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D. JOÃO II Estadista, 1455-1495 Carlos Loures Retrato de D. João II, iluminura da "Crni!a de El-Rei D. João II, de EL #O$%RE& '((I$ O C#'$')' I('%EL DE C'(*EL'... + ' DO * DO 'CO *ECE ... 1455 Em Lis/oa, nas!e o 0l o 2rimo3 nito de D. ' onso ) e de D.Isa/ 0l a do in ante D. edro, tio do rei, 6ue 7iria a reinar so/ o nome d II. - 1481 '!om2an a o 2ai na e 2edi:ão a 'r;ila, sendo a< armado !a7aleiro. - 148= Casa !om D. Leonor, 0l a do in ante D. >ernando. ? nomeado re3ente 2or D. ' onso ). )en!e >ernando o Catli!o na %atal de *oro. - 1488 ? a!lamado rei em (antar m 2or D. ' onso ) ter de!i entrar em reli3ião, mas s 7ir@ a su!eder-l e 7erdadeiramente em 14A morte deste. - 1489 *ratado das 'l!@:o7as, 6ue reser7a a ortu3al o de na7e3ar al m das Can@rias. - 14AB Constru:ão da ortale;a de (ão da $ina. - 14A= Derru/a a !ons2ira:ão da no/re;a e mata o du6ue de ) em 14A4. Dio3o Cão des!o/re a >o; do aire. )ia3em de ' onso ai7a e da Co7il ã ao E3i2to e Eti2ia. - 14A8 %artolomeu Dias do/ra o Ca %oa Es2eran:a. - 149F Casamento do 2r<n!i2e erdeiro, D. ' onso, !o 2rin!esa Isa/el, 0l a dos reis !atli!os. - 1491 O 2r<n!i2e D. ' on num a!idente. - 1494 *ratado de *ordesil as. - 1495 $orte de D. Jo 'l7or. ? OC' CO * R%'D' DE *R' (IGÃO

D. João II

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D. JOO II

Estadista, 1455-1495

Carlos Loures

Retrato de D. Joo II, iluminura da "Crnica de El-Rei D. Joo II, de Rui Pina.

EL HOMBRE! ASSIM O CHAMAVA ISABEL DE CASTELA...

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1455: Em Lisboa, nasce o filho primognito de D. Afonso V e de D.Isabel, filha do infante D. Pedro, tio do rei, que viria a reinar sob o nome de D. Joo II. - 1471: Acompanha o pai na expedio a Arzila, sendo a armado cavaleiro. - 1473: Casa com D. Leonor, filha do infante D. Fernando. - 1475: nomeado regente por D. Afonso V. Vence Fernando o Catlico na Batalha de Toro. - 1477: aclamado rei em Santarm por D. Afonso V ter decidido entrar em religio, mas s vir a suceder-lhe verdadeiramente em 1481, por morte deste. - 1479: Tratado das Alcovas, que reserva a Portugal o direito de navegar alm das Canrias. - 1482: Construo da fortaleza de So Jorge da Mina. - 1483: Derruba a conspirao da nobreza e mata o duque de Viseu em 1484. Diogo Co descobre a Foz do Zaire. Viagem de Afonso Paiva e Pro da Covilh ao Egipto e Etipia. - 1487: Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperana. - 1490: Casamento do prncipe herdeiro, D. Afonso, com a princesa Isabel, filha dos reis catlicos. - 1491: O prncipe D. Afonso morre num acidente. - 1494: Tratado de Tordesilhas. - 1495: Morte de D. Joo II, no Alvor.

POCA CONTURBADA DE TRANSIOD. Afonso V assume a direco do Estado. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.A 4 de Maio de 1455 nasce, em Lisboa, o filho do rei D. Afonso V. Os reinos peninsulares vivem uma crise de crescimento que ir ditar o seu futuro prximo, alargar os limites do mundo conhecido pelos europeus, abrir novas fronteiras ao saber, transformar de forma decisiva a forma de viver das pessoas. 50 anos do sculo XV, viragem na histria do mundo. Em 1453, os Turcos conquistam Constantinopla. Emoo na Europa, marco de separao entre a Idade Mdia e a Idade Moderna. No limiar da Renascena nasce um prncipe que ir ser como que um modelo do governante da poca que, mais tarde, Maquiavel ir fixar na sua obra. Prncipe Perfeito, lhe chama o castelhano Lope de Vega. Designao logo adoptada por outros, e sob a qual acaba por passar histria. Embora nem todos os seus contemporneos o considerem perfeito...

Em 1438 morre D. Duarte. D. Afonso V, seu filho, tem apenas seis anos. Por testamento do rei morto, a regncia deve pertencer a D. Leonor de Arago, a rainha-viva. Porm, enquanto a nobreza exige o cumprimento do testamento, os mesteirais de Lisboa e os povos midos opem-se, acabando por proclamar como regente o Infante D. Pedro, tio de D. Afonso V. A regncia de D. Pedro caracteriza-se pelo incremento das navegaes, pela proteco Universidade, pela compilao das Ordenaes Afonsinas e por mais algumas concesses aos nobres, generalidade dos quais, no entanto, no agrada.

Em 1448, D. Afonso V assume a direco do Estado e a nobreza consolida o seu poder. D. Pedro e os seus partidrios so perseguidos e, em 1448, em Alfarrobeira, o infante e grande nmero dos do seu partido so mortos. A nobreza sai completamente vencedora e at ao fim do reinado de D. Afonso V no cessa de obter grandes doaes, novos ttulos nobilirquicos, novas tenas... Mas em 1455 nasce em Lisboa o futuro D. Joo II. Aquele que ir vingar seu tio-av, o sbio D. Pedro e, submetendo a nobreza, restituir Coroa o poder alcanado pelo Mestre de Avis.

O REINADO DE AFONSO V

O infante D. Joo armado cavaleiro em Arzila. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.

D. Joo II aclamado rei em Santarm. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.

Aps terem tomado Constantinopla, os Turcos cercam Belgrado em 1456. O papa manda pregar uma nova cruzada contra os infiis. Quase todos os soberanos europeus fazem orelhas moucas. S D. Afonso V corresponde ao apelo do papa e promete ir combater os Turcos com um exrcito de doze mil homens, iniciando logo os preparativos. Mas, em 1458, o papa Calisto III morre, a ameaa turca perde fora, e a cruzada cai no esquecimento. As tropas que o rei portugus prometera conduzir aos Balcs esto prontas para defender a Cristandade. Tinham-se feito grandes despesas e para que todo esse esforo no aparecesse como intil, o rei resolve utilizar esses meios numa expedio ao Norte de frica. E conquista a pequena praa de Alccer-Ceguer, no estreito de Gibraltar, em 1458. Em 1463-1464 h nova expedio a Tnger, mas que no resulta. Em 1471, Arzila conquistada e Tnger ocupada. Nesta ltima campanha participa o prncipe que, com 16 anos, se bate corajosamente e armado cavaleiro. So estas expedies a frica que valem o cognome de o Africano a D. Afonso V e que lhe conferem prestgio entre a nobreza europeia. Por isso, uma parte dos nobres castelhanos lhe vem pedir que intervenha na poltica interna do seu pas e que aceite o trono. O rei de Castela, Henrique IV morre. Tem uma filha, Joana, que grande parte da nobreza diz no ser filha do rei, mas sim do fidalgo Beltro de la Cueva. Por isso lhe chamam depreciativamente a Beltraneja. Consideram que a infanta Isabel, irm do rei, a legtima herdeira ao trono. Mas, estando ela casada com Fernando, filho de Joo II de Arago e herdeiro do trono, a sua coroao significar a unio dos dois reinos o que, por outra faco, da nobreza no visto com bons olhos. E D. Afonso V, sonhador e imbudo ainda dos ideais cavaleirescos da Idade Mdia e que, por outro lado, acalenta o sonho da unidade dos reinos peninsulares sob a hegemonia lusitana, arvora-se em defensor dos direitos de Joana, filha de sua irm. Quando D. Afonso V parte na campanha militar contra Castela, em 1475, entrega ao prncipe o poder de reger, governar e defender o Reino. Quando, no ano seguinte, o prprio prncipe parte para Castela em auxlio do pai, entrega a regncia do reino a D. Leonor, sua mulher. Ao entrar em aco no cerco de Zamora, o prncipe vence Fernando o Catlico, na batalha de Toro, embora o resultado global desta batalha seja desfavorvel a Portugal, pois as pretenses de D. Afonso V ao trono castelhano ficam desfeitas.

Ainda em 1475, desiludido, D. Afonso V parte para Frana, onde se vai encontrar com Lus XI, e escreve ao filho, entregando-lhe o reino. D. Joo, que prossegue a guerra com Castela, aclamado rei em Santarm em 1477. Mas, o regresso inesperado do pai, interrompe um curto reinado de quatro dias. Em 28 de Agosto de 1481, D. Afonso V, com 49 anos, morre no Pao de Sintra. E o prncipe seu filho, como nos diz Rui de Pina, com sinais verdadeiros de grande dor e sentimento, vestido de burel, se encerrou em sua cmara trs dias, acabados os quais, vestido ento de vestiduras mui ricas e com a cerimnia costumada, logo no derradeiro dia do dito ms, foi pelos nobres do seu reino, que a se acertaram, levantado por rei, em idade de vinte e seis anos e quatro meses.

SENHOR DOS SENHORES, MAS NO SERVO DOS SERVIDORES

D. Joo II mata o duque de Viseu. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.

Como vimos, D. Afonso V foi prdigo em conceder novos privilgios nobreza, restituindo-lhe o poder que tivera antes da subida ao trono de D. Joo I. Com D. Joo II tudo se ir modificar. A morte de D. Afonso V causa grande consternao. Rui de Pina, Garcia de Resende, Damio de Gois registam nas suas crnicas o desgosto produzido pela morte de um monarca que reinou durante 40 anos sem trazer grandes benefcios ao Pas, mas que era simptico ao povo. Porm, a grande consternao foi sentida pela nobreza que via os seus privilgios em perigo. A bem dizer, desde a efmera abdicao de quatro dias que os fidalgos viviam em sobressalto. No se sabia como iria governar D. Joo. Terminados os trs dias de d, D. Joo aparece para a cerimnia de aclamao que, perante fidalgos e prelados, se celebra com grande brilho em 31 de Agosto de 1481, no recinto do jogo da pla, em Sintra. A, o novo rei convoca as Cortes de vora, que iro realizar-se nos Paos de S. Francisco, em 12 de Novembro do mesmo ano. As cortes abrem com grande solenidade. O doutor Vasco Fernandes de Lucena, chanceler da casa civil, pronuncia o discurso de abertura. E logo aqui fica bem claro que a poltica regalista do anterior rei terminou, que o poder no ir ser partilhado, nem haver fronteiras para as prerrogativas reais. O chanceler conclui a orao dizendo: Quem verdadeiramente obedece ao seu rei faz coisa digna e de sua honra e de seu glorioso nome.. Depois do preito e menagem prestados por cada um dos representantes ao soberano (e todos o prestam, mesmo o duque de Bragana), seguem-se os debates em que os procuradores dos povos falam sem papas na lngua, denunciando abusos dos fidalgos, extorses, violncias e crueldades na cobrana ilegtima de tributos. No se exclui a hiptese de haver um secreto entendimento entre o rei e os procuradores dos povos, dando estes com as suas diatribes pretexto para as medidas que o monarca ir desencadear. Caso se provem os abusos dos nobres contra o povo, o rei pode confiscar todos os bens que se ache serem ilegtimos. No final, o rei agradece o terem falado com tanta clareza e promete enviar corregedores a toda a parte a colher informao de como se faz justia e cumpre a lei no Reino.

a partir da oposio feita pelos nobres interveno dos corregedores nas terras de que so donatrios que se desencadeia a represso. Os espies do rei interceptam cartas do marqus de Montemor, irmo do duque de Bragana, em que proposta a invaso de Portugal pelos castelhanos como maneira de fazer face tirania do rei. Segundo tudo indica, a conjura vem j do tempo de D. Afonso V, pois j nessa altura os Braganas e os seus aliados temem o prncipe. E toda a oposio ao poder real eliminada. O duque, primeira figura da nobreza e dono de grande parte do Pas, considerado estar envolvido na conspirao, sendo julgado e decapitado na praa do Giraldo em vora, perante uma grande multido. A Casa de Bragana extinta e o seu colossal patrimnio absorvido pela Coroa. Historiadores h que afirmam que a honestidade do julgamento no foi exemplar, que houve testemunhas de acusao compradas pelo rei. Em 1484, D. Diogo, duque de Viseu, irmo da rainha, chamado ao pao e a apunhalado pelo rei, pois suspeito de dirigir uma nova conspirao. Muitos membros da nobreza so executados e outros fogem para o estrangeiro. O bispo de vora, homem importante no reinado de D. Afonso V, envenenado na priso. uma depurao executada a frio, que no olha a meios nem observa limites. Diz Rui de Pina que sendo senhor dos senhores, nunca quis nem parecer servo dos servidores. Na realidade, o prncipe perfeito destri o poder dos grandes, mas no se apoia para isso no povo. Todo o poder est concentrado nas suas mos. Agora pode governar.

Ir reorganizar o Estado, estabelecer ou reforar as relaes diplomticas com vrios pases da Europa e, sobretudo, desenvolver a poltica das navegaes iniciada por D. Henrique.

O PLANO DA NDIA

D. Joo II manda construir a fortaleza de S. Jorge da Mina. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.

A assinatura do Tratado de Tordesilhas

Quando, em 1481, D. Joo II sobe ao trono, a gesta dos Descobrimentos e da expanso iniciara-se cerca de sessenta anos antes por iniciativa de seu tio-av, o infante D. Henrique. At a, os marcos principais foram: em 1419, Joo Gonalves Zarco e Tristo Vaz Teixeira desembarcam na ilha de Porto Santo; em 1425, presume-se que ter comeado o povoamento e o aproveitamento agrcola da ilha da Madeira; em 1427, descoberto o arquiplago dos Aores, por Diogo de Silves; em 1434, Gil Eanes transpe o Cabo do Bojador, iniciando o reconhecimento da costa africana; em 1439, o infante D. Henrique autorizado pelo regente D. Pedro a povoar as sete ilhas dos Aores, onde anteriormente se tinham lanado ovelhas; em 1441, a expedio de Anto Gonalves atinge a regio do rio do Ouro e chega at ao cabo Branco. So capturados dois nativos; em 1444, Dinis Dias chega ao promontrio de Cabo Verde; 1455 e 1456, Cadamosto, veneziano ao servio de D. Henrique, descobre algumas ilhas do arquiplago de Cabo Verde; 1456 - viagem de Diogo Gomes, que explora o esturio do rio Geba, na Guin, e acha algumas ilhas bijags; 1460, Antnio de Noli descobre algumas ilhas de Cabo Verde; 1471-72: Joo de Santarm e Pro Escobar, descobrem as ilhas de So Tom e Prncipe; 1472: Fernando P descobre a ilha Formosa (que toma hoje o seu nome); 1474: Lopo Gonalves e Rui de Sequeira atingem o cabo de Santa Catarina. Aps a sua subida ao trono, D. Joo II manda construir a Fortaleza de So Jorge da Mina, na rea do Golfo da Guin.

Apesar de ter sido muitas vezes dito que a tentativa de achamento de um caminho martimo para a ndia faz parte dos projectos do infante D. Henrique, tudo parece indicar que o plano da ndia concebido por D. Joo II quando, ainda prncipe, passa a ter a responsabilidade pela orientao prtica das navegaes. dele que parte a iniciativa de reconhecer as condies fsicas do Atlntico Sul, de que encarrega Duarte Pacheco Pereira, e a deciso de prosseguir cada vez mais para sul as viagens ao longo da costa africana. So tambm deciso sua as duas viagens de Diogo Co, que na segunda atinge como ponto mais meridional a serra da Parda; a viagem de Bartolomeu Dias, que leva, em 1488, navios portugueses pela primeira vez ao ndico; e, tambm, a misso desempenhada por Pro da Covilh que, no Indosto, no Golfo Prsico e na costa oriental de frica, permite recolher preciosas informaes de carcter econmico. Pode parecer estranho que, sabendo, j no incio de 1489, da intercomunicabilidade entre os oceanos Atlntico e ndico, por informaes colhidas em gegrafos rabes, no tenha decidido mandar nos anos que ainda viveu, uma armada para o comprovar. H quem acredite ter havido entre a viagem de Bartolomeu Dias e a de Vasco da Gama armadas secretas. Porm, carecendo essas teorias de prova histrica, mais aceitvel supor que, para concretizao do seu plano da ndia, faltava uma pea essencial: a garantia de que o oceano Atlntico era mar portugus. E s o Tratado de Tordesilhas, em 1494, o garante. D. Manuel vir a colher os frutos e a glria do descobrimento do caminho martimo para a ndia que o Prncipe Perfeito to laboriosa e inteligentemente preparou. Tambm nisso foi venturoso.

O DESFAZER DE UM SONHO

D, Joo II perante o cadver do Filho, quadro de Ernesto Condeixa.

D. Joo II, consolidao do poder real. Constri assim os alicerces de um estado moderno. E na ordem externa lana as bases de uma empresa colonial cujos frutos viro a ser colhidos nos reinados seguintes. Porm, o sonho da unio dos reinos peninsulares sob uma mesma coroa, acalentado por seu pai, no o abandona completamente. Sabe que, com propsitos semelhantes de hegemonia peninsular, aos reis de Castela e de Arago agrada a ideia de casar a sua herdeira, a infanta Isabel, com o infante D. Afonso de Portugal. D. Joo II desenvolve uma estratgia conducente realizao desse casamento, que vir a verificar-se, por entre festejos de grande fausto, em Novembro de 1490.

Pouco tempo ir, no entanto, durar o sonho. Em Julho de 1491 o prncipe D. Afonso morre numa queda de cavalo, beira-rio, perto do pao de Almeirim. Todo o projecto se desfaz. Dominado por uma profunda dor, D. Joo II ainda tenta legitimar em Roma D. Jorge, um filho bastardo. Mas a oposio da rainha e as influncias dos seus inimigos prevalecem. D. Manuel, duque de Beja, irmo do duque de Viseu que o rei assassinara por suas mos, sobrinho-neto de D. Afonso V, est agora na primeira linha da sucesso.

MORREU O HOMEM

D. Joo II examina nas tercenas de Lisboa a construo das naus destinadas viagem de Vasco da Gama (aguarela de Roque Gameiro)

D. Manuel sobe ao trono. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica.

Descobrimento ou conhecimento secreto do Brasil? Poltica de sigilo? Talvez sim, talvez no. O certo que D. Joo II impe um alargamento da rea exclusiva do Atlntico: em vez das 100 lguas a oeste de Cabo Verde, que tinham sido propostas como fronteira martima entre Portugal e Castela, ele exige 370 lguas, abrangendo assim parte da Amrica do Sul. Duarte Pacheco Pereira e Garcia de Resende aludem, de facto a esta tctica de proteco aos avanos nuticos e aos planos de expanso. Por outro lado, o facto de D. Joo II se ter recusado a apoiar a empresa de Colombo, destinada a descobrir terras que iriam cair na posse da Coroa de Castela, parece tambm apoiar a tese do conhecimento sigiloso. Na realidade, os resultados obtidos demonstram a inequvoca existncia de um plano que privilegia o domnio das navegaes na costa de frica e o descobrimento de uma rota para o Oriente.

O Tratado de Tordesilhas, de 1494, realizado j depois da viagem de Colombo, em 1492-93, assegura uma vasta parcela do Atlntico como zona exclusiva da Coroa e confirma tambm a posio de Portugal na sua rota para a ndia. Estabelecida a figura jurdica que se conhece por mare clausum, fica consagrado o direito de as duas grandes potncias da poca condicionar o direito navegao por parte de terceiros, nomeadamente dos ingleses. O mundo no ter sido dividido em duas partes, uma para Portugal, outra para Castela, como afirma a imagem popular, mas o Tratado de Tordesilhas, prodgio da poltica externa de D. Joo II, atribui a Portugal um poder que nunca fora atingido antes por qualquer potncia. Tordesilhas um monumento astcia e viso de futuro do Prncipe Perfeito.

Todavia, internamente, os dios da nobreza espoliada so uma fogueira inextinguvel. O cognome atribudo ao rei por estes o de o Tirano. Logo a seguir s bodas do prncipe, no pao de vora, comea a manifestar-se uma estranha enfermidade no rei. Comeam por ser apenas acidentes e desmaios, mas, por meados de 1495, a doena comea a agravar-se e o seu esbelto aspecto fsico vai-se convertendo num corpo balofo e disforme. So quatro anos de luta entre a doena e a vontade frrea do rei. Suspeita-se, com alguma lgica, de envenenamento. Diz Rui de Pina: Depois do falecimento do prncipe, el-rei, ou pela sobeja tristeza e mortal dor que nele padeceu (como mais de crer), ou por peonha que lhe deram, como alguns sem certido suspeitaram, nunca foi em disposio de perfeita sade.

Ao pr do sol de 25 de Outubro de 1495, com quarenta anos de idade, morre no Alvor D. Joo II, o Prncipe Perfeito, como ficou para a histria. O Tirano, como o considerava a nobreza, cujos poderes despticos esmagou tambm com despotismo. Ou, mais simplesmente, el hombre, como o designou Isabel, a Catlica. Quando lhe trouxeram a notcia da morte de seu primo, ter dito, num misto de tristeza, admirao e alvio:- Morreu o homem!

D. Manuel, duque de Beja, que D. Joo II aps lhe ter morto o irmo, sempre protegera, sobe ao trono. Logo em 1496, a Casa de Bragana restaurada. Os nobres refugiados no estrangeiro comeam a voltar a Portugal. Porm, sob este aparente apagamento das medidas tomadas pelo Prncipe Perfeito, emerge triunfante o valor da sua obra - pouco depois as armadas portuguesas atingem a ndia, espalham-se pelo Oriente, acham o Brasil... Portugal ir viver as dcadas de ouro da sua histria.

FEIES, VIRTUDES, COSTUMES E MANHAS DE EL-REI D.JOO

(UM RETRATO DO PRNCIPE PERFEITO)

Foi el-rei D.Joo homem de corpo, mais grande que pequeno, mui bem feito e em todos os seus membros mui proporcionado; teve o rosto mais comprido que redondo e de barba em boa convenincia povoado. Teve os cabelos da cabea castanhos e corredios e porm em idade de trinta e sete anos na cabea e na barba era j mui co, de que se mostrava receber grande contentamento pela muita autoridade que sua dignidade real suas cs acrescentavam; e os olhos de perfeita vista e s vezes mostrava nos brancos deles umas veias e mgoas de sangue, com que nas coisas de sanha, quando era dela tocado, lhe faziam aspecto mui temeroso. E porm nas coisas de honra, prazer e gasalhado, mui alegre e de mui real e excelente graa; o nariz teve um pouco comprido e derrubado. Era em tudo mui alvo, salvo no rosto, que era corado em boa maneira. E at idade de trinta anos foi mui enxuto das carnes e depois foi nelas mais revolto. Foi prncipe de maravilhoso engenho e subida agudeza e mui mstico para todas as coisas; e a confiana grande que disso tinha muitas vezes lhe fazia confiar mais de seu saber e creu conselhos de outrem menos do que devia. Foi de mui viva e esperta memria e teve o juzo claro e profundo; e porm suas sentenas e falas que inventava e dizia tinham sempre na inveno mais de verdade, agudeza e autoridade que de doura nem elegncia nas palavras, cuja pronunciao foi vagarosa, entoada algum tanto pelos narizes, que lhe tirava alguma graa. Foi rei de mui alto, esforado e sofrido corao, que lhe fazia suspirar por grandes e estranhas empresas, pelo qual, conquanto seu corpo pessoalmente em seus reinos andasse para as bem reger como fazia, porm seu esprito sempre andava fora deles, com desejo de os acrescentar. Foi prncipe mui justo e mui amigo de justia e nas execues dela mais rigoroso e severo que piedoso, porque, sem alguma excepo de pessoas de baixa e alta condies, foi dela mui inteiro executor, cuja vara e leis nunca tirou de sua prpria seda, para assentar nela sua vontade nem apetites, porque as leis que a seus vassalos condenavam nunca quis que a si mesmo absolvessem.