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O conhecimento e os primeiros filósofos 1- Origem do pensamento racional O pensamento racional (que no século V a.C. passou se chamar Filosofia) tem data e local de nascimento: surge na Grécia no século VII a.C tendo como fundador Tales de Mileto, cujas principais indagações eram sobre o surgimento do mundo (cosmologia) e o "que é o ser?" (ontologia). Os primeiros filósofos, chamados pré-socráticos (pois viveram antes de Sócrates), não tinham como preocupação principal o conhecimento enquanto conhecimento. Assim, não indagavam se podemos ou não conhecer o Ser. Simplesmente partiam da pressuposição de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser está manifesto e presente para nós e, portanto, nós o podemos conhecer. Alguns exemplos indicam a existência da preocupação dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui, tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e Demócrito de Abdera. Heráclito de Éfeso, o filósofo pré-socrático do devir (vir a ser; tornar-se), considerava a Natureza (o mundo, a realidade) como um "fluxo perpétuo", o escoamento contínuo dos seres em mudança perpétua. Dizia: "Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos". Parmênides de Eléia, conhecido como fundador da Metafísica (o estudo do ser, ontologia), colocava-se na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, o pensamento não pode pensar sobre as coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias. O ser é, o não-ser não é. Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza conhecida com o nome de atomismo: a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e significa: o que não pode ser cortado ou dividido, isto é, a menor partícula indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e morrem por separação dos átomos. Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença entre perceber e pensar. Pensamos a partir do que percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O modo como os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são? Sócrates e os sofistas Preocupações como essas levaram, na Grécia clássica, a duas atitudes filosóficas: a dos sofistas e a de Sócrates. Com eles, os problemas do conhecimento tornaram-se centrais. Os sofistas, diante diversidades de teorias sobre o Ser, ou dos conflitos entre as várias ontologias, concluíram que não podemos conhecer o Ser, mas só podemos ter opiniões subjetivas sobre a realidade. Por isso, para se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, os homens devem valer-se de um outro instrumento – a linguagem – para persuadir os outros de suas próprias idéias e opiniões. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e a linguagem é mais importante do que a percepção e o pensamento. Em contrapartida, Sócrates, distanciando-se dos primeiros filósofos e opondo-se aos sofistas, afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as ilusões dos sentidos e as das palavras ou das opiniões e alcançar a verdade apenas pelo pensamento. Os sentidos nos dão as aparências das coisas e as palavras, meras opiniões sobre elas. Conhecer é passar da aparência à essência, da opinião ao conceito, do ponto de vista individual à ideia universal de cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e política. Sócrates fez a Filosofia preocupar-se com nossa possibilidade de conhecer e indagar quais as causas das ilusões, dos erros e da mentira. Platão e Aristóteles

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  • O conhecimento e os primeiros filsofos

    1- Origem do pensamento racional

    O pensamento racional (que no sculo V a.C. passou se chamar Filosofia) tem data e local de nascimento: surge na Grcia no sculo VII a.C tendo como fundador Tales de Mileto, cujas principais indagaes eram sobre o surgimento do mundo (cosmologia) e o "que o ser?" (ontologia). Os primeiros filsofos, chamados pr-socrticos (pois viveram antes de Scrates), no tinham como preocupao principal o conhecimento enquanto conhecimento. Assim, no indagavam se podemos ou no conhecer o Ser. Simplesmente partiam da pressuposio de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto

    , presena e manifestao das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o

    Ser est manifesto e presente para ns e, portanto, ns o podemos conhecer.

    Alguns exemplos indicam a existncia da preocupao dos primeiros filsofos com o conhecimento e, aqui, tomaremos trs: Herclito de feso, Parmnides de Elia e Demcrito de Abdera. Herclito de feso, o filsofo pr-socrtico do devir (vir a ser; tornar-se), considerava a Natureza (o mundo, a realidade) como um "fluxo perptuo", o escoamento contnuo dos seres em mudana perptua. Dizia: "No podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as guas nunca so as mesmas e ns

    nunca somos os mesmos".

    Parmnides de Elia, conhecido como fundador da Metafsica (o estudo do ser, ontologia), colocava-se na posio oposta de Herclito. Dizia que s podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idntico a si mesmo, isto , o pensamento no pode pensar sobre as coisas que so e no so, que ora so de um modo e ora so de outro, que so contrrias a si mesmas e contraditrias. O ser , o no-ser no .

    Demcrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza conhecida com o nome de atomismo: a realidade constituda por tomos. A palavra tomo tem origem grega e significa: o que no pode ser cortado ou dividido, isto , a menor partcula indivisvel de todas as coisas. Os seres surgem por composio dos tomos, transformam-se por novos arranjos dos tomos e morrem por

    separao dos tomos.

    Esses trs exemplos nos mostram que, desde os seus comeos, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questo do verdadeiro. Desde o incio, os filsofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que h uma diferena entre perceber e pensar. Pensamos a partir do que percebemos ou pensamos negando o que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepo? O modo como os seres nos aparecem o modo como os seres realmente so? Scrates e os sofistas

    Preocupaes como essas levaram, na Grcia clssica, a duas atitudes filosficas: a dos sofistas e a de Scrates. Com eles, os problemas do conhecimento tornaram-se centrais. Os sofistas, diante diversidades de teorias sobre o Ser, ou dos conflitos entre as vrias ontologias, concluram que no podemos conhecer o Ser, mas s podemos ter opinies subjetivas sobre a realidade. Por isso, para se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, os homens devem valer-se de um outro instrumento a linguagem para persuadir os outros de suas prprias idias e opinies. A verdade uma questo de opinio e de persuaso, e a linguagem mais importante do que a percepo

    e o pensamento.

    Em contrapartida, Scrates, distanciando-se dos primeiros filsofos e opondo-se aos sofistas, afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as iluses dos sentidos e as das palavras ou das opinies e alcanar a verdade apenas pelo pensamento. Os sentidos nos do as aparncias das coisas e as palavras, meras opinies sobre elas. Conhecer passar da aparncia essncia, da opinio ao conceito, do ponto de vista individual ideia universal de cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e poltica. Scrates fez a Filosofia preocupar-se com nossa possibilidade de conhecer e indagar quais as causas das iluses, dos erros e da mentira.

    Plato e Aristteles

  • No esforo para definir as formas de conhecer e as diferenas entre o conhecimento verdadeiro e a iluso, Plato e Aristteles introduziram na Filosofia a idia de que existem diferentes maneiras de conhecer ou graus de conhecimento e que esses graus se distinguem pela ausncia ou presena do verdadeiro, pela ausncia ou presena do falso.

    Plato distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vo do grau inferior ao superior: crena, opinio, raciocnio e intuio intelectual. Para ele, os dois primeiros graus (crena e opinio) devem ser afastados da Filosofia so conhecimentos

    ilusrios ou das aparncias, como os dos prisioneiros da caverna (mundo do sensvel, as aparncias crenas

    e opinies) e somente os dois ltimos (raciocnio e intuio intelectual) devem ser considerados vlidos

    (o mundo das idias o mundo do "eternamente verdadeiro", "eternamente belo" e "eternamente bom" e

    distinto do mundo sensvel no qual vivemos).

    Plato diferencia e separa radicalmente duas formas de conhecimento: o conhecimento sensvel(crena e opinio) e o conhecimento intelectual (raciocnio e intuio) afirmando que somente o segundo alcana o Ser e a verdade. O conhecimento sensvel alcana a mera aparncia das coisas, enquanto o conhecimento intelectual alcana

    a essncia das coisas, as idias.

    Aristteles distingue sete formas ou graus de conhecimento: sensao, percepo, imaginao, memria, linguagem; raciocnio e intuio. Para ele, ao contrrio de Plato, nosso conhecimento vai sendo formado e enriquecido por acumulao das

    informaes trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de uma ruptura entre o conhecimento

    sensvel e o intelectual, Aristteles estabelece uma continuidade entre eles.

    Princpios Gerais:

    Com os filsofos gregos, estabeleceram-se alguns princpios gerais do conhecimento verdadeiro: as fontes e as formas do conhecimento: sensao, percepo, imaginao, memria, linguagem, raciocnio e intuio intelectual; a distino entre o conhecimento sensvel e o conhecimento intelectual; o papel da linguagem no conhecimento; a diferena entre opinio e saber; a diferena entre aparncia e essncia; a definio dos princpios do pensamento verdadeiro (identidade, no contradio, terceiro excludo, causalidade), da forma do conhecimento verdadeiro (idias, conceitos e juzos) e dos procedimentos para alcanar o conhecimento verdadeiro (induo, deduo, intuio). Para os gregos, a realidade a Natureza e dela fazem parte os humanos e as instituies humanas. Por sua participao na Natureza, os humanos podem conhec-la, pois so feitos dos mesmos elementos

    que ela e participam da mesma inteligncia que a habita e dirige.