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www.issuu.com/postaldoalgarve 7.615 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO ABRIL 2016 n.º 91 D.R. Fernando Silva Grade ‘pinta’ 30 anos de história em Faro p. 5 O Amante Japonês: Isabel Allende regressa aos romances de fôlego p. 4 D.R. O Jardim de Epicuro p. 7 D.R. Espaço AGECAL: Sobre a dança contemporânea p. 3 Sala de Leitura: Amália ao sul (II) D.R. p. 8 D.R. Filosofia dia-a-dia: A luz das conversas: património e Design p. 10 Espaço ao Património: D.R.

CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

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Page 1: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

www.issuu.com/postaldoalgarve7.615 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

ABRIL2016n.º 91

D.R

.

Fernando Silva Grade ‘pinta’ 30 anos de história em Faro

p. 5

O Amante Japonês:

Isabel Allende regressa aos romances de fôlego p. 4

D.R.

O Jardim de Epicuro

p. 7

D.R.

Espaço AGECAL:

Sobre a dança contemporânea

p. 3

Sala de Leitura:

Amália ao sul (II)

D.R.

p. 8

D.R.

Filosofia dia-a-dia:

A luz das conversas: património e Design

p. 10

Espaço ao Património:D.R.

Page 2: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

08.04.2016 2 Cultura.Sul

AGENDAR

DiVaM é o programa de Dinamização e Valorização dos Monumentos desenvol-vido pela Direção Regional de Cultura do Algarve desde 2014, que tem como princi-pais objetivos a promoção, divulgação e valorização do património cultural da re-gião, oferecendo a todos os residentes e visitantes, um conjunto de iniciativas cul-turais, de dinamização, de fruição e vivência nos mo-numentos diretamente tute-lados pela Direção Regional.

“O Espírito do Lugar” é o mote para o programa des-te ano, apresentado em ce-rimónia pública na Ermida de Nossa Senhora de Gua-dalupe, no passado sábado. Durante a cerimónia foram assinados os protocolos de colaboração com as várias associações envolvidas nas 52 actividades culturais, que farão do DiVaM 2016 um acontecimento cultural a ser desfrutado ao longo do ano, pelas comunidades

locais, residentes e visitan-tes dos monumentos que acolhem as iniciativas.

O programa conta ainda com a parceria de vários municípios algarvios e da Universidade do Algarve, oferecendo um leque diver-sificado de atividades cul-turais que vão desde per-formances, música, artes plásticas a atividades para os mais novos e para as fa-mílias.

A dinâmica desenvolve--se como habitualmente em 7 monumentos que estão afetos à Direção Regional de Cultura do Algarve - Cas-telo de Aljezur, Fortaleza de Sagres, Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe, Mo-numentos Megalíticos de Alcalar, Castelo de Paderne, Castelo de Loulé e Ruínas Ro-manas de Milreu.

DiVaM 2016 com uma nova

Identidade Visual

Este ano o DiVaM apre-senta uma nova identidade visual, com uma imagem mais atual e contemporânea. Pretende-se seduzir públicos habituais, circunstanciais ou

novos, estimulando a vonta-de da descoberta do progra-ma cultural.

De forma a fidelizar pú-

blicos, o programa DiVaM apresenta-se agrupado em ciclos temáticos: “Música no DiVaM”, “Patri Per Form” -

ciclo de artes performativas, “DiVaM para os + e – peque-nos”, “DiVaM ao ar livre” , “Derivas Continentais” ciclo que junta artes plásticas e ar-tes performativas - e ainda o ciclo “Amatores in situ”.

O ciclo de palestras “Ama-tores in situ – O Mundo an-tigo visto por aqueles que o amam” dá continuidade a uma anterior edição, que teve lugar nas ruínas roma-nas de Milreu em 2013/2014, mas a sua integração no Di-VaM 2016 constitui uma novidade. Organizado em parceria com a Faculdade de Ciências Humanas e So-ciais da Universidade do Algarve, este ciclo pretende dinamizar o conhecimen-to da Antiguidade Clássica, através da Literatura, Arte, Filosofia e Arqueologia, no espaço arqueológico de Mil-reu e contribuir para apro-ximar o “dito” ao “visto”. A primeira palestra teve lugar na passada quinta-feira sob o tema “A identidade femi-nina na Antiguidade sob o olhar de Medeia”, pela Pro-fessora Dra. Ana Alexandra Alves de Sousa.

Direção Regional de Cultura do Algarve

Sociedade Recreativa Progresso Olhanense

A Sociedade Recreativa Pro-gresso Olhanense, fundada em 1918, é a mais antiga coletivi-dade em acividade em Olhão e

uma das mais antigas do país. Perto de completar o seu pri-meiro centenário, considerada de Utilidade Pública, prova a sua vitalidade e capacidade em acompanhar a evolução dos tempos,s recuperando o seu lugar como referência de cultu-ra e recreio do nosso concelho. Honra feita à nova direção, elei-ta em finais de 2014, presidida por Francisco do Ó, que soube congregar os esforços necessá-rios para regularizar a situação

financeira e implementar uma dinâmica cultural que serve o in-teresse e as necessidades actuais dos sócios e da população.

Exemplos disso são as activi-dades regulares que resultam da iniciativa da colectividade e das parcerias estabelecidas com enti-dades da terra como a GORDA ou a MOJU, para além do Município.

Nesse sentido, são já conhe-cidos os bailes de Carnaval da MOJU, desenvolvidos naquele espaço e que representam o re-

cuperar de uma tradição que diz muito à colectividade e ao nosso concelho. Também o teatro, en-quanto atividade regular, com a Gorda e o grupo da Casa da Juventude, volta a ser uma rea-lidade, nesta que chegou a ser a melhor sala de teatro de Olhão, onde residiram grupos de refe-rência regional como o GATO e posteriormente o Teatro da Vida.

Ainda este ano, perspectiva-se o reinício das sessões de cinema, em colaboração com o Cineclu-

be de Olhão, trazendo de volta a esta casa mais uma das suas grandes referências de outros tempos.

Para já, prepara-se um progra-ma recheado de actividades, de música e poesia, no âmbito das comemorações do 25 de Abril. Em Maio, integrado no MOSTRA--TE, terá lugar, entre outras activi-dades, a estreia da peça de teatro da Casa da Juventude.

Fiquem atentos. Vai valer a pena!

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

Juventude, artes e ideias

“PORTUGAL EM AGUARELAS”Até 16 ABR | Galeria Municipal de AlbufeiraExposição de Tom Whitelaw retrata na sua maioria paisagens de Portugal, revelando o gosto do pintor pela luz, pelas paisagens coloridas, pelo pormenor e pela perspectiva perfeita

“MÃE SOBERANA DE UM POVO”Até 29 MAI | Convento de Santo António - LouléVasco Célio, Luís da Cruz e Fernando Mendes apre-sentam um conjunto de fotografias da Festa da Mãe Soberana realizadas ao longo das últimas três décadas

foto: drcalg/r. parreira

Fechámos o mês de Março, mais precisamente no dia 27 de Março, com o Dia Mundial do Teatro e o mês que agora se nos apresenta, Abril, traz consi-go mais duas datas de relevo no campo das datas comemorativas.

A 29 de Abril o Dia Mundial da Dança e a 30 o Dia Mundial do Jazz.

A importância dos dias que as-sinalam as diferentes formas de expressão artística é altamente discutível, como o é a importân-cia de qualquer outro dia nacio-nal, internacional ou mundial destinado a assinalar o que quer que seja.

Há quem olhe para estas datas com desdém e mesmo considere que já há 'dias de tudo e de nada' e que a respectiva proliferação lhes retitou o peso e a visibilida-de e quem defenda a sua existên-cia como marcos anuais capazes de galvanizar as atenções em tor-no de realidades para as quais se deve 'olhar' com especial cuida-do e ponderação.

Independentemente das opi-niões, na área da cultura as da-tas relativas à comemoração dos dias de cada uma das artes são sempre momentos para poder-mos assistir a espectáculos te-máticos, fazendo - muitas vezes - entrar na programação dos es-paços culturais espectáculos que ali não teriam espaço, não fosse o dia comemorativo. Só por isso, se outro valor maior se lhes não encontrar, já faz com que estes dias valham a pena.

Entretanto, e a título de mero exemplo, para estas datas Faro prepara no Dia Mundial da Dan-ça o Festival de Flamenco de Faro, no Teatro das Figuras, e um im-perdível concerto de Zé Eduar-do, no Dia Mundial do Jazz, no Teatro Lethes.

Vale ou não vale a pena?!

Da importância dos dias...

Ricardo [email protected]

Jady Batista Coordenadora Editorial do J

DiVaM 2016 abre portas ao “Espírito do Lugar”

Apresentação do DiVaM 2016 termina com concerto de 'Jovens Talentos Algarvios',

na Ermida de Nª Sra de Guadalupe

Novo logótipo do DiVaM 2016

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08.04.2016  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

A dança foi desde sempre nas dife-rentes civilizações uma manifestação cultural ligada ao ritual. A ligação do corpo à natureza era mais próxima e as manifestações do corpo, por exal-tação eram espontâneas, naturais. A Natureza como suporte da condição humana e a cultura como extensão da natureza humana.

Com a mecanização do trabalho, a Indústria, a distância entre corpo e natureza aumentou e com ela o ritu-al desapareceu. As manifestações do corpo passam a ser performativas, de carácter profissional com a passagem da dança para o palco. A dança social no adro da igreja ou na corte, deixou de existir espontaneamente e passou a haver diferenças entre quem dança e quem assiste. Isto acontece após o rei-nado de Louis XIV, séc. XVII, em Fran-ça, onde a dança foi instituída. Com as escolas de dança, nasce o ballet,

sistematizando a linguagem técnica da dança.

Até ao Séc. XXI têm acontecido di-ferentes transformações a nível social, político e cultural que implicaram mudanças também na dança. A par-tir do séc. XX quando Isadora Duncan cria as primeiras coreografias com pés descalços, roupas leves e em espaços ao ar livre, a dança reivindicou para si a natureza como força criadora, ligan-do-se intimamente à vida. Associada

a esta estética, está fortemente ligada a ideia de democratização do corpo, sem aceitar um espartilho que o con-dicionava a um só padrão.

Isadora Duncan foi extremamente importante na mudança da dança segundo o modelo clássico do ballet. Acreditava claramente na dança como forma de transformação social, como reforma educativa. Influenciando-se nos modelos estéticos da Grécia anti-ga, Isadora dançou com movimentos

leves, simples, ligados à vida, ao dia à dia e à escuta do pulsar da natureza, dos ritmos das estações. A ideia da dança foi-se transformando e espa-lhando a sua forma dos EUA até à Europa.

Esta libertação do corpo, associa também a utilização do chão como superfície passível de utilização. Mary Wigman introduz o chão como su-perfície dançável e posteriormente Trisha Brown cria também estruturas

de movimento em que todo o movi-mento parte do chão até à vertical.

A dança contemporânea é a filha mais nova de todos estes e outros movimentos que surgem no Séc. XX e que aliam as técnicas ao respeito pelo corpo, à sua organicidade, ali-nhamento, em que se respeitam dife-renças em relação à forma, se aceita a pessoa como ser pensante e actuante e não mero elemento estético.

A dança contemporânea não tem fronteiras, assume com prazer a ideia de que um corpo tem voz, mo-vimento, ideias, memória, por isso dança o que pesquisa, o que pensa, é reivindicativa, social e politicamen-te, manifesta-se. Apesar de ter já um século esta transformação, em Por-tugal ainda se alia muito a ideia de “dança” ao ballet e ainda se dão os primeiros passos nesta transformação das realidades. Como agente cultural, a corpodehoje iniciou um trabalho na descentralização das artes e dan-ça mais especificamente, saindo de Lisboa até ao Algarve e trabalha re-gularmente em Tavira, com oficinas regulares e pontuais de dança, pro-movendo a ideia de democratização do corpo e da dança e cruzamentos disciplinares. Aproxima a dança da vida, das pessoas, seguindo este ideal dança | natureza.

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATROANTÓNIO PINHEIRO | 21 HORAS

14 ABR | SADILESHTETO (O JULGAMENTO: FRONTEIRA DE ESPERANÇA), Stephan Ko-mandarev – Bulgária/Alemanha/Croácia 2014 (105’) M/1221 ABR | EL BOTÓN DE NACAR (O BOTÃO DE NÁCAR), Patricio Guzmán – França/Es-panha/Chile/Suiça 2015 (82’) M/12

23 ABR | 678 (CAIRO 678) - Entrada gra-tuita: versão original legendada em por-tuguês + inglês - Mohamed Diab – Egípto 2010 (100’) M/14

28 ABR | THE LOOK OF SILENCE (O OLHAR DO SILÊNCIO), Joshua Oppenhei-mer – Dinamarca/Indonésia/Noruega/Fin-lândia/Rússia/Israel/França/E.U.A./Alema-nha/Holanda 2014 (103’) M/16

60 anos de Cineclube de FaroO mês de Abril é especial

para o Cineclube de Faro (CCF), cumpriu-se na passada quarta-feira, dia 6, mais um aniversário desde a realização da primeira sessão oficial do CCF. “Douro, Faina Fluvial”, de Manoel de Oliveira, foi o filme escolhido para iniciar a activi-dade desta associação cultural que agora completa 60 anos.

As comemorações decor-rem ao longo de todo o ano, no entanto, têm também espe-cial relevância no programa de actividades deste mês.

O diálogo entre o cinema português e o seu público é o mote para um ciclo que re-úne quatro obras de especial relevância. A homenagem que Manuel Mozos faz a João Bénard da Costa, figura que se confunde com o cinema em Portugal, abre este ciclo, seguindo-se um dos mais badalados títulos do cinema português mais recente, “Pos-to Avançado do Progresso”, de Hugo Vieira da Silva.

A história do CCF confunde--se com o cinema e com a fi-gura de Manoel de Oliveira e desta forma a exibição do seu filme póstumo configura-se também como um momento não só de homenagem ao cine-asta, mas também de celebra-ção do CCF e da sua história.

Por último, o documentário de Maya Kosa e Sérgio da Costa, “Rio Corgo”. Pelo meio um ciclo dedicado a filmes únicos que também celebram 60 anos de

existência, a colaboração com as comemorações oficiais do 25 de Abril com “O Medo à Es-preita”, de Marta Pessoa (com a presença da realizadora), o fil-me francês do mês ou “Sicario” em Vila Real d eSanto António.

A terminar, espaço ao ci-nema de animação, juntan-do novos e menos novos com “Paddington”, de Paul King (2014). 60 anos caramba, uma vida de sonhos!

Cineclube de Faro

João Bénard da Costa

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

IPDJ | 21.30 HORAS12 ABR | POSTO AVANÇADO DO COMAN-DO, Hugo Vieira da Silva, Angola/Portugal, 2015, 120’, M/1426 ABR | RIO GORGO, Maya Kosa & Sérgio da Costa, Portugal, 2015, 95’

TEATRO MUNICIPAL DE FARO | 21.30 HORASVISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES, Ma-noel de Oliveira, Portugal, 1982, 68’, M/12

25 ABR | COMEMORAÇÕES 25 ABRIL, MU-SEU MUNICIPAL - 16 HORAS - O MEDO À ESPREITA, Marta Pessoa,2 Portugal, 2015, 86’ (presença da realizadora)

Sobre a dança contemporânea

Ana Borges,Coreógrafa e professora de dança; Corpodehoje; sócia da AGECAL

d.r.

Page 4: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

08.04.2016 4 Cultura.Sul

O Amante Japonês: um romance de fôlego

O Amante Japonês é finalmen-te um retorno aos romances a que Isabel Allende nos tinha acostumado. Depois de algu-mas obras mais juvenis (O ca-derno de Maya) e uma estranha tentativa de incursão no thril-ler policial (O jogo de Ripper), cuja história se parecia arrastar sem qualquer chama, a auto-ra (sobre quem já se escreveu aqui) regressa às suas histórias de grande fôlego que imedia-tamente puxam o leitor para dentro do seu mundo roma-nesco muito particular, tecido numa escrita fluída, desenhan-do um universo semi histórico, semi intemporal e levando-nos a conviver com personagens ca-rismáticas e cheias de vida.

A narrativa de O Amante Japo-nês (cujo título evoca esse outro romance de Marguerite Duras, O Amante) segue um plano em que alternam dois planos tem-porais, o presente e o passado, o que por outro lado traz uma oscilação entre a perspectiva de uma jovem chamada Irina Bazili e a de Alma Belasco, a elegante senhora que se instala na Lark House, o lar de idosos onde tra-balha Irina.

Alma Belasco nasceu na Po-lónia, mais precisamente em Varsóvia, em 1939. Com a II Guerra Mundial a deflagrar, é enviada pelos pais, como for-ma de a manter em segurança, para a Califórnia, onde irá ser acolhida pelos tios que vivem numa opulenta mansão de São Francisco. A decisão revela-se acertada, pois como sabemos, Varsóvia foi uma cidade que acabou completamente destru-ída, como palco de guerra entre as duas grandes frentes da Ale-manha e da Rússia.

Mas é com Irina que o roman-ce se inicia, talvez por ser através desta personagem que vamos passar a conhecer melhor Alma Belasco e poder descobrir a sua história, justamente no mo-mento em que esta é entrevista-da e depois admitida: «Irina Ba-zili começou a trabalhar na Lark House, nos arredores de Berke-ley, em 2010. Acabara de fazer vinte e três anos e tinha poucas

ilusões, pois andava, desde os quinze anos, a saltitar de em-prego para emprego e entre uma cidade e outra.» (pág. 9). Mas conforme a intriga se adensa e Seth, o neto de Alma Belasco, mais tarde, se apai-xona por Irina, percebemos que esta jovem proveniente da Europa de Leste também tem o seu passado obscuro e esconde um segredo.O Amante Japonês é a histó-

ria de uma octogenária que, ao aproximar-se dos derradeiros instantes da sua vida, recorda a amizade, que mais tarde se tor-nará no amor de uma vida, que partilhou com Ichimei Fukuda, o filho do jardineiro dos tios: «Conhecera-o no magnífico jar-dim da mansão de Sea Cliff, na primavera de 1939. Na época, ela era uma menina com me-nos apetite do que um canário, que de dia andava calada e de noite chorava, escondida nas entranhas de um armário de três espelhos no quarto que os tios tinham decorado para ela (...)» (pág. 49). Mas neste ro-mance Isabel Allende não cria espaço para o amor romântico das suas outras obras e a classe social pode falar mais forte.

O humor irreverente da escri-ta de Isabel Allende sempre foi um dos seus fortes, característi-ca que se acentuou mais depois dos seus primeiros romances, como se pode comprovar em alguns dos momentos deste ro-mance: «Na opinião de Seth, no início de 2010, de repente, em cerca de duas horas, alguma coi-sa afectou a personalidade da avó. Sendo ela uma artista de êxito e um modelo no cumpri-mento dos deveres, afastou-se do mundo, da família, dos seus amigos, e refugiou-se numa residência geriátrica que nada tinha a ver com ela, passando também a vestir-se como uma refugiada tibetana (...).» (pág. 42). Ou quando a nora pergun-ta a Alma o que irão dizer às pessoas, esta responde pronta-

mente: «- Digam que estou ve-lha e louca. Não estarão a faltar à verdade» (pág. 43).

Outra das principais qualida-des da escrita de Isabel Allende é o seu estilo narrativo ao jeito mágico realista que, apesar de ter tido o seu expoente máximo em A Casa dos Espíritos, ainda se respira entre as páginas desta obra, conforme se pode verifi-car logo no início do romance, quando o empregador de Irina a prepara para algumas das par-ticularidades do seu trabalho na Lark House: «- Por último, meni-na Bazili, devo mencionar-lhe a questão dos fantasmas, porque certamente será a primeira coi-

sa que lhe dirá o pessoal haitia-no./- Não acredito em fantas-mas, senhor Voigt./- Felicito-a por isso. Eu também não. Os de Lark House são uma mulher com um vestido de tule cor-de-rosa e um menino de três anos..» (pág. 14). A opinião de Irina sobre os fantasmas, aliás, iria mudar muito em breve...

Esta obra percorre ainda diversos episódios históricos e questões significativas mas sempre num contexto muito suave, sem verdadeiramente aprofundar esses temas ou momentos da história da Hu-manidade, como a diáspora

judaica, o ataque surpresa do Império Japonês a Pearl Harbor ou o racismo. Talvez pelo facto de não ser um facto histórico muito conhecido, a descrição do que se sucede nos Estados Unidos da América nos meses seguintes ao ataque a Pearl Harbor é um dos momentos mais fortes do romance, onde se descreve a forma como, por se temer um novo ataque por parte do Japão e como meio de prevenir ataques de ódio aos asiáticos pela própria popula-ção americana, todos os japo-neses que viviam na costa do Pacífico, isto é, cerca de vinte mil homens, mulheres e crian-ças, são evacuados por “razões de segurança militar” para dez campos de concentração em zo-nas isoladas do interior do país.

O romance abre-se ainda numa galeria de personagens curiosas e inspiradoras, que justificam sempre uma apre-sentação detalhada, como, por exemplo, Kathy, a psicó-loga da Lark House: «Os anos de imobilidade e o esforço tremendo para sobreviver tinham reduzido o tamanho de Cathy, que parecia uma menina na volumosa cadeira elétrica, mas irradiava uma enorme força, suavizada pela bondade que sempre tivera e que o acidente multiplicara. O seu permanente sorriso e o cabelo muito curto davam-

-lhe um ar travesso, que con-trastava com a sua sabedoria de monge milenar. O sofri-mento físico libertara-a dos defeitos inevitáveis da perso-nalidade e tinha-lhe lapida-do o espírito como um dia-mante. Os derrames cerebrais não afetaram o seu intelecto, mas, tal como ela dizia, tro-caram-lhe os fusíveis e em consequência disso aguçou--se-lhe a intuição e podia ver o invisível.» (pág. 208).

O romance pode até es-tar recheado de estereótipos e lugares comuns (os judeus ricos, a máfia da Europa de Leste, a serenidade dos japo-neses) mas ler Isabel Allende é um daqueles prazeres quase culposos embora perfeitamen-te justificados se considerar-mos como a voz da autora é original e criativa. Falta ainda o grande fôlego narrativo de outras obras suas, como Filha da Fortuna, mas é um livro que prende, entretém e seduz o leitor até ao fim, num tom ligeiro, mediante um humor muito próprio e um sentido prático da vida que daria para escrever alguns livros de auto-ajuda, sem nunca cair no de-licodoce daquilo que se pode entender como chic literatu-re (literatura feminina). Em suma, é impossível não nos deliciarmos com quem sabe contar uma história.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

fotos: d.r.

A escritora chilena Isabel Allende

Autora regressa às histórias de grande fôlego com 'O Amante Japonês'

Page 5: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

08.04.2016  5Cultura.Sul

Panorâmica

‘Trajectos’ apresenta antologia da obra de Fernando Silva Grade

São 30 anos de percurso artísti-co mostrados em jeito de antologia da obra pictórica de Fernando Silva Grade.

A abertura da exposição que es-tará patente no Museu Municipal de Faro e na Galeria ARCO, também situada na Cidade Velha, teve lugar ontem e os dois espaços vão aco-lher 25 óleos do artista, sobre tela e sobre madeira.

“Não se tratando de uma retros-pectiva no sentido estrito do ter-mo, é uma antologia que percorre as fases mais importantes do meu percurso na pintura”, disse ao Cul-tura.Sul o artista.

Dezassete dos quadros expostos são oriundos de colecções privadas e, por isso mesmo, Fernando Silva Grade, reconhecido aos privados que cederam as suas obras para integrar a mostra, sublinha “o es-forço para reunir as obras que fos-sem marcas de cada uma das fases que atravessei na minha carreira”.

Um artista com forte intervenção cívica

O artista plástico, também conhe-cido pela sua intervenção no qua-dro das questões ambientais e de urbanismo e na área mais alargada

da cidadania, reconhece que esta exposição é como “um desenho de traços largos dos caminhos percor-ridos na pintura que fui fazendo ao longo destas três décadas”.

"Museu municipal não podia deixar de acolher esta mostra

de um artista emblemático do concelho"

O também autor do livro “O Al-garve tal como o destruímos” é visto pelo director do Museu Municipal de Faro, Marco Lopes, como “um ar-

tista do concelho que pela sua rele-vância não poderia o museu deixar de acolher no seu espaço”.

“As várias linguagens artísticas e as variadas temáticas abordadas pelos 25 quadros que integram a mostra são mais uma oportunida-de para o museu cumprir a sua fun-ção primordial de dar destaque ao património e cultura do concelho de Faro”, reforça Marco Lopes.

Apresenta-se assim ao público em dois espaços, traços emble-máticos da obra multifacetada do pintor, criando uma lingua-

gem expositiva que visa mostrar a sua evolução e os momentos e es-colhas por si criados para expressar a sua arte.

Uma exposição que é simultaneamente um convite

a percorrer a Cidade Velha entre o Museu Municipal

e a Galeria ARCO

“O museu ao associar-se nes-ta exposição à Galeria ARCO cria também uma dinâmica dentro da Cidade Velha entre dois espaços

que, embora próximos, vão criar sinergias acabando por participar na geração de um percurso para os visitantes todo ele feito rodeado por património e cultura”, refere o responsável pelo museu da cidade.

Na galeria ARCO, sem actividade galerista há bastante tempo, recu-pera-se assim a função de outrora numa parceria entre o museu, o pintor e as associações ALFA e Ar-Quente, que cederam os seus espa-ços para acolher a exposição de um dos artistas ilustres de Faro.

Um homem e artista marcante

A exposição - cumpre dizê-lo - mostra o trabalho artístico de um homem cujo perfil interventivo, atento e preocupado merece des-taque na sociedade farense e algar-via. Trata-se de um rosto que marca em muitos momentos a face visível das lutas pela conservação e pro-tecção da cultura e do património colectivo do Algarve e que é uma referência em termos de interven-ção cívica em prol do bem comum.

A Cidade Velha mostra agora uma paleta com 30 anos de his-tória na pintura de um homem e artista a quem decerto a cidade e a própria região muito devem, um momento marcante na carreira de Fernando Silva Grade e uma opor-tunidade rara de melhor compre-ender o artista num todo dese-nhado para vivenciar um caminho feito na arte de pintar.

A não perder até 22 de Maio no Museu Municipal de Faro e na Ga-lera ARCO, dois espaços na Vila Adentro unidos para mostrar um único artista, Fernando Silva Grade.

Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

Fernando Silva Grade expõe 25 telas no Museu Municipal de Faro e na Galeria ARCO

fotos: ricardo claro

Óleo sobre madeira 195x130cm, 2010, série Pedreiras Óleo sobre tela 195x1300cm, 2008, série Mosaicos

Page 6: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

08.04.2016 6 Cultura.Sul

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

Como se podem integrar a fotografia e a pintura na produção artística?

Artes visuais

Muitas vezes, os espetadores da produção artística em artes visuais, ao observarem certos trabalhos, questionam-se so-bre “O que é isto? Como foi feito?”. Isto porque, frequente-mente, as obras artísticas pro-duzidas não são compreendidas pelo observador/espetador. Isto diz respeito ao assunto/tema, mas também à técnica de produ-ção utilizada. Assim, as técnicas contemporâneas de produção artística levam a que, por vezes, não se compreenda facilmente como são realizadas algumas obras. Temos como exemplo al-guns nus femininos produzidos nos anos 50-60 (ver figura 1).

A imagem do lado esquerdo, intitulada “Nu azul IV” (1952), foi feita por Henry Matisse re-correndo à colagem, enquanto a do meio, “Silhueta feminina” (1950), foi produzida por Ro-bert Rauschenberg, consistindo na exposição à luz de papel fo-tográfico onde se deitou uma mulher nua. Nenhuma destas é pintura. A única pintura é a do lado direito, “ATN 13” (1960), embora tenha sido produzida de forma pouco ortodoxa, pois tratava-se de uma técnica uti-lizada por Yves Klein em que,

durante 40 minutos, vestido de smoking, aplicou tinta azul so-bre três mulheres nuas, para de seguida se encostarem, como “pincéis vivos”, às telas pendu-radas, enquanto a orquestra to-cava a “Sinfonia Monotónica” de Klein (20 minutos de som con-tínuo ininterrupto, seguido de silêncio de igual duração). Esta Performance de “Antropome-trias da Época Azul” foi realizada na Galeria Internacional de Arte Contemporânea de Paris.

Desta forma, a arte contempo-rânea veio abrir as possibilidades relativamente às formas de pro-dução artística e às combinações possíveis na utilização de diver-sas técnicas.

Uma das modalidades de expressão e produção artística cada vez mais frequente na arte contemporânea traduz uma uti-lização simultânea da fotografia e da pintura.

Os trabalhos que utilizam si-

multaneamente a fotografia e a pintura podem ser produzidos através da técnica de colagem. Esta consiste na composição fei-ta a partir do uso de matérias ou objetos apropriados do mundo real para serem colados na tela, contribuindo para a criação de um motivo ou imagem. Surgiu no âmbito da arte moderna, nomeadamente com o cubis-mo sintético (1912-13), sendo conhecidos, como exemplos, os trabalhos de Picasso intitulados “Natureza morta com cadeira de palha” (1912) e “Guitarra, jornal, vidro e frasco” (1913). No entan-to, só posteriormente se começa-ram a usar fotos nas produções com colagem, embora estas fos-sem inicialmente um elemento acessório na pintura de uma tela.

Assim, sobre a forma de ar-ticular fotografia e pintura na mesma tela podemos distin-guir entre várias técnicas (ver figura 2).

Desde aquelas que utilizam um estilo Pop Art, como na ima-gem do lado esquerdo (Janszen, 2010), em que a fotografia é impressa na tela e se pinta sobre essa imagem, aquelas em que é utilizada a técnica de pintar a partir da fotografia impres-sa na tela, como no segundo exemplo da figura (Bradford, 2008), aquelas em que a técni-ca é pintar e colar fotografias na tela num sentido decorati-vo, como no terceiro exemplo (Vance, 2008), ou aquelas em que a técnica é pintar sobre fo-tografias, constituindo estas o fundo do trabalho produzido, como no exemplo do lado di-reito (Almeida, 1975). Helena Almeida é uma das mais reco-nhecidas artistas portuguesas

que se dedicaram à fotografia, tendo simultaneamente utili-zado técnicas de pintura. O seu trabalho centra-se sobretudo em fotografias a preto e bran-co tiradas a si própria, sobre as quais realiza pontuais inter-venções pictóricas em acrílico. A série de imagens “Inhabited painting” (“Pintura habitada”), realizadas em 1975, é uma das mais conhecidas.

A técnica que temos utilizado nos trabalhos de foto-pintura que temos produzido a partir de 2006 tem sido um pouco di-ferente destas, pois colamos as fotos impressas em papel foto-gráfico na tela e pintamos a par-tir daí o resto da tela, podendo também ser pintada parte das fotografias para que seja melhor

conseguida a integração do ele-mento fotografia no todo que é o trabalho realizado. O obje-tivo seria que a fotografia e a pintura quase que se diluíssem uma na outra, formando um todo em que quase não seria perceptível onde termina uma e começa a outra. Por exemplo, no trabalho “Sombras no mar” (2007) é mostrado o início do procedimento, em que temos a foto colada na tela, e o final do processo, em que a parte da tela que estava em branco já está pintada, dando continuidade à fotografia através da pintura na tela (ver figura 3). Esta con-tinuidade leva a que, por vezes, também seja pintada parte da fotografia, deixando de haver li-mites rígidos entre a fotografia e a pintura, para ambas contribu-írem para o produto final.

Assim, há várias formas pos-síveis de combinação possível na articulação da fotografia e da pintura na produção artís-tica em artes visuais, não tendo que um elemento ser predomi-nante em relação ao outro, pois ambos contribuem para o todo que é a obra de arte produzida, sendo o todo mais do que a mera soma das partes.

Nota: Algumas das reflexões apresentadas neste artigo encon-

tram-se no livro “Construção de um percurso multidisciplinar,

integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves de Jesus

([email protected])

Figura 1: Imagens de nus femininos utilizando diferentes técnicas das artes visuais

fotos: d.r.

Figura 3: Quadros em que foi utilizada a técnica de colagem, em cima “Sombras no mar” (Jesus, 2007)

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“PLAZA SUITE”15 ABR | 21.30 | Cine-Teatro LouletanoAlexandra Lencastre e Diogo Infante são os prota-gonista de uma comédia sobre o amor, encarnando as desventuras de dois casais, muito diferentes, que enfrentam momentos cruciais nas suas vidas

“BAILARTE FLAMENCO”30 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroEspectáculo de cante, guitarra, cajón e baile, que tem como protagonistas Ramón Martínez, Eva la Yerba-buena e Cristina Hoyos

Figura 2: Imagens de trabalhos produzidos em que são utilizadas diferentes técnicas na combinação entre fotografia e pintura

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08.04.2016  7Cultura.Sul

Há vários anos que a foto-grafia é usada como terapia ou como forma de comple-mento da mesma.

O registo mais antigo que existe do uso de técnicas de terapia com base em foto-grafias data de 1856 pelo Dr. Hugh Diamond. O de Fotogra-fia Terapêutica é ainda mais antigo, data de 1844 pelo Dr. Thomas Kinkbride.

Mais recentemente, a Drª. Judy Weiser, considerada pioneira no uso destes méto-dos na terapia, em 1973 usou fotografias nas suas consultas com crianças surdas e é tam-bém autora do livro “Photo-therapy Techniques Exploring the Secrets of Personal Snap-

shots and Family Albums”.A diferença “Fototerapia”

e “Fotografia Terapêutica” é a seguinte: a “Fototerapia” é o uso de fotografias numa sessão de terapia conduzida por um profissional, em que as mesmas são usadas por exemplo: para despertar e confrontar diversos tipos de sentimentos e memórias e ajudar o paciente a lidar com os mesmos.

A “Fotografia Terapêutica” é o uso de actividades fotográ-ficas como forma de terapia que podem ser iniciadas e conduzidas pela própria pes-soa sem a assistência de um terapeuta ou que podem ser usadas como complemento de uma terapia conduzida por um profissional. Podem ain-da também ser usadas para o sujeito expressar algum tipo de sentimento, preocupação ou defender uma causa social.

Estas duas formas de usar a fotografia na terapia podem ser executadas em separado ou então em conjunto (ex: um “paciente” realiza actividades

fotográficas como forma de exprimir um sentimento com o qual não consegue lidar de

outra forma e o resultado des-sas actividades (as fotografias) é usado numa terapia condu-

zida por um profissional para o ajudar a lidar com esse mes-mo sentimento).

Fontes: phototherapy-center.com;

preconsciouseye.com

Espaço ALFA

A fotografia na terapia

Tânia GuerreiroMembro da ALFA

Filosofia dia-a-dia

O que é que mais deseja nesta vida? Ser feliz? Haverá alguém que queira aumentar o seu sofri-mento e diminuir o seu prazer? Se todos queremos mais alegria e menos tristeza por que moti-vo as nossas vidas não parecem experienciar-se desse modo? Se-remos todos vítimas de um des-tino cruel? Ou andaremos a fazer qualquer coisa de muito errado?

Em 306 a.C., Epicuro (341-270 a.C.) adquiriu em Atenas uma casa grande rodeada de um enorme jardim. Ali se instalou com um grupo de amigos e segui-dores, vivendo em comunidade uma vida frugal. Pouco a pouco a fama deste filósofo que ensinava como viver uma vida feliz chegou aos sítios mais recônditos. Jovens

provenientes de distantes regiões começaram a acampar no jar-dim, escutando avidamente os ensinamentos do excelso sábio. Em troca cuidavam do jardim e da horta. Assim nasceu uma das mais proeminentes escolas filo-

sóficas da Antiguidade que ficaria para sempre conhecida como O jardim de Epicuro.

Do muito que Epicuro escre-veu apenas alguns fragmentos chegaram até nós. Sobreviveram, contudo, três cartas completas en-dereçadas a discípulos. A Heródo-to escreveu sobre física atómica; a Pítocles sobre os fenómenos ce-lestes e a Meneceu a epístola que ficou conhecida até aos nossos dias como A carta sobre a felicidade. Nela se garante que não só a práti-ca de tais ensinamentos conduzi-rá à felicidade plena, mas também a sentir-se como um deus imortal entre os homens mortais.

“Mudam-se os tempos, mu-dam-se as vontades...” mas naqui-lo que é essencial seremos assim tão diferentes de um ser humano do séc. IV a.C.? Olhemos para os nossos medos e para os nossos an-seios e vejamos o que tem Epicuro

a dizer sobre o assunto.A maioria de nós receia acima

de tudo a morte. Epicuro diz-nos que não há que temer a morte pois “quando estamos vivos, é a morte que não está presente; pelo contrário, quando a morte está presente nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos nem para os mortos, já que para aqueles não existe, ao passo que estes já cá não estão”. Por outro lado, há que eleger a qualidade em detrimento da quantidade, “assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo [o homem feliz] colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve”.

Quando a adversidade nos assalta tendemos a cair no deses-pero, e quando algo que muito desejamos tarda em concretizar--se somos tomados pela ansie-dade. Epicuro trata estes males com um entendimento objec-tivo do tempo futuro, que não é nem totalmente nosso nem não-nosso: “não devemos esperá--lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desespe-

rarmos como se não estivesse por vir jamais”.

E que dizer sobre o desejo, muito frequente hoje em dia, de ganhar o euromilhões? Epicuro aconselha a distinguir bem os desejos porque os há naturais e necessários (ex: alimentação, sono) mas também os há inúteis ou prejudiciais (ex: riqueza, gló-ria). A estupidez de uma avaliação errónea nesta matéria leva direiti-nho à infelicidade! Por outro lado, “desfrutam melhor a abundân-cia os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil

de conseguir. Difícil é tudo o que é inútil”. Como bem diz o ditado: “não é mais rico quem mais tem, mas aquele que menos necessita”. Há que valorizar as coisas sim-ples, “habituar-se a um modo de vida não luxuoso não só é conve-niente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida”. E se colo-cássemos algumas frases de Epi-curo nas paredes dos centros co-merciais? Talvez não fosse bom para o negócio mas ajudaria à consciencialização de que com-

prar não nos garante felicidade.É frequente o estabelecimento

da equivalência entre a felicidade e o sentimento de prazer. Tam-bém Epicuro afirmava que o fim último é o prazer. Por este moti-vo foi muitas vezes erroneamente interpretado. O excelente filóso-fo não se referia a banquetes ou orgias, pelo contrário, entendia o prazer como “ausência de so-frimentos físicos e de perturba-ção da alma”. Conviria, portanto, “avaliar todos os prazeres e sofri-mentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos” e, so-bretudo, remover as opiniões fal-sas. A vida bem vivida é uma vida examinada em que se investigam as causas de toda a escolha e de toda a rejeição.

Como vimos no princípio deste texto, apesar de cada um de nós ser distinto e inconfundível, talvez sejamos todos mais parecidos do que à partida se supõe. O jardim de Epicuro perdurou durante sete séculos depois da morte do seu fundador, promovendo a felici-dade através da saúde do corpo, da vivência dos prazeres mode-rados e da serenidade do espírito.

O Jardim de Epicuro

Maria João Neves Ph.DInvestigadora da Universidade Nova de Lisboa

d.r.

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08.04.2016 8 Cultura.Sul

Amália Rodrigues actuando no Hotel Algarve (Praia da Rocha), em 1969

d.r.

Rumo ao sul, “passado o Cal-deirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto--me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!”, escreveu Miguel Torga no seu li-vro Portugal, de 1950. No Algarve não se via verdadeiramente den-tro da pátria nem fora dela, mas sim “numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo e primaveril” e onde “um poeta tem a sensação de que se pode viver do ar, sem ninguém ter necessidade de pensar sequer no dia de amanhã”. Talvez seja sobretudo essa leveza e volúpia dos sentidos, essa “miragem dum céu deste mundo” (Torga), que tanto fascinaram muitos dos que, ao longo dos tempos, ru-maram a este algarve d’aquém--mar, placa giratória de culturas e imaginários que temperaram e sedimentaram a identidade me-diterrânica.

Terá sido também isso, alia-do a um espírito irrequieto e fervilhante, e a uma saúde mais débil a precisar de outros ares, que levaram a escritora e tradu-tora Fernanda de Castro (1900-1994), casada com António Ferro (homem forte de Salazar na área do fomento cultural su-bordinado aos fins políticos do regime), a cultivar uma ligação estreita com o Algarve, que, se-gundo ela, possuía três milagres: a praia da Rocha, o promontó-rio de Sagres e as amendoeiras em flor. Mantinha mesmo uma casa em Alporchinhos (conce-lho de Lagoa), que alugava ao ano e da qual registou diversas impressões nas suas memórias, recordando a simplicidade, vir-gindade e quase despovoamento do lugar, e remetendo-nos para um Algarve outro:

[…] a praia deserta, o rochedo com 200 ninhos de gaivotas no di-zer dos pescadores, a vinha a perder de vista, as figueiras carregadas de figos doces e pequenos, o cheiro a maresia e as ervas aromáticas, os crepúsculos incomparáveis e um céu carregado de estrelas – em parte alguma via tantas estrelas cadentes –, e ainda o silêncio e os sons que também eram silêncio, marulho

das ondas, pios de gaivotas, adejar de asas.

Ao longo do ano de 1963 Fer-nanda de Castro desdobrou-se em visitas ao Castelo de Silves, Quinta de Mata-Mouros, rio Arade, cais de Portimão, praça pombalina de Vila Real de San-to António, Tavira e suas inúme-ras igrejas, praia da fortaleza na praia da Rocha, Olhão, Albufeira e a outros lugares com o intuito de organizar o I Festival do Algar-ve. Fruto da sua rede privilegiada de relações e contactos, apresen-tou o projecto ao então secretá-rio nacional da informação, Dr. Moreira Baptista, argumentan-do nestes moldes: “Acho que o Algarve começa a ser muito conhecido no estrangeiro, mas a verdade é que, tirando o sol, o mar e as praias, o turista não tem nada que fazer além do banho e das refeições”. Autorizado o evento pela tutela, o staff organi-zador seria composto pelo irmão de Fernanda, Francisco Telles de

Quadros e Castro, a escritora Edi-th Arvelos, a pintora Inês Guer-reiro e o poeta José Carlos Ary dos Santos.

O arrojado evento, que se es-tendeu assim a vários pontos do Algarve, só se concretizaria em 1964, iniciando-se a 12 de Agos-to no Castelo de Silves com um espectáculo cuja primeira parte foi dedicada à música e poesia árabes, com a colaboração es-pecial de Larbi Jacoubi (então director do Teatro Universitá-rio de Tânger) e dos irmãos e músicos Hamza Ouazzani e Abdellatif Ouazzani (príncipes marroquinos). Na segunda e terceira partes foram apresen-

tados, respectivamente, sonetos camonianos e excertos d’Os Lu-síadas, e o poema dramático de Ary dos Santos "Tempo da Len-da das Amendoeiras", o qual ganhou aqui uma importante consagração.

Amália Rodrigues, que acre-ditava nas origens árabes (e ma-rítimas) do fado, encarando-o como expressão de uma queixa, foi uma das protagonistas deste I Festival, dada a proximidade e amizade com Fernanda de Cas-tro. A relação da fadista com o Algarve já remontava aos anos 40 (como atestam várias fon-tes), com passagens pela região para concertos, sobretudo nos casinos mas também em festas de cariz mais popular, sempre com assinalável sucesso para a já então considerada “rainha do fado”. A actuação de Amália na "Festa da Lua", em Armação de Pêra, seria um dos pontos altos do evento, tendo como pano de fundo um mar repleto de bar-

cos engalanados e iluminados, e no meio do areal uma embarca-ção colorida, rodeada por uma guarda de honra de pescadores, de remos ao alto. Fernanda de Castro registou na sua autobio-grafia este momento mágico em que a energia do lu(g)ar, o simbolismo do cenário monta-do para o efeito e a envolvência poética da música se fundiram harmoniosamente:

E, sobre esse barco, pálida, sob a pálida brancura da Lua, Amá-lia, sozinha, de pé, com um ves-tido negro que a tornava ainda mais branca. Na praia, coalhada de gente, um silêncio mortal. Co-meçaram a ouvir-se as guitarras

escondidas na sombra e a voz de Amália, vibrante, pura como um cristal, abalou o silêncio, a noite, a própria Lua que a iluminava. Ha-via uma leve aragem e eu disse à Jacqueline, que tinha vindo passar umas semanas a Alporchinhos:

– Dommage qu’il fasse un peu froid.

Ao nosso lado uma francesa, elegante e muito bela, voltou-se para mim, sorriu e disse:

– Qu’est-ce que ça fait, ma-dame! C’est beau, c’est terrible-ment beau!

Depois de cantar duas horas, Amália andou de grupo em gru-po na praia, dando-se ao povo, agradando-o – um dia confes-saria mesmo que, no fundo, essa era a sua única pretensão –, como tanto apreciava/preci-sava. A organização do festival preparara, sobre a areia, vários repastos típicos: “vilas” de amê-ijoas, ostras e polvos grelhados, azeitonas britadas com orégãos, pão de trigo, queijos de Serpa,

vinho de Lagoa e de Portimão, figos e amêndoas, morgadinhos e dom-rodrigos, aguardente de medronho, etc. O já aludido Lar-bi Jacoubi ficaria visivelmente impressionado com a força e verdade com que a voz de Amá-lia exprimia a tristeza pura e po-ética ou a existencial alegria de viver, tirando do dedo um anel que lhe ofereceu dizendo-lhe: “Como vê, este anel tem como adorno um olho de boneca. Te-nho outro igual em Tânger, com o outro olho da mesma boneca. Use este, que eu vou usar o ou-tro, e assim ficaremos ligados até ao fim da vida”.

Já em 1962 Amália tinha fi-

cado na memória das gentes de Armação durante o período áureo do casino local, por onde passavam, nos períodos estivais, as principais figuras da música nacional. Depois de uma actua-ção em Quarteira, a fadista hon-rou o palco do casino com um espectáculo, mas dada a enor-me e entusiástica afluência de público a actuação acabaria por se realizar no exterior, em pleno Mini-Golf, numa noite marcante que ficou indelevelmente grava-da na memória colectiva. Antes do concerto, e dada a sua aten-ção sensível e deslumbramento por paisagens naturais, Amália, Ary dos Santos e seus amigos terão inclusive desfrutado da beleza da baía a partir do mira-douro da Rocha da Palha. Antes, em 1950, o encenador Filipe La Féria também ficara impressio-nado quando, aos cinco anos, viu pela primeira vez Amália e ouviu o povo que circuzda-va o então Casino Oceano, em

Monte Gordo, a chamar e gritar por ela, o que até levou a que a segunda parte do espectáculo fosse realizada na varanda do edifício com a fadista a cantar para a numerosa população, num gesto de generosidade e dádiva ao seu público.

Revisitando mais uma vez memórias das conversas com o João Belchior, penso que Amália tinha essa capacidade rara (uma espécie de dicotomia quase “es-quizofrénica” e cativante) de convocar a alegria solar, a festa, a dança e o riso com a mesma intensidade e verdade com que cantava a tragédia e derramava lágrimas sobre o mundo, sem

se inclinar ou revelar necessaria-mente uma opção muito clara por um desses registos/dimen-sões – e talvez por isso gostasse tanto de citar o espanhol Anto-nio Machado (1875-1939), um dos seus poetas predilectos: “A todos nos han cantado / en una noche de juerga / coplas que nos han matado…” (do poema “Cante Hondo”).

Na 2.ª edição do Festival do Al-garve, realizada em 1965, Amá-lia voltaria a participar, desta vez cantando em Albufeira numa grande esplanada na praia. Dado o vento e a humidade do ar, a fadista estava preocupada com a sua garganta, tendo em conta até que iria cantar a o ar livre. Daí que Inês Guerreiro, da organização, tenha falado “com um velho marinheiro e com o auxílio deste montou no estra-do uma vela de traineira que, logo que Amália começou a cantar, se ergueu como se o es-trado fosse de facto um barco a fazer-se ao mar”. O belo efeito de cena que a solução originou, protegendo ao mesmo tempo a voz de Amália do vento, foi rece-bido com uma enorme ovação pelas centenas de pessoas (so-bretudo estrangeiros) que esta-vam presentes no local, segun-do também recorda Fernanda de Castro.

Quando, nesse mesmo dia, num momento de maior rela-xamento, a escritora perguntou a Amália o que sentia perante o enorme reconhecimento mos-trado lá fora por plateias cos-mopolitas, a sua reacção ini-cial foi de silêncio, e a resposta foi: “Penso que nada daquilo é comigo, que eu estou ali, sim, mas que não sou eu, que es-tou longe, muito longe, e que estou a cantar, a agradecer e a sorrir como se fosse outra pes-soa, como se de qualquer modo estivesse a receber aplausos que não me eram destinados.”

Amália nunca aprendera a cantar e nem sabia porque cantava, como sublinhava ami-úde. Mas a sua intuição, ouvido e instinto (uma espécie de inte-ligência-bruxa que lhe dizia do bem e do mal) eram porventura os seus traços mais vincados e a sua “única e exclusiva arma”, como até confessou. Porque a canção popular portuguesa talvez seja – como ela definiu, com uma clarividência genial, numa entrevista a Miguel Este-ves Cardoso em 1982 – duas ou três notas que não valem nada e que nos comovem.

(continua na próxima edição)

Amália ao sul (II)Sala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

In memoriam João Belchior Viegas À Teresa Oliveira e ao Gonçalo Couceiro

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08.04.2016  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“BEBER’ARTE”Até 7 MAI | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraA mostra, que presta homenagem ao universo ví-nico, integra serigrafias, litografias, gravuras e pos-ters que pertencem à colecção particular da enófila Ragnhild Olsen

“INSTALAÇÃO PEOPLE”Até 7 MAI | Galeria de Arte da Praça do Mar- QuarteiraPinto da Silva apresenta uma exposição sobre a vida, desde que nascemos, quando espreitamos os pri-meiros raios de luz e precisamos de protecção, até à nossa partida

Abril

Pedro [email protected]

O Dia

Viajar de comboio ou na linha dele na pe-numbra da manhã. Ir de barco ou na rota dele na neblina da tarde. Andar a pé ou na calçada dele na humidade da noite. Adormecer no sofá ou nas margens dele na calada da madrugada

A Gorda volta a atacarAmanhã, sábado 9 de Abril, pelas 21h30.

Desta vez no Cine-Teatro António Pinheiro em Tavira. João Evaristo e Joaquim Parra, trazem «Mê Menine, e a Tua Mãe!?».

No dia mundial do teatro

Quando os ensaios começaram três meses an-tes, Carlota e Henrique eram um casal, assim..., digamos que… feliz. Na peça, uma história de

amor arrebatado, parecia-lhes fácil encarnar aquelas personagens. À medida que se aproxi-mava o dia da estreia a relação amorosa deles ia-se deteriorando ao mesmo tempo que a pai-xão em palco se acalorava. Na noite do dia mun-dial do teatro, foram efusivamente aplaudidos. Foram os últimos a deixar os camarins. Depois à porta do teatro, cada um seguiu sozinho para um dos lados da rua.

Sinónimos de Leitura

De 11 a 22 de Abril, a Biblioteca Municipal Vicente Campinas de Vila Real de Santo António leva a cabo a 5ª edição de «Sinónimos de Leitura».  Esta iniciativa anual gira em torno da leitu-ra, em todas as suas acepções e perspectivas e do universo que a rodeia e a torna possível.  Na Biblioteca, os escritores, os contadores, os editores, os livreiros, artistas, e os leitores de todas as idades, juntam-se numa semana de atividades - leitura da poesia ou da prosa, mas também a do livro científico, a leitura da pin-tura, do cinema, da dança, da fotografia ou do teatro, cruzando-se na leitura do mundo.

A edição deste ano, conta com a presença, entre outros, de Bru Junça, Carlos Brito, Catra-pum Catrapeia, Cristina Valente, Dulce Maria Cardoso, Fernando Évora, Jacinto Palma Dias, Lénia Santos, Luís Carmelo, Luís Ene, Luís Por-tela, Marina Palácio, Nelson Ramiro, Pedro Lei-tão, Pedro Santos, João Pereira e Pedro Tavares, Poetas do Guadiana, Rituais Dell Arte, Rodolfo Castro e Susana de Sousa.

Das novas nêsperas

Essas árvores plantadas em campos sobran-ceiros ao mar dão frutos tão afrodisíacas como qualquer outro de casca aveludada. Mas não

é senão mesmo o sol, e a temperatura que se insinua pelo dia, que te faz ficar só de roupão turco vestido, sob o alpendre a despelar as no-vas nêsperas, provando da sua polpa suculenta, doce ou ácida…

Edita 35 / 36

O Festival Iberoamericano de La Edición, La Poesía y Las Artes, decorre em Punta Umbria (Huelva) de 29 de abril a 1 de maio. Concentra no Teatro del Mar a grande parte das suas acti-vidades – exposições, mostra de edições/edito-ras e feira de livro, apresentações, concertos. No bar Casa del Ingles 1880 terão lugar os recitais e performance. O evento conta com a participa-ção de vários autores/editores algarvios.

Uberto Stabile, o coordenador deste festival, escolheu este ano precisamente o Algarve para a edição 36, que terá lugar na semana seguinte, em Tavira e V.R. Stº António, entre os dias 5 e 7 de Maio (programa a anunciar brevemente).

o tempo …

o tempo que se esfuma nas dimensões do real, que é o mesmo que essa rotina que nos consome…

“Sextas da Primavera”

Ciclo de 4 concertos na Casa do Povo de Santo Estevão, sempre às sextas-feiras, 22h, traz Lula Pena já a palco, no 15 de abril, seguindo-se até junho Norberto Lobo, B Fachada e Benjamin.

Tem por objectivo levar música e público até ao barrocal do concelho de Tavira, numa pers-pectiva de educação para as artes com base na descentralização, combate à exclusão social, desertificação e envelhecimento. Integrado no programa municipal “Viva a Primavera” elabo-rado em parceria com as associações culturais do concelho, que visa estimular e valorizar a criatividade da comunidade, a iniciativa das or-ganizações e o aparecimento de novos talentos artísticos, num período de renovação da natu-reza que vai do equinócio da Primavera ao pe-ríodo do solstício de Verão.

fotos: d.r.

«(…) não há melhor sítio do que a concha ancestral do mediterrâneo para fazer amigos eternos, mesmo que essa eternidade possa durar o lacónico curso de um só verão apenas.»

Depois de «Postais da Costa Sul» e «Alma», Pedro Jubilot lança agora «Telegramas do Me-diterrâneo», pela editora CanalSonora. O novo livro do autor olhanense radicado em Tavira, será lançado nos encontros «Edita» de Punta Umbria e Tavira. Um pré-lançamento da obra terá lugar a 23 de abril – dia mundial do livro – em local a anunciar, estando já prevista uma das apresentações para 4 de junho na Biblioteca Municipal de Tavira.

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08.04.2016 10 Cultura.Sul

A luz das conservas: património e design

O presente artigo tem como objetivo demonstrar como é possível, através de um proje-to académico de alunos de De-sign de Comunicação, ativar e potenciar o valor estético do património, em particular das composições gráficas desenvol-vidas por ilustradores, tipógra-fos e litógrafos para a comuni-cação visual dos envoltórios das latas de conserva, de algumas fábricas portuguesas dos finais do século XIX, até meados do séc. XIX.

Para a concretização deste projeto houve necessidade de seguir uma metodologia pro-jetual que assentou no Méto-do para o Desenvolvimento de Projetos de Design-Gráfico--Sistemas de identidade visual, de Maria Luísa Peón. Para Peón (2001), a metodologia é o con-junto de métodos utilizados na realização de um objetivo e também seus estudos e análi-ses. A metodologia, portanto, não é o objetivo em si, mas ape-nas uma ferramenta de auxílio na resolução de um problema. Peón explicita a necessidade da criatividade no início do seu método e prevê uma pesquisa qualitativa para avaliação dos resultados preliminares. So-mente com a “aprovação” dos resultados por uma amostra do público-alvo é que o projeto é finalizado e implantado. Este método prevê igualmente uma sequência de etapas sucessivas cronologicamente, denomina-do fluxograma, que resume o processo de projetação. Este fluxograma encontra-se di-vidido em três grandes fases: problematização, conceção e especificação.

A primeira fase consistiu no reconhecimento do problema – desenvolver uma exposição com base numa identidade gráfica gerada pela indústria conserveira existente em Por-tugal, desde o final do século XIX até meados do século XX.

Efetuámos uma recolha e se-leção de envoltórios de várias fábricas portuguesas. Reunidos os exemplares, considerou-se pertinente proceder ao estu-do desse material, através da identificação dos conceitos e elementos fundamentais da representação bidimensional. Para Wong (2007), os elemen-tos que formam uma compo-sição bidimensional, determi-nando a sua aparência e o seu conteúdo, podem ser classifi-cados da seguinte forma: 1. Elementos conceituais, que não são visíveis, porém, pa-recem estar presentes, como ponto, linha, plano e volume; 2. Elementos visuais, que são os traços e manchas que expres-sam os elementos conceituais e os tornam visíveis, com for-mato, tamanho, cor e textura; 3. Elementos relacionais, que dizem respeito à localização e às inter-relações dos formatos de um desenho e são percebi-dos como direção e posição ou

como sentidos, espaço e gravi-dade; 4. Elementos práticos, que estão relacionados com a funcionalidade, o conteúdo e a importância da representa-ção, definindo o “porquê” do desenho.

Após esta recolha, passamos à fase da conceção, dividida em cinco etapas. Na primeira (geração de alternativas), todas as necessidades e restrições do projeto foram levadas em con-sideração para a geração de alternativas e, segundo Peón, quanto mais alternativas, me-lhor. Na etapa seguinte (defini-ção do partido), os conceitos desenvolvidos foram avalia-dos de maneira que se pudes-se escolher aquele que mais traduziu as necessidades do projecto, e que serviu como solução preliminar. Esta so-lução foi mostrada e testada a uma amostra do público-al-vo, a fim de gerar uma valida-ção por parte do mesmo. Na etapa de solução, avaliados

os resultados, é mais uma vez aperfeiçoada a solução final.

Na fase da especificação, foram feitos desenhos téc-nicos e tridimensionais dos elementos do sistema expo-sitivo, desde as peças a expor, como as de divulgação e pro-moção do evento, a maqueta virtual da exposição e as artes finais para impressão.

Por último a implantação. A preparação e pintura das bases dos candeeiros, a pro-dução dos abajures, a insta-lação elétrica, a produção dos materiais promocionais e a montagem da exposição “A luz das conservas”, que esteve patente no Museu de Portimão de março a maio de 2015.

Segundo Costa (2011, p.165), o que define o design gráfico é a sua essência visual, e os olhos não são mais do que terminais do cérebro na sua conexão com o ex-terior. Neste contexto, percebe-se que o design gráfico tenha um du-

plo destino: a sensibilidade estéti-ca e o conhecimento. Percebemos assim, que a atuação por via do design, ao nível da sensibilida-de estética, foi determinante no processo de otimização do património gráfico, de técnicas de desenho tipográfico, regis-tos de marcas, conjugações cromáticas e técnicas de com-posição e impressão, deixado por estes envoltórios.

Considerando o design como uma mistura de conheci-mento, criação e aplicação (Heyli-ghen et al, 2009), tornou-se relevante criar um objeto ex-positivo e simultaneamente útil e funcional. Como Bernd Löbach defende no seu livro “Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais”, um bom produto de design deve atender a três funções básicas: prática, estéti-ca e simbólica. A prática diz res-peito à capacidade do produto em atender a uma necessidade de uso. A estética, não diz res-peito à beleza do produto mas à capacidade de sensibilizar pelo menos um dos sentidos humanos. Além da função percetiva dos elementos esté-ticos, a função simbólica evoca associações à cultura e aos mo-vimentos artísticos da época.

Este projeto envolveu várias áreas de atuação do design, o que tornou a experiência muito válida para quem se prepara para a profissão de designer. O desafio foi supe-rado, a exposição revelou um forte valor estético e fica a ideia de que há muito a fazer pelo património existente nos museus do país.

Referências Bibliográficas:

Costa, Joan. (2011). Design para os olhos – Marca, Cor,

Identidade, Sinalética. Lisboa. Dinalivro.

Heylighen, Ann; Cavallin, Humberto; Bianchin, Matteo.

(2009). Design in Mind. Design Issues, Volume 25.

Lobach, Bernd. (2001). Design Industrial - Bases para a configuração dos produtos industriais. Tradução Freddy

Van Camp. São Paulo: Editora Egard Blucher.

Peón, Maria Luísa. (2011). Sistemas de identidade visual.

Rio de Janeiro: 2AB.Wong, W. (2007). Princípios

da Forma e do Desenho. São Pau-lo. Martins Fontes.

A exposição 'A luz das conservas' esteve patente no Museu de Portimão em 2015

d.r.

Projeto envolveu várias áreas de atuação do design

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Espaço ao Património

Daniela BrazDocente de Design de Comu-nicação no Instituto Superior Manuel Teixeira GomesDiretora Criativa na Porquê Design

Page 11: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

08.04.2016  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

Luís Ene (autor apresenta-do neste jornal, na edição de fevereiro de 2015) publicou, em fevereiro de 2016, sob a chancela da Lua de Marfim, Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sen-tido, um conjunto de 45 con-tos ao longo de 67 páginas. Alguns têm duas linhas, ou-tros ocupam cinco páginas. Esta variação de dimensão é progressiva e vai permitindo o dobrar e desdobrar de pa-lavras, personagens, assuntos, enfim, o material de que o au-tor dispõe para construir as suas narrativas. Daí que não se estranhe a repetição de frases, o reaparecimento das perso-nagens em contos distintos ou até o mesmo nome em perso-nagens diferentes. São tantos (quase infinitos) os caminhos por onde um texto pode an-dar, que Luís Ene não os quis desperdiçar, exercitando a sua mestria.

Percursos possíveis

Tal como a escrita, a nossa leitura não tem de ser sempre linear, e este livro é um desafio à descoberta dos itinerários que ele nos pode dar: «Descobriu assim que uma história podia aparecer de diversas formas e de diversos tamanhos e, sendo sempre a mesma história, era ao mesmo tempo sempre uma his-tória diferente.» (conto 45, p.66).

E assim há histórias que con-tinuam noutras. Ou há palavras que se dobram e se desenvol-vem em histórias diferentes. Por exemplo, há uma espécie de expansão do conto 1 no con-to 19. O primeiro é pequenino, mas contém os elementos que vão ser reutilizados no conto 19 (e em outros, onde as palavras

«embrulhar» e «desembrulhar são exploradas nos seus diversos sentidos e utilizações»). Conto 1 «‘Um dia embrulhado’. O dia es-tava embrulhado; aproveitei e levei-o comigo, para oferecer a uma amiga muito especial. Era um dia cinzento e triste, perfei-to para a minha amiga, que é dada à melancolia». O conto 19 é maior (ocupa cerca de 1 página), já nos indica o nome da amiga e algumas das suas características. Este conto enquadra o anterior, dando um sentido ao final esco-lhido. Porque a amiga «dizia que os presentes deviam ser espe-ciais, deviam dizer não só algu-ma coisa a quem os recebia mas também a quem os oferecia. Se não se tinha um presente assim, mais valia não oferecer qualquer presente.

O dia estava embrulhado e ele sabia o que fazer com ele. Não hesitou, levou-o para oferecer à Cecília. O dia era cinzento e tris-te, mas a sua amiga era dada à melancolia» (p.12).

A escrita

Deixei, acima, no título desta página, o nome do livro propo-sitadamente incompleto, como tentativa de resumir, naquelas duas palavras, uma das temáti-cas recorrentes do autor, que é a reflexão sobre a escrita e so-bre o ato de escrever.

No conto 25, há uma expli-cação mais completa da forma como faz a escrita acontecer:

«Sentei-me e comecei a es-crever, uma palavra depois da outra, à espera que no final tudo fizesse sentido; um novo sentido que fosse muito além do sentido inicial.

Escrever é dobrar e desdo-brar palavras à procura de um

sentido, escrevi uma vez, ainda que não esteja certo que a fra-se seja realmente minha. Com a escrita nunca se sabe, e eu te-nho sempre dúvidas quanto à autoria do que escrevo, mas, em contrapartida, acredito nas palavras e nas histórias que elas contam, ainda que se escrevam muitas vezes quase sozinhas, até tanto melhor

quanto menos eu interferir. As histórias estão como que em suspensão, é o que acredito, e é preciso encontrá-las e fazê-las aparecer, revelá-las, como uma fotografia.

Escrevi uma frase, depois outra, desdobrei a primeira, dobrei a segunda, e fui dando espaço para a história surgir. Às vezes surgia logo em seu formato final, outras era ape-nas um vislumbre, um quase nada, mas a maior parte das vezes percebia que tinha uma história, ainda que não estives-se a vê-la por completo.

Outras vezes a história não aparecia mesmo, não aparecia mesmo de um todo, como foi o caso» (pp.17-18).

Este tema vai aparecendo pelo livro. No conto 31, apro-veitando a presença do gato Benevides, há uma nova refle-xão sobre a ficção e a confusão que se pode fazer entre escrita e realidade: um momento de metaliteratura (ou metafic-ção), que também nos leva, como leitores, a pensar sobre qual o nosso papel nesta dinâ-mica que se estabelece entre um real alheio que é ficciona-

do e o nosso real, com o qual descodificamos aquela ficção:

«Observo o gato Benevides e de imediato ele entra na mi-nha escrita, como me aconte-ce muitas vezes não só com ele mas com muitas outras re-alidades, porque se podemos eventualmente questionar que toda a realidade seja fic-ção, ainda que percepcionada e construída por nós, dificil-mente se poderá afirmar que a ficção, apesar de invenção, não é construída a partir do real (…). Escusado será expli-car que o gato Benevides que se passeia nesta folha é outro gato que não aquele que ob-servo, ainda que tire a sua ver-dade do gato original» (p.26).

Bem e mal, amor e morte

Os temas dos contos são va-riados, mas há um privilégio de assuntos que nos levam a pensar sobre os limites a que nos leva o amor, independen-temente do objeto da nossa afeição e da própria defini-ção desse sentimento; sobre a morte e a sua presença na vida, mesmo quando a queremos ignorar; sobre o bem e o mal e o quão difícil é definirmos as suas fronteiras. O conto 6 é um perfeito exemplo: «‘O bem e o mal’. Era um homem mau, capaz no entanto de boas ac-ções. Com o tempo, tornou--se um homem bom, capaz no entanto de más acções. Os seus inimigos nunca deram pela diferença. Os seus amigos também não».

Em geral, os contos estão or-ganizados para que nos surpre-endamos com o seu final. São construídos para, eficazmen-te, nos surpreenderem com o uso de uma palavra ou de uma personagem que faça uma re-viravolta. Luís Ene usa de uma forma literal palavras em con-textos que esperaríamos que o sentido fosse o figurado (ou vice-versa), pregando, portanto, partidas à nossa expectativa e trocando-nos as voltas.

Nestes contos vai encontrar muita reflexão com inteligên-cia e humor.

Luís Ene publicou a sua última obra no passado mês de Fevereiro

fotos: d.r.

AGENDAR

“DESCORTINAR”Até 30 ABR | Galeria do Convento do Espírito San-to - LouléTata Regala apresenta um estudo fotográfico sobre o conceito de retrato, onde as palavras vestem e des-nudam

“DO PRINCÍPIO”9 ABR | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroO músico Tiago Bettencour faz uma viagem pela sua carreira de mais de dez anos, iniciada com os Toran-ja, onde não vão faltar todos os seus grandes sucessos

«Escrever é…», de Luís Ene

Livro integra um conjunto de 45 contos ao longo de 67 páginas

d.r.

Page 12: CULTURA.SUL 91 - 8 ABR 2016

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