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DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ
SÃO GONÇALO DO RIO DAS PEDRAS
FOTOGRAFIA URBANA I
EDIÇÃO DO AUTOR
BELO HORIZONTE – 2014
“
O senhor tolere, isto é sertão. Esses gerais corre em volta.
Esses gerais são sem tamanho. João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas
URBANIDADE COLONIAL: SÃO GONÇALO, ROGAI POR NÓS!
São Gonçalo do Rio das Pedras é um lugar tipicamente mineiro.
Casas coloniais de simplicidade irretocável. Uma alma barroca que se
expressa no catolicismo. Não à toa a Igreja de São Gonçalo e a de Nossa
Senhora do Rosário dominam a paisagem na parte alta ou na parte central
do distrito serrano. O barroco se expressa na alma dos são-gonçalenses
pelo recato ao lidar com os estrangeiros. A desconfiança inicial
normalmente é quebrada por uma conversa em português correto e
preciso.
O distrito tem uma história de escravidão marcando até hoje a
população. Os homens e mulheres negros são ainda os mais pobres e
aqueles para os quais a realidade social ainda é difícil, especialmente para
aqueles que habitam na região rural do distrito. A divisão entre brancos e
negros é visível. É o resultado dos valores culturais dos portugueses no
século XVIII até o fim da escravidão africana no Brasil no final do século
XIX.
A conquista do território de São Gonçalo do Rio das Pedras é
citada em documento curioso que lança certa luz sobre os primórdios da
colonização local. Em 1729, mesmo ano da descoberta de diamantes no
Tijuco (atual Diamantina) por Bernardo da Fonseca Lobo, foi feita uma
descrição de um mapa do antigo Distrito Diamantino. Assim podemos ler:
Mapa da demarcação de região produtiva de diamantes, cuja descrição começa: "A
Villa do Príncipe Capital da Co/marca do ferro(sic) do Frio, se fundou em/1714 no
Sítio das Lavras Velhas, descu/berto por Lucas de Freitas./Ao Arrayal do Tijuco,
deu nome Jero/nimo Correa natural da Bahia em 713./O Arrayal do Milho verde
descobrio/Manuel Rodrigues Milho verde, natural da província do Minho em
1713/.O Arraial de São gonçalo descobrio/Domingos Barboza natural do,
Minho, donde fundou huã Ermida a este Santo/ em 1729./Tomou nome o
Arraial do Rio manço/ da mancidão com que pello meyo delle co/rre o tal Rio, e
delle foi o primeiro povoador/Jozê de Godoy Passo Paulista em/1719/. Descubriu
Kacté mey Antônio Ra/pozo Paulista em 1714./Foy o 1º Situador do Arraial do
Hy/nhaby e quem lhe deu o nome o Tapuyo/Thome Ribeiro em 1716. De hue
viu/va chamada f. de Gouvea natural de Porto/gal, houve nome e principio o
Arraial de/Gouvea em 1715./ A povoação do Rio Parahuna foi/principiada em
1713, por João Bor/ges Delgado." Petipé de 5 léguas.(Post. a 1729).260x330 m.,
Color, Av. 1
O dito descobridor de São Gonçalo do Rio das Pedras em 1729 foi
o português Domingos Barbosa Moreira. Dele temos dois registros
encontrados em documentos do Arquivo da Câmara do Serro. Ele exerceu
o cargo de vereador da Câmara em 1717 e a função de juiz ordinário em
1723. Era um homem influente no governo local e por isso, deve ter
recebido autorização de Portugal para ocupar o território de São Gonçalo
do Rio das Pedras.
Mineiros do Distrito Diamantino bateando cascalhos aluvionar rico em ouro e diamantes, numa
gravura aquarelada da obra Familiar Lessons on Mineralogy and Geology, de autoria de John Mawe, editada em Londres em 1821 e pertencente ao acervo de Carlos Alberto Barroso Fernandes.
1 BOSCHI, Caio. Fontes primárias para a história de Minas Gerais em Portugal. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998, p. 33. Negrito nosso.
4
Um ritual rigorosamente cumprido pelos portugueses aventureiros
do ouro e diamantes: ocupavam as terras, faziam a escrituração oficial,
compravam escravos, erguiam uma capela dedicada a um santo português
de devoção familiar. Por isso, os povoados de colonização portuguesa são
marcados por lendas. Citamos a lenda de São Gonçalo para ilustrar.
Conta-se que há muito tempo atrás duas crianças brincavam em
uma goiabeira onde está hoje a Matriz de São Gonçalo do Rio das
Pedras. Ao decorrer da brincadeira, as crianças encontraram uma
imagem. Seus pais, ao verem aquela imagem, perceberam que era a
de um santo. Como não existia nenhuma igreja no povoado,
levaram-na em romaria para outro local mais perto, Milho Verde,
onde havia uma capela. Mas o Santo pareceu não ter gostado nada
da ideia e voltou para o mesmo lugar embaixo da goiabeira. No
outro dia, as crianças voltaram a encontrar a imagem no mesmo
local. Apavorados, chamaram seu pais. Eles ficaram
impressionados ao verem o santo no mesmo lugar de antes.
Novamente reuniram-se em romaria e levaram a imagem ao Milho
Verde. Em sua caminhada, os romeiros perceberam as pegadas
pequenas que havia na estrada e que sugeriam serem do próprio
santo. Percebendo o acontecido, decidiram respeitar a vontade do
santo, trazendo-o de volta e construindo a igreja Matriz de São
Gonçalo no local de sua aparição2.
O ritual devia mesmo dar sorte aos portugueses. Eles enriqueciam
tão rapidamente que a memória deles se apagava na mesma proporção. O
fato é que a descoberta de ouro e diamantes provavelmente às margens do
Rio Jequitinhonha a 4 km do distrito levou ao aumento populacional por
causa da corrida aos metais preciosos.
Não sem pressa Portugal instituiu o Distrito Diamantino cuja
entrada era em Milho Verde, distrito anterior a São Gonçalo pela antiga
estrada de Serro a Diamantina (a tão falada Estrada Real não teve outra
2 São Gonçalo do Rio das Pedras. Disponível em http://pt.wikipedia.org. Imagem:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alo_de_Amarante. Acessos: 24/07/2013.
utilidade senão ampliar a fiscalização e a opressão às populações locais;
hoje ela é aclamada como a salvação econômica dos povos no seu
caminho... como a história muda ao gosto dos governantes!). Entrar pelo
Distrito Diamantino era o inferno na terra. Exigiam-se documentos,
protocolos e quem não os apresentasse era conduzido ao quartel de Milho
Verde para responder pelos ilícitos.
No início do século XIX a família real
portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro.
Incentivando o conhecimento científico do antigo
Distrito Diamantino foi enviado o mineralogista e
geólogo inglês John Mawe3 em 1809/1810. A missão
era restabelecer a mineração decadente nas Minas
Gerais.
O livro Viagens ao interior do Brasil narra
sua trajetória de Vila Rica ao Tijuco. Acompanhe a
saída dele da Vila do Príncipe, atual Serro, para São Gonçalo do Rio das
Pedras.
Deixei Vila do Príncipe no dia seguinte ao da minha chegada ao meio dia depois de
apresentar agradecimentos por suas atenções polidas, ao governador que pôs à
minha disposição um dos seus criados para acompanhar-me durante uma légua.
Pedi a este homem, prometendo-lhe recompensa, que apanhasse para mim
conchinhas terrestres e insetos para mos entregar por ocasião do regresso que,
3 Nascido em Derbyshire (Inglaterra) em 1764, faleceu em 26 de outubro de 1829. (...) Escreveu mais de dez trabalhos sobre mineralogia e geologia. Sua principal obra é On a Gold Mine in South America, que se encontra na biblioteca da London Geological Society. A primeira edição data de 1812: 368 páginas com 9 estampas, uma delas colorida. A obra despertou grande interesse e em nove anos foi lançada a segunda edição inglesa. Nos Estados Unidos foram feitas duas tiragens e também foi traduzida para o francês, italiano, holandês, sueco, alemão, russo e português. Durante 15 anos empreendeu viagens marítimas. Ao final do século XVIII explorou muitas das minas da Inglaterra e da Escócia colecionando amostras de minérios para o rei da Espanha. No mês de agosto de 1804 partiu para o Rio da Prata. Nesta viagem chegou a Cádiz quando irrompeu a guerra entre Inglaterra e Espanha. Em março de 1805 foi para Montevidéu, onde foi preso acusado de espionagem a favor da Inglaterra. Passou por Buenos Aires e retornou a Montevidéu onde fretou um barco com o qual em direção ao norte escalou por vários portos do Brasil, entre os quais o da ilha de Santa Catarina. Foi recebido no Rio de Janeiro por Dom João, com quem obteve autorização para visitar as jazidas de diamantes de Minas Gerais e do interior entre 1809 e 1810. Retornou a Londres em 1811, e abriu uma loja na margem do rio Tamisa, próximo à Somerset House. Quando da sua morte em 1829 foi colocada uma lápide em sua memória na igreja de Castleton em Derbyshire. O negócio ao qual deu início teve continuidade sob a direção de James Tennant. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/John_maweAcesso: 24/07/2013.
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esperava, se verificaria de dois ou três meses. A facilidade com que compreendeu o
que lhe disse, juntamente com a promessa de gratificação, deu-me a certeza de que
seria logo atendido. (...) Fiz as quatro primeiras léguas através de região estéril e
escalei ´varias outras montanhas. Ao fim do dia, alcancei uma eminência, da qual
avistei um grupo romântico de casas, semelhantes a um labirinto ou a uma cidade
negra da África. Descemos a colina e nos aproximamos do lugar, já noite fechada.
Conduziram-me, à casa maior que as outras; soube que estava em S. Gonçalo, a
primeira exploração de diamantes que se encontra no Serro do Frio. Encontra-se,
há algum tempo, em declínio e emprega cerca de duzentos negros4.”
Em carta ao Dr. Benjamin Franklin Ramiz Gabar, de 21 de Julho de
1881 o governo serrano informou que em São Gonçalo do Rio das Pedras
havia “1217 almas (livres – homens: 458, mulheres: 470; escravos –
homens: 178, mulheres: 111), fogos 220 (214 habitadas, 3 desabitadas).”
Pouco mudou do final do século XIX até o fim do século XX. A
configuração de pequeno povoado com casas coloniais típicas permaneceu
praticamente intacta.
A ruralização progressiva da Comarca do Serro do Frio, o atual
norte de Minas Gerais, em substituição à mineração provocou um
fenômeno que configurou um dos maiores valores de São Gonçalo do Rio
das Pedras: a culinária.
Enquanto o queijo do Serro ganhava fama nacional, os doces em
calda, a goiabada e a marmelada de São Gonçalo se tornaram referência
no assunto. Um bom queijo do Serro com a goiabada de São Gonçalo do
Rio das Pedras se tornaram um par inseparável.
Nos tempos atuais, a população está polarizada entre a necessidade
imediata de preservação ambiental e patrimonial do distrito e o loteamento
e modernização do calçamento.
As fotografias desta publicação foram realizadas na segunda
quinzena de julho de 2013. É um registro que pretende dialogar com
outros relatos históricos e intenciona manter viva a memória barroca
presente nesse lugar de beleza única: São Gonçalo, rogai por nós!
4 MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944, p. 208 a 211.
Referências bibliográficas BRISKIEVICZ, Danilo Arnaldo. A arte da crônica e suas anotações. História das Minas do Serro do Frio à atual cidade do
Serro em notas cronológicas (14/03/1702 a 14/03/2003). Serro: Tipographia Serrana, 2008. ___________. A arte da tipografia e seus periódicos. História da imprensa serrana das Minas do Serro do Frio à cidade do
Serro –1702-2000. Serro: Tipographia Serrana, 2002. _________ (Org.) et alii. Revista de História do Serro 1, 2 e 3. Serro: Tipographia Serrana, (2002-2004); São Paulo:
Recanto das Letras. BOSCHI, Caio C. (Coord.). Inventário dos Manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico
Ultramarino (Lisboa) Vol. 1, 2 e 3. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1998 (Col. Mineiriana). ESCHWEGE, W. L. von. Brasil, novo mundo. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1996. MARTINS, Marcos Lobato. Da bateia à enxada: Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Diamantina: Ed.
FAFIDIA, 2000. MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944. MENESES, José Newton Coelho. O Continente Rústico: abastecimento alimentar nas Minas Gerais setecentistas.
Diamantina: Maria Fumaça, 2000. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. SCARANO, Julita. Devoção
e Escravidão. São Paulo: Ed. Nacional, 1978. SILVA, Dario Augusto Ferreira da. Memória sobre o Serro antigo. Serro: Tipographia Serrana, 2008; São Paulo:
Recanto das Letras. SOUZA, Maria Eremita de. Aconteceu no Serro. Belo Horizonte: BDMG, 1999. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro,
1998.
Fonte: http://www.ibge.gov.br
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DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ
Nascido em Serro – MG em 1972. Filósofo, poeta, historiador e fotógrafo
amador. Residente em Belo Horizonte tem como hobby a fotografia
intuitiva e humanista. Professor em colégios e faculdades privadas. Mestre
em Filosofia pela UFMG.
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Projeto fotográfico
São Gonçalo do Rio das Pedras
Julho de 2013
Fotógrafo: DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ
Fotógrafa de apoio: INÊS MARIA BRISKIEVICZ DE JESUS
Equipamentos: Canon T3i 18-135; Fujifilm Fine Pix S1500
Algumas fotografias receberam tratamento com programas
como PhotoShop Lightroom e Photo Scape além de ajustes
digitais na própria câmera.
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LIVROS DO AUTOR www.recantodasletras.com.br/autores/doserro
POESIA 1993
Identidade 1994
Tonel da memória 2000
Oratório de versos 2002
300 2004
Chão de poemas De tudo e de amor
2008 O cheiro sem cheiro da
rosa sobre a mesa 2009
Transmutação Maresia
Cotidiano Manhã
Tarde Noite
Cem módulos Olhos de concreto
2010 O sopro do tempo no relógio do templo / Infância
O sopro do tempo no relógio do templo / Adolescência O sopro do tempo no relógio do templo / Maturidade
Resíduo orgânico Pulso tempo
Grão de tempo Vazio
Espelho 2011
Humano Entre dois pontos da mesma vida
Notícia Resta um eu mesmo
Grande elegia do mundo Passatempo
2012 De dentro pra fora
Conexidade Nunca fritei um ovo de codorna
Domingo Segunda-feira
Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira
Sexta-feira Sábado
Surpresa poética 2013
Um.um Outra coisa
Simples Mais simples Bem simples
Simplesmente Tão simples
Enfim, simples
ANTOLOGIAS POÉTICAS 2009
Mares diversos mar de versos Vozes da alma
2010 Textos seletos
2011 Versos luso-brasileiros
HISTÓRIA
2002 A arte da tipografia e seus periódicos
2007 A arte da crônica e suas anotações
FOTOGRAFIA 2008
Serro duas vezes 2009
Rostos 1998 Urbanometria Cor do tempo
Interior sagrado Unicidade
2010 Luz interior
Linha do tempo Paris a vista
2011 Berna na hora certa
Bruxelas eterno som de domingo Amsterdam nos trilhos do tempo
Serro olhar Espaço público
2012 Artifício
2013 Corrubiana
Florada Florida
Portfolio 2014
Buraco de agulha
ORGANIZAÇÃO E REEDIÇÃO 2008
Memória sobre o Serro antigo / Dario A. F. da Silva – 1924 2011
Álbum do Bicentenário 1714-1914
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