2
A consolidação da economia como campo de investigação antropológica remete aostrabalhos de Malinowski e Mauss, nos anos 1920, que são marcos de origem da própria antropologia moderna. As raízes da discussão sobre as formas de economia nas sociedades ditas “primitivas”, no entanto, surge ainda no século XIX, sendo um marco fundamental neste caso a oposição formulada por Henry Maine entre Status e Contrato. A perspectiva evolucionista de Maine implicava em uma concepção da sociedade primitiva como um modelo para uma etapa do desenvolvimento da civilização humana, entendida em sentido unívoco. A questão para Maine era refletir sobre a passagem do Status ao contrato como dispositivos de regulação social. No clássico Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), Malinowski descreve minuciosamente o circuito intertribal conhecido como Kula – a rede de trocas de braceletes e colares nas ilhas Trobriand, na Melanésia. A jornada arriscada pelo oceano para trocar intens aparentemente sem nenhuma utilidade prática, assim como a obrigatoriedade da retribuição desses presentes trocados ritualmente, são elementos que levam Malinowski a relacionar esses presentes/dádivas ã fama, ao prestígio e ao status das pessoas e grupos envolvidos nessa rede de trocas. A formulação de Malinowski acerca da troca de dádivas como uma espécie de economia primitiva vai ser uma das bases para o Ensaio sobre a dádiva, outro clássico da literatura antropológica, publicado em 1925, apenas três anos depois dos Argonautas. No Ensaio, Mauss utiliza como referência também os trabalhos de Franz Boas sobre os índios da Costa Noroeste americana, os quais descrevem o Potlatch, cerimônia ritual que serve como referência também para a elaboração de um modelo econômico fundado na reciprocidade e no prestígio, que contrasta com o modelo ocidental da mercadoria e do dinheiro. Mauss percebe que as coisas trocadas importam menos do que as relações que a troca produz. Os presentes trocados não são como as mercadorias, que podem ser compradas ou vendidas, mas sim algo comparável às jóias da realeza

dadiva2

  • Upload
    fcastro

  • View
    229

  • Download
    0

Embed Size (px)

DESCRIPTION

dadiva

Citation preview

Page 1: dadiva2

A consolidação da economia como campo de investigação antropológica remete aostrabalhos de Malinowski e Mauss, nos anos 1920, que são marcos de origem da própria antropologia moderna.

As raízes da discussão sobre as formas de economia nas sociedades ditas “primitivas”, no entanto, surge ainda no século XIX, sendo um marco fundamental neste caso a oposição formulada por Henry Maine entre Status e Contrato.

A perspectiva evolucionista de Maine implicava em uma concepção da sociedade primitiva como um modelo para uma etapa do desenvolvimento da civilização humana, entendida em sentido unívoco. A questão para Maine era refletir sobre a passagem do Status ao contrato como dispositivos de regulação social.

No clássico Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), Malinowski descreve minuciosamente o circuito intertribal conhecido como Kula – a rede de trocas de braceletes e colares nas ilhas Trobriand, na Melanésia.

A jornada arriscada pelo oceano para trocar intens aparentemente sem nenhuma utilidade prática, assim como a obrigatoriedade da retribuição desses presentes trocados ritualmente, são elementos que levam Malinowski a relacionar esses presentes/dádivas ã fama, ao prestígio e ao status das pessoas e grupos envolvidos nessa rede de trocas.

A formulação de Malinowski acerca da troca de dádivas como uma espécie de economia primitiva vai ser uma das bases para o Ensaio sobre a dádiva, outro clássico da literatura antropológica, publicado em 1925, apenas três anos depois dos Argonautas.

No Ensaio, Mauss utiliza como referência também os trabalhos de Franz Boas sobre os índios da Costa Noroeste americana, os quais descrevem o Potlatch, cerimônia ritual que serve como referência também para a elaboração de um modelo econômico fundado na reciprocidade e no prestígio, que contrasta com o modelo ocidental da mercadoria e do dinheiro.

Mauss percebe que as coisas trocadas importam menos do que as relações que a troca produz.

Os presentes trocados não são como as mercadorias, que podem ser compradas ou vendidas, mas sim algo comparável às jóias da realeza das monarquias europeias, objetos ligados à identidade e à reputação de determinados indivíduos ou grupos.

A economia da dádiva é fundada na reciprocidade (dar, receber e retribuir) e no prestígio dos indivíduos e grupos envolvidos nas trocas de bens inalienáveis. Assim se geram e mantém relações qualitativas entre pessoas, em contraste com os bens alienáveis e as relações quantitativas entre objetos que regem a economia de mercado.