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CURRÍCULOS, DIFERENÇAS E PRÁTICAS DE ENFRENTAMENTO E RESISTÊNCIA NO ESPAÇO/TEMPO ESCOLAR Este painel tem como objetivo discutir as diferenças na escola com ênfase, nas implicações curriculares, nos processos de discriminação e preconceito e, nas práticas de enfrentamento e resistência que professores/as colocam em ação neste contexto. As três pesquisas foram realizadas em escolas públicas tendo como participantes professores/as e alunos/as dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio e receberam financiamento do OBEDUC/CAPES/INEP. Tais pesquisas buscam referência no campo teórico que discute a interculturalidade crítica e a pluralidade cultural e nas teorizações pós-estruturalistas. Os instrumentos utilizados para a produção de informações foram pesquisa-ação e entrevistas semi-estruturadas. As análises mostram como as práticas escolares/curriculares têm cumprido, em certa medida, uma função social de reproduzir um conhecimento hegemônico. Também mostram a presença de práticas racistas e discriminatórias, assim como, destacam diversos dispositivos de controle e normalização das subjetividades que ainda persistem na escola, com o intuito de reduzir a diferença à identidade. Por outro lado, estas pesquisas também fazem ver que quando os/as professores/as adotam práticas pedagógicas que discute a diferença, seja de raça, gênero, os/as alunos ampliam suas reflexões sobre as práticas discriminatórias que subalternizam e invisibilizam a diferença e, ao mesmo tempo, vão construindo estratégias de combate. Do mesmo modo, os/as professores/as, através de microações, de micromovimentos, que se dão à margem de uma educação institucionalizada, desenvolvem práticas de resistência às tentativas de homogeneização das subjetividades. Deste modo, entendemos o contexto escolar para além dos dispositivos de controle e normalização, ou seja, a escola constitui-se também como espaço privilegiado de práticas de enfrentamento e resistência. Palavras-chave: Currículo. Diferença. Práticas de resistência. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10545 ISSN 2177-336X

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CURRÍCULOS, DIFERENÇAS E PRÁTICAS DE ENFRENTAMENTO E

RESISTÊNCIA NO ESPAÇO/TEMPO ESCOLAR

Este painel tem como objetivo discutir as diferenças na escola com ênfase, nas

implicações curriculares, nos processos de discriminação e preconceito e, nas práticas

de enfrentamento e resistência que professores/as colocam em ação neste contexto. As

três pesquisas foram realizadas em escolas públicas tendo como participantes

professores/as e alunos/as dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio e

receberam financiamento do OBEDUC/CAPES/INEP. Tais pesquisas buscam

referência no campo teórico que discute a interculturalidade crítica e a pluralidade

cultural e nas teorizações pós-estruturalistas. Os instrumentos utilizados para a produção

de informações foram pesquisa-ação e entrevistas semi-estruturadas. As análises

mostram como as práticas escolares/curriculares têm cumprido, em certa medida, uma

função social de reproduzir um conhecimento hegemônico. Também mostram a

presença de práticas racistas e discriminatórias, assim como, destacam diversos

dispositivos de controle e normalização das subjetividades que ainda persistem na

escola, com o intuito de reduzir a diferença à identidade. Por outro lado, estas pesquisas

também fazem ver que quando os/as professores/as adotam práticas pedagógicas que

discute a diferença, seja de raça, gênero, os/as alunos ampliam suas reflexões sobre as

práticas discriminatórias que subalternizam e invisibilizam a diferença e, ao mesmo

tempo, vão construindo estratégias de combate. Do mesmo modo, os/as professores/as,

através de microações, de micromovimentos, que se dão à margem de uma educação

institucionalizada, desenvolvem práticas de resistência às tentativas de homogeneização

das subjetividades. Deste modo, entendemos o contexto escolar para além dos

dispositivos de controle e normalização, ou seja, a escola constitui-se também como

espaço privilegiado de práticas de enfrentamento e resistência.

Palavras-chave: Currículo. Diferença. Práticas de resistência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10545ISSN 2177-336X

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DIALOGANDO COM A DIFERENÇA NA ESCOLA: O LUGAR INVISÍVEL DO

PRECONCEITO E DO RACISMO

Maria Ivone Silva1.

Este artigo é resultado de uma pesquisa financiada pelo OBEDUC/CAPES/INEP.

Refere–se à discussão sobre preconceitos e discriminações presentes no cotidiano da

escola caracterizado pela pluralidade cultural que constitui o currículo escolar, com

destaque para as relações étnico-raciais. O trabalho resulta da análise de um projeto de

pesquisa-ação fundamentado no campo teórico dos estudos que discutem a

interculturalidade numa abordagem crítica, um campo que questiona e tensiona as

relações de subalternização de determinados grupos. Neste trabalho o recorte é o grupo

afrodescendente, com vistas a construir e analisar as estratégias de superação das

atitudes preconceituosas e racistas. A pesquisa buscou fundamentar-se nos pressupostos

da pesquisa-ação sendo operacionalizada por meio de projeto desenvolvido com duas

turmas de oitavo ano, sendo uma no ano de 2014 e outra no ano de 2015, na disciplina

de História, com o objetivo de desenvolver uma proposta de ensino/aprendizagem que

favoreça aos alunos no decorrer dos estudos reconhecerem e questionarem os processos

de subalternização e inferiorização das diferenças culturais no ambiente escolar.

Apontamos como resultados a participação dos alunos e alunas na elaboração do

projeto, na realização das atividades, na escolha dos dispositivos didáticos (música,

entrevistas, diálogo, mural, vídeos e oficinas) e na identificação de práticas racistas,

preconceituosas e discriminatórias existentes nos espaços da escola e da sociedade,

assim como na construção de estratégias de superação dessas atitudes. Pela pesquisa-

ação realizada podemos concluir que trabalhar as questões de subalternização,

inferiorização e racismo com os alunos por meio de vários dispositivos didáticos é

fundamental para que os alunos visibilizem essas questões ao mesmo tempo que vão

construindo coletivamente estratégias de combatê-los.

Palavras chaves: Interculturalidade. Currículo. Racismo.

Considerações iniciais

As manifestações de atitudes preconceituosas, ainda hoje, fazem parte do

cotidiano de nossa sociedade e de nossas escolas. São atitudes que buscam inferiorizar,

subalternizar “o outro” a partir de suas características físicas, aspectos culturais

percebidos pela aparência, como vestimentas, ornamentos corporais, estatura, cor da

pele, cabelos e olhos, orientação sexual e língua, que significam as singularidades mais

perceptíveis, de cada povo, de cada grupo étnico-racial. As relações entre essas

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diferenças singulares sempre foram motivos de renomadas discussões, tensões e de

muitos conflitos nas sociedades plurais. Nesse sentido Skliar (2003, P. 152) afirma

Pois há um outro, em meio a nossas temporalidades e a nossas

espacialidades, que foi e ainda é inventado, produzido, fabricado,

(re)conhecido, olhado, representado e institucionalmente governado em

termos daquilo que se poderia chamar um outro deficiente, uma alteridade

deficiente, ou então, ainda que seja o mesmo, um outro anormal, uma

alteridade anormal.

A escola, espaço de encontros com esse outro conforme afirma Skliar na

citação acima, é também espaço de confrontos, cruzamento de culturas e de tensões no

qual os alunos aprendem os conteúdos escolares, interagem socialmente criando

vínculos afetivos, tecendo as teias com as quais constroem valores e também aprendem

a ser/estar no mundo, é um lugar vivo, dinâmico, de interações, relações e conflitos, de

construção, desconstrução e reconstrução de conhecimentos, comportamentos e valores.

Assim atravessado por essas relações a escolas nos desafia a enfrentar essa realidade

tensionando o currículo, práticas, métodos e técnicas com o propósito de superar

atitudes de subordinação e exclusão no sentido de construir uma escola mais

democrática e comprometida com a justiça social. Nesse sentido Candau (2013, p.16)

afirma que “no momento atual, as questões culturais não podem ser ignoradas pelos

educadores, sob o risco de que a escola cada vez se distancie mais dos universos

simbólicos, das mentalidades e das inquietudes das crianças e jovens de hoje”.

Foi com o objetivo de desenvolver uma proposta de ensino/aprendizagem que

favoreça aos alunos no decorrer dos estudos a se reconhecerem e reconhecerem as

diferenças culturais no ambiente escolar que desenvolvemos esta pesquisa-ação,

propondo construir, com ele, os alunos, estratégias de desnaturalização das práticas

preconceituosas e racistas na escola e por extensão na sociedade. A pesquisa foi

desenvolvida por meio de um projeto de inovação pensado com os alunos. Como

espaço/tempo foram utilizados as aulas de história, em duas turmas de 8º ano, uma no

ano de 2014 e outra no ano de 2015, visando tensionar, questionar e desnaturalizar os

conhecimentos que permeiam o currículo escolar. Para isso nos apoiamos em Akkari e

Santiago (2015, p. 35) que afirmam.

Uma proposta de educação que considere a pluralidade de valores, de tempos

e ritmos não se limita em introduzir, na prática educativa, novos conteúdos e

novos materiais didáticos. Mas compreende que tratamento igual não

significa tratamento homogeneizante, que apaga as diferenças. A promoção

da igualdade significa dialogar com a diferença. Enquanto a diferença for um

obstáculo para o êxito escolar, não haverá reconhecimento às diferenças, mas

produção e reprodução das desigualdades.

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Para questionar a naturalização com que atitudes preconceituosas e

discriminatórias são tratadas na escola nos ancoramos na abordagem metodológica da

interculturalidade crítica, um campo que propõe discutir e desnaturalizar os processos

de subordinação e inferiorização das diferenças, propondo a construção de uma

educação que conceba diferença e igualdade não com significados opostos, mais como

igualdade na diferença, isto é, respeitando a igualdade de direitos e oportunidades de

sucesso para os diferentes grupos rompendo com os currículos e práticas

homogeneizadoras ainda presentes na escola, conforme afirma Candau (2012, p. 129)

Nesse sentido, é importante que as práticas educativas partam do

reconhecimento das diferenças presentes na escola e na sala de aula, o que

exige romper com os processos de homogeneização, que invisibilizam e

ocultam as diferenças, reforçando o caráter monocultural das culturas

escolares.

A interculturalidade propõe reconhecer as diferenças questionando o currículo

hegemônico (branco, heterossexual, masculino, eurocêntrico, cristão) visando o

desenvolvimento de um currículo que reconheça e valorize as diferenças conforme

afirma Serpa (2011, p. 156) “como possibilidade dos sujeitos aprenderem uns com os

outros”.

Dialogando e tensionado as diferenças na escola

É muito comum ouvirmos nas reuniões com professores que o grande desafio

de ensinar hoje está em conseguir motivar os alunos para a aprendizagem, somado a

isso são comuns as reclamações sobre diferentes formas de indisciplina na escola, que

vão desde a indiferença para com a aula propriamente dita, quando os alunos navegam

livremente nos seus celulares, dormem, ou ainda procuram desviar a atenção dos

colegas com suas histórias particulares, até a violência verbal ou física propriamente

dita, o que faz com que muitos professores se sintam desestimulados e muitos até

desistem de ser professores. Por que isso ocorre ainda hoje nas escolas? Acreditamos

que esse mal estar, entre tantos outros motivos, decorre também pelo fato de a escola ser

pensada para o aluno, para o professor e não com os mesmos. Se a escola é pensada

para o aluno, ela é pensada de forma padronizada, homogeneizadora para um aluno

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“considerado padrão” i desconsiderando toda a diversidade e singularidade cultural que

povoa o universo e o cotidiano das escolas.

A esse conhecimento padronizado que desconsidera o universo da sala de aula

e a realidade do aluno se contrapõe a educação que visa propostas inovadoras, projetos

para discutir essas diferenças, medidas que muitas vezes não encontram eco nas escolas

por se confrontar com professores que não foram e não estão preparados para tais

propostas, assim como exigem que eles “façam” sem oferecer-lhes conhecimentos e

formação continuada para esse fim, assim eles optam por fazer adaptações que caibam

em suas formações, pensando e elaborando atividades, segundo os conteúdos

programáticos – currículo prescritivo - inserindo neles a discussão, mesmo que

superficial e aligeirada das temáticas que tensionam no cotidiano o currículo da escola.

Cortesão (2011), nesse sentido, afirma que o professor precisa conhecer seus

alunos, estudar, observar e dialogar com eles para perceber suas características

socioculturais, individuais e mesmo grupais e assim repensar sua prática

Os professores terão de usar esse conhecimento para repensar formas (e até

conteúdos) de trabalho que possam ir ao encontro dos interesses, que

valorizem os saberes, que não desrespeitem os valores, que aproveitam as

competências que os alunos sempre têm, seja qual for a sua origem sócia e

étnica, mas que a sociedade e a escola atuais nem aproveitam nem valorizam,

e nem aceitam. (p. 56).

Foi visando valorizar os saberes dos alunos, suas diferenças individuais e

grupais que apresentamos o propósito de desenvolver uma pesquisa-ação por meio de

um projeto com os alunos dos anos finais de uma escola da rede estadual de ensino

localizada numa cidade do interior do estado de Mato Grosso do Sul. A cidade

apresenta como característica uma grande pluralidade cultural tendo sido colonizada por

pessoas oriundas dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul e

que a partir do ano de 2008 começa a receber um grande grupo de migrantes

nordestinos. Migração provocada pela inserção da cultura canavieira na região. Nesse

contexto a escola se depara com a dificuldade para gerir os conflitos e as tensões

produzidas nas relações com o outro e no desenvolvimento do processo ensino

aprendizagem que quase sempre parte do pressuposto homogeneizador que consideram

os alunos como “iguais” desconhecendo as particularidades de seus saberes e de suas

culturas.

Com base na interculturalidade crítica que defende a interação e o diálogo

entre os diferentes grupos culturais e os diferentes sujeitos é que propomos com

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Moreira (2012) a necessidade e a possibilidade de buscar pensar a partir de outras

lógicas, buscar o novo, inovar, paras construir uma escola mais democrática e mais

sensível às diferenças culturais e sociais.

A educação intercultural nos desafia para a construção de uma educação que

reconheça a centralidade cultural na construção discursiva dos sujeitos e princípios que

norteiam o processo educacional. As diferenças culturais, ao ser visibilizadas na escola

como constituintes do ser humano, abrem espaços para que os alunos possam aprender

uns com os outros superando estereótipos e preconceitos. Assim defendemos com

Candau (2008) a necessidade de repensar, reinventar a escola quanto a sua função,

reconhecendo e incluindo diferentes saberes cores, sons, vozes, silêncios que são

constituídos de significados e que esperam da escola um espaço de construção, de

diálogo, de possibilidades, desafios, enfim uma escola intercultural.

A escola, os alunos e as diferenças – Fios e teias de um diálogo intercultural.

Considerando a abordagem intercultural crítica como fio condutor desta

pesquisa que buscou introduzir no cotidiano das aulas de História um diálogo orientado

para o reconhecimento do direito à diferença e motivador para a luta contra todas as

formas de preconceitos, racismos e injustiças sociais, construímos o projeto dessa

pesquisa com os alunos, os sujeitos da pesquisa. Nos apoiamos em Candau (2014, p. 39)

quando esta afirma que

Convém ter presente também que as práticas interculturais são construídas

em uma sociedade concreta e o diálogo com seus diferentes atores,

particularmente com os movimentos sociais de caráter identitário, suas

inquietudes, lutas e reinvindicações, é um componente fundamental dessas

práticas. Supõe também ter presente o contexto escolar onde se realizam as

práticas educativas, os constrangimentos e as possibilidades que lhe são

inerentes, e desenvolver um diálogo crítico e propositivo orientado a

fortalecer perspectivas educativas orientadas a radicalizar os processos

democráticos e articular igualdade e diferença, em todos os níveis e âmbitos,

do macrossocial à sala de aula.

Como proposta de inovação, que compreende não eliminar os conteúdos da

sala de aula, mas procura tornar esses conteúdos mais próximos possível da realidade

dos alunos, do seu universo juvenil, contextualizando-os para torna-los significativos. A

pesquisa foi desenvolvida numa escola da rede estadual de ensino de Mato Grosso do

Sul, com alunos do 8º ano nos anos de 2014 e 2015, ambas com 40 alunos. Embora a

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escola se localize na região central da cidade atende moradores de bairros pertencentes a

famílias de trabalhadores não qualificados ou com qualificação de nível médio.

Por ser um trabalho proposto para ser pensado e desenvolvido com os alunos e

não para os alunos apresentamos inicialmente a proposta de articular e discutir os

preconceitos e racismos presentes na sala de aula, na escola e na sociedade com

músicas, filmes, vídeos e pesquisas. Muitos logo se propuseram a participar, entretanto

outros, principalmente os negros e nordestinos, ficaram em silêncio, sem se manifestar.

Nesse sentido nos apoiamos em Akkari e Santiago (2015, p. 31) quando estes afirmam

“o grande desafio educacional é reconhecer os diferentes contextos de nossos

estudantes”, o que exige da escola, do professor estar atento ao comportamento e ao

silêncio dos alunos, pois o estranhamento, a indiferença pode ser resultado da atribuição

de valores e inferiorização das diferenças. Para motivar a participação do maior número

possível de alunos lançamos como desafio uma questão norteadora que deveria ser

respondida pelos alunos após conversar com colegas, vizinhos e pais: Você já percebeu

alguma forma de preconceito ou manifestação de racismo na sociedade?

Por estarmos acostumados com a escola monocultural, o silêncio, a inquietude

e até mesmo a indiferença ou indisciplina dos alunos são ocultadas por nosso

daltonismo cultural que nos permite ver apenas o que nos mostram os programas

elaborados por pessoas estranhas ao ambiente escolar. Destaco que o silêncio está

embrenhado de significados o que amplia a importância de aprender a ouvir também as

vozes internas, de perceber os diferentes sons, os silêncios, as inquietudes que

permeiam o espaço escolar e olhá-las a partir de suas significações. Moreira (2013, p.

45) destaca a importância do currículo escolar para a (des) contrução das atitudes

preconceituosas e de discriminação,

[...] Que princípios têm sido empregados para estabelecer as divisões? Que

efeitos essa separação têm provocado na aprendizagem e na socialização de

nossos estudantes? Temos procurado, em nossas aulas, desafiar os limites

entre os diferentes territórios e mostrado a arbitrariedade dessa diferenciação?

Como organizar trabalhos coletivos em que processos discriminatórios sejam

questionados?

Motivados pelo desafio de questionar os limites entre os diferentes, e

questionar a presença de preconceitos e discriminação na escola, na sociedade

percebemos que os alunos negros e nordestinos foram os que mais participaram

apresentando fatos discriminatórios ocorridos consigo ou assistidos por eles, facilitando

a compreensão dos colegas e incentivando a adesão de um grupo cada vez maior para o

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projeto uma vez que no nosso cotidiano nos deparamos com atitudes preconceituosas

com muita frequência, aparecendo na maioria das vezes de forma dissimulada, como

afirma Silva (2008, p. 73)

Muitas vezes as ideias preconceituosas e racistas estão tão arraigadas que

acabam por ser interiorizadas e se tornam imperceptíveis não para quem é

vítima, mas para quem as pratica. As manifestações, no entanto, estão

presentes na fala da maioria dos professores.

A proposta intercultural defendida por nós apoiadas em Moreira (2013, p. 23)

quer promover uma educação que reconheça o outro, pautada no diálogo e na

negociação entre os diferentes grupos socioculturais, e que favoreça a construção de um

espaço de aprendizagens democrático e fundado na justiça social. Nesse sentido

defendemos com Ramos (2011) a compreensão da escola como espaço de cruzamento

de sujeitos e de construção de novos conhecimentos.

Foram ouvidas as músicas selecionadas pelos alunos com a apresentação dos

clipes musicais: música “Diversidade” – letra e música do cantor e compositor Lenine –

Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, com essa música dialogamos com os alunos sobre as

diferenças étnico-raciais, sociais e culturais que permeia a população brasileira

enfatizando as diferenças, a pluralidade cultural como espaço propício para aprender

com o outro. Destacando aqui que a cultura é dinâmica e não pode ser hierarquizada,

existem culturas diferentes e não culturas superiores ou inferiores. Quando da

abordagem das diferenças culturais os alunos começaram a falar das comidas típicas das

diferentes regiões do Brasil, com destaque para as comidas nordestinas, sul-mato-

grossense, goiana e paulista. Os alunos nordestinos destacaram a capoeira como uma

expressão cultural desenvolvida pelos africanos escravizados na região nordeste e que

hoje se alastrou pelo Brasil. Dois deles afirmaram praticar em casa com os pais e se

propuseram em apresentar com os pais na escola. Todas as atividades e práticas

educativas eram tensionadas no sentido de desconstruir atitudes preconceituosas e

racistas conforme afirma Fleuri (2003, p. 19)

[...] O objetivo da educação antirracista é o de promover atividades

educativas para aprofundar a consciência de cada um, de modo a saber

identificar e desmontar práticas racistas, implícitas ou explícitas, pessoais ou

institucionais.

Foram também apresentados vídeos ancorados nos conteúdos curriculares

prescritivos e tensionados para o rompimento com as práticas preconceituosas. Segundo

Akkari e Santiago (2015, p.) “o preconceito é uma produção cultural, que naturaliza

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certos atributos como positivos e outros como indesejáveis”. Para desconstruir a ideia

de que certos atributos, como cor da pele, cabelo, etc, são indesejáveis os alunos

realizaram murais, oficinas e elaboraram paródias e vídeos nos quais questionaram a

inferiorização das diferenças construídas com o objetivo de dominar e controlar os

grupos historicamente marginalizados.

A aluna A, (2016) afirmou em entrevista que o estudo sobre as diferenças

culturais permitiu a ela se perceber como preconceituosa e racista e a rever seu

comportamento em relação às diferenças culturais. Nesse sentido Munanga (2005)

afirma que o primeiro passo para a desconstrução de preconceitos e racismos, é assumir-

se preconceituoso e racista. Percebemos na fala da aluna (A) que é possível pensar

numa sociedade democrática, plural que dialoga com as diferenças.

Considerações Finais

Estudar com os alunos nos permite e aos alunos posicionar como autores e

sujeitos do processo, não tendo dificuldade de motivá-los para o desenvolvimento das

atividades, pois as mesmas foram pensadas com eles. Com o desenvolvimento da

presente proposta de inovação consideramos que a escola tem que ser repensada

considerando os alunos como sujeitos do processo ensino-aprendizagem e não meros

expectadores.

Destacamos a importância da escola no sentido de construir uma educação

plural, democrática e fundada na justiça social e na construção da identidade das

crianças e adolescentes que são acolhidas por cada uma das instituições, mas, que para

alcançar seus objetivos precisa reconhecer a diversidade como elemento positivo.

Para deslegitimar as práticas excludentes e romper com a discriminação nas

salas de aula, na escola e na sociedade faz-se necessário pensar práticas inovadoras ou

seja reinventar a escola com os alunos considerando como ponto de partida a realidade e

os interesses culturais dos alunos. É necessário aproximar os conteúdos do seu contexto

e incorporando recursos com os quais os alunos estão familiarizados para potencializar

sua aprendizagem.

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SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí?

Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

__________________________________________________

1Acadêmica do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu – Doutorado em Educação Linha II – Práticas

Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente – UCDB/Campo Grande-MS. E-mail:

[email protected]

1 Skliar (2003) defende “e o outro é um outro cuidadosamente pronunciado, um outro gramaticalmente

correto. O outro está bem anunciado, mas capturado em uma mesmidade que mascara em maneiras ligeiras de dizer, de nomear e de olhar. Um outro anunciado, mas a distância, isento de toda relação, ignorado em seu olhar, em seu dizer, em seu respirar”.

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A DIFERENÇA NA ESCOLA: IMPLICAÇÕES CURRICULARES

Cladair Cândida Gomes

Universidade Católica Dom Bosco

Resumo: Este artigo é fruto de uma pesquisa, vinculada ao Observatório de Educação,

financiada pela CAPES/INEP. Tem como objetivo apresentar, num primeiro momento,

uma análise da história do currículo, com destaque para sua história no Brasil e de suas

(não)relações com as discussões das diferenças. Com base nesta compreensão, analisa,

num segundo momento, um projeto de pesquisa-intervenção desenvolvido na sala de

aula de uma escola pública – mais especificamente nas aulas de Língua Portuguesa –

durante os anos de 2014 e 2015. Buscamos referência para esta análise em teóricos que

discutem a pluralidade cultural no espaço escolar, que concebem as questões ligadas às

identidades e às diferenças como construções históricas, culturais e sociais,

problematizando as relações de poder hegemônicas que tendem a subalternizar e a

invisibilizar determinados grupos sociais. Entre esses teóricos destacamos Candau

(2006), Moreira e Tadeu (2011), Silva (1999), Esteban (2015), Santomé (2013). Como

resultado desta pesquisa, podemos dizer que os alunos e alunas são receptivos e ativos

nas discussões dos diferentes processos discriminatórios, ao mesmo tempo em que

apresentam resistências, pois estão marcados por um currículo que apresenta um

conteúdo historicamente não problematizado, e do ponto de vista escolar não

problemático. Assim, há distanciamento de uma prática que aborde, minimamente, a

diferença, afastando diferentes alunos do que poderia significar uma prática mais

emancipatória. Nesse sentido, as práticas escolares/curriculares têm cumprido, em certa

medida, uma função social de reproduzir um conhecimento clássico, inferiorizando as

diferenças, ao levar, a grupos sociais, um modelo curricular único como necessário à

formação de qualquer indivíduo.

Palavras-chave: Escola, Currículo, Diferença.

1 – As diferenças no currículo escolar: das abordagens psicologizantes às

abordagens culturais.

Para um trabalho pedagógico que enxergue a diferença, é necessária a percepção

da relação entre currículo escolar e cultura, bem como o envolvimento do professor.

Essa mudança, tão requerida quando do desenvolvimento de meu projeto, pode ser,

claramente, associada a minha passagem, nos anos de magistério, por dois currículos

diferentes, ou melhor, duas abordagens, uma psicologizante e uma cultural.

Aparentemente, elas sempre estiveram no currículo brasileiro, sem, por exemplo, uma

história que explicasse como caracterizaram este ou aquele momento histórico. Por isso,

uma investigação dos momentos que concretizaram tais abordagens e, principalmente,

do olhar para a diferença é imprescindível.

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Nas décadas de 1960-70, uma abordagem sociológica e crítica do currículo nos

Estados Unidos e na Inglaterra trouxe, hoje, um currículo como foco central da

sociologia da educação. No agora, ele apresenta-se como um artefato social e cultural

implicado em relações de poder. Mas, para chegar a esse momento, o de uma teoria

crítica do currículo, britânicos e principalmente americanos, estes mais marcantes na

constituição de um currículo brasileiro, passaram por etapas caracterizadas

principalmente pela racionalidade técnica.

Segundo Moreira e Silva (2011), o início dos estudos curriculares deu-se

aproximadamente nas décadas de 1920-30, a racionalização, a sistematização e o

controle permitiam cuidar dos desvios do currículo da escola. Havia a promoção de um

projeto nacional comum, quer seja, um currículo ordenado, racional e eficiente, por isso

este já nasce, entre os americanos, como um currículo caracterizado pela uniformização.

Mesmo os autores mostrando diferentes nuances que evidenciam um campo

curricular não monolítico, por haver, por exemplo, valorização dos interesses do aluno

(escolanovismo de Dewey), e construção científica para aspectos desejáveis da

personalidade adulta (tecnicismo de Bobbit), a função curricular primordial era adaptar-

se à ordem capitalista. E, neste sentido, a diferença é invisibilizada. No entanto, a crise

instalada nos anos 50, principalmente pela derrota espacial – União Soviética, com seu

Sputnik, chegou primeiro à corrida espacial – levou a responsabilização de uma

educação falha aos progressivistas, calcados principalmente nas ideias de Dewey. Como

resultado, houve investimentos para reforma dos currículos, ou melhor, estudo de

conteúdos. Portanto a ênfase, mais uma vez, era na estrutura/técnica.

A diferença, década de 1960, mesmo fora da discussão no campo curricular,

começa a gritar nos Estados Unidos. Exemplos característicos são a explosão do

racismo e da violência, ou ainda, a guerra do Vietnã, colocando em xeque, mais uma

vez, a supremacia americana. No campo curricular reflete forte rejeição às perspectivas

behaviorista e empirista, teorias psicológicas, que davam sustentação ao currículo

estabelecido na época.

Os “diferentes” sujeitos americanos, naquele momento, enxergam uma educação

formal que já não suportam: uma modelagem do indivíduo pela disciplina, visando a

comportamentos sociais específicos em sala de aula ou no convívio em sociedade, como

se não houvesse implicado uma cultura de cada indivíduo a ser escolarizado e, ainda,

havia centralização do trabalho escolar no professor – um transmissor daquilo que

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alunos devem saber – como se estes fossem um depósito de conhecimento. Critica-se,

então, a forma de uma educação bancária, “figurando” a passividade pressuposta em

relação ao sujeito implicado nesse modelo de educação.

O resultado dessa insatisfação, apontado em Moreira e Silva (2011), foi o

surgimento de duas correntes a partir de então: neomarxismo/teoria crítica e

humanista/hermenêutica. Os autores definem isso como uma possibilidade de não haver

mais tanta preocupação com planejamento, implementação e controle de currículos

“cientificizados” na avaliação, quantitativamente. Silva (1999), assim, apresenta o

reconceptualismo marcando definitivamente a ruptura com a concepção técnica do final

dos anos 60, afina os reconceptualistas, questionaram, criticaram o currículo existente.

Segundo Silva (1999), o mais importante era que ambas desafiavam os modelos

técnicos dominantes.

Na crítica neomarxista, a dinâmica da sociedade capitalista é a da dominação de

classe. Isso afeta outras esferas sociais como a educação e a cultura. Há um vínculo

entre reprodução cultural e social, e não é uma ligação de determinação simples e direta.

Um vínculo mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo.

Desse modo, os neomarxistas identificam-se com uma sociologia do currículo, porque

consideram elementos como cultura, estrutura social, poder e a contribuição desses na

produção de desigualdades. Entretanto, veem também contradições e resistências nesse

processo, por isso, grupos dominantes são obrigados a recorrer a um esforço

permanente de convencimento ideológico para manter sua dominação.

O currículo, para os neomarxistas, é um conhecimento particular resultado de

um processo que reflete os interesses específicos das classes e grupos dominantes.

Todavia, esse currículo, como processo de reprodução cultural, não apresenta mais uma

única vertente, que seria a do currículo oficial, caracterizado, entre outros, por um rol de

conteúdos, há também, como aponta Silva (1999) o chamado currículo oculto, ou seja,

aquilo que não está sistematizado, mas que aparece quando das práticas escolares.

Para a perspectiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são

fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que

permitem que crianças e jovens se ajustem da forma mais conveniente às

estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e

antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. (SILVA,

1999, p. 79).

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Desse modo, o currículo oculto também é elemento indispensável nessa nova

perspectiva, que começa a enxergar a diferença. Silva (1999) atesta esse novo olhar que,

mesmo dantes, enfatizava relações sociais de classe, mas também já admitia a

importância das relações de gênero e raça, ou seja, percebia a diferença no processo de

reprodução social e cultural exercido pelo currículo.

Já da corrente humanista/hermenêutica, Silva (1999) mostra que haverá um

dissolvimento do rótulo de “reconceptualização” com perspectivas que não reconhecem,

por exemplo, a estrutura tradicional do currículo, porque pouco sentido fazem as formas

de compreensão técnica e científica. Para eles, a própria experiência dos estudantes é

que se torna objeto de investigação.

Moreira e Silva (2011) apontam que na Inglaterra, também nas décadas de 1960

e 1970, a partir dos escritos de Michael Young, inaugura-se a Nova Sociologia da

Educação. Com o desenvolvimento da sociologia da educação voltada ao estudo do

currículo, evidencia-se a relação entre os processos de seleção, distribuição, organização

e ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder do contexto social.

A Nova Sociologia da Educação decorre do abandono britânico ao

funcionalismo estrutural. Esses novos rumos na Inglaterra contaram ainda com

movimentos sociais, a partir do início da década de 1960 – mulheres, negros,

homossexuais. Algumas bandeiras levantadas eram a urgente relação entre

conhecimento e ação, bem como a eliminação de aspectos patriarcais e sexistas do

trabalho sociológico. Essa concepção sociológica interferiu em definitivo nos estudos

do currículo, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, mas foi pouco divulgada no

Brasil. Dentre as possibilidades de análise, há a observação da transmissão da ideologia

pelas disciplinas escolares. Para Moreira e Silva (2011), independentemente de ter

influenciado diretamente esta ou aquela localidade, a Nova Sociologia da Educação

tornou-se uma “referência indispensável para todos que se vêm esforçando por

compreender as relações entre os processos de seleção, distribuição, organização e

ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder no contexto social inclusivo”

(MOREIRA; SILVA, 2011, p. 27).

A associação entre teoria crítica e sociologia do currículo resulta em um

currículo como constituição social e crítica. Portanto, não é mais só organização do

conhecimento escolar, porque trazem questões e temas centrais para a percepção da

diferença em qualquer tempo. Desse modo, é possível concluir que uma abordagem

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crítica aparecerá nas décadas de 1960-70, produzindo alguns rompimentos com as

abordagens psicologizantes que, até então, reforçaram a individualidade e,

consequentemente, contribuíram com divisões sociais e, principalmente, marginalização

de tudo que diferia de um modelo homogeneizante/universal.

2 – O currículo no Brasil: genuinidade, cópia ou hibridização?

Moreira (2010) nos traz a história de um campo curricular brasileiro

apresentando, inicialmente, grande preocupação com a “metáfora da cópia”, devido à

grande influência americana em um modelo curricular brasileiro. Prefere, ele,

considerar que houve uma hibridização, pois a recepção dada a elementos do currículo

americano implicou interações e resistências. No entanto, Candau (2006), debruçando-

se sobre o currículo atual e revisitando os momentos históricos constituintes de um

currículo brasileiro, chama a atenção para a necessidade, ainda hoje, da centralidade da

questão da diferença na educação escolar, bastante ausente das concepções curriculares

americanas que antecederam o reconceptualismo. A autora apresenta uma evidência do

discurso pedagógico atual, há afirmação de que a diferença já é trabalhada, entretanto,

verifica ela, em uma perspectiva de décadas atrás, ou seja, a psicologizante.

O referencial psicológico, conforme nos aponta Candau (2006), associa didática

e pedagogia do século XIX, Locke e Rousseau, cuja tônica era “conhecer o caráter, as

etapas do desenvolvimento e o respeito à individualidade”. É sabido que a base teórica

desses autores, liberdade individual e racionalidade iluminista, é fundante do

liberalismo – um homem livre que por si só supera quaisquer dificuldades, bem como

dispensa as intervenções divinas. Assim, a individualidade/a propriedade prevalece,

mesmo nas relações sociais.

O resultado para a educação, ou melhor, para um currículo é a diferenciação

tipológica, traduzida por Candau (2006) em agrupamento em classes homogêneas e de

acordo com a capacidade. Afirma ainda a autora que, mesmo com a Escola Nova,

século XX, com tantas pluralidades de tendências, a diferença continua em uma mesma

visão, a psicologizante. A escola de massa em suas diferentes trajetórias, romântica de

Rousseau, psicologia evolutiva de Montessori/Dewey, engajamento sociopolítico de

Freinet, sustentaram essa mesma abordagem.

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Candau (2006) retoma as diferentes abordagens que deixaram marcas por aqui.

Entre elas estão a experimentação e desenvolvimento de práticas e valores necessários à

vida democrática, de Dewey, e o ensino programado com adequação dos processos

pedagógicos ao ritmo de cada aluno, behaviorismo de Skinner. Entretanto, segundo a

autora, todas são psicologizantes, porque há priorização e respeito à individualidade e a

ausência da dimensão sociocultural.

Em termos gerais, os aportes da psicologia favoreceram, portanto, uma

importante produção sobre a diversificação dos processos de ensino-

aprendizagem do ponto de vista do indivíduo, reconhecendo os diferentes

modos e ritmos de aprender. Salta aos olhos, contudo, a ausência da

dimensão sócio-cultural nessas abordagens. (CANDAU, 2006, p. 126).

Além do desdobramento das discussões sobre a desigualdade de oportunidades

promovidas pela Nova Sociologia da Educação, Inglaterra, vistos em Moreira, Candau

(2006) aponta para os estudos do cotidiano escolar promovidos, paralelamente, pela

sociologia britânica, que se opunha à teoria do déficit linguístico e cultural denominada

“linguagem e background cultural deficientes”.

No Brasil, as influências dessa corrente começam a chegar bem mais tarde, já

final da década de 70. Mas, tanto Moreira (2010) como Candau (2006) verificam uma

abordagem sociológica/cultural anterior, na década de 50, a de Paulo Freire. A autora

aponta alguns elementos da teoria freiriana como as palavras geradoras e os círculos de

cultura. O levantamento do universo vocabular, o aspecto pragmático da palavra, bem

como as salas de aula sem hierarquização, para a autora, aproximam Freire, inclusive,

de uma perspectiva intercultural. Esta, para Candau (2006), é para além da diferença, da

psique individual e da identidade cultural de classe.

Candau (2006) enxerga que a escola tem tido importante papel nos processos,

diferenciações incluindo/excluindo, classificando e normalizando, logo a escola carece

de um compromisso dialógico, além da esfera da tolerância, favorecendo, por exemplo,

trocas. A postura dialógica abre para construção de práticas e reflexões pedagógicas, por

isso distinção entre diversidade e diferença e o olhar para esta.

Portanto, como aponta Candau (2006), é necessário um olhar que reconheça as

culturas no espaço escolar, o ambiente plural da escola. A promoção de discussões

possibilita a problematização das representações construídas em diferentes espaços, ou

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seja, a configuração de padrões que desconsideram o que comumente chamam de

minorias, e no micro espaço escolar, como se vê a seguir, é possível olhar a diferença.

3 – O encontro com alunos e alunas: colocando a hegemonia curricular em questão

Inicio este item destacando que o relato a seguir trata de uma pesquisa-

intervenção em uma escola pública. Neste sentido, compreendemos que é importante

explicitarmos o que denominamos de pesquisa-intervenção.

O processo de formulação da pesquisa-intervenção aprofunda a ruptura com

os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as bases teórico-metodológicas

das pesquisas participativas, enquanto proposta de atuação transformadora da

realidade sócio-política, já que propõe uma intervenção de ordem

micropolítica na experiência social (ROCHA; AGUIAR, 2003, p.67).

O projeto de pesquisa-intervenção foi desenvolvido na escola durante os anos de

2014 e 2015 e, conforme já dissemos, trata-se de um trabalho vinculado ao Observatório

de Educação, financiado pela CAPES/INEP. Relato aqui, as tentativas de acertos e erros

em um projeto educativo que buscou discutir as diferenças, com destaque para as

diferenças de gênero. Não são explicitadas as muitas atividades desenvolvidas, apenas

há uma reflexão sobre o trabalho com o projeto, no sentido de observar que há

mudanças significativas nos alunos, portanto o resultado é profícuo.

O projeto articulou, na disciplina de Língua Portuguesa, os conteúdos que

deveriam ser apresentados/trabalhados, no decorrer do ano, com o “olhar” para a

diferença. Em Língua Portuguesa, tal articulação resultou em uma forte argumentação e

consequente criticidade, isto é, os alunos ampliaram suas reflexões, principalmente em

relação aos discursos produzidos na mídia, questionando de forma mais efetiva as

verdades colocadas. Desse modo, passaram a perceber uma sociedade que até aceita a

diferença, mas desde que “ela” não incomode/ameace a hegemonia.

Os avanços foram expressivos, no sentido de que possibilitaram a desenvoltura

dos alunos nos eixos prescritos para Língua Portuguesa (leitura, oralidade e escrita) nos

Parâmetros Curriculares Nacionais, como também passaram a produzir reflexões mais

consistentes a cerca de uma sociedade que, pela estereotipia, promove/contribui com

contextos, inclusive o escolar, cada vez mais caracterizados pela segregação.

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Em sala de aula, as discussões que perpassaram pela alteridade/diferença

conseguiram dinamizar as aulas e encurtar o tempo que o aluno precisaria para adquirir

uma força argumentativa e consequente criticidade. A partir de temáticas sociais tão

presentes na sociedade, afinal todos eles conheciam uma história de discriminação,

instala-se um interesse generalizado, o que não aconteceria se houvesse escolha de

temas e textos presentes em livros didáticos. Estes não se tornam atrativos, não prendem

a atenção de jovens inseridos em uma realidade caracterizada por conflitos

socioculturais. Tais discussões em sala possibilitaram evidenciar estereotipias tão

presentes em seus mundos, sociedade/escola, e uma reflexão de como tratavam disso,

isto é, a identificação do preconceito para uma tomada de atitude diante dos novos

desafios.

O começo desse trabalho pedagógico, via projeto, foi marcado, principalmente,

pela insegurança em discutir a diferença em sala de aula. Santomé (2013) fala disso,

quando menciona “alguns obstáculos para uma educação antidiscriminatória”, diz ele

que há “um conjunto de tradições ou culturas docentes que dificultam a transformação e

implantação de modelos de inovação didática com possibilidades de pôr em prática uma

educação mais libertadora” (SANTOMÉ, 2013, p. 286).

Dentre esses empecilhos, o autor indica nove, aqui brevemente apresentados: a

escassa cultura do trabalho integrado; a obsessão em cumprir o currículo obrigatório; a

ausência de temas controversos na literatura utilizada; o medo de tratar de temas

controversos; a carência de uma cultura e tradição de debates nas salas de aula; uma

falta de formação e de habilidade por parte dos professores para tratar temas

controversos; a existência de políticas de avaliação externa, e isso obrigando a uma

dedicação exclusiva do trabalho pedagógico; uma escassez de recursos de informação

dirigidos aos alunos em idade escolar sobre temas polêmicos da atualidade; a falta de

familiaridade de um setor importante do corpo docente com esse tipo de núcleo de

conteúdo.

Todos os meus empecilhos, chamo de principais, constam na relação de Santomé

(2013). Tinha medo das reações. E se pais procurassem a escola para reclamar; e se não

desse conta dos conteúdos prescritos, estes ficando de lado, não só me condenariam

(pais e escola), como poderia prejudicar os alunos em alguma avaliação externa; temia

que as minhas escolhas/ações fossem também discriminatórias, ou seja, se eu, enquanto

professora, não trazia/nutria discursos que estabeleciam diferença. O último era o que

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mais me preocupava, mas este “cuidado” em se perceber ou não preconceituoso já

caracterizava um olhar para a diferença, um bom começo para abrir, junto aos alunos,

questionamentos/reflexões.

Enfim, a questão da diferença foi trazida para a sala de aula, nas “minhas” aulas

de Língua Portuguesa. Quando se faz esse mergulho, isto é, quando você se preocupa

em enxergar além dos conteúdos planejados para o bimestre/ano, passa a observar as

tantas posturas discriminatórias, inclusive dos colegas, que, por exemplo, rotulam para

justificar o fracasso deste ou daquele aluno. Entretanto, é nesse espaço-escola, que, ao

falar (seja pela oralidade ou escrita) sobre a diferença e a necessidade de afirmação das

minorias – o negro, o indígena, o homossexual, o idoso, a mulher – cria-se um espaço

para o confronto, possibilitando, assim, quebrar a disseminação da inferiorização por

parte daqueles que são “xenofóbicos”, isto é, saber que outros se posicionam contrários

às ações discriminatórias, incomodam e até podam a disseminação de tantos

preconceitos.

O afetamento para esse olhar proposto no projeto permite a legitimação não dos

grupos/minorias discriminadas, mas de alunos e alunas naquele espaço que ainda não se

afirmaram enquanto diferentes, ou seja, há dificuldade em se identificar como

constituinte de uma minoria. A partir das discussões, revelando uma história

colonizadora “real”, percebe-se um enfrentamento. Exemplo disso foram as discussões

geradas a partir do conteúdo “influências indígenas e africanas no léxico português”.

Nesse contexto, um aluno negro, de uma docilidade ímpar, era sempre tolerante com os

apelidos, a ponto de nos dizer, ele próprio, que era “só brincadeira”. Em dado momento,

reagiu/enfrentou um colega, não permitindo que o chamasse mais por apelidos. A partir

daquele momento, houve um reconhecimento de que ele era diferente, mas não inferior.

Assim, o encontro, aparentemente de contrários, os que discriminam e os que

não discriminam, pode levar ao convívio com a diferença na escola, não mais com a

tolerância, que subjuga o outro e concede/permite ao “inferior” um suposto espaço. Isso

permite uma escola heterogênea, plural, de diferentes olhares e contra-hegemônica. A

partir das discussões, o espaço-escola será aquele onde não se tolera preconceitos, mas

os combate, permitindo uma escola problematizadora da diferença, não excludente, e

isso, cada vez mais, ratificará a necessidade de mudança, inclusive, na sociedade.

Talvez, para o professor, não trazer para o espaço escolar discussões acerca da

diferença, signifique uma postura tradicional, talvez uma evitação de confrontos, quem

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sabe considere que gastará mais do pouco tempo que considera ter. Mas o silêncio, ao

presenciar atitudes discriminatórias, permite a continuidade/cumplicidade em sustentar

preconceitos. O trabalho com a diferença é possível, bem como organizar temas e textos

de acordo com os conteúdos exigidos para cada disciplina e ano. Isso quer dizer que não

haverá mais trabalho e sim ganho, porque é uma forma muito mais prazerosa de

ministrar os conteúdos e, ao mesmo tempo, provocar discussões/reflexões a partir do

real, do vivido pelos “diferentes” alunos. Desse modo, o professor, por meio de temas,

textos, atividades, permite o confronto, para que, a partir de então, estereótipos sejam

identificados e rejeitados, colaborando para a autoafirmação das minorias e,

principalmente, a compreensão de que a diferença não pode ser resumida em tolerância.

O princípio central de uma escola comprometida com a diferença deve ser o

respeito ao outro como Outro, como aquilo que não pode ser pensado a

priori, definido de antemão. Nessa escola, as pessoas não se tornam, porque a

completude do processo de tornar-se só seria possível se eliminássemos para

sempre a diferença. (MACEDO, 2014, p. 36).

Olhar a diferença no espaço escolar não significará, automaticamente, em

mudanças de postura, mas o estímulo, por menor que seja, possibilita um “voz”, uma

representatividade das minorias, construindo uma escola/arena contra hegemônica,.

Enfim, é necessário chamar a atenção da escola, a fim de que passe a promover novas

práticas, que consista num olhar sobre a realidade que a circunda. Ao promover

discussões em torno da diferença por um viés crítico, a escola oportuniza o encontro

com o “outro”, via currículo, cumprindo seu papel, fundamentalmente democrático.

Algumas Considerações

As práticas escolares/curriculares têm cumprido, de certo modo, uma função

social de reproduzir um conhecimento clássico, inferiorizando as diferenças, ao levar, a

grupos sociais, só um padrão curricular como necessário à formação de qualquer

indivíduo. Todavia, diferentes homens e mulheres são trazidos à escola, já

caracterizados, desenhados em determinados contextos, isto é, todos refletindo

vivências distintas, o que, inevitavelmente, toma forma no espaço escolar, e vai de

encontro às prescrições, aos modelos prontos para a aprendizagem.

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A promoção de discussões no currículo escolar voltada à diferença, de como é

ser mulher, ser negro, ser homossexual, ser índio, entre outros, a partir das práticas

sociais que atingem cotidianamente grupos variados na/da escola, possibilita

“considerar” que um aluno no espaço-escola, traz consigo as experiências que foram

construídas fora, antes dessa escolarização. Essa prática escolar permitirá, no mínimo, o

“respeito” às diferenças.

A escola está atravessada por representações e é inegável que normas são

produzidas culturalmente e que há formas/estratégias de enfrentamento para reconhecer

e problematizar no espaço escolar o estabelecimento dessas diferenças. Como visto,

uma possibilidade é a abordagem dessas questões em sala de aula e pelo professor,

adequando as discussões aos conteúdos trabalhados, sem que isso signifique mais

atribuições ou tempo gasto.

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A LÓGICA HEGEMÔNICA NA ESCOLA SOB SUSPEITA: UMA ANÁLISE DE

PRÁTICAS DE RESISTÊNCIA DE PROFESSORES

Sirley Lizott Tedeschi - UCDB

Ruth Pavan – UCDB

Resumo: O presente artigo é fruto da pesquisa financiada pelo Observatório da

Educação (OBEDUC/CAPES/INEP). Tem como objetivo analisar práticas de

resistência de professores/as contra os efeitos das relações de poder hegemônicas

vigentes em uma escola pública com alto IDEB. A referência para essa análise é a

perspectiva pós-estruturalista e entende com Foucault que onde há relações de poder,

em contra partida, há movimentos de resistência. Nesse jogo de forças, tanto as relações

de poder quanto as práticas de resistência são produtivas, possuem um potencial de

criação e transformação. Assim, na medida em que as relações de poder estão presentes

na escola, as resistências figuram como possibilidades de fazer surgir espaços de

tensões, de lutas, de transformação nas relações de poder instituídas. Através da análise

de entrevistas com professores/as dos anos finais do ensino fundamental a pesquisa

mostra que estes/as professores/as desenvolvem práticas de resistência contra as

tentativas de homogeneização das subjetividades. A disciplina rigorosa imposta aos/as

alunos/as, como uma forma de normalizar comportamentos e condutas, as práticas

pedagógicas instituídas e, de certa forma, naturalizadas, o culto a valores que se

pretendem universais e que se colocam como hegemônicos, assim como, as tentativas

de inferiorizar a alteridade recorrendo a estereótipos, são alvo de práticas de resistência

dos/as professores/as. Essas ações/resistências que os/as professores/as colocam em

movimento na escola abrem espaços para experiências de ações para além daquelas

instituídas. Deste modo, entendemos o contexto escolar para além dos dispositivos de

controle e normalização, ou seja, a escola se constitui num espaço privilegiado de

práticas de resistência.

Palavras-chave: Escola, Relações de Poder, Práticas de Resistência.

1-Introdução

O presente artigo é fruto da pesquisa financiada pelo Observatório da Educação

(OBEDUC/CAPES/INEP). Tem como objetivo analisar práticas de resistência de

professores/as contra os efeitos das relações de poder hegemônicas vigentes em uma

escola pública com alto IDEB. Através da análise de entrevistas com professores/as dos

anos finais do ensino fundamental mostramos que estes/as professores/as desenvolvem

práticas de resistência contra as tentativas de homogeneização das subjetividades.

A disciplina rigorosa imposta aos/as alunos/as, como uma forma de normalizar

comportamentos e condutas, as práticas pedagógicas instituídas e, de certa forma,

naturalizadas, o culto a valores que se pretendem universais e que se colocam como

hegemônicos, assim como, as tentativas de inferiorizar a alteridade recorrendo a

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estereótipos, são alvo de práticas de resistência dos/as professores/as. Essas

ações/resistências que os/as professores colocam em movimento na escola abrem

espaços para experiências de ações para além daquelas instituídas.

Para esta análise buscamos referência nas teorizações pós-estruturalistas e

entendemos com Foucault (2000) que onde há relações de poder, em contra partida, há

movimentos de resistência. Nesse jogo de forças, tanto as relações de poder quanto as

práticas de resistência são produtivas, possuem um potencial de criação e

transformação. Assim, na medida em que as relações de poder estão presentes na escola,

as resistências figuram como possibilidades de fazer surgir espaços de tensão, de luta,

de transformação nas relações de poder instituídas. Esse jogo constante de forças entre

relações de poder e práticas de resistência faz do espaço da escola “uma arena de lutas

cotidianas, de jogos de forças corriqueiras – forças de sujeição; mas, antes, forças de

resistências, de práticas de liberdade” (DINALI; FERRARI, 2011, p. 230).

É desta perspectiva que analisamos no que segue práticas de resistência de

professores/as contra as relações de poder hegemônicas na escola que tendem a

homogeneizar as identidades dos sujeitos que participam dos processos educacionais.

Salientamos que para a realização desta pesquisa foram entrevistados nove

professores/as dos anos finais do Ensino Fundamental. Para manter o anonimato dos

professores/as utilizamos nomes fictícios sempre que nos referimos a eles.

2- Sobre práticas de resistência na escola: potencialidade criativa e

transformadora em educação

Para além de uma educação oficializada nos documentos, como nos planos de

educação, nos projetos pedagógicos – que segundo Gallo (2006) está sempre marcada

por uma heteronomia e por práticas de assujeitamento – as práticas de resistência que

os/as professores/as desenvolvem produzem acontecimentos que desestabilizam as

relações de poder hegemônicas vigentes na escola. Essas ações dos/as professores/as,

que podemos chamar de menores, de desviantes produzem espaços de liberdade,

inventando e reinventando outras práticas que tomam com principio a singularidade da

diferença em vez da mesmidade da identidade.

É no dia-a-dia da escola, na sala de aula, nas conversas informais, na discussão

de procedimentos avaliativos com seus/as alunos/as, que essas ações acontecem. Esses

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espaços, mesmo que menores e com ações frágeis, fazem surgir o acontecimento

transgressivo e criador. Nesses espaços, de fragilidade concreta, os/as professores/as se

movimentam “nas e para as margens dos saberes constituídos e dos poderes

estabelecidos, tentando chegar à forja de novos lugares perpassados por novos saberes e

relações de força” (CARVALHO, 2011, p. 13).

Nesse sentido, diante das normas disciplinares instituídas na escola, o professor

Pedro gostaria de “mudar muita coisa”, entre elas, desenvolver aulas com seus alunos/as

“andando na mata”.

Agora, se eu pudesse eu mudava muita coisa, primeiro que eu trabalhei em

uma escola agrícola e a sala de aula não era um atrás do outro, era um circulo.

[...] eu gosto de aula assim como a gente está (se referindo ao momento da

entrevista), assim, ao ar livre. Eu dei aula nessa escola do campo que a gente

andava na mata, a gente sai andando e falando. Então, eu acho assim, que às

vezes você fica muito dentro de uma coisa que você não pode mudar (professor

Pedro).

O que move o professor Pedro é uma vontade se subverter o espaço disciplinado

da sala de aula - em vez de “um/a aluno/a atrás do outro”, deseja desenvolver as aulas

“andando na mata”, ou no jardim da escola – referindo-se ao espaço onde nos concedeu

a entrevista. Isso representa uma forma de resistência às relações de poder disciplinares

ainda hegemônicas na escola. A tentativa parece ser de construir um discurso que

desconstrua a ideia instituída nesta escola de que a aprendizagem dos/as alunos/as

depende de uma padronização dos comportamentos. E a professora Maria reforça essa

ideia ao dizer que a melhor experiência que lhe aconteceu como professora foi fora da

escola regular, uma experiência de ensino em que os/as alunos/as não estavam sob as

normas disciplinares da escola. Descreve essa experiência como “maravilhosa,

descontraída, [...] e no final fazendo uma avaliação junto com eles, eles expressaram

coisas magníficas” (professora Maria).

Ainda a respeito dessa vontade de subverter a ordem das coisas, o professor

Pedro destaca que a formação continuada que é oferecida pelo Estado para os/as

professores/as não tem contribuído muito na formação, pois ainda tem priorizado o

binômio disciplina/indisciplina como foco de discussão. Para este professor “não muda

nada ficar fazendo este tipo de discussão que você ouve já há tanto tempo. [...] hoje eu

acho que tem que lidar com isso de outra forma, tem outras coisas que a gente precisa

discutir” (professor Pedro). Entre essas “outras coisas” que a formação continuada

poderia priorizar, o professor Pedro destaca cursos que envolvam o uso de tecnologias

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na sala de aula, pois segundo ele “a gente está lidando agora com a época da tecnologia

e tem professor que não sabe lidar com isso” (professor Pedro). Também o Professor

João faz referência ao potencial do aparato tecnológico nas práticas pedagógicas e

afirma que “se pudesse, tivesse condições e tivesse tempo, eu conseguiria aliar o

conhecimento da informática junto com o celular. Por exemplo: todos tragam o celular,

vamos fazer um aplicativo e vamos olhar a geografia – só que as coisas imperam aí”

(professor João).

Os enunciados desses professores mostram uma vontade de pensar outras

práticas pedagógicas, ou seja, mostram a ação criativa do pensamento e o desejo de

fazer do ato pedagógico um acontecimento singular. Apontam a possibilidade de

aprendizagens significativa através de práticas pedagógicas que envolvam o uso do

celular e das redes sociais na sala de aula – mesmo sabendo que, nesta escola, o uso

desse instrumento tecnológico não é permitido no espaço da sala. Em vez de utilizar o

tempo da sala de aula para chamar a atenção dos/as alunos/os pelo uso do celular, o

professor João argumenta como seria interessante “se tivesse um aplicativo em uma

rede social que falasse sobre o aquecimento global no mundo, os alunos iriam ler e

interpretar” (professor João). Vemos nisso um conjunto de enunciados que fende com o

sentido comum das coisas; que faz irromper uma multiplicidade de forças singulares;

que faz do espaço escolar um espaço de instabilidade. Aí reside, diz Vilela (2006),

“aquilo que Foucault designou o ruído surdo sob a história, o murmúrio das palavras

ditas, o murmúrio obstinado de uma linguagem que falaria sozinha” (VILELA, 2006, p.

113).

Embora nosso intuito, neste momento, não seja desenvolver uma análise sobre a

formação continuada de professores, assim como, da potencialidade pedagógica das

tecnologias - temas de fundamental importância na contemporaneidade - queremos dizer

que os enunciados desses/as professores/as mostram, por um lado, que a padronização

dos comportamentos, um dos principais objetivos do poder disciplinar, se relaciona

menos com a aprendizagem dos/as alunos/as e mais “com as demandas relacionadas à

utilização da disciplina com fins morais, visando à obrigatoriedade e a universalidade de

certos comportamentos estabelecidos como [...] necessários dentro do ambiente escolar”

(RATTO, 2007, p. 228). Por outro lado, esses enunciados também mostram que a

preocupação excessiva com a disciplina, tanto no contexto da escola, quanto na

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formação continuada que o Estado oferece para os/as professores/as, tem dificultado ver

a necessidade de pensar práticas pedagógicas considerando o contexto dos/as alunos/as.

Concordamos com o professor João da necessidade de estarmos sempre abertos

para outras práticas pedagógicas – neste caso, o professor João argumenta que se “a

grande maioria dos/as alunos/as possuem celular e gostam de fazer uso desse

instrumento” (professor João), então poderíamos pensar práticas pedagógicas

considerando esta tecnologia. Por isso, o que esses professores dizem, instiga a escola e

os sujeitos que dela participam a repensar as posturas disciplinadoras e as práticas

pedagógicas que foram se naturalizando neste espaço, ao mesmo tempo, que é um

convite para a produção de outros movimentos que possibilitam fazer do ato pedagógico

um acontecimento singular.

Foucault (2002), em A verdade e as Formas Jurídicas, diz que no sistema

escolar “a todo o momento se pune e se recompensa, se avalia, se classifica, se diz quem

é o melhor, quem é o pior” (FOUCAULT, 2002, p. 120), o que vai ao encontro das

inquietações desses/as professores/as, pois nos levam a pensar sobre uma questão já

posta por esse autor, “ por que, para ensinar alguma coisa a alguém, se deve punir e

recompensar?” (FOUCAULT, 2002,p. 121). A professora Maria põe em suspeita esses

procedimentos do poder disciplinar, pois como dissemos acima, para esta professora

os/as alunos/as aprenderam “coisas magníficas” quando não estavam sob as normas do

poder disciplinar da escola regular. Ainda destaca que a disciplina rigorosa normatizada

na escola se constitui num inibidor das diferenças, e obriga que todos os/as alunos/as

tenham os mesmos interesses e comportamentos.

Eu acho que isso vem da estrutura, essa estrutura, como se nós nos

acomodássemos dentro de um espaço e obrigássemos que eles tivessem todos

os mesmos comportamentos, e eles são diferentes, todos somos diferentes, eu

acho muito complexo o trabalho como a gente desenvolve. Mas eu, não sei,

porque os outros professores trabalham sem problema, acham legal,

desenvolvem seu trabalho, mas eu sinto essa dificuldade (professora Maria).

Vemos surgir nos enunciados do professor Pedro, do professor João e da

professora Maria, uma força, uma vontade que os move em direção à criação de

formações discursivas capazes de provocar descontinuidades no discurso hegemônico.

Esses movimentos tem a força de desestabilizar os poderes/saberes hegemônicos, ao

mesmo tempo, que possibilitam desenvolver processos de subjetivação para além do

dispositivo disciplinar. Ou ainda, como diz Carvalho (2011), a intensidade desses

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movimentos pode produzir “rupturas nas redes e circuitos de saberes-poderes

hegemônicos, a fim de atuar na composição de novas áreas de subjetivação humana”

(CARVALHO, 2011, p.14).

Suspeitar dos dispositivos disciplinares em ação na escola e de sua “eficiência”

nos processos de aprendizagem, assim como, buscar possibilidades de outras práticas

pedagógicas - como em alguns momentos, fazem estes/as professores/as - vem dizer

sobre outras perspectivas instituintes da ação pedagógica; vem dizer das ações

cotidianas destes/as professores/as consideradas, muitas vezes, neste espaço/tempo

como menos importantes ou menores, mas que entendemos como férteis nas

possibilidades de mudanças extraordinárias.

Assim como, o rigor disciplinar em que os/as alunos/as são submetidos e as

práticas pedagógicas „naturalizadas‟, são alvo de resistência destes/as professores/as,

também o é o culto a valores morais hegemônicos. Quando determinados valores são

universalizados e naturalizados no contexto da escola passam a influenciar diretamente

nas práticas pedagógicas e nos processos de subjetivação. As práticas pedagógicas são

aqui entendidas como parte de “dispositivos orientados à produção dos sujeitos

mediante certas tecnologias de classificação e divisão” (LARROSA, 2011, p.52) - e os

valores morais que orientam essas práticas fazem parte deste dispositivo.

Um dispositivo pedagógico conforme Larrosa (2011) é qualquer lugar em que se

aprende e/ou se modifica as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo, como por

exemplo, “uma prática pedagógica de educação moral, uma assembleia em um colégio,

uma sessão de um grupo de terapia, o que ocorre em um confessionário, em um grupo

político, ou em uma comunidade religiosa” (LARROSA, 2011, p. 56). Nesse sentido,

pensamos com Larrosa (2011) que um dos dispositivos pedagógicos - enquanto pratica

pedagógica de educação moral - que acontece nesta escola, são as “acolhidas”. De

acordo com a professora Verônica, as “acolhidas” são um momento em que todos os

alunos são reunidos na escola, “aí tem dias que eles vão para a capela, que tem uma

palavra, cantam, normalmente no começo do ano [...] quando é lançada a campanha da

fraternidade” (professora Verônica). O objetivo dessas “acolhidas”, explica a professora

Verônica, é falar sobre os valores para os/as alunos/as.

Nesse sentido, podemos pensar as “acolhidas” nesta escola como um momento

de formação moral para os/as alunos/as. Ou, como diz o professor Pedro “eu trabalho

uma formação com eles aqui, [...] às vezes eu passo uma tarde toda com uma sala só, é o

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que a gente chama de momento de formação para todas as turmas” (professor Pedro).

Ainda a esse respeito, em diálogo com a coordenação pedagógica, fomos informados

que os/as alunos/as são reunidos, pelo menos, três vezes na semana para as “acolhidas”

para ouvir a “palavra” e cantar. O fato de esta escola estar ligada a um grupo religioso

católico reflete diretamente neste espaço de formação moral, assim como, na proposta

pedagógica como um todo. Os valores morais cristãos, neste caso, passam ser a

referência que “orienta a constituição ou a transformação da maneira pela qual as

pessoas se descrevem, se narram, se julgam, ou se controlam a si mesmas” (LARROSA,

2011, p. 56).

Trata-se de uma prática pedagógica, no interior de um dispositivo, que

desenvolve processos de subjetivação tendo em vista a universalização e naturalização

de valores morais cristãos que ainda se colocam como hegemônicos no contexto desta

escola – assim como na sociedade em geral. Como efeito, temos processos pedagógicos

voltados para a homogeneização das identidades e diferenças, ideia reforçada pela

professora Verônica, ao dizer que os valores são colocados “em evidência para que não

haja essas diferenças” (professora Verônica). Assumir outra moralidade, valores,

comportamentos, neste contexto, pode ser visto como uma ameaça à estabilidade da

identidade pretendida.

Mas mesmo diante de dispositivos pedagógicos que tendem a homogeneização

dos processos de subjetivação – como são as “acolhidas” - queremos ressaltar, que nesta

escola, os processos de subjetivação são irredutíveis à moral e aos códigos morais.

Todas as tentativas de invisibilizar a diferença através de “um conjunto de regras

coercitivas que prescrevem os modos como devemos ser e nos comportar em relação a

um conjunto de valores transcendentais como o bem, o mal, o certo ou o errado”

(GARCIA, 2001, p. 37) são constantemente subvertidas, sofrem constantemente

práticas de resistência.

Destacamos como o professor José está envolvido na constituição de formações

discursivas que subvertem as relações de poder da moralidade hegemônica. Em relação

à moralidade vigente na escola, esse professor diz “que esses resquícios ditatoriais

acabam prejudicando tanto os alunos quanto os professores, tanto ditatoriais quanto

jesuíticos - os batina preta - aqui tem muito batina preta, [...] eu acho uma judiação”

(professor José). Este professor diz já ter sido “reprimido” pela coordenação pedagógica

por ter utilizado a palavra “pênis” na sala de aula para explicar um conteúdo de História.

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Não, não, e aí foi até uma coisa que eu vou confessar, que eu estava ensinando

sobre a Grécia, que esse bimestre eu estava ensinando que os gregos são

provenientes da península balcânica e aí eu falei que a península era uma parte

do continente que se projetava ao mar como alguma coisa que saísse do corpo e

aí um menino da sala disse: é igual pênis professor? Eu falei: é isso a palavra

península deriva de pênis, o garoto entendeu isso, incrível, olha que louco, saiu

de alguém da sala para eles entenderem, pênis! Na outra aula a coordenação

veio – nossa aconteceu uma coisa horrível, uma mãe veio falar que você esta

usando termos de genitália, que ela não usa isso na sala dela e não quer que

você use isso com a filha dela – veja, a própria coordenação acabou afanando

isso [...], eu não fiz alusão ao sexo. [...] Mas aí em função do patriarcalismo, do

machismo, é muito difícil, só que eu tenho certeza que os alunos da sala nunca

vão esquecer o que é península. Então na verdade o que acontece é que muitas

vezes você é visto como o inimigo da moral e dos bons costumes [...] pra você

ver como não há discussão sobre isso (professor José).

Mesmo tendo sido “reprimido” pela coordenação pedagógica e ser visto por pais

e professores/as “como inimigo da moral e dos bons costumes”, o professor José parece

se sentir orgulhoso da prática pedagógica adotada, pois ressalta “eu tenho certeza que os

alunos da sala nunca vão esquecer o que é península” (professor José). A prática

pedagógica do professor José é vista, no contexto desta escola, como subversiva, pois

pode colocar em discussão questões relativas à sexualidade – questões que, segundo ele,

são silenciadas, ignoradas, em nome da moralidade cristã vigente. Reforça ainda, que “o

patriarcalismo, o machismo, a heteronormatividade” que ainda marcam a sociedade

contemporânea, reflete diretamente no espaço desta escola. Mostra a presença desses

valores na escola relatando uma experiência que teve em sala de aula. Esta experiência

tem a ver com o fato de este professor ter sido criticado por seus/as alunos/as por adotar

comportamentos que não seriam adequados para um homem, como colocar a mão na

cintura e cruzar a perna – para os/as alunos/as do professor José este comportamento

não é adequado para homens e sim para mulheres.

A experiência relatada pelo professor José nos faz pensar que, no contexto desta

escola, ainda se parte de uma identidade essencial, fixa e natural para homens,

mulheres, meninos e meninas. A heteronormatividade naturalizada e reforçada, de certo

modo, pela hegemonia da moralidade cristã, faz ver a diferença como desvio – cruzar a

perna e colocar a mão na cintura não é comportamento de homem, e sim de mulher,

assim como, “andar rebolando” não é comportamento para meninos, e sim para

meninas. É esse discurso que naturaliza, essencializa e universaliza as identidades e

diferenças, que o professor José subverte - seja através de práticas pedagógicas que

adota com seus alunos/as, seja através do comportamento que assume.

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Ao abrir esse discurso e as certezas que o constitui, este professor possibilita

mostrar o que ele esconde, invisibiliza e subalterniza, possibilita a construção de

espaços para o acontecimento e a imprevisibilidade em educação. Para dizer de outra

forma, os movimentos produzidos pelo professor José “faz girar experiências mais reais,

menores, nem sempre vistas e valorizadas, mas que estão lá, aqui, além de aqui: em

todos os recantos” (CARVALHO, 2011, p. 20) e que produz subjetividades para além

de toda ordem subjetivante.

O que estamos dizendo é que estes/as professores/as estão criando desde as

margens das políticas educacionais instituídas ações e práticas que não são

necessariamente as esperadas. Suspeitar das práticas disciplinares em ação na escola, de

práticas pedagógicas naturalizadas, da hegemonia da moralidade cristã, representam

tentativas de construção de outros discursos entorno do poder disciplinar, da formação

moral e das práticas pedagógicas no contexto desta escola. Significa que esses/as

professores/as estão instaurando uma discursividade que procura dar visibilidade as

heterogeneidades que circulam na escola. Nesse sentido, pensamos com Carvalho

(2011), que se, por um lado, a identidade imobiliza o gesto do pensamento, por outro

lado, o que esses/as professores/as fazem está sob o ângulo da criação de

descontinuidades que torna “possível empreender nos campos da educação toda a sorte

de acontecimentalização, fazendo ecoar toda a sorte de microcriação” (CARVALHO,

2011, p. 14).

Ainda queremos dizer que as práticas de resistência desses/as professores/as

atingem também as formações discursivas que nomeiam a diferença a partir de

estereótipos. De acordo com Bhabha (1998) o estereótipo é uma estratégia discursiva do

poder colonial, uma forma de conhecimento, que tende a caracterizar a diferença por

traços simplificados, exagerados, instáveis e ambivalentes, mas por serem atribuídos à

natureza dos sujeitos, passam a configurar como fixos e estáveis.

Nesse sentido, o discurso da modernidade tem subalternizado e inferiorizado a

alteridade e tem produzido efeitos ainda hoje nas sociedades. Sobre estes efeitos, a

professora Maria chama atenção, para certos vocabulários, certos saberes ou formas de

narrar que ainda são utilizados na educação escolar, que desqualifica determinadas

culturas por serem formas estereotipadas de narrar a alteridade. Referindo-se a práticas

pedagógicas que alguns/as professores/as adotam para ensinar a cultura indígena, diz

que:

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[...] nas datas comemorativas, chamadas datas culturais, então, dia do índio,

trabalhava assim, as crianças pintavam o indinho, um termo inadequado. Ah!

Porque indinho? Um termo inadequado a gente diminuir, porque não tem o

índio, são povos indígenas, então fica no estereótipo, isso que eu percebi, a

gente usa estereótipos porque é aquilo que a gente tem acesso, de mais fácil

acesso, então é complexo (professora Maria)

A professora Maria tem percebido que no contexto desta escola ainda persistem

práticas pedagógicas em que a diferença é nomeada a partir do discurso da

modernidade. Para essa professora, o termo “indinho” carrega a força desse discurso e

tende a inferiorizar os povos indígenas. Se junta a isso, de acordo com a professora

Maria, o fato de muitos materiais didáticos que chegam à escola ainda reforçarem esses

estereótipos. Ao se referir aos materiais didáticos que a Secretaria do Estado de

Educação (SED) disponibiliza para os/as professores/as, diz conhecer “uma parte, mas

especificamente dos povos indígenas aqui no nosso Estado, é outra história. Eu acho

fundamental para a gente poder falar na sala de aula, desfazer mitos, preconceitos”

(professora Maria).

A convicção com que a professora Maria afirma a necessidade de “desfazer

mitos e preconceitos”, antes de se pensar os materiais didáticos ou as práticas

pedagógicas, mostra a construção de formações discursivas a partir de outras relações

de poder no contexto desta escola. Essas relações de poder que estão sendo construídas

podem produzir uma descontinuidade no discurso hegemônico que, conforme Skliar

(2003) provoque o “pensamento, que retire do espaço e do tempo todo o saber já

disponível; [...] que faça da mesmidade um pensamento insuficiente para dizer, sentir

compreender o que aconteceu” (SKLIAR, 2003, p. 200). Para dizer de outra forma, os

movimentos que os/as professores/as suscitam através de práticas de resistência estão

fazendo da pedagogia escolar, de algum modo, um acontecimento, uma singularidade,

uma multiplicidade, estão fazendo da escola um lugar da diferença.

3- Algumas Considerações

Propomos-nos nesse artigo pensar/problematizar as resistências nesta escola

como práticas de liberdade e não como uma total libertação das relações de poder, pois

as resistências são constitutivas das relações de poder. Pensamos com Foucault (1988),

que são as próprias relações de poder que possibilitam espaços para que as resistências

aconteçam, então não é contra o poder que essas resistências são travadas e sim contra

os seus efeitos e nisso consiste seu potencial de criação e transformação. Nesse sentido,

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o espaço desta escola pode ser entendido como um espaço de tensão entre forças, como

um jogo de forças entre relações de poder e práticas de resistência. Isso mostra a riqueza

e criatividade desse espaço e as possibilidades de mudança que ele proporciona.

Neste contexto escolar, as práticas de resistência em ação mostram que estes/as

professores/as não se deixam envolver facilmente nos grandes discursos das

macropolíticas de uma educação institucionalizada. Pensamos com Deleuze (1992), que

estes/as professores/as através de microações, de micromovimentos, que se dão a

margem de uma educação institucionalizada, fazem suscitar acontecimentos, “mesmo

pequenos, que escapam ao controle, e engendram novos espaços-tempos mesmo de

superfície ou volume reduzidos” (DELEUZE, 1992, p. 218). Os acontecimentos que

estes movimentos suscitam produzem linhas de fuga aos mecanismos de controle e

normalização que possibilitam, conforme diz Johnny Alf na letra da música Eu e a

brisa, que “o inesperado faça uma surpresa e traga alguém que queira te escutar”. Ou

ainda, as práticas de resistência desses/as professores/as às tentativas de

homogeneização das subjetividades fazem desta escola vida, vida que irrompe, resiste,

conquista a educação com sua criatividade, imanência, vontade de potência.

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