para escrita até a conquista do Egito pelos árabes, em 641,

quando ficou impossível importar o material. Sendo utilizado principalmente na literatura secular

a partir do século IV.

A primeira descoberta moderna de papiros ocorreu em 1778 numa província do Egito, chamada

Fauim, dessa data em diante, milhares têm sido descobertos, principalmente no Egito, graças ao

clima seco que favorece em muito a sua preservação.

O pergaminho

Outro material utilizado era o pergaminho, que era mais durável que o papiro. Ele era feito em

peles de carneiro ou ovelha submetido a um banho de cal e em seguida raspada e polida com

pedra-pomes. Depois eram lavada, novamente raspadas e colocadas para secar em molduras de

madeira a fim de evitar pregas ou rugas. No final do processo recebiam uma ou mais demãos de

alvaidade. A etimologia vem da cidade de Pérgamo, onde processo foi desenvolvido por volta do

século II a.C.

É interessante perceber que o seu uso já era conhecido desde o século XVIII a.C., só que bem

menos utilizado do que o papiro. O pergaminho só conseguiu superar o papiro somente no século

IV d.C, por causa do seu custo elevado, até o final da Idade Média, quando foi substituído pelo

papel, que foi inventado na China começo do século I, e no século XII, foi introduzido na Europa

por comerciantes árabes.

Os pergaminhos eram escritos com penas de bronze ou cobre. Os remígios de ganso acabaram

substituindo as peças metálicas. A tinta era feita a partir de substâncias vegetais ou minerais. A

cor mais comum era preta ou a vermelha, todavia eram produzidas tintas douradas e prateadas.

As linhas eram marcadas por um estilete, podendo ser horizontais ou verticais.

Há um tipo de pergaminho conhecido como palimpsesto, que era aquele cuja obra havia sido

raspada para receber um texto novo, já que o material era caríssimo. Tal prática foi condenada

para o uso de pergaminhos bíblicos para outros propósitos no ano de 692, pelo Concílio de Trullo.

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Usam-se vários métodos para que se possa restaurar o texto original: reagentes químicos (que

acabavam estragando o pergaminho); fotografia de palimpsesto (iluminação do pergaminho com

raios ultravioleta afim de enxergar a escrita).

Códice

Adotou-se o preguear dos manuscritos nas suas bordas e juntar uma série, formando uma espécie

de caderno. Em obras maiores, faziam-se cadernos com um número menor de folhas, mas

dobradas, como nos livros modernos. Os cadernos variavam de oito, dez ou doze folhas, todavia

já foram encontrados até com cem. Surgem os chamados códices.

Os estudiosos têm afirmado que os códices surgiram primeiramente em Roma, no início do

Cristianismo. Os cristãos, por questões de praticidade, foram os responsáveis pela popularização

do tipo: permitindo que os textos bíblicos estivessem num único livro, a maior rapidez na

localização de passagens, mais baratos (escritos dos dois lados da folha).

Em segundo lugar, os gentios convertidos ao cristianismo, parece que optaram pelo códice para

diferenciar dos livros usados pelos judeus e pelos pagãos.

Escrita

A escrita mais comum nos manuscritos mais antigos do Novo Testamento, assim como de muitos

textos literários era a uncial ou maiúscula. No texto sagrado ela era caracterizada por ser mais

arredondada do que nos documentos literários, sem espaço entre palavras, sem pontuação e com

abreviações bem definidas.

A outra forma de escrita era com letras menores ligadas, chamadas de cursivas. Usada,

principalmente, com cartas familiares, recibos, testamentos etc. Normalmente os termos “cursivo”

e “minúsculo” são empregados sem distinção. Alguns atribuem o primeiro à escrita informal e de

documentos não-literários e o segundo para os literários desenvolvidos a partir da cursiva.

No século IX, ocorreu uma reforma na escrita, passou a usar letras pequenas, chamadas de

minúsculas na produção de livros. Mais fluidas e rápidas, demandavam menos tempo e reduziam

o preço dos manuscritos, apesar da difícil leitura.

A mudança foi gradual. Fixa-se o século XI, como o período no qual somente as minúsculas eram

utilizadas. Muitos manuscritos no período intermediário, foram produzidos numa forma de

combinação de uncial com minúscula.

Abreviações

O uso de abreviações já aparece nas cópias mais antigas do Novo Testamento, provavelmente com

objetivo de poupar espaço. Elas eram do tipo contração, suspensão, ligaturas ou símbolos. É

importante salientar que as contrações, diferentemente, das outras abreviações, são utilizadas

como forma de reverencia ao nome Deus, principalmente no texto hebraico. É notório que essa

prática é limitada ao texto bíblico e outras fontes cristãs, mas quando essas palavras estão sendo

utilizadas em outro sentido, elas não são contraídas.

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Formato

Os manuscritos eram variados em relação ao formato ou tamanho. Os menos eram de uso

privado, os maiores na liturgia. O menor conhecido é o do Apocalipse, do século IV, de apenas

uma página, que mede 7,7 x 9,3 cm e o maior é chamado Códice Gigante, do século XIII, com 49 x

89,5 cm.

O texto não seguia nenhuma forma muito rígida na página. Os papiros possuíam dezenas de

colunas, os códices eram limitados ao tamanho das páginas.

Orientações para o leitor

Mesmo nos manuscritos mais antigos, encontramos freqüentemente o uso de informações

auxiliares. Por exemplo:

Prólogos: exceto o Apocalipse, todos os textos do Novo Testamento trazem notas introdutórias,

tratando do autor do conteúdo e a origem do texto. Os prólogos foram preparados durante

períodos de controvérsias em a Igreja de Roma e Marcião, defensor cânon com o evangelho de

Lucas e dez epistolas de Paulo, no século II.

Capítulos. Eusébio preparou uma divisão em seções para fins sinópticos, mas na maioria dos

manuscritos encontramos outro tipo de divisão, ordenando os textos em relação ao conteúdo.

Cada seção é identificada como um capítulo, levando uma inscrição. A divisão em capítulos,

utilizada nas edições modernas, foi criada bem no início do século XIII, pelo arcebispo de

Cantuária, Estevão Langton. Já a divisão em versículos surgiu com o editor parisiense Roberto

Estáfano: o NT em 1551 e o AT em 1555.

Fontes documentais

As fontes documentais dividem-se em: (a) manuscritos gregos, (b) antigas versões e (c) citações

feitas por autores cristãos antigos.

(a) Manuscritos gregos

São aproximadamente 5500, classificados de acordo com o material e o estilo da escrita: papiros,

unciais e minúsculos,

Papiros

São conhecidos 96 papiros, escritos em uncial até o século IV. A maioria são fragmentos de

códices. São os manuscritos mais antigos conhecidos do Novo Testamento.

Unciais

São os manuscritos feitos em pergaminho quando o papiro caiu em desuso, no século IV, e

utilizados até o século XI, ou seja, durante sete séculos. A escrita manteve o mesmo padrão dos

papiros, somente um pouco maiores.

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Minúsculos

São manuscritos que carecem de valor crítico; são importantes apenas como testemunhas da

história medieval do texto do Novo Testamento. Foram documentos preparados em escrita

minúscula, entre os séculos IX e XVI, quando começam a surgir textos gregos impressos.

Lecionários

Os cristãos herdaram uma prática comum entre os judeus: ler textos bíblicos nas reuniões de culto

em unidades adequadas ao calendário anual ou à ordem eclesiástica. Nesta prática eles usavam os

chamados lecionários. Alguns apresentavam lições completas para cada dia da semana, outros só

para sábados, domingos ou dias santificados. Provavelmente os lecionários surgiram no fim do

século III ou início do século IV.

Óstracos

Na Antiguidade, ainda podemos encontrar um outro tipo de material, o óstraco: fragmentos de

jarro quebrado ou louça contendo frases curtas, escritas com objetos pontiagudos. Representam a

literatura de uma classe que não podia comprar o papiro ou que não considerava tal escrita

importante o suficiente para justificar tal compra.

Talismãs

São fontes preparadas como talismãs ou amuletos, em madeira, cerâmica, papiro ou pergaminho.

Contêm partes do Texto Sagrado. São conhecidos apenas nove talismãs do Novo Testamento.

(b) Antigas versões

Conforme afirmado acima, a segunda fonte mais importante para chegarmos à vontade última dos

autores do Novo Testamento são as antigas versões. Surgidas em decorrência do Cristianismo, que

se espalhava pelo mundo grego. As versões surgem para aqueles que não dominavam a língua

grega. Os manuscritos mais antigos não ultrapassem o início do século IV ou, quando muito, o

final do III, o texto que evidenciam representa um estágio de desenvolvimento provavelmente não

posterior ao final do século II. Daí o valor das versões para a crítica textual não estar propriamente

nelas mesmas, mas nas indicações que dão do texto grego de que foram traduzidas.

Siríaca

Provavelmente, as primeiras traduções do Novo Testamento foram feitas em siríaco, língua falada

na Mesopotâmia, na Síria e em partes da Palestina, com algumas diferenças dialetais, por volta do

ano 150. A tradução surgiu da necessidade de leitura de pessoas que tinham dificuldade com o

grego.

Latina

São conhecidas duas versões: a Antiga Latina, traduções feitas até o século IV, e a Vulgata Latina,

feita por Jerônimo no final do século IV e início do V. Presume-se que as traduções latinas

começaram no norte da África, em Cartago, que era um dos centros da cultura romana,

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provavelmente no final do século II. Outras traduções começaram a surgir em países europeus em

que o grego estava em declínio, sendo superado pelo latim. Portanto, a Antiga Latina está dividida

em duas famílias ou grupos de traduções: a africana, mais antiga e mais livre em relação ao

original, e a européia consistem em nova tradução. Alguns têm pensado numa terceira família, a

italiana, provavelmente surgida no século IV para amenizar as diferenças entre as outras duas

traduções. Todavia, a maioria dos críticos não aceita essa tríplice divisão, eles argumentam a

terceira família representa apenas uma forma da Vulgata.

Com tantas traduções é inevitável um maior número de divergências textuais. Agostinho já falava

nas dúvidas que as inúmeras traduções traziam. Jerônimo foi designado pelo Papa Damaso em

383 a rever toda a Bíblia Latina. No ano seguinte a revisão dos evangelhos ficou pronta, onde as

variações eram maiores. Jerônimo procurou eliminar as adições e harmonizações presentes nas

versões latinas e fez alterações em 3500 lugares. Em 405, toda a Bíblia ficou pronta e só muito

lentamente foi conquistando prioridade, até que nos séculos VIII e IX impôs-se de modo quase

universal, embora a Antiga Latina continuasse sendo copiada e usada até por volta do século XIII.

O título honorífico de “Vulgata”, (“comum” ou “de uso público”) dado pela primeira vez no final

da Idade Média. Ela acabou se oficializando como a Bíblia oficial Católica no Concílio de Trento,

em 1546.

Copta

O copta significa o último estágio da língua egípcia antiga. No início do Cristianismo ela consistia

em meia dúzia de dialetos e era escrita em unciais gregos com outras letras. O Cristianismo entra

com facilidade nessa região graças às colônias judaicas ali existentes, principalmente na

Alexandria. Portanto, foi ali, longe da influência do grego, que fez-se necessária a primeira

tradução copta do Novo Testamento, no início do século III.

Outras versões

Há um número grande de outras versões antigas, como a Gótica, a Armênia, a Etíope, a Geórgica,

a Nubiana, a Arábica e a Eslava, mas de menor importância para a crítica textual, por não haverem

sido traduzidas diretamente do texto grego. A Armênia, conhecida como “a rainha das versões”,

por sua beleza e exatidão, é que preserva o maior número deles: cerca de 1300.

(c) Citações patrísticas

As citações dos Pais da Igreja (antigos escritores cristãos) representam o terceiro grupo de fontes

documentais para o estudo crítico do Novo Testamento: citações encontradas nos comentários,

sermões, cartas e outros trabalhos dos chamados Pais da Igreja, especialmente os situados até os

séculos IV ou V. É importante perceber que são tantas as citações que poderíamos reconstituir

quase todo o Novo Testamento através delas, mesmo sem os manuscritos gregos e versões.

Somente com Orígenes isso quase já seria possível.

O problema das citações é que a maioria delas foi feita de memória, portanto, são inexatas.

Contudo são importantes por evidenciarem o texto antigo, do qual pouco testemunho de

manuscrito existe, quanto por demonstrar as primeiras tendências que influenciaram o

desenvolvimento histórico do texto neotestamentário. Em quase todos os casos podem ser datadas

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e localizadas geograficamente, permitindo também que se verifique a data e a procedência

geográfica dos manuscritos. As citações dos Pais da Igreja representam um auxílio valioso para a

reconstituição da história primitiva do texto do Novo Testamento e, por conseguinte, de sua mais

antiga forma textual acessível.

A história do texto escrito

Agora estamos no núcleo do problema do Novo Testamento: a tentativa de explicar o surgimento

das primeiras leituras divergentes e a influência que elas exerceram em todas a transmissão do

texto.

Cópias livres

Quando o Cristianismo estava sob intensa oposição judaica e romana, os livros do Novo

Testamento, nem sempre as cópias podiam ser preparados em nas melhores circunstâncias. À

exceção de Lucas, que era médico e provavelmente conseguiu recursos financeiros com o Teófilo,

para quem o Evangelho e o Livro dos Atos são dedicados, mostra um grande cuidado no preparo

do texto. É bem possível que Teófilo tenha financiado as primeiras cópias e tenha influenciado a

audiência seleta e mais numerosa do livro. Todavia parece que nenhum outro escritor apostólico

pôde dispor de tantos recursos em seus trabalhos literários. Paulo também era erudito, mas, além

de parecer sofrer de deficiência visual, algumas epístolas ainda tiveram de ser escritas enquanto

era prisioneiro, o que em certo sentido também aconteceu com João em relação ao Apocalipse. É

óbvio nessas circunstâncias tanto Paulo quanto João, além de Pedro, utilizavam-se de assistentes,

contudo é bem pouco provável que fosses redatores profissionais.

Provavelmente as primeiras cópias passaram pelo mesmo problema, já que as cartas apostólicas

eram enviadas a uma congregação ou a um individuo, ou os evangelhos escritos para satisfazerem

às necessidades de um público leitor em particular, os autógrafos estavam separados e espalhados

entre as várias comunidades cristãs e, ao ser copiados, não tiveram a oportunidade de receber um

tratamento profissional. Por causa da situação financeira e da necessidade de reproduzir os textos,

que tinham pouca durabilidade, além da rápida expansão do Cristianismo, as comunidades

utilizavam copistas amadores e pessoas bem-intencionadas. Paulo cita em sua epistola aos

colossenses (4:16) uma carta à igreja de Laodicéia, que não temos nenhuma cópia. O texto parece

indicar que havia troca de correspondências entre as várias igrejas ainda no período apostólico,

mediante a elaboração e o envio de cópias.

Assim, os originais começaram a ser reproduzidos dentro do chamado período apostólico, e as

primeiras variantes começaram, por causa da falta de um revisor.

É claro que uma outra fonte de variantes era o próprio descuido na exatidão literal. Os cristãos

não tinham a mesma preocupação que os judeus ao citarem o Antigo Testamento, estavam mais

interessados no sentido do que no texto propriamente dito. Por isso, os Pais da Igreja citam muitas

vezes o texto de maneira inexata, valendo-se de alusões e da memória. Que são, na realidade,

variantes intencionais, a maior parte das variantes do texto sagrado dos cristãos. São correções

com base na preferência pessoal, na tradição ou em algum relato paralelo.

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Não quer dizer que os cristãos não considerassem o Novo Testamento como “Escritura”. Vemos

que tanto o Novo como o Antigo Testamento são colocados no mesmo patamar de importância. O

apóstolo Pedro classifica alguns textos do apóstolo Paulo “Escritura”. Possivelmente a primeira

coleção de textos paulinos foi feita na Ásia Menor, no período apostólico. Na Epistola de Barnabé,

no Didaquê e na carta escrita à Igreja de Corinto por Clemente (todas obras as três obras pós-

apostólicas de regiões distintas, que eram antigos centros do cristianismo) encontramos citações

aos evangelhos sinóticos, além de Atos, e algumas epístolas. Paulo quando escreve a Timóteo, (5.

18) ao cita o evangelho de Lucas (10.7) e o livro de Deuteronômio (25.4), conferindo a mesma

autoridade escriturística a ambos.

O mais provável é que a maioria destas alterações tenha surgido como tentativa dos escribas em

melhorar o texto, fazendo correções ortográficas, gramaticais, estilísticas e até mesmo exegéticas.

Num período em que havia muitas heresias, certas palavras poderiam gerar más interpretações.

Assim os copistas para guardar a essência do texto faziam alterações de certas palavras ou

expressões, algumas vezes mudando até mesmo o sentido. Jerônimo chega a reclamar que as

mudanças que os copistas realizam, acabam gerando mais erros.

Textos locais

Com a expansão do Cristianismo várias cópias foram levadas a diversas regiões, cada uma com as

suas próprias variantes, e ao passarem pelo processo de cópia mantinham as variantes e ainda

eram adicionadas outras. Desse modo, os manuscritos que circulavam numa localidade tendiam

assemelhavam-se mais entre si que os de outras localidades. Mesmo na mesma região era

praticamente impossível que houvesse dois textos exatamente iguais; todavia, certos grupos de

manuscritos poderiam assemelhar-se uns aos outros mais intimamente que a outros grupos do

mesmo texto local. Alguns textos poderiam se tornar mistos, quando os manuscritos podiam ser

comparados a outras cópias de outros lugares e corrigidos por elas. A tendência era de não

misturar os textos.

Texto Alexandrino

A Alexandria superou Atenas, no período helenístico, tornando-se o centro de mais importante de

cultura do mediterrâneo. Quem nunca ouviu falar na Biblioteca de Alexandria, com seus 700.000

volumes? Foi lá que os textos de Homero passaram pela primeira tentativa de edição crítica.

Zenódoto de Éfeseo, primeiro diretor da biblioteca, comparou diversos manuscritos da Ilíada e da

odisséia, em 274 a.C., tentando restaurar o texto original. Sem dúvida, que esse cuidado acabou

influenciando os cristãos da região, fazendo com que eles procurassem a excelência no texto.

Faltava na região as reminiscências pessoais e a tradição oral, o que teria aumentado a exigência

quanto à exatidão do texto.

De qualquer forma, o texto alexandrino é considerado o melhor texto, com pouquíssimas

modificações gramaticais ou estilísticas, cerca de 2% ou 3%.

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Texto ocidental

Nas regiões dominadas por Roma, desenvolveu-se outro tipo de texto, o chamado texto ocidental,

bem diferente nos evangelhos e principalmente em Atos, onde é quase 10% mais longo que a

forma original, o que já fez supor a existência de duas edições desse livro.

A principal característica é o uso da paráfrase. Observa-se que palavras, frases e até partes inteiras

foram modificadas, omitidas ou acrescentas. O motivo disso parece ter sido a harmonização,

principalmente no caso dos evangelhos sinóticos, ou mesmo, o enriquecimento da narrativa com a

inclusão de alguma tradição, envolvendo umas poucas declarações e incidentes da vida de Jesus e

os apóstolos.

Texto Cesareense

Provavelmente tem origem no Egito, assim como o texto alexandrino, de onde teria sido levado

para Cesaréia por Orígenes.

Texto Bizantino

Possivelmente, resultado da revisão de antigos textos locais feita por Luciano de Antioquia, pouco

antes do seu martírio no ano de 312.

Unificação textual

Com a conversão de Constantino, em 312, entramos numa nova fase na história do Novo

Testamento, principalmente com Edito de Milão, no ano seguinte, colocando o Cristianismo no

mesmo patamar que qualquer outra religião do Império Romano, ordenando que as propriedades

da igreja que haviam sido confiscadas fossem devolvidas. Com isso, houve um aumento

considerável na circulação de textos sagrados, que não mais corriam o risco de apreensão e

destruição em praça pública.

No caso do texto, percebemos que uma maior integração dos cristãos possibilitou a comparação de

manuscritos e a obtenção de um tipo de texto que não tivesse tantas variantes. E os textos locais

foram pouco a pouco cedendo lugar a único texto.

Possivelmente, o primeiro tipo de texto a circular em Constantinopla talvez não tenha sido o

bizantino. Eusébio, em 331, foi encarregado por Constantino de preparar 50 cópias das Escrituras

em pergaminho para as igrejas da nova capital. Eusébio usava o texto cesarense, portanto, é

provável que tenha sido esse o tipo de texto primeiramente usado ali. É provável que essas cópias

tenham sido submetidas a correções com base no texto luciânico, até serem finalmente

substituídas por novas cópias essencialmente bizantinas, produzidas em algum escritório ou

mosteiro local. Tornou-se um procedimento muito comum.

A Vulgata Latina, de Jerônimo, acabou predominando na Europa Ocidental. Não significa, porém,

que o texto de Luciano fosse desconhecido. Muitos manuscritos greco-latinos trazem o texto

bizantino, ainda que combinado com variantes da Antiga Latina. Até a Vulgata acabou

incorporando algumas formas bizantinas. No século XVI, com a invenção da imprensa, os editores

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preocuparam-se com a publicação do Novo Testamento grego, e o texto que utilizado o bizantino,

e continuou, com pequenas modificações, até o final do século XIX.

Tipos de variantes

Há ainda a necessidade de conhecer a origem e natureza dos erros de transcrição para que o

trabalho se torne possível.

Alterações acidentais

Equívoco visual - alguns erros foram cometidos ao confundir o copista certas letras com outras de

grafia semelhante.

Outro tipo de equívoco visual é parablepse, que significa pular de uma palavra, frase ou parágrafo

para outro, devido a começos ou términos semelhantes, com a omissão de palavras.

Além dos equívocos chamados de ditografia, que são a repetição de uma sílaba ou frase, ou parte

de uma frase.

A metátese, que é a transposição de fonemas no interior de um mesmo vocábulo ou a transposição

de vocábulos numa mesma frase.

Equívoco auditivo - quando certas vogais e ditongos gregos vieram a ser pronunciados de maneira

praticamente idêntica, fenômeno conhecido como iotacismo, bem comum no grego moderno.

Equívoco de memória - poderiam variar desde a substituição de sinônimos, a inversão na seqüência

de palavras, quando a mente traía o copista.

Equívoco de julgamento - Quando um copista se deparava com comentários diversos anotados na

margem do manuscrito que lhe estivesse servindo de modelo e não dispusesse de outras cópias

para efeito de comparação, poderia incluí-lo no texto julgando que de fato devessem estar ali. Por

exemplo, um manuscrito do século XIV, há um exemplo de erro de julgamento. O modelo do qual

foi copiado o evangelho de Lucas deveria trazer a genealogia de Jesus (3. 3-28) em duas colunas

paralelas de 28 linhas cada. Todavia, ao copiar o texto seguindo a ordem das colunas, o escriba o

fez seguindo a ordem das linhas, passando de uma coluna para outra. Como resultado,

praticamente todos os filhos tiveram seus pais trocados.

Alterações intencionais

Harmonização textual e litúrgica - o copista se sentia tentado a harmonizar os livros que

apresentassem passagens paralelas, um pouco divergentes. Principalmente nos evangelhos

sinóticos, com muitos textos sendo alterados para uma narrativa mais unificada possível.

É interessante notar que muitas citações do Antigo Testamento eram feitas sem muito rigor pelos

apóstolos, e copistas procuravam adaptar à Septuaginta (LXX - tradução do Antigo Testamento

para o grego, feita por hebreus).

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Alguns textos eram adaptados para ser lidos publicamente nos serviços de culto, e tais arranjos

influenciaram a própria transmissão do texto. O exemplo mais claro é o da Oração do Senhor

(Mateus 6. 9-13), cuja doxologia “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.”, foi

acrescentada para o uso litúrgico, acabou sendo incorporada no texto de muitos manuscritos.

Correção ortográfica, gramatical e estilística - A maioria das alterações ortográficas nos manuscritos

bíblicos ocorreu devido à falta de qualquer padronização oficial e à influencia de vários dialetos,

assim inúmeros termos gregos acabaram tendo formas diversas na soletração, principalmente os

nomes próprios.

Correção histórica e geográfica - Alguns escribas tentaram harmonizar o relato do Evangelho de João

da cronologia da Paixão de Cristo com a de Marcos, mudando a “hora sexta” (João 19.14) para a

“hora terceira” (Marcos 15.25).

Correção exegética e doutrinária - Algumas vezes o copista se deparava com uma passagem de difícil

interpretação, assim ele tentava completar-lhe o sentido, tornando-a mais exata, menos ofensiva

ou obscura.

Interpolação de notas marginais, complementos naturais e tradições - A inclusão de textos marginais ao

corpo textual como apontamentos, correções, interpretações, reações pessoais e mesmo

informações gerais quanto ao texto era comum.

Note-se que certas palavras ou expressões que aparecem juntas no texto bíblico ou no uso habitual

da Igreja, e a falta de uma delas numa ou noutra passagem levava o copista a acrescentá-la, são os

chamados complementos naturais.

Conforme já foi dito, os críticos têm demonstrado que as variantes têm pouca ou nenhuma

importância. De qualquer modo, os fatos do Novo Testamento que dizem respeito à fé e à moral

são expressos em muitos lugares, o fundo doutrinário fica obscurecido, nem pouco alterado, pelas

passagens criticamente incertas. Podemos afirmar com toda a certeza científica que o texto dos

cristãos, se não criticamente, foi conservado doutrinariamente incorrupto.

O texto impresso

Entre os séculos XV e XVI, entramos numa nova fase na história do Novo Testamento.

Primeiramente a imprensa tornou os trabalhos de reprodução mais rápidos e baratos, além de

acabar de uma vez com a multiplicação dos erros de transcrição. Assim, as cópias passaram a ser

feitas com muito mais agilidade e precisão, exatamente como haviam sido escritas, salvo raras

exceções, a maioria das quais de erros tipográficos de menor importância.

Um segundo fator que ajudou a levar o texto neotestamentário a essa nova fase de

desenvolvimento e sistematização foi o movimento renascentista, com sua ênfase nos valores

artísticos e literários do homem, que acabou fazendo despertar na Europa um grande interesse

pela cultura grega clássica. Conseqüentemente os estudiosos cristãos também começaram a

valorizar os manuscritos gregos do Novo Testamento, revisando a Vulgata.

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Primeiras edições

Apesar da impressa, a publicação do Novo Testamento em grego não saiu imediatamente. O

primeiro produto representativo da tipografia foi justamente a Bíblia, a Vulgata de Jerônimo, em

dois volumes, entre 1450 e 1455. Nos 50 anos seguintes, pelo menos cem edições da Vulgata ainda

foram preparadas por várias casas editoras da Europa.

Para a língua portuguesa, temos em 1495, em Saragoça, a publicação das epístolas paulinas e dos

evangelhos. Naquele ano, em Lisboa, foi publicada, em quatro volumes, uma harmonia dos

evangelhos. O Novo Testamento completo saiu em 1681, em Amsterdã, já na versão de João

Ferreira de Almeida. A Bíblia completa em português foi publicada em 1753, na Holanda, depois

que Jacó den Akker haver terminado a tradução do Antigo Testamento, parada com a morte de

Almeida, em 1691, no texto de Ezequiel 48.12.

O cardeal e arcebispo de Toledo Francisco Ximenes de Cisceros (1437-1517), foi o responsável de

promover e organizar a primeira impressão do texto grego do Novo Testamento, como parte da

chamada Bíblia Poliglota Complutense.

Erasmo de Roterdã (1469-1536), escritor e humanista holandês, produziu, em 1516, o primeiro

Novo Testamento grego que chegou ao domínio público, sendo beneficiado com o atraso na

divulgação da obra de Ximenes.

O Texto Recebido

Quando o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações. De

um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a tiragem total das

edições de 1516 e 1519 alcançou 3300 exemplares. A segunda edição, agora intitulada Novum

Testamentum, foi a que serviu de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a

obra foi recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores contribuíram para

isso: 1) as diferenças que havia entre sua nova tradução latina e a consagrada Vulgata; 2) as longas

anotações, que justificava sua tradução e 3) a inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida

desregrada e corrupta de muitos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso dos púlpitos,

conseqüentemente Universidades, como as de Cambridge e Oxford, proibiram seus alunos de

lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os venderem.

Dentre as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de Lopes de

Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não incluir no texto de 1 João

5.7 e 8 a Coma Joanina. Erasmo replicou que não havia encontrado nenhum manuscrito grego que

a contivesse, e prometeu que a incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito

grego trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua promessa na

terceira edição, de 1522, todavia numa longa nota marginal, ele suspeita do manuscrito como

sendo preparado para confundi-lo. Para alguns críticos esse manuscrito parece ter sido falsamente

preparado em Oxford, em 1520, por um frade franciscano chamado Froy, extraído da Vulgata

Latina.

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Edições Intermediárias

Em seguida, temos a preocupação em reunir variantes textuais e estabelecer os princípios de um

trabalho textual mais científico, baseado em pesquisas progressivas dos manuscritos gregos, das

versões e da literatura patrística. O contexto agora era outro, os estudiosos tinham lutar contra o

movimento racionalista, que encontrara no deísmo sua expressão religiosa. Defendendo a

existência de uma religião natural, onde a verdade só podia ser alcançada pela razão e pelo

método científico, o deísmo encarava as Escrituras como um simples manual ético de origem

humana, e colaborou, entre outras coisas, para que sua pureza textual fosse questionada. Os

pesquisadores cristãos surgiram nos principais países europeus em defesa do cristianismo

histórico e da integridade textual da Bíblia. E, no esforço por provar que o Novo Testamento que

dispunham era exatamente àquilo que os autores originais haviam escrito, tiveram também de

defrontar-se com o Texto Recebido, no qual os problemas tornaram-se ainda mais graves.

Os críticos, por dois séculos, vasculharam bibliotecas e mosteiros na Europa e em todo o mundo

mediterrâneo procurando material que pudesse ser útil. Todavia, continuaram a publicar o Texto

Recebido, submetendo-se a ele. Ele era um texto já tradicional e reverenciado por todos, e

ninguém se aventuravam a modificá-lo, sob o risco de censura ou até de disciplina eclesiástica.

Durante esse período não ocorreu qualquer progresso real no texto grego do Novo Testamento

que estava sendo publicado. Todavia, as muitas variantes que se tornaram conhecidas mediante o

progressivo e acurado exame dos manuscritos, o início de sua classificação de acordo com as

famílias textuais e o desenvolvimento das teorias críticas ofereceram a base necessária para que tal

progresso se concretizasse no período seguinte. Nos confrontos entre os partidários do Texto

Recebido e os que estavam acreditavam na superioridade dos manuscritos mais antigos, a vitória

dos últimos estava garantida. As evidências acumuladas tornavam evidente que o texto precisava

ser corrigido, para o próprio bem do cristianismo histórico, principalmente por causa dos ataques

racionalistas. Contudo, o reinado do Texto Recebido estava chegando ao fim. Os princípios que

permitiriam essa conquista já estavam praticamente estabelecidos e necessitavam apenas ser

aprimorados.

Edições Modernas

No século XIX, a predominância do Texto Recebido foi finalmente interrompida. Os esforços dos

pesquisadores nos dois séculos anteriores fizeram com que a crítica textual realmente se tornasse

uma ciência. A distribuição dos manuscritos nos diferentes grupos permitiu que os muitos

documentos começassem a ser organizados e que a história da tradição manuscrita fosse

reconstruída, levando ao desenvolvimento sistemático de metodologias e ao tratamento mais

científico das inúmeras variantes. Apesar dos críticos ainda divergirem com relação às teorias,

todos buscavam um texto que estivesse o mais próximo possível do original e, nesse novo período,

rompendo com o Texto Recebido. Surgindo o texto crítico e, com ele, o período moderno da crítica

textual do Novo Testamento.

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Conclusão

Depois de quase 500 anos de história do texto do Novo Testamento e das mais de mil edições

surgidas desde século XV com Erasmo, dos vários estudos, os editores críticos de um modo geral

concordam com o texto crítico moderno e apenas um grupo bem pequeno de variantes é

contestada. E mesmo que surja uma edição nova com muitas variantes, já está mais ou menos

claro que o Novo Testamento grego está muito próximo dos textos primitivos originais. O

chamado Texto Recebido foi abandonado pela maioria dos estudiosos, que defendiam como a

forma mais próxima do original. Apesar dos erros dos copistas, a integridade do texto foi mantida.

Sua coerência interna é uma evidência muito forte. A Crítica Textual tem demonstrado que a

Palavra de Deus fala hoje com a mesmo eloqüência que falava no período apostólico. Podemos

pegar a Bíblia sem medo e dizer seguramente que é a Palavra de Deus transmitida na sua essência

através dos séculos.

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TRANSMISSÃO E ALTERAÇÃO TEXTUAL

Nos primeiros dias da igreja cristã, logo que uma carta apostólica era enviada a uma congregação

ou a um indivíduo, ou depois que um evangelho era escrito a fim de satisfazer as necessidades de

um público leitor em particular, se elaboravam cópias com o propósito de estender a sua

influência e facilitar a outros os seus benefícios. Portanto, era inevitável que essas cópias

manuscritas contivessem palavras diferentes se comparadas ao original, em maior ou menor

número.

Causas involuntárias

A maior parte das divergências surgiu por causas acidentais, tais como confundir uma letra ou

uma palavra com outra parecida. Se, por exemplo, duas linhas vizinhas de um manuscrito

começavam ou terminavam com o mesmo grupo de letras, ou se duas palavras similares se

encontravam juntas na mesma linha, era fácil para o olho do copista saltar do primeiro grupo de

letras para o segundo, e omitir, assim, uma porção do texto. Inversamente, o escriba poderia

regressar do segundo para o primeiro grupo, e sem querer, copiar uma ou mais palavras duas

vezes. As letras que se pronunciavam de igual modo, também podiam ser confundidas algumas

vezes pelos escribas ouvintes. Tais erros acidentais eram quase inevitáveis onde quer que se

copiassem a mão longas passagens, e havia mais possibilidades de que isso ocorresse se o escriba

tivesse olhos ou ouvidos defeituosos; se fosse interrompido em seu trabalho, ou se, por causa do

cansaço, estivesse menos atento do que deveria estar.

Causas Deliberadas

Outras divergências em palavras, surgiram de intentos deliberados com a finalidade de suavizar

formas gramaticais rudes, ou por tratar de eliminar partes - real ou aparentemente - obscuras no

significado do texto. Algumas vezes, um copista substituía ou acrescentava o que lhe parecia ser

uma palavra ou uma forma mais apropriada, talvez derivada de uma passagem paralela

(harmonização de leituras similares). Desta maneira, durante os primeiros séculos do Cânon do

Novo Testamento, surgiram centenas ou até milhares de variantes textuais.

BASES TEXTUAIS

A importância desta obra não pode ser subestimada, uma vez que o tradutor, antes que possa

explicar o significado das palavras, frases e idéias da Escritura, precisa interessar-se pelo problema

precedente, isto é: Qual é o texto original da passagem? O fato de tal pergunta ser feita (...e

respondida!), deve-se a duas circunstâncias: (a) Nenhum dos documentos originais da Bíblia existe

hoje em dia; e (b) As cópias existentes diferem umas das outras.

Ao serem escritos sobre o frágil papiro, e por causa do uso contínuo dos mesmos, os documentos

originais do Novo Testamento foram logo destruídos ou se extraviaram. Durante o transcurso de

mais de quatorze séculos, até a invenção da imprensa, chegaram a ser feitas milhares de cópias

manuscritas do Novo Testamento, das quais, aproximadamente 5.000 existem hoje, representando

não menos que 250.000 das chamadas "variantes textuais". O Texto do Antigo Testamento, por

outro lado, foi zelosamente resguardado pelas autoridades judaicas e recompilado entre os anos

750 e 1000 d.C. em uma edição denominada Texto Massorético (TM). Esta obra é o resultado do

trabalho dos chamados "massoretas" ou comentaristas, que foram eruditos judeus dedicados ao

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estudo e depuração das distintas cópias manuscritas do texto bíblico. Uma de suas escolas, a de

Ben 'Asher, em Tiberíades, criou no final do século IX a.C. um sistema de integração de vogais

dentro do texto de consoantes, que acabou por impor-se e dominar sobre as demais escolas, tanto

de Tiberíades como da Babilônia. Por outro lado, existe hoje o recurso de consulta aos manuscritos

do Mar Morto que em quase sua totalidade, datando do século II a.C., contêm o Antigo

Testamento.

A Transmissão Textual do Antigo Testamento Chamamos de "Antigo Testamento" o conjunto de

Livros Sagrados que os judeus denominam tenakh, abreviatura formada com as iniciais T N K

(pronúncia: Torah, Nebi'im, Ketubim = Lei, Profetas e Escritos), e que constitui, para os judeus e

cristãos, a mais antiga fonte escrita da revelação divina. Os 39 livros do Antigo Testamento foram

inspirados por Deus para serem escritos em língua hebraica, salvo algumas pequenas porções em

aramaico. Os documentos originais saídos das mãos dos autores bíblicos, se perderam ou foram

destruídos em algum momento, de tal maneira que nenhum original chegou até nós. Todavia,

antes do seu desaparecimento, se fizeram cópias manuscritas e, com o passar dos séculos, o texto

de ditos manuscritos foi sendo transmitido mediante um processo de cópias cuidadosamente

elaboradas. Algumas cópias dos ditos manuscritos têm chegado até nós, seja em forma de códices

ou de fragmentos.

A Bíblia Hebraica Stuttgartensia

O texto completo mais antigo e fidedigno do Antigo Testamento é o que conserva o chamado

"Códice de Leningrado" (B19a), datado do ano 1008 da Era Cristã. Foi copiado pelo rabino Samuel

ben Yaacob, e se conserva no Museu de Leningrado (daí o seu nome), para onde foi levado pelo

investigador e arqueólogo Firkowitseh. Este texto foi magnificamente editado na Bíblia Hebraica

Stuttgartensia, acompanhado de um impressionante aparato crítico, formado principalmente por

comparações com as antigas versões em grego, siríaco, latim etc.

Outros Textos do Antigo Testamento

Existem manuscritos ainda mais antigos do que os que formam o Códice de Leningrado, porém se

tratam de textos incompletos (tais como o Códice dos Profetas do Cairo) ou apenas exeqüíveis

(Códice de Alepo). Igualmente, existem fragmentos do século VI d.C. (genizá do Cairo) e alguns

livros de Gênesis e Isaías do século II e I antes de Cristo (Cunrã). Outros textos importantes são: O

Pentateuco Samaritano (século IV a.C.); as passagens paralelas; o papiro Hash; o Códice Severi; o

Códice Hil.lel; o Códice Muga; o Códice Jericó; o Códice Yerushalmi; e finalmente os escritos do

Mar Morto.

Versões

Com o nome versões se designam as traduções do Texto Original para outras línguas. Entre estas

Versões existem algumas que, por sua antigüidade, merecem atenção especial, já que as suas

diferenças com o Texto Massorético nos indicam que, muito provavelmente, tiveram como base

outro tipo de texto hebraico. Entre as mais importantes, se encontra A Septuaginta (LXX), que

nasceu, em princípio, para atender às necessidades do povo de Israel durante a diáspora, porém,

posteriormente, ao ser adotada pelo cristianismo helênico, foi descartada pelos judeus. A LXX é

uma tradução para o grego feita ao longo de um período que começou no século II a.C. As

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diferenças textuais com o Texto Massorético são numerosas e isso indica que o Texto Hebraico

utilizado para essa tradução não era exatamente igual ao nosso atual Texto Massorético. Outras

traduções de importância são a de Aquila e Simmaco, a Peshitta, os Targumim e a Vulgata Latina.

BÍBLIA MAIS ANTIGA DO MUNDO SERÁ COLOCADA NA WEB

A mais antiga Bíblia existente no mundo deve ser colocada na internet por uma equipe de

especialistas da Europa, do Egito e da Rússia. O trabalho de digitalização do manuscrito,

conhecido como Codex Sinaiticus, já está sendo feito. Acredita-se que o Codex Sinaiticus, escrito

em grego arcaico, seja uma das 50 cópias das Escrituras encomendadas pelo imperador romano

Constantino depois que ele se converteu ao cristianismo. A Bíblia, cuja maior parte está na

Biblioteca Britânica, em Londres, data do século IV. "É um manuscrito muito especial, diferente de

todos os outros", diz Scot McKendrick, chefe do Departamento de Manuscritos Medievais e

Antigos da Biblioteca Britânica. O projeto de digitalização é muito significativo por causa da

raridade e da importância do manuscrito. O documento original é tão precioso que foi visto por

apenas quatro estudiosos nos últimos 20 anos. O Codex Sinaiticus contém algumas passagens do

Antigo Testamento e todas as do Novo Testamento. Ele foi escrito no mosteiro de Santa Catarina,

perto do monte Sinai, no Egito.

CODICE SINAITICUS

350 D.C. O Códice Sinaiticus contém o Novo Testamento inteiro e quase o Velho Testamento

inteiro em grego. Foi descoberto por um estudioso alemão Tichendorf em 1856 em um monastério

ortodoxo no Mt. Sinai.

CODICE VATICANUS

1514 D.C. O Novo Testamento grego foi pela primeira vez impresso por Erasmus. Ele baseou o

Novo Testamento grego dele só em cinco manuscritos gregos, o mais velho dos quais só datado de

antes do séc. XII. Com revisões secundárias, o Novo Testamento grego de Erasmus veio a ser

conhecido como Textus Receptus ou "Texto Recebido"

VERSÕES DO ANTIGO TESTAMENTO

1. SEPTUAGINTA (LXX) - Esta é uma tradução do original hebraico do Antigo Testamento para o

grego. Foi feita em Alexandria, entre os séculos III e I a.C., por diversos tradutores.

2. LATIM ANTIGO - Esta denominação é para distinguir dos manuscritos posteriores, como os da

Vulgata. Estes manuscritos já existiam ao final do II séc. d. C. Suas traduções são da LXX e

chegaram até nós muito fragmentadas.

3. VULGATA LATINA - Feita ao final do séc. IV d.C., por Jerônimo. Ele fez três traduções do livro

de Salmos, sendo que a segunda é que foi adotada. Sua tradução do Antigo Testamento, a

princípio, deixou de lado os livros apócrifos, por não desejar que os mesmos fossem incluídos em

sua versão, embora já houvesse traduzido os livros de Judite e Tobias. Ao final, estes livros foram

adicionados, fazendo parte da Vulgata. Esta foi a Bíblia oficial durante toda a idade média, na

Europa ocidental. Existem cerca de oito mil manuscritos da Vulgata.

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4. SIRÍACO PESHITTA - Foi traduzida do hebraico, no II século d. C. e era o texto padrão dos

cristãos sírios. Posteriormente houve uma revisão, pela LXX.

5. HEXAPLA SIRÍACA - Foi traduzida com base na LXX de Orígines, pelo bispo de Tela, em 617

d.C. Este manuscrito foi bastante estudado no exame da LXX, em virtude de ter preservado as

notas críticas do original grego de Orígines.

6. COPTA (egípcio) - São quatro as versões do Antigo Testamento nesta língua. A saídica ou

tebaica foi preparada no século II d. C., no sul do Egito, com base na LXX. No século IV d. C., no

norte do Egito, foi preparada a versão boárica ou menfítica. Com poucos fragmentos, conhece-se

também as versões fayúmica e akhmímica.

7. VERSÕES MENORES - Foram traduzidas para o gótico, etíope e o armênio, no século IV d. C.

VERSÕES DO NOVO TESTAMENTO

1. LATIM ANTIGO - Foi produzida no fim do século II, d.C., provavelmente na África. Existe a

forma africana e européia. A européia, ou itálica, serviu como uma das bases da Vulgata de

Jerônimo, quanto ao Novo Testamento. A africana foi usada por Cipriano. A versão em Latim

Antigo é importante testemunho do tipo de texto anterior ao Textus Receptus.

2. DIATESSARON - Preparada em grego cerca de 160 d.C. e traduzida para o siríaco. Trata-se de

uma harmonia dos evangelhos de autoria de Taciano.

3. SIRÍACO ANTIGO - Traz este nome para não ser confundida com a versão Peshitta posterior,

que era a versão popular em siríaco. Essa versão existe nos manuscritos sinaítico e curetoniano.

4. PESHITTA - É uma tradução para o siríaco, do fim do século IV d.C. Seu cânon é composto por

apenas 22 livros, não trazendo II Pedro, e III João, Judas e Apocalipse.

5. COPTA - São conhecidas cinco versões do Novo Testamento em copta ou egípcio. A versão

saídica é a mais antiga e apareceu no sul do Egito no século II d.C. Do norte do Egito veio a versão

boárica e tornou-se a versão dominante, pois é representada por um número maior de

manuscritos. As outras versões são a fayúmica, a akhmímica e a do Egito Médio.

6. ARMÊNIA - É do final do século V d.C. e tem sua base numa fonte cujo texto tinha similaridade

com os manuscritos gregos Theta, 565 e 700. Afasta-se muito dos melhores manuscritos gregos,

aproximando-se do Textus Receptus. Há 1.244 cópias dessa versão.

7. GEÓRGIA – Seu manuscrito mais antigo é o Adysh, de 897 d.C. É possível que essa tradução

tenha sua origem do texto armênio. Era a Bíblia da Geórgia.

8. VULGATA LATINA - Preparada por Jerônimo, ao final do século V, é uma revisão dos

manuscritos mais antigos. Tornou-se o texto latino do Novo Testamento. A partir do Concílio de

Trento, 1546, é considerado o texto oficial da Igreja Católica Romana. Cerca de oito mil

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manuscritos da Vulgata apresentam uma mistura de tipos textuais, visto suas adições, exclusões e

contaminações, feitas por muitos escribas através dos séculos.

9. VERSÕES SECUNDÁRIAS - Destacamos a gótica, etíope, eslavônica, árabe e persa.

10. VERSÕES MODERNAS - Mesmo antes da Reforma protestante houve muitas traduções da

Bíblia para as diversas línguas faladas. Em 1382, com John Wycliff, teve início a Bíblia inglesa, com

base na Vulgata Latina; por isso inclui também os livros apócrifos. Em 1280 e 1400 surgiram

porções da Bíblia em português (veja o artigo sobre a BÍBLIA EM PORTUGUÊS). Mas somente

com a Reforma protestante é que a Bíblia começou a ser traduzida para o inglês, alemão, francês,

italiano, espanhol, português e outras línguas européias. Para obter-se uma obra, para que não

fosse volumosa, então mais cara, os tradutores procuravam produzir o texto com economia de

palavras, perdendo em muito o significado das línguas originais. Isso foi corrigido em tempo e

começaram a surgir traduções mais fieis ao texto original, sem preocupação com economia de

palavras. Destas novas traduções destacamos a Amplified New Testament, da Zondervan

Publishing House; The New Testament de Charles B. Williams e The New Testament, an

Expanded Translation, de Kenneth S. Wuest. Outras traduções tornaram-se importantes: A Bíblia

de Tyndale, traduzida em 1525 diretamente do hebraico e grego. A Versão do Rei Tiago (King

James), baseada na Bíblia de Tyndale, sob a encomenda do Rei Tiago, surgiu em 1611 e

popularizou-se entre os países de língua inglesa. The American Standard Revised Bible, lançada

por ingleses e americanos em 1901, sendo uma espécie de revisão da versão do Rei Tiago. A partir

de 1804, com a British and Foreign Bible Society surgiram as modernas Sociedades Bíblicas que

muito vêm contribuindo para a divulgação da Bíblia.

A BÍBLIA EM PORTUGUÊS

1. Traduções parciais

D. Diniz (1279-1325), rei de Portugal, traduziu da Vulgata os primeiros vinte capítulos do livro de

Gênesis. O rei D. João I (1385-1433) ordenou que houvesse uma tradução para o português.

Alguns padres católicos, a partir da Vulgata, traduziram os evangelhos, Atos e as epístolas de

Paulo. O próprio rei traduziu o livro de Salmos. Com esses livros publicaram a obra. Mais tarde

foram preparadas outras traduções de porções Bíblicas: os evangelhos, que a infanta Dona Filipa,

neta do rei D. João I, traduziu do francês; o evangelho de Mateus e porções dos outros evangelhos,

da Vulgata, pelo frei Bernardo de Alcobaça; os evangelhos e as epístolas, pelo jurista Gonçalo

Garcia de Santa Maria; uma harmonia dos evangelhos, por Valentim Fernandes, em 1495; em 1505,

por ordem da rainha Leonora, foram publicados o livro de Atos e as epístolas gerais. Outras

traduções realizadas em Portugal foram: os quatro evangelhos, traduzidos pelo padre jesuíta Luiz

Brandão; e, no início do século XIX, os evangelhos de Mateus e Marcos, pelo padre Antonio

Ribeiro dos Santos. Salienta-se que a dificuldade em se traduzir para os diversos idiomas era a

oposição da Igreja Católica Romana que, ao longo dos séculos, fez implacável perseguição a estas

obras, amaldiçoando quem conservasse traduções da Bíblia em "idioma vulgar", como diziam. Por

isso, também de muitas traduções escaparam somente um ou dois exemplares.

2. Traduções completas

2.1 Tradução por João Ferreira de Almeida. Por conhecer o hebraico e o grego, usou os mss. dessas

línguas para sua tradução. Quanto iniciou o empreendimento era pastor protestante. Almeida

utilizou-se do Textus Receptus, que representa os mss. do grupo bizantino, possivelmente o mais

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fraco entre os mss. gregos. Primeiramente traduziu e editou o N.T. publicado em 1681, em

Amsterdã, Holanda. Essa tradução apresentava muitos erros. Almeida mesmo fez uma lista de

dois mil (2000) erros. Muitos desses erros foram feitos pela comissão holandesa, que procurou

harmonizar a tradução de Almeida com a versão holandesa de 1637. A dificuldade de Almeida é

que não havia papiro algum e os unciais (mss. em letras maiúsculas) eram poucos. Esta a razão

porque teve que lançar mão de fontes inferiores. Ele utilizou-se da edição de Elzevir do Textus

Receptus, de 1633. As edições mais modernas muito progrediram na tradução. Com base nesta

tradução foram lançadas a Revista e Atualizada, A Edição Revista e Atualizada e a Versão

Revisada de acordo com os melhores textos em Hebraico e Grego.

2.2 Tradução de Antônio Pereira de Figueiredo. Teve como base a Vulgata Latina. Em 1896 fez sua

primeira tradução em colunas paralelas da Vulgata e de sua tradução para o português. Essa

tradução foi usada pela Igreja de Roma. Por ter sido utilizada a Vulgata como base, tem a

desvantagem de não representar o melhor texto do N.T. que conhecemos pelos mss. unciais mais

antigos e pelos papiros.

2.3 A Bíblia de Rahmeyer. - Manuscrito do comerciante hamburguês Pedro Rahmeyer, que residiu

em Lisboa, e traduziu em meados do século XVIII. Este manuscrito se encontra na Biblioteca do

Senado de Hamburgo, Alemanha.

3. A Bíblia no Brasil. Traduções parciais

3.1 No Brasil, a primeira tradução, somente do Novo Testamento, foi feita por frei Joaquim de

Nossa Senhora de Nazaré, traduzida da Vulgata e somente do N.T. Foi publicada em São Luiz do

Maranhão. Esta obra teve forte impacto por trazer em seu prefácio acusações contra as "bíblias

protestantes", que estariam "falsificadas" e falavam "contra Jesus Cristo e contra tudo quanto há de

bom."

3.2 Primeira Edição Brasileira do Novo Testamento de Almeida - Esta edição foi revista por José

Manoel Garcia, pelo pastor M.P.B. de Carvalhosa e pelo pastor Alexandre Blackford, agente da

Sociedade Bíblica Americana no Brasil. Esta obra foi lançada em 1879 pela Sociedade de Literatura

Religiosa e Moral do Rio de Janeiro.

3.3 Harpa de Israel, título dado à tradução do Livro dos Salmos, em 1898, por F.R. dos Santos

Saraiva.

3.4 O Evangelho de Mateus, traduzida do grego em 1909 pelo padre Santana.

3.5 O Livro de Jó, publicado em 1912 por Basílio Teles.

3.6 O Novo Testamento, traduzido da Vulgata Latina por J. L. Assunção, em 1917.

3.7 O Livro de Amós, traduzido do idioma etíope por Esteves Pereira, em 1917.

3.8 O Novo Testamento e o Livro dos Salmos, baseados na Vulgata, em 1923, por J. Basílio Pereira.

3.9 Lei de Moisés (O Pentateuco) preparada em hebraico e português, pelo rabino Meir Masiah

Melamed. Não há indicação de data.

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23

3.10 Tradução do Padre Humberto Rodhen. Foi o primeiro católico a fazer uma tradução

diretamente do grego. Traduziu o N.T. que foi publicado pela Cruzada de Boa Imprensa em 1930.

Tal como Almeida utilizou-se de textos inferiores, por isso, sofreu severas críticas.

3.11 Nova Versão Internacional. Lançada em 1993 pela Sociedade Bíblica Internacional.

4. A Bíblia no Brasil. Traduções completas –

4.1 Tradução Brasileira - Iniciada em 1902 e concluída em 1917, sob a direção do Dr. H. C. Tucker.

A comissão tradutora utilizou-se de mss. melhores do que os de Almeida. Entretanto, nunca foi

muito popular.

4.2 Tradução do Padre Matos Soares - Foi baseada na Vulgata. É de 1930, e em 1932 recebeu apoio

papal. É muito popular entre os católicos.

4.3 Revisão da tradução de Almeida (Edição Revista e Atualizada) - O trabalho de revisão iniciou-

se em 1945, por uma Comissão formada pela Sociedade Bíblica do Brasil. A linguagem foi muito

melhorada, até porque foram usados mss. gregos dos melhores.

4.4 Tradução pelos monges Meredsous (1959) (Bélgica) - Editada pela Editora Ave Maria e

traduzida do hebraico e grego para o francês e em seguida para o português por uma equipe do

Centro Bíblico de São Paulo sob a supervisão do Frei João José Pedreira de Castro.

4.5 Revisão da tradução de Almeida (Imprensa Bíblica Brasileira) - Foi publicada em 1967. Esta

revisão segue os melhores manuscritos e, por isso, foi bem acolhida pelos estudiosos da Bíblia.

4.6 A Bíblia de Jerusalém editada no Brasil em 1981 por Edições Paulinas - traduzida pelos padres

dominicanos da Escola Bíblica de Jerusalém, incluindo alguns exegetas protestantes. A edição

brasileira foi feita sob a coordenação de Ludovico Garmus e editada pela Editora Vozes e pelo

Círculo do Livro.

4.7 A Bíblia na Linguagem de Hoje (Novo Testamento). Publicada em 1988 pela United Bible

Societies, através de seu ramo brasileiro e baseia-se na segunda edição do texto grego dessa

sociedade. A intenção da United Bible Societies foi de publicar em vários idiomas, Novos

Testamentos em conformidade com a linguagem comum e corrente.

4.8 Edição Contemporânea da Tradução de Almeida foi editada em 1990 pela Editora Vida. Essa

edição eliminou arcaísmos do texto de Almeida.

MANUSCRITOS GREGOS

O N.T. tem registros manuscritos de diversas formas e que serviram como testemunhos sobre seu

texto.

1. OS PAPIROS.

Embora pelo século IV em quase todo o mundo já era utilizado o pergaminho, o papiro ainda era

o instrumento principal de escrita dos livros Bíblicos. Para essa finalidade o papiro foi usado entre

os séculos I e VII. Há 76 papiros que contém quase 80% do texto do N. T.

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2. OS UNCIAIS.

Os 252 manuscritos que levam este nome foram escritos em pergaminhos entre os séculos IV a IX.

Foram escritos com letras maiúsculas.

CÓDICES BÍBLICOS EM MANUSCRITOS UNCIAIS –

A. CODEX ALEXANDRINUS.

Contém a Bíblia toda. Foi escrito em grego no século V d.C. Encontra-se no Museu Britânico.

Embora muito bem conservado, apresenta algumas lacunas em Gênesis, I Reis, Salmos, Mateus,

João e I Coríntios. O AT é da LXX, com algumas variações do tipo de texto. Os evangelhos seguem

o texto bizantino, o restante do NT o alexandrino.

B. CODEX VATICANUS.

Este manuscrito, do século IV d.C., que também abrange toda a Bíblia encontra-se na Biblioteca do

Vaticano. Apresenta algumas lacunas: Os 45 capítulos iniciais de Gênesis, parte de II Reis, alguns

Salmos, final da epístola aos Hebreus e o Apocalipse. O AT é da LXX. O NT é alexandrino.

C. CÓDEX EPHRAEMI SIRY RESCRIPTUS.

Manuscrito da Bíblia toda, do século V d.C., e que está guardado na Bibliothèque Nationale de

Paris. É chamado de "rescriptus" porque o texto original foi apagado, embora tenha ficado

vestígios leves, e o material reutilizado no século XII para anotar as obras de Efraem, o sírio.

Duzentos e oito páginas foram usadas para este fim e são as páginas que chegaram até nós. O

texto Bíblico foi restaurado por métodos modernos de recuperação. Estas páginas contém parte do

livros de Jó, Provérbios, Eclesiastes, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Cantares e quase todo o

Novo Testamento, com exceção de II Tessalonicenses e II João.

D. CÓDEX D OU DE BEZAE.

Este manuscrito, do século V ou VI d.C., foi escrito nas língua grega, lado esquerdo e latina, lado

direito. Contém os quatro evangelhos; Atos, com algumas lacunas; e uma parte de I João.

E. CODEX WASHINGTONIANUS II.

É um manuscrito do século VII d.C., que se encontra na Coleção Freer do Instituto Smithsoniano

de Washington, USA. Contém partes das epístolas de Paulo, e a carta aos Hebreus depois de II

Tessalonicenses.

F. CODEX REGIUS.

Manuscrito do século VIII d.C. que está na Biblioteca Nacional de Paris. Neste o evangelho de

Marcos termina no final de 16:9. Em seguida apresenta dois finais alternativos deste evangelho.

G. CODEX WASHINGTONIANUS I.

Foi produzido no século IV ou V d.C. e também pertence à Coleção Freer do Instituto

Smithsoniano de Washington, USA. Contém os quatro evangelhos, na ordem ocidental: Mateus,

João, Lucas e Marcos. Foi copiado de outros manuscritos, pois apresenta diversos tipos de textos.

Apresenta dois finais para o evangelho de Marcos.

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ALEPH: CODEX SINAITICUS.

O achado deste manuscrito envolve um drama vivido por Tischendorf, que o encontrou. Em 1844

Constantino Tischendorf trabalhava na biblioteca do mosteiro de Santa Catarina, na península do

Sinai, e notou uma cesta cheia de páginas soltas de manuscritos. Ficou eufórico quando notou que

acabara de encontrar um dos mais antigos manuscritos Bíblicos na língua grega. Tirou 43 páginas,

que atendendo seu pedido foram-lhe dadas. Outro bibliotecário alertou que duas cestas contendo

o mesmo tipo de material fora consumido na fornalha do mosteiro, para aquecer os monges.

Entretanto, cerca de oitenta páginas do AT ainda existiam. Não conseguiu ir mais longe em sua

busca, porque ao observar seu entusiasmo, os monges suspeitaram e deixaram de cooperar.

Tischendorf voltou à Europa com suas 43 páginas. Em 1854 retornou ao mosteiro, mas não foi

desta vez que os monges concordaram em falar sobre o restante das páginas de sua descoberta.

Mas, em 1859, voltando novamente ao mosteiro, sob o patrocínio do Czar Alexandre II, patrono da

igreja grega. Assim mesmo os monges não quiseram discutir sobre seu achado. Entretanto, um

dos monges, inocentemente falou de uma cópia da Septuaginta que possuía e teria prazer em

mostrar-lhe. Para surpresa de Tishendorf, o manuscrito era o mesmo do qual ele encontrara as 43

páginas. Continha o NT completo e parte do AT. Debalde Tischendorf tentou convencer o monge

em presenteá-lo ao Czar russo. Mas o czar ofereceu um presente ao mosteiro, de acordo com

costumes orientais, e levou o manuscrito (livrando-o do risco de aquecer a fornalha dos monges).

Em 1933 o Museu Britânico adquiriu o manuscrito, onde se encontram até hoje. O manuscrito

contém parte dos livros de Gênesis, Números, I Crônicas, II Esdras, os livros poéticos, Ester,

Tobias, Judite e os livros proféticos, com exceção de Oséias, Amós, Miquéias, Ezequiel e Daniel.

Estão ali incluídos também I e IV Macabeus. O NT está completo. As epístolas de Barnabé e uma

porção do Pastor de Hermas também estão no manuscrito. O Texto assemelha-se ao Vaticanus e

ao Alexandrinus.

THETA: CODEX KORIDETHIANUS. Texto bizantino, do século IX d.C.

PI: CODEX PETROPOLITANUS. Manuscrito do século IX d.C.

1. OS MINÚSCULOS - São 2.646 escritos em pergaminhos entre os séculos IX e XV, em letras

minúsculas.

2. OS LECIONÁRIOS – 1997 pergaminhos levam este nome. Trazem textos selecionados para

serem lidos nas igrejas. Foram escritos nas mesmas datas dos unciais e minúsculos.

3. AS OSTRACAS - Trechos do N.T. foram escritos em pedaços de cerâmica. Temos 25 exemplares,

que contém breves porções do N.T.

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CRITICA TEXTUAL DO NOVO TESTAMENTO

1514 D.C. O Novo Testamento grego foi pela primeira vez impresso por Erasmus. Ele baseou o

Novo Testamento grego dele só em cinco manuscritos gregos, o mais velho dos quais só datado de

antes do séc. XII. Com revisões secundárias, o Novo Testamento grego de Erasmus veio a ser

conhecido como Textus Receptus ou "Texto Recebido"

1611 D.C. A tradução do rei Jaime em inglês do hebraico e grego original. Os tradutores da versão

King James usaram o Textus Receptus no Novo Testamento como a base para suas traduções.

Variantes textuais: Já que todos os manuscritos gregos do Novo Testamento antes da primeira

impressão do Novo Testamento grego de Erasmus foram escritos à mão podiam ter erros ou

variantes nos textos. Quando estes manuscritos de Novo Testamento grego são comparados entre

si nós achamos evidência de erros dos escribas e lugares onde os manuscritos diferentes diferem

um do outro.

Muitos estudiosos gastaram toda vida de estudo das variantes textuais. Eis a conclusão da

importância destas variantes como eles relacionam à integridade do texto do Novo Testamento .

Há mais de 200.000 variantes só no Novo Testamento. Estas variantes reforçam nossa confiança

que o Novo Testamento foi dado fielmente a nós.

Há mais de 5.500 manuscritos gregos antigos do Novo Testamento. Os manuscritos mais antigos

foram escritos em papiro e os mais novos manuscritos foram escritos em couro chamado

pergaminho.

Quando os críticos textuais olham todos os mais 5.500 manuscritos do Novo Testamento grego

que eles encontram podem se agrupar estes manuscritos em texto-padrão ou famílias com outros

manuscritos semelhantes. Há quatro texto-padrão.

O texto-padrão alexandrino, achado na maioria em papiro no Códice Sinaiticus e Códice

Vaticanus que datam antes de 350 D.C.

O texto-padrão ocidental, encontrado tanto em manuscritos gregos como em traduções em outros

idiomas, especialmente o latim.

O texto-padrão bizantino, achado na vasta maioria dos manuscritos gregos. Mais de 90 por cento

de todos os mais 5.500 manuscritos de Novo Testamento grego é do texto-padrão bizantino. A

razão que nós temos tantos manuscritos do texto-padrão bizantino é porque o Império bizantino

continuou a falar o grego e os cristãos ortodoxos até os turcos transformarem Constantinopla em

sua capital em 1456. Constantinopla é chamada Istambul agora e é a capital da moderna Turquia.

O texto-padrão de Cesaréia, discutido por alguns, achados em p 45 e alguns outros manuscritos.

A versão King James foi traduzida do Novo Testamento grego de Erasmus que fez uso só de cinco

manuscritos gregos sendo o mais velho de 1.100 D.C. Estes manuscritos forma exemplos do texto-

padrão bizantino. Noventa por cento de todos os manuscritos gregos pertencem a esta família de

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textos. O texto-padrão bizantino é "mais profundo" ou "mais longo" que outros textos-padrão, e

isto é tido como evidência de uma origem mais recente.

As antigas traduções do Novo Testamento usaram o texto-padrão alexandrino.

Nos exemplos seguintes a versão King James difere da NIV, e NASV. porque é tradução baseada

no texto-padrão bizantino e a NIV e NASV baseia o seu no texto-padrão alexandrino.

KJV 1 Jo.5:7-8

"Porque são três os que dão testemunho no céu, o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo: e estes três são um. E há

três que testemunham na Terra, o espírito, a água e o sangue; e estes três são um ".

NIV 1 Jo. 5:7 "Porque são três os que dão testemunho: v. 8 o Espírito, a água e o sangue: e os três

estão de acordo ".

Quando Erasmus imprimiu seu primeiro Novo Testamento grego em 1514 não continha as

palavras "Porque são três os que dão testemunho no céu, o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo: e

estes três são um. E há três que testemunham na Terra" porque eles não foram encontrados em

quaisquer dos manuscritos gregos que Erasmus viu.

Estas palavras adicionais são achadas em só oito manuscritos como uma leitura variante escrita na

margem. Sete destes manuscritos datam do décimo sexto século e um é do décimo século.

Estas palavras não foram citadas por quaisquer dos pais da Igreja gregos. Elas teriam sido

certamente usadas se a Trindade nos 3º e 4º séculos existisse.

Estas palavras não são achadas em qualquer versão antiga do Novo Testamento. Estes incluem

sírio, cóptico, armênio, etíope, árabe, eslavo, nem no Latim Antigo na sua forma primitiva.

Estas palavras começam a aparecer em notas marginais no Novo Testamento latino que começou

no quinto século. Depois do sexto século são achadas cada vez mais freqüentemente estas

palavras.

Erasmus finalmente concorda pôr estas palavras em novas edições do Novo Testamento grego se

seu crítico pudesse achar um manuscrito grego que contivesse estas palavras. Parece que os

críticos dele fabricaram manuscritos para incluir estas palavras.

O Novo Testamento de Erasmus se tornou a base para o Novo Testamento grego, "Textus

Receptus" que os tradutores da King James usaram como a base para a tradução do Testamento

Novo em inglês.

Marcos 16. 9-20 são encontrados na versão King James. Porém, a NASV e a NIV nota que estes

versos não são achados nos manuscritos mais antigos do Evangelho de Marcos.

Nem o Códice Sinaiticus nem o Códice Vaticanus têm Marcos 16:9-20.

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Marcos 16:9-20 também está ausente de algum Latim Antigo, sírio, manuscritos armênios, e

georgianos.

Clemente de Alexandria e Orígenes não mostram nenhum conhecimento da existência destes

versos.

BÍBLIA EM PORTUGUÊS

2.1 Tradução por João Ferreira de Almeida. Por conhecer o hebraico e o grego, usou os mss. dessas

línguas para sua tradução. Quanto iniciou o empreendimento era pastor protestante. Almeida

utilizou-se do Textus Receptus, que representa os mss. do grupo bizantino, possivelmente o mais

fraco entre os mss. gregos. Primeiramente traduziu e editou o N.T. publicado em 1681, em

Amsterdã, Holanda. Essa tradução apresentava muitos erros. Almeida mesmo fez uma lista de

mais de dois mil (2000) erros. Muitos desses erros foram feitos pela comissão holandesa, que

procurou harmonizar a tradução de Almeida com a versão holandesa de 1637. A dificuldade de

Almeida é que não havia papiro algum e os unciais (mss. em letras maiúsculas) eram poucos. Esta

a razão porque teve que lançar mão de fontes inferiores. Ele utilizou-se da edição de Elzevir do

Textus Receptus, de 1633. As edições mais modernas muito progrediram na tradução. Com base

nesta tradução foram lançadas a Revista e Atualizada, A Edição Revista e Atualizada e a Versão

Revisada de acordo com os melhores textos em Hebraico e Grego.

O Texto Recebido

Quando o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações. De

um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a tiragem total das

edições de 1516 e 1519 alcançou 3300 exemplares. A segunda edição, agora intitulada Novum

Testamentum, foi a que serviu de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a

obra foi recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores contribuíram para

isso: 1) as diferenças que havia entre sua nova tradução latina e a consagrada Vulgata; 2) as longas

anotações, que justificava sua tradução e 3) a inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida

desregrada e corrupta de muitos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso dos púlpitos,

conseqüentemente Universidades, como as de Cambridge e Oxford, proibiram seus alunos de

lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os venderem.

Dentre as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de Lopes de

Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não incluir no texto de 1 João

5.7 e 8 a Coma Joanina. Erasmo replicou que não havia encontrado nenhum manuscrito grego que

a contivesse, e prometeu que a incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito

grego trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua promessa na

terceira edição, de 1522, todavia numa longa nota marginal, ele suspeita do manuscrito como

sendo preparado para confundi-lo. Para alguns críticos esse manuscrito parece ter sido falsamente

preparado em Oxford, em 1520, por um frade franciscano chamado Froy, extraído da Vulgata

Latina.

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El Textus Receptus

O invento de João Gutemberg, a imprensa de tipos móveis, produziu as mais transcendentais

conseqüências para a cultura e a civilização ocidentais. Dessa época em diante puderam ser

reproduzidas cópias de livros mais rápida e economicamente e com um grau de perfeição até

então nunca alcançado.

Mui apropriadamente, a primeira impressão importante de Gutemberg foi uma magnífica edição

da Bíblia. O texto era da Vulgata Latina de Jerônimo e foi publicada em Maguncia entre 1450 e

1456.

Não obstante, com exceção de alguns países, o Novo Testamento grego teve de esperar até 1514

para ser impresso. Duas razões são atribuídas a esta demora de quase setenta anos. A primeira

delas era a dificuldade e o custo da produção de tipos gregos de fundição necessários para um

livro de consideráveis dimensões.

A segunda e mais importante razão que retardou a publicação do texto grego, foi sem dúvida o

prestígio da Vulgata Latina de Jerônimo. As traduções em idiomas nacionais não anulavam a

superioridade do texto latino do qual provinham; porém, a publicação do Novo Testamento grego

oferecia a qualquer erudito conhecedor de ambas as línguas, uma ferramenta com a qual podia

criticar e corrigir a Bíblia oficial da igreja romana.Todavia, em 1514, saiu da imprensa o primeiro

Novo Testamento Grego como parte de uma Bíblia poliglota. Planejada em 1502 pelo Cardeal

Primado da Espanha, Francisco Jiménez de Cisneros, uma magnífica edição do texto hebraico,

aramaico, grego e latino, foi impresso na cidade universitária de Alcalá(Complutum).

Apesar do texto complutense ter sido o primeiro Novo Testamento grego a ser impresso, não foi o

primeiro a ser publicado (isto é, colocado em circulação). A edição preparada pelo famoso erudito

e humanista holandês Disidério Erasmo de Rotterda teve essa primazia.

Não se pode determinar exatamente quando Erasmo decidiu preparar a edição do Testamento

grego, porém, durante uma visita a Basiléia em agosto de 1514, discutiu (possivelmente não pela

primeira vez) com o editor J. Froben, a possibilidade de se imprimir tal volume. Suas negociações

pareceram interromper-se por algum tempo, porém foram restabelecidas durante uma visita de

Erasmo à Universidade de Cambridge em abril de 1515. Foi então que Froben o importunou

através de um amigo mútuo, Beatus Rhenanus, a fim de que se encarregasse imediatamente da

edição do Novo Testamento grego. Sem dúvida Froben, tendo ouvido sobre a iminente publicação

da Bíblia poliglota espanhola e percebendo que o mercado estava pronto para uma edição do

Novo Testamento grego, desejava aproveitar a demanda antes que a obra de Jiménez fosse

concluída e a proposta de Froben, acompanhada pela promessa de pagar a Erasmo "... tanto

quanto qualquer outro pudesse oferecer por tal trabalho", aparentemente chegara no momento

oportuno.

Tendo ido novamente a Basiléia, em julho de 1515, Erasmo esperava encontrar manuscritos gregos

suficientemente bons para serem impressos, e apresentá-los juntamente com sua própria tradução

latina, na qual vinha trabalhando de forma intermitente nos últimos anos.

Não obstante, com desgosto, pôde comprovar que os únicos manuscritos disponíveis naquele

momento, exigiam várias correções antes que pudessem ser usados como cópias de impressão. O

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trabalho começou em 2 de outubro de 1515 e a primeiro de março de 1516 - somente cinco meses

depois - a edição completa tinha sido concluída em um grande volume impresso de

aproximadamente mil páginas que, segundo o próprio Erasmo declarou mais tarde, foi "... mais

precipitado que revisado".

Devido à pressa da produção, o volume contém centenas de erros tipográficos. A esse respeito,

Scribner declarou: "... é o livro com mais erros que já vi!". Embora Erasmo não pudesse conseguir

um só manuscrito que contivesse o Novo Testamento completo, ele utilizou vários para as

distintas partes do mesmo. Para a maioria do texto ele se baseou em ...dois! manuscritos (porém,

bem inferiores) de uma livraria monástica da Basiléia. Um, dos Evangelhos e o outro, de Atos e

Epístolas, ambos com data do século XII aproximadamente. Erasmo comparou os manuscritos

com dois ou três dos mesmos livros, fazendo correções ocasionais para o impressor, bem à

margem ou nas entrelinhas do manuscrito grego. Para o livro de Apocalipse, não tinha senão um

manuscrito também do século XII, que tomara de empréstimo de seu amigo Reuschlin e no qual

infelizmente faltava a última folha que continha os últimos versículos do livro. Para estes

versículos, assim como para algumas outras passagens do livro onde o texto grego de Apocalipse

e o comentário que o acompanhava (que por estarem tão mesclados resultavam ininteligíveis),

Erasmo dependeu da Vulgata Latina, traduzindo do latim para o grego. Como era de se esperar

de tal procedimento, aqui e ali encontram-se leituras do grego do próprio Erasmo, que nunca

haviam sido achadas em nenhum manuscrito grego conhecido, mas que foram perpetuadas até o

dia de hoje ao ser impresso o chamado Texto Receptus. Em outras partes do Novo Testamento,

Erasmo também introduziu ocasionalmente no texto grego, material tomado da Vulgata Latina.

Por exemplo, em Atos 9.6, a pergunta que Paulo faz no momento de sua conversão no caminho de

Damasco: "... ele, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que faça?" é uma óbvia

interpolação procedente da Vulgata. Esse acréscimo, que não se encontra em nenhum manuscrito

grego desta passagem, tornou-se parte do Texto Receptus, o qual a versão Reina-Valera tomou

como base em 1569 até as suas revisões atuais.

Outra interpolação que não está apoiada por nenhum manuscrito grego antigo e fidedigno, é a

conhecida Vírgula Johanneum em 1Jo 5.7-8, que Erasmo se viu obrigado a introduzir por causa

dos ataques dos editores da Poliglota Complutense.

Em definitivo, o texto do Novo Testamento grego de Erasmo, se baseou em não mais que meia

dezena de manuscritos minúsculos (isto é, escritos com letras minúsculas). O mais antigo e melhor

deles, Códice I (um minúsculo do século X, que concorda em muitas partes com o Texto Uncial

antigo), foi o que Erasmo menos utilizou, pois, ...temia os seus possíveis erros! A obra de Erasmo

de Rotterdam, foi revisada cinco vezes, e mais de trinta revisões foram realizadas sem autorização

em Veneza, Estrasburgo, Basiléia, Paris e outros lugares. Subseqüentes revisores tais como

Melchiore Sessa, Robert Estiebnne, Teodoro Beza, os irmãos Buenaventura e Abraham Elzevier,

apesar de haverem realizado várias alterações, reproduziram seguidamente esta forma adulterada

do Novo Testamento grego, assegurando-lhe uma preeminência tal, que chegou a denominar-se o

"texto normativo" do Novo Testamento e resistiu por mais de quatrocentos anos (e resiste ainda

hoje) a todos os esforços eruditos por desprezá-la em favor de um texto mais fiel.

O Texto Receptus serviu como base de tradução do Novo Testamento para a maioria dos idiomas

da Europa, inclusive o castelhano, até antes de 1881. Tão supersticiosa e pedante tem sido sua

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imerecida reverência, que as tentativas por criticá-lo ou emendá-lo têm sido consideradas como

um sacrilégio; tudo isto apesar da sua base textual ser essencialmente uma mistura de manuscritos

tardios escolhidos ao acaso pelo menos em uma dezena de passagens, sua leitura não está apoiada

por nenhum manuscrito grego conhecido até o presente.

Tipos de Texto do Novo Testamento

Durante os primeiros anos de expansão da igreja, se desenvolveram o que hoje conhecemos como

"textos locais" do novo testamento. As novas congregações estabelecidas em grandes cidades ou

nas proximidades delas, tais como alexandria, antioquia, constantinopla, cartago ou roma,

providenciaram cópias das escrituras no estilo corrente naquela área. Ao serem feitas cópias

adicionais, o número de leituras especiais e interpretações eram conservadas e até certo ponto

ampliadas, de maneira que veio a surgir uma classe de texto que era mais ou menos próprio

daquela localidade.

Hoje é possível identificar a classe do texto preservado em manuscritos do Novo Testamento ao

comparar suas características textuais com as citações dessas mesmas passagens nos escritos dos

pais da Igreja, que viviam nos principais centros eclesiásticos, ou próximo a eles.

Ao mesmo tempo, as peculiaridades do texto local tendiam a diluir-se e mesclar-se com outras

classes de texto. Por exemplo, um manuscrito do Evangelho segundo Marcos copiado em

Alexandria e levado logo à Roma exerceria, sem dúvida, alguma influência nos copistas que

transcreviam o texto de Marcos que era corrente em Roma. Entretanto, durante os primeiros

séculos, as tendências para desenvolver e preservar um tipo particular de texto, prevaleceram

sobre a mescla dos mesmos.

Dessa maneira, se formaram vários tipos de texto do Novo Testamento, os mais importantes dos

quais, são o Alexandrino, o Ocidental, o Cesariense e o Bizantino.

Texto Alexandrino

É usualmente considerado como o melhor e mais fiel na preservação do original. Suas

características são a brevidade e a austeridade. Isto é, o Alexandrino é geralmente mais curto que

outras classes de texto, e não exibe o grau de esmero gramatical e estilística que caracterizam o

tipo de texto Bizantino e em menor grau o tipo de texto Cesariense. Até há pouco tempo, os dois

principais testemunhos do tipo de texto Alexandrino eram o Códice Vaticano e o Códice Sinaítico

(manuscritos em pergaminho da metade do século IV). No entanto, com a aquisição dos papiros

Bodmer, particularmente o P66 e o P75 (ambas as cópias próximas do final do século II), existe

evidência de que o tipo de texto Alexandrino retrocede até um arquétipo publicado no princípio

do segundo século.

Texto Ocidental

Este tipo era corrente na Itália, Gália, África do norte e outras partes (incluindo o Egito). Pode

também retroceder até o segundo século. Utilizado por vários Pais (Cipriano, Tertuliano, Irineu e

Tatiano), sua presença no Egito está demonstrada pelos papiros P38 (cerca de 300 d.C.) e P48

(próximo ao final do século III). Os manuscritos gregos mais importantes que representam o tipo

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do texto Ocidental são o Códice Beza (D), do século VI, (que continha as Epístolas Paulinas) e o

Códice Washingtonianus (W), do final do século IV (que continha desde Marcos 1.1 até 5.30). De

igual maneira, as velhas versões latinas são testemunhos notáveis do tipo de texto Ocidental, e se

encontram dentro de grupos principais, tais como as formas africana, italiana e hispânicas do texto

latino antigo. A característica principal do tipo de texto Ocidental é sua intensa paráfrase

Texto Cesarience

Parece ter-se originado no Egito (está apoiado pelo papiro Chéster Beatty P45). Orígenes pode tê-

lo levado para Cesaréia, onde Eusébio e outros fizeram uso dele. De Cesaréia foi levado a

Jerusalém, onde foi usado por Cirilo e por armênios que em épocas recentes tinham uma colônia

em Jerusalém. Os missionários armênios levaram o tipo de texto Cesariense para a Georgia, onde

influenciou a Versão Georgiana, como também o manuscrito grego do século IX, Códice Korideti

(Q). Parece, pois, que o tipo de texto Cesariense teve uma longa e acidentada carreira. De acordo

com o ponto de vista da maioria dos eruditos, se trata de um texto oriental, e está caracterizado

por uma mescla de leituras ocidentais e alexandrinas. Pode-se também observar o propósito de

tornar elegantes as expressões, característica especialmente notável no tipo de texto Bizantino.

Tipo de Texto Bizantino

É o último dos vários tipos distintos do texto do novo testamento, caracterizando-se pelo seu

esforço em parecer completo e lúcido. Os construtores deste texto tentaram, sem dúvida, polir

qualquer forma rude de linguagem, combinar duas ou mais leituras divergentes em uma só leitura

expandida (fusão), e harmonizar passagens paralelas divergentes. Este tipo de texto combinado,

talvez produzido em Antioquia (Síria), foi levado para Constantinopla e dali distribuído

amplamente através de todo o Império Bizantino. Seu melhor representante hoje é o Códice

Alexandrino e a grande massa de manuscritos minúsculos. Durante o período transcorrido entre o

século VI até a invenção da imprensa no século XV, o tipo de texto Bizantino veio a ser

reconhecido como o texto autorizado (normativo) e foi o de maior circulação e o mais aceito. A

descrição clássica do tipo de texto Bizantino é feita por F. J. A. Hort. Ele diz: "... As qualidades que

os autores do texto Bizantino pareciam mais interessados em ressaltar, eram a lucidez e o fato de

ser completo. Estavam evidentemente ansiosos, até onde fosse possível, e sem recorrer a medidas

violentas, em remover todas as pedras de tropeço no caminho do leitor comum. Desejavam

igualmente que este obtivesse os benefícios da parte instrutiva contida em todo texto existente,

evitando confundir ou introduzir aparentes contradições. Novas omissões, por conseguinte, são

raras, e quando ocorrem, geralmente o fazem para aparentar simplicidade. Por outro lado,

abundam as novas interpolações, a maioria delas feitas devido à harmonização ou outra

similitude, sendo, porém, afortunadamente identificáveis por serem caprichadas ou incompletas.

Tanto no tema como na dicção, o texto Sírio é visivelmente um texto "completo". Deleita-se em

pronomes, conjunções, expletivos, e provê combinações de todo tipo, assim como adições de

consideração. Distinguindo-se do valor denodado dos escribas ocidentais e da erudição dos

alexandrinos, o espírito de suas correções é ao mesmo tempo sensível e débil. Totalmente

iimpecável em bases literárias ou religiosas com respeito a uma dicção vulgar ou indigna, porém

mostra ausência de discernimento crítico-espiritual, apresentando o Novo Testamento de forma

branda e atrativa, porém notavelmente empobrecida em sua força e sentido, sendo mais

apropriada para a leitura rápida ou recitativa que para o estudo diligente e repetido". De tal forma

alterada do texto provêm as bases para quase todas as traduções do Novo Testamento até o século

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XIX. A edição de Erasmo de Rotterdam, publicada por J. Froben em 1516, baseou-se no Texto

Bizantino. Esta versão grega do Novo Testamento e edições subseqüentes foram amplamente

difundidas, reconhecidas e aceitas como o texto normativo da igreja protestante, e chegou a ser

famosa por seu nome latino de Texto Receptus.

Como a Bíblia chegou até nós por Wes Ringer

Tradução: Emerson de Oliveira

O artigo seguinte é uma linha do tempo dos escritos dos livros do Antigo e Novo Testamentos e as

importantes traduções feitas deles.

Velho Testamento

1875 A.C. Abraão foi chamado por Deus à terra de Canaã.

1450 A.C. O êxodo dos filhos de Israel do Egito.

1450-1400 A.C. A tradicional data em que Moisés escreveu Gênesis-Deuteronômio, escritos em

hebreu.

Autógrafos 1

586 A.C. Jerusalém foi destruída pelo rei babilônico Nabucodonosor. Os judeus foram levados em

cativeiro para a Babilônia. Eles permaneceram na Babilônia sob o Império Medo-persa e lá

começaram a falar aramaico.

555-545 A.C. O Livro de Daniel 2:4 a 7:28 foram escritos em aramaico.

425 A.C. Malaquias, o último livro do Velho Testamento, foi escrito em hebreu.

400 A.C. Ez. 4:8 a 6:18; e 7:12-26 foram escritos em aramaico.

Manuscritos 2

Esta é uma lista dos mais antigos manuscritos em hebraico do AT.

Manuscritos do Mar Morto: datam de 200 A.C. - 70 D.C. e contém o livro inteiro de Isaías e partes

de todos os outros livros do AT, mais Ester.

Fragmentos de Geniza: partes do AT em hebraico e aramaico, descobertos em 1947 em uma velha

sinagoga no Cairo, Egito que data de aproximadamente 400 D.C.

Manuscritos Ben Asher : cinco ou seis gerações desta família fizeram cópias do AT que utilizam o

texto massorético hebraico, de 700-950 D.C. Esses são exemplos do texto padrão hebraico.

Códice de Aleppo: contém o AT completo e é datado por volta de 950 D.C. Infelizmente mais de

um quarto deste Códice foi destruído em revoltas anti-judias em 1947.

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Códice Leningradensis: O AT completo em hebraico copiado pelo último membro da família de

Ben Asher em 1008 D.C. .

Traduções 3

O Velho Testamento foi traduzido desde muito cedo em aramaico e grego.

400 A.C. O Velho Testamento começou a ser traduzido em aramaico. Esta tradução é chamada o

Targum Aramaico. Esta tradução ajudou os judeus que começaram a falar aramaico do tempo do

cativeiro na Babilônia a entender o Velho Testamento no idioma que eles falaram. Na Palestina do

1º século de Jesus, o aramaico ainda era o idioma comumente falado. Por exemplo, maranatha:

"Venha, nosso Senhor" 1 coríntios 16:22 são um exemplo de uma palavra aramaica que é usada no

Novo Testamento .

250 A.C. O Velho Testamento foi traduzido em grego. Esta tradução é conhecida como

Septuaginta. Às vezes é designada de "LXX" (que é o número romano para "70") porque acredita-

se que 70 a 72 tradutores trabalharam para traduzir o Velho Testamento do hebreu para o grego.

A Septuaginta era freqüentemente usada por escritores do Novo Testamento ao citarem o Velho

Testamento. A LXX era a tradução do Velho Testamento que foi usado pela Igreja primitiva.

Papiro Chester Beatty : Contém nove livros do Velho Testamento na Septuaginta grego e data de

100-400 D.C.

Códice Vaticanus e Códice Sinaiticus cada um contém quase o Velho Testamento inteiro da

Septuaginta grega e datam de cerca de 350 D.C.

O Novo Testamento

Autógrafos

45 - 95 D.C. O Novo Testamento foi escrito em grego. As Epístolas de Paulo, o Evangelho de

Marcos, o Evangelho de Lucas, e o livro de Atos são datados de 45-63 D.C. O Evangelho de João e

o Apocalipse podem ter sido escritos mais tarde, em 95 D.C.

Manuscritos

Há mais de 5.500 manuscritos gregos antigos do Novo Testamento. Os manuscritos mais antigos

foram escritos em papiro e os mais novos manuscritos foram escritos em couro chamado

pergaminho.

125 D.C. O manuscrito do Novo Testamento que é mais próximo ao original foi copiado em 125

A.D, depois de 35 anos do original. É chamado "p 52" e contém uma pequena parte de João 18. (O

"p" representa papiro.)

200 D.C. O manuscrito de papiro Bodmer p 66 contém uma grande parte do Evangelho de João.

200 D.C. O papiro bíblico Chester Beatty p 46 contém as Epístolas de Paulo e Hebreus.

225 D.C. O Papiro de Bodmer p 75 contém os Evangelhos de Lucas e João.

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250-300 D.C. O papiro bíblico Chester Beatty p 45 contém partes dos quatro Evangelhos e Atos.

350 D.C. O Códice Sinaiticus contém o Novo Testamento inteiro e quase o Velho Testamento

inteiro em grego. Foi descoberto por um estudioso alemão Tichendorf em 1856 em um monastério

ortodoxo no Mt. Sinai.

350 D.C. O Códice Vaticanus: {B} é quase o Novo Testamento completo. Foi catalogado como

estando na Biblioteca Vaticana desde 1475.

Traduções

Antigas traduções do Novo Testamento podem dar grande ajuda nos manuscritos gregos

contemporâneos dos quais eles foram traduzidos.

180 D.C. As antigas traduções do Novo Testamento do grego para o latim, sírio, e versões cópticas

começaram em aproximadamente 180 D.C.

195 D.C. O nome da primeira tradução dos Velho e Novo Testamentos em latim foi chamada de

Antigo Latim, ambos os Testamentos sendo traduzidos do grego. Foram achadas partes do Antigo

Latim em citações do Pai da Igreja Tertuliano, que viveu em volta de 160-220 na África do norte e

escreveu tratados de teologia.

300 D.C. O sírio Antigo foi uma tradução do Novo Testamento do grego em sírio.

300 D.C. As versões cópticas. O cóptico foi falado em quatro dialetos no Egito. A Bíblia foi

traduzida em cada um destes quatro dialetos.

380 D.C. A Vulgata latina foi traduzida por S. Jerônimo. Ele traduziu para o latim o Velho

Testamento do hebreu e o Novo Testamento do grego. A Vulgata latina se tornou a Bíblia da Igreja

Ocidental até a Reforma protestante nos anos de 1500. Continua sendo a tradução autorizada da

Igreja Católica Romana até hoje. A Reforma protestante viu um aumento nas traduções da Bíblia

no idioma comum das pessoas.

Outras traduções antigas da Bíblia eram as armênia, georgiana, etiópica, eslava e gótica.

1380 D.C. A primeira tradução inglesa da Bíblia foi de John Wycliffe. Ele traduziu a Bíblia em

inglês da Vulgata latina. Esta era uma tradução de uma tradução e não uma tradução do hebreu

original e grego. Wycliffe foi forçado a traduzir da Vulgata latina porque ele não falava hebreu ou

grego.

O advento da imprensa

A imprensa ajudou grandemente a transmissão dos textos bíblicos.

1456 D.C. Gutenberg produziu a primeira Bíblia impressa em latim. A imprensa revolucionou o

modo de como os livros eram feitos. De agora em diante poderiam ser publicados livros em

grandes números e a um custo mais baixo .

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1514 D.C. O Novo Testamento grego foi pela primeira vez impresso por Erasmus. Ele baseou o

Novo Testamento grego dele só em cinco manuscritos gregos, o mais velho dos quais só datado de

antes do séc. XII. Com revisões secundárias, o Novo Testamento grego de Erasmus veio a ser

conhecido como Textus Receptus ou "Texto Recebido"

1611 D.C. A tradução do rei Jaime em inglês do hebraico e grego original. Os tradutores da versão

King James usaram o Textus Receptus no Novo Testamento como a base para suas traduções.

1968 D.C. A 4ª edição do Novo Testemanto grego da United Bible Societies. Este Novo Testamento

grego fez uso dos manuscritos gregos mais antigos que datam de 175 D.C. Este foi o texto do

Novo Testamento grego do qual foram traduzidas a NASV e a NIV.

1971 D.C. A New American Standard Version (NASV) foi publicada. Faz uso da riqueza do

hebraico mais antigo e dos manuscritos gregos agora disponíveis que não havia na época da KJV.

Seu teor e estrutura de oração seguem o grego mais literalmente.

1983 D.C. A The New International Version (NIV) foi publicada. Também fez uso dos manuscritos

mais antigos. É uma tradução na linguagem de hoje e mais acessível que a NASV.

Como um exemplo do contraste entre o estilo literal e traduções na linguagem de hoje, note o

exemplo da tradução da apalavra grega "hagios"

NASV Hebreus 9:25. " ... o sumo sacerdote de ano em ano entra no santo lugar com sangue

alheio."

NIV Hebreus 9:25. " ...o sumo sacerdote entra no Santo dos Santos todos os anos com sangue que

não é seu."

A NIV dá uma "compreensível" informação sobre o Dia da Compensação, isto é que os deveres do

sumo sacerdote aconteceram no setor do templo especificamente conhecido como o Santo dos

Santos. Note que a NASV diz "santo lugar" que reflete simplesmente a tradução mais literal de

"hagios".

A integridade da evidência manuscrita

Como qualquer antigo livro que chegou a nós através de um grande número de manuscritos a

pergunta que nos vem é se podemos confiar que eles são realmente como os originais. Vamos ver

as comprovações que temos para a integridade dos livros do Novo Testamento?

1. Vamos comparar a evidência manuscrita para a Bíblia com outros escritos antigas de igual

época.

Tácito, o historiador romano, escreveu seus Anais da Roma Imperial em aproximadamente 116

D.C.. Só um manuscrito restou de seus trabalhos. Foi copiado em aproximadamente 850 D.C.

Josefo, o historiador judeu, escreveu A Guerra dos Judeus logo após 70 D.C. Há nove manuscritos

em grego que datam de 1000-1200 D.C. e uma tradução latina em volta de 400 D.C.

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A Ilíada de Homero foi escrita ao redor de 800 A.C. Era tão importante para os gregos antigos

como a Bíblia era aos hebreus. Há mais de 650 manuscritos que permanecem, mas eles datam de

200 a 300 D.C. que são mais de mil anos depois que foi escrita.

O Velho Testamento: os Rolos do Mar Morto datam de 200 A.C. a 70 D.C. e contém partes de todo

livro do Velho Testamento mais Ester; um rolo de papel contém a cópia completa do Livro de

Isaías. O Códice Vaticanus é uma tradução grega quase completa do Velho Testamento que data

de 350 D.C. O Códice de Aleppo é o mais velho completo manuscrito do VelhoTestamento em

hebreu e foi copiado em 950 D.C. Os Rolos do Mar Morto datam 200-300 anos dentro do último

livro do Velho Testamento. Porém já que os cinco livros de Moisés foram escritos em

aproximadamente 1450 - 1400 A.C. os Rolos do Mar Mortos vieram aproximadamente 1200 depois

que os primeiros livros do velho Testamento foram escritos.

Estas são as seguintes testemunhas ao Novo Testamento: 5.664 manuscritos gregos, 8.000 a 10.000

traduções da Vulgata latina, mais 8.000 manuscritos em etíope, cóptico, eslavo, sírio e armênio. O

fragmento de manuscrito dos manuscritos mais antigos vem de 125 D.C. Alguns manuscritos

datam de 175 D.C. O Códice Sinaiticus é uma cópia completa do Novo Testamento grego que data

de 350 D.C. Além disso, o Novo Testamento inteiro poderia ser reproduzido apenas das citações

que foram feitas pelos Pais da Igreja em suas cartas e sermões

2. Céticos e estudiosos cristãos liberais tem datado os escritos do Novo Testamento do fim do 1º

século e início do 2º século. Eles dizem que estes livros não foram escritos por testemunhas

oculares, mas por segundas ou terceiras mãos. Isto permite o desenvolvimento de mitos relativo a

Jesus. Por exemplo; eles negariam que Jesus na verdade predissesse a destruição de Jerusalém.

Eles afirmam que aqueles escritores cristãos colocaram essas palavras na boca dele.

Muitos dos livros do Novo Testamento afirmam ser escritos através testemunhas oculares.

O Evangelho de João afirma ser escrito pelo discípulo do Senhor (Jo. 21:24-25).

A arquelogia moderna tem confirmado a existência da Piscina de Bethesda que tem cinco pórticos

(Jo. 5:2). Esta referência correta de um detalhe incidental dá credibilidade a João que começou a

ser escrito por um que conheceu Jerusalém antes que fosse destruída em 70 D.C.

Paulo assinou suas epístolas com a própria mão. Ele estava escrevendo para igrejas que o

conheceram. Estas igrejas puderam autenticar que estas epístolas tinham vindo das mãos dele (Gl.

6:11).

As seguintes evidências dão apoio a uma data anterior a 67 D.C. para Marcos, Lucas, Atos e as

Epístolas de Paulo?

O escritor de Lucas e Atos citam Marcos. Então o Evangelho de Marcos deve ser datado de antes

de Lucas.

O Livro de Atos mostra grande precisão histórica. Vários estudos de céticos depois de análise

cuidadosa de Atos e de repassar o caminho missionário de Paulo concluiu que só uma pessoa que

tinha ido de fato nestas jornadas poderia ter escrito para o livro de Atos.

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A jornada missionária de Paulo em Atos dá apoio sobre por que ele estaria escrevendo para as

várias igrejas.

O escritor de Atos afirma ter sido uma testemunha ocular a estas jornadas.

Pedro, Paulo, e Tiago o irmão de Cristo, todos tem importantes papéis no livro de Atos. Atos

também registra o martírio de Estêvão, e Tiago o irmão de João. Também registra grandes

perseguições da Igreja.

De histórias seculares sabemos nós que Pedro, Paulo e Tiago foram levados a morte pela sua fé

por volta de 67 D.C. Contudo Atos conclui sem menção do martírio deles.

Se eles já tivessem sido levados a morte o escritor de Atos certamente teria mencionado o martírio

deles.

O fatos mencionados acima fortemente dão uma data de 61-63 D.C. para estes livros.

Os primitivos Pais da Igreja de 97-180 D.C. dão testemunho de manuscritos do Novo Testamento

que são até mais anteriores que seus escritos. Eles também estão na posição de autenticar esses

livros escritos pelos apóstolos ou por alguns que foram contemporâneos deles e escrevem livros

que afirmam serem de sua autoria.

Clemente 30-100 D.C. escreveu uma epístola para a Igreja coríntia em 97 D.C. Ele lhes lembrou

que observassem a epístola que Paulo tinha escrito a eles anos antes. Lembre-se que Clemente

tinha trabalhado com Paulo (Fl. 4:3). Ele citou os seguintes livros do Novo Testamento: Lucas,

Atos, Romanos, 1 coríntios, Efésios, Tito, 1 e 2 Pedro, Hebreus e Tiago.

O Pai Apostólico Inácio 30-107 D.C., Policarpo 65-155 D.C., e Papias 70-155 D.C. citam versos de

todo o Novo Testamento exceto João 2 e 3 . Eles autenticaram quase todo o Novo Testamento

assim. Inácio e Policarpo foram discípulos do apóstolo João.

Justino Mártir, 110-165 D.C., cita versos dos 13 livros seguintes do Novo Testamento : Mateus,

Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 coríntios, Gálatas, 2 Tessalonicenses, Hebreus, 1 e 2 Pedro,

e Apocalipse.

Irineu, 120-202 D.C., escreveu um trabalho de cinco volumes Contra Heresias com o qual,

Ele citou todo livro do Novo Testamento menos João 3.

Ele citou todos os livros do Novo Testamento mais de 1.200 vezes.

A igreja primitiva teve três critérios para determinar que livros seriam incluídos ou seriam

excluídos do cânon do Novo Testamento .

Primeiro, os livros tinham que ter autoridade apostólica, quer dizer, eles ou devem ter sido

escritos pelos apóstolos, por testemunhas oculares, ou por seguidores dos apóstolos.

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Segundo havia o critério de conformidade ao que foi chamado a "regra de fé". Em outras palavras,

o documento era correspondente com a tradição cristã básica que a igreja tinha reconhecido como

norma?

Terceiro, havia o critério se um documento tinha desfrutado aceitação total e uso pela igreja toda.

O evangelho de Tomé não é incluído no cânon do Novo Testamento pelas seguintes razões:

O evangelho de Tomé falha no teste de autoridade Apostólica. Nenhum dos pais da igreja

primitiva de Clemente a Irineu citou às vezes o evangelho de Tomé. Isto indica que eles não o

conheceram ou que eles o rejeitaram. Os pais da igreja primitiva não apóiam a afirmação do

evangelho de Tomé ter sido escrito pelo apóstolo em qualquer caso. Acredita-se ter sido escrito

por volta de 140 D.C. Não há nenhuma evidência para apoiar sua pretensa afirmação de ter sido

escrito pelo próprio apóstolo Tomé.

O evangelho de Tomé falha ao se conformar à regra de fé. Afirma conter 114 "declarações

secretas" de Jesus. Alguns destes são bem parecidos às declarações de Jesus registradas nos Quatro

Evangelhos. Por exemplo o evangelho de Tomé cita Jesus dizendo, "Uma cidade construída em

um alto monte não pode ficar escondida". Isto é igual ao Evangelho de Mateus a não ser que alto é

somado. Mas Tomé afirma que Jesus disse, "Corte a madeira; eu estou ali. Erga uma pedra, e você

me achará lá". Este conceito é panteístico. Tomé termina dizendo que nega a salvação de mulheres

a menos que elas se tornem iguais aos homens. "Leve Maria longe de nós, porque as mulheres não

são merecedoras da vida". Jesus é citado dizendo, "por isso eu digo que toda mulher que se fizer

macho entrará no reino dos céus".

O evangelho de Tomé falha no teste de uso e aceitação geral. A falta de evidência manuscrita mais

o fracasso dos pais da Igreja primitiva em citá-lo ou reconhecê-lo mostra que não era usado ou

aceito na Igreja primitiva. Só dois manuscritos são conhecidos deste "evangelho". Até 1945 só uma

única tradução de uma cópia do 5º século em cóptico tinha sido encotrado. Então em 1945 um

manuscrito grego do Evangelho de Tomé foi achado em Nag Hammadi no Egito. Isto é

comparavelmente muito escasso aos milhares de manuscritos que autenticam os Quatro

Evangelhos.

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Crítica textual: O que é e por que é necessária

Condições importantes:

"Baixa" crítica textual: a prática de estudar os manuscritos da Bíblia com a meta de reproduzir o

texto original da Bíblia da vasta riqueza de manuscritos. Esta é uma tarefa necessária porque

existem variações secundárias nos textos bíblicos. Assim a menos que um juiz escolha um

manuscrito e julgue todos os outros se eles concordam ou discordam com ele a pessoa tem que

usar crítica textual.

"Alta" crítica: "The Jesus Seminar" é um grupo de altos críticos cristãos liberais que votam em qual

das declarações de Cristo eles acreditam terem sido de fato ditas por Ele. Este é um exemplo de

"alta crítica". É altamente subjetiva e está sujeita aos pontos de vista dos vários "altos críticos".

Variantes textuais: Já que todos os manuscritos gregos do Novo Testamento antes da primeira

impressão do Novo Testamento grego de Erasmus foram escritos à mão podiam ter erros ou

variantes nos textos. Quando estes manuscritos de Novo Testamento grego são comparados entre

si nós achamos evidência de erros dos escribas e lugares onde os manuscritos diferentes diferem

um do outro.

Muitos estudiosos gastaram toda vida de estudo das variantes textuais. Eis a conclusão da

importância destas variantes como eles relacionam à integridade do texto do Novo Testamento .

Há mais de 200.000 variantes só no Novo Testamento. Estas variantes reforçam nossa confiança

que o Novo Testamento foi dado fielmente a nós.

Estas 200.000 variantes não são tão grande quanto elas parecem. Lembre-se que toda palavra mal

escrita de uma omissão de uma única palavra em qualquer um dos 5.600 manuscrito contaria

como uma variante.

Johann Bengel 1687-1752 estava muito transtornado pelas 30.000 variantes que tinham sido

recentemente observadas na edição de Mills do Testamento grego. Depois de longo estudo ele

chegou à conclusão que as leituras variantes eram menos em número que se esperavam e que eles

não atacaram qualquer artigo da doutrina cristã.

Westcott e Hort, em 1870, mostraram que o texto do Novo Testamento permanecem mais de 98.3

por cento puro não importando se alguém usa o Textus Receptus ou o próprio texto grego deles

que estavam em grande parte baseados no Códice Sinaiticus e Códice Vaticanus.

James White, na pág. 40 de seu livro The King James Only Controversy (A Controvérsia Sobre Só a

Versão King James) diz: "A realidade é que a quantidade de variação entre os dois manuscritos

extremamente diferentes do Novo Testamento fundamentalmente não levariam a nenhum altar a

mensagem das Escrituras! Eu faço esta declaração (1) completamente ciente do longo número de

variantes textuais no Novo Testamento , e (2) dolorosamente ciente dos fortes ataques nesses que

fizeram declarações semelhantes no passado".

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Os estudiosos Norman Geisler e William Nix concluem, "O Novo Testamento, então, não só

sobreviveu em mais manuscritos que qualquer outro livro da antigüidade, mas sobreviveu em

uma mais pura forma que qualquer outro grande livro, uma forma que é 99.5 por cento pura".

Quando os críticos textuais olham todos os 5.600 manuscritos do Novo Testamento grego que eles

encontram podem se agrupar estes manuscritos em texto-padrão ou famílias com outros

manuscritos semelhantes. Há quatro texto-padrão.

O texto-padrão alexandrino, achado na maioria em papiro no Códice Sinaiticus e Códice

Vaticanus que datam antes de 350 D.C.

O texto-padrão ocidental, encontrado tanto em manuscritos gregos como em traduções em outros

idiomas, especialmente o latim.

O texto-padrão bizantino, achado na vasta maioria dos manuscritos gregos. Mais de 90 por cento

de todos os 5.600 manuscritos de Novo Testamento grego é do texto-padrão bizantino. A razão

que nós temos tantos manuscritos do texto-padrão bizantino é porque o Império bizantino

continuou a falar o grego e os cristãos ortodoxos até os turcos transformarem Constantinopla em

sua capital em 1456. Constantinopla é chamada Istambul agora e é a capital da moderna Turquia.

O texto-padrão de Cesaréia, discutido por alguns, achados em p 45 e alguns outros manuscritos.

A razão pela qual a versão King James difere da NASV e da NIV em vários pontos é porque foi

traduzida de um texto-padrão diferente deles.

A versão King James foi traduzida do Novo Testamento grego de Erasmus que fez uso só de cinco

manuscritos gregos sendo o mais velho de 1.100 D.C. Estes manuscritos forma exemplos do texto-

padrão bizantino. Noventa por cento de todos os manuscritos gregos pertencem a esta família de

textos. O texto-padrão bizantino é "mais profundo" ou "mais longo" que outros textos-padrão, e

isto é tido como evidência de uma origem mais recente.

A NASV e o NIV fazem uso da 4a. Edição do Novo testamento de 1968 da United Bible Societies.

Esta edição do Novo Testamento grego se baseia mais profundo no texto-padrão alexandriano. As

razões para a confiança no texto-padrão alexandrino são as seguintes:

Este texto-padrão usa manuscritos datados de 175-350 D.C. que inclui a maioria dos papiros,

Códice Sinaiticus e Códice Vaticanus.

Os pais da Igreja de 97-350 D.C. usaram este texto-padrão ao citarem o Novo Testamento.

As antigas traduções do Novo Testamento usaram o texto-padrão alexandrino.

Nos exemplos seguintes a versão King James difere da NIV, e NASV. porque é tradução baseada

no texto-padrão bizantino e a NIV e NASV baseia o seu no texto-padrão alexandrino.

KJV 1 Jo.5:7-8 "Porque são três os que dão testemunho no céu, o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo: e

estes três são um. E há três que testemunham na Terra, o espírito, a água e o sangue; e estes três

são um ".

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NIV 1 Jo. 5:7 "Porque são três os que dão testemunho: v. 8 o Espírito, a água e o sangue: e os três

estão de acordo ".

Quando Erasmus imprimiu seu primeiro Novo Testamento grego em 1514 não continha as

palavras "Porque são três os que dão testemunho no céu, o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo: e

estes três são um. E há três que testemunham na Terra" porque eles não foram encontrados em

quaisquer dos manuscritos gregos que Erasmus viu.

Estas palavras adicionais são achadas em só oito manuscritos como uma leitura variante escrita na

margem. Sete destes manuscritos datam do décimo sexto século e um é do décimo século.

Estas palavras não foram citadas por quaisquer dos pais da Igreja gregos. Elas teriam sido

certamente usadas se a Trindade nos 3º e 4º séculos existisse.

Estas palavras não são achadas em qualquer versão antiga do Novo Testamento. Estes incluem

sírio, cóptico, armênio, etíope, árabe, eslavo, nem no Latim Antigo na sua forma primitiva.

Estas palavras começam a aparecer em notas marginais no Novo Testamento latino que começou

no quinto século. Depois do sexto século são achadas cada vez mais freqüentemente estas

palavras.

Erasmus finalmente concorda pôr estas palavras em novas edições do Novo Testamento grego se

seu crítico pudesse achar um manuscrito grego que contivesse estas palavras. Parece que os

críticos dele fabricaram manuscritos para incluir estas palavras.

O Novo Testamento de Erasmus se tornou a base para o Novo Testamento grego, "Textus

Receptus" que os tradutores da King James usaram como a base para a tradução do Testamento

Novo em inglês.

Marcos 16. 9-20 são encontrados na versão King James. Porém, a NASV e a NIV nota que estes

versos não são achados nos manuscritos mais antigos do Evangelho de Marcos.

Nem o Códice Sinaiticus nem o Códice Vaticanus têm Marcos 16:9-20.

Marcos 16:9-20 também está ausente de algum Latim Antigo, sírio, manuscritos armênios, e

georgianos.

Clemente de Alexandria e Orígenes não mostram nenhum conhecimento da existência destes

versos.

Lucas 2:14 lê:

KJV: "Glória a Deus nas alturas e paz na Terra, boa-vontade para com os homens".

NIV: "Glória a Deus nas alturas, e paz de terra para os homens por Ele amados".

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O texto grego do qual estas duas versões são traduzidas difere através de só uma carta. A NIV é

traduzida de manuscritos que têm um s no fim da palavra grega para homens de boa-vontade.

Esta leitura é apoiada pelos textos-padrão alexandrinos mais antigos.

El Textus Receptus

O invento de João Gutemberg, a imprensa de tipos móveis, produziu as mais transcendentais

conseqüências para a cultura e a civilização ocidentais. Dessa época em diante puderam ser

reproduzidas cópias de livros mais rápida e economicamente e com um grau de perfeição até

então nunca alcançado.

Mui apropriadamente, a primeira impressão importante de Gutemberg foi uma magnífica edição

da Bíblia. O texto era da Vulgata Latina de Jerônimo e foi publicada em Maguncia entre 1450 e

1456.

Não obstante, com exceção de alguns países, o Novo Testamento grego teve de esperar até 1514

para ser impresso. Duas razões são atribuídas a esta demora de quase setenta anos. A primeira

delas era a dificuldade e o custo da produção de tipos gregos de fundição necessários para um

livro de consideráveis dimensões.

A segunda e mais importante razão que retardou a publicação do texto grego, foi sem dúvida o

prestígio da Vulgata Latina de Jerônimo. As traduções em idiomas nacionais não anulavam a

superioridade do texto latino do qual provinham; porém, a publicação do Novo Testamento grego

oferecia a qualquer erudito conhecedor de ambas as línguas, uma ferramenta com a qual podia

criticar e corrigir a Bíblia oficial da igreja romana.

Todavia, em 1514, saiu da imprensa o primeiro Novo Testamento Grego como parte de uma Bíblia

poliglota. Planejada em 1502 pelo Cardeal Primado da Espanha, Francisco Jiménez de Cisneros,

uma magnífica edição do texto hebraico, aramaico, grego e latino, foi impresso na cidade

universitária de Alcalá (Complutum).

Apesar do texto complutense ter sido o primeiro Novo Testamento grego a ser impresso, não foi o

primeiro a ser publicado (isto é, colocado em circulação). A edição preparada pelo famoso erudito

e humanista holandês Disidério Erasmo de Rotterdam teve essa primazia.

Não se pode determinar exatamente quando Erasmo decidiu preparar a edição do Testamento

grego, porém, durante uma visita a Basiléia em agosto de 1514, discutiu (possivelmente não pela

primeira vez) com o editor J. Froben, a possibilidade de se imprimir tal volume. Suas negociações

pareceram interromper-se por algum tempo, porém foram restabelecidas durante uma visita de

Erasmo à Universidade de Cambridge em abril de 1515. Foi então que Froben o importunou

através de um amigo mútuo, Beatus Rhenanus, a fim de que se encarregasse imediatamente da

edição do Novo Testamento grego. Sem dúvida Froben, tendo ouvido sobre a iminente publicação

da Bíblia poliglota espanhola e percebendo que o mercado estava pronto para uma edição do

Novo Testamento grego, desejava aproveitar a demanda antes que a obra de Jiménez fosse

concluída e a proposta de Froben, acompanhada pela promessa de pagar a Erasmo "... tanto

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quanto qualquer outro pudesse oferecer por tal trabalho", aparentemente chegara no momento

oportuno.

Tendo ido novamente a Basiléia, em julho de 1515, Erasmo esperava encontrar manuscritos gregos

suficientemente bons para serem impressos, e apresentá-los juntamente com sua própria tradução

latina, na qual vinha trabalhando de forma intermitente nos últimos anos.

Não obstante, com desgosto, pôde comprovar que os únicos manuscritos disponíveis naquele

momento, exigiam várias correções antes que pudessem ser usados como cópias de impressão.

O trabalho começou em 2 de outubro de 1515 e a primeiro de março de 1516 - somente cinco

meses depois - a edição completa tinha sido concluída em um grande volume impresso de

aproximadamente mil páginas que, segundo o próprio Erasmo declarou mais tarde, foi "... mais

precipitado que revisado".

Devido à pressa da produção, o volume contém centenas de erros tipográficos. A esse respeito,

Scribner declarou: "... é o livro com mais erros que já vi!".

Embora Erasmo não pudesse conseguir um só manuscrito que contivesse o Novo Testamento

completo, ele utilizou vários para as distintas partes do mesmo. Para a maioria do texto ele se

baseou em ...dois! manuscritos (porém, bem inferiores) de uma livraria monástica da Basiléia. Um,

dos Evangelhos e o outro, de Atos e Epístolas, ambos com data do século XII aproximadamente.

Erasmo comparou os manuscritos com dois ou três dos mesmos livros, fazendo correções

ocasionais para o impressor, bem à margem ou nas entrelinhas do manuscrito grego. Para o livro

de Apocalipse, não tinha senão um manuscrito também do século XII, que tomara de empréstimo

de seu amigo Reuschlin e no qual infelizmente faltava a última folha que continha os últimos

versículos do livro.

Para estes versículos, assim como para algumas outras passagens do livro onde o texto grego de

Apocalipse e o comentário que o acompanhava (que por estarem tão mesclados resultavam

ininteligíveis), Erasmo dependeu da Vulgata Latina, traduzindo do latim para o grego. Como era

de se esperar de tal procedimento, aqui e ali encontram-se leituras do grego do próprio Erasmo,

que nunca haviam sido achadas em nenhum manuscrito grego conhecido, mas que foram

perpetuadas até o dia de hoje ao ser impresso o chamado Texto Receptus.

Em outras partes do Novo Testamento, Erasmo também introduziu ocasionalmente no texto

grego, material tomado da Vulgata Latina. Por exemplo, em Atos 9.6, a pergunta que Paulo faz no

momento de sua conversão no caminho de Damasco: "... ele, tremendo e atônito, disse: Senhor,

que queres que faça?" é uma óbvia interpolação procedente da Vulgata. Esse acréscimo, que não se

encontra em nenhum manuscrito grego desta passagem, tornou-se parte do Texto Receptus, o qual

a versão Reina-Valera tomou como base em 1569 até as suas revisões atuais.

Outra interpolação que não está apoiada por nenhum manuscrito grego antigo e fidedigno, é a

conhecida Vírgula Johanneum em 1Jo 5.7-8, que Erasmo se viu obrigado a introduzir por causa

dos ataques dos editores da Poliglota Complutense.

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Em definitivo, o texto do Novo Testamento grego de Erasmo, se baseou em não mais que meia

dezena de manuscritos minúsculos (isto é, escritos com letras minúsculas). O mais antigo e melhor

deles, Códice I (um minúsculo do século X, que concorda em muitas partes com o Texto Uncial

antigo), foi o que Erasmo menos utilizou, pois, ... temia os seus possíveis erros!

A obra de Erasmo de Rotterdam, foi revisada cinco vezes, e mais de trinta revisões foram

realizadas sem autorização em Veneza, Estrasburgo, Basiléia, Paris e outros lugares. Subseqüentes

revisores tais como Melchiore Sessa, Robert Estiebnne, Teodoro Beza, os irmãos Buenaventura e

Abraham Elzevier, apesar de haverem realizado várias alterações, reproduziram seguidamente

esta forma adulterada do Novo Testamento grego, assegurando-lhe uma preeminência tal, que

chegou a denominar-se o "texto normativo" do Novo Testamento e resistiu por mais de

quatrocentos anos (e resiste ainda hoje) a todos os esforços eruditos por desprezá-la em favor de

um texto mais fiel.

O Texto Receptus serviu como base de tradução do Novo Testamento para a maioria dos idiomas

da Europa, inclusive o castelhano, até antes de 1881. Tão supersticiosa e pedante tem sido sua

imerecida reverência, que as tentativas por criticá-lo ou emendá-lo têm sido consideradas como

um sacrilégio; tudo isto apesar da sua base textual ser essencialmente uma mistura de manuscritos

tardios escolhidos ao acaso pelo menos em uma dezena de passagens, sua leitura não está apoiada

por nenhum manuscrito grego conhecido até o presente.

OS MANUSCRITOS ANTIGOS

1) IMPORTÂNCIA DOS MANUSCRITOS ANTIGOS:

a) Provam que os livros da Bíblia realmente foram escritos na época em que eles dizem que

foram escritos.

b) Provam que o texto foi bem conservado, sem alterações significativas, desde a época em

que os livros foram escritos.

c) Nos permitem chegar a um texto virtualmente igual ao texto original escrito pelos profetas

e apóstolos.

2) OS MANUSCRITOS MAIS ANTIGOS.

Os manuscritos mais antigos do Antigo Testamento que ainda existem até hoje, datam do

século III A.C., e estão entre os chamados papiros do Mar Morto.

Os manuscritos mais antigos do novo testamento que ainda existem até hoje, datam do final

do século II D.C., ou início do século III D.C., e são os papiros chamados P46, P64, P66 e P67.

3) OS PRINCIPAIS MANUSCRITOS ANTIGOS.

Os principais manuscritos antigos do velho testamento são aqueles produzidos pelos

massoretas, que eram escribas judeus encarregados de zelar pela integridade e exatidão dos textos

sagrados.

O texto produzido pelos massoretas é chamado texto massorético, e é um texto muito

confiável, pois os massoretas foram grandemente diligentes, zelosos e cuidadosos ao copiarem os

textos, e inclusive não alteravam nenhuma letra, e onde achavam que a leitura correta deveria ser

outra, colocavam isto em uma nota de rodapé, chamada Qeri.

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Além disso, os massoretas contavam todas as letras de cada livro e assinalavam a letra do

meio, e contavam todas as palavras de cada livro, e assinalavam a palavra do meio. Por isso, os

massoretas eram também chamados de Soferim, que significa contadores.

Os principais manuscritos antigos do Novo Testamento são o Codex Sinaiticus e o Codex

Vaticanus, datados do século IV D.C. O Codex Sinaiticus contém todo o Novo Testamento, e o

Codex Vaticanus contém a maior parte do Novo Testamento.

4) AS TRADUÇÕES ANTIGAS.

Além dos manuscritos antigos, existem também traduções antigas da Bíblia, para diversas línguas,

as quais mostram qual era o texto antigo da Bíblia.

A principal tradução antiga é a Septuaginta, que é uma tradução do Antigo Testamento para

o grego, feita no século III antes de Cristo.

5) AS CITAÇÕES DOS ESCRITORES ANTIGOS.

Vários escritores cristãos antigos, chamados “pais apostólicos” ou “pais da igreja”, citaram,

nos seus escritos, vários trechos do Novo Testamento, de modo que as citações do Novo

Testamento feitas por eles mostram qual era o texto antigo do Novo Testamento.

6) AS PRINCIPAIS ADIÇÕES.

Comparando os diversos manuscritos antigos, vemos que alguns trechos foram adicionados

posteriormente, pois não constam nos manuscritos mais antigos.

As principais adições são:

a) O trecho João 7:53 a 8:11.

b) O trecho Marcos 16:9-20.

c) As palavras "que nada disso observem, mas", em Atos 21:25.

d) As palavras “no céu: O Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que

testificam na terra”, em 1 João 5:7-8.

7) O TEXTO AUTÊNTICO DA BÍBLIA.

O texto autêntico da Bíblia é aquele que resulta da comparação de todos os manuscritos

antigos, e de todas as traduções antigas, e de todas as citações de escritores antigos.

A Sociedade Bíblica do Brasil vende edições críticas do Antigo Testamento em Hebraico e do

Novo Testamento em Grego, as quais trazem o texto e trazem também, no no rodapé, todas as

variantes que constam nos diversos manuscritos antigos, e nas diversas traduções antigas, e nas

citações do texto bíblico feitas pelos escritores antigos, de modo que podemos verificar qual o

texto autêntico da Bíblia, comparando as variantes dos diversos manuscritos antigos, e das

diversas traduções antigas, e das citações feitas pelos escritores antigos.

Qualquer pessoas pode adquirir as edições críticas do Antigo Testamento em hebraico e do

Novo Testamento em grego, no site da Sociedade Bíblica do Brasil.

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NOMENCLATURA DA CRÍTICA TEXTUAL

Como toda a ciência, a Crítica Textual Bíblica tem a sua nomenclatura própria, os seus

termos técnicos, cujo conhecimento será muito útil para a boa compreensão da matéria.

A presente lista propiciará aos estudantes apreciável subsídio.

Antilegômena – o termo em grego significa contestado – e aplica-se a alguns livros da Bíblia,

que no período da formação do cânon, foram mais difíceis de serem introduzidos, como

Apocalipse 11 e III João, II Pedro, Hebreus, Tiago.

Aparato Crítico – Conjunto de sinais e termos técnicos que nos elucidarão sobre a validade

das variantes do texto bíblico.

Apócrifo – Etimologicamente significa escondido, oculto. Literariamente o termo foi usado

para livros que eram guardados do público por causa do seu conteúdo. Nome dado aos livros não

inspirados, que aparecem nas Bíblias Católicas, mas que não fazem parte do Cânon Sagrado

Hebraico. . .

Arquétipo – Modelo principal de certo tipo de texto. O Coridete é o arquétipo da Família

Cesareense.

Autenticidade – Este termo designa o escrito digno de fé, de confiança, que não suscita

nenhuma dúvida.

O Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Vol. I, pág. 54, assim define

autenticidade: "A distinção entre autêntico e inautêntico é empregada na crítica literária para

distinguir as partes originais de uma passagem ou fonte de acréscimos posteriores, e na discussão

sobre se um escrito deve ser atribuído ao autor cujo nome é associado com ela. Não dá a entender,

necessariamente, um julgamento de valor, quanto à historicidade ou valor geral da obra em

discussão."

Autógrafo – É o escrito do próprio punho do escritor bíblico.

Canonicidade – Qualidade atribuída aos livros da Bíblia que estavam de acordo com os

cânones, isto é, com as regras e princípios reconhecidos pela Igreja como divinos.

Códice – Nome dado ao livro antigo que substituiu o rolo. A palavra vem do latim codex –

tronco de árvore, livro. A palavra era usada para as folhas de papiro ou pergaminho usadas para

se escrever.

Colação – Comparação entre os manuscritos. Este confronto quase sempre foi feito com base

no Textus Receptus.

Comma Joanina – Da expressão latina – comma johanneum – usada por autores católicos,

significando o "inciso" ou "interpolação" relativa a João. Referência a I João 5: 7 e 8, ou às três

testemunhas celestiais, cujas palavras não se encontram no original.

Diáspora – A dispersão dos judeus residentes na Palestina para as regiões da Assíria,

Babilônia, Egito, Grécia, Itália e muitos outros lugares.

Diatessaron – Titulo dado por Taciano ao seu livro Harmonia dos Quatro Evangelhos. Trabalho

concluído no ano 170.

Emenda – Correção feita no texto ou na margem para a melhoria dos manuscritos.

Epigrafia – Interpretação dos relatos escritos que têm sobrevivido do antigo passado.

Escólio – Observações explicativas colocadas ao lado do texto, para a melhor compreensão

do leitor.

Evidências – Provas internas e externas, que nos levam a concluir qual a melhor entre

algumas variantes de leitura.

Exegese – É á aplicação das regras e princípios estabelecidos pela hermenêutica.

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Família – Denominação criada por técnicos da Crítica Textual, especialmente Farrar e Lake

para designar manuscritos, que apresentam muita semelhança. São bem conhecidas as famílias 1 e

13 dos manuscritos minúsculos. Os eruditos da Crítica Textual classificaram todos os manuscritos

existentes em quatro famílias: Alexandrina, Bizantina, Cesareense, Ocidental.

Frases latinas – Existem três frases latinas, muito citadas em Crítica Textual, cujo significado

deve ser conhecido.

Dificilitor lectio potior – entre uma variante fácil e outra difícil, prefira-se a difícil.

Brevior lectio potior – prefira-se o texto mais breve ao mais longo.

Proclivi scriptioni praestat ardua – o texto mais difícil deve ser preferido ao mais fácil.

Glosa – Breve explicação de palavras ou frases difíceis.

Higiógrafo – Em grego, escrito sagrado. Uma das três divisões dos livros do Cânon

Hebraico. Sendo as outras duas: o Pentateuco e os Profetas.

Hapax Legomenon – Expressão que de acordo com o grego significa - hapax – uma só vez e

legomenon – particípio passivo do verbo lego – dizer. Significando portanto a designação para as

palavras bíblicas empregadas apenas uma vez.

Haplografia – Erro do copista, que escrevia uma só vez o que devia ser repetido.

Hermenêutica – É a ciência que nos ensina os preceitos, as regras e os métodos para uma

correta interpretação.

Schleiermacher assim definiu hermenêutica: "A doutrina da arte de compreender."

Homoioteleuton – terminação igual de duas linhas, induzindo, por vezes o copista a pular

da primeira para a segunda linha.

Integridade – Qualidade do livro de chegar até nós na forma em que foi escrito, isto é, sem

perda de seu conteúdo por acréscimo, omissão ou troca.

Ítala – Para alguns é a mais notável das antigas versões latinas, para outros é o nome dado ao

conjunto destas versões.

Kerigma – Vocábulo grego muito usado nos primeiros séculos cristãos para a proclamação

do evangelho de Cristo.

Lecionário – Manuscrito contendo partes do Novo Testamento, destinadas à leitura nos

serviços de adoração.

Midrasch – Comentário homilético do texto sagrado seguindo mais ou menos versículo por

versículo. Este trabalho visava a edificação da comunidade e seu maior apego aos livros da Bíblia.

Mishná – do hebraico shaná – repetição, Termo usado para designar as leis judaicas

transmitidas oralmente, para distinguir de Micrá, as leis transmitidas através de documentos.

Nomina Sacra – Designação atribuída aos nomes sagrados, como Deus, Salvador, Cristo,

Jesus, Senhor, Espírito Santo. Estes nomes eram abreviados ou contraídos pelos copistas.

Paleografia – Arte de decifrar escritos antigos e classificar a idade dos manuscritos. Ciência

que tem como objetivo o estudo da escrita antiga em qualquer espécie de material.

Palimpsesto – Nome formado de duas palavras gregas – palin = de novo e psesto = raspado.

Manuscrito raspado da primitiva escrita, para poder receber uma nova escrita.

Patrística – Conjunto das obras dos Pais da Igreja.

Perícope – Seção ou parágrafo de um livro sagrado.

Prolegômenos – Introdução geral de uma obra científica, artística ou religiosa. Prefácio

longo.

Querê e Kethibi – Querê: Designação dada pelos massoretas à forma correta que devia estar

no texto, mas foi trocada por outra errada pelos copistas. Significa o que deve ser lido. A palavra

correta era colocada na margem. Kethibi: o escrito. Nome dado à palavra errada do texto.

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Recensão – Comparação de uma edição de autor antigo com os manuscritos, visando

descobrir o texto de uma edição com o respectivo manuscrito.

Septuaginta – Tradução do Velho Testamento para o grego, feita em Alexandria no século III

AC por um grupo de setenta judeus.

Talmude – Livro dos judeus, contendo interpretação bíblica, comentários, conselhos, etc.

Compilado desde o tempo de Esdras, V século AC até o VI século da Era Cristã. Em hebraico a

palavra significa estudo, ensino. A exemplo da palavra Bíblia deve ser sempre escrito com inicial

maiúscula.

Targum – Tradução ou paráfrase de partes do Velho Testamento em aramaico para os judeus

da Palestina que não mais entendiam o hebraico.

Aurélio define targum assim: Conjunto de traduções e comentários de textos bíblicos que

falam do século VI A.C.

Testemunha – Conjunto dos manuscritos, versões e citações patrísticas que sancionam

determinada variante.

Textus Receptus – Expressão latina proveniente de uma frase da edição do Novo

Testamento (1633) dos irmãos Boaventura e Abraão Elzevir.

A base do Textus Receptus foi o grego do Novo Testamento de Erasmo, em que se basearam

as traduções em alemão e inglês, inclusive a KJV (1611). Por ser um texto bizantino, baseado em

pequeno número de manuscritos, a Crítica Textual achou melhor substituí-lo por textos melhores

como o de Westcott e Hort.

A frase latina significa em português texto recebido.

Tipo – Nome dado ao modelo de determinado texto do novo testamento, que apresenta

caracteres afins com outros manuscritos. Os quatro tipos de texto são: alexandrino, bizantino,

cesareense e ocidental.

Variante – Modo diferente da mesma passagem se apresentar nos manuscritos.

Versão Autorizada – Nome da versão inglesa da Bíblia (1611), preparada por uma douta

comissão, autorizada pelo rei Tiago da Inglaterra.

Veteres Latinae ou Velhas Latinas – Nome dado às traduções latinas feitas antes da Vulgata.

Vulgata – Palavra proveniente do latim "vulgare" – fazer conhecido, publicar. Nome dado à

versão latina da Bíblia, preparada por Jerônimo a pedido do Papa Dâmaso (383 d.C.). A Vulgata

paulatinamente substituiu as outras versões latinas usadas na igreja primitiva, tais como a Antiga

Latina (Vetus Latina). No Concílio de Trento (1546) recebeu autoridade canônica na Igreja Católica

Romana

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A História Manuscrita do Novo Testamento

Introdução

Num período de quase 1500 anos o Novo Testamento foi copiado à mão em papiro e pergaminho.

Temos notícia de uns 5500 manuscritos espalhados em museus e bibliotecas pelo mundo afora. Os

documentos vão desde fragmentos de papiro até Bíblias inteiras em grego, produzidas a partir da

invenção da imprensa.

É notório que nem todos os manuscritos concordam. Essas pequenas variações requerem uma

avaliação cuidadosa para determinar o que ao autor realmente escreveu. Não existe mais nenhum

manuscrito original, vamos depender tão somente de cópias dos textos-fontes de autores

apostólicos. Por isso precisamos da crítica textual.

Acreditamos que a Bíblia é plena e verbalmente inspirada no seu original. A nossa intenção é

procurar dar maior segurança possível ao leitor quanto à fidedignidade da fonte grega de todas

versões que temos hoje.

Os problemas

O apóstolo Paulo diz em sua carta aos gálatas: “Vede com que letras grande vos escrevi de meu

próprio punho” (6.11). Agora, imaginemos como seria impressionante poder ver a epístola no

original ou ver como apóstolo assinava seus textos. Mas, infelizmente, todos os originais já

desaparecem e o confronto da cópia de um manuscrito com o original ou com outra cópia, para

verificar a correspondência entre os respectivos textos e assim analisar a maior ou menor

autoridade para escolha do texto exato é impossível.

É importante percebermos que uma das razões para o fim prematuro dos autógrafos do Novo

Testamento foi a pouca durabilidade do papiro, que não durava muito mais que o papel atual. É

bem possível que os cristãos primitivos tenham lido e relido os originais até que eles se desfizeram

por completo. Mas antes que os textos desaparecessem, eles foram copiados. E aí estamos com um

outro problema: os erros introduzidos nos textos mediante as cópias feitas manualmente.

Até a invenção da imprensa, muitos erros foram cometidos, resultado natural da fragilidade dos

copistas. E obviamente, à medida, que aumentavam as cópias, mais cresciam as divergências entre

elas. Afinal cada copista acrescentava os próprios erros àqueles já cometidos pelo anterior. O

objetivo da Crítica Textual tem sido de avaliar as fontes e reconstruir o texto com a maior

probabilidade de ser o original.

Dificuldades de trabalho

O primeiro desafio da Edição Crítica do Novo Testamento está na distância entre as cópias mais

completas e os originais. O texto sagrado estava completo por volta do ano 100, sendo que a

grande maioria dos livros que o compõem já exista há pelo menos 20 anos antes dessa data, alguns

até 50 anos antes, e de todas as cópias manuscritas que chegaram até nós, as melhores e mais

importantes são do século IV. Ou seja, a distância entre os autógrafos chega perto de três séculos.

Isso faz com que o Novo Testamento seja a obra mais bem documentada da Antigüidade.

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Só para ilustrar a afirmação acima podemos dizer que os Clássicos (gregos e latinos), que poucas

pessoas questionam a autenticidade, possuem um espaço muito maior entre os autógrafos e as

cópias. Por exemplo, a cópia mais antiga que se conhece de Platão foi escrita 1300 anos depois de

sua morte. Um único dos clássicos que se aproxima do Novo Testamento é Virgílio, falecido no

ano 8 a.C., que encontramos um manuscrito completo de suas obras no século IV d.C.

Nesse aspecto, a situação do Novo Testamento é bem diferente. Temos manuscritos do século IV,

em pergaminho, e um número considerável de fragmentos em papiro de praticamente todos os

livros que compõem o Novo Testamento, que nos levam até o século III, e alguns até o século II.

Há um segundo obstáculo: o grande número de documentos disponíveis. Conforme foi dito no

início do trabalho, existem cerca de 5500 manuscritos gregos (língua que o Novo Testamento foi

escrito) completos ou fragmentos, fora aproximadamente 1300 manuscritos das versões e milhares

de citações dos Pais da Igreja. Ou seja, o problema não está na falta de evidências textuais, mas no

excesso. Assim, temos mais um problema que resulta em vantagem, afinal temos uma

multiplicação de manuscritos que oferecem ensejo para os mais variados erros e muito mais

elementos de comparação. Isso faz com que o texto tenha muito mais apoio crítico do que

qualquer outro livro da antiguidade.

O terceiro desafio é o número assustador de variantes existentes. Num processo natural de

multiplicação de manuscritos por um período de mais ou menos 1400 anos, foram surgindo

inúmeras variações textuais. Notemos que as variações são de pouca importância doutrinária. Por

exemplo, são variações na ordem de palavras, no uso de diferentes preposições e outras, o que na

prática não tem como ser representado na língua portuguesa.

A preparação do texto

Conforme dissemos acima, até o século XV, os textos eram transmitidos a partir de cópias

manuais, usando material muito rústico.

Papiro

O papiro foi utilizado nas primeiras cópias do Novo Testamento, já que era o principal material de

escrita da Antigüidade.

O papiro era um tipo de junco, com caule triangular, com a grossura de um braço, com altura que

variava entre 2 e 4 metros, que crescia nas margens do Lago Huleh, na Fenícia, no vale do Jordão e

junto Nilo (onde foram encontrados os mais antigos fragmentos de papiro conhecidos, que

constam de 2850 a.C.). A folha era feita com a medula do caule cortada em tiras estreitas e postas

em duas camadas transversais sobre uma superfície plana. Depois eram batidas com um objeto de

madeira, e se colocavam por causa da substância liberada da medula. Em seguida era seca ao sol e

alisada, e estava pronta para a escrita.

O tamanho médio de uma folha era de 18 x 25cm, que podia variar de acordo com a finalidade.

Várias podiam ser coladas pela borda para formar um rolo, que geralmente não tinha mais do que

10 metros de comprimento. O texto normalmente aparecia em colunas de 7 cm de altura, com

intervalo de 1,5 cm ou 2 cm, com um pequeno espaço para correções e anotações. As margens

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superiores e inferiores eram maiores. A margem do começo do rolo era ainda maior. Nos rolos

utilizados com maior freqüência, usa-se um bastão roliço, cujas pontas sobressaiam acima e

abaixo.

Como regra só se escrevia sobre um lado, exceto em caso de escassez que se utilizava o verso. A

tinta era feita com fuligem, goma e água, e a escrita era feita com uma cana de 15 a 40 cm de

comprimento, de uma planta vinda também do Egito.

O papiro foi utilizado como material para escrita até a conquista do Egito pelos árabes, em 641,

quando ficou impossível importar o material. Sendo utilizado principalmente na literatura secular

a partir do século IV.

A primeira descoberta moderna de papiros ocorreu em 1778 numa província do Egito, chamada

Fauim, dessa data em diante, milhares têm sido descobertos, principalmente no Egito, graças ao

clima seco que favorece em muito a sua preservação.

O pergaminho

Outro material utilizado era o pergaminho, que era mais durável que o papiro. Ele era feito em

peles de carneiro ou ovelha submetido a um banho de cal e em seguida raspada e polida com

pedra-pomes. Depois eram lavada, novamente raspadas e colocadas para secar em molduras de

madeira a fim de evitar pregas ou rugas. No final do processo recebiam uma ou mais demãos de

alvaidade. A etimologia vem da cidade de Pérgamo, onde processo foi desenvolvido por volta do

século II a.C.

É interessante perceber que o seu uso já era conhecido desde o século XVIII a.C., só que bem

menos utilizado do que o papiro. O pergaminho só conseguiu superar o papiro somente no século

IV d.C, por causa do seu custo elevado, até o final da Idade Média, quando foi substituído pelo

papel, que foi inventado na China começo do século I, e no século XII, foi introduzido na Europa

por comerciantes árabes.

Os pergaminhos eram escritos com penas de bronze ou cobre. Os remígios de ganso acabaram

substituindo as peças metálicas. A tinta era feita a partir de substâncias vegetais ou minerais. A

cor mais comum era preta ou a vermelha, todavia eram produzidas tintas douradas e prateadas.

As linhas eram marcadas por um estilete, podendo ser horizontais ou verticais.

Há um tipo de pergaminho conhecido como palimpsesto, que era aquele cuja obra havia sido

raspada para receber um texto novo, já que o material era caríssimo. Tal prática foi condenada

para o uso de pergaminhos bíblicos para outros propósitos no ano de 692, pelo Concílio de Trullo.

Usam-se vários métodos para que se possa restaurar o texto original: reagentes químicos (que

acabavam estragando o pergaminho); fotografia de palimpsesto (iluminação do pergaminho com

raios ultravioleta afim de enxergar a escrita).

Códice

Adotou-se o preguear dos manuscritos nas suas bordas e juntar uma série, formando uma espécie

de caderno. Em obras maiores, faziam-se cadernos com um número menor de folhas, mas

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dobradas, como nos livros modernos. Os cadernos variavam de oito, dez ou doze folhas, todavia

já foram encontrados até com cem. Surgem os chamados códices.

Os estudiosos têm afirmado que os códices surgiram primeiramente em Roma, no início do

Cristianismo. Os cristãos, por questões de praticidade, foram os responsáveis pela popularização

do tipo: permitindo que os textos bíblicos estivessem num único livro, a maior rapidez na

localização de passagens, mais baratos (escritos dos dois lados da folha).

Em segundo lugar, os gentios convertidos ao cristianismo, parece que optaram pelo códice para

diferenciar dos livros usados pelos judeus e pelos pagãos.

Escrita

A escrita mais comum nos manuscritos mais antigos do Novo Testamento, assim como de muitos

textos literários era a uncial ou maiúscula. No texto sagrado ela era caracterizada por ser mais

arredondada do que nos documentos literários, sem espaço entre palavras, sem pontuação e com

abreviações bem definidas.

A outra forma de escrita era com letras menores ligadas, chamadas de cursivas. Usada,

principalmente, com cartas familiares, recibos, testamentos etc. Normalmente os termos “cursivo”

e “minúsculo” são empregados sem distinção. Alguns atribuem o primeiro à escrita informal e de

documentos não-literários e o segundo para os literários desenvolvidos a partir da cursiva.

No século IX, ocorreu uma reforma na escrita, passou a usar letras pequenas, chamadas de

minúsculas na produção de livros. Mais fluidas e rápidas, demandavam menos tempo e reduziam

o preço dos manuscritos, apesar da difícil leitura.

A mudança foi gradual. Fixa-se o século XI, como o período no qual somente as minúsculas eram

utilizadas. Muitos manuscritos no período intermediário, foram produzidos numa forma de

combinação de uncial com minúscula.

Abreviações

O uso de abreviações já aparece nas cópias mais antigas do Novo Testamento, provavelmente com

objetivo de poupar espaço. Elas eram do tipo contração, suspensão, ligaturas ou símbolos. É

importante salientar que as contrações, diferentemente, das outras abreviações, são utilizadas

como forma de reverencia ao nome Deus, principalmente no texto hebraico. É notório que essa

prática é limitada ao texto bíblico e outras fontes cristãs, mas quando essas palavras estão sendo

utilizadas em outro sentido, elas não são contraídas.

Formato

Os manuscritos eram variados em relação ao formato ou tamanho. Os menos eram de uso

privado, os maiores na liturgia. O menor conhecido é o do Apocalipse, do século IV, de apenas

uma página, que mede 7,7 x 9,3 cm e o maior é chamado Códice Gigante, do século XIII, com 49 x

89,5 cm.

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O texto não seguia nenhuma forma muito rígida na página. Os papiros possuíam dezenas de

colunas, os códices eram limitados ao tamanho das páginas.

Orientações para o leitor

Mesmo nos manuscritos mais antigos, encontramos freqüentemente o uso de informações

auxiliares. Por exemplo:

Prólogos: exceto o Apocalipse, todos os textos do Novo Testamento trazem notas introdutórias,

tratando do autor do conteúdo e a origem do texto. Os prólogos foram preparados durante

períodos de controvérsias em a Igreja de Roma e Marcião, defensor cânon com o evangelho de

Lucas e dez epistolas de Paulo, no século II.

Capítulos. Eusébio preparou uma divisão em seções para fins sinópticos, mas na maioria dos

manuscritos encontramos outro tipo de divisão, ordenando os textos em relação ao conteúdo.

Cada seção é identificada como um capítulo, levando uma inscrição. A divisão em capítulos,

utilizada nas edições modernas, foi criada bem no início do século XIII, pelo arcebispo de

Cantuária, Estevão Langton. Já a divisão em versículos surgiu com o editor parisiense Roberto

Estáfano: o NT em 1551 e o AT em 1555.

Fontes documentais

As fontes documentais dividem-se em: (a) manuscritos gregos, (b) antigas versões e (c) citações

feitas por autores cristãos antigos.

(a) Manuscritos gregos

São aproximadamente 5500, classificados de acordo com o material e o estilo da escrita: papiros,

unciais e minúsculos,

Papiros

São conhecidos 96 papiros, escritos em uncial até o século IV. A maioria são fragmentos de

códices. São os manuscritos mais antigos conhecidos do Novo Testamento.

Unciais

São os manuscritos feitos em pergaminho quando o papiro caiu em desuso, no século IV, e

utilizados até o século XI, ou seja, durante sete séculos. A escrita manteve o mesmo padrão dos

papiros, somente um pouco maiores.

Minúsculos

São manuscritos que carecem de valor crítico; são importantes apenas como testemunhas da

história medieval do texto do Novo Testamento. Foram documentos preparados em escrita

minúscula, entre os séculos IX e XVI, quando começam a surgir textos gregos impressos.

Lecionários

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Os cristãos herdaram uma prática comum entre os judeus: ler textos bíblicos nas reuniões de culto

em unidades adequadas ao calendário anual ou à ordem eclesiástica. Nesta prática eles usavam os

chamados lecionários. Alguns apresentavam lições completas para cada dia da semana, outros só

para sábados, domingos ou dias santificados. Provavelmente os lecionários surgiram no fim do

século III ou início do século IV.

Óstracos

Na Antiguidade, ainda podemos encontrar um outro tipo de material, o óstraco: fragmentos de

jarro quebrado ou louça contendo frases curtas, escritas com objetos pontiagudos. Representam a

literatura de uma classe que não podia comprar o papiro ou que não considerava tal escrita

importante o suficiente para justificar tal compra.

Talismãs

São fontes preparadas como talismãs ou amuletos, em madeira, cerâmica, papiro ou pergaminho.

Contêm partes do Texto Sagrado. São conhecidos apenas nove talismãs do Novo Testamento.

(b) Antigas versões

Conforme afirmado acima, a segunda fonte mais importante para chegarmos à vontade última dos

autores do Novo Testamento são as antigas versões. Surgidas em decorrência do Cristianismo, que

se espalhava pelo mundo grego. As versões surgem para aqueles que não dominavam a língua

grega. Os manuscritos mais antigos não ultrapassem o início do século IV ou, quando muito, o

final do III, o texto que evidenciam representa um estágio de desenvolvimento provavelmente não

posterior ao final do século II. Daí o valor das versões para a crítica textual não estar propriamente

nelas mesmas, mas nas indicações que dão do texto grego de que foram traduzidas.

Siríaca

Provavelmente, as primeiras traduções do Novo Testamento foram feitas em siríaco, língua falada

na Mesopotâmia, na Síria e em partes da Palestina, com algumas diferenças dialetais, por volta do

ano 150. A tradução surgiu da necessidade de leitura de pessoas que tinham dificuldade com o

grego.

Latina

São conhecidas duas versões: a Antiga Latina, traduções feitas até o século IV, e a Vulgata Latina,

feita por Jerônimo no final do século IV e início do V. Presume-se que as traduções latinas

começaram no norte da África, em Cartago, que era um dos centros da cultura romana,

provavelmente no final do século II. Outras traduções começaram a surgir em países europeus em

que o grego estava em declínio, sendo superado pelo latim. Portanto, a Antiga Latina está dividida

em duas famílias ou grupos de traduções: a africana, mais antiga e mais livre em relação ao

original, e a européia consistem em nova tradução. Alguns têm pensado numa terceira família, a

italiana, provavelmente surgida no século IV para amenizar as diferenças entre as outras duas

traduções. Todavia, a maioria dos críticos não aceita essa tríplice divisão, eles argumentam a

terceira família representa apenas uma forma da Vulgata.

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Com tantas traduções é inevitável um maior número de divergências textuais. Agostinho já falava

nas dúvidas que as inúmeras traduções traziam. Jerônimo foi designado pelo Papa Damaso em

383 a rever toda a Bíblia Latina. No ano seguinte a revisão dos evangelhos ficou pronta, onde as

variações eram maiores. Jerônimo procurou eliminar as adições e harmonizações presentes nas

versões latinas e fez alterações em 3500 lugares. Em 405, toda a Bíblia ficou pronta e só muito

lentamente foi conquistando prioridade, até que nos séculos VIII e IX impôs-se de modo quase

universal, embora a Antiga Latina continuasse sendo copiada e usada até por volta do século XIII.

O título honorífico de “Vulgata”, (“comum” ou “de uso público”) dado pela primeira vez no final

da Idade Média. Ela acabou se oficializando como a Bíblia oficial Católica no Concílio de Trento,

em 1546.

Copta

O copta significa o último estágio da língua egípcia antiga. No início do Cristianismo ela consistia

em meia dúzia de dialetos e era escrita em unciais gregos com outras letras. O Cristianismo entra

com facilidade nessa região graças às colônias judaicas ali existentes, principalmente na

Alexandria. Portanto, foi ali, longe da influência do grego, que fez-se necessária a primeira

tradução copta do Novo Testamento, no início do século III.

Outras versões

Há um número grande de outras versões antigas, como a Gótica, a Armênia, a Etíope, a Geórgica,

a Nubiana, a Arábica e a Eslava, mas de menor importância para a crítica textual, por não haverem

sido traduzidas diretamente do texto grego. A Armênia, conhecida como “a rainha das versões”,

por sua beleza e exatidão, é que preserva o maior número deles: cerca de 1300.

(c) Citações patrísticas

As citações dos Pais da Igreja (antigos escritores cristãos) representam o terceiro grupo de fontes

documentais para o estudo crítico do Novo Testamento: citações encontradas nos comentários,

sermões, cartas e outros trabalhos dos chamados Pais da Igreja, especialmente os situados até os

séculos IV ou V. É importante perceber que são tantas as citações que poderíamos reconstituir

quase todo o Novo Testamento através delas, mesmo sem os manuscritos gregos e versões.

Somente com Orígenes isso quase já seria possível.

O problema das citações é que a maioria delas foi feita de memória, portanto, são inexatas.

Contudo são importantes por evidenciarem o texto antigo, do qual pouco testemunho de

manuscrito existe, quanto por demonstrar as primeiras tendências que influenciaram o

desenvolvimento histórico do texto neotestamentário. Em quase todos os casos podem ser datadas

e localizadas geograficamente, permitindo também que se verifique a data e a procedência

geográfica dos manuscritos. As citações dos Pais da Igreja representam um auxílio valioso para a

reconstituição da história primitiva do texto do Novo Testamento e, por conseguinte, de sua mais

antiga forma textual acessível.

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A história do texto escrito

Agora estamos no núcleo do problema do Novo Testamento: a tentativa de explicar o surgimento

das primeiras leituras divergentes e a influência que elas exerceram em todas a transmissão do

texto.

Cópias livres

Quando o Cristianismo estava sob intensa oposição judaica e romana, os livros do Novo

Testamento, nem sempre as cópias podiam ser preparados em nas melhores circunstâncias. À

exceção de Lucas, que era médico e provavelmente conseguiu recursos financeiros com o Teófilo,

para quem o Evangelho e o Livro dos Atos são dedicados, mostra um grande cuidado no preparo

do texto. É bem possível que Teófilo tenha financiado as primeiras cópias e tenha influenciado a

audiência seleta e mais numerosa do livro. Todavia parece que nenhum outro escritor apostólico

pôde dispor de tantos recursos em seus trabalhos literários. Paulo também era erudito, mas, além

de parecer sofrer de deficiência visual, algumas epístolas ainda tiveram de ser escritas enquanto

era prisioneiro, o que em certo sentido também aconteceu com João em relação ao Apocalipse. É

óbvio nessas circunstâncias tanto Paulo quanto João, além de Pedro, utilizavam-se de assistentes,

contudo é bem pouco provável que fosses redatores profissionais.

Provavelmente as primeiras cópias passaram pelo mesmo problema, já que as cartas apostólicas

eram enviadas a uma congregação ou a um individuo, ou os evangelhos escritos para satisfazerem

às necessidades de um público leitor em particular, os autógrafos estavam separados e espalhados

entre as várias comunidades cristãs e, ao ser copiados, não tiveram a oportunidade de receber um

tratamento profissional. Por causa da situação financeira e da necessidade de reproduzir os textos,

que tinham pouca durabilidade, além da rápida expansão do Cristianismo, as comunidades

utilizavam copistas amadores e pessoas bem-intencionadas. Paulo cita em sua epistola aos

colossenses (4:16) uma carta à igreja de Laodicéia, que não temos nenhuma cópia. O texto parece

indicar que havia troca de correspondências entre as várias igrejas ainda no período apostólico,

mediante a elaboração e o envio de cópias.

Assim, os originais começaram a ser reproduzidos dentro do chamado período apostólico, e as

primeiras variantes começaram, por causa da falta de um revisor.

É claro que uma outra fonte de variantes era o próprio descuido na exatidão literal. Os cristãos

não tinham a mesma preocupação que os judeus ao citarem o Antigo Testamento, estavam mais

interessados no sentido do que no texto propriamente dito. Por isso, os Pais da Igreja citam muitas

vezes o texto de maneira inexata, valendo-se de alusões e da memória. Que são, na realidade,

variantes intencionais, a maior parte das variantes do texto sagrado dos cristãos. São correções

com base na preferência pessoal, na tradição ou em algum relato paralelo.

Não quer dizer que os cristãos não considerassem o Novo Testamento como “Escritura”. Vemos

que tanto o Novo como o Antigo Testamento são colocados no mesmo patamar de importância. O

apóstolo Pedro classifica alguns textos do apóstolo Paulo “Escritura”. Possivelmente a primeira

coleção de textos paulinos foi feita na Ásia Menor, no período apostólico. Na Epistola de Barnabé,

no Didaquê e na carta escrita à Igreja de Corinto por Clemente (todas obras as três obras pós-

apostólicas de regiões distintas, que eram antigos centros do cristianismo) encontramos citações

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aos evangelhos sinóticos, além de Atos, e algumas epístolas. Paulo quando escreve a Timóteo, (5.

18) ao cita o evangelho de Lucas (10.7) e o livro de Deuteronômio (25.4), conferindo a mesma

autoridade escriturística a ambos.

O mais provável é que a maioria destas alterações tenha surgido como tentativa dos escribas em

melhorar o texto, fazendo correções ortográficas, gramaticais, estilísticas e até mesmo exegéticas.

Num período em que havia muitas heresias, certas palavras poderiam gerar más interpretações.

Assim os copistas para guardar a essência do texto faziam alterações de certas palavras ou

expressões, algumas vezes mudando até mesmo o sentido. Jerônimo chega a reclamar que as

mudanças que os copistas realizam, acabam gerando mais erros.

Textos locais

Com a expansão do Cristianismo várias cópias foram levadas a diversas regiões, cada uma com as

suas próprias variantes, e ao passarem pelo processo de cópia mantinham as variantes e ainda

eram adicionadas outras. Desse modo, os manuscritos que circulavam numa localidade tendiam

assemelhavam-se mais entre si que os de outras localidades. Mesmo na mesma região era

praticamente impossível que houvesse dois textos exatamente iguais; todavia, certos grupos de

manuscritos poderiam assemelhar-se uns aos outros mais intimamente que a outros grupos do

mesmo texto local. Alguns textos poderiam se tornar mistos, quando os manuscritos podiam ser

comparados a outras cópias de outros lugares e corrigidos por elas. A tendência era de não

misturar os textos.

Texto Alexandrino

A Alexandria superou Atenas, no período helenístico, tornando-se o centro de mais importante de

cultura do mediterrâneo. Quem nunca ouviu falar na Biblioteca de Alexandria, com seus 700.000

volumes? Foi lá que os textos de Homero passaram pela primeira tentativa de edição crítica.

Zenódoto de Éfeseo, primeiro diretor da biblioteca, comparou diversos manuscritos da Ilíada e da

odisséia, em 274 a.C., tentando restaurar o texto original. Sem dúvida, que esse cuidado acabou

influenciando os cristãos da região, fazendo com que eles procurassem a excelência no texto.

Faltava na região as reminiscências pessoais e a tradição oral, o que teria aumentado a exigência

quanto à exatidão do texto.

De qualquer forma, o texto alexandrino é considerado o melhor texto, com pouquíssimas

modificações gramaticais ou estilísticas, cerca de 2% ou 3%.

Texto ocidental

Nas regiões dominadas por Roma, desenvolveu-se outro tipo de texto, o chamado texto ocidental,

bem diferente nos evangelhos e principalmente em Atos, onde é quase 10% mais longo que a

forma original, o que já fez supor a existência de duas edições desse livro.

A principal característica é o uso da paráfrase. Observa-se que palavras, frases e até partes inteiras

foram modificadas, omitidas ou acrescentas. O motivo disso parece ter sido a harmonização,

principalmente no caso dos evangelhos sinóticos, ou mesmo, o enriquecimento da narrativa com a

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inclusão de alguma tradição, envolvendo umas poucas declarações e incidentes da vida de Jesus e

os apóstolos.

Texto Cesareense

Provavelmente tem origem no Egito, assim como o texto alexandrino, de onde teria sido levado

para Cesaréia por Orígenes.

Texto Bizantino

Possivelmente, resultado da revisão de antigos textos locais feita por Luciano de Antioquia, pouco

do seu martírio no ano de 312.

Unificação textual

Com a conversão de Constantino, em 312, entramos numa nova fase na história do Novo

Testamento, principalmente com Edito de Milão, no ano seguinte, colocando o Cristianismo no

mesmo patamar que qualquer outra religião do Império Romano, ordenando que as propriedades

da igreja que haviam sido confiscadas fossem devolvidas. Com isso, houve um aumento

considerável na circulação de textos sagrados, que não mais corriam o risco de apreensão e

destruição em praça pública.

No caso do texto, percebemos que uma maior integração dos cristãos possibilitou a comparação de

manuscritos e a obtenção de um tipo de texto que não tivesse tantas variantes. E os textos locais

foram pouco a pouco cedendo lugar a único texto.

Possivelmente, o primeiro tipo de texto a circular em Constantinopla talvez não tenha sido o

bizantino. Eusébio, em 331, foi encarregado por Constantino de preparar 50 cópias das Escrituras

em pergaminho para as igrejas da nova capital. Eusébio usava o texto cesarense, portanto, é

provável que tenha sido esse o tipo de texto primeiramente usado ali. É provável que essas cópias

tenham sido submetidas a correções com base no texto luciânico, até serem finalmente

substituídas por novas cópias essencialmente bizantinas, produzidas em algum escritório ou

mosteiro local. Tornou-se um procedimento muito comum.

A Vulgata Latina, de Jerônimo, acabou predominando na Europa Ocidental. Não significa, porém,

que o texto de Luciano fosse desconhecido. Muitos manuscritos greco-latinos trazem o texto

bizantino, ainda que combinado com variantes da Antiga Latina. Até a Vulgata acabou

incorporando algumas formas bizantinas. No século XVI, com a invenção da imprensa, os editores

preocuparam-se com a publicação do Novo Testamento grego, e o texto que utilizado o bizantino,

e continuou, com pequenas modificações, até o final do século XIX.

Tipos de variantes

Há ainda a necessidade de conhecer a origem e natureza dos erros de transcrição para que o

trabalho se torne possível.

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Alterações acidentais

Equívoco visual - alguns erros foram cometidos ao confundir o copista certas letras com outras de

grafia semelhante.

Outro tipo de equívoco visual é parablepse, que significa pular de uma palavra, frase ou parágrafo

para outro, devido a começos ou términos semelhantes, com a omissão de palavras.

Além dos equívocos chamados de ditografia, que são a repetição de uma sílaba ou frase, ou parte

de uma frase.

A metátese, que é a transposição de fonemas no interior de um mesmo vocábulo ou a transposição

de vocábulos numa mesma frase.

Equívoco auditivo - quando certas vogais e ditongos gregos vieram a ser pronunciados de maneira

praticamente idêntica, fenômeno conhecido como iotacismo, bem comum no grego moderno.

Equívoco de memória - poderiam variar desde a substituição de sinônimos, a inversão na seqüência

de palavras, quando a mente traía o copista.

Equívoco de julgamento - Quando um copista se deparava com comentários diversos anotados na

margem do manuscrito que lhe estivesse servindo de modelo e não dispusesse de outras cópias

para efeito de comparação, poderia incluí-lo no texto julgando que de fato devessem estar ali. Por

exemplo, um manuscrito do século XIV, há um exemplo de erro de julgamento. O modelo do qual

foi copiado o evangelho de Lucas deveria trazer a genealogia de Jesus (3. 3-28) em duas colunas

paralelas de 28 linhas cada. Todavia, ao copiar o texto seguindo a ordem das colunas, o escriba o

fez seguindo a ordem das linhas, passando de uma coluna para outra. Como resultado,

praticamente todos os filhos tiveram seus pais trocados.

Alterações intencionais

Harmonização textual e litúrgica - o copista se sentia tentado a harmonizar os livros que

apresentassem passagens paralelas, um pouco divergentes. Principalmente nos evangelhos

sinóticos, com muitos textos sendo alterados para uma narrativa mais unificada possível.

É interessante notar que muitas citações do Antigo Testamento eram feitas sem muito rigor pelos

apóstolos, e copistas procuravam adaptar à Septuaginta (LXX - tradução do Antigo Testamento

para o grego, feita por hebreus).

Alguns textos eram adaptados para ser lidos publicamente nos serviços de culto, e tais arranjos

influenciaram a própria transmissão do texto. O exemplo mais claro é o da Oração do Senhor

(Mateus 6. 9-13), cuja doxologia “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.”, foi

acrescentada para o uso litúrgico, acabou sendo incorporada no texto de muitos manuscritos.

Correção ortográfica, gramatical e estilística - A maioria das alterações ortográficas nos manuscritos

bíblicos ocorreu devido à falta de qualquer padronização oficial e à influencia de vários dialetos,

assim inúmeros termos gregos acabaram tendo formas diversas na soletração, principalmente os

nomes próprios.

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Correção histórica e geográfica - Alguns escribas tentaram harmonizar o relato do Evangelho de João

da cronologia da Paixão de Cristo com a de Marcos, mudando a “hora sexta” (João 19.14) para a

“hora terceira” (Marcos 15.25).

Correção exegética e doutrinária - Algumas vezes o copista se deparava com uma passagem de difícil

interpretação, assim ele tentava completar-lhe o sentido, tornando-a mais exata, menos ofensiva

ou obscura.

Interpolação de notas marginais, complementos naturais e tradições - A inclusão de textos marginais ao

corpo textual como apontamentos, correções, interpretações, reações pessoais e mesmo

informações gerais quanto ao texto era comum.

Note-se que certas palavras ou expressões que aparecem juntas no texto bíblico ou no uso habitual

da Igreja, e a falta de uma delas numa ou noutra passagem levava o copista a acrescentá-la, são os

chamados complementos naturais.

Conforme já foi dito, os críticos têm demonstrado que as variantes têm pouca ou nenhuma

importância. De qualquer modo, os fatos do Novo Testamento que dizem respeito à fé e à moral

são expressos em muitos lugares, o fundo doutrinário fica obscurecido, nem pouco alterado, pelas

passagens criticamente incertas. Podemos afirmar com toda a certeza científica que o texto dos

cristãos, se não criticamente, foi conservado doutrinariamente incorrupto.

O texto impresso

Entre os séculos XV e XVI, entramos numa nova fase na história do Novo Testamento.

Primeiramente a imprensa tornou os trabalhos de reprodução mais rápidos e baratos, além de

acabar de uma vez com a multiplicação dos erros de transcrição. Assim, as cópias passaram a ser

feitas com muito mais agilidade e precisão, exatamente como haviam sido escritas, salvo raras

exceções, a maioria das quais de erros tipográficos de menor importância.

Um segundo fator que ajudou a levar o texto neotestamentário a essa nova fase de

desenvolvimento e sistematização foi o movimento renascentista, com sua ênfase nos valores

artísticos e literários do homem, que acabou fazendo despertar na Europa um grande interesse

pela cultura grega clássica. Conseqüentemente os estudiosos cristãos também começaram a

valorizar os manuscritos gregos do Novo Testamento, revisando a Vulgata.

Primeiras edições

Apesar da impressa, a publicação do Novo Testamento em grego não saiu imediatamente. O

primeiro produto representativo da tipografia foi justamente a Bíblia, a Vulgata de Jerônimo, em

dois volumes, entre 1450 e 1455. Nos 50 anos seguintes, pelo menos cem edições da Vulgata ainda

foram preparadas por várias casas editoras da Europa.

Para a língua portuguesa, temos em 1495, em Saragoça, a publicação das epístolas paulinas e dos

evangelhos. Naquele ano, em Lisboa, foi publicada, em quatro volumes, uma harmonia dos

evangelhos. O Novo Testamento completo saiu em 1681, em Amsterdã, já na versão de João

Ferreira de Almeida. A Bíblia completa em português foi publicada em 1753, na Holanda, depois

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que Jacó den Akker haver terminado a tradução do Antigo Testamento, parada com a morte de

Almeida, em 1691, no texto de Ezequiel 48.12.

O cardeal e arcebispo de Toledo Francisco Ximenes de Cisceros (1437-1517), foi o responsável de

promover e organizar a primeira impressão do texto grego do Novo Testamento, como parte da

chamada Bíblia Poliglota Complutense.

Erasmo de Roterdã (1469-1536), escritor e humanista holandês, produziu, em 1516, o primeiro

Novo Testamento grego que chegou ao domínio público, sendo beneficiado com o atraso na

divulgação da obra de Ximenes.

O Texto Recebido

Quando o Novo Testamento grego de Erasmo chegou ao público ocorreram diversas reações. De

um lado houve ampla aceitação, tanto que ele preparou uma nova edição, e a tiragem total das

edições de 1516 e 1519 alcançou 3300 exemplares. A segunda edição, agora intitulada Novum

Testamentum, foi a que serviu de base da tradução alemã de Martinho Lutero. De outro lado, a

obra foi recebida com grande preconceito e até com hostilidade. Três fatores contribuíram para

isso: 1) as diferenças que havia entre sua nova tradução latina e a consagrada Vulgata; 2) as longas

anotações, que justificava sua tradução e 3) a inclusão, entre as notas, de comentários sobre a vida

desregrada e corrupta de muitos sacerdotes. Clérigos protestaram fazendo uso dos púlpitos,

conseqüentemente Universidades, como as de Cambridge e Oxford, proibiram seus alunos de

lerem os escritos de Erasmo, e os livreiros de os venderem.

Dentre as críticas levantadas contra Erasmo, uma das mais sérias veio da parte de Lopes de

Stunica, um dos editores da Poliglota Complutense, que o acusou de não incluir no texto de 1 João

5.7 e 8 a Coma Joanina. Erasmo replicou que não havia encontrado nenhum manuscrito grego que

a contivesse, e prometeu que a incluiria em suas próximas edições se apenas um único manuscrito

grego trouxesse a passagem. Um manuscrito foi-lhe trazido, e Erasmo cumpriu sua promessa na

terceira edição, de 1522, todavia numa longa nota marginal, ele suspeita do manuscrito como

sendo preparado para confundi-lo. Para alguns críticos esse manuscrito parece ter sido falsamente

preparado em Oxford, em 1520, por um frade franciscano chamado Froy, extraído da Vulgata

Latina.

Edições Intermediárias

Em seguida, temos a preocupação em reunir variantes textuais e estabelecer os princípios de um

trabalho textual mais científico, baseado em pesquisas progressivas dos manuscritos gregos, das

versões e da literatura patrística. O contexto agora era outro, os estudiosos tinham lutar contra o

movimento racionalista, que encontrara no deísmo sua expressão religiosa. Defendendo a

existência de uma religião natural, onde a verdade só podia ser alcançada pela razão e pelo

método científico, o deísmo encarava as Escrituras como um simples manual ético de origem

humana, e colaborou, entre outras coisas, para que sua pureza textual fosse questionada. Os

pesquisadores cristãos surgiram nos principais países europeus em defesa do cristianismo

histórico e da integridade textual da Bíblia. E, no esforço por provar que o Novo Testamento que

dispunham era exatamente àquilo que os autores originais haviam escrito, tiveram também de

defrontar-se com o Texto Recebido, no qual os problemas tornaram-se ainda mais graves.

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Os críticos, por dois séculos, vasculharam bibliotecas e mosteiros na Europa e em todo o mundo

mediterrâneo procurando material que pudesse ser útil. Todavia, continuaram a publicar o Texto

Recebido, submetendo-se a ele. Ele era um texto já tradicional e reverenciado por todos, e

ninguém se aventuravam a modificá-lo, sob o risco de censura ou até de disciplina eclesiástica.

Durante esse período não ocorreu qualquer progresso real no texto grego do Novo Testamento

que estava sendo publicado. Todavia, as muitas variantes que se tornaram conhecidas mediante o

progressivo e acurado exame dos manuscritos, o início de sua classificação de acordo com as

famílias textuais e o desenvolvimento das teorias críticas ofereceram a base necessária para que tal

progresso se concretizasse no período seguinte. Nos confrontos entre os partidários do Texto

Recebido e os que estavam acreditavam na superioridade dos manuscritos mais antigos, a vitória

dos últimos estava garantida. As evidências acumuladas tornavam evidente que o texto precisava

ser corrigido, para o próprio bem do cristianismo histórico, principalmente por causa dos ataques

racionalistas. Contudo, o reinado do Texto Recebido estava chegando ao fim. Os princípios que

permitiriam essa conquista já estavam praticamente estabelecidos e necessitavam apenas ser

aprimorados.

Edições Modernas

No século XIX, a predominância do Texto Recebido foi finalmente interrompida. Os esforços dos

pesquisadores nos dois séculos anteriores fizeram com que a crítica textual realmente se tornasse

uma ciência. A distribuição dos manuscritos nos diferentes grupos permitiu que os muitos

documentos começassem a ser organizados e que a história da tradição manuscrita fosse

reconstruída, levando ao desenvolvimento sistemático de metodologias e ao tratamento mais

científico das inúmeras variantes. Apesar dos críticos ainda divergirem com relação às teorias,

todos buscavam um texto que estivesse o mais próximo possível do original e, nesse novo período,

rompendo com o Texto Recebido. Surgindo o texto crítico e, com ele, o período moderno da crítica

textual do Novo Testamento.

Conclusão

Depois de quase 500 anos de história do texto do Novo Testamento e das mais de mil edições

surgidas desde século XV com Erasmo, dos vários estudos, os editores críticos de um modo geral

concordam com o texto crítico moderno e apenas um grupo bem pequeno de variantes é

contestada. E mesmo que surja uma edição nova com muitas variantes, já está mais ou menos

claro que o Novo Testamento grego está muito próximo dos textos primitivos originais. O

chamado Texto Recebido foi abandonado pela maioria dos estudiosos, que defendiam como a

forma mais próxima do original.

Apesar dos erros dos copistas, a integridade do texto foi mantida. Sua coerência interna é uma

evidência muito forte. A Crítica Textual tem demonstrado que a Palavra de Deus fala hoje com a

mesmo eloqüência que falava no período apostólico. Podemos pegar a Bíblia sem medo e dizer

seguramente que é a Palavra de Deus transmitida na sua essência através dos séculos.

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RESTAURAÇÃO TEXTUAL

A crítica textual procura estabelecer, por meio da investigação das cópias divergentes, qual a

forma de texto que deveria ser considerada como a mais aproximada do original. Em alguns casos,

as evidências estavam tão corretamente divididas, que seria extremamente difícil decidir entre

duas variantes. Em outros casos, o crítico pode tomar uma decisão baseada em razões mais exatas

que o levam a preferir uma variante e rejeitar outra.

O PERÍODO PRÉ-CRÍTICO

Os fatos mais destacados na história dos homens que aplicaram esta ciência na busca por restaurar

o texto do Novo Testamento, podem ser resumidos mais ou menos assim: durante os séculos XVII

e XVIII, vários eruditos conseguiram recolher grande número de informações de muitos

manuscritos gregos, assim como das versões antigas e dos Pais Apostólicos. Sem dúvida, com a

exceção de dois ou três revisores que timidamente se atreveram a corrigir alguns dos mais

notórios erros do Texto Receptus, esta forma degradada do Novo Testamento continuou sendo

reimpressa edição após edição até o século XIX.

Walton Bentley Semler

Fell Mace Bowyer

Mill Bengel Harwood

Wells Wettstein Griesbach>

1655-1812

O PERÍODO CRÍTICO MODERNO

Lachmann, o precursor

Não foi senão na primeira parte do século XIX que o erudito clássico alemão Karl Lachmann se

aventurou a aplicar os critérios que havia utilizado na revisão de textos gregos clássicos.

Lachmann foi o primeiro erudito que se reconhece haver-se apartado totalmente do Texto

Receptus. Ele demonstrou, por comparação de manuscritos, como estes podiam retroceder até

seus arquétipos perdidos e inferir sua condição e paginação. Ao revisar o Novo Testamento, a

intenção de Lachmann não era reproduzir o texto original, o qual considerava um trabalho

impossível, apresentar, com puras evidências documentadas e à parte de qualquer edição

impressa previamente, o tipo de texto corrente na cristandade oriental no final do século IV.

Apesar dos muitos obstáculos que encontrou durante o seu trabalho e das limitações de sua obra,

a opinião da maioria dos eruditos está de acordo com a avaliação que F. J. A. Hort tem feito de

Lachmann e sua obra: "... Um novo período começou em 1831, quando pela primeira vez, um texto

foi construído diretamente dos antigos documentos sem a intervenção de nenhuma edição

impressa, e quando a primeira tentativa sistemática foi feita para substituir a eleição arbitrária

pelo método científico na discriminação de variantes textuais".

Tischendorf, o descobridor.

O homem com quem os críticos textuais modernos do Novo Testamento se encontram mais em

dívida é, sem dúvida, Lobegott Friedrich Constantin V. Tischendorf (1815 - 1874). Este erudito

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investigou e publicou mais manuscritos e produziu maior número de edições críticas da Bíblia

grega que nenhum outro.

Entre 1841 e 1872, ele preparou oito edições do Novo Testamento grego, algumas das quais foram

reimpressas sozinhas ou juntamente com versões alemãs e latinas, assim como também 22

volumes de manuscritos de textos bíblicos. O total de seus livros e artigos, ressaltando que a

maioria deles está relacionada com a crítica bíblica, supera cento e cinqüenta. Enquanto estudava

teologia em Leipzig, deste 1834 até 1838, o jovem Tischendorf esteve sob a influência de Johann

Winer, cuja gramática do Novo Testamento Grego alcançou muitas edições e permaneceu como

normativa por várias gerações. Winer soube infundir em seu pupilo a paixão pela pesquisa e

aplicação dos testemunhos mais antigos para reconstituir a forma mais pura da Escritura grega. A

esta tarefa se dedicou o jovem erudito, o qual escrevendo à sua noiva em certa ocasião, lhe

declarou: "estou confrontado com um trabalho sagrado: a luta por recobrar a forma original do

Novo Testamento". Aos vinte e cinco anos de idade, Tischendorf decifrou o palimpsesto Códice

Efraemi (C); viajou extensamente por toda a Europa e Oriente Médio em busca de manuscritos

novos e antigos; os examinou e os revisou, e em 1859 descobriu no Mosteiro de Santa Catarina, no

Monte Sinai, o documento que tem a primazia entre os testemunhos mais fiéis e antigos do Novo

Testamento: o Códice Sinaítico. A história de tal achado é apaixonante e merece ser narrada com

alguns detalhes.

Tregelles, o abnegado.

Na Inglaterra, foi Samuel Prideaux Tregelles o erudito que em meados do século XIX teve mais

êxito em afastar a preferência grega pelo Texto Receptus (1813-1875). Quando tinha ainda vinte

anos, Tregelles começou a fazer planos para uma edição crítica do Novo Testamento. Sem sabê-lo,

Tregelles desenvolveu com simultaneidade assombrosa, princípios de crítica paralelos aos de

Lachmann. Daí em diante, se dedicou à comparação de manuscritos gregos, viajando

extensamente por toda a Europa com este propósito. Seu cuidadoso e sistemático exame de quase

todos os unciais até então conhecidos e vários minúsculos importantes, resultaram na correção de

muitas citações erradas por prévios editores. Também revisou novamente as citações do Novo

Testamento que se encontram nos escritos dos pais da Igreja até Eusébio, assim como as versões

antigas, e finalmente produziu uma edição que publicou entre 1857 e 1872. Apesar de sua pobreza,

oposições e enfermidades, Tregelles superou todas as dificuldades e dedicou toda a sua vida a

trabalhos meticulosos sobre o texto do Novo Testamento como um ato de adoração e

compromisso com Deus, como ele mesmo declarou no prefácio de sua edição: "Na crença plena de

que será para o serviço a Deus, ao servir a sua Igreja."

Alford, o valoroso.

Henry Alford (1810-1871), merece também ser mencionado como um ardente defensor dos

princípios da crítica textual formulados por aqueles que, como Lachmann, tinham trabalhado,

segundo suas próprias palavras, em "... a demolição da imerecida e pedante reverência pelo Texto

Receptus o qual obstruiu o caminho de toda possibilidade de descobrir a genuína Palavra de

Deus".

Westcott e Hort, ou a ciência da crítica textual.

O ano de 1881 tem um significado especial pela publicação da mais notável edição crítica do

Testamento Grego jamais produzida. Depois de 28 anos de trabalho, B. F. Westcott (1825-1901) e J.

A. Hort (1828-1892), ambos professores de Teologia em Cambridge, produziram dois volumes

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intitulados, O Novo Testamento em Grego Original. Ao contrário de revisores anteriores, nem

Westcott nem Hort se prenderam à comparação de manuscritos nem tão pouco proveram um

aparato crítico. Mas, utilizando coleções de variantes textuais prévias, aperfeiçoaram a

metodologia crítica desenvolvida por Griesbach, Lachmann e outros, e a aplicaram rigorosamente,

porém com discriminação, aos testemunhos do Novo Testamento. Os princípios e procedimentos

da crítica textual elaborada por eles são demasiado extensos para explicá-los em detalhes, porém

podem resumir-se sumariamente como o determinaram em sua introdução, a saber: as evidências

internas da leitura; as probabilidades intrínsecas e de transcrição; os grupos de evidências internas

e as evidências genealógicas. Ao fazer um retrospecto e avaliar a obra de Westcott e Hort, pode-se

dizer que os eruditos de hoje em dia estão de acordo em que a principal contribuição feita por eles

foi a clara demonstração de que o Texto Bizantino é posterior a outros textos. Três formas

principais de evidências respaldam este juízo: (1) O Texto Bizantino contém leituras combinadas

ou fundidas que são claras composições de elementos de outros textos mais antigos; (2) nenhum

dos Pais ante-nicenos cita leitura alguma do Texto Bizantino; e, (3) na comparação entre as leituras

sírias com outras rivais, sua aspiração de ser aceita como original diminui gradualmente e

finalmente desaparece. Não pode ser surpresa que a total recusa de Westcott e Hort quanto às

aspirações do Texto Receptus de ser o original do Novo Testamento, foi vista com alarme por

muitos homens da Igreja, e encontrou sérias oposições.

Basta dizer que todos aqueles que se opuseram à obra de Westcott e Hort (e conseqüentemente à

aplicação da crítica textual aos manuscritos do Novo Testamento) não conseguiram compreender

a força do método genealógico, segundo o qual o texto mais tardio e combinado se evidencia como

secundário e corrupto. A breve recapitulação da obra de Westcott e Hort pode ser concluída com a

observação de que o consenso majoritário de opiniões eruditas reconhece que suas edições críticas

foram verdadeiramente extraordinárias. Eles apresentaram o que sem dúvida é o mais puro e

antigo texto que podia ser obtido com os meios de informação da época. Apesar da descoberta de

novos manuscritos ter requerido um novo alinhamento de certos grupos de testemunhos, a

validade geral de seus princípios e procedimentos críticos é amplamente reconhecida pelos

eruditos textuais contemporâneos.

Bernhard Weiss, ou a arte da crítica textual.

Durante sua longa e frutífera vida, Bernhard Weiss (1827-1918), professor de exegese do Novo

Testamento em Kiel e Berlim, editou o Novo Testamento Grego. Por ser primeiramente um bom

teólogo, demonstrou em seu trabalho um amplo e detalhado conhecimento dos problemas

teológicos e literários do texto do Novo Testamento. Em lugar de agrupar os manuscritos e avaliar

as variantes por meio do respaldo externo, Weiss discriminou entre as leituras variantes de acordo

com o que lhe parecia o sentido mais apropriado do contexto. Seu procedimento consistiu em

percorrer cada um dos livros do Novo Testamento com um aparato crítico e considerar as mais

importantes variantes textuais, selecionando em cada caso a leitura que lhe parecia justificada;

como Hort houvera dito: "por probabilidade intrínseca". Depois que Weiss editou seu texto, ao

adotar as variantes que lhe pareceram mais apropriadas de acordo com o estilo e teologia do

autor, fez uma lista dos diferentes tipos de erros que observou entre as variantes textuais e avaliou

cada um dos principais manuscritos de acordo com a sua relativa liberação de tais faltas. Na

designação do grau de pureza dos manuscritos gregos, em seus distintos tipos de erros, Weiss

determinou que o Códice Vaticano era o melhor. Não surpreende então, que o caráter geral da

edição de Weiss fosse extraordinariamente similar ao de Westcott e Hort, os quais se apoiaram

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tanto no Códice Vaticano. A importância do texto editado por Weiss consiste em que não somente

expressa a opinião madura de um grande erudito exegeta, o qual deu anos de detalhada

consideração ao significado do texto; senão que é importante também porque os resultados de sua

aparente metodologia "subjetiva" confirmam os resultados de outros eruditos que seguiram um

procedimento distinto, qualificado algumas vezes como mais "objetivo" por começar pelo

agrupamento dos mesmos manuscritos.

A descoberta do Códice Sinaítico.

Em 1844, quando ainda não tinha 30 anos e ocupava o cargo de catedrático da Universidade de

Leipzig, Tischendorf começou uma extensa viagem pelo Oriente Médio em busca de manuscritos

bíblicos. Enquanto visitava o Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, teve oportunidade de

observar uma cesta de lixo que continha algumas folhas de pergaminho, que iam ser usadas para

alimentar o fogo da estufa. Ao examiná-las, demonstraram ser parte de uma cópia da Versão

Septuaginta do Antigo Testamento. Tischendorf conseguiu retirar da cesta não menos de 43

folhas, enquanto os monges casualmente comentaram que ... duas cestas iguais acabavam de ser

queimadas na chaminé! Momentos mais tarde, quando lhe mostraram outras porções do mesmo

códice (continha todo Isaías e o quarto livro de Macabeus), ele advertiu os monges que tais coisas

eram demasiado valiosas para alimentar o fogo. Com as 43 folhas que lhe permitiram reter, as

quais continham porções do Primeiro livro de Crônicas, Jeremias, Neemias e Ester, fez uma

publicação em 1846, nomeando tais documentos como Códice Federico Augustanus. Em 1853,

Tischendorf voltou a visitar o mosteiro com a esperança de achar outras porções do mesmo

manuscrito. Não obstante, a alegria demonstrada com o achado anterior tinha feito os monges

mais cautelosos, e não pôde conseguir nada adicional ao manuscrito. No ano de 1859, as viagens

levaram Tischendorf novamente ao Monte Sinai, desta vez sob os auspícios do Czar da Rússia,

Alexandre II. No dia anterior à sua partida, Tischendorf apresentou ao abade do mosteiro uma

cópia da edição da Septuaginta que recentemente havia publicado em Leipzig. Foi então que o

abade comentou que ele também possuía uma cópia similar; e ato contínuo, tirou do armário um

manuscrito, envolvido em um pano roxo. Ali, diante dos olhos atônitos do erudito, repousava um

manuscrito, o tesouro que por tanto tempo havia desejado encontrar. Tratando de controlar suas

emoções e aparentando normalidade, Tischendorf solicitou folhear sumariamente o códice, e logo

retirou-se a seu aposento; assim passou toda a noite em indescritível gozo por estudar o

manuscrito, como declarou em seu diário em latim: "...quippe dormire nefas videbatur"

(verdadeiramente, seria um sacrilégio dormir). Durante essa noite, pôde comprovar que o

documento continha mais do que havia esperado, pois não somente continha a maior parte do

Antigo Testamento, senão que o Novo Testamento se encontrava completo, intato e em excelente

estado de preservação, com a adição de dois trabalhos cristãos do século II: a Epístola de Bernabé

e uma extensa porção do Pastor de Hermas, conhecido até então somente pelo título. Na manhã

seguinte, Tischendorf tratou sem êxito de comprar o manuscrito. Depois, pediu permissão para

levar o documento ao Cairo com a finalidade de estudá-lo, porém, tão pouco lhe foi concedido e

teve de partir sem ele. Mais tarde, enquanto se encontrava no Cairo, lugar onde os monges

também tinham um pequeno mosteiro, Tischendorf solicitou ao superior do mesmo, que este

pedisse o manuscrito.

O superior aceitou com a condição de que fosse transportado por mensageiros beduínos, os quais

trariam e devolveriam o manuscrito, caderno por caderno (oito a dez folhas por vez), enquanto

Tischendorf o copiava. Tendo por copistas dois alemães que se encontravam no Cairo (um

farmacêutico e um bibliotecário), que tinham conhecimentos do grego, e sob a cuidadosa

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supervisão de Tischendorf, este começou seu trabalho de transcrever as 110.000 linhas do texto, o

qual terminou num lapso de dois meses. A próxima etapa de negociações, envolveu o que, em um

eufemismo, poderíamos chamar de "diplomacia eclesial". Por esse tempo, o cargo de maior

autoridade entre os monges do Sinai se achava vago. Tischendorf sugeriu que seria muito

vantajoso para eles fazer um agrado apropriado ao Czar da Rússia, cuja influência como protetor

da igreja grega eles desejavam, e ... qual poderia ser o melhor agrado senão o velho manuscrito?

Depois de longas negociações, o precioso códice foi entregue a Tischendorf para a sua publicação

em Leipzig, para depois apresentá-lo ao Czar em nome dos monges. A publicação definitiva do

códice foi feita no século XX pela Universidade de Oxford (NT em 1911 e AT em 1922). Logo após

a revolução russa, como a União Soviética não estava interessada na Bíblia, e por necessidades

econômicas, negociaram sua venda com os encarregados do Museu Britânico por 100.000 libras

esterlinas, quantia que foi paga, metade pelo governo inglês e a outra metade por uma subscrição

popular, de indivíduos e congregações na Inglaterra e Estados Unidos. Ao finalizar o ano de 1933,

o manuscrito foi depositado no Museu de Londres, onde permanece até hoje.

Nestle, Souter, Merck, Bover ... paciência e erudição.

O texto do Novo Testamento prosseguiu seu processo de restauração mediante a aplicação da

ciência da crítica textual, através de extensos e pacientes trabalhos realizados por A. Souter; H.

von Soden; A. Merck; J. Bover; E. Nestle; S. Legs; R. Tasker e muitos outros, acerca dos quais não é

possível escrever agora. De igual forma estes foram ajudados por importantes descobertas de

novos manuscritos gregos realizadas na primeira metade do século XX, que permitiram lançar

maior luz na restauração do texto bíblico.

Aland e Metzger, heróis contemporâneos.

Em 1966, após uma década de trabalhos de investigação textual realizada por um Comitê

Internacional, cinco Sociedades Bíblicas publicaram uma edição do Novo Testamento Grego

destinada especialmente para tradutores e estudantes. Seu "aparato textual", que provê

relativamente todas as citações de evidências manuscritas, inclui cerca de mil e quatrocentos e

quarenta jogos de variantes textuais, escolhidos especialmente em vista do seu significado

exegético.

Contém igualmente um "aparato de pontuação que cita diferenças significativas em mais de 600

passagens, colecionadas de cinco edições do Novo Testamento grego e dez traduções do inglês,

francês e alemão. Durante a reconstituição deste texto grego se tomou por base a edição de

Westcott e Hort, e se avaliaram todas as descobertas acontecidas durante o século XX, nas quais

existem documentos manuscritos do Novo Testamento, muito mais antigos, como nunca antes.

Graças a isso, tem sido possível produzir edições das Sagradas Escrituras com palavras que se

aproximam hoje, mais do que nunca, daquelas registradas nos Autógrafos Originais.

O NOVO TEXTO GREGO NORMATIVO

Da narrativa precedente o leitor tem podido apreciar como, durante os quatorze séculos em que o

Novo Testamento foi transmitido em cópias manuscritas, chegaram a ocorrer em seu texto

numerosas mudanças. Dos aproximadamente 5.000 manuscritos gregos do Novo Testamento

conhecidos hoje, não existem sequer dois que coincidam em todos os seus detalhes. Ao serem

confrontados com esta massa de leituras conflitantes, os editores têm de decidir quais variantes

merecem ser incluídas no texto como originais, e quais devem ser colocadas no aparato crítico ao

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pé da página. Apesar da tarefa de restauração parecer impossível de ser realizada, à primeira

vista, por causa das milhares de variantes de leitura envolvidas na decisão, os eruditos têm

conseguido desenvolver certos critérios de avaliação que hoje são geralmente aceitos. Tais

considerações dependem de probabilidades, como se poderá verificar mais adiante. Em certas

ocasiões, o crítico textual deverá pesar um conjunto dessas probabilidades, um contra o outro.

Além disto, é preciso advertir que, apesar dos critérios que seguem a continuação terem sido

desenvolvidos de forma metódica, ninguém pode pressupor que uma aplicação meramente

mecânica ou estereotipada resolverá sempre o problema. As categorias e a complexidade dos

dados textuais são tantas, que nenhum sistema de preceitos, por meticuloso que seja, poderá ser

jamais aplicado com precisão matemática. Cada uma das variantes textuais deve ser considerada

individualmente e não julgada conforme regras fixas. Com esta advertência em mente, o leitor

poderá observar que os delineamentos gerais dos critérios são propostos somente como uma

conveniente descrição das considerações mais importantes que a Crítica Textual contemporânea

teve em mente ao selecionar as variantes textuais.

DELINEAMENTOS DO TEXTO NORMATIVO

Categorias de avaliação 1. EVIDÊNCIAS EXTERNAS "Evidência externa" é toda informação

textual que tenha a ver com os próprios manuscritos. 2.EVIDÊNCIAS INTERNAS A evidência

interna está ligada a dois tipos de considerações: A. Aquelas relativas às probabilidades

relacionadas com os hábitos dos escribas, B. Aquelas concernentes às probabilidades relacionadas

com o estilo do autor.

NORMAS PARA O ESTABELECIMENTO DO TEXTO NORMATIVO

Evidências Externas

As considerações que envolvem as evidências externas, dependem de: 1. Data e caráter do

manuscrito. Em geral, os manuscritos mais antigos se encontram menos propensos a erros

produzidos pela repetição de cópias. Sem dúvida, de maior importância que a antigüidade do

próprio documento é a antigüidade e o caráter do tipo de texto que representa, assim como o

esmero do copista ao produzir o manuscrito.

2. A relação genealógica de textos e "famílias" dos manuscritos. A quantidade de manuscritos

como respaldo de uma variante textual não prova necessariamente sua superioridade sobre essa

variante. Por exemplo, se numa oração específica a leitura "y" está respaldada por vinte

manuscritos e a leitura "x" por apenas um manuscrito, o respaldo numérico que favorece "y" não

serve de muito se for comprovado que os vinte manuscritos são cópias provenientes de um só

original que já não existe, cujo escriba introduziu em princípio essa variante particular. Nesse

caso, a comparação deverá ser feita entre o manuscrito que contém a leitura "x" e o único

manuscrito antepassado dos vinte que contêm a leitura "y".

3. Os manuscritos têm de ser pesados e não contados. Isto é, o princípio enunciado no parágrafo

anterior necessita ser elaborado: aqueles manuscritos que são considerados geralmente fiéis em

casos específicos, devem ser considerados predominantes nos casos onde os problemas textuais

são ambíguos e sua solução incerta. Ao mesmo tempo, entretanto, porque o peso relativo das

várias classes de evidências difere das distintas classes de variantes, não deve ser realizada uma

simples avaliação mecânica das evidências.

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Evidências internas

A evidência interna envolve duas classes de probabilidades:

As probabilidades de transcrição que dependem dos hábitos dos escribas, e das condições

paleográficas dos manuscritos: 1. Em geral, a leitura mais difícil é preferida, particularmente

quando o sentido se mostra errôneo na superfície, porém, em posteriores considerações, prova ser

correto. (Aqui, a expressão "mais difícil" significa aquilo que deveria ter sido mais difícil para o

escriba, o qual podia ter-se sentido tentado a fazer uma emenda. A maioria das emendas feitas

pelos escribas demonstram uma grande superficialidade, combinando a miúde a aparência de

melhorar o texto com a ausência de sua realidade [Westcott e Hort]. Obviamente, a categoria

"leitura mais difícil" é relativa, e em certas oportunidades se chega a um ponto onde a leitura

analisada é tão difícil, que só pode ter surgido por um acidente de transcrição). 2. Em geral, a

leitura mais curta é preferida, exceto quando: a. Pudesse ocorrer que o olho do copista passasse

inadvertidamente de uma palavra para outra por ter uma ordem similar de letras; ou onde b. O

escriba pudesse haver omitido material por considerá-lo (1) superficial, (2) tosco, (3) contrário às

crenças piedosas, usos litúrgicos ou práticas ascéticas. 3. Desde que a tendência dos escribas era,

com freqüência, colocar as passagens divergentes em harmonia umas com as outras, em passagens

paralelas (nas citações do Antigo Testamento ou em distintas narrativas de um mesmo evento nos

Evangelhos), se prefere a leitura que envolve dissidência verbal àquela que é verbalmente

concordante. 4. Em algumas oportunidades, os escribas a. Substituíam uma palavra pouco comum

por um sinônimo mais familiar; b. Alteravam uma forma gramatical tosca ou uma expressão

lexicográfica pouco elegante de acordo com as suas preferências de expressão contemporâneas; ou

c. Acrescentavam pronomes, conjunções e expletivos com a finalidade de "suavizar" o texto.

2. Probabilidades intrínsecas dependentes de considerações a respeito do que o autor pode ter

escrito. Nestes casos, o crítico textual leva em conta: 1. Em geral: o estilo e vocabulário do autor em

todo o livro; o contexto imediato; e a harmonia com o estilo do autor em outras partes; e 2. Nos

Evangelhos: o transfondo do aramaico nos ensinos de Jesus; a prioridade do Evangelho segundo

Marcos; e a influência da comunidade cristã sobre a formulação e transmissão da passagem

respectiva. É óbvio que nem todos estes critérios são aplicados em cada caso. O crítico textual deve

reconhecer quando é necessário dar maior consideração a uma classe de evidência e menos a

outra. Visto que a crítica textual é uma arte do tempo mais que uma ciência, é inevitável que em

alguns casos os eruditos cheguem a distintas avaliações sobre o significado das evidências. Estas

divergências se tornam quase inevitáveis, quando, como às vezes sucede, as evidências estão tão

divididas que, por exemplo, a leitura mais difícil é achada nos manuscritos mais recentes, ou a

leitura mais longa é achada somente nos manuscritos mais antigos.

O Texto Bizantino na Tradição Manuscrita do Novo Testamento Grego

Paulo José Benício (CPAJ)

RESUMO

Hoje em dia sustentam-se diversas versões quanto à história e utilidade do tipo de texto

representado pelo imenso volume de manuscritos mais recentes do Novo Testamento. Por isso,

para todo estudante que está em busca de meios no intuito de avaliar a evidência externa de certas

variantes, é essencial trazer-se à baila a discussão concernente ao tipo de texto bizantino. Seu juízo

a respeito do valor e utilidade dessa forma textual pode, muitas vezes, efetuar uma acentuada

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diferença em termos da preferência dada à versão impressa no texto ou a uma variante posta nas

notas de pé de página das edições gregas do Novo Testamento. A pesquisa em que se alicerça este

artigo objetiva evidenciar razões válidas para empregar o tipo de texto bizantino, como

testemunho antigo e independente das fontes neotestamentárias gregas, na elaboração das atuais

edições críticas.

PALAVRAS-CHAVE: Crítica textual; Grego; Bizantino; Testemunho; Variante

INTRODUÇÃO

Os historiadores, arqueólogos e teólogos dispõem hoje de aproximadamente 5.500

manuscritos do Novo Testamento, quer parciais, quer completos, que podemos classificar em

quatro modalidades básicas de texto. São eles o cesarense, o ocidental, o alexandrino e o bizantino.

Os críticos textuais que buscam recuperar os autógrafos (documentos originais) do Novo

Testamento grego têm lançado mão de dois tipos centrais de texto, a saber: o alexandrino e o

bizantino.

No século XIX, vários foram os estudiosos que deram continuidade aos esforços de Brooke

Foss Westcott e Fenton John Anthony Hort, privilegiando o texto alexandrino, não obstante a

ferrenha oposição de John William Burgon, principal defensor do tipo de texto bizantino. A teoria

de Westcott-Hort (WH, daqui em diante) baseia-se em argumentos divididos em cinco grupos, a

saber: a genealogia, a conflação, o silêncio dos Pais, a recensão luciânica e a evidência interna de

variantes. Propomo-nos aqui a avaliar essas bases, aproveitando principalmente as pesquisas de

Burgon.

Não pretendemos defender nenhum posicionamento inflexível, seja a favor, seja contra

qualquer tipo de texto. O que desejamos, ao questionar as teorias de WH, é despertar a atenção do

estudioso para a utilização do texto bizantino na avaliação das diferentes variantes dos textos

gregos atualmente publicados.

OS DIFERENTES TIPOS DE TEXTO DO NOVO TESTAMENTO GREGO

No decorrer do trabalho, serão vistas diversas opiniões que têm sido sustentadas quanto à

classificação da imensa quantidade de manuscritos disponíveis do Novo Testamento. Daí

considerarmos o texto bizantino essencial para qualquer estudioso atento às pesquisas mais

recentes.

Antes de mais nada, é necessário entender que bizantino diz respeito ao tipo mais recente de

texto, caracterizado em sua grande maioria pelos unciais (maiúsculos), semi-unciais e minúsculos

gregos do Novo Testamento. Ele também é o tipo de texto encontrado na Peshitta Siríaca, nas

versões góticas e nas extensas citações dos pais da igreja,partir de Crisóstomo.

Seu nome provém de onde se origina a maioria dos manuscritos desse tipo - o Império

Bizantino. É nele que se baseia, entre outras, a versão da Bíblia para a língua portuguesa feita por

João Ferreira de Almeida e publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

O texto bizantino nem sempre tem gozado de prestígio, em especial pelo seu principal

representante: o textus receptus (a segunda edição impressa do Novo Testamento grego preparada

por Boaventura e Abraão Elzevir, na Holanda, em 1633). A maior parte dos estudiosos concorda

em afirmar ser o textus receptus oriundo de manuscritos gregos medievais, em sua maioria

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bizantinos. Contudo, eles o criticam por acharem que se encontra demasiadamente distante dos

autógrafos.

A quebra da hegemonia atribuída ao textus receptus ocorreu no século XIX, através dos

trabalhos de colação (confrontação ou comparação de determinado tipo de texto com outro) e

edição efetuados por L. Konstantin von Tischendorf. As pesquisas de WH constituíram o clímax

desta ruptura, assumindo, desde então, o seu texto o lugar do Textus Receptus.

A rejeição ao textus receptus, porém, não foi unânime entre os eruditos, sendo que algumas

vozes, como a de John William Burgon, levantaram-se e criticaram veementemente as teorias de

WH. A partir de então, destacaram-se duas linhas principais e diametralmente opostas com

relação ao texto bizantino: aquela partidária de WH e a que acatava os posicionamentos de

Burgon.

ma terceira atitude envolve o que se poderia chamar de abordagem eclética — a não

preferência por nenhum tipo particular de texto e o não favorecimento de qualquer manuscrito.

Aqueles que lançam mão desse método tendem a considerar as diversas variantes existentes,

independentemente de sua origem. O julgamento é feito no nível das variantes, com base em

critérios internos, tencionando identificar o texto mais próximo do original. Este tipo de

abordagem, ainda que tente incluir as diversas variantes existentes, revela-se certamente subjetivo,

pois, de certa forma, fica a critério do exegeta a escolha das variantes.

Todavia, mesmo em meios ecléticos, o texto bizantino não tem sido levado em consideração

pela maior parte dos críticos. Considere-se, a título de exemplo, a posição de J. Harold Greenlee, o

qual, mesmo admitindo a possibilidade de, em alguns casos, as leituras bizantinas não deverem

ser rejeitadas automaticamente (sem um exame acurado), escreve: “...a impressão geral dada por

variantes fundamentalmente bizantinas é de caráter inferior e, provavelmente, não original”.

(GREENLEE, 1964: 91.)

A crescente ascensão da abordagem eclética, vinculada à também crescente ênfase nos

critérios internos para escolha de variantes, tem feito surgir uma boa dose de desencanto com

relação aos principais elementos das teorias de WH, não obstante o texto bizantino ainda

continuar sendo genericamente desconsiderado.

AS TEORIAS DE WESTCOTT E HORT

Ao que tudo indica, há um consenso geral, entre os modernos críticos do Novo Testamento

grego, no que diz respeito à inutilidade do texto bizantino para a recuperação dos autógrafos do

livro sagrado. Essa posição encontra seu fundamento em uma teoria consagrada, que afirma ser o

texto bizantino oriundo de manuscritos mais recentes.

WH, os principais mentores dessa postura, defendiam a idéia da restauração do melhor texto

do Novo Testamento grego, sedimentados em dois manuscritos maiúsculos do séc. IV d.C. — o

Sinaítico (Álefe) e o Vaticano (B). (WESTCOTT, B.F. e HORT, 1882: 150-151). Eles o denominaram

de texto neutro, destacando a sua (suposta) ancestralidade, pureza e preeminência. Além disso,

partiam do pressuposto de que ocorrera uma revisão erudita desse texto; alcunharam-no de

alexandrino (Ibid., p. 210-212.). Em nossos dias, os críticos neotestamentários, em geral, não

sustentam essa diferença entre os textos neutro e alexandrino, procurando reunir os manuscritos

de ambos em um só grupo. Afirmam que a coleção completa de testemunhos (manuscritos, versões

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ou citações patrísticas que confirmam ou contrariam determinada variante) representa uma

modalidade de texto alexandrino, também chamado de egípcio. A existência desse texto na

Antigüidade é comprovada por citações de Orígenes, pelas versões egípcias e, mais

particularmente, pelo papiro de número 75.

Um outro tipo de texto também considerado antigo por WH (e por outros estudiosos da

área) é o denominado ocidental. Muito embora esse texto seja menos homogêneo do que o

alexandrino, a sua idade não é questionada, pelo fato de haver uma ampla atestação, proveniente

da patrística, que apresenta um número ainda maior de testemunhos, e ainda mais antigos do que

aqueles do alexandrino. WH pouco valorizaram o texto ocidental e asseveravam ser ele corrupto e

indigno de confiança, salvo em alguns casos de omissão. Atualmente a opinião dos eruditos varia

consideravelmente. Muitos se dispõem a conceder um espaço mais amplo às variantes do texto

ocidental, contrapondo-se a WH; outros estão convictos de que esse tipo de texto preserva os

autógrafos mais fielmente do que o egípcio. De qualquer forma, a maioria dos estudiosos do Novo

Testamento grego assevera que as variantes de ambos os textos são mais antigas do que as do

bizantino.

WH apresentaram alguns argumentos fundamentais, que, de uma forma ou de outra,

continuam sendo utilizados, com o intuito de demonstrar que o texto bizantino é oriundo dos

outros tipos de texto. Esses argumentos serão expostos e discutidos a seguir.

O ARGUMENTO CONCERNENTE À GENEALOGIA

Esta hipótese reivindica que todos os manuscritos de um mesmo tipo de texto, não

importando quão numerosos possam ser, descendem de um único arquétipo (exemplar padrão).

Em conseqüência, somente a forma do arquétipo deve ser levada em consideração, tornando-se

assim um único testemunho, que concorre somente com os testemunhos-modelo únicos dos

outros tipos de texto. Esse argumento, fundamentado em um suposto diagrama genealógico,

elimina, efetivamente, na visão de WH (WESTCOTT e HORT, 1982: 57) o problema da

superioridade numérica do texto bizantino, defendendo a prática da classificação dos numerosos

testemunhos manuscritológicos existentes em quatro grupos principais: neutro, alexandrino,

ocidental e siríaco.

O argumento da conflação

Conflação é a combinação de leituras de duas ou mais fontes documentais. Ela era reputada

como prevalecente entre manuscritos da era bizantina, não ocorrendo, todavia, em documentos

alexandrinos e ocidentais. Esse argumento supõe ser o texto bizantino de idade recente, havendo

surgido das combinações de leituras dos tipos de texto mais antigos.

WH listaram oito exemplos de leituras de conflação (Ibid, p. 93-104.), sendo quatro em

Marcos e quatro em Lucas. Em tais exemplos, as leituras dividem-se em três variantes. Uma

variante é atestada por testemunhos alexandrinos; uma outra, por ocidentais; e a terceira combina

as duas leituras menores, originando assim uma leitura maior, que é a dos testemunhos

bizantinos. O último dos oito exemplos citados (Lucas 24.53) pode ser usado como ilustração

(PICKERING, 1980: 180).

Assim, de acordo com o argumento e o exemplo expostos, os editores bizantinos possuiriam

manuscritos com a variante do texto ocidental “ainoûntes” (“louvando”) e também manuscritos do

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texto alexandrino “eulogoûntes” (“abençoando”). Uma vez que nada se desejava perder,

combinavam-se as duas leituras. Assim, a variante mais longa parecia demonstrar a época menos

remota do texto bizantino e o método de seus editores.

O argumento referente ao silêncio dos pais da igreja

Há citações nos escritos dos pais da igreja que fundamentam o texto alexandrino (especialmente as

de Orígenes), e muitos pais da igreja também dão testemunho do texto ocidental. WH sustentaram

que nenhum testemunho há (por parte dos Pais) referente ao texto bizantino antes da metade do

quarto século d.C. (WESTCOTT e HORT, 1982: 115). E, se não foi usado ou citado, conclui-se

logicamente que ele não pode ter existido naquela época.

argumento da recensão luciânica

O texto bizantino, de acordo com WH, foi alvo de um processo deliberado de crítica efetuado

entre os anos 250 e 350 d.C. (Ibid., p.137.). Como se sabe, a recensão refere-se a um trabalho de

revisão e edição textual. O argumento diz respeito às correções empreendidas por Luciano de

Antioquia, especialmente acréscimos textuais, visando o seu aperfeiçoamento.

O argumento da evidência interna de variantes

Tal evidência se acha alicerçada em dois tipos de probabilidade — a intrínseca e a de transcrição. A

probabilidade intrínseca orienta-se na direção do autor: que variante mais lhe parece fazer sentido

e mais se adequa ao contexto, conformando-se ao seu estilo e propósito. A probabilidade de

transcrição diz respeito ao copista: que variante pode ser atribuída ao seu descuido ou à sua

ineficiência. Não levando em consideração os erros involuntários, presumivelmente, foram as

mudanças deliberadas que originaram os dois mais importantes cânones da crítica textual: brevior

lectio potior, isto é, "a leitura mais curta deve ser a preferida”, assumindo-se a propensão do escriba

para adicionar material ao texto; e proclivi lectioni praestat ardua, ou seja, "a leitura mais difícil deve ser

a preferida”, assumindo-se a tendência do escriba para tentar simplificar o texto ao ser confrontado

com uma suposta dificuldade.

Com fundamento nessas considerações, WH declaram ser o texto bizantino caracterizado por

lucidez e inteireza, aparente simplicidade e assimilação harmônica, uma vez que as suas leituras,

com raras exceções, correm lisa e facilmente, produzindo um sentido aceitável para o leitor (Ibid.,

p.115-116).

Ao rejeitarem o texto bizantino, conseqüentemente, os seguidores de WH, almejando restaurar o

texto verdadeiro do Novo Testamento grego, realizam sua tarefa procurando combinar os

testemunhos não-bizantinos. Se tais testemunhos se dividem, o texto verdadeiro deve ser

encontrado no tipo de texto alexandrino. Se neste há descordo, ela pode ser encontrada onde Álefe

e B coincidem. Em caso de divergência, a leitura correta será aquela em que B e pelo menos um

outro testemunho estão de acordo. E, em certas ocasiões, somente B é seguido. Contudo, uma

variante não pode ser atestada, sob hipótese alguma, considerando-se somente o volume de

manuscritos bizantinos, mesmo se forem eles o único recurso disponível.

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VARIANTES

TEXTUAIS

TESTEMUNHOS TIPOS DE

TEXTO

ainoûntes

(louvando)

D it pt Ocidental

eulogoûntes

(abençoando)

p75Álefe B C L cop

sy s, pal

Alexandrino

ainoûntes kaì

eulogoûntes

(louvando e

abençoando)

Byz A C2W X Q P

Y 063

1 13 pl it ptsy p, h

Diatessarão

Bizantino

A CRÍTICA ÀS TEORIAS DE WESTCOTT E HORT

A genealogia

Já mencionamos alhures não somente a definição de WH (Ibid., p. 57) com respeito à genealogia,

como também a suposta utilização desse método por eles. Eruditos, como E. C. Colwell,

(COLWELL, 1969: 111-112) não aceitaram, todavia, o método da genealogia, nem mesmo

acreditaram que WH o tivessem aplicado na restauração dos escritos do Novo Testamento, uma

vez que a maior parte dos seus argumentos, nesse sentido, foi de caráter hipotético. Assim, como

poderiam falar de simples "ambigüidades ocasionais na evidência das relações genealógicas", ou

ainda afirmar que "os resultados textuais advindos destas relações são perfeitamente certos",

quando não demonstraram a existência de quaisquer das alegadas relações — muito menos com

"perfeita certeza"? (WESTCOTT e HORT, 1982: 63).

Um outro desafio à aplicação do método genealógico aos manuscritos do Novo Testamento grego

surge da presença quase universal da chamada mistura, isto é, a combinação de variantes de tipos

de texto diferentes nestes manuscritos.

Apesar das dificuldades, o método genealógico, desde WH até os nossos dias, tem sido

canonicamente empregado na reconstituição dos livros do Novo Testamento.

A conflação

Variantes de conflação têm sido um dos principais sustentáculos das teorias de WH para

demonstrar que o texto siríaco é mais recente do que os outros tipos de texto (METZGER, 1992:

131).. Essas conflações levaram à conclusão de que as mudanças textuais haviam ocorrido em uma

direção, a saber, na do texto siríaco que, na sua inteireza, seria resultado de manuscritos

alexandrinos e ocidentais, e, por isso, um texto de variantes mais recentes (WESTCOTT e HORT,

1982: 106). Aliás, para os defensores das teorias de WH, quando o texto bizantino se apresenta

mais longo, isso sinaliza uma conflação; quando se mostra mais curto caracteriza uma redução ou

resumo. Foi elaborada ainda uma terceira conclusão: já que os editores siríacos usaram os

manuscritos alexandrinos e ocidentais na elaboração das conflações, eles devem ter feito um uso

livre deles na editoração dos seus textos.

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J. W. Burgon (1883: 258) recusou esses argumentos com vigor, por não dizerem respeito àquilo que

realmente poderia ser classificado como conflação, sem se mencionar o fato de os exemplos serem

muito poucos para sustentarem uma teoria tão abrangente.

Em linhas gerais, a crítica de John William Burgon possui seu valor, mas ela também não justifica,

por outro lado, assumirmos uma posição inflexível, afirmando que as variantes de conflação sejam

necessariamente as originais.26 A evidência existente, no momento, patenteia que tais leituras não

são uma prova de edição recente, devendo, na verdade, remontar ao segundo século d.C. Se

aceitarmos isso como verdadeiro, mesmo para algumas variantes de conflação, torna-se inválida a

utilização de alguns dos exemplos apontados, na intenção de provar ser o texto siríaco resultado

de um recente processo editorial. Algumas conflações bizantinas têm demonstrado ser de idade

antiga. Ainda que não seja tão comum encontrarmos variantes semelhantes ao exemplo de

conflação no texto siríaco, na realidade existem outras, além das reconhecidas por WH.

Em João 10.19, por exemplo, a divisão de manuscritos que atestam as diversas leituras constitui

um corte tão evidente, em termos de tipos de texto, quanto em Lucas 24.53, um dos exemplos

dados por WH (PICKERING, 1980: 180).

Analisemos esse exemplo a partir do quadro a seguir (STURZ, 1984: 84, 151):

Variantes Textuais Testemunhos Tipos de Texto

skhísma/oûn

(divisão/portanto)

D 1241 r1(bo) Ocidental

skhísma/pálin

(divisão/de novo)

p45Álefe B L W X 33

157 213 249 lat sa arm;

WH

Alexandrino

skhísma/oûn/pálin

(divisão/portanto/de

novo)

p66G D Q L P y unc7

l f pl (bo) sy p Chr Cyr

KH

Bizantino

Em João 10.31, há outra divisão dos textos, não menos clara, na qual estão envolvidos quatro tipos

(Ibid):

Casos como esses teriam sustentado as teorias de WH referentes à conflação se eles tivessem sido

trazidos à tona na sua época. Hoje em dia, não mais auxiliam esse tipo de teoria, pois cada uma

destas variantes de conflação já possui seu suporte em papiros antigos. No texto de João 10.19,

enquanto p45p75a variante alexandrina, o que se lê no p66, o papiro mais antigo, é:

“skhísma/oûn/pálin”. Em João 10.31, a variante de conflação é fundamentada por p66, e a menor,

“ebástassan”, por p45. Se p75ça qualquer uma destas variantes, aparentemente será a alexandrina:

“ebástassan/pálin”.

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A conflação também não se limita ao texto bizantino, como afirmaram WH (WESTCOTT e HORT,

1982: 106). Colossenses 3.17 até poderia ser um exemplo daquilo que eles chamariam de conflação

— encontrado no texto siríaco; contudo, este exemplo se acha no maiúsculo Álefe (STURZ, 1984:

85):

Colossenses 1.12 é mais um trecho que evidencia o fenômeno da conflação fora do texto siríaco;

desta feita, o exemplo encontra-se no maiúsculo B (Ibid., p. 87):

Daí, ao aplicar os princípios de WH a estas passagens, o exegeta terá que admitir: uma vez que um

texto representado pelos principais unciais (Álefe e B) posiciona-se em linha de conflação com

outros, eles teriam de ser mais recentes; e os outros, mais antigos do que eles.

O silêncio dos pais

Um dos argumentos mais veementes de WH diz respeito à ausência de evidência patrística no

texto bizantino. Na verdade, a aparente omissão dos mais antigos pais, não citando o texto siríaco

até a época de Crisóstomo, foi tomada como prova irrefutável da não existência desse tipo de

texto. Todavia, é preciso considerar que algumas dessas citações têm sido encontradas mais

recentemente como suporte de leituras bizantinas. O problema é que, ao serem analisadas, elas

geralmente têm sido rejeitadas como evidência para a antiga existência, seja do texto siríaco, seja

da variante em questão. Afirma-se que os textos dos pais foram assimilados à norma bizantina por

escribas bizantinos, à medida que estes copiavam os manuscritos (WESTCOTT e HORT, 1982: 110-

111). Conseqüentemente, argumenta-se ainda que a citação de um antigo Pai só pode ser

considerada segura se ela não concordar com a koiné.

Ainda que alguma assimilação dos textos dos pais à norma bizantina tenha de fato ocorrido, não

existe a menor dúvida de que leituras bizantinas foram atestadas pela patrística antes de Nicéia

(325 d.C.). Vários exemplos disto podem ser arrolados: Lucas 10.21, Clemente de Alexandria;

Lucas 12.5, Tertuliano; Lucas 12.22, Clemente de Alexandria; Lucas 12.31, Clemente de Alexandria

e Marcião; João 2.24, Orígenes. Orígenes também atesta João 4.31 e João 13.26. Nas epístolas é

possível identificar os seguintes exemplos de evidência patrística: Romanos 10.14, Clemente de

Alexandria; 1 Coríntios 4.11, Clemente de Alexandria e Orígenes; 1 Coríntios 5.10, Orígenes; 1

Coríntios 7.5, Orígenes; 1 Coríntios 7.7, Orígenes; 1 Coríntios 9.21, Orígenes; Efésios 2.12, Orígenes

e Tertuliano; Filipenses 1.14, Marcião; Hebreus 11.32, Clemente de Alexandria; 1 Pedro 2.5,

Clemente de Alexandria e Orígenes (STURZ, 1984: 79).

Diante disso, mesmo admitindo ser Crisóstomo o mais antigo pai da igreja, cujos escritos contêm

substancial citação antioquena, algumas considerações devem ser feitas no que se refere ao

argumento sobre o silêncio dos mesmos.

Em primeiro lugar, esse argumento não pode ser considerado relevante com base exclusivamente

no próprio silêncio, ou seja, na ausência de citações. A lógica clássica nos permite concluir que se A

é B, e C é A, então C é B. Mas se C não é A, não se pode concluir, com certeza, que C não seja B.

Em segundo lugar, invocam-se Pais de localidades não-siríacas. Ora, um dos valores fundamentais

de um Pai da Igreja é justamente correlacionar o tipo de texto corrente ao seu local de origem, uma

vez que sua época e residência sejam conhecidas. Assim, Irineu morava na Gália e usava o texto

ocidental; Orígenes é um dos pilares para os textos alexandrino e cesarense, já que ele viveu em

ambos os lugares. Não é, pois, de se esperar que esses Pais dêem testemunho de um tipo de texto

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usado (ou não usado) em Antioquia, quando eles provinham de locais relacionados com outros

tipos de texto. Em outras palavras: se Irineu viveu no segundo século d.C., e Orígenes no terceiro,

o fato de as citações de Irineu não abalizarem os textos utilizados por Orígenes, mais tarde no

Egito, não pode ser prova de que esse tipo de texto alexandrino não existisse antes de Orígenes.

Em terceiro lugar, esse argumento está em estreita relação com Antioquia. Defensores da teoria de

WH afirmam que Crisóstomo é o Pai mais antigo a usar o texto bizantino. Contudo, eles

normalmente esquecem não haver Pais antioquenos antigos cujos remanescentes literários sejam

suficientemente extensos, a ponto de suas citações do Novo Testamento serem analisadas no que

se refere ao tipo de texto que abalizam.

O argumento vinculado ao silêncio dos Pais tem recebido mais peso do que ele realmente pode

suportar. Como poderiam Pais de outras áreas, usando outros tipos de textos locais, ter condições

de testemunhar o texto antioqueno (bizantino)? Como se poderia esperar que o texto antioqueno

fosse atestado por Pais que nos legaram poucos escritos (ou mesmo nenhum)? Pode-se acrescentar

ainda: já que o objetivo das citações era teológico (e não crítico), os Pais freqüentemente alteravam

leituras que não se moldavam aos seus propósitos dogmáticos. Assim, dificilmente se pode ter

certeza de que determinado Pai está citando um manuscrito fiel ao texto posto diante dele.

Finalmente, deve-se deixar claro que os papiros que fundamentam variantes bizantinas e os

alinhamentos bizantino-ocidentais fornecem testemunho mais confiável da existência destas variantes

na antiguidade do que as alegadas citações de cópias recentes dos “antigos pais”.

A recensão luciânica

Johann Leonhard Hug postulou três recensões no século III d.C.: uma efetuada por Orígenes, na

Palestina; outra realizada por Hesíquio, no Egito; e outra ainda, encabeçada por Luciano, em

Antioquia (METZGER, 1992: 123) WH rejeitaram certos aspectos da teoria de Hug —

especialmente o da recensão hesiquiana (incluindo Álefe e B). Todavia, aceitaram que Luciano, de

fato, submeteu o texto siríaco a um trabalho de revisão crítica (Ibid., p. 141).

B. Metzger dá algum crédito a essa teoria, embora admita ser nebulosa sua ligação com o texto

bizantino. Pela carência de evidências históricas, informações tangentes à recensão luciânica

restringem-se aos "manuscritos que, supostamente, a contêm". Quanto a isto, ele afirma:

Nada nos é dito quanto à importância da revisão que ele levou a cabo quer no Velho,

quer no Novo Testamento, no que concerne à natureza dos manuscritos por ele

consultados, no que se refere à relação deste trabalho com a Héxapla e outros problemas

similares. Para termos informação sobre tais problemas, devemo-nos voltar para os

manuscritos que se pensa que contêm a recensão luciânica. (Ibid., p. 6-7)

O silêncio da história tem sido uma importante evidência externa de que tal recensão nunca

ocorreu. Diante da ausência de testemunhos coerentes, diz J. W. Burgon: “É simplesmente

impossível que um acontecimento de tal grandeza e interesse não deixasse qualquer vestígio na

história” (BURGON, 1975: . 293).

O argumento do silêncio é frágil por várias outras razões. Primeiramente, tal silêncio é inexplicável:

não se esperaria uma forte reação pela reposição de todo o Novo Testamento grego? Em segundo

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lugar, ele é total — não há qualquer registro de uma recensão que tenha como resultado a

superação do texto de Antioquia.

A evidência interna de variantes

No que tange à evidência interna de variantes, fator predominante para a opção pelo texto neutro,

em detrimento do ocidental e do alexandrino, os próprios WH reconheceram os empecilhos. No

seu parecer, a busca de um fundamento original pode levar a conclusões contraditórias, uma vez

que se pode partir de fontes diversas.

As dificuldades concernentes à evidência interna também têm sido alvo de atenção, quando se

discute o ecletismo. Entre outros estudiosos, W. N. Pickering (PICKERING, 1980: 78), no que diz

respeito ao uso da probabilidade intrínseca e à utilização daquela concernente à transcrição,

também concorda em afirmar que estes critérios geralmente se chocam, porque antigos escribas e

modernos editores têm evidenciado preferência pela leitura que melhor se acomoda ao contexto.

Isso, obviamente, deixa o crítico textual livre para escolher as variantes, de acordo com o seu

próprio julgamento. J. W. Burgon (BURGON, 1075: 67), aludindo a considerações internas, afirmou

que, em geral, elas são de caráter subjetivo e não poucas vezes contraditório.

A variante mais curta

Provavelmente o cânon mais largamente utilizado contra o texto bizantino seja brevior lectio potior,

ou seja, "a leitura mais curta deve ser a preferida”. A própria base desse cânon se encontra em WH

(WESTCOTT e HORT, 1982: 235), ao dizerem que, tanto no Novo Testamento, como em quase

todos os escritos prosaicos copiados, há corrupções por interpolação muitas vezes mais numerosas

do que corrupções por omissão. Sendo assim, eles afirmavam que o textus receptus era

caracterizado por interpolações, o que não acontece com B e Álefe.

Contudo, até que ponto é realmente verdadeiro afirmar-se que interpolações são muitas vezes

mais numerosas do que omissões na transmissão do Novo Testamento? Já na época de WH, J. W.

Burgon (1975: 156) destacou o fato de que as omissões voluntárias ou involuntárias dos escribas

eram mais prováveis do que acréscimos a um estilo conciso, em uma época posterior, visando à

inteireza e lucidez.

E. C. Colwell (1969: 112, 116, 118, 119, 123), o qual publicou um tratado ímpar sobre os hábitos dos

escribas, particularmente dos antigos papiros p45, p46p75, concordaria inteiramente com isso.

Colwell demonstrou que nunca se poderia fazer generalizações sobre os hábitos dos escribas.

Afirmou ainda que idéias sobre variantes textuais e tipos de texto fundamentadas em tais

generalizações são totalmente inválidas.

A variante mais difícil

Outro cânon usado contra o texto bizantino é proclive lectioni praestat ardua, o qual dá preferência à

variante mais difícil. A base para este cânon acha-se na suposta propensão de escribas para

simplificar ou modificar o texto, quando eles se deparavam com uma dificuldade ou com algo que

não entendiam.

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São oportunas, nesse sentido, as observações de B. Metzger, na sua nota referente a Jerônimo:

Jerônimo queixou-se de copistas que anotavam não aquilo que encontravam, mas

aquilo que pensavam ser o significado e, enquanto tentavam retificar os erros de outros,

simplesmente acabavam expondo os seus próprios (METZGER, 1992: 195).

Percebe-se, por esta observação, que é possível fazer conjecturas sobre o que parecem ser leituras

mais difíceis; na verdade, tais leituras acabam sendo avaliadas como espúrias. O mesmo erudito,

após narrar um incidente ocorrido na Assembléia dos Bispos de Chipre, em 350 d.C., conclui:

Apesar do cuidado de autoridades eclesiásticas da índole do Bispo Esperidião, parece

que, mesmo através de um exame casual do aparato crítico, escribas, diante de erros reais

ou imaginários de ortografia ou de fatos históricos, deliberadamente introduziram

mudanças naquilo que estavam transcrevendo (Ibid., p. 196).

De qualquer modo, o fato de muitos, no séc. II d.C., terem deliberadamente efetuado mudanças no

texto, levanta uma certa gama de problemas. Isto é: uma vez que alguém se acha no direito de

adulterar o texto, inclusive por razões de ordem doutrinária, não nos parece possível avaliar o

grau de dificuldade desse resultado, pelo próprio fato de não podermos detectar que fatores

influenciaram o originador da variante. Um outro problema desse cânon é sua vulnerabilidade à

manipulação de uma imaginação habilidosa — com suficiente engenhosidade, praticamente

qualquer variante pode ser preparada no intuito de ser convincente.

J. W. Burgon chamou a atenção para o perigo relacionado com o uso de um sistema rígido de

cânones, pelo simples fato de, comumente, os seus usuários tornarem-se escravos dele (BURGON,

1975: 66).

CONCLUSÃO

Examinando-se o aparato crítico relacionado com as duas principais variantes textuais

encontradas em 1 Timóteo 3.16, depara-se o exegeta, nas atuais e mais manuseadas edições do

Novo Testamento grego, com o seguinte problema: uma vez que os editores deram preferência à

variante “hós” (“quem”), de gênero masculino, como efetuar a concordância com os antecedentes:

“eussebeías mystérion” (“mistério da piedade”), sendo o primeiro termo de gênero feminino e o

segundo neutro?

Esse exemplo aponta para as duas linhas básicas por nós expostas e, atualmente, em debate no

campo da crítica textual do Novo Testamento. A primeira refere-se aos seguidores de WH, os

quais — firmados nos unciais gregos mais antigos, especialmente em B, bem como na regra

referente à evidência interna de leituras (“a partir da variante preferida devem ser as outras

variantes explicadas”) — afirmam ser “hós” (“quem”) o texto original. Além disso, acrescentam que

as letras gregas maiúsculas OS e QS se diferenciam somente pelo tracinho dentro do O e pelo traço

sobre as duas letras, como sinal da abreviatura do nome sagrado QEOS. Percebe-se claramente que

"hós” (“quem”) foi corrigido para “theós” (“Deus”). Os Westcott-Hortianos afirmam ser a segunda

parte de 1 Timóteo 3.16 uma citação direta de um primitivo hino cristológico que, como tal, em sua

forma poética, possui liberdade para a imprecisão gramatical — “hós” (“quem”) referir-se-ia à

pessoa de Cristo (ZIMMERMANN, 1982: . 49, 203, 204).

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Já os seguidores de J. W. Burgon, ao apelarem para a grande quantidade de documentos

minúsculos gregos menos antigos asseveram ser “theós” (“Deus”) a leitura original. Dizem que o

trecho possui, simplesmente, qualidades poéticas, não dando direito a qualquer espécie de

incongruência gramatical: “theós” (“Deus”), sendo do gênero masculino e estando no caso

nominativo, iniciaria a segunda parte do versículo 16, atribuindo à pessoa do Senhor Jesus Cristo a

deidade que lhe é devida. Nesse caso, o copista, involuntariamente, ter-se-ia enganado ao escrever

“hós” (“quem”) em lugar de “theós” (“Deus”), já que, em caracteres maiúsculos, a diferença podia

facilmente passar despercebida.

Com esse exemplo, almejamos exemplificar que, muito embora não seja essa uma dificuldade

textual crucial para a compreensão do versículo em pauta, o teólogo responsável pela exegese ou

pela tradução desse texto terá de abraçar, de início, uma das correntes crítico-textuais.

À guisa de conclusão, poderíamos propor o seguinte: as variantes bizantinas são antigas e o texto

bizantino, no sentido de WH, é ineditado (independente). A saber: não sendo produção dos textos

alexandrino e ocidental, não depende deles, no que respeita à sua atestação de variantes antigas.

Em decorrência disso, o texto bizantino constitui um testemunho adicional, ao lado dos tipos de

texto alexandrino e ocidental, remontando ao século II d.C. as suas variantes. Parece razoável

concluir que ao texto bizantino deva ser dado o mesmo peso concedido aos textos alexandrino e

ocidental, no processo de avaliação da evidência externa de variantes.

Em outras palavras, muito trabalho em torno da restauração do texto original do Novo

Testamento ainda há de ser levado adiante. Certamente, intenso debate tem havido desde as

últimas décadas do século passado, quando WH desafiaram a supremacia do textus receptus. Por

outro lado, o questionamento de suas teorias, em seus pressupostos teológicos e no emprego dos

métodos manuscritológicos, também tem enriquecido os labores da crítica textual, estimulando

contínuas pesquisas e, conseqüentemente, o surgimento de novas discussões acadêmicas. Isso tem

evitado a supremacia de quaisquer das principais linhas em confronto, a saber, os seguidores de

Westcott-Hort e os discípulos de Burgon.

Os principais manuscritos do Novo Testamento grego são: (1) unciais letrados: Álefe - Sinaítico

(séc. IV); A - Alexandrino (séc. V); B - Vaticano (séc. IV); C - Ephraemi Syri Rescriptus (séc. V); D -

Bezae Cantabrigiensis (sécs. V e VI); (2) papiros: 45- Chester Beatty (séc. III); p46- Chester Beatty (c.

200 d.C.); p47- Chester Beatty (séc. III); p66- Bodmer II (c. 200 d.C.); p75- Bodmer XIV-XV (séc. III).

O texto bizantino recebe diferentes denominações, entre elas: siríaco (WH), oriental (Semler), asiático

(Bengel) e tradicional (Burgon).

Enquanto a tradição católica usa o termo Padres da Igreja, o cristianismo protestante chama de Pais

os antigos escritores cristãos, especialmente aqueles situados até o séc. V d.C.

F. J. A. Hort e B. F. Westcott foram líderes anglicanos de grande influência nas últimas décadas do

século XIX. Westcott foi bispo em Durham e Hort lecionou em Cambridge. Os comentários, na

área do Novo Testamento, escritos por Westcott, são considerados, ainda hoje, clássicos da

literatura cristã (Cf. PICKERING, 1980: ). Embora a discussão das teorias de Westcott-Hort não

ocorra em larga escala no Brasil, recomendo a leitura do artigo de ANGLADA, 1996: -30.

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Um resumo deste período de transição e da suplantação do textus receptus pode ser examinado em

COLWELL, 1969: -39.

Decano de Chichester, foi um dos grandes defensores do texto bizantino, dedicando-se ao seu estudo,

especialmente nas últimas décadas do século XIX (Cf. METZGER, 1992: 135).

WH cognominaram estas omissões de “interpolações não-ocidentais”. Para um aprofundamento

nesse assunto, cf. WESTCOTT e HORT, 1882: 234-237.

Um outro grupo de estudiosos ainda fala de um quarto tipo de texto, o chamado cesarense.

Descoberto mais tarde do que os anteriores a partir do estudo do grupo de manuscritos de Lake

ou família 1, essa forma textual possui um número reduzido de variantes próprias e apresenta

afinidades com os textos alexandrino e ocidental (cf. METZGER, 1992: -215).

As oito passagens dos Evangelhos são: 6.33; 8.26; 9.38,49; Lc 9.10; 11.54; 12.18; 24.53.

Estudando os exemplos de conflação dados por WH, J. W. Burgon procurou provar que os textos

alexandrino e ocidental seriam um resumo do texto tradicional (Cf. Ibid. p. 258-265).

João Crisóstomo (o Boca de Ouro), falecido em 407 d.C., foi até 397 pregador na Igreja de

Antioquia (Cf. ALTANER, B., STUBIER, A., 1972: -325).

No sexto capítulo de sua obra (p. 70-76), Sturz defende a tese de que “alinhamentos bizantino-

ocidentais” remontam, independentemente, ao século II d.C., havendo-se originado no Oriente; ou

seja: egípcios atestam a existência de variantes no lado oriental do Império Romano, nas quais

testemunhos bizantinos e ocidentais concordam e, ao mesmo tempo, opõem-se às alexandrinas. A

defesa de WH de que tais alinhamentos bizantino-ocidentais não são evidências de peso, porque o

texto bizantino foi parcialmente formado por manuscritos ocidentais, tem, de fato, sido revertida,

pelo fato de tais alinhamentos evidenciarem que este texto preservou uma forma bastante antiga e

usada no Oriente, antes mesmo de adotada no Ocidente.

Novum Testamentum Graece, 1993 (Nestle-Aland 27) e The Greek New Testament, 1994 (UBS4).

M (gótico) em Novum Testamentum Graece. Jakob van Bruggen dá-nos, aliás, boas razões para a

utilização desses manuscritos minúsculos (Cf. BRUGGEN, 1975: -29).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALAND, K. e ALAND, B. Der Text des Neuen Testaments. 26. Aufl. Stuttgart: Deutsche

Bibelgesellschaft, 1982, pp. 60-81;

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Paulinas, 1972, pp. 324-325).

ANGLADA, Paulo. A Teoria de Westcott e Hort e o Texto Grego do Novo Testamento: Um Ensaio em

Manuscritologia Bíblica, Fides Reformata, vol. 1: 2, 1996, pp. 15-30.

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BRUGGEN, J. van. De Tekst van het Nieuwe Testament. Groningen: Uitgevereij De Vuurbaak, 1975.,

pp. 22-29).

BURGON, J. W. The Revision Revised. Londres: John Murray, 1883, p. 258.

COLWELL, Ernest C. Studies in Methodology in Textual Criticism of the New Testament. Leiden: E. J.

Brill, 1969, pp. 16-39.

GREENLEE, J. H. Introduction to the New Testament Textual Criticism. Grand Rapids: Eerdmans,

1964, p. 91.

KÜMMEL, Werner G. Introduction to the New Testament. New York: Abingdon, 1966, pp. 722-731;

METZGER, Bruce M. The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration.

3ª ed. aum. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 135

PICKERING, Wilbur N. The Identity of the New Testament Text. Nashville: Thomas Nelson, 1980, p.

212

STURZ, Harry A. The Byzantine Text-Type and New Testament Textual Criticism. Nashville: Thomas

Nelson, 1984, p. 84, 151.

WESTCOTT, B.F. e HORT, F. J. A. Introduction to the New Testament in the Original Greek – with

notes on selected readings. Peabody: Hendrickson, 1882, pp. 150-151.

ZIMMERMANN, H. Neutestamentliche Methodenlehre - Darstellung der Historisch-Kritischen Methode.

7. Aufl. Stuttgart: Verlag Katholisches Bibelwerk, 1982, pp. 39-40.

Os principais manuscritos do Novo Testamento grego são: (1) unciais letrados: Álefe - Sinaítico

(séc. IV); A - Alexandrino (séc. V); B - Vaticano (séc. IV); C - Ephraemi Syri Rescriptus (séc. V); D -

Bezae Cantabrigiensis (sécs. V e VI); (2) papiros: - Chester Beatty (séc. III); p46- Chester Beatty (c.

200 d.C.); p47- Chester Beatty (séc. III); p66- Bodmer II (c. 200 d.C.); p75- Bodmer XIV-XV (séc. III).

O texto bizantino recebe diferentes denominações, entre elas: íaco (WH), oriental (Semler), asiático

(Bengel) e tradicional (Burgon).

Enquanto a tradição católica usa o termo Padres da Igreja, o cristianismo protestante chama de

Pais os antigos escritores cristãos, especialmente aqueles situados até o séc. V d.C.

F. J. A. Hort e B. F. Westcott foram líderes anglicanos de grande influência nas últimas décadas do

século XIX. Westcott foi bispo em Durham e Hort lecionou em Cambridge. Os comentários, na

área do Novo Testamento, escritos por Westcott, são considerados, ainda hoje, clássicos da

literatura cristã (Cf. PICKERING, 1980: ). Embora a discussão das teorias de Westcott-Hort não

ocorra em larga escala no Brasil, recomendo a leitura do artigo de ANGLADA, 1996: -30.

Um resumo deste período de transição e da suplantação do textus receptus pode ser examinado

em COLWELL, 1969: -39.

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Decano de Chichester, foi um dos grandes defensores do texto bizantino, dedicando-se ao seu

estudo, especialmente nas últimas décadas do século XIX (Cf. METZGER, 1992: 135).

WH cognominaram estas omissões de “interpolações não-ocidentais”. Para um aprofundamento

nesse assunto, cf. WESTCOTT e HORT, 1882: -237.

Um outro grupo de estudiosos ainda fala de um quarto tipo de texto, o chamado cesarense.

Descoberto mais tarde do que os anteriores a partir do estudo do grupo de manuscritos de Lake

ou família 1, essa forma textual possui um número reduzido de variantes próprias e apresenta

afinidades com os textos alexandrino e ocidental (cf. METZGER, 1992: -215).

As oito passagens dos Evangelhos são: 6.33; 8.26; 9.38,49; Lc 9.10; 11.54; 12.18; 24.53.

Estudando os exemplos de conflação dados por WH, J. W. Burgon procurou provar que os textos

alexandrino e ocidental seriam um resumo do texto tradicional (Cf. Ibid. p. 258-265).

João Crisóstomo (o Boca de Ouro), falecido em 407 d.C., foi até 397 pregador na Igreja de

Antioquia (Cf. ALTANER, B., STUBIER, A., 1972: -325).

No sexto capítulo de sua obra (p. 70-76), Sturz defende a tese de que “alinhamentos bizantino-

ocidentais” remontam, independentemente, ao século II d.C., havendo-se originado no Oriente; ou

seja: egípcios atestam a existência de variantes no lado oriental do Império Romano, nas quais

testemunhos bizantinos e ocidentais concordam e, ao mesmo tempo, opõem-se às alexandrinas. A

defesa de WH de que tais alinhamentos bizantino-ocidentais não são evidências de peso, porque o

texto bizantino foi parcialmente formado por manuscritos ocidentais, tem, de fato, sido revertida,

pelo fato de tais alinhamentos evidenciarem que este texto preservou uma forma bastante antiga e

usada no Oriente, antes mesmo de adotada no Ocidente.

Novum Testamentum Graece, 1993 (Nestle-Aland 27) e The Greek New Testament, 1994 (UBS4).

M (gótico) em Novum Testamentum Graece. Jakob van Bruggen dá-nos, aliás, boas razões para a

utilização desses manuscritos minúsculos (Cf. BRUGGEN, 1975: -29).

A Teoria de Westcott e Hort e o Texto Grego do Novo Testamento:

Um Ensaio em Manuscritologia Bíblica*

por Paulo R. B. Anglada**

Duas edições do texto grego do Novo Testamento estão sendo utilizadas por tradutores,

comentaristas e pastores protestantes em geral em nossos dias: o Novum Testamentum Graece,

conhecido como o texto de Nestle-Aland (seus editores), publicado pelo Deutsche Bibelstiftung, já

na 27ª edição; e o The Greek New Testament, editado por uma comissão composta por renomados

eruditos da área (Barbara Aland, Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlo M. Martini, e Bruce

M. Metzger), publicado pela United Bible Societies (Sociedades Bíblicas Unidas), já na sua 4ª

edição.(1)

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Estes textos, praticamente idênticos, são o produto de uma teoria textual desenvolvida no século

passado e consolidada especialmente por dois eruditos ingleses, de Cambridge: Brooke Foss

Westcott e Fenton John Anthony Hort (Westcott-Hort). Em 1881 eles publicaram o The New

Testament in the Original Greek, em dois volumes, contendo o texto grego do Novo Testamento e a

teoria e métodos empregados na preparação do texto.(2)

Esse texto grego, bem como os demais que nele se basearam a partir de então, passaram a rejeitar a

grande maioria dos manuscritos gregos (3) — nos quais até então se baseavam as edições

impressas do Novo Testamento — e a adotar alguns poucos manuscritos mais antigos, descobertos

nestes últimos séculos (4), e a afastar-se cada vez mais do texto anterior.

Essa teoria revolucionou a crítica textual do Novo Testamento de tal maneira que os livros textos

sobre o assunto passaram a ensiná-la, não como teoria, mas como fato consumado; e assim tem

sido ensinada em seminários e conseqüentemente empregada nas novas traduções para o

português, comentários, obras teológicas e pregações.

Tamanha é a influência dessa teoria sobre a matéria, e tão estabelecido o seu domínio neste século,

que poucos têm ousado questioná-la. Assim, quase nada se tem escrito sobre o assunto de outro

ponto de vista. No Brasil, até onde este autor tem conhecimento, nenhum livro foi escrito do ponto

de vista contrário à teoria de Westcott-Hort e dos textos ecléticos que produziu.(5)

O propósito deste artigo é apresentar de forma breve uma resumo da história do texto grego

impresso do Novo Testamento, expor a teoria de Westcott-Hort, e oferecer algumas críticas.(6)

Estas críticas serão oferecidas a partir do que outros estudiosos têm dito sobre o assunto. Meu

propósito não é tanto oferecer críticas originais, mas demonstrar que a supremacia do texto de

Westcott e Hort tem sido questionada por peritos de renome no campo da crítica textual. Meu

desejo é que a constatação deste fato leve o leitor a ter uma atitude mais cautelosa e analítica

diante da aparentemente indisputável supremacia dos textos ecléticos.

Principais Períodos Históricos

do Texto Grego Impresso do Novo Testamento

A história do texto grego impresso do Novo Testamento pode ser dividida em três períodos. O

primeiro período, o período não-crítico, caracteriza-se pelo estabelecimento e padronização do

texto encontrado na grande maioria dos manuscritos usados pela Igreja Antiga e Medieval. Este

texto é conhecido pelos nomes de bizantino, sírio, tradicional, eclesiástico, ou majoritário.

Começando com a impressão feita por Ximenes em 1514, e estendendo-se até as edições

publicadas pelos irmãos Elzevir em 1678 — conhecidas pela expressão Textus Receptus — este

estágio da história textual do Novo Testamento é marcado pela aceitação incondicional do texto

até então usado amplamente pela Igreja, havendo pouquíssima diferença entre as diversas edições

publicadas.

O segundo período, conhecido como pré-crítico, cujo início pode ser marcado com a edição de

John Fell, em 1675, estende-se até antes de 1831 — quando Lachmann publica um texto que se

afasta bastante do Textus Receptus. Este período caracteriza-se pelo acúmulo de evidências textuais

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por parte dos críticos, bem como pela elaboração de teorias que viriam a ser aceitas e

desenvolvidas no período posterior, repudiando completamente o texto grego majoritário do

Novo Testamento, no geral expresso nas edições do período anterior. Entretanto, o texto

francamente aceito pela Igreja, nesta fase, continuou sendo o Textus Receptus, pois as evidências

textuais acumuladas contrárias a ele, não chegaram a ser aplicadas ao texto (7). Nas raras ocasiões

em que o foram, mesmo que em parte, tais textos foram firmemente rejeitados pelo consenso da

Igreja.

O terceiro e último período, o período crítico, começando com Lachmann (1831) e se estendendo

até os nossos dias, caracteriza-se por um afastamento generalizado do Texto Majoritário, e pelo

aparecimento de um texto eclético, baseado em um número bastante reduzido de manuscritos, os

quais, embora antigos, discordam bastante entre si, bem como da grande massa de manuscritos

que apresentam o texto "bizantino". Esse tipo de texto eclético, que começou com Lachmann, e

teve em Westcott e Hort os seus maiores defensores, atualmente tem se espalhado pelo mundo

através, principalmente, das edições de Nestle-Aland e da United Bible Societies (UBS). Estas são,

praticamente, as únicas edições do Novo Testamento grego conhecidas acessíveis, e portanto

usadas, pela grande maioria dos estudantes, teólogos, exegetas e tradutores, tanto protestantes

como católicos nos últimos anos. Entretanto, sempre tem havido eruditos como Burgon, Scrivener

e, mais recentemente, J. Van Bruggen e W. Pickering, que continuaram a defender o Texto

Majoritário, como o melhor texto original.

O Surgimento da Teoria de Westcott e Hort

O texto grego de Westcott-Hort veio a tornar-se a obra que mais tem influenciado a crítica textual

moderna do Novo Testamento. Alexander Souter a considera "a maior edição já publicada".(8)

Bruce Metzger, chama-a de "a mais notável edição crítica do Testamento grego já produzida pela

erudição britânica".(9) Kirsopp Lake diz que "este trabalho é o fundamento de quase toda a crítica

moderna’’(10) Kenyon afirma ser esta uma obra "que tem feito época, no sentido literal da palavra,

na história do Criticismo do Novo Testamento, ... tem colorido tudo o que tem sido escrito sobre o

assunto ... e suprido a base de todo o trabalho feito hoje neste campo".(11) Com o que concorda

Greenlee, afirmando que com o trabalho desses autores nós chegamos ao "clímax deste terceiro

período", e que "a influência de Westcott-Hort sobre todo o trabalho subseqüente na história do

texto nunca foi igualada".(12)

Esta obra afamada foi preparada durante 28 anos. O primeiro volume contém o texto grego do

Novo Testamento (sem aparato crítico, mas indicando algumas leituras variantes); o segundo,

contém a Introdução, explicando os princípios textuais usados pelos editores, bem como um

apêndice, com notas sobre algumas leituras selecionadas.

Contrariamente aos editores anteriores, Westcott e Hort não fizeram novas pesquisas nos

manuscritos disponíveis nem prepararam um novo aparatus criticus. A fama de sua obra, portanto,

não provém de suas pesquisas em testemunhas textuais, mas da teoria textual que desenvolveram,

a partir do que, nestes campos, haviam elaborado eruditos conhecidos, como Bengel, Griesbach,

Lachmann, Tischendorf, Tregelles e outros que os precederam.

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A teoria desenvolvida por Westcott e Hort consolidou a tendência da crítica textual da época de

afastar-se do Textus Receptus e, conseqüentemente, do Texto Majoritário, em direção a textos

ecléticos baseados em uma minoria de manuscritos, os quais, apesar de diferirem grandemente

entre si, passaram a ser considerados superiores, pela maioria dos críticos modernos.

Exposição da Teoria de Wescott-Hort

No que se segue, oferecemos uma exposição resumida dos principais pontos da teoria de

Westcott-Hort, que levou ao aparecimento do novo texto grego do Novo Testamento.

Pressuposição Fundamental

Westcott-Hort partem da pressuposição fundamental de que o texto do Novo Testamento deve ser

tratado como um texto ordinário, como qualquer outro livro. Nas palavras deles, os princípios de

criticismo explicados nas seções seguintes são bons para todos os textos antigos preservados em

uma pluralidade de documentos. No tratamento do Novo Testamento, nenhum novo princípio é

necessário ou legítimo.(13)

Esta pressuposição, por sua vez, fundamenta-se em outra: de que não houve falsificação maliciosa

no texto do Novo Testamento durante sua transmissão. Quando afirmam que o texto do Novo

Testamento é ordinário, querem dizer, com isso, que não há evidências históricas de interpolações

ou omissões deliberadas nos seus manuscritos, o que valida o emprego dos métodos críticos

ordinários aplicados aos textos clássicos antigos. Eis o que afirmam:

Mesmo entre as inquestionavelmente numerosas leituras espúrias do Novo Testamento não há

sinal de falsificação deliberada do texto com propósitos dogmáticos.(14)

Cremos que a ausência [no texto moderno] de fraudes perceptíveis, que deram origem a qualquer

das várias leituras agora existentes, também se aplica para o texto que antecedeu mesmo as mais

antigas variantes existentes...(15)

O Método das Evidências Internas

Partindo dessas pressuposições básicas, Westcott-Hort prepararam o Texto Eclético, considerando

as seguintes evidências internas: a probabilidade intrínseca e a probabilidade de transcrição. Por

probabilidade intrínseca, eles procuraram descobrir "o que um autor parece ter escrito".(16) O

método, para se descobrir qual a variante correta (ou provável), por este princípio, é resumido por

eles como segue:

O primeiro impulso ao tratar com uma variante é usualmente seguir a probabilidade intrínseca,

isto é, considerar qual das duas leituras faz o melhor sentido e, de acordo com isso, decidir entre

elas. A decisão pode ser feita tanto por um julgamento imediato, e portanto, intuitivo, ou pesando

cautelosamente vários elementos que irão definir o que é chamado de sentido, de conformidade

com a gramática e congruência com o estilo usual do autor e com o assunto em outras

passagens.(17)

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Por probabilidade de transcrição, eles procuram descobrir "o que os copistas parecem ter feito o

autor parecer escrever".(18) No que consiste tal probabilidade?

Eles respondem:

Se uma variante aparenta dar-nos um sentido muito melhor ou sobrepujar a outra variante, essa

aparente superioridade deve ter sido a causa da introdução da referida variante no texto.

Disparates [textos difíceis] à parte, nenhum motivo pode ser pensado que viesse a levar um

escriba a introduzir conscientemente uma leitura pior no lugar de uma leitura melhor.(19)

Regras Básicas

Com base nestes princípios, duas regras básicas foram usadas por Westcott-Hort para o

estabelecimento do texto deles. Primeira: brevior lectio potior (a menor leitura deve ser preferida),

assumindo que os escribas tinham mais tendência para incluir do que omitir. Segunda: proclivi

lectioni praestat ardua (a leitura mais difícil deve ser preferida), assumindo que os escribas eram

propensos a simplificar o texto quando confrontados com algum "disparate".

O Argumento da Conflação

Um argumento considerado importante na teoria de Westcott-Hort foi a afirmativa de que

conflação é característica de mistura, e que só o texto "sírio" as apresenta, sendo portanto um texto

secundário.(20) Oito exemplos de conflação do texto "sírio" (d), a partir dos textos "ocidental" (b) e

"neutro" (a) são mencionados por eles.(21) Segundo eles,

As relações traçadas nunca são invertidas. Nós não conhecemos nenhum lugar onde o grupo "a"

de documentos (neutro) comprove leituras aparentemente conflacionadas de leituras dos grupos

"b" (ocidental) de "d" (sírio) respectivamente, ou onde o grupo "b" (ocidental) de documentos

comprove leituras aparentemente conflacionadas de leituras dos grupos "a" e "d"

respectivamente.(22)

O Argumento da Genealogia

Outro argumento considerado chave da teoria de Westcott-Hort para derrubar a superioridade

numérica do Texto Majoritário, é baseado no conceito de genealogia dos documentos. Por meio deste

argumento, eles reduziram a grande massa de manuscritos "bizantinos’’ a uma família derivada de

outros manuscritos, enfraquecendo assim o peso do seu testemunho.

Os tipos ou famílias textuais concebidos por eles podem ser ilustrados pelo diagrama da página

seguinte:

Inexistência de Variantes Sírias anteriores a Crisóstomo

Outra proposição de Westcott-Hort aceita por muitos foi a suposta não existência de variantes

Sírias anteriores a Crisóstomo (que morreu em 407).(23) A importância atribuída a esta tese fica

evidente nas seguintes palavras de Kenyon:

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A proposição de Hort que foi a pedra fundamental da sua teoria, foi que leituras características do

Texto Recebido nunca são encontradas em citações de escritores cristãos anteriores a cerca de 350.

Antes desta data nós achamos leituras caracteristicamente neutras ou ocidentais, mas nunca sírias.

Este argumento é de fato decisivo.(24)

Visto que em 1881 ainda não haviam sido descobertos os papiros,(25) Hort refere-se, é claro,

apenas às citações dos Pais da Igreja anteriores a Crisóstomo.

A Recensão de Luciano

Mas como explicar a superioridade numérica e a surpreendente harmonia dos manuscritos

bizantinos? Hort explicou o fato através de uma recensão, que teria sido levada a efeito por

Luciano (morto em 311). As suas palavras são as seguintes:

O texto sírio deve ser de fato o resultado de uma recensão no sentido próprio da palavra, um

trabalho esforçado de criticismo, executado deliberadamente por editores e não meramente por

escribas.(26)

Hort sugeriu, em outras palavras, que a harmonia dos manuscritos bizantinos se devia a uma

revisão e editoração críticas feita no século III dos textos disponíveis. Esta revisão, que teve o

propósito de produzir um texto oficial do Novo Testamento para as Igrejas gregas, teria começado

em Antioquia por volta de 250 A.D. e foi concluída por volta de 350 A.D. O principal responsável

pela forma final deste texto revisado e editado teria sido, segundo Hort sugeriu, Luciano de

Antioquia, um estudioso (possivelmente de convicções arianas) que morreu martirizado durante

as perseguições aos cristãos movidas pelo Império Romano. Por este motivo, o Texto Majoritário é

às vezes chamado de texto antioquiano, ou texto sírio (Antioquia era a capital da Síria). O texto

produzido por Luciano, diz Hort, se tornou a versão oficial das Igrejas Gregas, e a base do Textus

Receptus.

Opositores à Teoria de Westcott-Hort

Embora a teoria desenvolvida por Westcott e Hort tenha, como dissemos anteriormente,

dominado a moderna crítica textual do Novo Testamento, nem todos a aceitaram. John W. Burgon,

Edward Miller, Frederick Scrivener e George Salmon foram alguns dos importantes estudiosos do

Novo Testamento, contemporâneos de Westcott e Hort, que combateram tenazmente tanto a teoria

como o texto grego desses autores.

John William Burgon (1813-1888), Deão de Chichester, conhecido por sua ortodoxia e erudição

inquestionáveis, foi um dos maiores defensores do que ele chamou de texto tradicional(27), em

oposição ao Texto Eclético de Westcott e Hort(28). A defesa que Burgon fez do texto tradicional(29)

baseava-se nos seguintes argumentos: (1) Este é o texto apoiado pela grande maioria dos

manuscritos, de qualquer tipo, em qualquer época, e nas principais regiões (Ásia Menor e Grécia);

(2) Este é também o texto que apresenta melhor qualidade intrínseca (harmonia, gramática, estilo,

etc.); (3) Este é o texto que tem sido universalmente aceito pela Igreja.

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Dentre as contribuições de Burgon para a Crítica Textual do Novo Testamento, podemos citar as

pesquisas de diversos manuscritos cursivos;(30) a preparação de uma excelente coleção de citações

patrísticas do Novo Testamento, nos Pais da Igreja, o Index Patristicus, com 86.489 citações, em

dezesseis volumes manuscritos;(31) uma defesa erudita, muito bem elaborada, dos últimos doze

versos do Evangelho de Marcos;(32) e uma crítica penetrante à Revised Version (Versão Revisada da

Bíblia Inglesa), baseada no texto de Westcott e Hort.

Edward Miller ficou conhecido como colaborador e editor póstumo das obras de John Burgon. Ele

organizou, completou e publicou a obra de Burgon The Traditional Text of the Holy Gospels

Vindicated and Established ("O Texto Tradicional dos Santos Evangelhos Defendido e

Estabelecido"),(33) e escreveu A Guide to the Textual Criticism of the New Testament ("Um Guia à

Crítica Textual do Novo Testamento").(34)

Frederick Henry Ambrose Scrivener foi outro perito em crítica textual que combateu a teoria de

Westcott e Hort. Professor em Cornwall, Scrivener é um nome importante na história do texto do

Novo Testamento. Como defensor do Texto Majoritário publicou, a partir de 1859, diversas

edições do Textus Receptus, de Stephanus, com leituras de Elzevir, Lachmann, Tischendorf e

Tregelles. Em 1881, publicou o texto grego usado pelos revisores ingleses de 1611. Entre 1861 e

1894, publicou em quatro volumes o manual mais usado pelos críticos textuais ingleses, intitulado

A Plain Introduction to the Criticism of the New Testament ("Uma Introdução Clara à Crítica do Novo

Testamento"). Além disso, Scrivener publicou diversos códices, tais como o Augiensis (1859), Bezae

(1864) e Sinaítico (1864). Entretanto, foi através das pesquisas que fez em manuscritos que deu a

sua maior contribuição, pois analisou mais de setenta manuscritos do Novo Testamento.(35) Isto

mostra que tanto Burgon quanto Scrivener eram eruditos dos mais capazes na pesquisa do texto

do Novo Testamento, e, pelo menos por isto, suas críticas deveriam ser recebidas com mais

atenção pelos críticos textuais modernos.

G. Salmon também se opôs firmemente à teoria de Westcott-Hort. Em uma obra não publicada,

escrita em 1897, intitulada Some Thoughts on the Textual Criticism of the New Testament ("Reflexões

sobre a Crítica do Novo Testamento") ele alerta quanto ao servilismo com o qual a teoria de Hort

estava sendo aceita, e sua nomenclatura adotada, "...como se a última palavra tivesse sido dada

quanto ao assunto do criticismo do Novo Testamento..."(36)

Avaliação da Teoria de Westcott-Hort

Os estudiosos mencionados acima certamente já ofereceram argumentos de peso contra alguns

pontos questionáveis da teoria de Westcott-Hort. No que se segue, tentaremos resumir os que nos

parecem mais importantes, usando como base a avaliação de W. Pickering.(37)

Pressuposição Fundamental

A pressuposição básica da teoria de Westcott-Hort de que o texto do Novo Testamento deve ser

tratado como um texto ordinário, por não haver falsificação deliberada com propósitos

dogmáticos, não corresponde às evidências históricas. Longe de se tratar de um texto ordinário, o

texto bíblico é especial, no sentido em que tanto Deus como Satanás têm um especial interesse por

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ele - Deus em preservá-lo e Satanás em destruí-lo. Não são poucos os críticos textuais modernos

que reconhecem a improcedência desta pressuposição fundamental da teoria de Westcott-Hort. H.

H. Oliver, por exemplo, afirma o seguinte:

O fato de existirem alterações deliberadas e aparentemente numerosas ocorridas durante os

primeiros anos da história textual é uma considerável inconveniência para a teoria de Hort por

duas razões: isto introduz uma variável imprevisível que os cânones de evidência interna não

podem manusear, e coloca o restabelecimento do original além da capacidade do método

genealógico.(38)

As próprias evidências históricas contrariam esta pressuposição de Westcott-Hort. Os Pais da

Igreja revelam, em seus escritos, a tendência, por parte dos hereges (e não somente deles), de

falsificação doutrinária maliciosa do texto do Novo Testamento. O próprio Metzger reconhece que:

Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Eusébio e muitos outros pais da Igreja acusaram os

heréticos de corromper as Escrituras a fim de ter suporte para seus pontos de vista especiais. Na

metade do século II Marcião expurgou de suas cópias dos Evangelhos de Lucas todas as

referências ao background judaico de Jesus. A Harmonia dos Evangelhos preparada por Taciano

contém várias alterações que forneceram apoio a pontos de vista ascéticos.(39)

Burgon menciona que "Gaio, um Pai ortodoxo que escreveu entre 175 e 200 AD, cita Asclepíades,

Theodotus, Hermophilus e Apolinides como heréticos que prepararam cópias corrompidas das

Escrituras e que tinham discípulos que multiplicaram cópias de fabricação própria."(40) Uma das

evidências históricas mais claras e conhecidas quanto à questão é a seguinte citação de Orígenes:

Nos dias de hoje, como é evidente, há uma grande diversidade entre os vários manuscritos, tanto

devido à negligência de certos copistas, como devido à perversa audácia mostrada por alguns que

corrigem o texto, como ainda devido à falta daqueles que, dizendo-se corretores, o alongaram ou

diminuíram conforme lhes agradava.(41)

O Método das Evidências Internas

Quanto ao método das evidências internas empregado por Hort, é de se notar que as duas

hipóteses de probabilidade (intrínseca e de transcrição) são conflitantes. Seguindo a probabilidade

intrínseca, devemos escolher a leitura que mais se adapte às características do autor; enquanto que

seguindo a probabilidade de transcrição, deve ser escolhida a leitura que menos se adapte ao

autor, pois a leitura que mais se adapta deve ter sido a leitura secundária (introduzida pelo

copista). Adotando tal método conflitante, a crítica textual deixa de ser ciência - por isso, alguns a

consideram arte. Não estaríamos longe da verdade se afirmássemos que a adoção de um método

contraditório deste tipo pode expor a crítica textual ao risco de tornar-se um exercício de

adivinhação.

E mesmo Westcott-Hort admitem a contradição:

Onde uma leitura (a) parece intrinsecamente preferível, e sua excelência é de uma qualidade que

nós podemos esperar ser reconhecida pelos escribas, enquanto que sua rival (b) não mostra

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característica provável para ser atrativa para eles, as probabilidades intrínseca e de transcrição

estão praticamente em conflito.(42)

Autores posteriores a Westcott-Hort reconhecem a natureza conflitante do método deles. Colwell,

por exemplo, conclui:

Infelizmente estes dois critérios freqüentemente entram em colisão frontal, porque escribas antigos

assim como editores modernos freqüentemente preferem a leitura que melhor cabe no

contexto.(43)

Se nós escolhermos a leitura que melhor explica a origem de uma outra leitura, nós estamos

geralmente escolhendo a leitura que não cabe no contexto. Os dois critérios cancelam-se

mutuamente.(44)

Regras Básicas

Brevior lectio potior

É conhecidíssima e amplamente aceita a regra segundo a qual a menor variante é a melhor, devido

à suposta maior tendência dos escribas à inclusão do que à exclusão. Entretanto, existem alguns

fatos que vêm questionar a aceitação incondicional desta regra. Primeiramente, existem estudos

recentes dos escritos clássicos greco-latinos que parecem provar exatamente o contrário: que os

escribas eram mais tendentes a omissões acidentais do que a interpolações intencionais.(45)

Não seria impossível admitir que o mesmo ocorre com relação aos manuscritos do Novo

Testamento. Colwell, ao estudar os hábitos dos escribas dos papiros p45, p66 e p75, demonstrou

que cada um deles apresenta características próprias de erros: letras (p75), sílabas (p66) ou

palavras e frases (p75).(46) Mas os três são unanimemente inclinados a omitir (três vezes mais, em

geral) do que a incluir.

Proclivi lectioni praestat ardua

De acordo com a outra regra básica usada por Westcott-Hort para o estabelecimento do texto do

Novo Testamento, a leitura mais difícil deve ser preferida. Segundo eles, os escribas eram

propensos a simplificar o texto quando confrontados com algum "disparate". Entretanto, parece-

nos perfeitamente plausível inferir o oposto, ou seja: que os erros dos escribas é que, na maioria

das vezes, acabavam produzindo "disparates" (variantes mais difíceis).

Já mencionamos que, segundo nos parece, pode haver alterações intencionais em manuscritos do

Novo Testamento. Contudo, é difícil negar que as modificações introduzidas no texto provêm

mais de lapsos não intencionais. Ora, é natural esperar que lapsos não intencionais produzam

leituras difíceis e não fáceis.

Na verdade, há evidências históricas indicando que variantes mais difíceis foram produzidas até

mesmo como resultado de alterações intencionais. Jerônimo, por exemplo, denuncia esta prática,

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dizendo que copistas "escrevem não o que encontram mas o que pensam ser o significado. E, ao

tentar retificar o erro de outros, eles meramente expõem os seus próprios."(47)

O Argumento da Conflação

O argumento de que o texto "sírio" era um texto conflacionado e, portanto, secundário já foi

reconhecido por alguns estudiosos como "o calcanhar de Aquiles de Hort". Razão: é uma

generalização fundamentada em apenas oito exemplos.

Alguns estudos têm demonstrado que esta generalização não tem fundamento sólido. E. A.

Hutton, após verificar as 821 variantes onde as assim chamadas famílias "alexandrinas",

"ocidentais" e "bizantinas", discrepam umas das outras no Novo Testamento, apresenta apenas

umas poucas passagens onde o texto "sírio" poderia ter sido conflacionado,(48) afora os oito

exemplos citados por Hort. Ora, mesmo admitindo que todos os exemplos mencionados sejam de

fato conflações (o que é discutível), ainda assim, a proporção seria de aproximadamente 100 para

1. Pouquíssimo para permitir uma generalização plausível.

E apesar de Westcott-Hort afirmarem não ocorrer o inverso, ou seja, não haver exemplos de

conflação do texto "alexandrino" a partir do texto "sírio" com "ocidental" ou do texto "ocidental" a

partir do "sírio" com o "alexandrino", existem diversos exemplos possíveis desse tipo de conflação

no Novo Testamento. Pickering menciona cinco exemplos na página 60 do seu livro The Identity

of the New Testament Text (p. 171-200) e apresenta uma lista com cerca de cem outras no

apêndice.

Esses exemplos testificam contrariamente do argumento da conflação como evidência de texto

secundário. Além do que, poder-se-ia ainda indagar: se possíveis exemplos de conflação indicam

"família textual" secundária, quais seriam as famílias textuais primárias?

O Argumento da Genealogia

Não há nada de errado com o argumento da genealogia, desde que ele fosse de fato aplicado. Ou

seja, se de fato fosse possível descobrir a árvore genealógica dos manuscritos do Novo Testamento,

o propósito da manuscritologia bíblica estaria próximo do fim. Se realmente fosse possível

determinar com precisão o parentesco dos mais de cinco mil manuscritos do Novo Testamento,

seria fácil determinar o texto original.

Contudo, creio que nem Westcott-Hort, nem outros peritos em crítica textual, até o momento

conseguiram levar a cabo tal empreendimento.(49) Sintomático disto é o fato que, sempre que o

assunto é tratado, manuscritos imaginários (x, y, z, por exemplo) são empregados para ilustrar o

argumento, pois ninguém realmente sabe o parentesco que os manuscritos apresentam entre si.

Com exceção de uns poucos casos, que não ajudam praticamente em nada diante do volume dos

manuscritos existentes, não tem sentido falar-se de genealogia, enquanto ela não for de fato

identificada.

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Além disso, a mistura das árvores genealógicas constitui-se uma barreira quase que intransponível

para o argumento. Como determinar o parentesco de mais de cinco mil manuscritos que misturam

suas genealogias?

Westcott-Hort não conseguiram (obviamente) aplicar o argumento da genealogia. Portanto, a

determinação das assim chamadas famílias ou tipos textuais carece de um fundamento menos

tênue que esse trabalho não realizado até o momento. Fica difícil falar em famílias "alexandrina",

"ocidental", "neutra" e "síria". A advertência de M. M. Parvis ilustra perfeitamente a atitude da

crítica textual do Novo Testamento com relação ao assunto:

Nós temos reconstruído tipos textuais e famílias e sub-famílias e, assim fazendo, temos criado

coisas que nunca antes existiram na terra ou no céu. Temos assumido que manuscritos

reproduzem-se de acordo com a lei de Mendel. Mas quando descobrimos que um manuscrito em

particular não se encaixa em nenhum dos nossos esquemas habilmente construídos, levantamos

nossas mãos e dizemos que contém um texto misto.(50)

Parvis não está, de modo algum, sozinho na sua conclusão. Klijn, por sua vez, afirma:

Ainda se costuma dividir manuscritos em quatro bem conhecidas famílias: a alexandrina, a

cesareense, a ocidental e a bizantina. Esta divisão clássica não pode mais ser mantida (...) Se há de

acontecer qualquer progresso no criticismo textual temos que nos desvencilhar da divisão em

textos locais. Novos manuscritos não devem ser atribuídos a um área geográfica limitada, mas ao

seu lugar na história do texto.(51)

Não seria difícil multiplicar citações de eruditos demonstrando que as assim chamadas famílias ou

tipos textuais são arranjos artificiais que não expressam a verdade dos fatos. Kenyon, Zuntz,

Colwell, Von Soden, Lake, Nestle, Metzger, Clark e outros questionam ou até mesmo negam

claramente a validade de algumas famílias específicas, ou mesmo da classificação em geral.

Apenas um exemplo específico para ilustrar o que temos afirmado: os códices ) e B, considerados

como os principais representantes do texto "alexandrino" ("neutro" de Westcott-Hort), diferem

mais de três mil vezes entre si somente nos evangelhos, sem contar erros menores de ortografia.

Inexistência de Variantes Sírias Anteriores a Crisóstomo

A tese da inexistência de variantes "sírias" anteriores a Crisóstomo, mantida por Westcott-Hort,

depara-se com algumas dificuldades trazidas por certas evidências históricas.

A maior delas diz respeito à versão siríaca Peshita. Até então, a Peshita era considerada a mais

velha das versões siríacas, e anterior a Crisóstomo. Ela constituía-se assim em uma forte

testemunha do Texto Majoritário, visto que nela encontramos leituras características do Texto

Majoritário. O embaraço que a Peshita representava para a tese da inexistência de variantes "sírias"

anteriores a Crisóstomo foi contornada da seguinte maneira: ela passou a ser considerada uma

revisão da Velha Siríaca, feita por Rábula, Bispo de Edessa, em cerca de 425, conforme tese de

Burkitt.(52) Esta tese foi imediatamente aceita e amplamente propagada.

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Entretanto, nem todos os peritos da área se deixaram convencer tão facilmente. Burgon observa

que não há evidência histórica para tal afirmativa.(53) É interessante observar que o próprio

Westcott, em seu livro On the Canon of the New Testament, parece se contradizer quanto ao assunto,

ao afirmar que não via

...razão para abandonar a opinião que tem obtido sanção dos mais competentes eruditos, de que a

formação da Peshita Siríaca deveria ser fixada dentro da primeira metade do segundo século. A

própria obscuridade que paira sobre sua origem é prova da sua venerável idade, porque mostra

que cresceu espontaneamente entre as congregações cristãs ... Fosse ela uma obra de data

posterior, do terceiro ou quarto século, dificilmente seria possível que sua história fosse tão incerta

quanto é.(54)

E o que dizer dos pais da igreja? Estudos posteriores sobre este período têm sugerido que a tese de

Westcott-Hort quanto às variantes "sírias" carece de uma melhor fundamentação nas evidências.

Os estudos publicados por Edward Miller, editor póstumo de John Burgon, revelam que o assim

chamado texto "sírio" é tão ou até mesmo mais atestado pelos pais da igreja desse período do que

os assim chamados textos "ocidental" e "neutro".

Segundo estes estudos, Orígenes apoia o texto "sírio" 460 vezes, e o texto "ocidental" ou "neutro"

491. Irineu apoia o texto "sírio" 41 vezes, e o texto "ocidental" ou "neutro" 63 vezes. Já Justino apoia

os dois textos praticamente o mesmo número de vezes. Enquanto que Hippolytus e Methodius

apoiam mais o texto "sírio" do que os texto "ocidental" e "neutro".(55)

Em resumo, após consultar todos os pais da igreja mortos até o ano 400, Miller verificou que o

texto tradicional é apoiado em uma proporção de 3 para 2 em relação aos textos "ocidental" ou

"neutro".(56) Ou seja, 2.630 a favor de variantes do texto tradicional contra 1.753 a favor de outras

variantes. Considerando apenas os pais da igreja mais antigos (de Clemente de Roma a Irineu e

Hippolytus), a proporção a favor do texto tradicional é ainda maior: 151 contra 84 (isto é, 1,8 para

1).(57)

Ainda que estes números não estejam corretos ou que algumas ou até muitas das variantes

consideradas por Miller como tradicionais não sejam leituras "sírias" puras, como Kenyon alega

(58); ainda assim, o que sobrar — não pouco — será suficiente para tornar praticamente

improvável a proposição de Westcott-Hort de que não existem variantes "sírias" anteriores a

Crisóstomo.

A Recensão de Luciano

A explicação fornecida pela teoria de Westcott-Hort para a surpreendente superioridade numérica

e harmonia dos manuscritos "sírios", é o que tem sido chamado de "a recensão de Luciano". É no

mínimo intrigante que um acontecimento tão importante quanto esta hipotética recensão não

tenha sido registrada, mencionada ou aludida em nenhum dos documentos históricos de que

dispomos. A História não registra absolutamente nada sobre ela.

Por isso mesmo, boa parte dos eruditos — mesmo entre os que defendem o Texto Eclético, tais

como Colwell, F. C. Grant, e Jacob Geerlings — já não apoiam essa teoria, mas consideram que a

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história do texto "sírio’’, assim como a dos demais, remonta ao segundo século ou mesmo aos

autógrafos.(59)

CONCLUSÃO

Esta exposição e avaliação da teoria de Westcott-Hort é resumida, mas cremos ser suficiente para

dar uma idéia dos seus pontos vulneráveis. O fato é que quase todos os pontos em que ela se

baseia podem ser, e têm sido, questionados com argumentos e evidências bastante plausíveis por

eruditos de renome na área. Evidentemente existem também eruditos de renome que defendem os

textos ecléticos. Não se trata de combater idéias com base na autoridade de celebridades. O que

espero ter ficado claro é que os textos ecléticos não têm aceitação universal da parte dos

estudiosos. E que mesmo sendo em número inferior, os que questionam a sua superioridade em

nada são inferiores em preparo e erudição. E seus argumentos nos parecem, na maior parte das

vezes, bastante plausíveis.