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Da moral social às leis morais | 1

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Da moral social às leis morais | 1

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Edição e distribuição

Editora EMECaixa Postal 1820 – CEP 13360 ‑000 – Capivari – SP

Telefones: (19) 3491 ‑7000/3491 ‑[email protected] – www.editoraeme.com.br

Capivari-SP– 2013 –

José Lázaro Boberg

Ficha catalográfica elaborada na editora

Boberg, José Lázaro, 1942‑ Da moral social às leis morais / José Lázaro Boberg – 1ª ed. jul. 2013 – Capivari, SP : Editora EME. 256 p.

ISBN 978‑85‑66805‑08‑6

1. Espiritismo. 2. Leis morais. 3. Aplicação das leis de Deus. I. TíTuLo.

CDD 133.9

© 2013 José Lázaro Boberg

os direitos autorais desta obra foram cedidos pelo autor para a Editora EME, o que propicia a venda dos livros com preços mais acessíveis e a manutenção de campanhas com preços especiais a Clubes do Livro de todo o Brasil.

A Editora EME mantém, ainda, o Centro Espírita “Mensagem de Esperança”, colabora na manutenção da Comunidade Psicossomática Nova Consciência (clínica masculina para tratamento da dependência química), e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari-SP.

CAPA | André StenicoDIAGRAMAÇÃO | Victor Augusto BenattiREvISÃO | Lídia R. M. Bonilha Curi

1ª edição – julho/2013 – 4.000 exemplares

Sumário

Prefácio – um livro para o nosso tempo ..........................................9Introdução ..........................................................................................15

1. LEI DA ADORAÇÃO ...................................................................211.1 Objetivo da adoração ............................................................231.2 Adoração exterior ..................................................................291.3 vida contemplativa ...............................................................331.4 Prece .......................................................................................351.5 Politeísmo ...............................................................................391.6 Sacrifícios ................................................................................43

2. LEI DO TRABALHO ....................................................................472.1 Necessidade do trabalho ......................................................492.2 Limite do trabalho. Repouso ...............................................56

3. LEI DE REPRODUÇÃO ...............................................................633.1 População do globo ..............................................................653.2 Sucessão e aperfeiçoamento das raças ...............................713.3 Obstáculos à reprodução ......................................................743.4 Casamento e celibato ............................................................803.5 Poligamia ................................................................................87

4. LEI DE CONSERvAÇÃO ............................................................914.1 Instinto de conservação ........................................................934.2 Meios de conservação ...........................................................974.3 Gozo dos bens da Terra .....................................................1014.4 Necessário e supérfluo .......................................................1054.5 Privações voluntárias. Mortificações ................................108

5. LEI DE DESTRUIÇÃO ...............................................................1135.1. Destruição necessária e destruição abusiva ...................1155.2 Flagelos destruidores ..........................................................1195.3 Guerras ................................................................................1255.4 Assassinato ..........................................................................1275.5 Crueldade ............................................................................1295.6 Duelo .....................................................................................1325.7 Pena de morte ......................................................................135

6. LEI DE SOCIEDADE ..................................................................1416.1 Necessidade da vida social ................................................1436.2 vida de isolamento. voto de silêncio. ..............................1476.3 Laços de família ...................................................................154

7. LEI DO PROGRESSO .................................................................1597.1 Estado da natureza ..............................................................1617.2 Marcha do progresso ..........................................................1667.3 Povos degenerados .............................................................1727.4 Civilização ............................................................................1737.5 Progresso da legislação humana .......................................1777.6 Influência do Espiritismo no progresso ...........................178

8. LEI DE IGUALDADE .................................................................1818.1 Igualdade natural ................................................................1838.2 Desigualdade das aptidões ................................................1868.3 Desigualdades sociais .........................................................1888.4 Desigualdades das riquezas .............................................1908.5 Provas da riqueza e da miséria .........................................1948.6 Igualdade dos direitos do homem e da mulher .............1958.7 Igualdade perante o túmulo ..............................................200

9. LEI DE LIBERDADE ...................................................................2039.1 Liberdade natural ................................................................2059.2 Escravidão ............................................................................2109.3 Liberdade de pensar ...........................................................2129.4 Liberdade de consciência ..................................................2149.5 Livre-arbítrio ........................................................................2189.6 Fatalidade .............................................................................2219.7 Conhecimento do futuro ....................................................2239.8 Resumo teórico do móvel das ações do homem .............225

10. LEI DE JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE ...............................22910.1 Justiça e direitos naturais .................................................23110.2 Direito de propriedade. Roubo ......................................23710.3 Caridade e amor ao próximo ..........................................24010.4 Amor materno e filial ........................................................244

REFERÊNCIAS BIBLIoGRÁFICAS .............................................249

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Prefácio – Um livro para o nosso tempo

Uma das características mais fascinantes do espiritismo é seu amplo potencial de assimilação, mesmo que parcial, por pessoas ou gru‑pos humanos de diferenciados níveis de conhecimento ou padrões de cultura.

Allan Kardec, em inúmeros de seus escritos, se ocupou de dis‑tinguir as diferentes “classes de espíritas”. Desde aqueles que assim se intitulariam pelo simples fato de “crerem nas manifestações dos Espíritos”, como aqueles outros que, de pronto, ou ao longo dos tempos, melhor se capacitariam a compreender os fundamentos e consequências do espiritismo e de pautarem sua vida à luz da ética que dele naturalmente defluiria.

Segundo projetava Kardec, desde que definido o arcabouço doutrinário resultante do intenso labor por ele desenvolvido junto a seus interlocutores espirituais, o espiritismo haveria de ser uma síntese filosófica da própria lei natural. Escrita que se acha na pró‑pria consciência do ser humano (questão 621 de O Livro dos Espí-ritos), a lei natural tem caráter universal, de conteúdo possível de ser de todos conhecido, embora nem sempre e a um só tempo por

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todos compreendido (questão 619). A partir da ideia do “espírito” – “princípio inteligente do Universo” – (L.E. q. 23), impulsionado este pela “inteligência suprema e causa primeira de todas as coi‑sas” – Deus – (L.E. q. 1), propunha-se, ali, na verdade, sob a ampla e abrangente denominação de “espiritismo”, a implantação de um novo paradigma de conhecimento, apto a dar sustentação à ética de um novo tempo cujo amanhecer o ilustrado pedagogo francês e seus parceiros espirituais estavam apenas começando a testemu‑nhar e a interpretar.

Não se tratava, pois, simplesmente de uma nova crença, funda‑da na existência de Deus, dos espíritos, da comunicabilidade destes e de seu destino. Tais postulados, em forma de artigos de fé ou pela força de velhas tradições culturais, todos eles, já estavam presentes nas tantas revelações religiosas e nos sistemas de crenças nelas ins‑pirados. O novo paradigma que se prenunciava não os iria negar e não os queria sepultar como crendices ou mitos a serem esquecidos. Cabia‑lhe, sim, reinterpretá‑los, dar‑lhes um sentido novo, compatí‑vel com os fundamentos científicos da modernidade, especialmente o evolucionismo. Evolução e progresso, aliás, se haviam tornado ideias-chave do século em que o espiritismo veio à luz, e seriam, por conseguinte, ideias fundamentais da doutrina então nascente. A partir da lei natural, “eterna e imutável” (L.E. q. 615) começava a se construir, ali, um conhecimento progressivo, aperfeiçoável na medida e no ritmo em que a inteligência humana, também esta em contínuo evoluir, se capacitasse a melhor compreender e assimilar a própria lei natural.

Projeto assim tão amplo, e tendo por destinatários indivíduos e povos em níveis tão diversificados de consciência, tenderia, ne‑cessariamente, a se fragmentar em conteúdos múltiplos, compatí‑veis com os grupos humanos que se vissem atraídos por questões ali enfocadas. Surgiriam, assim, os diversos “espiritismos”. Alguns deles não se ocupariam senão com os fenômenos produzidos pela

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comunicação espiritual, ou por mera curiosidade, ou, mesmo, ob‑jetivando melhor compreendê-los, através do estudo ou da prática. outros – e, talvez, a maioria – adaptariam suas tradições religiosas às interpretações que lhes era possível fazer da nova “revelação”, dando origem à religião espírita, de tanto prestígio, especialmente no Brasil. À margem desta e de seus mecanismos de instituciona‑lização, inúmeros agrupamentos ritualísticos, seitas, e até igrejas, adotariam, no todo ou em parte, os postulados básicos do espiritis‑mo, denominando-se como tal ou derivando para outras rotulações.

Embora guardando todas as características de uma filosofia uni‑versalista, livre‑pensadora, humanista, racionalista e laica, o espiri‑tismo foi todo ele construído no seio da cultura cristã. Incorporou à sua doutrina moral, sem restrição, aquilo que de melhor legou o cristianismo à Humanidade: o sentimento de amor ao próximo, de solidariedade humana, de respeito ao semelhante. Ademais, elegeu a luminosa figura de Jesus de Nazaré como modelo e guia da Hu‑manidade. Dentre os livros básicos escritos por Allan Kardec, um se ocupou exclusivamente dos ensinos de Jesus, deles extraindo, justamente, os conceitos de moral aplicáveis a todos os quadrantes e a todas as culturas humanas, independentemente de suas cren‑ças religiosas.

Todos os aspectos acima recordados levaram à construção de uma riquíssima cultura evangélica, no meio espírita. Moral espírita e moral evangélica passaram a ser tidos praticamente como sinôni‑mos. O livro O Evangelho segundo o Espiritismo, é, comumente, apon‑tado como aquele onde estariam contidos todos os fundamentos da moral espírita. Com isso, surgiu uma tendência, no meio espíri‑ta, de quase esquecimento e relativo desinteresse pelo estudo mais aprofundado do rico conteúdo filosófico/moral da 3ª parte de O Livro dos Espíritos: “Das Leis Morais”.

Com efeito, quando se trata de enfocar o que se chama de con‑sequências ético-morais do espiritismo, somos levados, o mais das

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vezes, a repetir e comentar edificantes passagens dos Evangelhos. Mas, experimentamos, quase sempre, dificuldades em conectá-los com as grandes demandas de nosso tempo, embasadas em moder‑nas construções históricas, sociológicas, antropológicas, sociais ou políticas a partir de valores como liberdade, igualdade, justiça para todos, etc. De Jesus à modernidade contemporânea, onde está o es‑piritismo inserido, o mundo transformou-se radicalmente. A siste‑matização da doutrina espírita deu‑se no limiar de um tempo de profundas mudanças no campo das ciências físicas e humanas. O evolucionismo, a psicologia, o reconhecimento dos direitos funda‑mentais do ser humano, o advento do moderno estado democrático de direito, entre outros, se constituíram em fatores que transforma‑ram a maneira de o homem ver‑se a si próprio e se relacionar com os outros, tanto no plano pessoal como coletivamente. O Livro dos Espíritos, na parte destinada ao enfoque moral, acompanhou essas transformações e, em muitos casos, antecipou conceitos que só dé‑cadas após haveriam de ser implementados pelos costumes e pelas leis positivas do Estado moderno.

A obra que, agora, nos chega às mãos está perfeitamente sinto‑nizada com essas tendências éticas e sociais defendidas ou prenun‑ciadas pela 3ª parte de O Livro dos Espíritos. Seu autor, o jurista e fecundo pensador espírita José Lázaro Boberg, trabalhou com au‑toridade, competência e profundidade, cada uma das dez leis mo‑rais propostas por Kardec aos espíritos na questão 648, e, a partir dali, dialeticamente discutidas, na forma de perguntas e respostas. Para dar a abrangência e a fundamentação devidas a cada um dos conceitos expostos, o autor trabalhou convenientemente o concei‑to espírita de divindade magnificamente formulado na primeira questão de O Livro dos Espíritos: “Deus é a inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas”. Esse conceito de Deus é, na cul‑tura ocidental e cristã, profundamente revolucionário e inovador. Adotando a filosofia deísta em contraposição às teorias teístas da

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velha tradição judaico‑cristã, essa conceituação promove a ruptura dialética com a figura bíblica do deus pessoal, aquele que tudo fez, que a tudo e a todos vigia, que concede graças, faz milagres, e que tem como característica essencial o voluntarismo incompatível com a racionalidade da lei natural.

Boberg reconhece que, apesar do escorreito conceito deísta da questão inaugural de O Livro dos Espíritos, naquela mesma obra, Kardec e os espíritos tiveram, necessariamente, de recorrer, peda‑gogicamente, a velhas formas teístas, como as de culpa e castigo, prática do bem e recompensa, para operarem a transição que a filo‑sofia espírita propunha. Era a maneira de se tornar compreendidos, limitado que estavam pelas contingências de tempo, lugar e cultu‑ra vigente.

Bem fixadas as bases de um Universo originado de uma inteli‑gência suprema (Deus) que fora a causa primeira do princípio in‑teligente desse mesmo universo (o espírito), compreensível será a existência de leis naturais, também inteligentes, que regem tudo o que existe, numa perspectiva teleológica, isto é, visando a um fim harmônico, no rumo da perfeição. Está aí o caráter revolucionário, transformador, progressista e profundamente filosófico do espiri‑tismo, em contraste com a natureza fortemente conservadora das religiões. O espírito, não importa se encarnado ou desencarnado, nesta ou em outras dimensões, está sujeito a leis naturais, de caráter universal. Na medida em que a elas se vai conformando, passa a ser o próprio construtor de seu destino, de sua sorte futura, dentro de mecanismos que o impelem ao progresso, mesmo que a ele resista. Nessa perspectiva, progresso é lei que impulsiona o espírito pelo desenvolvimento da inteligência e da moral, perfectíveis ambas, mas sempre no ritmo imposto pelo livre-arbítrio do indivíduo.

Mesmo se reconhecendo a importância de guias, modelos, re‑velações religiosas, capazes de oferecer opções e caminhos de cres‑cimento, uma doutrina com essas características desloca para a

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responsabilidade do próprio ser inteligente a sua sorte presente e futura. Fá-lo livre. E, porque livre, responsável. Liberdade e respon‑sabilidade estão, assim, na base da concepção moral espírita.

o autor desta excelente Da moral social às Leis Morais apreendeu, com rara felicidade, essas características filosóficas do espiritismo. Poucos autores, no meio espírita, fizeram interpretações assim tão ricas em torno, justamente, do aspecto mais revolucionário do es‑piritismo, aquele que enseja a aplicação prática do conhecimento como fator de transformação pessoal e coletiva, e que, por isso, me‑rece ser proposto como um novo paradigma, marco de um tempo com o qual todos sonhamos e que poderá se constituir na Era do Espírito.

Pode-se mesmo afirmar que nenhum autor, antes de José Lázaro Boberg, analisou de forma tão sistemática e detalhada, como ele o fez, cada uma das dez leis morais arroladas e comentadas na 3ª par‑te de O Livro dos Espíritos. Eis aqui um testemunho vivo, atualizado, compatível com nosso tempo, da excelência e da perenidade das leis que regem o Universo e do esforço desenvolvido pelo espiritis‑mo para melhor interpretá‑las em prol da felicidade do ser humano e do progresso do planeta que lhe serve de morada provisória.

Milton R. Medran Moreira Centro Cultural Espírita de Porto Alegre

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Introdução

Antes do desenvolvimento deste trabalho, referente ao livro Da moral social às Leis Morais, informamos que os alicerces das ideias sobre este assunto foram tratados em profundidade no livro Leis de Deus – eternas e imutáveis –, publicado por esta editora. Acreditamos que a leitura desse livro anterior oferecerá pré-requisitos para as reflexões sobre o teor do presente. É óbvio, todavia, que, diante das constan‑tes remissões que fazemos aqui, citando conceitos subsidiá rios da obra anterior, o leitor estará munido de recursos que facilitarão a apreensão do sentido dos conceitos expendidos. Faremos comen‑tários sobre o capítulo II, Terceira Parte, nas questões de 649 a 892, de O Livro dos Espíritos. Assim, se você tem interesse de estudar e adquirir maior compreensão sobre esta importante parte de O Livro dos Espíritos “comece pelo começo” – usando de uma expressão de Kardec – lendo, antes, As Leis de Deus – eternas e imutáveis –, uma fonte de reflexão que sedimenta o entendimento deste estudo.

Com o estudo deste livro Da moral social às Leis Morais, você terá o complemento da análise desenvolvida em toda Terceira Parte de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. Primeiro, alertamos que

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nossos estudos estão assentados no conceito expresso pelos Espíri‑tos interlocutores do codificador, tendo como ancoragem a questão n.º 1, quando expressam que “Deus é a inteligência suprema e cau‑sa primeira de todas as coisas”. Excluímos – embora, respeitemos todos aqueles que ainda O entendam assim –, o Deus antropomór‑fico. Nossas reflexões não se embasam nas afirmativas bíblicas que fazem de Deus uma ‘pessoa’, que monitora os mínimos atos das criaturas, ora ‘proibindo’, ora ‘autorizando’, ora “condenando”, ora “perdoando”. Esta é a tese teísta, defendida pela grande maioria cristã, em suas variadas linhas de manifestação de fé. Continuamos assim, tendo por suporte para as reflexões, a teoria deísta, adotada pela doutrina espírita, desde o conceito inicial, em sua abertura, na citada primeira questão de O Livro dos Espíritos. Calcado neste pres‑suposto – aceito, como lógico e racional – que a presença de uma Inteligência Suprema se expressa por um conjunto de leis que rege a Natureza, sem qualquer ação intercessória da divindade. Atente‑-se que, se tal interferência ocorresse, acabaria o livre-arbítrio, com a derrogação das Leis, e elas deixariam de ser “eternas e imutáveis”.

A Moral é o fim supremo da educação, pois o homem é um ser essencialmente Moral. O ser humano, sendo perfectível, carrega, sem exceção, em si, o germe da Perfeição. Todas as faculdades exis‑tem em estado rudimentar (ou latente), e serão desenvolvidas, por esforço próprio, conforme as circunstâncias lhe sejam mais ou me‑nos favoráveis, em sua trajetória evolucional multimilenar, rumo à Perfeição infinita. Assim, a Moral existe em todos, em estado dor‑mente, tanto que já se encontra no selvagem como o princípio do perfume está no germe da flor, antes de ela desabrochar, como ensina Kardec, em O Livro dos Espíritos (Questões 754 e 776). Cabe, en‑tão, a cada Espírito, que inicia sua trajetória evolucional, de forma “simples e sem conhecimento”, a responsabilidade de desenvolver, através de múltiplas existências, gradativamente, este potencial in‑terior, que Jesus cognominava Reino de Deus dentro de cada um.

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Para fins didáticos, quando, nesta obra, nos referirmos à Moral (letra M maiúscula) estamos tratando das Leis Naturais, Moral cós‑mica, ou Filosofia Moral, tendo sentido de Lei Universal, presente, em germe, em todas as criaturas, pois as Leis da Natureza “estão inscritas na consciência” (Questão 642). Atente que essas Leis do Universo – perfeitas, eternas e imutáveis – são denominadas pelo Espiritismo de Leis Morais. Por outro lado, o termo moral (letra m minúscula) será empregado no sentido de moral social ”a regra do bem proceder”, conforme ensinaram os Espíritos, “O bem é tudo o que está conforme a Lei de Deus e o mal, tudo o que é contrário”. Esta moral – ideia de bem e mal – será sempre relativa ao estágio evolutivo do Espírito; ela está sujeita a mudanças sociais, resultante da educação, da influência do meio, etc. A Moral – Leis Naturais – consiste em parâmetro para que o Espírito, pouco a pouco, caminhe em busca de seu aperfeiçoa‑mento. Quanto mais próxima está a criatura da Moral, mais feliz é. A moral é mutável, conforme o paradigma estabelecido pela sociedade, ao qual, cada ser, gradualmente, se adapta. É sob esta ótica que afir‑mamos que ‘a Lei Natural não é moral’, quanto ao sentido em que é usualmente empregada, isto é, que a Justiça Celeste seria um foro de julgamento das ações do bem e do mal, praticadas pelas criaturas. No entanto, o julgamento da moral em confronto com a Moral ocorre no Tribunal da Consciência. (Sugerimos a leitura da lição n.º 19, em nosso livro As Leis de Deus – eternas e imutáveis).

Toda a Moral espírita exposta, em especial, na 3ª parte de O Livro dos Espíritos é um tratado de Direito Natural. Tanto assim é que, via de regra, a primeira pergunta formulada por Allan Kardec aos Espíritos coadjutores, na análise de cada uma das 10 Leis Morais, busca a inser‑ção destas mesmas na Natureza. O codificador não se apoiou na ideia de que elas eram “revelações divinas”, mas buscou, no diálogo com os Espíritos, a confirmação daquilo que seu espírito pesquisador, pela lógica, aceitava, reconhecendo que os fundamentos delas estavam na própria Natureza. Pergunta ele aos interlocutores: – A adoração é um

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sentimento inato? – A necessidade do trabalho está na Natureza? o progresso é uma lei natural? E a liberdade? E a reprodução? E a igual‑dade? ..., e, assim por diante. Esta Moral, inscrita na Natureza, está esculpida na Consciência em estado latente, tal como a semente que guarda em si mesma as qualidades da árvore adulta; ela vai, numa ação lenta e progressiva, sendo dilatada pelo Espírito em seus avan‑ços ao longo de inúmeras existências, na esteira do tempo. Os valores da consciência acompanham em todas as dimensões nas quais se ma‑nifesta a verdade íntima, construindo o código de conduta pessoal.

Assim, ao dividir as leis, em Naturais (ou Divinas) e humanas, apenas o fizemos, como recurso pedagógico, para facilitar o en‑tendimento. Na verdade, a Lei Natural, sendo eterna e imutável, é parâmetro universal para a elaboração das leis humanas, que se modificarão, paulatinamente, à medida da evolução dos próprios legisladores humanos. Do Direito Natural, ou seja, daqueles valores universais promanam as normas que devem reger uma sociedade e aos quais deve o Direito Positivo manter-se fiel. O Direito Positi‑vo, a partir dessas ideias, só é legítimo se estiver em conformidade com esse Direito Natural. Ele, assim, pré-existe a qualquer ordem jurídica ou a qualquer regramento. Os Espíritos confirmaram este conceito, ao dizerem que “a Lei Natural está gravada na consciência do homem”.

A Justiça Divina ou Natural rege todo o universo, independente‑mente da legislação humana. Ela tem mecanismos próprios de equili‑bração do Espírito, quando se afasta de seu alinhamento vibracional. Possui ela força imperativa. Dizem os Espíritos que o homem “só é infeliz quando dela se afasta” (Questão 614). Desta forma, por esta mecânica, a pena do afastamento é a infelicidade, ocorrendo na própria consciência do ser. Assim, a distinção feita pela doutrina entre Direito e Moral de que o primeiro é coercitivo e a segunda, não, desaparece, pois a Moral gera também penalidade, no âmbito da consciência, que é o sofrimento (infelicidade) pela ação contrária à Lei. No entanto, essa

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coercitividade está vinculada ao tempo de entendimento de cada um, e ocorre a todo instante, pela lei de causa e efeito.

A Moral Espírita está na própria Lei Natural, ela que indica “o que devemos fazer ou deixar de fazer”, conforme questão 614, de O Livro dos Espíritos. Não se trata tão somente de uma ética espírita; ela não é cristã, não é budista, não é islâmica, não é judaica: ela é universal. Ela é válida para toda a Humanidade. O escritor Medran, em entrevista ao site ‘Pense’ – http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1347.html – assevera que: “As doutrinas, as culturas, os ordenamentos religiosos e legais são imperativos mais ou menos fiéis a essa ética universal. Na medida em que dela se aproximam experimentam um processo evolutivo. Mas, especialmente as religiões, funcionam frequentemen‑te como forças de contenção desse processo evolutivo que busca a ple‑nitude da ética universal. Adotando como definitivos alguns regra‑mentos próprios de uma época e que visavam a atingir alguma etapa já superada, as religiões são forças contrárias à evolução. Retardam a ‘compreensão’ da Lei Natural, embora esta já seja “conhecida” pelo espírito imortal. Esse ‘conhecimento’ de que fala O Livro dos Espíritos, às vezes é meramente intuitivo, está na consciência, mas não se trans‑forma em norma de ação, por falta de condições subjetivas ou mesmo, objetivas, culturais, religiosas ou sociais”.

O objetivo deste livro é, portanto, refletir sobre a moral humana a caminho da Perfeição – Leis Morais. Ancorando-se nelas, como um roteiro seguro a ser seguido, o ser adapta‑se, gradativamente, num continuum infinito, na busca da felicidade. vamos, então, desvestidos de todo dogmatismo e mitos que as teologias nos impingiram, duran‑te tanto tempo, buscar o crescimento efetivo em Espírito e verdade.

José Lázaro Boberg Rua Dois de Abril, 488

86400-000 – Jacarezinho-PR. E-mail: [email protected]

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1. LEI DA ADORAÇÃO

Objetivo da adoraçãoAdoração exteriorVida contemplativaPrecePoliteísmoSacrifícios

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1.1 Objetivo da adoração

No sentido etimológico, adorar, do latim adorare, é amar profun‑damente; ter grande admiração, apreço, identificação com (algo ou alguém); idolatrar (algo, alguém) por tê-los como veneráveis. Tem‑se assim, a adoração, às vezes, até com idolatria, a um cantor, a um escritor, a um artista, a um líder religioso, entre outros. No sentido religioso, é prestar culto a Deus. Este é o sentido utilizado pelos antigos, e também, em grande parte, atualmente, quando paralisamos nossas atividades terrenas para prostrar‑nos, diante da imagem que criamos de Deus. E, para isso, ajoelhamo-nos, em atitude de prece, buscando inspiração divina.

Cada qual, segundo o seu entendimento, executa atos diversos de adoração. Incensar, louvar, praticar penitências, acendimentos de velas, tudo com o intuito de ‘agradar’ a Deus, esperando as bênçãos dos Céus, para a concretização dos seus desejos. Este tem sido – no geral – o sentido empregado pelas criaturas para ‘adorar’ a Deus. Com este objetivo, construímos “altares de ouro, de mármore, de madeira, de barro, recamados de perfumes, preciosidades e flores, santuários e convocamos o concurso da arte para os retoques de iluminação artificial e beleza exterior.”1 No início, dada a imaturidade, ainda precisamos dos templos de pedra e altares, para despertarmos a consciência. “Ensinam os Espíritos que a adoração faz parte da Lei natural. É por isso que encontramos a adoração entre todos os povos, embora de formas diferentes”.2 Este sentimento natural está impresso no espírito, não imposto pela educação, ou seja, pelas tradições nem pelos valores intelectuais,

1 XAvIER, Francisco Cândido, pelo espírito Emmanuel. Fonte viva, lição 93.2 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 652

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morais e religiosos. Essa noção faz parte do sentimento natural gravado no imo da Humanidade.

Perfilhamos o pensamento de Eugênio Lara,3 quando expressa, de forma lógica e racional: “Na história da Humanidade nunca existiu algum povo que fosse ateu. O ateísmo é um fenômeno recente. Essa busca do divino, do transcendente, natural no ser hu‑mano, é um fato instintivo. Assim como o instinto de conservação, o de reprodução, o princípio inteligente tem em sua estrutura, no seu âmago, o que o Espiritismo denomina de instinto de adoração. ou seja, a religião não é tão somente um fato cultural, ela se origina dessa necessidade básica, instintiva do ser humano em buscar o sa‑grado, a transcendência, que muitos denominam de religiosidade ou espiritualidade, termo este mais adequado e menos comprometido. A religião não surge somente do medo, como diz Bertrand Russel, mas fundamentalmente desse sentimento íntimo, instintivo, crava‑do na consciência de todos nós”.

No entanto, não é somente neste sentido que entendemos a “ado‑ração” a Deus. Com o tempo, crescemos em espírito e adquirimos melhor compreensão. Aliás, isto é natural, pois faz parte do proces‑so evolutivo, já que a evolução é mudança constante, cada vez um pouco mais, sempre. Primeiro, queremos deixar sacramentado que o nosso pensar baniu o Deus ‘pessoa’, como as religiões, em sua grande maioria, insistem, mas, O entendemos como “inteligência suprema e causa primária de todas as coisas”,4 como ensinaram os interlocutores espirituais de Kardec, logo na abertura da elaboração de O Livro dos Espíritos. Nesta questão, o codificador, sabiamente, pergunta: “Que é Deus?”, e não “Quem é Deus?”, patenteando que o Espiritismo não vê ‘Deus’, como pessoa, mas, despersonaliza a divindade com a indagação, ‘Que é’ e não ‘Quem é deus’. Assim,

3 Fundador e editor do site Pense – Pensamento Social Espírita, www.viasantos.com/pense.

4 Questão n.º 1 de O Livro dos Espíritos.

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embora, cada um ‘veja’ Deus conforme o seu entendimento, no fun‑do, toda transformação que venha a ocorrer na pessoa, pela prece, é fruto de transformação interna, e não por força externa. Atentemos que “a Lei Natural (ou de Deus) é eterna e imutável, como o próprio Deus (ou Natureza)”.5 Assim, conforme afirmamos em nosso livro A oração pode mudar sua vida, a Lei não muda para atender aos nossos rogos; somos nós que nos transformamos, pelas nossas mutações comportamentais, de forma natural e gradativa, continuamente.

Ensinam os Espíritos que “a ado‑ração é caracterizada pela elevação do pensamento a Deus.” Como se eleva o pensamento? Será que isto acontece, somente quando, em mo‑mentos especiais, nos isolamos men‑talmente do mundo, e, por sintonia, alinhamo‑nos com a Lei? Sem dúvida esta posição é uma das modalidades da adoração, mas não só. É neste ân‑gulo que encontramos a recomendação de Jesus, “Tu, porém, quan‑do orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará”.6 Nesta ótica, a criatura escolhe um “lugar à parte”, fora de barulho do mundo, e, no secreto, entra em alinhamento vibracional com as Leis da Alma.

É o momento de suprema importância, quando, diante do altar da consciência, fazemos o balanço de nossas ações, prometendo a nós mesmos a substituição do ódio pelo amor, da discórdia pela paz, da perturbação pela serenidade, do mal pelo bem... Depois

5 Idem, ibidem. Questão 614.6 Mateus, 6:6.

Essa busca do divino, do transcendente,

natural no ser humano, é um fato instintivo.

Assim como o instinto de conservação, o de

reprodução, o princípio inteligente tem em

sua estrutura, no seu âmago, o que o

Espiritismo denomina de instinto de adoração.

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disto, é preciso exercitar, colocando em prática nossas promessas, para que, gradativamente, tais mudanças se operem. Dizemos, en‑tão, que “Deus atendeu os nossos pedidos”, quando, no entanto, inconscientemente, foi decisão individual, pois, conforme nos en‑sinam os Espíritos, a Lei não muda, somos nós mesmos que mu‑damos; é o Espírito que, por esforço próprio, com base no livre‑‑arbítrio, constrói o seu patrimônio, enfrentando a dialética da lei de causa e efeito, que rege a nossa existência.

Dessa forma, com a elevação do padrão vibratório, no estágio da evolução em que nos encontramos, alinhamo-nos com a Alma do Universo, inseridos que estamos, tais como os ‘peixes no Oceano’. Este alinhamento ocorre pela ação, quando, no enfrentamento dos óbices naturais, superamos, gradualmente, nossas imperfeições. Embora louvável e até necessário reservarmos um espaço de tempo, em algum lugar à parte, isolando‑nos do burburinho da sociedade, para falar com Deus na intimidade, não podemos restringir esta ati‑vidade, tão somente, ao ato de orar. Após pacificarmos o coração em desarmonia, pelo desequilíbrio emocional, é preciso colocarmos em prática, experimentando, testando, nossas condições diante das refregas do cotidiano. Daí o termo ‘oração’ ter o sentido de ‘colocar em ação o que se ora’. Só orar e não agir é inócuo. Daí dizer Em‑manuel: “Apresentemos ao Senhor as nossas oferendas e sacrifícios em cotas abençoadas de amor ao próximo, adorando‑o, através do altar do coração, e prossigamos no trabalho que nos cabe realizar”.7 A expressão “Senhor” deve ser interpretada como as “Leis do Uni‑verso”, expressão da Inteligência Suprema.

A adoração é um sentimento inato, pois trata‑se de uma Lei Na‑tural. Os Espíritos, no diálogo com Kardec, informam que a ado‑ração, bem como as demais Leis Morais, têm seus fundamentos na própria Natureza. A condição de seres perfectíveis rumo ao Infinito,

7 Idem, ibidem, lição 93.

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leva os Espíritos, gradativamente, pelo mecanismo da ação e reação, à aproximação constante com as Leis do Universo. Adoração é o resultado de um sentimento natural no homem, encontrando‑se em todos os povos, ainda que sob formas diferentes, dado o estágio cul‑tural de cada um. Estas Leis Naturais, sendo universais, são fontes para a criação do ordenamento jurídico de todos os povos, e de todo e qualquer regramento moral humano. Estando gravadas na cons‑ciência, cabe, assim, a cada um, no seu devido tempo, captar pela abertura de recipiência íntima, canais de sintonia. Quando desali‑nhamos com essas Leis, não temos qualquer punibilidade de Deus, mas, por mecanismos imanentes (ação e reação), na própria cons‑ciência, entramos em sofrimento; ela (a Lei) indica-nos o que fazer ou não fazer, já que “o homem só é infeliz quando dela se afasta”.8 Esta infelicidade impulsiona o ser para o reequilíbrio contínuo na construção de suas aspirações superiores no processo evolutivo.

Assim, o homem, desde os tempos imemoriais, por sentimento inato, busca a Deus, representado pelas Leis Naturais. Dizemos que é uma ‘adoração’, mas na realidade, é algo imanente, que ocorre de forma natural, à medida que o ser em crescimento sente a necessi‑dade, pelos mecanismos da lei de causa e efeito, de equilibrar-se, embora de forma provisória – em sua contínua ascensão às bem‑-aventuranças, incessantes, aqui e agora. Essas correções e felicida‑de relativas não são transferidas para o futuro, como as regras teo‑lógicas estabeleceram, mas em todos os instantes da vida, quando, por descobertas próprias, de acordo com estágio do entendimento. o homem nas fases iniciais o adora, no intuito de ‘transferências’ de seus problemas, usando de vários artifícios externos. Na verda‑de, todas as características atribuídas a Ele são, no final de tudo, projeção externa dos próprios interesses; o sábio o reverencia pe‑las suas realizações; Jesus, fazendo a Sua vontade (no sentido de

8 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 614.

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respeito à Lei), opera sempre em favor da harmonia universal. Os homens elevados formalizam tal respeito pela sua vida contínua no bem comum.

Nesta linha de compreensão, entendemos que a verdadeira ‘adoração’ se materializa no amor, que expressamos ao próximo. “Aquele que ama a Deus, mas despreza o seu irmão é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu.”9 veja quanta verdade traz esta frase atribuída ao evangelista João. Como adorarmos a Deus, que nunca vimos, se desprezamos o irmão, que está ao nosso lado? É realmente uma mentira, ou hipocrisia por parte daquele que diz adorar a Deus. ora, Deus não sendo pessoa, mas a própria alma do universo, pela lógica, só demonstramos felicidade, quando estivermos em sintonia com a Lei, como consequência da ação benfazeja, junto aos compa‑nheiros de jornada. Na verdade, podemos adorar a Deus, no altar de nossa preferência, da maneira como quisermos, contudo se não amamos o próximo, não abrimos ‘espaço’ para a presença do Amor em nossos corações.

Assim, só efetivamente adoramos a Deus, quando nos manifes‑tamos, não só por palavras, mas por atos, que expressem nossa ação do bem. A prática do bem denota que a criatura está em harmonia com as Leis do Universo, no estágio de sua evolução. Quem o plan‑ta no Banco da vida sempre recebe, não importa o dia nem a hora. Façamos, então, o melhor que pudermos, porque todo bem funcio‑na como o nosso mais eficiente advogado em todas as circunstân‑cias. Se não damos o pão a quem tem fome, não vestimos os neces‑sitados, não visitamos os doentes, não oferecemos o ombro amigo aos desesperados, não conquistamos créditos para o contato com a Energia Divina. Lembremo-nos do conselho dos Espíritos: “é pre‑ciso fazer o bem no limite de suas forças, pois cada um responderá,

9 1 João 4:20.

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por todo o mal que haja resultado de não ter praticado o bem”.10 Dessa forma, a adoração se concretiza quando criamos créditos pe‑los pensamentos, solidificados no amor e nos gestos de caridade.

1.2 Adoração exterior

Quando nos referimos à adoração exterior, vem‑nos à mente a velha prática de prostrar‑se diante de altares, objetos exteriores, ou de imaginar‑se na presença de alguma força externa e, em especial, a divindade, conforme o estágio de entendimento. Com o desenvol‑vimento da inteligência e com a percepção mais acurada, aprende‑-se, cada um a seu tempo, que a comunicação com Deus prescinde de qualquer adoração exterior. Todavia a mudança de atitude não ocorre de forma abrupta, como um trovão em céu sereno. É fru‑to de longa empreitada pelos caminhos da evolução, em estágios milenares. Daí por que, temos que respeitar o status quo11 de cada um, já que muitos ainda precisam de certos recursos externos para esta sintonia íntima. Quantas pessoas chegam à Casa Espírita, mas profundamente ligadas às religiões de imagens, não se sentem bem, dada a ausência de um objeto catalizador, tendo, assim, dificulda‑des de ali permanecer. São criaturas que ainda necessitam de arri‑mos materiais para o despertamento da fé.

Atente-se que o próprio desenvolvimento da inteligência passa por fases de preparação, até atingir patamares mais elevados. É o que ensina Piaget, sobre as etapas do desenvolvimento da Inteli‑gência. Depois de passar por estágios preparatórios (sensório-mo‑tor – 0 a 2 anos) e pré‑operatórios ( 2 aos 7 anos), inicia‑se para o Espírito, aproximadamente, aos 7 anos, a fase da “lógica concreta”, em que as operações mentais desempenhadas estão intimamente

10 Questão 642, de O Livro dos Espíritos.11 Expressão latina que designa “o estado atual das coisas”.

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relacionadas com objetos e operações concretas. O Espírito, nesta fase, é incapaz de aprender conceitos abstratos, necessitando do apoio de objetos concretos. Uma vez formado conceitos, através do concreto, prepara-se para a etapa seguinte. Isto vai até aos 11/12 anos, quando, com base em estruturas mentais anteriores, adquire condições de pensar, sem a presença do objeto, ou seja, por meio de raciocínios abstratos.

No geral, dos 12 anos em diante, o ser em crescimento entra no estágio de operação abstrata, em que o Espírito raciocina por hi‑póteses, pois os esquemas mentais, já mais maduros, começam a raciocinar sem a presença do objeto. É capaz de afirmar: Se a é igual a B, e se B é igual a C, então, a é igual a C. Esta conquista, porém, sempre de forma lenta e gradual, depende de estruturas mentais anteriores, que passarão a servir de base para a construção de ou‑tras estruturas em níveis superiores. Entenda-se, todavia, que essas estruturas mentais não se referem a meros conhecimentos acumula‑dos, mas à capacidade de realização, diante de desafios constantes. A natureza não dá saltos, já ensinara Léon Denis. Por esse motivo, temos de respeitar todas as pessoas, em suas fases do crescimento espiritual, em suas escolhas, sem violência ou imposição de qual‑quer tipo.

Assim, comparativamente ao desenvolvimento individual da inteligência, o processo evolutivo da Humanidade é bastante se‑melhante a essa teoria de Piaget. Muitas criaturas se encontram, em relação à evolução espiritual, mesmo após experiências multimile‑nares, ainda presas à adoração exterior, por questão de tempo de maturidade em sua escala ascensional, rumo ao Infinito. Necessi‑tam, então, de imagens e objetos exteriores para despertar os me‑canismos ínsitos em sua intimidade. Desta forma, motivações ex‑ternas, como altares, imagens, rituais despertam os Espíritos, nesta fase evolutiva para a reflexão. Sem a presença visual de objeto ex‑terno, encontram dificuldades de formar conceitos mais profundos,

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já que é desta maneira que conseguem entrar em contato com a di‑vindade. Forçar uma situação é querer queimar etapas, é ir contra a natureza do processo evolutivo, além de faltar com a caridade e o respeito com a criatura. É preciso, pois, dar tempo ao tempo, sem forçar nada, para que a criatura cresça por si mesma, de acordo com sua maturidade. Neste sentido, Kardec alerta: “O homem sen‑do perfectível, e carregando em si o germe de seu aperfeiçoamento (...)”12 Cada um é o construtor de si mesmo. A máxima “Conhece‑reis a verdade e a verdade vos libertará” tem fundamento univer‑sal. E é nesta ótica que, para conhecer a verdade, cada um tem o seu tempo...

Assim, a adoração, por meios de recursos externos, é perfeita‑mente válida, para aqueles que ainda estagiam nesta faixa evoluti‑va, desde que tal ato, expresse devoção sincera. E aqui entra a força da fé. Já afirmamos que, as Leis não mudam, é a própria criatura que muda... Muitas vezes, pela mecânica da fé, que é imanente em todos, independentemente de religião, a criatura consegue realizar coisas extraordinárias que, para o crente, são verdadeiros milagres de Deus. Quando se colocam em ação os potenciais latentes da fé, na busca de nossos objetivos, alcança-se resultados que, aos olhos dos leigos, são milagres do “Deus dos impossíveis”. No entanto, todos são dotados da potência da fé, podendo, desenvolvê‑la, gra‑dativamente, através das experiências. “Tudo é possível àquele que crê”, afirmou Jesus. Se tem fé, neste caso, as coisas acabam acontecendo favoravelmente, independentemente, se esta é ‘cega’ ou ‘raciocinada’. “Quer o objeto de sua fé seja verdadeiro ou falso, os efeitos obtidos serão os mesmos”, afirma Paracelso.

Apesar do respeito que devemos ter para com os companheiros que ainda estejam no “estágio das imagens”, lembremo-nos, no en‑tanto, de que a verdadeira adoração se faz em espírito e verdade.

12 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 776.

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Jesus, segundo informa João, selou o ensino acerca da verdadeira adoração ao Pai, no seu diálogo com a mulher samaritana, quando ela lhe pergunta onde ela deveria adorar para ser aceita por Deus. Ao que ele respondeu: “virá a hora – e esta já chegou –, em que adorareis ao Pai, não neste monte, nem em Jerusalém, mas em Es‑pírito e verdade, pois Deus é Espírito, e importa os que O adoram, adorem em Espírito e verdade.”13 Para o diálogo com Deus, não é importante se dê aqui ou ali, em algum templo luxuoso, em lugar minúsculo ou em plena natureza. Para adorar a Deus não há neces‑sidade de nada material: nem símbolos, nem flores, nem velas, nem cânticos, nem palavras. Nem mesmo posturas especiais. Por isso mesmo, não há lugar mais apropriado para falar com Deus, do que a própria intimidade, em que as Leis estão inscritas.

Desta forma, adorar a Deus é fazer a Sua vontade. Ou, em ou‑tros termos, ‘fazer a Sua vontade’ é expressão que significa estar, por sintonia vibracional, em alinhamento com a Lei Natural. Isto se expressa por felicidade, pois, segundo os Espíritos, “só é infeliz aquele que dela se afasta”. E para isso, a meta é a busca gradativa no aperfeiçoamento, progredindo sempre, sem detença, na elimi‑nação das naturais imperfeições. Neste sentido, adorar a Deus em espírito e verdade é servir o próximo no limite de nossas forças, sem distinguir sua origem, raça, religião, posição social; é procurar ser homem de bem, cujo símbolo pode ser encontrado na parábola do bom samaritano. No final da história, Jesus questiona o doutor da lei sobre a atitude tomada pelos três personagens que participam na história. – Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: – Aquele que usou de misericórdia para com ele.14 Este o sentido metafórico de “adorar a Deus”.

13 João, 4:23-24.14 Lucas, 10:36-37.