Upload
oscarguarin
View
23
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
Lus Toms Reis e Silvino Santos:
Imagens da Amaznia nas origens do cinema brasileiro1
Por Silvio Da-Rin
O Cinegrafista da Comisso Rondon: Lus Toms Reis
Lus Toms Reis e de Silvino Santos foram responsveis pela maior parte das
imagens da Amaznia filmadas nas primeiras dcadas do sculo passado.
Suas obras possuem significativos traos em comum. E esta comparao pode
tornar-se ainda mais frutfera se nela incluirmos o americano Robert Flaherty,
figura seminal do documentrio universal. Eles so contemporneos: Reis
nasceu em 1878, Flaherty em 1884 e Santos em 1886. Todos adquiriram sua
primeira cmera e aprenderam a oper-la por volta de 1912, preocupando-se
tambm em adquirir o instrumental e o conhecimento necessrio revelao e
copiagem in loco de seus filmes, realizados longe dos centros de produo
cinematogrfica. Eram autodidatas, movidos pelo esprito de aventura e pelo
desejo de travar contato com culturas nativas desconhecidas, tendo chegado
ao cinema mais ou menos por acaso. Enfim, por caminhos diferentes,
tornaram-se representantes de um gnero destacado do cinema dos primeiros
tempos, mas pouco comum no Brasil: o filme de viagem, ou travelogue.
Flaherty foi o que mais demorou a exibir seu primeiro filme. Comeou a film-lo
em 1913, aps acolher a sugesto de seu empregador para que levasse uma
cmera em uma expedio que faria para prospectar jazidas minerais. Ao
longo de outras longas viagens e depois de perder seus primeiros negativos,
Flaherty finalmente em 1922 lanou Nanook of the North, sobre uma
comunidade Inuit que habitava os desertos gelados ao norte da Baa de
Houston. Recebido inicialmente com estranheza, acabou sendo reconhecido 1 Texto originalmente publicado no livro-apostila do Curso de Histria do Documentrio Brasileiro em 2006
pela crtica como o primeiro filme de viagem a adotar uma estrutura dramtica,
ao invs de limitar-se a encadear imagens descritivas. Flaherty faleceu em
1951, sendo considerado por alguns "o pai do documentrio". Mas este termo
s entraria em circulao no vocabulrio cinematogrfico a partir do incio dos
anos 1930, quando o escocs John Grierson divulgou uma srie de artigos,
intitulados "princpios bsicos do documentrio", onde combinava os mtodos
de dramatizao utilizados por Flaherty com os objetivos sociais de um cinema
voltado para a educao e a propaganda.
Toms Reis e Silvino Santos lanaram seus primeiros filmes alguns anos antes
de Flaherty e realizaram obras mais extensas do que ele, mas sofreram as
vicissitudes do cinema latino-americano, um territrio sempre dominado pelos
mitos estrangeiros. Caram no esquecimento, para serem apenas palidamente
recuperados muitas dcadas depois. No entanto, ambos realizaram
"documentrios" avant la lettre. Ainda que seus filmes no se assemelhem aos
de Flaherty no que concerne aos mtodos de dramatizao centrados em
personagens, seus filmes contemplam aquilo que Grierson viria considerar,
alguns anos mais tarde, como caractersticas bsicas do documentrio: um
cinema de propaganda utilizando a "cena natural". Oficial do Exrcito brasileiro,
Reis dedicou-se a propagar os valores e as conquistas da Comisso Rondon.
Silvino foi um propagandista da cultura amaznica e dos negcios seu patro
J. G. Arajo.
O Cinegrafista da Comisso Rondon: Lus Toms Reis
Sem desconsiderar as marcas estilsticas autorais contidas nos filmes de
Toms Reis, sua obra est intimamente ligada aos trabalhos das sucessivas
comisses que implantaram linhas telegrficas no noroeste brasileiro,
conhecidas genericamente como Comisso Rondon. Estas comisses foram
motivadas, nos ltimos anos do Imprio, pela necessidade de ocupao das
zonas fronteirias, atravs da construo de ferrovias e estaes de telgrafo.
A primeira comisso surgiu em 1888, quando o general Deodoro da Fonseca,
acompanhado de oficiais engenheiros, comandou uma expedio em direo
ao oeste, com o objetivo de construir a ligao telegrfica entre o Rio de
Janeiro e as cidades de Cuiab, Corumb e Coimbra. Depois da proclamao
da Repblica, os trabalhos prosseguiram com a Comisso Construtora da
Linha Telegrfica de Cuiab ao Araguaia, chefiada pelo major Gomes Carneiro.
Este solicitou ao idelogo positivista Benjamim Constant, que havia sido seu
professor na Academia Militar, a indicao de um auxiliar. Constant
encaminhou a Carneiro um discpulo seu, o recm formado oficial-engenheiro
Cndido Mariano da Silva Rondon. Em 1892, aps o falecimento de Gomes
Carneiro, Rondon assumiu a chefia do distrito telegrfico.
Em 1900, Rondon foi encarregado de comandar a Comisso Construtora de
Linhas Telegrficas do Estado de Mato Grosso, criada para completar as redes
de comunicao com os principais pontos estratgicos das nossas fronteiras
com o Paraguai e a Bolvia. Nos anos seguintes, novas comisses foram
sucessivamente implantadas para promover expedies a outras reas da
Amaznia. A carreira de Rondon teve desdobramento no SIF-Servio de
Inspeo de Fronteiras, criado em 1927 e submetido diretamente ao Estado
Maior do Exrcito. Designado chefe do novo rgo, levou consigo as tradies,
os arquivos e parte do pessoal da Comisso Rondon, ficando frente do
Servio at 1934, quando recebeu a misso de representar o Brasil na
comisso internacional pacificadora dos conflitos fronteirios em Letcia,
envolvendo a Colmbia e o Peru.
Os trabalhos da misso Rondon tinham o mltiplo carter militar, poltico e
cientfico. Afinada com o iderio positivista e nacionalista que inspirava a
oficialidade da poca, a misso encarava as linhas telegrficas como um
instrumento geopoltico de fixao, integrao e colonizao do territrio
nacional herdado do Imprio. Ao avanar em territrio florestal escassamente
povoado, os engenheiros militares no encontravam somente obstculos
geogrficos, mas tambm a resistncia de ndios, que vinham sendo expulsos
de outras reas por seringueiros e ncleos de colonizao agrcola. Gomes
Carneiro, preocupado com a manuteno das linhas telegrficas que
implantava, evitou o confronto e procurou uma aproximao pacfica com os
indgenas. Rondon seguiu a mesma orientao e, extrapolando suas funes
no plano da engenharia militar, transformou-se em um pacificador de ndios,
instituindo o paradigma do "sertanista". Suas expedies eram acompanhadas
por gegrafos, botnicos e etnlogos e o saldo dos trabalhos abrange o
levantamento cartogrfico de grande parte serto brasileiro, a descrio
fisiogrfica e demogrfica de reas indgenas, e a coleta de dados lingsticos,
antropomtricos e etnogrficos em geral. Rondon manteve contato com
pesquisadores nos campos nascentes das cincias naturais e sociais, tendo
sido agraciado com o ttulo de membro honorrio da Congregao do Museu
Nacional, em 1921 [PIAULT: 90].
A Comisso Rondon foi um importante agente de implementao da poltica
agrcola da Primeira Repblica, que visava ordenar a explorao das riquezas
em um territrio nacional ainda carente de balizamento, tanto fsico quanto
simblico. Paralelamente ocupao das reas de fronteira, era preciso
estabelecer a idia de nao e a identificao de um "povo brasileiro", com a
conseqente unificao das diferentes comunidades culturais e lingsticas que
se espalhavam pelo serto. J em 1890, visando ampliar a fronteira agrcola e
incorporar produo novos contingentes de mo-de-obra, o Governo
Provisrio havia promulgado o Decreto 163, "regulando a localizao dos
trabalhadores nacionais". S muito mais tarde, em 1907, o governo federal
criaria o Servio de Povoamento; e, trs anos depois, o SPILTN-Servio de
Proteo aos ndios e Localizao dos Trabalhadores Nacionais, sendo
Rondon convidado a chefi-lo. Um dos principais objetivos do rgo era a
fixao das populaes nmades do Brasil em colnias agrcolas.
Ao longo de dcadas, Rondon desenvolveu uma poltica de "proteo" ao ndio,
que consistia em atra-los, conquistar sua confiana, fix-los em colnias
prximas aos postos telegrficos, e ministrar a eles ensinamentos da lngua
portuguesa, de tcnicas agrcolas e de civismo, integrando-os como
"trabalhadores nacionais" sociedade brasileira. Uma "proteo" ambgua, que
por um lado evitava o extermnio dos povos indgenas no confronto com o
homem branco, reconhecia e valorizava suas culturas; mas que, na prtica,
promovia o desaldeamento e a aculturao do ndio brasileiro. O SPILTN foi o
embrio institucional da sinuosa poltica indigenista brasileira. Transformou-se
em SPI, foi transferido para o Ministrio da Guerra, voltou para o mbito da
Agricultura e, em 1967, sob a gide do regime militar, desembocou no recm
criado Ministrio do Interior como FUNAI-Fundao Nacional do ndio.
Pioneiro no uso da imagem como um instrumento de marketing pessoal e
institucional no Brasil, Rondon sempre procurou documentar suas expedies.
Inicialmente, convocou os servios fotogrficos da Casa Musso, do Rio de
Janeiro. Diante da inadaptao dos profissionais contratados vida na selva,
em 1910 Rondon designou como fotgrafo um segundo tenente recentemente
transferido para atuar junto Comisso, na qualidade de auxiliar de desenho.
Seu nome era Lus Toms Reis.
Abraando a misso com entusiasmo, Reis rapidamente props a ampliao
de suas funes para tornar-se tambm cinegrafista: "Um dia, me apresentei
ao ento Coronel Rondon e me propus a adquirir o material necessrio
criao de nosso servio, que me comprometia a executar. Com dez contos de
ris (...) embarquei para a Europa, onde comprei, em Londres e Paris, o
material indispensvel, naquele tempo o mais perfeito, e segui para o serto
com sete mil metros de filme da marca Lumire tropical, material que no
existia no Rio" [apud MAGALHES, 372]. Reis trouxe da Europa duas cmeras
35 mm, uma Williamson de 30 metros e uma Debrie Studio de 120 metros,
alm de acessrios e produtos qumicos necessrios revelao, copiagem e
edio de filmes. O xito das primeiras experincias convenceu Rondon a
convidar Reis para chefiar Seo de Cinematografia e Fotografia,
implementada em 1914, quando o Escritrio Central foi reorganizado.
Rondon deu mostras de haver desenvolvido uma ambiciosa e bem sucedida
poltica de comunicao, com o objetivo de obter respaldo junto opinio
pblica para continuar garantindo os meios materiais necessrios s misses
e, ao mesmo tempo, conscientizar a sociedade sobre a grandeza territorial, a
riqueza econmica e a diversidade cultural do Brasil. A Comisso produziu
abundante material complementar s conferncias promovidas por Rondon,
como dezenas de publicaes e lbuns fotogrficos, colees de diapositivos e
sesses cinematogrficas promovidas por todo o pas, inclusive em cinemas
comerciais, obtendo considervel sucesso de pblico.
O primeiro filme de Luiz Toms Reis, Sertes de Mato Grosso, iniciado em
1912, foi assistido por cerca de 20 mil pessoas em cinco dias de exibio no
Teatro Fnix, no Rio de Janeiro, e projetado em So Paulo durante dez dias
em oito cinemas. A repercusso pode ser avaliada pelo seguinte trecho de uma
nota publicada em O Estado de So Paulo, na edio de 7/11/1915: " um
trabalho a mais prestado pelo Coronel Rondon, pois coloca ao alcance de
todos os belos trechos de terras lindssimas. O filme representa a parte
percorrida por aquele oficial do Exrcito, compreendendo empolgantes quedas
d'gua, extensas matas virgens e campos que se perdem no ilimitado do
horizonte. Na 5a e 6a partes do filme so exibidos vrios representantes da
famosa tribo dos Nanbikura, inimigos dos Paresi, com quem hoje em dia
andam em boa paz devido interveno do Coronel Rondon que os
confraternizou. Os usos e costumes dessas tribos, a sua perfeita
adaptabilidade ao meio civilizado, so evidenciadas no correr de vrias cenas
do filme e no raro so eles, os indgenas, apanhados em franca
demonstrao de simpatia pelo chefe da comisso". [in BERNARDET 1979 (b):
1915-19].
Entre dezembro de 1913 e maio do ano seguinte, Reis foi convocado a
registrar em pelcula uma expedio pelo interior do Brasil, em que o ex-
presidente americano Theodore Roosevelt foi guiado por Rondon. O filme,
mostrado em uma homenagem prestada a Rondon em outubro de 1915 pela
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, foi tambm exibido em So Paulo,
com o ttulo Expedio Roosevelt a Mato Grosso.
Em 1916, Reis foi encarregado pelo Capito Amlcar Botelho de Magalhes,
chefe do Escritrio Central, de realizar um filme sobre os rituais funerrios dos
ndios Borro que habitavam o vale do rio So Loureno, no Mato Grosso.
Rondon havia estado ali quinze anos antes, quando chefiou sua primeira
expedio, conquistando a colaborao dos ndios nos trabalhos de construo
da linha telegrfica. Ao contrrio dos filmes anteriores, desaparecidos ou
inacessveis, este conservado no Museu do ndio: Rituais e Festas Borro, o
trabalho mais interessante de Lus Toms Reis.
Antes de examin-lo, cabe fazer um resumo da trajetria posterior de seu
autor. Em 1917, ele viajou ao sul do Brasil para tomar filmar as Cataratas do
Igua e, na volta, tomou "vistas" de So Paulo e Rio de Janeiro. Com este
material, editou curtas-metragens que, juntamente com Expedio Roosevelt a
Mato Grosso, Rituais e Festas Borro e Caada de Ona no Sul do Estado,
comporiam o programa Wilderness, exibido no Carnegie Hall de New York,
como acompanhamento de uma palestra preparada por Roosevelt
especialmente para a ocasio. O programa, com algumas modificaes, seria
lanado em cinemas do Rio de Janeiro e So Paulo em 1920, com o ttulo De
Santa Cruz.
No anos seguintes, Reis realizou uma srie de filmes que vieram a
desaparecer, entre eles: Indstria da Borracha em Mato Grosso e Amazonas
(1917), sobre a extrao de borracha e castanha nas margens do rio Gy-
Paran; Inspeo no Nordeste (1922), onde registrou a inspeo que Rondon
faz, a convite do presidente Epitcio Pessoa, das obras contra a seca;
Operaes de Guerra, sobre a participao de Rondon no combate aos
revoltosos paulistas de 1924, liderados por Isidoro Dias Lopes; e Ronuro,
Selvas do Xing (1924), filmado em Mato Grosso, nas cabeceiras do rio Xing.
A partir de 1927, a Seo de Cinematografia e Fotografia foi incorporada ao
Servio de Inspees de Fronteiras. Toms Reis participou ento de
sucessivas expedies, que resultaram nos filmes Viagem ao Roraim (1927),
Parim (1927), Posto Alves de Barros (1930) e Mato Grosso e Paran (1931).
Em 1932, montou um longa-metragem sobre a terceira expedio de Rondon
como inspetor de fronteiras, Ao Redor do Brasil - Aspectos do Interior e das
Fronteiras Brasileiras (1932).
Reformado compulsoriamente como major em 1928, ao completar cinqenta
anos, Reis viria a criar uma produtora, a Aruak Filmes, que somente no ano de
1935 lanou no mercado, atravs da Distribuidora de Filmes Brasileiros, 33
curtas-metragens com durao de 3 a 5 minutos, todos desaparecidos. A julgar
pelos ttulos, consistem no reaproveitamento do extenso repertrio de imagens
filmadas ao longo de suas viagens oficiais pelo Brasil. A Aruak e a DFB
lanariam dois novos ttulos em 1936 e outros dois no ano seguinte. Em 1938,
Reis realizou seu ltimo filme, Inspetorias Especial de Fronteiras, registrando a
viagem do Coronel Manoel Alexandrino Ferreira da Cunha, sucessor de
Rondon, pelo Rio Negro, at a fronteira colombiana. Este longa-metragem, que
aborda o ndio brasileiro de modo bem distinto dos trabalhos realizados nos
primeiros anos da Comisso Rondon, faz parte do acervo do Museu do ndio.
Em suas viagens, Lus Toms Reis desfrutou de certa autonomia em relao
hierarquia militar, chegando a produzir e exibir, por conta prpria, atualidades
regionais. Em relatrio ao seu superior, ele relatou que, caminho do rio So
Loureno, registrou em Corumb imagens para um filme que depois intitulou
Mato Grosso em Revista - "um filme sobre a atualidade poltica de Corumb e
Cuiab, tendo sido muito apreciado no estado". Afirmou ainda que a realizao
do trabalho foi motivada por "muitas pessoas que desejavam diminuir a
impresso causada pelo filme Os Sertes de Mato Grosso, com relao aos
ndios", o que mostra que nem sempre os objetivos propagandsticos da
Comisso Rondon eram partilhados pela elite da provncia. Esta preferia
divulgar o engenho e progresso da regio, ao invs de aparecer para a opinio
pblica somente como repositrio de selvagens. Ao retornar das filmagens com
os Borro, Reis captou novas imagens, a pedido do presidente do estado. A
julgar pelas prestaes de contas das despesas e das receitas obtidas com
exibies, esta faceta "cavadora" de Reis na produo de atualidades,
produzindo e exibindo com apoio local tanto pblico quanto privado, encontrava
pleno abrigo na Comisso Rondon. Reis tinha esprito empreendedor e
exerceu funes de "ambulante do cinema" em suas andanas pelo serto: em
relatrio, Reis cita "compromissos com 'empresrios' da cidade (de Bauru) e
arredores para exibio do filme Os sertes de Mato Grosso e registra as
percentagens de 50 e 60% da renda que auferiu com as exibies, tendo que
pagar os msicos militares, mesmo assim auferindo lucro".
Reis se empenhava na obteno de recursos e na criao de um fundo prprio
para as atividades de seu setor. Em relatrio ao Coronel Magalhes, chefe do
Escritrio Central, datado de 10 dezembro de 1918, Reis d provas de lances
arrojados durante o primeiro semestre daquele ano, quando conseguiu
convencer pessoalmente Theodore Roosevelt a proferir palestra no Carnegie
Hall, como abertura da exibio do programa Wilderness. Em outro trecho do
relatrio, relata seus esforos bem sucedidos para exibir o mesmo programa no
Strand Theatre, durante alguns dias, e para firmar contrato pelo prazo de cinco
anos com a distribuidora Interocean. Mesmo sabendo que este contrato foi
mais tarde rescindido, merece meno esta rara contratao de distribuio
internacional para um filme brasileiro, sobretudo se considerarmos que Reis
era um oficial do Exrcito.
Estas iniciativas individuais de Reis convergem com o vetor dominante do
pioneiro, ambicioso e bem sucedido projeto de marketing de Rondon - um dos
primeiros funcionrios pblicos a incorporar a imagem cinematogrfica como
instrumento de documentao com fins propagandsticos. Ele o fez apenas
cinco anos depois do surgimento das primeiras salas fixas de cinema no Brasil;
e cerca de vinte e cinco anos antes de Getlio Vargas criar o INCE - Instituto
Nacional de Cinema Educativo. Vale aqui mencionar um importante elemento
comum s duas agncias to separadas no tempo: Edgard Roquette-Pinto,
intelectual humanista atento importncia educacional do telgrafo, do rdio e
do cinema. Roquette-Pinto foi primeiro antroplogo brasileiro a realizar
filmagens em aldeias indgenas, no que foi facilitado por Rondon, que o
convidou em 1911 a acompanhar uma expedio que atravessou o territrio
Nanbikura. Naquele momento Roquette-Pinto j havia criado a filmoteca
cientfica do Museu Nacional, que alis tornou-se o ncleo inicial do INCE, do
qual viria a ser o primeiro diretor. H notveis semelhanas entre o projeto do
INCE, implementado em 1936, e o EMB-Empire Marketing Board, criado por
John Grierson na Inglaterra, trs anos antes, que estabeleceu as bases da
tradio do documentrio. Diante destes marcos histricos, digna de nota a
precocidade da Seo de Cinematografia e Fotografia da Comisso Rondon,
inspirada por Roquette-Pinto e assumida por Luiz Toms Reis a partir de 1912.
Reis comeou a trabalhar com Rondon quando era segundo-tenente e foi
promovido postumamente a tenente-coronel depois que sofreu um acidente
fatal em 1940, aos 62 anos de idade, durante filmagens de uma obra para a
Diretoria de Engenharia do Exrcito. Produziu mais de cinquenta filmes, mas
sua obra caiu no esquecimento durante dcadas, para ser recuperada em
meados dos anos 1970, quando foram compilados os primeiros levantamentos
sistemticos da filmografia brasileira do perodo silencioso. Em 1992, o
antroplogo Pierre Jordan publicou em Marselha um inventrio das
contribuies pioneiras do cinema etnogrfico e estampou na capa uma foto de
Rituais e Festas Borro, que considera "o primeiro filme etnogrfico
verdadeiro". E prossegue: "L onde seus predecessores se contentavam em
fazer imagens animadas com uma cmera fixa registrando uma srie de
fotografias, Reis filma com todas as possibilidades que lhe oferece o tipo de
material de que dispe; ele escreve com a cmera. Antecipando Flaherty, ele
revela e copia os filmes no lugar da filmagem apesar dos insetos que, por
vezes, se aglutinam na pelcula. (...) Totalmente desconhecido dos
antroplogos e ignorado pelos cinfilos, o filme cai no esquecimento da mesma
forma como seu autor desaparecer sombra de Rondon" [JORDAN: 20-21].
O Filme "Rituais e Festas Borro"
A maior parte da filmografia de Reis constituda de filmes de viagem, com
sua estrutura tpica, onde o fio condutor o itinerrio percorrido. Rituais e
Festas Borro, ao contrrio, concentra-se nos rituais funerrios de uma
comunidade indgena. Muitos anos depois, em 1935, Dina e Claude Levi-
Strauss realizariam, na aldeia do rio Vermelho, Cerimnias Funerais Entre os
ndios Borro; em 1953, Heinz Forthmann e Darcy Ribeiro filmariam Funerais
Borro, na mesma comunidade do rio So Loureno visitada por Reis.
O prprio Lus Toms Reis descreve os rituais funerrios dos Borro: "A Jure
comea com a pesca e confeco de utenslios em palha pelos membros do
grupo. Os homens vo floresta buscar grandes palmas de Uauau e
constroem com elas uma grande palhoa onde organizam no centro da tribo,
uma dana, longe da vista das mulheres, que ficam de fora. Para esta dana,
os homens pintam o corpo com urucum e usam cocares com penas coloridas.
Os funerais permitem vrios rituais extremamente sofisticados que implicam
numa dupla cremao. O cadver colocado no centro da tribo numa
sepultura temporria. O corpo do defunto envolto em pano retirado da
sepultura todas as manhs a fim de acelerar a putrefao. No final de oito dias,
o cadver deixa a tribo. Numa lagoa distante das habitaes, os ossos so
ento limpos, pintados e envolvidos numa urna de palha que submersa"
[Rondon, apud JORDAN: 20].
A descrio, infelizmente, no corresponde ao filme, que mostra somente os
preparativos, danas ao ar livre e o sepultamento de uma criana que havia
morrido na vspera da chegada de Reis aldeia. As sucessivas lavagens do
corpo e o descarnamento do cadver no puderam sequer ser filmados. Reis
enfrentou obstculos funcionais e tcnicos que comprometeram o resultado
pretendido. Em um relatrio datado de maro de 1917, ele relata as
dificuldades criadas pelo funcionrio encarregado da colnia, muito respeitado
pelos ndios. Eis um trecho que, apesar de longo, revelador da abordagem
que Reis tinha em mente, e da necessidade de adaptar-se [foi preservada a
grafia original]:
"Comevamos ento o trabalho cujo programma eu previra, mas muitos contratempos esperavam-me antes que pudesse obter aquillo para o que j tantos esforos tinham sido empregados; refiro-me ao facto de querer eu tomar os assuntos borros com o caracter de tradio da raa, nos
seus trajes primitivos, principalmente nos quadros de danas e scenas ao
ar livre. Contra isto manifestou-se o encarregado do nucleo, ou por
opposio a este servio ou por motivo que escapa minha comprehenso, allegando que o Sr. Coronel Rondon no permittiria isto, uma immoralidade que depunha contra o servio, e que elle pediria demisso caso se photographassem as ndias em seu costume primitivo,
permittindo isto aos homens somente. [...] a moralidade uma qualidade s delles no difficil reparar onde esto os extremos deante do ponto de vista scientifico ou artistico. [...] Eu no desejava que as indias se desnudassem, o que eu propunha era as que quizessem danar com os
seus habitos primitivos, isto , cobertas com cinturas de palha a que denominavam codobye, estas seriam assim cinematographadas, para a que ellas, muitas dellas, quasi todas queriam, contanto que fossem recompensadas com dadivas, por esta ligeira pose, o que era justo.
Estando ellas habituadas ao uso destes cintures nenhum sacrifcio estava eu a pedir e portanto a questo de moralidade aqui de todo descabida. Poder-se-ia talvez objectar que no conviria ao servio isto, que no se deve proceder assim por tal ou qual motivo; ento eu
consideraria tempo perdido o abalar-me do Rio de Janeiro para tomar um film indigena, onde os filhos das selvas apparecessem vestidos com as roupas compradas no Parc Royal: uma boa comedia; dizer-se porem o que immoral, equivale [a] conceitos injustos a quem conscientemente
os repelle por principio [Relatrio de Reis ao Cap. Magalhes, chefe do Escritrio Central, microfilmado pelo Museu do ndio, in LASMAR: 112].
A estes problemas somaram-se as dificuldades tcnicas de filmagem com
iluminao insuficiente para as emulses de baixa sensibilidade da poca. Reis
descreve com viva impresso os rituais que se seguiram morte de uma ndia,
que ocorreu quando ele estava na aldeia, mas lamenta profundamente que no
lhe foi permitido descobrir parte do teto da palhoa, para dispor de suficiente
luz natural:
"Entretanto, se outro fosse o encarregado da colnia, parece-me que se
faria um acordo e eu teria completado o servio satisfao. Assim, pude
somente tomar os quadros ao ar livre, mas no se diga que a vista destes
nos far conhecer a vida e os costumes dos ndios coroados, porque muito mais interessantes e bonitos so os quadros do interior de suas casas. Quando eu puder completar este filme com os assuntos que faltam, ento ele sobrepujar outro qualquer, e para isso depender
somente dos bons ofcios do Chefe da Comisso, nico talvez que poder obter deles todas as facilidades." [microfilme citado].
Reis no teve a oportunidade de voltar aldeia do rio So Loureno em
companhia de Rondon, para tentar filmar com a liberdade que desejava. E seu
filme, como ele o primeiro a reconhecer, falho na representao dos rituais
funerrios que foi encarregado de documentar. Os rituais so incompletos e
sua durao no se torna suficientemente clara. Mas o filme surpreende pela
precocidade de algumas solues narrativas, pelo uso criativo da montagem e
pelo rigor dos enquadramentos. Reis est longe de ter sido pioneiro na
filmagem de culturas isoladas - dezenas de registros anteriores so
conhecidos. Mas isso o que eram: apenas registros. Apesar das limitaes
com que se defrontou Reis, Rituais e Festas Borro desenvolve uma gil
estrutura narrativa do ritual funerrio e exibe, em algumas seqncias, uma
hbil montagem de planos, incomum em filmes de viagem ou filmagens
etnogrficas do seu tempo.
Filmado seis anos antes do lanamento do primeiro filme de Flaherty, Rituais e
Festas Borro no constri um personagem individual, como Nanook, nem
tampouco explora o conflito dramtico entre um protagonista e a natureza,
como antagonista. Ao contrrio, o entorno dos Borro do rio So Loureno
mais se assemelha paradisaca ilha de Samoa, onde vivia Moana. A se d
um aparente ponto de aproximao entre Reis e o romantismo de Flaherty,
cineasta que sempre buscou enfatizar os traos "primitivos" das culturas que
abordou, chegando diversas vezes a reconstituir prticas culturais j
abandonadas. Mas se Flaherty era assumidamente um apologista do "bom
selvagem", Lus Toms Reis pautava seu trabalho pelas metas da comisso
Rondon, que pretendia superar a condio selvagem dos indgenas e "civiliz-
los". Rituais e Festas Borro parece expressar o resultado do encontro entre
um grupo indgena em plena exuberncia de sua expresso ritualstica e um
cinegrafista militar fascinado com o que presenciava. De todos os filmes
remanescentes da filmografia de Reis, este , sem dvida, o nico em que o
homem branco no tem nada a ensinar, mas muito o que aprender.
Em filmes posteriores, como Ao Redor do Brasil (1932), ndios recebem roupas
e so ensinados a us-las. A maior parte de Inspeo Especial de Fronteiras
(1938) dedicada demonstrao do xito da catequese leiga da Comisso
Rondon e da catequese religiosa dos salesianos e monfortianos: crianas
ndias no esto simplesmente vestidas, mas uniformizadas, praticam
exerccios coletivos e, segundo uma legenda, "sabem cantar o hino nacional".
Talvez possamos interpretar a nudez parcial dos corpos dos Borro em Rituais
e Festas Borro como fruto de um olhar etnogrfico mais espontneo de Reis
quando ainda s voltas com este seu terceiro filme, em 1916-17. Um olhar que
seria gradativamente disciplinado pelos objetivos institucionais para os quais
Rondon criou a Seo de Cinematografia e Fotografia. Esta hiptese pode ser
confirmada pela completa ausncia de imagens dos padres missionrios, em
contraste com a onipresena deles no ltimo filme realizado por Reis,
Inspetoria Especial de Fronteiras (1938). Os salesianos estabeleceram misses
no Mato Grosso a partir de 1884 e mantinham contato com os Borro desde
pelo menos 1906. Naquela aldeia, como em outras da Amaznia, concorriam
dois projetos missionrios. Um deles era implementado pela Repblica, que
havia promovido a separao entre a Igreja e o Estado. O outro era praticado
pela ordem religiosa dos salesianos, que havia substitudo os jesutas nas
misses junto aos ndios brasileiros. Talvez em 1916 no fosse conveniente
mostrar ndios dependentes de religiosos em um dos primeiros filmes de
propaganda das conquistas "pacificadoras" e "protetoras" da Comisso
Rondon. Esta omisso aos salesianos, como observa TACCA [2005: 321ss],
ainda mais notvel quando lembramos que o tema central do filme um ritual
funerrio que implicava em molhar diariamente o cadver, descarn-lo at que
seus ossos ficassem brancos, antes de enterr-lo - uma prtica profana que
possivelmente era objeto de repulsa dos padres.
Duas dcadas depois, a pacificao leiga e a catequese religiosa j eram
consideradas pelo governo Vargas convergentes no propsito de domesticao
indgena. Talvez por esta razo, Inspetoria de Especial de Fronteiras contenha
tantas e to redundantes imagens de ndios que mal podemos reconhecer
como tal, marchando fardados, praticando ginstica, entoando hinos e
trabalhando no telgrafo e na lavoura. ndios disciplinados e uniformizados
pelos salesianos, que no revelam alegria em suas expresses. Ao longo da
primeira metade do filme, so chamados nos letreiros de "educandos",
"alunos", "caboclos", ou genericamente de "ndios", destitudos portanto de
suas identidades tribais. S nos ltimos minutos deste longo e montono filme
institucional encontramos imagens de ndios integrados natureza, os
primeiros a sorrir e brincar diante da cmera, exibindo descontraidamente seus
corpos nus ou semi-nus, danando e mergulhando nos rios.
Os letreiros finais de Inspetoria de Especial de Fronteiras so reveladores da
vacilao de Reis entre sua admirao pela exuberncia dos ndios livres e sua
misso de propagandista de uma catequese que, quela altura, tinha
contribudo decididamente para a aculturao de grande parte da populao
indgena brasileira. No ltimo minuto do filme, entre imagens de ndios
enfeitando-se e danando, podemos ler: "Os Tuiuca passariam a vida
danando". Para em seguida completar, antes do derradeiro plano, que mostra
um grupo de ndios alegremente reunidos beira do rio que faz fronteira com a
Colmbia: "A civilizao porm vai chegando... s agora esto as misses em
contato com as populaes do Tiqui".
Silvino Santos e as Atualidades Amaznicas
Em sua comunicao no I Simpsio do Filme Documental Brasileiro, realizado
no Recife em 1974, Paulo Emlio Salles Gomes cunhou duas expresses para
caracterizar boa parte da produo dos primrdios do documentrio brasileiro:
"Desde as primeiras filmagens de 1898, dois temas se afirmaram,
acompanhando alis a trilha j traada pela fotografia: o Bero Esplndido e o
Ritual do Poder" [GOMES, 1986: 325]. O Bero Esplndido "o culto das
belezas naturais do pas". E o Ritual do Poder o culto s personalidades da
elite poltica, militar, eclesistica, comercial e industrial, que financiavam as
atualidades e assim promoviam sua imagem - e seus negcios - nas telas de
cinema.
Luiz Toms Reis, como vimos, era o principal cinegrafista da Comisso
Rondon. Logo, representava o prprio poder republicano propagando seus
projetos. No caso, projetos estratgicos que eram implementados nos sertes
do noroeste, espao privilegiado do bero esplndido. Embora de modo menos
tpico do que na filmografia dos "cavadores" dos centros de produo de
atualidades, as expresses cunhadas por Paulo Emlio estavam ambas
representadas na filmografia do tenente Reis, pontuada pelos rios e cachoeiras
amaznicas.
Silvino Santos foi outro cineasta brasileiro a representar, igualmente de modo
atpico, aqueles conceitos. A maior parte de sua obra uma louvao das
belezas e riquezas da Amaznia, e para realiz-la sempre dependeu do
patrocnio dos poderosos locais, interessados em se beneficiar do efeito
propagandstico das imagens cinematogrficas. Toda a sua carreira, de final
melanclico, foi marcada pela mais absoluta dependncia elite amaznica.
Nascido em famlia abastada de uma pequena cidade portuguesa da Beira
Baixa, nos contrafortes da Serra da Estrela, Silvino ainda criana impressionou-
se com o que leu em uma enciclopdia escolar sobre o rio Amazonas, o maior
do mundo. A viagem de uma famlia amiga Amaznia foi a oportunidade de
visitar o Brasil, onde chegou de navio no dia em que completava 14 anos, em
29 de novembro de 1889. Conseguiu emprego em uma livraria, descobriu a
fotografia e explorou igaraps, matas e aldeias indgenas da regio. Leonel
Rocha, pintor e fotgrafo viajante que passava por Belm, o levou como
assistente rio Amazonas acima, at a cidade peruana de Iquitos. Nos meses
que passou ali, Silvino se aperfeioou na tcnica fotogrfica, ganhou noes de
pintura e confirmou o desejo de radicar-se na Amaznia. Viajou a Portugal em
1903, mas um ano depois j havia se despedido da famlia e voltado a Belm,
e em 1910 fixou definitivamente residncia em Manaus, onde vivia seu irmo
mais velho. Montou um pequeno estdio e ofereceu aos manauenses os
servios profissionais de pintor e fotgrafo.
Naquele momento Manaus apenas comeava a viver a decadncia do ciclo da
borracha. Os sinais aparentes ainda eram de opulncia. Nos trinta anos
anteriores, Manaus deixou de ser um vilarejo na barra do rio Negro para
transformar-se em uma metrpole tropical, dotada de ricas casas comerciais,
sistema de bondes eltricos ligando os bairros ao centro, monumentos em ferro
fundido importados e um magnfico teatro de pera. Os navios da Boot Line
ligavam diretamente Manaus ao porto ingls de Liverpool. As relaes
comerciais e financeiras com a Europa tambm fluam em linha direta: o
London Bank of South America se instalou em Manaus antes que qualquer
casa bancria brasileira tivesse inaugurado uma agncia na cidade, e a libra
esterlina era moeda to aceita quanto os mil ris. Atrados pelo boom da
borracha, cerca de 150 mil retirantes nordestinos passavam semanalmente
pelo rio Amazonas, em direo aos seringais que se espalhavam pelos seus
afluentes [SOUZA 1999: 39].
O cinema bateu porta do estdio de Silvino Santos em 1912, quando o
cnsul peruano veio convid-lo a subir novamente o Amazonas para fotografar
os ndios do rio Putumaio, fronteira do Peru com a Colmbia. A julgar pela
intensidade do interesse que, desde menino, sempre manifestou pela
Amaznia profunda, Silvino deve ter aceitado de imediato. O cnsul agia como
emissrio de Julio Csar Arana, proprietrio de extensos seringais e principal
acionista da Peruvian Amazon Rubber Company, que pagou a expedio
fotogrfica de Silvino. Uma denncia de escravido de ndios nos seringais
desta empresa resultou em um processo contra Arana na justia inglesa, j que
havia membros da Cmara dos Comuns entre os acionistas. As fotos de Silvino
causaram tima impresso a Arana, que vivia na Europa, aonde vinha
percebendo a enorme fora persuasiva do cinema. Interessado em produzir um
documento visual mais impactante como pea de defesa, Arana resolveu
financiar a compra de equipamentos cinematogrficos e patrocinar o
treinamento de Silvino nas instalaes de Path-Frres e dos Lumire. Assim
comeou a aventura cinematogrfica de Silvino Santos.
Arana acabou sendo condenado em Londres e preso no Peru. Mais tarde,
recuperou sua imagem e foi eleito senador pelo distrito de Loreto. Silvino
tambm no foi afortunado no primeiro momento. De volta regio do
Putumaio, passou dois meses fotografando e filmando em seringais e nas
aldeias dos ndios Witto e Andoke. Depois de reunir o material necessrio ao
filme que serviria como pea de defesa de seu patrocinador, enviou os rolos a
um laboratrio norte-americano. Mas, j tendo comeado a I Guerra Mundial, o
navio que transportava os negativos foi atingido por um submarino alemo e
tudo se perdeu para sempre no fundo do mar [apud LOBO, 174].
Este infortnio marcou o fim da atuao de Santos junto a Peruvian Amazon
Rubber Co., mas no o fez desistir da realizao de filmes. As poucas sobras
das filmagens patrocinadas por Arana foram aproveitadas no curta-metragem
ndios Witotos do rio Putumayo, lanado no Teatro Polytheama de Manaus em
junho de 1916. No foram as primeiras imagens amaznicas exibidas na
cidade. J em 1907 a Empresa Fontenelle havia apresentado as atualidades
Posse do Coronel Governador na Intendncia Municipal, Vistas de Manaos,
Manaus Harbour e O Matadouro de Manaus. Nove anos depois, no mesmo
programa onde era anunciado o curta de Silvino, outros ttulos eram
prometidos ao pblico: Festa da rvore, Beneficente Portugueza, Amores de
seu Romo com a sua cara metade ("scena cmica passada em Manaos -
nica exibio desta fita"), outras Vistas de Manaos (todos de autoria
desconhecida) alm das produes estrangeiras Abnegao (drama editado
pela fbrica Gaumont) e O Ladro Fantasma (comdia burlesca da Nordisk)
[COSTA, 1987: 154].
To logo restabeleceu-se financeiramente, Silvino procurou utilizar sua
filmadora Path para produzir atualidades locais. O governador do Amazonas
lhe proporcionou a oportunidade de realizar um filme de propaganda oficial
intitulado O Horto Florestal de Manaos, projeto que abriu caminhos para uma
segunda fase da sua carreira cinematogrfica. Segundo o dirio A Imprensa,
na edio de 26/01/1918, "este o primeiro film de uma grande srie que ser
preparada de acordo com o governo para a propaganda do Amazonas no sul e
no estrangeiro" [COSTA, 1987: 152]. Os efeitos da crise comercial da borracha
se alastravam rapidamente e a elite local buscava reanimar a economia
amazonense. Grandes comerciantes da cidade se associavam ao governo e
decidiam criar a Amaznia Cine Film, tendo Silvino Santos como scio e
operador. O empreendimento era ambicioso: importaram uma moderna cmera
Bell&Howel, equipamento para revelao e copiagem de pelcula. O ttulo do
primeiro projeto j sugeria a materializao do sonho que trouxera Silvino,
ainda menino, ao Brasil: Amazonas, o Maior Rio do Mundo.
Enquanto se preparava a produo, surgiu o convite para acompanhar uma
expedio pela Amaznia, chefiada por Leopoldo de Mattos, espcie de cnsul
de Mato Grosso em Manaus. Nesta viagem, quem filmou um ato marcante da
trajetria de Rondon no foi seu cinegrafista Toms Reis, mas Silvino Santos,
conforme escreveu em suas memrias: "A caminho para Presidente Marques,
o cel. Leopoldo de Mattos entregou ao capito Rondon a promoo a coronel
(...) eu filmei esta cerimnia em plena selva. Seguimos viagem at Villa Bella
no Alto-Guapor, acima do Forte Prncipe da Beira (...) tirei uma cpia positiva
que foi entregue com os negativos aqui em Manaus Comisso de Mato
Grosso" [apud COSTA, 1987:155].
Entre 1917 e 1920 a Amaznia Cine-Film lanou pelo menos dez atualidades
nos "cinemas" na Manaus, entre elas a primeira e nica edio de um
cinejornal. No mesmo perodo, Silvino percorre o rio Amazonas, da ilha de
Maraj selva peruana, empenhado na realizao de Amazonas, o Maior Rio
do Mundo. mais um projeto que no se completa. Um professor de Manaus
ofereceu-se para levar os negativos a Londres, onde seriam feitas as cpias e
l os vendeu a uma empresa de turismo. A firma foi falncia, mas Silvino
consegue manter-se de posse dos equipamentos.
A terceira fase da atividade cinematogrfica de Silvino, a mais longa e mais
promissora, teve incio quando ele ofereceu a um dos maiores comerciante
locais o projeto de um filme de propaganda da Amaznia, para ser exibido na
exposio comemorativa do Centenrio da Independncia, que seria
inaugurada em 1922 no Rio de Janeiro. O portugus Joaquim Gonalves de
Arajo, que no havia sido procurado para integrar a Amaznia Cine-Film,
acolheu a idia. O comendador Arajo havia comeado a vida como
comerciante de piaava no rio Negro, mais tarde fundou uma firma em
Manaus, e sempre procurou diversificar seus negcios. Tinha visvel interesse
em abrir mercados e atrair investimentos capazes de reverter o quadro de
estagnao econmica instaurado com o fim do ciclo da borracha.
Toda a experincia que Silvino acumulou nos sete anos anteriores foi
capitalizada no filme mais bem sucedido que realizou: No Pas das Amazonas.
Como previsto, foi exibido na exposio de 1922, onde recebeu o nico prmio
concedido a uma produo cinematogrfica, uma medalha de ouro. Diante da
dificuldade inicial de lan-lo nos cinemas da capital federal, Agesilau de
Arajo, filho do comendador, buscou ajuda junto ao ministro da Agricultura
Miguel Calmon, conseguindo que o presidente Arthur Bernardes e alguns
ministros assistissem ao filme no Palcio do Catete. Com a repercusso obtida,
No Pas das Amazonas teve um exitoso lanamento comercial. No Rio, ficou
cinco meses em cartaz. Em So Paulo, foi exibido em 17 cinemas: "No dia da
estria, o Avenida teve que fechar as portas de ferro, tal foi o sucesso (...)
neste mesmo dia, 7.836 espectadores viram o filme no Avenida e Royal, e 15
mil, nestes mesmos cinemas, nos dias 6 e 7/8/1923" [BERNARDET 1979 (b):
1923-48].
Aproveitando sua permanncia na capital federal, Silvino filmou o carnaval nas
ruas, a praia de Copacabana, as avenidas do centro, um jogo de futebol no
campo do Fluminense e os pavilhes da Exposio do Centenrio da
Independncia. Do alto do Corcovado, faz uma panormica da Baa de
Guanabara. Viajou pela Serra da Mantiqueira e filmou as Agulhas Negras e o
Itatiaia. De volta a Manaus, editou o material. Terra Encantada foi lanado em
dezembro de 1923. A Cinemateca do MAM/RJ conserva grande parte deste
filme.
No ano seguinte, Silvino foi contratado como operador de cmera da expedio
liderada pelo norte-americano Hamilton Rice, que percorreu o rio Negro, Boa
Vista, a serra do Parim e Rio Branco, atual Roraima - regio que pouco
depois seria percorrida por Lus Toms Reis, acompanhando as expedies da
Inspetoria de Fronteiras, sob a liderana de Rondon. A equipe de Rice
dispunha de um hidroavio, o que possibilitou a Silvino fixar uma Bell&Howell
na fuselagem e realizar aquelas que provavelmente foram as primeiras
filmagens areas da Amaznia. A firma J.G.Arajo fazia em Manaus a
revelao dos negativos, que ao fim da expedio foram levados para os
Estados Unidos. Agesilau Arajo havia extrado uma cpia e, em outubro de
1925, a J.G.Arajo lanou uma verso nos cinemas locais: No Rastro do
Eldorado. Cpia em nitrato deste material foi localizada no National Film
Archive, em Londres.
A firma ainda produziu e lanou cerca de dez outros programas de atualidades
nos cinemas de Manaus, antes que Joaquim Gonalves Arajo levasse parte
de sua famlia para Portugal, para uma permanncia de dois anos. Silvino os
acompanhou e fez nada menos que 35 curtas exibidos comercialmente, 15
filmes de famlia e dois projetos longos. O primeiro, Miss Portugal, de 1927, foi
uma "reportagem cinematogrfica" que o levou a registrar desfiles em Vigo,
Porto e Estoril. O segundo foi Terra Portuguesa - o Minho, finalizado
tardiamente, em 1934, no Rio de Janeiro, beneficiando-se da tecnologia do
sonoro. Em suas memrias, Szilvino fala sobre a dublagem dos nmeros
musicais: "O som era gravado no filme separado, depois copiava-se o positivo
e de lado o som. Foi o primeiro filme mudo que se sincronizou. Ficou timo. Foi
um sucesso, todos gostaram (...) Fez-se diversas cpias que se passou em
diversos cinemas" [in COSTA 1987: 194]. Silvino nunca voltaria a utilizar a
utilizar o som.
Neste mesmo ano de 1934, Joaquim Gonalves Arajo decidiu desativar a
produo de filmes. Silvino, ento com 48 anos, no procurou outro
patrocinador. Permaneceu como um homem de confiana do comendador,
deslocado para atividades que nada tinham a ver com suas antigas funes,
como a criao de padronagens para tapetes de borracha, a organizao do
empacotamento de produtos e outros servios menores. Vez por outra, filmava
cenas da famlia Arajo e passeios de barco pela regio. Seu ltimo projeto,
inacabado, foi um filme sobre a Vila Amaznia, uma ex-colnia de japoneses
desapropriada aps a II Guerra e comprada por J.G.Arajo. Vivendo em um
barraco onde o comendador guardava objetos em desuso, Silvino passou
longos anos inativo, junto com seus rolos de filme e fotografias em chapa de
vidro, que, sem conservao adequada e expostos umidade tropical, foram
se deteriorando com o passar do tempo.
O Filme No Pas das Amazonas
No Pas das Amazonas se apresenta, atravs das cartelas, como um filme de
viagem, descrevendo um percurso pelos rios da regio. Mas sua estrutura
corresponde a um documentrio de propaganda das riquezas naturais e das
condies de beneficiamento, transporte e comercializao dos produtos
amaznicos, com amplo destaque aos estabelecimentos J.G.Arajo e seus
fornecedores na regio.
A cmera de Silvino tem grande mobilidade e toda a primeira parte do filme
constituda por lentas panormicas descritivas. O filme comea pela metrpole,
exibindo as instalaes porturias, os monumentos urbanos e o movimentado
comrcio manauense. Em seguida, sucedem-se as sries de produtos,
apresentadas por cartelas graficamente decoradas: "As pescas", "A castanha",
"A borracha", "O guaran" e "A balata". Por fim, as atraes naturais da regio
de Rio Branco, atual estado de Roraima, e a criao de gado nas fazendas de
Arajo. Pontuando as seqncias principais, so mostrados exemplares
exticos da fauna regional - jacar, preguia, macaco, anta, borboleta, lontra,
ona, tamandu, tartaruga e gara - ou pontos geogrficos notveis do "bero
esplndido" - Salto Teotnio e "a clebre Pedra Pintada". A lgica da
propaganda comercial prevalece sobre o roteiro da viagem: tanto a castanha
quanto a borracha formam sries fechadas, que acompanhamos desde a
colheita, o beneficiamento, o transporte e, por fim, o armazenamento em
Manaus.
Na edio, nota-se um especial cuidado com a imagem dos ambientes de
produo, sempre racionais, limpos e humanizados. Os trabalhadores so
sorridentes, bebem gua durante a jornada e refrescam-se no rio ao final,
sendo remunerados conforme a produtividade. Na exibio da grandiosidade
das instalaes, no falta uma seqncia da sada dos operrios dos
estabelecimentos Arajo, ao modo do primeirssimo filme do cinematgrafo,
filmado pelos Lumire em frente ao porto de sua fbrica em Lyon.
Embora simule uma viagem pela Amaznia, o filme no reproduz propriamente
o roteiro das filmagens. Relatos de Silvino indicam que os trabalhos
comearam nas fazendas de J.G.Arajo, subiram at a regio da fronteira com
a Venezuela, desceram at a pesca do pirarucu e do peixe-boi no lago do
Piracuara, seguiram em direo aos seringais do rio Madeira, passando pela
aldeia dos ndios Parintin, voltando a Manaus, retomando a viagem para o rio
Purus, onde filmaram a castanha, e finalmente para Vista Alegre, na rea de
cultivo da balata [in COSTA 1987: 168].
As cartelas contendo legendas, prdigas de adjetivos, metforas e clichs, so
de autoria de Agesilau de Arajo. O mito das Amazonas, j evocado no ttulo,
reforado nas quatro primeiras cartelas, que desfiam uma interminvel
louvao parnasiana regio: "Tradicional desde as audazes cavaleiras, que
emprestaram seu nome ao ttulo deste filme, o Amazonas, em toda a sua
enorme extenso territorial, muitas vezes superior a de tantos outros pases,
quase um continente, afigura-se-nos como que um gigante adormecido e
embalado em seu sono pelo ritmo ruidoso de seus rios sem conta, depositrios
de fortssima variedade de peixes; acalentado pelo gorjeio harmonioso e
incessante dos pssaros mais encantadores, habitantes inquietos de suas
matas sombrias; acariciado por suave brisa, respirao inebriante de suas
florestas opulentas, preciosos tesouros da natureza. E essas suas serras,
arcas dos mais valiosos e resplandecentes minerais, a se erguem do solo,
como guardas-avanadas e parecem enfeitar-se, majestosas, de luxuriante
vegetao para saudar num anseio pressuroso, aqueles braos e capitais que
amanh ho-de desvendar-lhe os mistrios de sua incalculvel riqueza".
Embora o filme tenha como finalidade principal a propaganda amaznica, nota-
se nas legendas uma excessiva preocupao educativa, que faz acompanhar
de seus nomes cientficos as imagens de espcies vegetais e animais -
aprendemos que o peixe-boi chama-se Manatus Americanos; tambaqui,
Myletes Bidens; o jacar, Calman Niger; o fumo, Nicottiana Tabacum; e a
seringueira, Hvea Brasiliensis. Aps um plano geral de um numeroso grupo
de vaqueiros cavalgando no campo, duas cartelas finalizam o filme em tom
ufanista: "Terminaram as campeadas. Os vaqueiros regressam s fazendas e
passando por uma elevada rocha, fortes e unidos mirando as terras que se
abraam com o horizonte, soltam o patritico brado: Viva o Brasil!". No muito
longe daquela fronteira norte, cinco anos mais tarde, Reis filmaria os
expedicionrios da Inspetoria de Fronteiras chegando no alto do Monte
Roraima. Bandeiras da Venezuela, da Inglaterra e do Brasil tremulavam sobre
o grupo, ao lado de uma pedra onde se l: "General Rondon Viva o Brasil 29
out. 1927". Meras coincidncias histricas ou snteses perfeitas do bero
explndido com o ritual do poder?
Mesmo sendo a obra mais conhecida de Silvino Santos, as cpias existentes
de No Pas das Amazonas no correspondem exatamente verso original. A
pesquisadora amazonense Selda Vale da Costa, principal bigrafa de Silvino e
compiladora da mais completa filmografia que dele se conhece, esclarece: "A
cpia em 16mm, localizada em Manaus, em 1984, corresponde de 1962,
faltando algumas seqncias das trs primeiras partes sobre Manaus. Fizemos
uma nova montagem dessas partes, a partir do material flmico encontrado e
em base a informaes das exibies na poca. Em agosto de 1986
localizamos na Cinemateca de S. Paulo um rolo, de 6', sobre os ndios parintins
e os ndios do Putumayo, parte de No Pas das Amazonas, que foi integrada
cpia a ser exibida" [COSTA 1987: 173]. Na verso existente na Cinemateca
Brasileira esta seqncia dos ndios, que abre com o letreiro "Os ndios
parintins e outros", est agregada ao final do filme, e conclui com uma cartela
do INCE, provavelmente acrescentada nesta instituio, muitos anos depois.
J na cpia 16mm existente no CTAV do MinC, a seqncia dos ndios est
agregada ao incio do filme. Uma resenha publicada no dirio O Estado do
Par em 28/12/1922, com citao expressa de uma das legendas, confirma
que esta seqncia dos ndios aparecia no meio do filme. O mais provvel
que, em vista dos problemas causados poca pela nudez das ndias, o trecho
tenha sido retirado para facilitar a comercializao, sendo mantido em um rolo
separado, que mais tarde foi agregado aleatoriamente ao incio ou ao fim do
filme.
Apesar da notvel repercusso que seus filmes tiveram na poca em que
foram realizados, Silvino Santos figurava apenas como operador- ou sequer
figurava - nos impressos de divulgao e nos anncios de jornais. Todo o
crdito era dado a J.G.Arajo & Cia. Ltd. Talvez por isso, seu nome tenha
mergulhado no mais completo esquecimento durante dcadas. Na cidade de
Manaus, a partir de 1960, houve sucessivas iniciativas no campo da cultura
cinematogrfica: o GEC-Grupo de Estudos Cinematogrficos, o Cineclube Dom
Bosco, um Festival de Cinema Amador em 1966, a publicao de "O Cinfilo -
revista amazonense de cinematografia", entre outras atividades de crtica e
realizao amadora [LOBO]. Nada disso foi capaz de trazer tona o nome do
pioneiro do cinema amazonense.
No segundo semestre de 1969, um grupo de cinfilos manauenses reuniu-se
na casa da famlia de Cosme Alves Neto para desenvolver o projeto de um
festival de cinema em Manaus, que acabou sendo realizado meses depois.
Cosme j era h alguns anos o responsvel pela Cinemateca do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, um dos mais antigos e ativos plos de cultura
cinematogrfica em nosso pas. Mas, do mesmo modo como os demais
presentes, todos amazonenses, nunca tinha ouvido falar em Silvino Santos.
Quase vinte anos depois, em uma entrevista coletiva gravada em Manaus,
Cosme rememorou o prosaico episdio: "Ento, naquela primeira reunio que
foi realizada no jardim de casa (...) aparece meu pai na janela, (...) e disse:
'Vocs deviam era procurar o Silvino Santos, um portugus que fez cinema
aqui na dcada de 20 e ningum fala dele'. Eu que nunca tinha ouvido falar em
Silvino Santos! - Quem Silvino Santos? 'Ele funcionrio do J.G.Arajo'. E
assim, j no dia seguinte, foram encontrar Santos, "num canto de garagem de
um prdio do J.G na rua Isabel, onde havia montado um escritoriozinho, onde
havia vrios rolos de filmes, mquinas que ele mesmo havia construdo na
dcada de 20, e fomos conversar com ele" [in COSTA, 1987: 113]. Silvino foi o
grande homenageado na sesso de encerramento do I Festival Norte de
Cinema Brasileiro, a 26 de outubro de 1969, aplaudido de p pelo pblico
reunido no Cine Odeon. Morreria meses depois, em 14 de maio de 1970.
Lus Toms Reis e Silvino Santos foram espritos aventureiros que no se
conheceram, embora tenham comeado quase simultaneamente a filmar os
espaos selvagens da Amaznia. O primeiro trabalhou para instituies
pblicas, o segundo "cavou" patrocnio privado. Ambos fizeram,
simultaneamente a Flaherty, uma interpretao criativa do filme de viagem; e,
antes de Grierson, um cinema educativo e de propaganda. Todos os filmes que
realizaram podem ser enquadrados na tradio do documentrio, embora este
nome s viesse a circular no final dos anos 1920. A maior parte de suas
extensas obras se perdeu, restando poucos filmes inteiros e alguns fragmentos
nas cinematecas brasileiras e estrangeiras. Caram no esquecimento, sendo
discretamente recuperados dcadas depois. Cada um a seu modo, ambos
representaram as possibilidades e os limites dos sucessivos ciclos que
marcaram o cinema brasileiro do sculo XX, bem sintetizados na expresso
melanclica porm agudamente realista de Paulo Emlio Salles Gomes: "uma
trajetria no subdesenvolvimento" [GOMES 1996a].
Silvio Da-Rin
Outubro de 2006
Agradeo a Patrcia Monte-Mr, Denise Portugal Lesmar e Nelie S Pereira
pelas indicaes e emprstimo de materiais que tornaram possvel a
elaborao do presente texto.
BIBLIOGRAFIA
I - SOBRE O PERODO SILENCIOSO DO CINEMA BRASILEIRO
ARAJO, Vicente de Paulo. A bela poca do cinema brasileiro. So Paulo: Ed.
Perspectiva, 1976.
BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma histria.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (a), pp. 9 a 28.
______________ . "Le documentaire", in: Le cinema Brsilien. Paranagu, P.
A. (org.). Paris: Centre Pompidou, 1987, pp. 165-178.
______________ . Filmografia do cinema brasileiro: 1900-1935. So Paulo:
Secretaria de Cultura, 1979 (b).
______________ . Historiografia clssica do cinema brasileiro. So Paulo:
Anablume, 1995, pp. 15-48.
GALVO, Maria Rita Eliezer. Crnica do Cinema Paulistano. tica: So Paulo,
1975.
______________ . Guia de filmes produzidos no Brasil entre 1897 e 1910. Rio
de Janeiro: Embrafilme, 1984.
GOMES, Paulo Emlio. "A expresso social dos filmes documentais no cinema
mudo brasileiro (1898-1930)", in: Paulo Emlio, um intelectual na linha de
frente. CALIL, C. A. Machado (org.). So Paulo: Brasiliense, 1986, pp 323-
334.
______________ . "O cinema brasileiro visto de Cinearte", in Humberto Mauro,
Cataguases, Cinearte. So Paulo: Perspectiva, 1974, pp. 295-366.
___________ . Cinema: trajetria no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1996a [Orig. 1973].
____________ . Panorama do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996b [Orig. 1966/1970].
zORONHA, Jurandyr. No tempo da manivela. Rio de janeiro:
Ebal/Kinart/Embrafilme, 1987.
SOUZA, Carlos Roberto. A fascinante aventura do cinema brasileiro. So
Paulo: Cinemateca Brasileira, 1981.
VIANY, Alex. Introduo ao Cinema Brasileiro. Rio de Janeiro:
Embrafilme/Alhambra, 1987, pp. 33-61 [Ed. orig. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro, 1959].
II - SOBRE LUS TOMS REIS E SILVINO SANTOS
COSTA, Luiz Cludio da. "No pais das Amazonas: a glria da imagem
realizada", in Estudos de cinema: Socine II e III. So Paulo: Anablume, 2000,
pp. 261-270.
COSTA, Selda Vale, e LOBO, Narciso Julio Freire. No rastro de Silvino Santos.
Manaus: SCA,/Edies Governo de Manaus, 1987.
JORDAN, Pierre. "Primeiros contatos, primeiros olhares", in Cadernos de
Antropologia e Imagem N 1. Rio de Janeiro: NAI/UERJ, 1991, pp.11-22,
LASMAR, Denise Portugal. Estoques de informao: o acervo imagtico da
Comisso Rondon no Museu do ndio como fonte de informao. Dissertao
de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Ps-Graduao em Cincia da
Informao, ECO/UFRJ, 2002.
LOBO, Narciso J. Freire. A tnica da descontinuidade: cinema e poltica em
Manaus nos anos 60. Manaus: UA, 1994.
MAGALHES, Amilcar A. Botelho. Pelos sertes do Brasil. Rio de Janeiro: Cia.
Editora Nacional, 1941.
NETO, Antnio Leo da Silva. Dicionrio de Filmes Brasileiros: Curta e Mdia
Metragem So Bernardo do Campo: Ed. do Autor, 2006.
PIAULT, Marc Henri. "O corpo dos ndios e o soldado redentor: da indianidade
e da brasilidade", in: Cadernos de Antropologia e Imagem Vol. 12, N 1. Rio de
Janeiro: NAI/UERJ, 2001, pp. 87-118 [Orig. 1992].
SOUZA, Carlos Roberto. "Apresentao", in Luiz Thomaz Reis: o
expedicionrio-artista. PEREIRA, Nelie S, no publicado, 1985.
SOUZA, Mrcio. Silvino Santos: o cineasta do ciclo da borracha. Rio de
Janeiro: Funarte, 1999.
TACCA, Fernando de. "O ndio 'pacificado': uma construo imagtica da
Comisso Rondon", in: Cadernos de Antropologia e Imagem Vol. 6, N 1. Rio
de Janeiro: NAI/UERJ, 1998, pp. 81-102.
_____________. "A amplitude cinematogrfica de Luiz Thomaz Reis", in:
Cadernos de Antropologia e Imagem Vol. 20, N 1. Rio de Janeiro: NAI/UERJ,
2005, pp. 97-110.
_____________ . "Luiz Thomaz Reis: etnografias flmicas estratgicas", in
Documentrio no Brasil: tradio e transformao. Teixeira, F.E. (org). So
Paulo: Summus, 2004., pp. 313-370.