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DADOSDECOPYRIGHT
Sobreaobra:
ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeLeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.
Éexpressamenteproibidaetotalmenterepudíavelavenda,aluguel,ouquaisquerusocomercialdopresenteconteúdo
Sobrenós:
OLeLivroseseusparceirosdisponibilizamconteúdodedominiopublicoepropriedadeintelectualdeformatotalmentegratuita,poracreditarqueoconhecimentoeaeducaçãodevemseracessíveiselivresatodaequalquerpessoa.Vocêpodeencontrarmaisobrasemnossosite:lelivros.loveouemqualquerumdossitesparceirosapresentadosnestelink.
"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluiraumnovonível."
MonteiroLobato
_________________________________________________________________
OSaci
___________________________________________________
editorabrasilienseCopyright©byherdeirosdeMonteiroLobato
Nenhumapartedestapublicaçãopodesergravada,armazenadaemsistemaseletrônicos,fotocopiada,
reproduzidapormeiosmecânicosououtrosquaisquersemautorizaçãopréviadaeditora.
56ªedição,199417ªreimpressão,2005
Lay-outdecapa:JacobLevitinas
Ilustraçõesdecapaemiolo:ManoelVictorFilho
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonapublicação(CIP)(CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil)
Lobato,Monteiro,1882-1948.OSaci/MonteiroLobato;[ilustraçõesdecapaemioloManoelVictorfilhos].—SãoPaulo:Brasiliense,2005.—SítiodoPicapauAmarelo).
17ªreimpressãoda56ªEd.De1994.ISBN85-11-19018-X
1. Literaturainfanto-juvenilI.VictorFilho,Manoel.
II.Título.IIISérie.
05-6607CDD-028.5
Índicesparacatálogosistemático:
1. Literaturainfantil028.52. Literaturainfanto-juvenil028.5
Editorabrasilienses.a.RuaAiri,22–Tatuapé–CEP03310-010–SãoPaulo–SP
Fone/Fax:(0xx11)6198-1488WWW.editorabrasiliense.com.br
Livrariabrasilienses.a.
RuaEmíliaMarengo,216–Tatuapé–CEP03336-000–SãoPaulo-/SPFone/Fax:(0xx11)6675-0188
ÍNDICE
___________________________________________________CapítuloI
CapítuloII
CapítuloIII
CapítuloIV
CapítuloV
CapítuloVI
CapítuloVII
CapítuloVIII
CapítuloIX
CapítuloX
CapítuloXI
CapítuloXII
CapítuloXIII
CapítuloXIV
CapítuloXV
CapítuloXVI
CapítuloXVII
CapítuloXVIII
CapítuloXIX
CapítuloXX
CapítuloXXI
CapítuloXXII
CapítuloXXVIII
CapítuloXXIV
CapítuloXXV
CapítuloXXVI
CapítuloXXVII
CapítuloXXVIII
OSACI
MonteiroLobato
___________________________________________________
CapítuloI
EMFÉRIAS
QuandonaquelatardePedrinhovoltoudaescolaedisseàDonaTonicaqueasfériasiamcomeçar
daliumasemana,aboasenhoraperguntou:—Eondequerpassarasfériasdesteano,meufilho?Omeninoriu-se.—Quepergunta,mamãe!Poisondemais,senãonosítiodevovó.PedrinhonãopodiacompreenderfériaspassadasemoutrolugarquenãofossenoSítiodoPicapau
Amarelo,emcompanhiadeNarizinho,doMarquêsdeRabicó,doViscondedeSabugosaedaEmília.Etinhade ser assimmesmo,porqueDonaBenta era amelhordasvovós;Narizinho, amais galantedasprimas;Emília,amaismaluquinhadetodasasbonecas;oMarquêsdeRabicó,omaisrabicódetodososmarqueses; e o Visconde de Sabugosa, o mais "cômodo" de todos os viscondes. E havia ainda tiaNastácia, amelhor quituteira deste e de todos osmundos que existem.Quem comia uma vez os seusbolinhosdepolvilho,nãopodianemsequersentirocheirodebolosfeitosporoutrascozinheiras.
Pedrinhotinharecebidocartadesuaprima,dizendo:"Nossogrupovaiesteanocompletarséculoemeio de idade e é preciso que você não deixe de vir pelas férias a fimde comemorarmos o grau deacontecimento."
EsseséculoemeiodeidadeeracontadoassimDonaBenta,64anos;tiaNastácia,66;Narizinho;8;Pedrinho,9.Emília,oMarquêseoVisconde,lcadaum.Ora,64mais66mais8mais9mais1maislmaisl,fazem150anos,ouseja,umséculoemeio.
Logoquerecebeuessacarta,Pedrinhofezacontanumpapelparaverseapilhavaemerro:masnãopilhou.
—EumadanadaaquelaNarizinho!—disseele.—Nãohámeiodeerraremcontas.
CapítuloII
OSÍTIODEDONABENTA
O sítio de Dona Benta ficava num lugar muito bonito. A casa era das antigas, de cômodos
espaçososefrescos.HaviaoquartodeDonaBenta,omaiordetodos,ejuntoodeNarizinho,quemoravacom sua avó.Havia ainda o "quarto dePedrinho", que lá passava as férias todos os anos; e o da tiaNastácia, a cozinheira e o faz-tudo da casa. Emília e o Visconde não tinham quartos; moravam numcantinhodoescritório,ondeficavamastrêsestantesdelivroseamesadeestudodamenina.
A sala de jantar era bem espaçosa, com janelas dando para o jardim, depois vinha a copa e acozinha.
—Esaladevisitas?Tinha?—Comonão?Umasaladevisitascompiano,sofádecabiúna,depalhinhatãobemesticadaque
"cantava"quandoPedrinhobatia-lhetapas.Duaspoltronasdomesmoestiloeseiscadeiras.Amesadocentroerademármoreepéstambémdecabiúna.Encostadasàsparedeshaviaduasmeiasmesastambémdemármore,cheiasdeenfeites: trêscasaisde içásvestidos,várioscaramujoseestrelas-do-mar,duasredomascomvelasdentro,tudocolocadosobreos"pertences"demiçangasfeitosporNarizinho.Hojeninguémmaissabeoqueé isso.Pertenceseramumasrodelasdecrochêquehaviaemtodasascasas,parabotarbibelôsemcima;paraolavatóriodeDonaBenta;Narizinhofizerapertencesdecrochê;eparaasaladevisitasfizeraaquelesdemiçangadeváriascores;dabemmiudinha.
Antesdasaladevisitashaviaasaladeespera,comchãodegrandesladrilhosquadrados;"cordechitacor-de-rosadesbotada".Asaladeesperaabriaparaavaranda.Quevarandagostosa!Cercadadumgradildemadeira,muitosingelo,pintadodeazul-claro.Davarandadescia-separao terreiroporumaescadinhadeseisdegraus.NasfériasdoanoanteriorPedrinhohaviaplantadoemcadacantodavarandaumpéde"cortinajaponesa",umatrepadeiraquedáunsfiosavermelhadosdagrossuradumbarbante,quedepois ficam amarelos e descem até quase ao chão, formando uma verdadeira cortina viva. Aquelavarandaestavasetransformandoemjardim,tantaseramasorquídeasqueomeninopenduraraláosvasosdeavencadamiúdaqueelefoicolocandojuntoàgrade.
Ojardimficavanosfundosdasaladejantar,umverdadeiroamordejardim,sódeplantasantigaseforadamoda.FloresdotempodamocidadedeDonaBenta;esporinhas,damas-entre-verdes,suspiros,orelhas-de-macaco, dois pés de jasmim-do-cabo, e outro,muito velho, de jasmim-manga. Plantado nacalçadaeasubirpelaparede,ovelhíssimopédeflor-de-cêra,plantaqueosmodernosjánãoplantamporquecustamuitoacrescer.Atécravo-de-defuntohavialá,florcomqueNarizinhoseimplicavaporter"cheirodecemitério".Bemnocentrodo jardimhaviaum tanque redondocomumacegonhade louça,toda esverdeada de limo, a esguichar água pelo bico. Mas a cegonha já estava sem cabeça, emconseqüênciadaspelotadasdobodoquedePedrinho.Eumvelhoregadorverdemoravapertodotanque,porqueeracomaáguadotanquequetiaNastáciaregavaasplantasnotempodaseca.
—Eopomar?—Opomarficavanosfundosdacasa,depoisdo"quintaldacozinha",ondehaviaumgalinheiro,
umtanquedelavarroupaeopuxadodalenha.OpoçovelhoforafechadodepoisqueDonaBentamandou
encanaraáguadomorro.Passadooquintalvinhaopomar—aqueladelíciadepomar!—Porquedelícia?—Porque as árvores erammuito velhas, e árvore quantomais velhamelhor para a beleza e a
frescura da sombra. Árvore nova pode ser muito boa para dar frutas bonitas, baixinhas e fáceis deapanhar.Masparaabelezanãohácomoumaárvorebemvelha,bemcraquenta,comosgalhosrevestidosdemusgos, liquenseparasitas.Certasárvoresdopomar tinhamdonos.HaviaacélebrepitangueiradaEmília, as três jabuticabeiras de Pedrinho, a mangueira de manga-espada de Narizinho e os pés demamãodetiaNastácia.AtéoViscondetinhasuaárvore—umpezinhoderomãmuitofeioeraquítico.Orestodasárvoresnãoeramdeninguém—eramdetodos.Equantas!Cambucazeiros,duasjaqueiras,ospésdecabeludaegrumixama,ostrêspésdesapotiseaqueledefruta-do-condeque"nãoiapordiante."
Era tãoantigoaquelepomarqueosvizinhosatécaçoavam.Viviamdizendo:"OpomardeDonaBenta está tão velho que qualquer dia se põe a caducar. As jaqueiras começam a dar manga e asmangueirasadarlaranjas."MasDonaBentanãofaziacaso.Nãoadmitiaquesecortasseumasóárvore—nemopobrepédefruta-do-condeencarangado.Diziaquecadaumadelaslembravaqualquercoisadasuameniniceoumocidade.
—Estepédelaranja-baiana—costumavadizer—foioprimeiroquetivemosaqui,edelesaíramosenxertosdosoutros.Naqueletempolaranja-baianaeraumagrandenovidade.AmudafoipresentedodefuntoZédasBichas,umportuguêsmuitotrabalhadorquemoravanumachácarapertodavila.
Impossívelhavernomundolugarmaissossegadoefresco,emaischeiodepassarinhos,abelhaseborboletas. ComoDona Benta nunca admitiu por ali nenhummenino de estilingue, a passarinhada sesentia à vontade e fazia seusninhos como se estivessemna IlhadaSegurança.OprópriobodoquedePedrinhonãofuncionavanopomar.
—Equepassarinhoshavia?—Oh,tantos!...Notempodaslaranjasopomarenchia-sedesabiásdepeitovermelho,amigosde
cantaracélebremúsica-de-sabiáqueospaisvãoensinandoaosfilhotes,sempreigualzinha,semamenormudança.Ehaviaossanhaçoscordecinzaclara.Eassaírasazuis.Easgraúnaspretíssimas.Emuitocanário-da-terra,muitopapa--capim,tisio,pintassilgo,rolinha,corruíla...
As corruílas eram o encanto da menina, que vivia a observar o jeitinho delas no constanteescarafunchamento dos muros carunchados em busca de pequenas aranhas e outros bichinhos moles.Bichinho duro corruíla não quer. E sempre com as penas da cauda erguidas, ninguém sabe por quê.Corruílas cor de telha emansíssimas.Há também a linda corruíla do brejo, que faz aqueles enormesninhosespinhentos—masessasnuncaapareciamnopomar.Moravamnosbrejos.
Às vezes pousavam lá, de passagem, um ou outro tié-sangue, o passarinho mais lindamentevermelhoqueexiste.Masnãosedemoravam.Eramarisquíssimos.
—Porque,vovó,justamenteospassarinhosmaisbonitossãoosmaisariscos?—perguntoucertavezamenina.
—Justamenteporserembonitos,minhafilha.Oshomensperseguemospassarinhosbonitosporquesãobonitos—quemquersaberdepassarinhofeio?Ostico-ticos,porexemplo:vivemnamaiorpazemtodososterreirosjustamenteporqueninguémospersegue.Sãofeinhos,oscoitados.Masapareçaaquiumtié-sangue, ou uma saíra daquelas lindas: todos se põem atrás deles, querendo apanhá-los vivos oumortos. Para a felicidade neste nossomundo,minha filha, não há como ser tico-tico, isto é, feinho einsignificante...
Masoreidopomareraojoão-de-barro.Napaineiragrande,bemlánofundo,moravamdoisnumninhofeitodeargila,emformadefornodeassarpão.Eraocasalmaisamigopossível.Nãoselargavamnunca.Ondeestavaum,tambémestavaporpertoooutro.Eseporacasoumseafastavaumpoucomais,voltaemeiasoltavaunsgritoscomoquempergunta:"Ondevocêestá"—eooutro respondia:"Estou
aqui". E de vez em quando cantavam juntos aqueles terrível dueto que mais parece uma série demarteladasestridentesealegres,.
—Quecoisainteressante,vovó!—dissePedrinhoumdia.—Reparequeelessemprecantamougritamjuntos.Umfazumaparteeoutrofazoacompanhamento,comonopiano...
E era assim mesmo. São tão amigos que até para cantar "cantam a duas mãos", como dizia aboneca.
Certoanoocasalresolveuconstruirumninhonovoemoutrogalhodapaineira,edurantequinzediasodivertimentodosmeninosfoiacompanhardelongeaqueletrabalho.Osdoispassarinhostraziamdabeiradoribeirãoumpelotedebarronobico,eficavamaliacolocaraquelamassanolugarpróprio,eabicá-lacemvezesparaqueficassebemligadinha.Enquantoumseocupavanaquilo,ooutrovoavaembuscademaisbarro.Nuncaestavamosdoisnomesmoserviço;revezavam-se.Àtardinhainterrompiamotrabalho,cantavamoduetocomtodaaforçaedepoisseacomodavamnoninhovelho.TiaNastáciaviviadizendoquenosdomingoselesnãotrabalhavam,masinfelizmenteosmeninosnãopuderamtiraraprovadumacoisatãolinda.
Omaiscuriosofoiquedepoisdeacabadooninhonovo,eles,emvezdesemudarem,resolveramfazer um segundo ninho em cima daquele. Quem primeiro notou isso foi o Visconde, que foi, todoassanhado,contaraDonaBenta.
—Venhamver—disseosabuguinho.—Elesterminaramontemaconstruçãodoninhonovo,masnãosemudaramdovelho;emvezdissoestãoaconstruirumsegundoninhosobreonovo—umaespéciedesegundoandar.
DonaBentafoicomosmeninoseviu.—Porqueserá,vovó?—quissaberPedrinho.—Nãosei,meufilho,maselesdevemterláassuasrazões.—Eusei—berrouEmília.—Éparaalugar!...Todosriram-se.—Euacho—disseNarizinho—queéparaacomodarosfilhotesquandochegaremaopontode
voar.—Issonão—observouDonaBenta.—Porqueseospaisconstruíssemcasaparaosfilhos,estes
nãoaprenderiamaartedaconstruçãoeessaarteseperderia.Éfazendoqueseaprende,jádisseovelhoCamões.
—Masentãoessespassarinhosraciocinam,vovó—têminteligência...—Estáclaroquetêm,meufilho.Ainteligênciaéumafaculdadequeapareceemtodososseres,
nãosónohomem.Atéasplantasrevelaminteligência.Oqueháéqueainteligênciavariamuitodegrau.Épequeniníssimanasgalinhasenosperus,masjábemdesenvolvidanojoão-de-barro—eéumcolossonumhomemcomoIsaacNewton,aquelequedescobriuaLeidaGravitaçãoUniversal.
No terreiro do sítio, em frente à varanda, havia sempre ummastro de São João, que Pedrinhofincavanavésperadodiadessesanto,a24dejunho,quandovinhapelasférias.Elemesmocortavaopaunomato,elemesmoodescascavaepintavainteirinho,comarabescosvermelhos,amareloseazuis.Notopodomastrocolocavaa"bandeiradeSãoJoão",queeraumquadradodesarrafo,espéciedemoldura,na qual pregava com tachinhas um retrato deSão Joãomeninote comumcordeirinhonobraço.Essasbandeiras,estampadasemmorim,custavam$1,50navendadoEliasTurco,lánaestrada.
Oterreiroeravedadoporumacercadepaus-a-pique—rachõesdeguarantã.Bemnocentroficavaaporteira.Paraládaporteiraeraopasto,ondehaviaumcélebrecupimdemetroemeiodealtura;emaisadiante,umvelhocedroaindadotempodamatavirgem.Atravésdopastoseguiao"caminho"—ouaestradaqueiateràvila,aléguaemeiadali.Nofimdopasto,pertodaponte,apareciamacasinhadotioBarnabéea figueiragrande;ebemláadiante,oCapoeirãodosTucanos,umaverdadeiramatavirgemondeatéonça,macucosejacushavia.
Equemais?Ah,sim,oribeirãoquepassavapelacasadotioBarnabécortavaopastoevinhafazerasdivisasdopomarcomasterrasdeplantação.Impossívelhavernomundoumribeirãomaislindo,deáguamais limpa, com tantas pedrinhas roliças de todas as cores no fundo. Em certos pontos viam-sepequenas praias de areia branca.Nas curvas a água quase que parava, formandoos célebres "poços"ondePedrinhopescavalambarisebagres.Asbeirasdeáguarasaeramazonadosguarus—opeixinhomenorqueexiste.
AosdomingostiaNastáciasaíaamariscardepeneira.Osmeninosdavampulosdealegria.Aboanegrametia-senaáguaatéàcinturaeiadescendooribeirão,comelesaacompanhá-ladamargem,aosgritos.
—Aqui,Nastácia,aquinestescapinzinhos...A negra, muito cautelosamente, mergulhava a peneira por baixo dos capinzinhos boiantes e
suspendia-aderepente,desurpresa.Aáguaescoava-sepelosfurosenapeneiraapareciaumaporçãodevidinhasaquáticas,asaltareespernejar:guarusbarrigudinhos,lambarizinhosnovos,pequeninastraírasedevezemquandoumbaratão-d'águamuitocasquentoefeio.Eoutrosbichinhosainda,incompreensíveise sem nome. Certo dia a peneira trouxe uma cobra-d'água verde, que a negra jogou sob o capim damargem.Foiumagritariaeumacorreriadascrianças.
— Não tenham medo que não é venenosa! — disse a negra rindo-se com toda a gengivadavermelhadefora.Masosmeninosnãoquiseramsaberdenada.Ficaramaespiardelonge.Acobraverdefoicoleandoporentreoscapinsesesumiudenovonaágua.
O mais importante daquelas mariscagens eram os camarõezinhos de água doce, moles etransparentes, que tia Nastácia apanhava em quantidade A carregadeira do samburá (a cestinharedondinha que os mariscadores usam para recolher o peixe) era sempre Narizinho. A menina iapassandooscamarõesdapeneiraparaosamburá,commuitomedodesermordida.Sóosagarravapelosfiosdabarba.Pedrinhoria-se:"Boba!Ondesevêemcamarãomorder?"Eela:"Agentenuncasabe..."
Nojantardaquelesdomingos,quandoaparecianamesaoprato-travessacheiodecamarõezinhosfritos, bem pururucas e vermelhos, as crianças até sapateavam de gosto. E se com os camarõezinhosvinhaalgumapequenatraíraoubagre,adisputaeracerta.
—Atraíraéminha!—berravaum.— É minha, é minha!— gritava outro. O remédio era sempre uma das célebres sentenças de
SalomãodeDonaBenta.—Comovocêssãodoiseatraíraéumasó,eucomoatraíraevocêsrepartemoscamarões.Cessava incontinentiadisputa,ea travessadecamarão iadiminuindo,diminuindo,aténãoficar
nemumfiodebarba.
CapítuloIII
MEDODESACI
Pedrinho,naquelestempos,costumavapassarasfériasnosítiodeDonaBenta,ondebrincavade
tudo,comoestánasREINAÇÕESdeNarizinhoenaVIAGEMAOCÉU.Sónãoestácontadooquelheaconteceuantesdafamosaviagemaocéu,quandoandavacomacabeçacheiadesacis.
A coisa foi assim.Estava ele na varanda comos olhos nohorizonte, postos lá onde aparecia overde-escurodoCapoeirãodosTucanos,amatavirgemdosítio.Derepente,disse:
—Vovó,euandocomidéiasdeircaçarnamatavirgem.DonaBenta,alinasuacadeirinhadepernascotós,entretidanotricô,ergueuosóculosparaatesta.—Nãosabequenaquelamata háonças?—dissecomarsério—Certavezumaonçapintada
veiodelá,invadiuaquiopastoepegouumlindonovilhodavacaMocha.—Mas eu não tenho medo de onça, vovó!— exclamou Pedrinho, fazendo o mais belo ar de
desprezo.DonaBentariu-sedetantacoragem.—Olhemovalentão!Quemfoiquenaquelatardeentrouaquiberrandocomumaferroadadevespa
napontadonariz?—Sim,vovó,devespaeutenhomedo,nãonego—masdeonça,não!Seelavierdomeulado,
prego-lhe uma pelotada domeu bodoque novo no olho esquerdo; e outra bem nomeio do focinho eoutra...
—Chega!—interrompeuDonaBenta,commedodelevartambémumapelotada.—Masalémdeonçasexistemcobras.Dizemqueatéurutushánaquelemato.
—Cobra?—ePedrinho fez outra cara de pouco caso aindamaior.—Cobramata-se comumpedaçodepau,vovó.Cobra!...Comoseeulátivessemedodecobra...
DonaBentacomeçouaadmiraracoragemdoneto,masdisseainda:— E há aranhas caranguejeiras, daquelas peludas, enormes, que devoram até filhotes de
passarinho.Omeninocuspiudeladocomdesprezoeesfregouopéemcima.— Aranha mata-se assim, vovó — e seu pé parecia mesmo estar esmagando várias aranhas
caranguejeiras.—Etambémhásacis—rematouDonaBenta.Pedrinhocalou-se.Emboranuncaohouvesseconfessadoaninguém,percebia-sequetinhamedode
saci. Nesse ponto não havia nenhuma diferença entre ele, que era da cidade, e os demais meninosnascidosecrescidosnaroça.Todostinhammedodesaci,taiseramashistóriascorrentesarespeitodoendiabradomolequedumapernasó.
DesdeessediaficouPedrinhocomosacinacabeça.Viviafalandoemsacietomandoinformaçõesarespeito.QuandoconsultoutiaNastácia,arespostadanegrafoi,depoisdefazeropelo-sinaledizer"Credo!".
—Poissaci,Pedrinho,éumacoisaquebrancodacidadenega,dizquenãohá—mashá.Nãoexiste negrovelhopor aí, dessesquenascememorremnomeiodomato, quenão jure ter visto saci.Nuncavinenhum,masseiquemviu.
—Quem?—OtioBarnabé.Falecomele.Negrosabidoestáali!Entendedetodasasfeitiçarias,edesaci,
demula-sem-cabeça,delobisomem—detudo.Pedrinhoficoupensativo.
CapítuloIV
TIOBARNABÉ
TioBarnabéeraumnegrodemaisdeoitentaanosquemoravanoranchocobertodesapélájunto
daponte.Pedrinhonãodissenadaaninguémefoivê-lo. Encontrou-osentado,comopédireitonumtocodepau,àportadesuacasinha,aquentandosol.
—TioBarnabéeuvivoquerendosaberdumacoisaeninguémmecontadireito.Sobreosaci.Serámesmoqueexistesaci?
Onegrodeuumarisadagostosae,depoisdeencherdefumopicadoovelhopito,começouafalar:—Pois,SeuPedrinho,saciéumacoisaqueeujuroque"exéste".Gentedacidadenãoacredita—
mas"exéste".Aprimeiravezquevisacieutinhaassimasuaidade.Issofoinotempodaescravidão,naFazendadoPassoFundo,queeradodefuntoMajorTeotônio,paidesseCoronelTeodorico,compadredesuaavó,DonaBenta.Foiláquevioprimeirosaci.Depoisdisso,quantosequantos!...
—Conte,então,direitinho,oqueéosaci.BemtiaNastáciamedissequeosenhorsabia—queosenhorsabetudo...
—Comonãohei de saber tudo,menino, se já tenhomais deoitenta anos?Quemmuito "véve",muitosabe...
—Entãoconte.Queé,afinaldecontas,otalsaci?Eonegrocontoutudodireitinho.—Osaci—começouele—éumdiabinhodeumapernasóqueandasoltopelomundo,armando
reinaçõesde toda sorteeatropelandoquantacriaturaexiste.Traz semprenabocaumpitoaceso,enacabeça uma carapuça vermelha. A força dele está na carapuça, como a força de Sanção estava noscabelos. Quem consegue tomar e esconder a carapuça de um saci fica por toda vida senhor de umpequenoescravo.
—Masquereinaçõeselefaz?—indagouomenino.—Quantaspode—respondeuonegro.—Azedaoleite,quebraapontadasagulhas,escondeas
tesourinhasdeunha, embaraçaosnovelosde linha, fazodedaldas costureiras cairnosburacos,botamoscasnasopa,queimaofeijãoqueestánofogo,goraosovosdasninhadas.Quandoencontraumprego,viraeledepontapraribaparaqueespeteopédoprimeiroquepassa.Tudoquenumacasaacontecederuimésempreartedosaci.Nãocontentecomisso,tambématormentaoscachorros,atropelaasgalinhasepersegueoscavalosnopasto,chupandoosanguedeles.Osacinão fazmaldadegrande,masnãohámaldadepequeninaquenãofaça.
—Eagenteconsegueverosaci?— Como não? Eu, por exemplo, já vi muitos. Ainda no mês passado andou por aqui um saci
mexendocomigo—porsinalquelhedeiumaliçãodemestre...—Comofoi?Conte...TioBarnabécontou.—Tinhaanoitecidoeeuestavasozinhoemcasa,rezandoasminhasrezas.Rezei,edepoismedeu
vontadedecomerpipoca.Fuialinofumeiroeescolhiumaespigademilhobemseca.Debulheiomilho
numacaçarola,pusacaçarolanofogoevimparaestecantopicarfumopropito.Nistoouvinoterreiroumbarulhinhoquenãomeengana."Vaiverqueésaci!"—penseicomigo.—Eeramesmo.Daliapoucoum saci preto que nem carvão, de carapuça vermelha e pitinho na boca, apareceu na janela. Euimediatamentemeencolhinomeucantoefingiqueestavadormindo.Eleespioudeumladoedeoutroeporfimpulouparadentro.Veiovindo,chegoupertinhodemim,escutouosmeusroncoseconvenceu-sede que eu estavamesmo dormindo. Então começou a reinar na casa. Remexeu tudo, que nemmulhervelha,semprefarejandooarcomoseunarizinhomuitoaceso.Nistoomilhocomeçouachiarnacaçarolaeeledirigiu-separaofogão.Ficoudecócorasnocabodacaçarola,fazendomicagens.Estava"rezando"omilho,comosediz.Eadeus,pipoca!Cadagrãoqueosacirezanãorebentamais,virapiruá.
Dalisaiuprabulirnumaninhadadeovosqueaminhacarijócalçudaestavachocandonumbalaiovelho,naquelecanto.Apobregalinhaquasequemorreudesusto.Fezcró,cró,cró...evooudoninhofeito uma louca, mais arrepiada que um ouriço-cacheiro. Resultado: o saci rezou os ovos e todosgoraram.
Emseguidapôs-seaprocuraromeupitodebarroAchouopitonaquelamesa,pôsumabrasinhadentroepaque,paque,paque...tiroujustamentesetefumaçadas.Osacigostamuitodonúmerosete.
Eudissecácomigo:"Deixeestar,coisa-ruinzinho,queeuaindaaprontoumaboaparavocê.Vocêhádevoltaroutrodiaeeutecuro."
Eassimaconteceu.Depoisdemuitoviraremexer,osacizinhofoi-seemboraeeufiqueiarmandoomeuplanoparaassimqueelevoltasse.
—Evoltou?—inquiriuPedrinho.—Comonão?Nasexta-feiraseguinteapareceuaquioutravezàsmesmashoras.Espioudajanela,
ouviuosmeusroncosfingidos,pulouparadentro.Remexeuemtudo,comodaprimeiravez,edepoisfoiatrás do pito que eu tinha guardado nomesmo lugar. Pôs o pito na boca e foi ao fogão buscar umabrasinha,quetrouxedançandonasmãos.
—Éverdadequeeletemasmãosfuradas?—É,sim.Temasmãosfuradinhasbemnocentrodapalma;quandocarregabrasa,vembrincando
comela, fazendoelapassardeumaparaaoutramãopelofuro.Trouxeabrasa,pôsabrasanopitoesentou-sedepernascruzadasparafumarcomtodooseusossego.
—Como?—exclamouPedrinhoarregalandoosolhos.—Comocruzouaspernas,sesacitemumapernasó?
—Ah,menino,mecênãoimaginacomosaciéarteiro!...Temumapernasó,sim,masquandoquercruzaaspernascomosetivesseduas!Sãocoisasquesóeleentendeeninguémpodeexplicar.Cruzouaspernasecomeçouatirarbaforadas,umaatrásdaoutra,muitosatisfeitodavida.Masderepente,puff!Aqueleestouroeaquelafumaceira!...Osacideutamanhopinotequefoipararlálonge,esaiuventandopelajanelaafora.
Pedrinhofezcaradequemnãoentende.—Masquepufffoiesse?—perguntou.—Nãoestouentendendo...—Êque eu tinha socadopólvorano fundodopito—exclamou tioBarnabédandouma risada
gostosa.Apólvoraexplodiujustamentequandoeleestavatirandoafumaçadanúmerosete,eosaci,comacaratodasapecada,raspou-separanuncamaisvoltar.
—Quepena—exclamouPedrinho.—Tantavontadequeeutinhadeconheceressesaci...—Masnãohásóumsacinomundo,menino.Esselásefoienuncamaisapareceporestasbandas,
masquantosoutrosnãoandamporaí?AindanasemanapassadaapareceuumnopastodeSeuQuincasTeixeiraechupouosanguedaquelaéguabaiaquetemumaestrelanatesta.
—Comoéqueelechupaosanguedosanimais?—Muito bem.Faz umestribo na crina, isto é, dá uma laçada na crina do animal demodoque
possa enfiar o pé emanter-se emposição de ferrar os dentes numa das veias do pescoço e chupar o
sangue,comofazemosmorcegos.Opobreanimalassusta-seesaipeloscamposnadisparada,correndoaténãopodermais.Oúnicomeiodeevitarissoébotarbentinhonopescoçodosanimais.
—Bentinhoébom?—Éumporrete.Dandocomcruzoubentinhopelafrente,sacifedeenxofreefogecombotas-de-
sete-léguas.
CapítuloV
PEDRINHOPEGAUMSACI
TãoimpressionadoficouPedrinhocomestaconversaquedalipordiantesópensavaemsaci,eaté
começouaenxergarsacisportodaparte.DonaBentacaçoou,dizendo:—Cuidado! Jávi contar a históriadeummeninoquede tantopensar em saci acabouvirando
saci...Pedrinhonãofezcasodahistória,eumdia,enchendo-sedecoragem,resolveupegarum.Foide
novoemprocuradotioBarnabé.—Estouresolvidoapegarumsaci—disseele—equeroqueosenhormeensineomelhormeio.TioBarnabériu-sedaquelavalentia.—Gostodeverummeninoassim.Bemmostraqueénetododefuntosinhôvelho,umhomemque
nãotinhamedonemdemula-sem-cabeça.Hámuitosjeitosdepegarsaci,masomelhoréodepeneira.Arranja-seumapeneiradecruzeta...
—Peneiradecruzeta?—interrompeuomenino.—Queéisso?—Nuncareparouquecertaspeneirastêmduastaquarasmaislargasquesecruzambemnomeioe
servemparareforço?Olheaqui—etioBarnabémostrouaomeninoumadastaispeneirasqueestavaalinumcanto.Poisbem,arranja-seumapeneiradestasefica-seesperandoumdiadeventobemforte,emquehajarodamoinhodepoeiraefolhassecas.Chegadaessaocasião,vai-secomtodoocuidadoparaorodamoinhoezás!—joga-seapeneiraemcima.Emtodososrodamoinhoshásacidentro,porquefazerrodamoinhoséjustamenteaprincipalocupaçãodossacisnestemundo.
—Edepois?—Depois,seapeneirafoibematiradaeosacificoupreso,ésódarjeitodebotareledentrode
umagarrafaearrolharmuitobem.Nãoesquecerderiscarumacruzinhanarolha,porqueoqueprendeosacinagarrafanãoéarolhaesimacruzinhariscadanela.Éprecisoaindatomaracarapucinhadeleeaesconderbemescondida.Sacisemcarapuçaécomocachimbosemfumo.Eujátiveumsacinagarrafa,quemeprestavamuitosbonsserviços.MasveioaquiumdiaaquelamulatinhasapecaquemoranacasadocompadreBastiãoetantolidoucomagarrafaqueaquebrou.Bateulogoumcheirinhodeenxofre.Opernetapulouemcimadasuacarapuça,queestavaalinaqueleprego,e“atélogo,tioBarnabé!”
Depoisdetudoouvircomamaioratenção,Pedrinhovoltouparacasadecididoapegarumsaci,custasseoquecustasse.ContouoseuprojetoaNarizinhoelongamentediscutiucomelasobreoquefarianocasodeescravizarumdaquelesterríveiscapetinhas.Depoisdearranjarumaboapeneiradecruzeta,ficouàesperadodiadeSãoBartolomeu,queéomaisventosodoano.
Custouachegaressedia,talerasuaimpaciência,masafinalchegou,edesdemuitocedoPedrinhofoipostar-senoterreiro,depeneiraempunho,àesperaderodamoinhos.Nãoesperoumuitotempo.Umforterodamoinhoformou-senopastoeveiocaminhandoparaoterreiro.
—Éhora!—disseNarizinho.—Aquelequevemvindoestácommuitojeitodetersacidentro.Pedrinhofoiseaproximandopéantepée,derepente,zás!—jogouapeneiraemcima.
—Peguei!—gritounoaugedaemoção,debruçando-secomtodoopesodocorposobreapeneiraemborcada.—Pegueiosaci!...
Ameninacorreuaajudá-lo.— Peguei o saci!— repetiu o menino vitoriosamente.— Corra, Narizinho, e traga-me aquela
garrafaescuraquedeixeinavaranda.Depressa!Ameninafoinumpévoltounoutro.—Enfieagarrafadentrodapeneira—ordenouPedrinho—enquantoeucercodoslados.Assim!
Isso!...Ameninafezcomoelemandavaecommuitojeitoagarrafafoiintroduzidadentrodapeneira.—Agoratiredomeubolsoarolhaquetemumacruzriscadaemcima—continuouPedrinho.—
Essamesma.Dêcá.Pela informaçãodo tioBarnabé, logoqueagentepõeagarrafadentrodapeneirao sacipor si
mesmo,entradentrodela,porque,comotodososfilhosdastrevas,tematendênciadeprocurarsempreolugarmais escuro.Demodo que Pedrinho omais que tinha a fazer era arrolhar a garrafa e erguer apeneira.Assimfez,efoicomoardevitóriadequemhouvesseconquistadoumimpérioquelevantounoaragarrafaparaexaminá-lacontraaluz.
Masagarrafaestavatãovaziacomoantes.Nemsombradesacidentro...Ameninadeu-lheumavaiaePedrinho,muitodesapontado,foicontarocasoaotioBarnabé.—E,assimmesmo—explicouonegrovelho.—Sacinagarrafaéinvisível.Agentesósabeque
ele está lá dentro quando a gente cai na modorra. Num dia bem quente, quando os olhos da gentecomeçam a piscar de sono, o saci pega a tomar forma, até que fica perfeitamente visível. E dessemomentoemdiantequeagentefazdeleoquequer.Guardeagarrafabemfechada,quegarantoqueosaciestádentrodela.
Pedrinhovoltouparacasaorgulhosíssimocomasuafaçanha.—Osaciestáaquidentro,sim—disseeleaNarizinho,—Masestáinvisível,comomeexplicou
tioBarnabé.Paraagenteverocapetinhaéprecisocairnamodorra—erepetiuaspalavrasqueonegrolhedissera.
Quemnãogostoudabrincadeira foiapobre tiaNastácia.Comotinhaummedohorrívelde tudoquantoeramistério,nuncamaischegounemnaportadoquartodePedrinho.
—Deusme livrede entrar numquartoondehágarrafa com saci dentro!Credo!Nemsei comoDonaBentaconsentesemelhantecoisaemsuacasa.Nãopareceatodecristão...
CapítuloVI
AMODORRA
UmdiaPedrinhoenganouDonaBentaqueiavisitarotioBarnabé,masemvezdissotomouorumo
damatavirgemde seus sonhos.Nemobodoque levouconsigo. "Paraquebodoque, se levoo sacinagarrafaeeleéumaarmamelhordoquequantocanhãooumetralhadoraexiste?"
Quebeleza!Pedrinhonuncasupôsqueumaflorestavirgemfossetãoimponente.Aquelasárvoresenormes, velhíssimas, barbadas de musgos e orquídeas; aquelas raízes de fora dando idéia demonstruosassucuris;aquelescipóstorcidoscomosefossemredes;aquelagalharada,aquelafolharadaesobretudoaqueleambientedeumidadeesombra,lhecausaramumaimpressãoquenuncamaisseapagou.
Volta emeia ouvia um rumor estranho, de inambu ou jacu a esvoaçar por entre a folhagem, ouentão, de algum galho podre que tombava do alto e vinha num estardalhaço — brah, ah, ah... —esborrachar-senochão.
E quantas borboletas, das azuis, como cauda de pavão; das cinzentas, como casca de pau; dasamarelas,cordegemadeovo!
Epássaros!Oraumenormetucanodebicomaiorqueocorpoelindopapoamarelo.Oraumpica-pau, que interrompia o seu trabalho de bicar a madeira de um tronco para atentar no menino cominterrogativacuriosidade.
Até um bando de macaquinhos ele viu, pulando de galho em galho com incrível agilidade ebalançando-se,penduradospelacauda,comopêndulosderelógio.
Pedrinho foi caminhando pela mata adentro até alcançar um ponto onde havia uma água muitolímpida,quecorria,cheiadebarulhinhosmexeriqueiros,porentrevelhaspedrasverdoengasdelimo.Emredor erguiam-se as esbeltas samambaiaçus, esses fetos enormes que parecem palmeiras. E quantaavencadefolhagemmimosa,equantomusgopelochão!
Encantadocomabelezadaquelesítio,omeninoparouparadescansar.Juntouummontedefolhascaídas; fezcama;deitou-sedebarrigaparaoaremãoscruzadasnanuca.Eali ficounumenlevoquenuncasentiraantes,pensandoemmilcoisasemquenuncapensaraantes,seguindoovôosilenciosodasgrandesborboletasazuiseembalando-secomochiardascigarras.
Derepentenotouqueosacidentrodagarrafafaziagestosdequemquerdizerqualquercoisa.Pedrinhonãoseadmiroudaquilo.Eratãonaturalqueocapetinhaafinalaparecesse...—Queaconteceuqueestáassiminquieto,meucarosaci?—perguntou-lheemtombrincalhão.—Aconteceuqueestelugaréomaisperigosodafloresta;equeseanoitepilharvocêaqui,era
umavezonetodeDonaBenta...Pedrinhosentiuumarrepiocorrer-lhepelofiodaespinha.—Porquê?—perguntou,olhandoressabiadamenteparatodososlados.—Porque é justamente aqui o coraçãodamata, pontode reuniãode sacis, lobisomens, bruxas,
caiporaseatédamula-sem-cabeça.Semmeusocorrovocêestaráperdido,porquenãohámais tempoparavoltarparacasa,nemvocêsabeocaminho.Masomeuauxílioeusódareisobumacondição...
—Jásei,restituiracarapuça—adiantouPedrinho.
—Issomesmo.Restituir-meacarapuçaecomelaaliberdade.Aceita?Pedrinhosentiamuitover-seobrigadoaperderumsaciquetantolhecustaraaapanhar,mascomo
nãotinhaoutroremédiosenãoceder, jurouqueo libertariaseosacio livrassedosperigosdanoiteepelamanhãoreconduzisse,sãoesalvo,àcasadeDonaBenta.
—Muitobem—disseosaci.—Masnessecasovocêtemdeabriragarrafaemesoltar.Tereiassimmaisfacilidadedeação.Vocêjurouquemeliberta;eudouminhapalavradesaciquemesmosoltooajudareiem tudo.Depoisoacompanhareiatéosítiopara receberminhacarapuçaedespedir-medetodos.
Pedrinhosoltouosacieduranteorestodaaventuratratou-omaiscomoumvelhocamaradadoquecomoumescravo.Assimqueseviuforadagarrafa,ocapetapôs-seadançareafazercabriolascomtantoprazerqueomeninoficouarrependidodeportantosdiasterconservadopresaumacriaturinhatãoirrequietaeamigadaliberdade.
—Vourevelarossegredosdamatavirgem—disse-lheosaci—e talvezsejavocêaprimeiracriaturahumanaa conhecer tais segredos.Paracomeçar, temosde ir ao“sacizeiro”ondenasci,ondenascerammeusirmãoseondetodosossacisseescondemduranteodia,enquantoosolestáfora.Osoléonossomaiorinimigo.Seusraiosespantam-nosparaastocasescuras.Somososeternosnamoradosdalua.Éporissoqueospoetasnoschamamdefilhosdastrevas.Sabeoqueétrevas?
—Sei.Oescuro,aescuridão._Poiséisso.Somosfilhosdastrevas,comoosbeija-flores,ossabiáseasabelhassãofilhosdo
Sol.Assim falando, o saci levou omenino para uma cerradamoita de taquaraçus existente numdos
pontosmaisespessosdafloresta.Pedrinhoassombrou-sediantedasdimensõesdaquelesgomosquaseda suaalturaegrossosque
nemumalaranjadeumbigo.
CapítuloVII
ASACIZADA
—Éaqui,dentrodestesgomos,quesegeramecrescemmeusirmãosdeumapernasó—disseo
saci.—Quandochegamemidadedecorrermundo,furamosgomosesaltamfora.Reparequantosgomosfurados.Decadaumdelesjásaiuumsaci.
Pedrinho viu que era exato o que ele dizia,mostrou desejos de abrir um gomo para espiar umsacizinhonovoaindapresoládentro.
—Vousatisfazerasuacuriosidade,Pedrinho,masnãopossorevelarosegredodefurarosgomos;portanto,vire-sedecostas.
O menino virou-se de costas, assim ficando até que o saci dissesse — “Pronto!” Só entãodesvirou-seecomgrandeadmiraçãoviuabertanumgomoumaperfeitajanelinha.
—Possoespiar?—perguntou.—Espie,mascomumolhosó—respondeuosaci.—Seespiarcomosdois,osacizinhoacordae
joganosseusolhosabrasadopitinho.Omeninoassimfez.Espioucomumolhosóeviuumsacizinhodotamanhodeumcamundongojá
depitinhoacesonabocaecarapucinhanacabeça.Estavatodoencolhidonofundodogomo.—Quegalanteza!—exclamouPedrinho.—Quepenaopovoládecasanãoestaraquiparaver
estamaravilha!—Essesacizinhoaindaficaaídurantequatroanos.Acontadanossavidadentrodosgomossãode
seteanos.Depoissaímosparavivernomundosetentaeseteanosjustos.Alcançandoessaidadeviramoscogumelosvenenosos,ouorelhas-de-pau.
Pedrinho regalou-se de contemplar o sacizinho adormecido e ali ficaria horas se o saci nãopuxassepelamanga.
—Chega—disseele.—Vire-sedecostasoutravez,queétempodefecharajanelinha.Pedrinho obedeceu, e quando de novo olhou não conseguiu perceber no gomo do taquaruçu o
menorsinaldajanelinha.Justamentenesseinstanteumformidávelmiadodegatoferiuosseusouvidos.—É o jaguar!— exclamou o saci.—Trepemos depressa numa árvore, porque ele vemvindo
nestadireção.Pedrinho,tomadodepânico,fezgestodesubirnaprimeiraárvorequeviuàsuafrente,umvelho
jacarandácobertodebarbas-de-pau.—Nessa, não!—berrou o saci.—Émuito grossa; o jaguar treparia atrás de nós. Temos que
escolherumadecascabemlisaetroncoesguio.Aqueleguarantãaliestáótimo—concluiu,apontandoparaumaárvorebastantealtaemagrinhadetronco,queseviaàesquerda.
Subiram—enuncaemsuavidaPedrinhosubiutãodepressaemumaárvore!Tinhaaimpressãodequeoterríveltigredossertõesestavaatrásdele,jádebocaaberta,paraoengolirvivo.Maserailusãoapenas,filhadomedo,poisaferamiououtravezeosacicalculoupelosomqueaindadeveriaestara
cemmetrosdali.Pedrinhoajeitou-secomopôdenumaforquilhadaárvore,láficandoquietinhoaoladodosaci.
Preparou-separaverumaferasobreaqualviviafalandomassemterarespeitoidéiajusta.Iaverafamosaonça-pintada,essegatãoquemuitolembraapanteradasmatasdaÍndia.
CapítuloVIII
AONÇA
Omiadosooudenovo,destavezbemperto,elogodepoissurgiu,porentreasfolhasacabeçade
uma formidável onça-pintada. Era um animal de extrema beleza, quase tão grande como o tigre deBengala.Parou;farejouoar.Depoisergueuosolhosparaaárvore.Dandocomomeninoeosaciláemcima, soltou um rugido de satisfação, como quemdiz: "Achei omeu jantar!"E tentou subir à árvore.Vendoqueissolheeraimpossível,sacudiuotroncotãoviolentamentequeporumtrizPedrinhonãoveioabaixo, como se fosse jaca madura. Mas não caiu, e a onça, desanimada, resolveu esperar que eledescesse.Sentou-senaspatastraseirasealificouquieta,sómovendoacaudaepassandodequandoemquandoalínguapelosbeiços.
—Elaécapazdepermanecernessaposiçãotrêsdiasetrêsnoites—disseosaci.—Temosqueinventarummeiodeafugentá-la.
Olhouemredor,examinandoasárvorescomoquemestácomumaidéianacabeça.Depoissaltouparaamaispróximaefoidecopaemcopaatéumaqueestavacheiadegrandesvagens.Escolheumeiadúziadasmaissecasevoltouparajuntodomenino.
—Aparenasmãosopóquevoudeixarcairdestasvagens—disseele,abrindocomosdentesumadelas.
Pedrinhoestendeuasmãosemformadecuiaeosacisacudiudentroumpóamarelado.Omesmofoifeitocomasoutrasvagens.
—Bem.Agoraderrameestepóbemaprumo,demodoquevácairsobreacaradaonça.Pedrinhocolocou-seemlinhaverticalcomáferaederramoudeumjatoopóamarelo.Foiumabelezaaquilo!Quandoopócaiusobreosolhosdaonça,eladeutamanhopinotequefoi
pararacincometrosdedistância,sumindo-seemseguidapelomatoadentro,aurrardedoreaesfregarosolhoscomosequisessearrancá-los.
Pedrinhodeuumarisadagostosa.— Que diabo de pó é este, amigo saci? — perguntou. —Vejo que vale mais que uma boa
carabina...—Issosechamapó-de-mico.Ardenosolhoscomopimentaedánapeleuma talcoceiraquea
vítimaatésecoçaracomumraloderalarcoco,seotiveraoalcancedamão.Pedrinho escorregou da árvore abaixo, ainda a rir-se da pobre onça.Mas não se riu pormuito
tempo.Maltinhadadoalgunspassos,recuouespavorido.
CapítuloIX
ASUCURI
— Um monstro! Acuda, saci! Um monstro com corpo de cobra e cabeça de boi!... — gritou
Pedrinho,trepandodenovonoguarantãcomvelocidadeaindamaiorquedaprimeiravez.Osacifoiveroqueeraevoltoudizendo:— É uma sucuri que acaba de engolir um boi. Desça que não há perigo. Ela está dormindo e
dormiráassimdoisoutrêsmesesatéqueoboiestejadigerido.Apesardaconfiançaqueosaci lhemerecia,omenino foipulandodeárvoreemárvoreparasó
desceracempassosdali.Mascomoatentaçãodeverasucurifossegrande,foivoltando,voltando,atéchegarempontodeondepudesseobservá-laàvontade.
Era das maiores que se poderiam encontrar, devendo ter pelo menos uns trinta metros decomprimentoeagrossuradacabeçadeumhomem.Pedrinhonãopodiacompreendercomoumboiinteiropudessecaberdentrodela.
—Muitosimples—explicouosaci.—Asucurienlaçaoboi,quebra-lhetodososossoseamassa-o de talmaneira que o torna comprido como chouriço.Depois cobre-lhe o corpo de uma babamuitolubrificante e começa a engoli-lo sem pressa. Vai indo, vai indo, até que dá com o boi inteiro noestômago;sóficamdeforaacabeçaeoschifres.Elevamesesassim,atéqueadigestãosecomplete.Quandoestánesseestado,a sucurinãoofereceperigonenhum,porque fica inerte, caídaemestadodesonolência.
EnãofoisóessacobraquePedrinhoconheceunaqueledia.Logodepoispercebeuumruídosecodeguizos.Eraumacascavelquepassava;muitoaflita,comoquefugindodealguminimigo.
—Queseráqueaestáperseguindo?—indagouele.—Algumamuçurana— respondeu o saci.—Asmuçuranas são cobras sem veneno que só se
alimentamdecobrasvenenosas.Lávemuma!Defato,umamuçuranadecorescurasurgiunorastrodacascavel,quefoialcançadalogoadiante.Lutaterrível!Pedrinhonuncaimaginouumtalespetáculo.Amuçuranaenleou-senacascaveleas
duas rebolaram no chão comominhocas loucas.Muito tempo estiveram assim. Finalmente a cascavelmorreusufocada,eamuçuranaengoliu-ainteirinha,apesardeseremambasdomesmotamanho.
— Que horror! — exclamou Pedrinho. — A vida nesta floresta não tem sossego. Só agoracompreendoporqueosanimaisselvagenssãotãoassustados.Avidadelescorreumriscopermanente,demodoquesóescapamosqueestãocomtodosossentidossemprealertas.
—Éoqueossábioschamamalutapelavida.Umacriaturavivedaoutra.Umacomeaoutra.Masparaqueumacriaturapossacomeraoutra,éprecisoquesejamaisforte—docontráriovaicomeresaicomida.
—Maisfortesó?—Maisforteoumaisesperta.Aquinamatatodosprocuramserfortes.Osquenãoconseguemser
fortes,tratamdeserespertos.Namaiorpartedoscasosaespertezavalemaisdoqueaforça.Ossacis,porexemplo,nãosãofortes—masninguémosvenceemesperteza.
CapítuloX
AFLORESTA
—Poisassimé—continuouosaci.—Aleidaflorestaéaleidequempodemais—ouporter
maisforça,porsermaiságil,ouporsermaisastuto.Aastúcia,principalmente,éumagrandecoisanafloresta.Estávendoaliaquelegalhinhoseco?
—Sim.Umgalhinhocomooutroqualquer—respondeuomenino.—Poisestámuitoenganado—replicouosaci.—Nãoégalhonenhum,simumbichinhoquefinge
degalhosecoparanãoseratacadopelosinimigos.Pedrinhonãoquisacreditar,mascutucandoogalhinhoviuqueelesemexia.Ficouassombradoda
esperteza.—Bemdizvovóqueamataéperigosa!Umquenãosabehádelevarcadalogroaqui...—Eaquilo?—perguntouosaciapontandoparaumafolha.—Quepareceavocêqueaquiloé?Pedrinho olhou; viu bem que era uma folha de árvore;mas como já estava ficando sabido nas
traiçõesdafloresta,piscouparaosaciedisse:—Destaveznãocaionaesparrela.Parecequeéumafolha,mascomcertezaéoutrobichinhoque
sedisfarçaemfolha.Ecutucou-aparaversemexia.Afolha,porém,nãosemexeu.—Éfolhamesmo,bobinho!—disseosacidandoumarisada.—Aindaémuitocedoparavocê
"ler" a mata. Isto é livro que só nós, que aqui nascemos e vivemos toda vida, somos capazes deinterpretar.Ummeninodacidade,comovocê,entendetantodanaturezacomoeuentendodegrego.
—Realmente,saci!Estouvendoqueaquinamatasouumperfeitobobinho.Masdeixeestarqueaindaficareitãosabidocomovocê.
—Sim,comotempoemuitaobservação.Quemobservaeestuda,acabasabendo.Aqui,porém,nósnãoprecisamosestudar.Nascemossabendo.Temosoinstintodetudo.Qualquerdessesbichinhosquevocêvê,malsaidoscasulosejásemostraespertíssimo,nãoprecisandodosconselhosdospais.Bemconsideradasascoisas,Pedrinho,parecequenãoháanimalmaisestúpidoelerdoparaaprenderdoqueohomem,nãoacha?
Oorgulhodomeninoofendeu-secomaquelaobservação.Ummiserávelsaciafazerpoucocasodoreidosanimais!Erasóoquefaltava...
—Oquevocêestádizendo—replicouPedrinho—étolicepurasemmistura.Ohomeméoreidosanimais.Sóohomemteminteligência.Sóelesabeconstruircasasdetodojeito,emáquinas,pontes,eaeroplanos,e tudoquantohá.Ah,ohomem!Vocênãosabeoqueohomemé, saci!Eraprecisoquetivesselidooslivrosqueeuliemcasadavovó...
CapítuloXI
DISCUSSÃO
Osacideuumagargalhada.— Que gabolice! — exclamou. — Casas? Qual é o bichinho que não constrói sua casa na
perfeição?Vejaadasabelhas,oudasformigas,ouoscasulos.Poderãoexistirhabitaçõesmaisperfeitas?Todosaquinamatamoram.Cadauminventaoseujeitodemorar.Todosmoram.Todos,portanto, têmsuascasinhas,ondeficammuitomaisbemabrigadosdoqueoshomenslánascasasdeles.Ocaramujo,esseentãoatéinventouosistemadecarregaracasaàscostas.Éomaisesperto.Vaiandando.Assimqueoperigoseaproxima,arreiaacasaemete-sedentro.
—Casa,válá—dissePedrinhomeioconvencido.—Masaeroplano?Quebichinhodaquiseriacapazdeconstruiraviõescomonóshomensosconstruímos?
Outrarisadadosaci.—,Pedrinho,vocêestá-mesaindotãoboboqueatémecausadó.Aviões!Poisnãovêqueoavião
éamaisatrasadamáquinadevoarqueexiste?Aquiosbichinhosdeasasestãodetalmodoadiantadosque nenhum precisa demostrengos como o tal avião. Todos possuem no corpo um aparelho de voaraperfeiçoadíssimo.Nãovêquevoam,bobo?Outrodiaassistiaumacenamuitointeressante.Euestavapertodumalagoacheiadepatos,quandoumaviãopassouvoandoporcimadasnossascabeças.Ospatosentreolharam-se e riram-se.Você sabe, Pedrinho, que bicho estúpido é o pato. Poismesmo assim umdelesdissecommuitasabedoria:"Pareceincrívelqueoshomenssegabemdeterinventadoumacoisaquenósjáusamoshátantosmilharesdeanos..."
—Sim—continuouPedrinho—masnóssabemoslerevocêsnãosabem.—Ler!Eparaqueserveler?Seohomeméamaisbobadetodasascriaturas,dequeadiantasaber
ler?Queéler?Leréumjeitodesaberoqueosoutrospensaram.Masqueadiantaaumbobosaberoqueoutrobobopensou?
Erademaisaquilo.Pedrinhoencheu-sedecólera.—Nãocontinue,saci!Vocêestámeofendendo.Ohomemnãoénadadoquevocêdiz.Ohomemé
aglóriadanatureza.—Glóriadanatureza!—exclamouocapetinhacomironia.—Ouestárepetindocomopapagaioo
que ouviu alguém falar ou então você não raciocina. Inda ontem ouvi Dona Benta ler num jornal oshorroresdaguerranaEuropa.Bastaqueentreoshomenshaja issoqueeles chamamguerra,paraquesejamclassificadoscomoascriaturasmaisestúpidasqueexistem.Paraqueguerra?
—Evocêsaquinãousamguerrastambém?Nãovivemaperseguirecomerunsaosoutros?—Sim;umcomerooutroéa leidavida.Cadacriatura temodireitodeviverepara issoestá
autorizadaamatarecomeromaisfraco.Masvocêshomensfazemguerrasemsermovidospelafome.Matamoinimigoenãoocomem.Estáerrado.Aleidavidamandaquesósemateparacomer.Matarpormatarécrime.Esóentreoshomensexisteissodematarpormatar—poresporte,porglória,comoelesdizem.Qual,Pedrinho,nãosemetaadefenderobichohomem,quevocêseestrepa.EtratedefazercomoPeterPan.queembirroudenãocrescerparaficarsempremenino,porquenãohánadamaissemgraçade
quegentegrande.Setodososmeninosdomundofizessemgreve,comoPeterPan,enenhumcrescesse,ahumanidade endireitaria. A vida lá entre os homens só vale enquanto vocês se conservam meninos.Depoisquecrescem,oshomensviramumacalamidade,nãoacha?Sóoshomensgrandesfazemguerra.Bastaisso.Osmeninosapenasbrincamdeguerra.
Pedrinhonadarespondeu.Estavaumtantoabaladopelasestranhasidéiasdosaci.QuandovoltasseparacasairiaconsultarDonaBentaparasaberseeraassimmesmoounão.
CapítuloXII
OJANTAR
Osoljáestavadescambandoeomeninosentiufome.Haviaesquecidodetrazermatalotagem.—Amigosaci,estousentindoumacoisachamadafome.Mostre-measuahabilidadeemsair-sede
todososapuros,arranjandoumjantar.—Nadamaisfácil—respondeuocapetinha.Gostadepalmito?—Gosto,sim.Mascomopoderemosderrubarumapalmeiratãoaltaparacolheropalmito?Sem
machadoéimpossível.Osacideuumarisada.—Não há impossíveis paramim, quer ver?— emetendo dois dedos na boca tirou um agudo
assobio.Imediatamenteumenormebesourão,chamadoserra-pau,surgiudoseiodafloresta.Osacifez-lhe
unssinaiseobesourão,voandoparaoaltodumapalmeiradetroncofino,masmuitoalta,abarcouabasedopalmitoentreosseus ferrõesdentadoscomoumserroteecomeçouagirarcomgrandevelocidade,zunindocomoumaeroplano—zunnn...
Emmenosde cincominutoso troncodapalmeira estava serrado, e opalmito, acompanhadodacopa,veiocomgrandeestardalhaçoaochão.
—Bravos!—exclamouomenino.—Nuncaimagineiquenestamatahouvesseserradortãohábil.Queroagoravercomovocêpreparaopetisco.
—Muito fácil— disse o saci.—Fogo não falta. Tenho sempre fogo nomeu pitinho. Panelastambémnãofaltam.Esóprocurarporaíalgumacascadetatu.Águatemosdentrodosgomosdetaquara;bastaracharumoudois.Eparagordura,ésóquebrarumaporçãodecoquinhoseespremerentreduaspedrasoóleodasamêndoas.
—Esal?—Eomaisdifícil;mascomohámel,vocêcomerápalmitopreparadosobformadedoce,queé
aindamaisgostoso.Eassimfoifeito.EmmenosdevinteminutosestavadiantedePedrinhoumacascadetatucheiade
um doce de palmitomuito bem preparado. Omenino comeu a fartar e ainda teve uma sobremesa deamorasdomato,queosacicolheualimesmo.
—Hámuito tempoquenãocomocomtantoapetite!—comentouPedrinhodepoisqueencheuopapo.—VocêéumcozinheiroaindamelhorquetiaNastácia,queéaprimeiracozinheiradomundo.
E,dandotapinhasnabarriga,pôs-seapalitarosdentescomumcompridoespinhodebrejaúva.Atardeiamorrendo.NãotardouquePedrinhovissebrilharnocéu,porentreumanesgaabertana
copadasárvores,aprimeiraestrelinha,Que coisa impressionante era a noite! Até aquele momento Pedrinho ainda não havia prestado
atençãonisso.Noiteemcasanãoénoite.Acende-seo lampião, fecha-seaportadarua—equeédanoite?
Masali,oh,alianoiteoeradeverdade-—dasimensas,dascompletamenteescuras,apenascomaquelesvaga-lumesparadosnocéuqueoshomenschamamestrelas...
CapítuloXIII
NOVASDISCUSSÕES
Tinhamdeesperarameia-noite,porquesóaessahora,équeosduendesdaflorestasaemdesuas
tocas.Paramatarotempo,osacicomeçouaexplicaraPedrinhooqueeraavidananatureza.—Vocênuncapoderáfazeridéiadavidaencantadaquetemosporaqui—disseele.—Ora, ora!—exclamouomenino.—Nãoháoqueoshomensnão saibam.Vovó tem lá uma
HistóriaNaturalquecontatudo.Osaciriu-seetirouumabaforadadopitinho.— Tudo? Ah, ah, ah!... Livros como esses não contam nem isca do que é, e estão cheios de
invençõesouerros.Bastadizerqueparacadainsetoseriaprecisoumlivrointeirosóparacontaralgumacoisadavidinhadeles.Equantosinsetosexistem?Milhões...
—Emtodocaso—volveuPedrinho—nós,homens,pomosoquesabemosnos livrosevocêssacisnãoescrevemcoisanenhuma.Nuncahouvelivrosentrevocês,equemnãoescreveobrasnãopodeensinaraosfilhosoquesabe.
—Nãotemoslivros—disseosaci—porquenãoprecisamosdelivros.Nossosistemadesaberascoisasédiferente.Nósadivinhamosascoisas.Herdamosa sabedoriadenossospais, comovocês,homens herdam propriedades ou dinheiro. Nascer sabendo! Isso é que é o bom. Um pernilongo, porexemplo.Sabecomoéavidinhadele?Nascenaágua,saídodeumovinho.Logoquesaidoovinhoaindanão é pernilongo—éoquevocês chamam"larva"—umaespécie depeixinhoquenada emergulhamuitobem.Umdiaessalarvacriaasas,pernascompridasevoa.Equefazquandovoa?
—Vaicantaramúsicadofiunepicaraspessoasqueestãodormindoemsuascamas.Eissooqueessesmalvadinhosfazem.
—Muitobem!—tornouosaci.—Equemensinaopernilongoafazerisso?Ospais?Não,porquedepoisdesoltarosovosnaáguaospaisdospernilonguinhosmorrem.Oslivros?Não,porqueelesnãotêmlivros.Poisapesardissosabemtudoquantoprecisamsaber.Sabemquenocorpodasgenteshásangue,equeosangueéoalimentodeles.Sabemqueasgentesmoramemcasas.Sabemqueamelhorhoradesugarosanguedasgentesédenoite,porqueestãodormindo.Esemqueospais lhesensinemcoisanenhuma,ouqueasaprendamnoslivros,ospernilonguinhoslogoquesaemdaáguavãoembuscadas casas, entram, escondem-se nos escuros, esperam que todos durmam e sossegadamente picam aspessoas e enchem de sangue as suas barriguinhas. Depois escapam pelas janelas e voltam àmata ououtros sítios, emprocura de agüinhas paradas onde poremos ovos.E assim eternamente. Sabem tudodireitinho—eninguémosensina.Logo,elestêmaciênciadetudodentrodesimesmos,comovocêstêmtripaseestômagoepacuera.
Pedrinhotevedeconcordarqueeraassimmesmo.Osacicontinuou:—Ecomofazemospernilongos,assimtambémfazemtodasasoutrasvidinhasaquidafloresta.
Cadaqualnascesabendofazerocerto—enãoerram.Osgrilosnascemsabendoabrirburacos.Háuminsetochamadobombardeiro.Seoutromaioroataca,vira-sedecostaselança-lhenofocinhoumlíquidoqueseevaporaimediatamenteetonteiaoinimigo.Quandoestevoltaasi,obombardeirojáestálonge.
Quemoensinaafazerisso?Ninguém.Nascesabendo.Certosbesouros,quandoquerempôrovos,fazemoseguinte:pegamumapequenaquantidadedeestercoeavão rolandopelochãocomaspatasdetrás.Paraquê?Paraformarumabola.Quandooestercoestáumabolabemredondinha,elesafuramebotamlá dentro os ovos. Quem ensina esses besouros a fazer essas bolas tão redondinhas? Os pais? Não!Algumlivro?Não!Elesnascemsabendo.
—Sim—dissePedrinho.—Nascemsabendoenóstemosdeaprendercomosnossospaisounoslivros.Issosóprovaonossovalor.Queméritoháemnascersabendo?Nenhum.Mashámuitoméritoemnãosabereaprenderpeloestudo.
—Perfeitamente—concordouosaci.—Nãonegooméritodoesforçodoshomens.Oquedigoéqueelessãoseresatrasadíssimos—tãoatrasadosqueaindaprecisamaprenderporsimesmos.Enóssomos seres aperfeiçoadíssimos porque já não precisamos aprender coisa nenhuma. Já nascemossabidos. Que é que você preferia: ter nascido já com toda a ciência da vida lá dentro ou ter de iraprendendotudocomomaioresforçoeàcustademuitoserros?
Omeninofoiobrigadoaconcordarqueomaiscômodoserianascersabendo.—Sim,nessepontovocêtemrazão,saci.Masqueéquefaztodasessasvidinhasviverem?Estáaí
umacoisaqueminhacabeçanãocompreende.—Ah, isso é o segredo dos segredos!— respondeu o saci.—Nem nós sabemos.Mas o que
aconteceéoseguinte:dentrodecadacriatura,bichinhoouplantinha,háumaforçaqueaempurraparaafrente.EssaforçaéaVida.Empurraediznoouvidodascriaturinhasoqueelasdevemfazer.Avidaéumafadainvisível.Eelaquefazopernilongoirpicaraspessoasnascasasdenoite;equemandaogriloabrirburaco;equeensinaobombardeiroabombardearseusatacantes.
— Mas é invisível até para vocês sacis, que enxergam mais coisas do que nós homens? —perguntouPedrinho.
—Sim.Eu que enxergo tudo nunca pude ver a fadaVida. Só vejo os efeitos dela.Quando umpassarinhovoa,euvejoovôodopassarinho,masnãovejoafadadentrodeleaempurrá-lo.
—Entãoeladevesercomoagasolinadosautomóveis.Semgasolinaoscarrosnãoandam.—Perfeitamente—concordou o saci—mas comumadiferença: nos automóveis a gente vê e
cheiraagasolina,masaGasolina-Vidaninguémaindaconseguiuvernemcheirar.—Emorrer?Queémorrer?AVidaentãoacaba,comoagasolinadoautomóvel?—AVidamuda-sedeumserparaoutro.Quandooserjáestámuitovelhoeescangalhado,aVida
achaquenãovalemaisapenacontinuarlidandocomeleeabandona-o.Vaimovimentarumnovoser.Afadainvisíveldiverte-secomisso.
Pedrinhoficoumuitoimpressionado.Afadainvisíveltambémmoravadentrodele,eoempurravaparaa frente.Eraquemo fazia ter fomeecomer, ter sedeebeber, ter sonoedormir,querercoisaseprocurá-las. Mas um dia essa boa fada se enjoaria dele. Por quê? Porque ele já estaria de cabelosbrancosesemosdentesnaturais,ecomreumatismonasjuntas,ecatacegoecomapeletodaenrugada,ecomocoração tão fracoqueatépara subira escadinhadavarandaseriaumaproeza.Eentãoa fadatorceriaonarizeseenjoariadele:—"Sabequemais,SenhorPedrinho,Vocêestáumcacovelhoeeunãogostodisso.Vouprocuraroutroente"—eoabandonariaeeleentãomorreria.
EssaidéiaentristeceuPedrinho,porqueaidéiaquenãoentristeceninguémébemoutra:éaidéiadenãomorrernunca,nunca...
Conversouarespeitocomosaci.— Ora, ora! — disse este. — O que morre é o corpo só, a parte que em nós tem menos
importância.Agrandecoisaquehá emnós, enosdiferenciadaspedras edospauspodres,queé?AVida.Eessanãoacabanunca—muda-sedumserparaoutro.Talqualaeletricidade.Quandoapequenabateria daquela lâmpada elétrica que você tem se descarrega, a bateria morre — mas morreu aeletricidade?Não.Apenasmudou-se.Saiudaquelabateriaefoiparaoutra,oufoiparaasnuvens,oufoi
paraondequis.Assimcomoaeletricidadenãomorre,aVidatambémnãomorre.AVidaéumaespéciedeeletricidade.
—Maseunãoqueriaque fosseassim—lamentouPedrinho.—Tenhodódomeucorpo.Estasmãos, por exemplo, disse ele abrindo-as. Estou tão acostumado com elas... Desde pequenininhos queestasmãosfazemtudooqueeuquero,eficotristedelembrarqueumdiavãoficarparadas,mortas...
—Piordoqueperderasmãoséperderosolhos—disseosaci.—Járeparoucomoétristenãoterolhos,outê-losenãovernada?Fecheosolhosbemfechados.
Pedrinhofechou-osbemfechados.Osacidisse;— Pois quando a fada invisível abandonar o seu corpo, Pedrinho, seus olhos vão ficar assim,
cegos— como se não existissem, e nuncamais serão olhos, que hoje vêem tanta coisa, verão coisanenhuma.Nuncamais,nuncamais...
Pedrinhosentiuumatristezatãograndequequasechorou—masosacideuumagranderisada.—Bobo!Oquenessesseusolhosenxerga,nãosãoosolhos:éafadainvisívelquehádentrode
você.Afadaécomooastrônomonotelescópio;eosolhossãocomootelescópiodoastrônomo.Qualéomaisimportante:otelescópioouoastrônomo?
—Eoastrônomo—dissePedrinho.—Poisentãoalegre-se,porqueoastrônomonãomorrenunca.Otelescópioéquesedesarranjae
quebra...
CapítuloXIV
OMEDO
Longamentefilosofaramosdois,ládebaixodagrandeperobaqueosabrigavadoserenodanoite.
Avidanoturnatãointensaquantoavidadiurna.Entreoshomenstudopáradurantecertapartedanoite,masnaflorestaavidacontinua,porqueunsseresdormemdediaevivemdenoiteeoutrosdormemdenoiteevivemdedia.Assimqueossabiás,sanhaçosetico-ticosserecolhemaosseuspousosouninhos,começamasairdastocasascorujasemorcegos.Easborboletasemariposasnoturnasvêmsubstituirasborboletas e mariposas diurnas, que adormecem logo que chega a noite. E as caças medrosas, tãoperseguidaspeloshomens,saemdenoiteapastarebeberáguanosrios.Eosvaga-lumesquededianãodeixamoslugaresescuros,começamapiscarportodapartecomassuaslanterninhas.
—Esseseusei—disseomenino.—Avidadessesanimaiseuconheçomaisoumenos.Oquemeinteressaagoraéavidadostais"entesdastrevas",comodiztiaNastácia—osmisteriosos—osqueunsdizemqueexistemeoutrosjuramquenãoexistem.
—Compreendo—disseosaci.—Vocêrefere-seaoschamados"duendes","monstros","capetas","gnomos"etc...
—Issomesmo,amigosaci.Andodesconfiandoquetudonãopassadesonho.Eunãovianadanagarrafa,antesde tercaídonaquelamodorra.Assimqueamodorrachegou,vocêapareceunagarrafaecomeçouafalar.Desconfioqueestousonhando...Desconfioqueistoéumpesadelo...Nospesadeloséqueaparecemmonstroshorríveis.Porquê?Porqueéquehácoisashorríveis?
—Porcausadomedo,Pedrinho.Sabeoqueémedo?Omeninogabava-sedenãotermedodenadaexcetodevespaeoutrosbichinhosvenenosos.Mas
nãotermedoéumacoisaesaberqueomedoexisteéoutra.Pedrinhosabiaqueomedoexisteporquediversasvezesoseucoraçãopularademedo.Erespondeu:
—Sei,sim.Omedovemdaincerteza.— Issomesmo—disse o saci.—Amãedomedo é a incerteza e o pai domedo é oescuro.
Enquantohouverescuronomundo,haverámedo.Eenquantohouvermedo,haverámonstroscomooquevocêvaiver.
—Masseagentevêessesmonstros,entãoelesexistem.—Perfeitamente.Existemparaquemosvêenãoexistemparaquemnãoosvê.Porissodigoque
osmonstrosexistemenãoexistem.—Nãoentendo—declarouPedrinho.—Seexistem,existem.Senãoexistem,nãoexistem.Uma
coisanãopodeaomesmotempoexistirenãoexistir._ Bobinho!— declarou o saci.—Uma coisa existe quando a gente acredita nela; e como uns
acreditamemmonstroseoutrosnãoacreditam,osmonstrosexistemenãoexistem.Aquelafilosofiadosacijáestavadandodordecabeçanomenino,oqualsuspirouedisse:—Basta,amigosaci.Nãoqueromaissaberdefilosofias,queroconhecerossegredosdanoitena
floresta.Mostre-meosfilhosdomedoquevocêconhece.Desdequehátantagentemedrosanomundo,devehavermuitosfilhosdomedo.
—Sehá!—exclamouosaci.—Osmedrosossãoosmaiorescriadoresdascoisasqueexistem.Não tem conta o que lhes sai da imaginação. As mitologias daqueles velhos povos estão cheias deterríveiscriaçõesdomedo.AquinestasAméricas,temostambémmuitascriaçõesdomedo,nãosódosíndioschamadosaborígenes,comodosnegrosquevieramdaÁfrica.
Pedrinholembrou-sedotioBarnabé,queeraafricano.—TioBarnabé,porexemplo—disseele—éumdanadoparasaberessascoisas.Conhecetodos
os filhos do medo. Foi ele quem me explicou o caso dos sacis. Conte-me no que é que os índiosacreditavam.
—Osíndios—começouosaci—nãousavamduranteanoiteaquelasluzesqueDonaBentausalánosítio—aqueleslampiõesdequerosene.Nemusavamaluzelétricaquehánascidades.Sóusavamfogueirinhasdepoucaluze,porissoomedoentreosíndioseragrande.Quantomaioréoescuro,maioromedo;equantomaioromedo,maiscoisasaimaginaçãovaicriando.JáouviufalarnoJurupari?
—Não...—Poiséodiabodosíndios,oespíritomauqueaparecenossonhose transformaossonhosem
pesadeloshorríveis.Insônia,mal-estar,inquietação,tudoqueédesagradável,vemdesseJurupari.—Mascomoéele?—Umespíritosemforma,tipooespíritomauquesediverteemagarrarosqueestãodormindoe
causar-lhestodososhorroresdospesadelos.Eparecequeseguraasvítimaspelagarganta,porqueelasesperneiamesedebatem,masnãopodemgritar.
—Oh,eujátiveumpesadeloassim!—disseomenino.—Lembro-memuitobem.Euiacaindonumburacãoenorme.Quisgritarporvovó,masfoiinútil.Avoznãosaía...
—PoiseraoJurupariqueestavaapertandoasuagarganta.Odivertimentodeleéesse.Andadecasaemcasaprovocandopesadeloshorríveisnosqueencontradormindo.
Nessemomentoumruídoentreasfolhaschamouaatençãodeambos.—Psit!...—fezosaci.—Atenção...Qualquercoisavemvindo...Ficaramosdoisimóveis.OcoraçãodePedrinhobatiaapressado.—O Curupira!— sussurrou o saci, quando um vulto apareceu.— Veja... Tem cabelos e pés
viradosparatrás.—Pareceummeninopeludo—murmurouPedrinho.—Eéissomesmo.Éummeninopeludoquetomacontadacaçanasflorestas.Sóadmitequeos
caçadores cacempara comer.Aos quematampormatar, demalvadeza, e aos quematam fêmeas comfilhotesqueaindanãopodemviverporsimesmos,oCurupiraperseguesemdó.
—Bemfeito!Mascomoospersegue?—Demilmaneiras.Umadasmaneirasédisfarçar-seemcaçaeiriludindoocaçadoratéqueele
sepercanomatoemorradefome.Outramaneiraétransformaremcaçaosamigos,osfilhosouamulherdocaçador,demodoquesejammortosporelemesmo.
Pedrinhoachouquenãopodiahavernadamaisjusto.Osaciprosseguiu:—Essequevaipassandoestáapé,masemregraoCurupiraandamontadonumveadoetrazna
mãoumavaradejapecanga.—Queéjapecanga?—Umaplantaqueéremédioparadoençadosangue.Tambéméconhecidacomosalsaparrilha.—Eporqueandacomessavaradejapecanga?Queidéia!—Não sei. Ele é que sabe. E oCurupira temum cachorro de nomePapamel que não o larga.
Assimqueavistaumcaminhantenaestrada,começalogoacantar:
Currupaco,papacoCurrupaco,papaco...
—Issoécantigadepapagaio!—lembrouPedrinho.—NacasadoCoronelTeodoricoháumque
sódizisso.— Pois foi com o Curupira que os papagaios aprenderam o currupaco. Papagaio não inventa
palavras,apenasrepeteasqueouve.MasoCurupira,comosseuspésvoltadosparatrás,nãosedemoroumuitoporali.Descobriuum
rastodepacaelásefoi,comcertezaparavercomoelaiapassandoemsuatoca.—Quehorasserão?—perguntouomenino.Osacirespondeuquefaltavapoucoparameia-noite.—Comosabe?—Poraquelaflor—respondeuosaciindicandoumaflorquenãoestavadetodoaberta.—Éo
meurelógioaqui.Sóabrecompletamenteàmeia-noite...
CapítuloXV
OBOITATÁ
—EuouçofalarnaIaraenoBoitatá.Seráquepodereiverumdeleshoje?—perguntouPedrinho.—AIarapode—respondeuosaci—porqueháumaquemoraporaquiemcertopontodorio;
masBoitatá,não.SóexistelápeloSul.—Comoé?—PoisoBoitatáéummonstromuitointeressante.Quasequesótemolhos—unsolhosenormes,
defogo.Denoitevêtudo.Dedianãoenxerganada—talqualascorujas.DizemquecertavezhouveumgrandedilúvioemqueaságuascobriramtodososcamposdoSul,eoBoitatá,então,subiuaopontomaisaltode todos.Lá fezumgrandeburacoe se escondeudurante todoo tempododilúvio.E tantos anospassounoburaco escuro que seu corpo foi diminuindo e os olhos crescendo—e ficou como é hoje,quasequesóolhos.AfinalaságuasdodilúviobaixarameoBoitatápôdesairdoburaco,edesdeessetemponãofazoutracoisasenãopassearpeloscamposondehácarniçadeanimaismortos.Dizemqueàsvezes tomaa formadecobra,comaquelesgrandesolhosem lugardecabeça.Umacobrade fogoquepersegueosgaúchosqueandamacavalodenoite.
—Euseidessahistória.Éofogo-fátuo.Vovójánosexplicouqueessesfogossãofosforescênciasemitidaspelaspodridões.NoSultambémexisteacélebrehistóriadoNegrinhodoPastoreio.Conhece?NãoseráumaespéciedesacidosPampas?
—Não.Trata-sedecoisamuitodiferente.Essenegrinhofoiapenasummártir.SofreuOsmaioreshorroresdumsenhordeescravosmuitocruel;morreuevirousantinho.
—Conteahistóriadele.Eosacicontou.
CapítuloXVI
ONEGRINHO
—Haviaumfazendeiro,ouestancieiro,comosedizlánoSul,queeramuitomauparaosescravos
—issofoinotempoemquehaviaescravidãonestePaís.Umavezcomprouumapontadenovilhosparaengordaremseuspastos.Erainverno,umdospioresinvernosqueporláhouve,detantofrioquefazia.
—“Negrinho”—disseoestancieiroparaummolecotedafazenda,queandavaporali.—"Estesnovilhosprecisamacostumar-senosmeuspastos,porissovocêvaitomarcontadeles.Todasastardestemdetocarapontainteiraparaocurral,ondedormirãofechados,depoisdecontadospormim.Tomemuitotento,hein?Sefaltarnacontagemumsóqueseja,vocêmepaga."
Opobremolecotesótinhaquatorzeanosdeidade;mesmoassimnãoteveremédiosenãoirparaocampotomarcontadogado.Eragadoarisco,aindanãoquerenciadonaquelafazenda,demodoque,paracomeçar,logonoprimeirodiaumdosnovilhosfaltounacontagem.
Oestancieironãoquissaberdeexplicações.Vendoqueonúmeronãoestavacerto,botouocavaloemqueestavamontadoparacimadonegrinhoedeu-lheumatremendasovadechicote.Depoisdisse:
—“Eagoraéirprocuraronovilhoquefalta.Senãomedercontadele,eudoucontadevocê,seugrandíssimopatife!”
Eleft!—outralambadapordespedida.Omoleque, comas costas lanhadas e em sangue,montouno seu cavalinho e saiupelos campos
atrásdonovilho.Depoisdemuitoprocurar,encontrouporfimofujão,escondidonumamoita.—“Eagora?”—pensouconsigo.—“Tenhodelaçarestenovilho,masmeulaçoestáquenãovale
nada,detãovelho,eeuestoutãoescangalhadopelasovaqueaindavalhomenosqueolaço.Masnãoháremédio.Tenhoqueiratéofim...”
E,aproximando-secommuitojeito,laçouonovilho.Sefossesólaçar,estariatudomuitobem.Mastinhadetrazeroboizinhopordiante,atéocurral.
Teriaeleforçasparaisso?Olaçoagüentaria?Nãoagüentou.Commeiadúziadesacõesonovilhodesembaraçou-sedolaço,arrebentando-o,elá
sefoipeloscamposafora,navolada.E agora? Voltar para casa sem novilho e sem laço? O furor do estancieiro iria explodir como
bomba.Voltou.—"Queédonovilho?"—indagouopatrãoassimqueonegrinhoapareceunoterreiro.—"Escapou,patrão.Laceiele,masolaçoestavapodreenãoagüentou,comosinhôpodeverpor
estepedaço."Seoestancieironãofosseummonstrodemaldade,convencer-se-ialogo,vendopelapontadolaço
queonegrinhoandaradireito.Quandoolaçoarrebenta,aculpadapresaescaparnãoédolaçador,simdolaço.Nãopodehavernadamaisclaronomundo.Masoestancieiro,quetinhacomidocobranaqueledia,emvezdedar-seporconvencido,maiscoléricoaindaficou.
—"Cachorro!"—exclamouespumandoderaiva.—"Vocêvaiterocastigoquemerece."
Odito,ofeito.Agarrouonegrinho,amarrou-opelospéscomapontado laçoedepoisdebaternele com o cabo do relho até cansar, teve uma idéia diabólica: botá-lo num formigueiro para serdevoradovivopelasformigas.
Assimfez.Arrastou-oparaumsítioondeexistiaumenormeformigueirodeformigascarnívoras,arrancouasroupasdocoitadinhoedeixou-oamarradolá.
Nodiaseguintefoiveravítima,comaidéiadecontinuarocastigo,casoograndecriminosonãoestivessemortoebemmorto.Chegandoaoformigueiro,levouumgrandesusto.Emvezdonegrinho,viuumanuvemqueseerguiadaterraelogosesumiunosares.
Anotíciadesseacontecimentocorreumundo.Oshomensdaquelasbandascomeçaramaconsideraronegrinhocomoummártirquetinhaidodiretoparaocéu.
Comotempovirouumverdadeirosanto.Quemquerqualquercoisa,nacampanhadoRioGrande,antesdepedi-laaSantoAntónioouaoutrosantoqualquer,pedelogoaoNegrinhodoPastoreio.
—Eelefaz?—Estáclaroquefaz—semprequepode.Comosofreumuito,sabeavaliarosapertosdosoutrose
ajuda-osnopossível.
CapítuloXVII
MEIA-NOITE
Nessepontodaprosaaflorqueserviaderelógioabriu-setoda.—Éhora!—exclamouosaci.—Estamosjustamentenomeiodanoite.Apesardevalente,Pedrinhonãodeixoude sentir umcerto arrepiopelo corpo.Primeiravezna
vidaemqueiapassarumanoiteinteiranamata—enãoseriaumanoitecomum,peloquediziaosaci.— Não se arreceie de coisa nenhuma. Deixe tudo por minha conta, que nada de mal há de
acontecer— disse o saci, correndo os olhos em redor como em procura de alguma coisa.—Venhacomigo.Háaliumaperobaminhaconhecida,ondeencontraremosomelhordosrefúgios.
Defato.Natalperobahaviaumocoadozepésacimadochão,muitopróprioparaesconderijo.Dentrodeleosdoisacomodaram-seàvontadeedemodoatudopoderemversemperigodeseremvistos.
—Muitobem—disseomenino—massóquerosabercomopodereienxergarqualquercoisadenoite,dentrodestaflorestaquedediajáétãoescura.
—Paratudoháremédio—foiarespostadosaci.—Espalhareipelasárvoresvizinhascentenaresdelanternasvivas,demodoquevocêenxergarácomosefossedia.Masanteséprecisoquecomaestassete frutinhas vermelhas—concluiu apresentando aomenino um punhado de frutinhas do tamanho deamorasbravas.
Pedrinhodesconheciaaquelasfrutasefoicomumacaretaquemordeuaprimeira,tãoamargaera.Mascomeuassete,elogoemseguidasentiuumadeliciosatonteirainvadirlheocorpo,deixando-onumesquisitoestadodeconsciênciajamaissentido.Eracomoseestivessedormindoacordado,
Enquantoisso,osacirepetiuemtomdiferenteoassobiocomquechamaraoserra-pau;masdessaveznãoveioserra-paunenhum,simumaenormequantidadedevaga-lumes,dosgrandesedospequenos.Vierame forampousandonas folhasegalhosdasárvoresvizinhas, comosealgum invisívelguia lhesestivesse a indicaros lugares.Ocoraçãoda floresta clareounumcírculode cemmetrosdediâmetro,comosefossebatidopeloluardaluacheia.
Pedrinhoestavaagozaroespetáculodaflorestailuminadapelaslanterninhasvivas,quandosurgiunaclaridadeoprimeirosaci.Elogooutroeoutro,etodoumbandodemaisdecem.Começaramapular,adançareaconversarnumalinguagemqueomeninomuitosentiunãoentender.
—Estãocombinandoastravessurasquevãofazerduranteanoite.Daquiapoucotodospartem,sóficandoospequeninosqueaindanãopodemcorrermundo—explicouosacicochichando-lheaoouvido.
Pedrinhoenxergouumdecarachamuscada—comcertezaoqueforavítimadaexplosãodopitodotioBarnabé.Masossacisforamsedispersando,demodoqueaocabodealgunsminutossóseviamporaliospequeninoscomocamundongos.
—Paraondeforam?—perguntouPedrinho.—Oh,elesespalharam-seportodaparte.Aindaestáporhaverumlugarzinhoondesacinãoentre.—Aténasgarrafas...—disseomenino,sorrindo.
CapítuloXVIII
SAÍDADOSSACIS
NememsonhosPedrinhojamaisesperouquepudesseobservarumquadromaiscurioso.Aqueles
minúsculos capetinhas eram as mais travessas e irrequietas criaturas que se possam imaginar. Nãoparavamumsóinstante.Cabriolavamnosmusgosdochão,pulavamcomopulgas,dançavam,inventavammiltravessuras.Etudofaziamsemporumsóinstantetiraremopitinhodaboca.
Deram-se cenas muito engraçadas. Três deles ficaram muito atentos, de narizinho para o ar,observando ummorcego que despreocupadamente comia frutinhas de uma enorme figueira.Depois decochicharementresi,treparamàfigueira,comtodasascautelasparanãoassustaromorcego.Foramportrásdelee,derepente—zás!...pularam-lheaolombo,comoperfeitoscow-boys!Omorcegolevouumgrandesustoecomeçouacorcovearnoar,emvôos tontos,enquantoos trêscavaleiros, firmesnaselacomocarrapatos,davamassobiosagudíssimosnumgrandecontentamento.
Outro havia trepado a um arbusto e descoberto um ninho de beija-flor com três ovinhos.Imediatamentedeubradodealarma,chamandooscompanheiros.Reuniu-seumbandoemredordoninho,cujosovosforamretiradoselevadosparaochão.Láacenderamumaminúsculafogueirinhaeassaramosovoseoscomeramcomgrandealegriaegulodice.
EquantasoutrastravessurasnãoobservouPedrinho!Osqueagarraramumpobrecaramujopeloschifrinhosefizeramprodígiosparaarrancá-lodacasca.Osquesedivertiamemcaçarvaga-lumes,matá-los e esfregar pelo corpo a substância fosforescente queos torna luminosos.Osque cavavama terra,descobriamminhocas,emendavamtrêsequatroparafazerumacordadepular...
Pedrinhoestavacompletamenteabsorvidonaquelecuriosoespetáculo;eassimpassariaanoite,seemcertomomentoosacinãoopuxasseparaofundodooco.
—Cuidado!—disseele.—Estousentindocatingadelobisomem.Meufaronuncaseengana...
CapítuloXIX
LOBISOMEM
NembemacabaraosacidepronunciarestaspalavrasePedrinhonotougranderebuliçoentreossacizinhos. Parece que também pressentiram qualquer coisa, pois largaram das brincadeiras edesapareceramnafloresta,comoporencanto.
Eratempo.Omatocomeçouaestalar,comosealgumanimalãoporeleviesserompendo,eporfimsurgiunaclareiraacarantonhasinistradeumlobisomem.Parou,farejouoarcomoseestivessesentindocheirodecarnehumana.Osaci,porém,tiveraaprecauçãodeemitirumcertocheirinhoaenxofre,eissoiludiu o lobisomem, que continuou o seu caminho e passou. O cheiro a enxofre disfarça o da carnehumana,explicoumaistardeosaci.
Apesardomedoquesentira,Pedrinhopôdenotarqueomonstrotinhaapelevirada,istoé,opelopara dentro e a carne para fora — uma coisa horrível! No mais, era um perfeito lobo, embora dedimensõesmuitomaisavantajadas.
Assimqueolobisomemdeixouaclareira,omeninorespirouumah!dealívio,epediuosaciquelhecontassealgumacoisadessesmonstros.
—Dizem—respondeuosaci—quequandoumamulhertemsetefilhosmachos,osétimoviralobisomem na noite das sextas-feiras. Sai então pelos campos, invade os galinheiros (onde come umprodutodasgalinhasquenãoéoovo)etambémassaltaedevoraoscãeseascriançasqueencontrapelocaminho.Sealguématacaumlobisomemecorta-lheumadaspatas,eleviraimediatamentenohomemqueé—eessehomemficaportodaavidaaleijadodomembrocorrespondenteàpatacortada.
Pedrinhonãoresistiuàtentaçãodeverdepertoaspegadasdomonstroeapesardasadvertênciasdosacisaiudoocoparaexaminá-lasàluzdevaga-lume.Masnãotevetempo.Assimquesaiudooco,ouviu um estranho rumor ao longe, seguido do agudo assobio do saci chamando-o. Voltouprecipitadamente.
—Quehá?—indagou.Osaci,quetambémpareciaamedrontado,puxou-obemparaofundodoesconderijo,murmurando:—Amula-sem-cabeça!
CapítuloXX
AMULA-SEM-CABEÇA
Amula-sem-cabeça!Pedrinho estremeceu. Nenhum duende das florestas o apavorava mais que esse estranho e
incompreensível monstro, a mula-sem-cabeça que vomita fogo pelas ventas. Muitas histórias a seurespeitotinhaouvidoaoscaboclosdosertãoeaosnegrosvelhos,emboraDonaBentavivessedizendo,quetudonãopassavadecrendice.
Agalopadaaproximava-se; jáseouviaoestalardosarbustosqueemseudesenfreadogaloparamula-sem-cabeçavinhaquebrando.Súbito,parou.
—Vaimudarderumo!—murmurouosacicomcaramaisalegre.Ede fato foi assim.Amula retomou a galopada,mas emoutra direção, e embora passasse por
pertonãochegouaoalcancedosolhosdomenino.—Quepena!—exclamouele.—Tantavontadequeeutinhadeconheceressemonstro...—Quepena?—repetiuosaci.—Quefelicidade,devevocêdizer!Amula-sem-cabeçaéomais
sinistroduendequehánomundo;temodomdetranstornararazãodetodosqueavêem.Porissoéque,tivemedo—nãopormim,masporvocê...
—Masqualéaorigemdessamula?—Umahistóriamuitovelha.Dizemqueantigamentehouveumreicujaesposatinhaomisterioso
hábito de passear certas noites pelo cemitério, não consentindo que ninguém a acompanhasse. O reiincomodou-secomissoecertanoiteresolveusegui-lasemqueelaopercebesse.Nocemitériodeucomumacoisahorrenda:arainhaestavacomendoocadáverdeumacriançaenterradanavésperaequeporsuasprópriasmãos,cheiasdeanéis,haviadesenterrado!Oreideuumgrito.Vendo-sepilhada,arainhadeuoutrogritoaindamaior—eimediatamentevirounessamula-sem-cabeça,quedesdeaquelemomentonuncamaisparoudegaloparpelomundo,semprevomitandofogopelasventas.
EfoiassimquePedrinhoperdeuaúnicaoportunidadequetevedeficarconhecendopessoalmenteoestranhomonstroquetantoimpressionaaimaginaçãodosnossossertanejos.
Elacorresemcessar,espalhandoaloucuraporondepassa.Nãoexistecriatura,sejabichodomatoougente,quenãoprefiraverodiaboempessoaaveratalmula-sem-cabeça.Éhorrenda!
—Mas como será que vomita fogo pelas ventas, se as ventas estão na cabeça e ela não temcabeça?
—Tambémnãoentendo;maséassim—disseosaci.
CapítuloXXI
MÁSNOTÍCIAS
Parece que a mula-sem-cabeça tem a propriedade de afugentar os outros duendes da floresta,
porquedepois da suapassagem tudopor ali ficoudesertode seres.Sóumahoramais tarde é queossacizinhos foram reaparecendo, um por um e ainda ressabiados. Mas reapareceram todos, afinal, erecomeçaram as travessuras, apenas interrompidas pela passagem da Porca dos Sete Leitões e doCaipora.
APorcadosSeteLeitõeséumamisteriosaporcaalvacomopaina,quepasseiaacompanhadadosseus sete leitõezinhos, fossando o chão em procura de um anel enterrado. Só quando achar esse anelpoderá quebrar o encanto e virar na baronesa que já foi. Por suasmaldades no tempo em que haviaescravos,umfeiticeironegrotransformou-aemporcaevirouseussetefilhosemleitões.
OCaiporaéumduendepeludo,meiohomem,meio mono,quecostumacavalgarosporcos-do-matoedeterosviajantesparaexigirfumo.
Aquelequeporalipassouvinhamontadonumsoberboqueixadadeenormespresassalientes,tãocorpulentoefortequeparapassarnemsedesviavadaspequenasárvores—iaderrubando-as.
Nistoumpiodecorujafez-seouvirdeperto.Osaciapurouosouvidos,comcaradequemnãoestavagostandonadadaquilo.
—Aquelacorujaestámechamando.EstádandosinaldequeaconteceuqualquercoisalánosítiodeDonaBenta.Tenhodeirveroqueé.
Evaideixar-mesozinhoaqui?—murmurouomeninodedentrodoseuesconderijo,procurandodominaromedo.
Com o amigo perneta ao lado sentia-se seguro;mas ficar, porminutos que fosse, entregue a sipróprio,naquelamatacheiademistérioseaindamaisnaquelahorasinistradameia--noite,eraduroderoer.Pedrinho,entretanto,dominou-seedisse,fazendodastripasocoração:
—Poisvá,masnãosedemoremuitoporque...porquegostomuitodasuaprosa,ouviu?Dando uma risadinha de quem compreendia perfeitamente o que se passava dentro do seu
companheiro,osacifoifalarcomacoruja.Minutos depois regressou, visivelmente inquieto. Percebendo a mudança, Pedrinho indagou
ansioso:—Quehá?—Coisa muito grave. Quando saí do sítio de Dona Benta, deixei lá uma coruja, que é minha
escrava,comordemdeavisar-medequalquercoisaforadocomumqueacontecesse.Poisbem:acorujaacabadechegarcomumanotícianadaagradável.
—Queé?Contelogo...—ACucaapareceunosítioefurtouNarizinho...—Não diga!— exclamou omenino, com os cabelos arrepiados.—Temos que salvá-la, saci!
Darei tudoquantovocêquiser, semeensinaromeiode arrancarNarizinhodasunhasdessehorrendo
monstro...ACuca!Pedrinhoaindatinhabemfrescanamemóriaalembrançadessabruxadashistóriasquea
ama lhecontaranosprimeirosanosdesuavidinha.Lembrava-seatédunsversosqueelacantavaparaadormecê-lo:
"Durma,nené,queaCucajálávem,Papaiestánaroça;mamãezinha,NoBelém." Lembrava-se que ouvindo essa cantiga sentia uma ponta de medo e fechava os olhos e logo
dormia.Depoisquecresceu,nuncamaisouviufalarnaCuca,anãoserminutosantes,quandoosacilhecontouqueaCucaeraaRainhadasCoisasFeias.Seriaverdade?Verdadeounão,tinhadevoltaraosítioincontinentiedequalquermaneira.
—Vamosembora,saci!Precisamoschegaraosítiooquantoantes,parasabercomcertezaoquehá.Podeserqueacorujaestejamentindo,mastambémpodeserverdade.
—Mentiranãoé—disseosaci.—Minhacorujanãomente.MaspodeserqueameninatenhasidoraptadaporoutroduendequenãoaCuca.Eopontoquetemosdeverificar.
—EseforaCucamesmo?Quehavemosdefazer?—Nãosei.Tenhodepensarnisso.ACucaébastantepoderosa,emácomoelasó.Mashavemos
dedarumjeito.Tenhocáumaidéia.Venhacomigo.SaíramdoocodaperobaetomaramocaminhodosítiodeDonaBenta.Aescuridãodanoitenão
embaraçavaemnadaaosaci,que,comofilhodas trevas,enxergavanoescuroaindamelhordoqueaosol.MasopobrePedrinhopadeceuumbocado.Sópodiaguiar-sepelabrasadocachimbodosaci,demodoquetropeçouemmuitocipóetocodepaupobre,afundandoospésemformigueiroseburacosdetatu,espinhando-senacaraenosbraços.Masera talasuaânsiadechegar,quenemsequeradordasarranhadurassentiu.
—Nesta andadura chegaremos tarde— disse de repente o saci.— Se você é bom cavaleiro,poderemosirmontadosnumporco-do-mato.
— Sou. Já montei até num garrote bem taludo, que deu os maiores corcovos do mundo semconseguirderrubar-me.
—Poisentão,tudoestáresolvido.Olhe!Lávememnossorumoumavaradeporcos.Subaaestaárvore;assimqueeudersinal,atire-sedepernaabertaparacimadolombodoquevemnafrente.Euireinagarupa.
Assimfizeram.Subiramosdoisaumaárvorebaixa;logoqueoporcochefepassoupordebaixodaárvore,Pedrinhoeosaciatiraram-sesobreele,agarrando-seaoscompridospelosdocangote.Assustadocomaquelamanobra,opobreporcodisparounumagalopadaloucapelamataafora,nadireçãodesejadapelosaci.Estehabilíssimoduendezinhotinhajeitoparatudo,inclusivedirigirporcos-do-matocomoseostrouxessesegurosporumbomparderédeas.Pedrinhonãopercebeudequemodoosaciconseguiaisso,nemtevetempodeoperguntar.Todasassuasenergiaserampoucasparamanter-sefirmenolombodacavalgaduradenovaespécie.Aquelacorridacomosacidentrodanoiteiriaconstituiramaisarrojadaaventuradasuavida.Pormaisanosquesepassassem,elejamaispoderiaesquecer-sedela.
CapítuloXXII
CHEGAMAOSÍTIO
DepoisdecompridaCaminhada,omeninopercebeuquejáestavaemterrasdosítio.Viuorancho
dotioBarnabépertodaponte.Emseguidaospastos.Finalmenteacasadesuaqueridavovó.No terreiro saltaram do porco-do-mato, o qual, aliviado da carga, prosseguiu na correria com
maiorvelocidadeainda.Foramentrando.Acasaestavasilenciosa,deluzesacesas—coisamuitoesquisitaàquelahorada
madrugada.—Temosnovidade—murmurouomenino.—Luzacesaaestashorasémausinal...NasaladejantarencontrouDonaBentasentadanasuacadeirinha,comacabeçaapoiadanasmãos.
Aoladodela,tiaNastáciaescarrapachadanochão.Detalmodoabsorvidasestavamasduasvelhasquenenhumapercebeuachegadadosvalentessalvadores.
—Quehá,vovó?—foigritandoPedrinho.DonaBentaergueuacabeçaearregalouosolhos,comoseaapariçãodePedrinhofosseumsonho.
TiaNastáciafezomesmo,maisassustadadoqueadmiradadeveromeninooutravez.—Pedrinho!—exclamouapobreavócomexpressãodeesperançanosolhosvermelhosdetanto
chorar.—Até que enfim você apareceu! Estava eu aqui desesperada, porque perder um neto já erademais,masperderdoisseriacoisaacimadasminhasforças...
—Perderdois?QuerdizerqueNarizinhosumiu?— Sim, meu filho! Logo que você desapareceu desta casa da maneira mais misteriosa, nada
dizendoaninguém,Narizinhosaiuadarumavoltapelospastosparaverseoencontrava.Andouporlágritando"Pedrinho!Pedrinho!"umaporçãodetempo,atéquederepentesecalou.Julgamosquetivesseachado o fujão e ficamosmuito contentes.Mas o tempo foi passando e nada deNarizinho voltar.TiaNastáciaeeudemosumavoltapelopasto,chegamosatéàcasadotioBarnabéenada.Isso,àstrêshorasdatarde.Jásãoduasdamadrugadaenãotivemosaindaomenorindíciodeondepossaestaracoitadinhadaminhaqueridaneta...
DizendoistoDonaBentarompeudenovoemchoro,acompanhadadetiaNastácia.Pedrinhocontouondeestiverae,depoisdeconsultaremsegredoosaci,consolouDonaBentaea
preta,dizendoquesabiamondeNarizinhoestavaeiambuscá-la.—Éverdadeissoouvocêestáfantasiandoparameconsolar?Pedrinho, que nunca mentia, sentiu tanto dó das pobres velhas que pela primeira vez na vida
resolveuenganá-lascomumamentiradebomtamanho.Deuumarisadaedisse:—Nãoseassuste,vovó!Narizinhoeeuresolvemospregarumagrandepeçanasenhora,masessa
peçaéumsegredoquenãopossocontar.Sóamanhã,aoclareardodia—edeuumagranderisada.DonaBentasossegouumpoucoeralhouseveramentecomomenino,fazendoverotranstornoque
aquelaestranha"surpresa"lhecausara.Dissequesofriadocoraçãoequesecoisasassimserepetissemocertoerairparaacovaantesdotempo.
Pedrinhosossegou-acomopôdeesaiuparaoterreiro,gritandoqueseacalmasseporquedentrodeumaouduashorasestariadevoltacomamenina.
Lánoterreiro,sócomosacioutravez,voltou-separaeleedisse:—Eagora,amigosaci,queiremosfazer?—Estouarmandoomeuplano—respondeuodiabrete.—Jáfizumainspeçãopelacasatodae
peloterreiro.Estounapistadoraptor.—Raptor?—repetiuomeninosemnadacompreender.—Sim.Narizinho foi raptadapelaCuca.Descobrio rastodahorrendabruxapertodaporteira.
TemosdeiràcavernaondemoraaCucaeveroquehá.—MasseaCucaépoderosacomovocêdiz,quepoderemosfazer?—Nãosei.Láveremos.Oqueéprecisoénãodesanimar.Seelaépoderosa,eusouastucioso.A
astúcia inúmeras vezes vence a força. Faça das tripas coração e acompanhe-me. O mau foi termosdeixadoescaparoporcoquenostrouxe,Precisamosdescobrirnovamontaria.
—Issoéfácil.Omeucavalinhopangaréestánopastodedentro.Mansocomoé,podemospegá-loecavalgá-loempelo.
—Poisvamospegaropangaré—concordouosaci.Nãofoidifícil.Logoqueocavalinhoreconheceuodono,veionadireçãodelenotrote.Pedrinho
montou,comosacinagarupa,elápartiunagalopada.Pedrinhologopercebeuquequalqueranimalmontadopelosacimudavademodos,ficandonãosó
mais ligeiro do que nunca e fogoso, como ainda com um senso de direção que parecia sobrenatural.Inúmeras vezes tinha cavalgado o pangaré e galopado nele; nunca, porém, o vira assim tão ardente eveloz.Eracomoseosacilhecomunicassealgumaforçamágica,quenãoéprópriadoscavalos,TalfoiavelocidadedesenvolvidaquePedrinhonãopôdedeixardedizer:
—MaispareceofamosoPégasodoquemeuvelhoelerdopangaré!Estouestranhandoisto...—Nãoestranhecoisanenhuma—aconselhouosaci.—Tudosãomistériosquesóeuseieque
nãovaleapenaexplicaragora.Nãofalecomigo,nãomeatrapalhe.Estoufazendoumgrandeesforçodecabeça para aperfeiçoar o meu plano de não só lograr a Cucamalvada como ainda castigá-la comomerece.
—Conteaomenosumpedacinhodessagrandeidéia,parameconsolar.—ÉumaidéiaqueaprendicomDonaBenta—respondeuosaci.—Comvovó?— inquiriuomenino admirado.—Como isso, sevovó jamais teve coragemde
falarcomvocê?—Sim,nuncafaloucomigo,masmuitacoisadoqueeladisse,euouvidedentrodagarrafa.Meus
ouvidossãoapuradíssimos.Lembro-medahistóriadumpingod’águaqueelacontoucertanoite...—Históriadumpingod’água?—repetiuomenino,cadavezentendendomenos.—Nãoposso
perceberaondevocêquerchegar.—QuerochegaràcavernadaCuca!—respondeuosacibrincalhonamente.Vendoqueele se recusavaa contaroplanoque tinhana cabeça,omeninocalou-se.Esporeado
pelosaci,opangaréaumentouaindamaisavelocidadedogalope,demodoqueantesdemeiahorajáseachavamnumaregiãointeiramentenovaparaomenino.
—Onde estarei eu?— ia ele pensando, sem coragem de interrogar o saci, de talmodo o viaconcentradonascombinaçõesdoseucélebreplano.
CapítuloXXVIII
ACUCA
Súbitoosaciexclamou:—Élá!—Éláoquê?—perguntouPedrinho.—AcavernadaCuca,naquelamontanhadepedrasnuas.Conheçobemestessítios.Pedrinhoolhounadireçãoapontadaesóviugrandesmassasdesombras.Apesardesernoitede
lua,havianévoasnocéu,demodoqueaclaridadenãodavaparapercebermaisqueovultodamontanhaestendidaàsuafrente.Quearegiãoerapedregosa, issoPedrinhologopercebeu, taisfaíscas tiravadochão o seu cavalinho pangaré. Entretanto, não tropeçava, o que seria naturalíssimo num animalacostumadoasótrotarporbonscaminhosoucamposlivresdepedras.
—Estouestranhandoestecavalo!—Nãopôdedeixardedizeromenino.—Positivamentenãoéomesmo.Nemsequertropeça...
—Equelhedeiacomersetefolhasdeumaplantaquesóeuseiparaqueserve.—Logovi. Seria ótimoqueme ensinasse o segredodessa planta.Comela a gente poderia até
transformarumburromortoemBucéfalo...Osaci, apesardas suashabilidadese espertezasdedemoninho, ignoravaahistóriadoscavalos
célebres,epoisficounamesmacomacitaçãodotalBucéfalo.—Quebichoéesse?—perguntou.—Oh, era o cavalo deAlexandre, o Grande, um cavalo bravíssimo, que nenhum homem, fora
Alexandre,jamaisconseguiudomar.Umdia,quandoestivermossossegados,heidecontarahistóriadosgrandescavalos.
—Sim—interrompeuo saci—masagora fecheobico.EstamosnosdomíniosdaCuca,ondequalquerimprudêncianospodecustarcaro.Essahorrendabruxatemouvidosaindamaisapuradosqueosmeus.
Pedrinhocalou-se.Nisto a lua saiu detrás das nuvens e ele pôde vermelhor o sítio onde se achava.Bem à frente
erguia-seamuralhadumamontanhadepedrasnegras,comarvoredoretorcidobrotandodasbrechas.Erauma paisagem diabólica, que punha nos nervos das criaturas osmais esquisitos arrepios. Lugar bommesmoparamoradademonstroscomoaCuca...
—Éali!—murmuroubaixinhoosaci,apontandoparaumaaberturanegra.—Éaliaentradadacavernadagrandemalvada.
—Comosabe?—perguntouPedrinhotolamente.—Quepergunta!—respondeuosacicomironia.—Seiporquesei.Tinhagraçaqueumsacinão
soubesse ondemora aCuca...Mas, silêncio!Temos que entrar commil cautelas, de arrasto, como sefôssemoscobras.Não!Não!Omelhorénosdisfarçarmosemfolhagem.
—Comoisso?
—Nadadeperguntas.Façaoqueeufizer,semdiscutir—ordenouodiabrete,afastando-sedaliparaarrancarbraçadasdefolhasdaárvoremaispróxima.
Pedrinho fezomesmo.Emseguidao saci lascoudamesmaárvoreumasembiras, comasquaisamarrouafolhagememredordoseucorpinho.Omeninofezomesmo.
Ficaram tal qual dois arbustos móveis e, assim disfarçados, dirigiram-se para a caverna dohorrendomonstro, pé ante pé, tão devagarzinho que levaram vinteminutos para caminhar uns poucosmetros.
Súbito,aodobraremumacurva,viramlánumcantoarainha.Estavasentadadiantedumafogueira,demodoqueaclaridadedaschamaspermitiaqueas"folhagens"lhevissemacarantonhaemtodaasuahorrível feiúra.Quebicha!Tinhacarade jacaréegarrasnosdedoscomoosgaviões,Quantoà idade,deviaandarparamaisdetrêsmilanos.EravelhacomooTempo.
—Estamosdesorte—disseosaciaoouvidodomenino.—ACucasódormeumanoitecadaseteanosechegamosjustamentenumadessasnoites.
—Comosabe?—indagouPedrinho,cujacuriosidadenãotinhalimites.O saci danou e ameaçou-o, se continuasse com tais perguntas, de deixá-lo ali sozinho para ser
devoradopelomonstro.Emseguidaqueimounabrasadopitoumamisteriosafolha,quehaviaapanhadopoucoantessemqueomeninoopercebesse.
—Estafumaçavaifazerqueosonodarainhasejamaispesadodoquetodasaspedrasdestagruta.Depoisdeestarcompletamenteadormecida,temosdeamarrá-lamuitíssimobemamarrada,.
LogoqueafumaçaalcançouofocinhodaCuca,esta,quejáestavadandomostrasdesono,pendeuacabeçadeladoeroncou.
—Jácaiunosono—disseosaci.—Podemosagoratirarnossaroupadefolhasesairembuscade cipós. Conheço um cipó que vale por quanta corda existe— até parece cipó próprio de amarrarcucas...
Despiram-sedasfolhasesaíramdacavernamuitosatisfeitos,porqueascoisasestavamcorrendoàsmilmaravilhas.
CapítuloXXIV
ONOVELODECIPÓS
Cortadoocipó,trouxeram-noemdoisgrandesrolos,esemreceionenhum,poisosroncosdaCuca
mostravamqueelaestavaadormircomoquemnãodormiaháseteanoscomeçaramaamarrá-ladospésàcabeça.
Maisumavez tevePedrinhode reconhecer comoerahábil e arteiroo seu amigo saci.Amarrarparececoisa fácil,masnãoé.SePedrinhohouvesseamarradoaCuca,omaiscertoeraquecomdoissafanõesabruxaselivrassedacipoadanumminuto.Mascomosacideu-secoisadiferente.Odiabinhoparecianuncaterfeitooutracoisanavida.Amarrou-acomamesmaciênciacomqueasaranhasamarramasmoscasnassuasteias,semdeixarumpontofraco.Osegredo,explicouele,eraestudaraamarraçãodemodo que ao despertar aCuca não pudesse fazer omenormovimento. Porque se a criatura amarradapuder fazer um pequenomovimento, por menor que seja, afrouxará um ponto no amarrilho; e depoisafrouxaráoutroponto—eassimiráatélibertar-sedumavez.
Terminadaaobra,emvezdeCucaviu-senochãoumverdadeirocarreteldecipó.—Sim,senhor!—exclamouPedrinho.—Aprendimaishojedoqueemtodaaminhavida.Esta
diabapodeteraforçadecemelefantes,masduvidoqueescapeda"nossa"amarração.Osacisorriudaquele"nossa",mascalou-se.Limitou-seaenxugarosuordatesta.—Temosagoradeacordá-la—dissedepois.—Deixeessepontocomigo—pediuomenino.—Comumbompaudeguatambu,euacordo-a
bemacordada.—Nadadepaus!VocênãoconheceaCuca.Ummonstrodetrêsmilanos,comoela,haviaderir-se
daspauladasdummeninocomovocê.Àforça,éimpossívellutarcomela.Temosdeusardaastúcia.Aarmaaempregarvaiseropingod’água.
—Lávemopingod’águaoutravez!—exclamouomenino.—Atéparececaçoada,querercomumpobrepingod’águadominarumabruxadestas...
—Poisfiquesabendoqueéoúnicomeio.Pedrinhonãoentendeu,ficandodebocaabertaaverasmanobrasdosaci.Aengenhosacriaturinha
trepouquenemmacacopelasestalactitesgotejantesdagrutaatéalcançaraqueficavabemaprumosobreacabeçadaCuca.Elá,então,encaminhouumfiozinhod’águademodoquegotejasselentamentebemnomeiodatestadaCuca.
—Bastaisso—disseele.—Nocomeçoelanemsente;mascomacontinuaçãoadorvaificandotamanhaquehádedar-seporvencida.
—Sim,senhor!—murmurouomenino.—Estáaíumainvençãoquenuncaimaginei,masagoramelembroquevovónoscontouumahistóriaassim...
—Poisé—disseosaci.—Ambosouvimosessahistória;massóeupresteiatençãoejáestoutirandopartidodoqueaprendi.Soudezvezesmaisespertoquevocê,Pedrinho.Nãoacha?
Omeninonãoteveremédiosenãoacharqueeramesmo.
Ospingoscomeçaramacair.Oscemprimeirosnenhuma impressão fizeramnabruxa,cujo sonopareciadosmaisgostosos.Daípordiante jáesse sononãopareceumais tãocalmo.Começoua fazercaretas,comoseestivessesonhandoalgumsonhohorrível.Porfimabriuumolhoedepoisooutro.
Por váriosminutos permaneceu apatetada vendo diante de si aquelas duas criaturas demão nacintura, aolharemparaela semdizer coisanenhuma.Depois a sua inteligência foi acordandonotouopingo a lhe cair na testa. Quis mudar de posição. Não pôde. Só nesse momento viu que estavaamarradinhacomosefosseumcarretelcondenadaàmaisabsolutaimobilidade.
CapítuloXXV
OPINGOD’ÁGUA
AcóleradaCucafoimedonha.Deuumurrodeouvir-seadezléguasdali,tamanhoetãohorrendo
queporumtrizPedrinhonãodisparounacorrida.Eoutrourro,eoutro,emaisdecem.—Berre,demônio!—gritouosaci.—Berreatérebentar.Pingod’águanão temouvidos,nemtem
pressa.Essequeboteipingandonessahorrendacaraçavaidivertir-seempingarnomesmo lugarzinhoporcemanos,seforpreciso.SeiqueCucaébichoduro,masqueroversepodecomumpingod’águaquenãotempressanenhuma,nemtemoutracoisaafazernavidasenãopingar,pingar,pingar...
Adorqueaquedadeumpingoatrásdooutrojáestavacausandonosmiolosdabruxacomeçavaacrescerpontoporponto.Cadanovopingoeraumpontomaisdedor.Naqueleandarelanãosuportariaosuplícionemummês,quantomaisoscemanoscomqueaameaçaraosaci.
—Paremcomessepingod’água!—berrouabruxa.Osacideuumarisadadeescárnio.—Parar?Tinhagraça!Seestamosapenascomeçando,comoquervocêqueparemos?Jáarrumei
tudo,demodoqueopingopinguedurantecemanos,esenãoforsuficiente,arranjareiascoisasdemodoque depois desses cem anos pingue outros cem.Duzentos anos de pingo na testa parece-me uma boaconta,nãoacha?
ACucaaindaurroucomocemmilonçasferidas,eespumoudecólera,eameaçoucéuseterras.Porfimviuqueestavafazendopapeldeboba,poishaviaencontradoafinalumadversáriomaisinteligentedoqueela;edisse:
—Paremcomestepingoquejáestámepondolouca!Tenhamdódumapobrevelha...—Pobrevelha!Acoitadinha...Quemnãoaconhecequeacompre,bruxadumafiga!Sópararemos
comaáguasevocênoscontaroquefezdeNarizinho.—Hum!—exclamouabruxa,percebendoafinalacausadetudoaquilo.—Jásei...—Poissesabe,desembuche.Docontrário,asuasinaestáescrita;hádemorrernomaiorsuplício
que existe. E nada de tentar enganar-nos. É melhor ir dizendo onde está a menina, o mais depressapossível.
—Fareioquequiserem,masprimeirohãodedesviardeminhatestaestemalditopingoquemeestádeixandolouca.
—Assimseráfeito—disseosacitrepandodenovoàsestalactitesedesviandoofiozinhod’águaparaumlado.
ACucadeuumsuspirodealívio.Tomoufôlego,descansouumbocado;depoisdisse:— Encantei essa menina que vocês procuram, mas só poderei romper o encanto se vocês me
trouxeremumfiodecabelodaIara.Semissoéimpossível.—Nãosejaessaadúvida—respondeuosaci.IremosbuscarofiodecabelodaIara.As,seao
voltarmos,vocênãoquebraroencanto,juroquedeixareiopingopingarnessatestahorrenda,nãocemanos,mascemmilanos,estáouvindo?
E,dizendoisto,tomouPedrinhopelamãoeretirou-secomeledacaverna.
CapítuloXXVI
AIARA
—VamosàcachoeiraondemoraaIara—disse.—Essarainhadaságuascostumaaparecersobre
as pedras nas noites de lua. E muito possível que possamos surpreendê-la a pentear os seus lindoscabelosverdescomopentedeouroqueusa.
—Dizemqueécriaturamuitoperigosa—murmurouPedrinho.—Perigosíssima—declarouosaci.—Todoocuidadoépouco.Abelezada Iaradói tantona
vistadoshomensqueoscegaeospuxaparaofundod’água.AIaratemamesmabelezavenenosadassereias.Vocêvaifazertudodireitinhocomoeumandar.Docontrário,eraumavezonetodeDonaBenta!...
Pedrinhoprometeuobedecer-lhecegamente.Andaram, andaram, andaram. Por fim chegaram a uma grande cachoeira cujo ruído já vinham
ouvindodelonge.—Éali—disseopernetaapontando.—Éaliqueelacostumavirpentear-seaoluar.Masvocê
nãopodevê-la.Temdeficarbemquietinho,escondidoaquiatrásdestapedraesemlicençadepôrosolhosna Iara.Senão fizer assim,háde arrepender-se amargamente.Omenosquepoderá acontecer éficarcego.
Pedrinhoprometeu,edemedodenãocumpriroprometidofoilogotapandoosolhoscomasmãos.O saci partiu, saltando de pedra em pedra, para logo desaparecer por entre as moitas de
samambaiasebegôniassilvestres.Vendo-sesó,Pedrinhoarrependeu-sedehaverprometidoconservar-sedeolhosfechados.Játinha
visto oLobisomem, oCaipora, oCurupira, aCuca. Por que não havia de ver a Iara também?O quediziam do poder fatal dos seus encantos certamente que era exagero. Além disso, poderia usar umrecurso:espiarcomumolhosó.OgostodecontaratodagentequetinhavistoafamosaIaravaliabemumolho.
Assimpensando,enãopodendopormaistemporesistiràtentação,fezcomoosaci:foipulandodepedraempedra,seguindoomesmocaminhoporeleseguido.
Súbito,estacou,comofulminadopeloraio.Aogalgarumapedramaisaltadoqueasoutras,viu,acinqüentametrosdedistância,umaninfadedeslumbrantebeleza,emrepousonumapedraverdedelimo,apentearcomumpentedeourooslongoscabelosverdescordomar.Mirava-senoespelhodaságuas,que naquele ponto formava uma bacia de superfície parada. Em torno dela centenas de vaga-lumesdescreviam círculos no ar eram a coroa viva da rainha das águas. Jóia bela assim, pensou Pedrinho,nenhuma rainhada terra jamais possuiu.A tonteira que a vista de Iara causa nosmortais tomou contadele.Esqueceuatédoseuplanodeolharcomumolhesó.Olhavacomosdois,arregaladíssimos,ecemolhosquetivesse,comtodososcemolharia.
Enquantoisso, iaosaciseaproximandodamãe-d'água,cautelosamente,cominfinitosdeastúciapara que ela nada percebesse. Quando chegou a poucos metros de distância, deu um pulo de gato enhoque!furtou-lheumfiodecabelo.
OsustodaIarafoigrande.Desferiuumgritoeprecipitou-senaságuas,desaparecendo.Osacinãoesperoupormais.Comespantosaagilidadedemacaco,aospinotes,saltandoaspedras
de duas em duas, de três em três, num momento se achou no ponto onde Pedrinho, ainda nodeslumbramentodabeleza,jaziadeolhosarregalados,imóvel,feitoumaestátua.
—Louco!—exclamouosaci lançando-seaele esfregando-lhenosolhosumpunhadodefolhacolhidasnomomento.—Nãofosseoacasoterpostoaquiaomeualcanceestaplantamaravilhosaevocêestaria perdidopara sempre.Louco, dez vezes louco, louquíssimo, quevocê é, Pedrinho!Por quemedesobedeceu?
—Nãopuderesistir—respondeuomeninologoqueafalalhevoltou.—Eratãolinda,tãolinda,tãolinda,quemeconsidereifelizdeperderatéosdoisolhosemtrocadoencantamentodecontemplá-laporunssegundos.
—Poissaibaquecometeuumagrandefalta.Nãodeviapensarunicamenteemsi,mastambémnapobreDonaBenta,queé tãoboa,enasuamãeeemNarizinho.Eu,apesardeumsimples saci, tenhomelhorcabeçadoquevocê,peloqueestouvendo...
Aquelaspalavrascalaramnomenino,quenada teveadizer, achandoque realmenteo saci tinhatodarazão.
— Bem— continuou o duendezinho— agora que o perigo já passou, trataremos de voltar àcavernadaCuca.Edepressa, antes que amanheça.Lembre-sequeprometemos aDonaBenta estar nosítiocomameninasumidalogoaoromperdamanhã.
CapítuloXXVII
NACAVERNADACUCA
VoltandoosdoisnamaiorpressaparaosdomíniosdaCuca,encontraram-nacomumestranhoarde
risonahorrendaboca,afalarsozinha,comoseestivessemuitosatisfeitadavida.Assim,porém,queosviudenovoporlá,abruxaestremeceueoseusorrisotransformou-senumacaretadecóleraedesespero.
—Conseguiramvoltar?—exclamoutraindoosseusmauspensamentos.—Estáclaroquesim!—respondeuosaci.—EtrouxeramofiodecabelodaIara?—Estáclaroquesim!—repetiuosaci.—Ei-loaqui,disse,apresentandoàhorrendamegerao
verdefiodecabelodamãe-d'água.ACucaestorceu-setodadentrodonovelodecipósnumsupremoarrancoparalibertar-sedaquela
prisão.Nadaconseguindo,pôs-seavociferareasoltarpelahorrívelbocaumaespumavenenosa.AquelahistóriadaIaraedofiodecabelotinhasidoapenasumembustedequelançaramãopara
perderosaciemenino,nacertezadequenenhumdelesresistiriaaosencantosdaIara.Masvendoquesetinhaenganado,debatia-senomaioracessodecóleraedesespero,sentindo-secompletamentevencida.Eporquem!Porummeninodenoveanosemaisumsacizinho...
Entretanto, pérfida como era, tentou ainda usar da astúcia. Acalmou-se e disse, num tommuitoamável:
—Muitobem.MasessefiodecabelodaIaranãobastapararomperoencantodamenina.PrecisoaindadeumfiodebarbadoCaipora.
—Perfeitamente,SenhoraCuca.AliemcimadaquelasestalactitesestáofiodebarbadoCaiporadequevocêprecisa—disseosaci,apontandoparaopingod’água.—Voujábuscá-lo...
Vendopelafirmezadaspalavrasdosaciqueerainútiltentarenganá-losegundavez,aCucadeuumprofundoaieconfessou-sevencida.
—Meusparabéns.VocêsdescobriramaúnicaarmanomundocapazdevencerumaCuca—essemiserávelpingod’água...Fareicomoquerem.Desencantareiamenina.Voltemaosítio,procurempertodo pote d’água uma flor azul que lá deixei, arranquem-lhe as pétalas e lancem-nas ao vento logo aoromperdamanhã.Narizinho,quedeixeitransformadaempedra,reapareceráimediatamente.
—Eseissoforumembustecomodaprimeiravez?—perguntouPedrinho.—Nãoé, reconheçoque fuivencidaem teimar.Voltemao sítio, façamoqueeudisseedepois
venhamdesamarrar-me.Juroquejamaisperseguireiqualquerpessoaládosítio.
CapítuloXXVIII
DESENCANTAMENTO
Amadrugada já vinha rompendo quando os dois aventureiros chegaram de novo ao sítio.Dona
BentaetiaNastácia,estavamaindaacordadas,porémmaiscalmasdoquedaprimeiravez.Assimqueosviramentrar,exclamaramambasaomesmotempo:
—TrouxeramNarizinho?—Sim, vovó— respondeu Pedrinho sem ter a certeza de que ela se desencantaria ou não.—
Esperemaisumminutoquevaiverdenovosuaneta,forteecoradacomosempre.Falouecorreuaverseatrásdopoteexistiaalgumaflorazul.Láestavaela,atalflorazul—esquisitíssimaediferentedetodasasfloresconhecidas.Omenino
tomou-a,desfolhou-aelançouaspétalasaovento,comoaCucamandara.Mal acabou de fazer isso, um fatomaravilhoso se deu.Uma pedra do terreiro, que ninguém se
lembravadetervistoali,principiouainchar,acrescereatomarformadegente.SegundosdepoisessaformadegentecomeçouaapresentarostraçosdeNarizinho,que,porfim,reapareceutalqualera,forteecoradacomoPedrinhooprometeraaDonaBenta.
Foiumaalegria.Asduasvelhasatiraram-seàmeninaechoraramquantas lágrimasainda tinhamdentrodesi—masdestavezdomaispurocontentamento.
—Então,minhafilha,quefoiqueaconteceu?—perguntouDonaBenta.Narizinho,aindatonta,depoucoserecordava.Minutosapós,entretanto,suasidéiasprincipiarama
aclarar-seepôdecontaroquehaviasucedido.—Estoumelembrando,—disselevandoamãopelatesta.—Foiassim.EuestavacomaEmília
debaixoda jabuticabeira.De repente,umavelha,muitovelhaecoroca,aproximou-sedemimcomumsorrisomuitofeionacara.
—"Queéqueasenhoradeseja?"—perguntei-lhenaturalmente.—"Desejoapenasofereceràmeninaestalindaflor"—respondeuela,apresentando-meumaflor
azulmuitoesquisita.—"Cheire;vejaquemaravilhosoperfumetem."— Eu, sem desconfiar de coisa nenhuma, cheirei a tal flor — e imediatamente meu corpo
principiou a endurecer. Perdi a fala; virei pedra.De nadamaisme lembro senão que, de repente, fuirevivendooutravezeaquiestou...
SóentãoDonaBentacompreendeuquePedrinhoatinhaenganadoparaevitarqueelamorressededor—eperdoou-lheaquelaboamentira.Depoisfez-lhegrandeselogios,quandosoubedomuitoqueeletiveradelutarparaqueahorrendaCucarevivesseamenina.
—Vejo,Pedrinho,quevocêéumverdadeiroherói.Essaproezaqueacabaderealizaratémereceaparecernumlivrocomoumadasmaisnotáveisqueummeninodasuaidadeaindapraticou.
—Espere,vovó—dissePedrinhocommodéstia.—Seasenhoraempregaessaspalavrasparamim, que palavras empregará para omeu amigo saci?Na verdade foi ele quem fez tudo. Sem a suaastúcia e conhecimento da vida misteriosa da floresta e dos hábitos da Cuca, eu sozinho nada teria
conseguido.Absolutamentenada.Agradeçaaosaci,quenãofazsenãodaroseuaoseudono,comodiztiaNastácia.
Todossevoltaramparaosaci.Mas...—Queédosaci?—exclamaramaumtempo.Procuraram-no por toda parte, inutilmente. O heróico duendezinho duma perna só havia
desaparecido.—Ingrato!—exclamouNarizinhocomtristeza.—Foi-seemborasemnemaomenosdespedir-se
demim...Denoite,porém,aodeitar-se,verificouquehaviasidoinjusta.Emcimadotravesseiroencontrou
umraminhodemiosótisquenãopodiatersidopostolásenãopelosaci.Miosótiseminglêséforguet-me-not—quesignifica“não-te-esqueças-de-mim”.
—Quealmapoéticaeletem!—murmurouamenina,comovida.