1359
] [ ] CONEXIDADE danilo arnaldo briskievicz ] ] ] ]

danilo arnaldo briskievicz CONEXIDADEstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/3533535.pdf · A poesia expressa nos trinta livros agora reunidos nessa Conexidade são apenas tentativas

  • Upload
    ngocong

  • View
    291

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • ] [ ]

    CONEXIDADE danilo arnaldo briskievicz

    ] ] ] ]

  • 1

    danilo arnaldo briskievicz

    CONEXIDADE 30 obras completas

    1993 a 2012

    TIPOGRAPHIA SERRANA SERRO - MINAS GERAIS BRASIL

    2012

  • 2

    Apresentao

    Era uma vez em 1993. Naquele ano resolvi: j era hora de tornar

    pblico alguns versos. A poesia interior se revirava a procura de uma

    Identidade. Poderia dizer que a alma do mundo me impelia, o tempo

    todo, a me identificar com os smbolos interiores sejam eles de qual

    matriz tenham se originado (a famlia, a sociedade, a histria, o amor).

    De 1993 at 2012 quando apareceu o trigsimo livro intitulado De

    dentro pra fora as viagens pelo Brasil e pelo mundo, o conhecimento de

    sentimentos novos, as mudanas de cidade, a leitura dos clssicos da

    poesia mundial, brasileira e mineira foram somando novos versos.

    Dos trinta livros publicados, alguns impressos, outros em formato

    digital, em cada um deles me sinto singular. A memria potica do

    momento ali se expressa de modo intenso, conturbado e necessitado de

    ajustamento.

    A poesia expressa nos trinta livros agora reunidos nessa Conexidade so

    apenas tentativas de purificao, de catarse, de memria, de resoluo

    de conflitos internos, de saudades amorososas e dos amigos, de contar a

    histria interior das cidades visitadas em sua unicidade.

    Os versos, tantos versos, so permeados da memria afetiva da

    existncia. Em cada canto da poesia que se expressou possvel ver e

    sentir um pouco da linha do tempo da vida. E cada vida, assim como a

    poesia, nica.

    Isso no quer dizer que seja estanque e sem ajuntamentos. Toda a poesia

    uma conexidade. Uma profunda conexidade entre os diversos tempos

    da vida em suas idades. Mas em cada verso, sei, fundo, que o

    aprendizado se deu.

    Acompanhe essa Conexidade e se torne mais um elo.

  • 3

    IDENTIDADE/1993

    PRLOGO

    Para borrifar o papel

    com sentimentos e palavras

    o poeta de alma cortada

    declina o dia

    declina a noite

    percorrendo o mistrio

    que o faz contemplar

    na vida no momento no tempo

    uma profundidade intensa

    que o leve a amar.

    Para borrifar o papel

    de risadas e realidade

    o poeta de alma penada

    purifica o dia

    mistifica a noite

    descrevendo os mistrios

    de sua indignao

    com a dor silncio tormento

    um sentimento irrisrio

    que o leve a calar.

    Um poeta no dia

    perscruta os atos idos

    na certeza prpria

    convence-se da m sorte.

    EU SOU

    Corao sem identidade

    quebra-cabea montado

    de dor e ardor e clamor

    um grito de desespero.

  • 4

    IDENTIDADE

    Identidade que se processo no ocaso

    de encontros e despedidas

    inverses e diverses

    de espantos e acolhidas

    contradies e paixes.

    Fiz-me na hora certa

    incerta manh da existncia

    difusa luz da histria

    onde conto meus dias

    sem receio de ser feliz

    com anseio de ter aqui

    um momento alegre e

    contagiante

    escrito na tbua da minha razo

    contrao de sonho e realidade.

    Identidade porttil

    fundada nas estruturas slidas

    do ser, humano que ,

    a cada etapa

    tateando no escuro dos dilogos frutuosos

    calorosos.

    Descobri a ideia estreita

    de ser humano interessado

    em si s.

    BOCADO

    Da boca fiz poesia

    do sorriso hipocrisia

    de quem sorri e beijei

    s me resta melancolia.

  • 5

    LINHA DO HORIZONTE

    Na linha do cotidiano

    deslizo a caneta da vida.

    Inocentemente desvendo

    a solido a cada ano.

    Na foz do destino

    corro em rios de lembranas.

    Incessantemente me desiludo

    com todo desatino.

    CASULO

    Envolvido em mim mesmo

    sou epiderme.

    Despido de mim mesmo

    sou expresso.

    INDEFINITO

    Se queres me definir

    mira a estrela mais distante

    e percebe seu brilho.

    Conta os olhares perdidos

    que mirei a lua, a praia, o infinito.

    ausculta meu peito em sol menor

    e entenda sua sinfonia.

    Se queres me definir

    descolore o azul de meus olhos

    e pinta um branco total.

    junta contigo o conhecimento de tudo

    Com o saber divino.

    e ausculta meu peito de-cadente

    perscruta minhalma penitente.

  • 6

    CACOGRAFIA

    No questionrio da vida

    achei poucas afirmaes

    e no fostes exclamao

    decerto minhas reticncias.

    TEMPORAL

    Doeu-me na pele de neve

    a chuva plida de tua voz

    ecoando nas grutas de meu ser

    frases prontas de despedida.

    Onde tu estavas quando me tra?

    Onde estava eu quando te perdi?

    RE-AO

    Ao passado que limite

    acrescento uma reviso

    anotando os seus erros

    no caderno da emoo.

    Errei por descrever

    quem era eu ao agir

    e anotei consciente:

    devo me redescobrir.

    Acertei vivendo as etapas da vida

    ano e meses e dias com intensidade.

    Anotei um acerto:

    a cada tempo uma realidade.

    No erro da noite

    nos acertos da tarde

  • 7

    descobri a ambiguidade:

    sinto a vida de verdade.

    ANNIMO

    Srio, eu?!

    Quero

    tempo

    tombo.

    Tdio, eu?!

    Tento

    canto

    minto.

    FUTURSTICO

    Para onde for acompanhar-me-o

    recordaes passadas

    e singelos amigos.

    Comigo viro as emoes da vida

    que insistem no atropelo

    e as mais belas despedidas.

    ESCALADA

    Suado de alegria

    subi a escadaria.

    Melancolia parte

    noite vazia.

    Deitado na saudade

    desci ao abismo.

  • 8

    SONO

    Veia desatada em mil ns

    pulso emocional vulco

    na noite de desembarao

    adormeo em meio ao vero.

    Desacordei de um sono leve

    pesado em seus contornos

    suave em seu declnio

    rude no seu reincio.

    Fui noite, agora sou dia

    paraso, hoje sou profecia

    tentei um acordo, desacordei insone.

    procurei um atalho, ca na armadilha

    destino castigo estilo solitrio.

    CSMICO

    A nuvem plida

    o jato de luz

    a estrela apagada:

    tudo madrugada.

    Algo do nada

    tua lembrana.

    NOTAS

    Como quem toca uma guitarra

    e suspira um saxofone

    na noite de despedida

    no sou o mesmo

    j tenho

    os pressupostos que me compunham.

  • 9

    DESPEDIDA

    Ouvirei teus gemidos

    sem censurar

    mas na partida de teus passos

    permite-me chorar?

    Relerei tuas cartas

    sem pestanejar

    mas ao queim-las

    concede-me duvidar?

    Sentirei tuas palavras

    sem lamentar

    mas ao pedir perdo

    deixa-me negar?

    Dispersei tuas lembranas

    sem hesitar

    mas quando te rever

    posso te convidar?

    REssINTO

    Tu no aceitaste desculpas

    na noite flagelada de dores

    nem mesmo sentistes a flmula

    da minha incerteza que pairava.

    Incerto que estava

    acertei teu egosmo

    e de tudo que assumimos

    me sobreveio ressentimento.

  • 10

    HORAS

    Desperta

    a noite j vem.

    Acorda a

    madrugada chegou.

    Dorme

    o dia caiu.

    Doce vampiro.

    AFTER DAY O que restou da noite

    foi a angstia

    a insnia

    e a solido do aoite.

    O que restou do beijo

    foi o sabor

    a forma

    e a distrao do ensejo.

    O que restou de ti

    foi o retrato

    a carta

    e a poro mais triste.

    PASSANTE

    Ondulei a curva j remota

    de teus ps na sala

    e no se encontram notcias

    dos jornais passados

    que tu lestes.

    (esto arquivados).

  • 11

    No se acha a mesma mesa

    no canto da sala

    e a televiso preto e branco

    hoje colorida.

    (tudo evolui).

    Desci as escadas da sorte

    e me veio a saudade

    da cano serena

    que compusestes na primavera.

    (mudam-se as estaes).

    Limpei a viseira

    que meus olhos azuis possuem

    e vi no quarto de hspede

    a sua marca arcaica.

    (reformaram as paredes).

    Peguei-me ultrapasado

    ligando fatos idos ao presente

    revivendo sentimentos

    sem sentidos ao luar.

    MEIAS PALAVRAS

    Na distncia fixa

    tremenda desiluso

    tu no ests

    em comunho com meu corpo.

    Digo ao relento

    ouves sem ateno

    e expresso por carta

    s entendes sofrimento.

    Palavras so instintos

    que distinguem

  • 12

    cada relao.

    Para ti usei amor

    ouvi amizade

    utilizei paixo

    ouvi estima.

    Usei palavras demais,

    castigo-me agora

    pela hora no consumada.

    FASCISTA

    No fim da tarde

    condeno o tudo ao meu nada

    na mancha negra da lagoa dourada

    desprendo um olhar de vertigem.

    Nas caldas vulgares da sereia

    atendo a insatisfao

    nas lembranas do passado

    dodo e incerto

    encrenco a mquina sentimental.

    E concreto que sou

    torno-me semblante pesado

    escalando a tarde

    comigo apenas.

    Volte-se para o lado

    e no vers minha face.

    VISO

    Um corpo sentado

    recente viso

    nos sonhos te tenho

  • 13

    no sem obstculos reais.

    O irrealismo

    de teus lbios nos meus

    impressiona e desfigura.

    TOQUE

    Entendi a caminhada da manh

    rompendo a tarde

    aprofundando o sentido mgico

    dos afagos no corpo

    dos toques nostlgicos.

    SAUDADE

    Pensei em nada e tudo se vai

    rebuscando o papel

    chamuscado de saudade.

    Pensei remorso e encontrei esperana

    esverdeando o canal

    pintando-o de felicidade.

    ANGUSTADE

    Solido algo brando

    capricho de deuses

    produz amargura, uma dor danada

    resseca a garganta, impede a palavra.

    Machuca no fundo

    remi o passado.

    Corri o meu mundo

    destri o pecado.

  • 14

    Brisa que sopra na fronte da paixo

    teso recolhido

    de toque em noite de contrao

    de beber a taa da libido.

    ESTTICO

    Estacionados esto

    os objetos ao meu redor

    plantas em silncio

    jardim esttico.

    Parados esto os objetos prximos

    mesa batida

    rdio esttico.

    Calados esto

    os objetos ao meu redor colocados

    mesa em silncio

    rdio esttico.

    CERTEZA

    Distncias separam pessoas

    ligadas por certas realidades:

    habitam o planeta Terra

    e pensam as mesmas verdades.

    Distncias unem certezas

    de seres da mesma espcie

    sentem-se solitrias

    e choram de saudades.

  • 15

    Distncias unem e separam

    os amantes da vida,

    com seus sentimentos e sentidos

    sensaes e conflitos.

    NEGATIVO

    Na sombra de mim

    o sol se faz escuro

    como pele negra

    negativo obscuro.

    Com a sombra em mim nascida

    ando negativo pela rua

    e na noite a lmpada assombra

    se no, sou sombra da Lua.

    ESSNCIA

    Um desejo invade

    complacncia.

    Um vento inspira

    demncia.

    Uma msica apavora

    carncia.

    ALUSO

    Caminhonete pisoteando o asfalto

    marchando caminho adentro

    afora

    agora

    desbravando algo mais

    que uma iluso passageira.

  • 16

    PORO

    O mar me traz algo esterno

    um sentimento eterno

    ps-moderno.

    Mar, corrente de emoes

    canes eruditas

    cristalizadas em seus caes.

    FALCIA

    Vendaval de esperana

    me vem ao contemplar

    na imensidade molhada desta terra

    a frieza do mar.

    Fala de calmaria

    fronteiras quebradas e limites

    instransponveis sem utopia

    possveis para quem ama.

    GELATINSTICO

    Na nata do mar

    escorre meu amor

    pela vida

    minhas crenas

    e realizaes.

    Na dvida de caracol

    me enrolo em conflitos

    nas curvas da sereia gorada

    estou pensativo.

    Cravo os dedos na areia

    plida e estranha

  • 17

    escorre sangue

    espalhado em meu corpo.

    Cu e mar

    eu aqui

    incrdulo protesto silencioso

    de pensamento vaidoso

    bpede racional

    filsofo da solido marginal.

    MEDO

    Na solido do mar

    cravado de escurido

    descobre-se que amar

    absoluta contradio.

    No estar sobre as guas

    agitadas pelo vento

    percebe-se o nada que

    agora meu sentimento.

    Na escurido de meu cu

    brilha a estrela da saudade

    a lua de uma paixo

    revelando-me por inteiro:

    profundo

    obscuro

    exato

    a-mundo.

    BSSOLA

    Agarrei-me ao mastro do barco

    em meio a palavras de medo

  • 18

    descubro que bem cedo

    perdera meu zelo.

    Mastro que me aponta as estrelas

    astro, me fez perceber

    como imensa a galxia e

    minha possibilidade de ser.

    Mas o mastro

    um astro

    sem lastro.

    O mastro me apontou na noite

    o Cruzeiro do Sul.

    E

    Cor s

    dor s

    Cor s dor

    Cor s dor... s!

    I

    Cansao, malas, parada

    utopia, previses, palavras.

    Pela janela avisto a caatinga

    j passando por Minas Gerais

    pela mente alucino

    Jiribatuba que no chega mais.

    Ao lado o padre

    ao lado os colegas

    de lado as senhoras

  • 19

    frente das relvas.

    E passa rodovia

    e rodoviria

    chega Salvador

    cidade imaginada.

    Salvador, ferry-boat, mar

    conversa, Bom Despacho, calar.

    II

    O vento passa o tempo

    vento espanta o cansao

    vento calmo

    ainda cedo.

    Chegamos casa paroquial

    descemos as malas

    ocupamos os quartos

    jantamos...

    repouso.

    Ondas calmas

    calmaria mental.

    RE COR DAO

    Teu nome escrevi na areia

    facilmente pensei em ti

    lembrana remota

    do que deixamos de fazer.

    Deitei-me na praia

    metade gua ) (metade areia

  • 20

    meus braos abertos em contorno

    retrataram um corao.

    Corao de guas salgadas

    borbulha em recordaes

    corao divino

    perdido em meditaes.

    TONEL DA MEMRIA - 1994

    PASSEIO POTICO

    As escadas de Santa Rita pararam no tempo

    os transeuntes dirios so os mesmos.

    O tom do cu permanece inalterado

    o coqueiro intacto respira os anos.

    A seca cavalga todo ano pelos pastos

    mas a mo do lavrador esculpe o cho sob os olhos de Deus.

    As oraes permanecem catlicas e sonoras

    Apesar das seitas constiturem seus ncleos.

    Tudo em Serro cheira sculos

    e a vida envelhecida em tonis da memria.

    A moa (s isso mudou) ficou mais esperta

    de tantos alertas que a televiso vive a anunciar

    - decotou o vestido, largou o marido

    E quer se engravidar.

    O moo deixou a velha bicicleta

    andando de moutain bike pelo asfalto afora

    -tem na mente na imagem da famlia que o padre

    descreveu e no sabe se um dia a ter.

    Nada em Serro muda da noite para o dia

    e a vida camuflada em selvas de cerveja.

  • 21

    IN LOCO

    Vasculho as gavetas da memria

    localizo a mo generosa deslizando

    sobre facas amoladas com m sorte.

    Se a pergunta onde erramos? encontra lugar

    Perco-me no tempo a recordar.

    21 -12 93

    Pena que da morte

    s sabemos o estado

    se ela traa horizontes

    s quem foi defunto sabe.

    Quem penumbra espessa

    invadiu a tarde

    com surrealismo bestial

    sombras e dvidas?

    Sorte que da morte

    s sabemos o estado

    se desvendar mistrios

    s quem foi defunto sabe.

    Oito horas da noite

    encontro dos mortos cheios de medo e dor.

    BEM OU MAL

    No me recordo de ver nas sombras

    vestgio de arrependimento por serem

    obscuras negras frias.

  • 22

    No me recordo de ver na luz

    agradecimento que no seja

    iluminar clarear descobrir.

    Nas ondas pintadas da tela na sala

    surge a pergunta retratada:

    sou filho de uma luz transcendental

    ou de uma treva arrependida?

    FEIRA

    A bela vida consiste em antes mesmo

    Possu-la, admir-la.

    Ver no feio do dia-a-dia

    os opostos se completando.

    No h plsticas para vidas tristes

    nem bisturis para remodelar o passado.

    GHETULIANA

    preciso que o ser se faa carncia de ser.

    Sartre

    Suas palavras me ensinam

    o que ter e fazer

    como ser feliz.

    Mas nessas palavras bem ditas

    vem calor do Saara

    angstia danada

    desejo de ter acertado na vida.

    De ter feito arruaa trapaa

  • 23

    tudo aquilo menos isso

    que agora me orienta a no fazer.

    De ter aproveitado a novidade

    toda ela sem medo

    medo desbotado magoado

    que agora me passa em conselho.

    Todo seu hlito recende

    para orientar-me dos entraves

    de errar na vida dos homens.

    Sua vida me indica

    a nica sada no ter entrada.

    Fomos aqui jogados

    feitos eu ele ns

    num jogo imperfeito

    que se fosse eu eleito no seria juiz.

    Sua boca amplifica

    vaidade tardia

    da taquicardia diria

    eternos gemidos emitidos.

    Boca de noite sofrida

    alegre mas vazia

    suave mas evasiva.

    Tons sobre tons

    boca sobre boca

    assim sou ouvinte de boca

    calada pelo tempo que leva

    palavras e corpos

    para o cemitrio da memria.

    Faze o bem e sers perfeito.

  • 24

    SBADO h NOITE

    Desarrumando antigas gavetas

    perdia-me ainda mais

    vasculhando verdes ocasos

    sem nexo nem avais.

    Procurando arquivos secretos

    segredos banais

    revelando negros descasos

    encontrei-me srio demais.

    O RELGIO

    Ao Bonfim

    Subia as escadas rabiscadas de saudades

    das conversas a muito ocorridas

    a idade penetrava-me poucos desejos

    e o sino da Santa Rita no obrigava a partida.

    A voz de Jlia anunciando morte de pai

    assim velho assim gacho

    encheu de lacunas o garoto

    encheu o quarto de amigos.

    A voz de Magda pestanejando o microfone

    assim gasto assim antigo

    encheu meus ouvidos de 14:40 h

    encheu meus olhos de avisos.

    Deitado na noite a Lua sorria

    de madrugada ela me possua

    descobrindo ninhos de andorinhas

    o futuro seria eternamente badaladas.

  • 25

    ROTINA

    Quando fico em fnebre silncio

    peito em feixes de rotina

    o mesmo Sol no azul celeste

    concluo o dia semelhante ao de sempre.

    RUAS

    Passageiro de becos e sonhos

    embarco nas arruaas

    de pedras calando a vida.

    Paredes cados alterando a trilha

    perdes que reconstroem as noites

    pedras buscando sapatos.

    SALTO ALTO

    Equvoco auditivo na noite

    no ecoou no peito seu toque-toque na esquina

    nem palavras de reconciliao.

    Badalei-me no sou o mesmo que h tempos

    desnudou seu corpo

    naturalizou seus atos

    relativizou sua culpa.

    Na noite de salto alto no dobro aos seus ps.

    CALMANTE

    De noite sou o que sou

    rpido de gole em gole.

    Perdendo a coerncia entre uma frase e outra

    entendendo a decadncia da Lua minguante.

  • 26

    Abastecendo ouvidos de sons e rudos

    sugando da msica bom lenitivo.

    Desfazendo sonho intil e infrtil

    achar-se em trs notas musicais.

    Na noite sou o que sou

    goles luares pro

    c

    u

    r

    a

    GARI

    Teus restos joguei pela janela

    inteis para reciclagem

    ocuparo a lata de lixo.

    Tantas reconciliaes mas nada valeu

    tentativas frustradas vai embora!

    deixe apenas o telefone

    da limpeza pblica.

    O POSTE E O BBADO

    Ao Goleau

    Tenho sido apenas poste.

    Tentei ser calada para o bbado

    talvez seu aguardente

    fui apenas poste.

    Olhei com fineza e embriaguez alheia

  • 27

    - curvas na calada

    fui apenas brao de apoio na trajetria

    - fui poste.

    Poderia ser pupila dilatada

    beijo baforado

    pernas trocadas

    - fui poste

    Vo-se os sbados e nada muda

    mas mudar pra qu?

    O poste ilumina os passos do bbado...

    ESOTRICA

    ...para Irene B. Dinis Filha

    ...livre, leve e solto.

    Se ao te beijar um significado rompia

    era noite enluarada

    era amor e fantasia.

    Se ao te olhar uma iluso aparecia

    era o dia do reencontro

    era paixo e alegria.

    Foi beijando-te

    num lapso de infinito

    foi olhando-te

    num eterno espelho fixo

    que enchi o corao de desejo

    e alma de certeza:

    amei-te sem medo

    sem dvida nem receio.

  • 28

    REBORDOSA

    Havia minha boca e um copo

    uma estranha sensao

    - no alcancei o l t i m o g o l e

    co(r)pos distantes distantes palavras

    ressaca

    MICTRIO

    Via-me ali, cheiro ftido

    mictrio.

    A vida um pouco glria e

    Urina.

    Via-me ali, gua escoando

    gotas etlicas.

    O mictrio da vida leva

    eles eu.

    Cheiro suburbano de sentimento noturno

    mijo recorda-me lixo

    paradoxo sem sombra feliz-infeliz em duas msicas ouvidas.

    PERDAS & DANOS

    Talvez estejas entre um cigarro e outro

    e tuas lembranas denotem nostalgia

    semblante triste sem consolo.

    Perdeste a agenda

    com ela um prefixo companhia.

  • 29

    PLO OESTE

    O gelo se debatia no copo

    em silncio se desfaziam lgrimas

    NOITE TRMICA

    O copo de frio arrepiado

    em meio a sorrisos da cerveja

    fui assim degustando a noite

    num indigestivo sbado.

    TREVO

    Ca do alto relevo

    vertigem em forma de trevo

    cinco dez quinze ptalas

    sem porte cor nem sorte.

    H2

    Di um amor que plano

    papel esboo teoria.

    No corri um cido que neutro

    insosso inodoro frio.

    2004

    Em algum lugar do futuro

    meu caminho cortar o teu

    se chegarmos at l

    saberemos quem sou eu.

    Em algum lugar desse universo

    meu sonho buscar o teu

    se nos conhecermos

    saberemos quem sou eu.

  • 30

    HEDON

    No sou real nem quero ser

    sou um sonho eterno adeus

    apenas bom momento.

    Serei eterno ou no serei?

    Quem comprovar?

    No sou real mas posso ser

    hedonice em noite de Lua cheia.

    DUAL

    Reflexivo espelho

    alma

    corpo

    depressivo receio

    calma porto.

    Distendido dualismo

    pensar

    agir

    partido sofrimento

    calar sorrir.

    A ONDA ERA PRETA

    As ondas no diziam nada

    embalei o cu e joguei no lixo

    as estrelas se foram de txi

    emudecendo canes e notas.

    H tdio no me intrigam

    cores da orqudea na manh

    bal de gaivotas meu porto solido.

  • 31

    INTERCMBIO

    A flcida curva da estrada

    no me conduz a ti

    a clida luz do dia

    no me eleva a ti.

    SPIN

    H energia atmica nos poros rompidos

    -rompiam-se passado e presente

    sonhar motiva a realidade?

    O pensamento rouba o dilogo

    se calo sonho

    se falo destruo o sonhado.

    WALL

    Beijar quebra muros

    unindAlemanhas.

    Mundo de muros

    silncios e apuros.

    VOLUME

    Cavalguei em espantos saborosos

    sobre ondas de nctar e ouro

    tudo se fez aurora.

    Balbuciei nmeros de mundos infindos

    com boca carimbada

    tudo se fez silncio.

  • 32

    ARRUMAO

    Perda procura achados

    desenhos atropelados

    um nu um homem pelado

    calas nos varais

    sapatos no telhado.

    EM POTNCIA

    Ao Srgio Vidal

    Quem se v assim

    calmo frio pacfico

    no entendeu ainda

    o parntese quase reticncia

    penetrando a jornada

    da juventude quase vazia

    de um grande amor.

    ROSA

    A rosa foge do amor presente

    o passado mais forte

    prendo-me sua cor

    importa-me a distncia que mantemos.

    Como, rosa, flor escarlate

    orientar-se para alcanares o que possuo

    dar-te-me sem freios

    doar-me sem te murchar?

  • 33

    ELEGIA DO TEMPO

    Tempo-rei, ensinai-me o que eu

    Ainda no sei. G. Gil

    I ramos eu e Deus

    partimos de nibus.

    A paisagem despia o cu da nova cidade

    contudo no largava o sonho ao vento.

    Estava decidido era vocao

    um padre serrano assim branco

    assim jovem.

    Em poucos anos perdi meus passos

    no calabouo estruturado das palavras

    gaguejei sorrisos suspirei lgrimas.

    Como no contasse os tempo ele se foi

    em trs calendrios lentos calmos profundos

    -perdi-me em planos sucessivo desmaio cronolgico.

    Criou-se entre a criana e o homem

    um hiato de trs anos.

    II

    Quisera que as flores to belas

    vissem meus olhos alegres

    no jardim gramado de esforo

    de ver muda fazer-se flor.

    Mas os olhos coloridos se foram

    da janela onde avistava as palmas

    - no houve regresso.

    S as almas renascero.

  • 34

    Da kombi branca velocidade nos olhos

    corria por entre casas mudas e tristes

    alegria no retorno s aulas

    em meio a solfejos de frias.

    O corredor to amplo em seu passado

    esqueceu-se das palavras sbias

    bem como das nuvens que o tempo choveu.

    Em Serro a noite cai to silenciosa

    que o tempo se fez realidade

    passei e sou passado.

    III

    O tempo tipografou na face

    rugas exangues e um olhar de angstia

    passou cada segundo das clulas jovens

    envelheceu a noite fez-se dia.

    Levou da boca as palavras

    definiu os culpados sorriu a alegria

    fez-se suspiro com anseio de infinito

    pelas duras marcas que o peito contraria.

    Tempo-perdido entre frios olhares

    hoje traz sombra dor melancolia

    de nada valem as fotos

    debocham das mos trmulas

    de nada valem remdios

    o p quer se incorporar aos meus ossos.

  • 35

    A LIO DA CHUVA

    No duvido que a sombra tenha medo da luz

    nem que o Sol tema chocar-se coma a Lua

    pois a luz contm a treva

    -sorrio disso.

    H noite em cada amanhecer no interrompamos o ciclo

    ele se repete em ns

    hoje sou banho amanh chuveiro

    ontem fui cano depois rio.

    Ateno lio da chuva

    que sobre a terra deposita suas esperanas

    ver semente crescer rvores

    ter rvore para refazer o ciclo.

    Que eu chova gua e amadurea rvore.

    SOLIDO

    quando o peito desarrumado percebe

    a tempo- o desencanto

    quando as noites perdem sua beleza

    sem desculpas acalanto

    foi assim: peito partido

    noite fria

    que desatei os ns do sapato

    de uma inslita caminhada.

    Se sobraram pedras

    rolantes desejosas de contato

    se caram lgrimas de mgoa

    rolantes desejosas de ateno

    a certeza do sorriso que prevalece...

  • 36

    ORATRIO DE VERSOS/2002

    TRADUO Ento fui acometido pela Nusea, me deixei cair no banco,

    j nem sabia onde estava, via as cores girando,

    lentamente em torno de mim, sentia vontade de vomitar;

    e isso: a partir da a Nusea no me deixou,

    se apossou de mim.

    A nusea, Jean-Paul Sartre

    Traduzir-me parece difcil

    quanto mais me procuro, ousadia:

    me perco. Basta a angstia:

    sofrendo me reconheo vivo.

    Acordo: vem a memria

    nome, sobrenomes, objetos: onde estou?

    No me acho fora de mim

    sou um espelho quebrado.

    Estou rompido em dois polos

    um que ama e ousado, outro serei eu?

    frio e melanclico mas ambos

    cabem num s destino.

    H muralhas dentro de mim: pedras

    no caminho da vida, vivo ou existo?

    Estou dividido em fragmentos de ao

    no h resposta, pairam dvidas.

    MEDO preciso no sentir medo.

    A nusea, Jean Paul Sartre

    Hoje dia de suportar a luz

    enquanto no fundo do meu tnel

    escurido.

  • 37

    Hoje dia de ver o sol, lua, brilho

    dentro de mim no h sombras

    h a maior sombra: medo.

    De mim ao mundo h um precipcio

    de mim ao outro h mundos e fundos

    (pena de mim: entre eu e mim h

    um cosmo insuportvel).

    CONTINUAO

    Embriagada manh do silncio

    frio suor pelo peito desce

    cores se foram para o branco

    no adianta correr: o trem j se foi.

    Parar nem pensar no se deve

    continuar, continuar se consegue.

    As pedras molhadas estagnadas

    a chuva plida trazendo o sono

    entediada manh da solido amena

    pela manh se sofre pouco venha a madrugada.

    Parar nem pensar no se deve

    continuar, continuar quem consegue?

    MODIFICAO

    Venho notado mudanas no meu passado espanto

    cada dia me volto para trs e j modifico algo

    novos dias novas verses como recompor a verdade

    do real que havia quando me perdi pela primeira vez no amor?

    Voltados relgios, dias, pessoas j falecidas

  • 38

    nada seno a conscincia sou passado

    o primeiro amor por tanto dio e querer

    afastado dos dias se tornou nvoa plida.

    De manh rezo alto para ver se adormeo o desejo

    ele me introduz na voz, na luz do dia renaso

    passado reformado em busca de xtase, mas qu...

    sou um simples junco pensante sem realidade.

    PERDIDOS

    Perceba como voamos no pensamento

    h ventos tufes e lamentos

    mas tambm por que no afirmar numa fala quase terapia e div

    a vida assim confusa e na confuso a gente se acha e se perde

    mas pode se quiser se puder se der ser feliz.

    Nascemos para nos perder e de vez em quando (outono a outono)

    nos encontrar na cama das amarguras nas memrias nas mesas

    de bar em bar perigoso se encontrar: no encontrei-me ali

    deixa o prazer da noite ser dissipao

    procure-se um dia: no corao.

    VIVENDO

    Sentia que comeava a viver: sofria

    assim mesmo: o primeiro sofrimento

    cria em ns a altivez e o estatuto provisrio

    de seres criados para o amor.

    O amor acontecia em meio juventude

    criana, no, jovem imaturo, j sofrido

    nem sabia que de lembranas pode-se viver

    e agora, homem maduro mesmo, quero voltar o tempo.

  • 39

    A ingenuidade da primeira vez , a pureza

    do primeiro toque, o calor, nsia: primeiro desejo

    no, no h como tirar da memria o resduo

    do primeiro momento: perdi a inocncia.

    GOLES

    Olhos que se guiam pela praa

    nem rvore nem busto nem flor

    um bbado cambaleante sem cor

    no h vergonha em mais um gole

    nem medo que o console

    nessa bebedeira hermtica ele perde

    o para-outro que o compromete

    e por entre ruas e becos confuso

    esquece o olhar de algum ao longe

    parado na praa roubada em sua graa

    pelo bbado sem vergonha que passa.

    FESTA

    Os grilos solfejam seus cantos

    o brejo em concerto detona a noite

    partituras misturadas ao verde mato

    gargantas afinadas em tom natural

    no brejo das noites ouvinte feito

    a lua refora os olhos dos sapos

    parecem expirar a vida dos homens

    insistentes em transitar pelo escuro.

    Na noite dos brejos em silncio

    dos corais de insetos crepitantes

    o pensamento escoa feito gua boa

    nas bicas da saudade feito vida.

  • 40

    LEVES VERSOS

    Dedos meus batam de leve a tecla

    mame esperta e pode acordar:

    ela no ia gostar do gemido

    dos versos no fim da noite

    para sepultar palavras

    ingeridas a cada gole.

    Dedos meus batam de leve a tecla

    mame est alerta e pode concordar:

    em escrever sobre o amor ausente

    tarefa decente espantar a dor.

    PATER

    Teus olhos me ensinaram

    que se deve saber a hora certa

    de abrir e fechar os olhos

    sem inocncia mas conscincia

    diante da vida tu sempre calmo

    sem tesouros ou fortunas

    cavaste aos poucos uma intensa presena

    a morte tira mas no esquecemos

    em ns est tua presena sempre assim

    noite de lua cheia em Milho Verde.

    SENO

    A estrada se desenha por sob meus ps

    um calado trinta e nove com poucos anos

    ps-de-moleque na memria dos passos

    cho vermelho na retina dos tnis.

    Aos poucos a sombra vai-se curvando

    os anos e passos se sucedendo e enfim

  • 41

    anos e passos cessam e a cor vermelha

    se torna desbotada como a face em sepultura.

    Do tempo nada se leva seno a memria

    dos passos nada se leva seno a segurana

    da vida nada se leva seno o sopro eterno

    dos versos nada se diz seno inteis.

    RETORNO

    Voltei a ser poeta

    a alma novamente rasgada em pedaos

    o lbio gemendo em dores insondveis

    o peito fragmentado numa eroso incurvel.

    Versos me aguardem

    de volta estou pois o ventre corrodo

    ama novamente algum.

    Voltei a ser poeta

    estou neste mundo dos relacionamentos doentios

    mundo das paixes desenfreadas

    dos cimes imediatos e irremediados.

    Voltei a ter a alma martirizada pelo amor

    minha garganta s pronuncia monosslabos

    a mente no se cansa de lembrar de um novo amor

    Voltei a estar vivo...ressuscitei.

  • 42

    CONVENTO

    Quero uma janela bem fechada nesta noite

    um quarto sem trancas no destrancvel

    um abajur apagado a velar minha priso interior

    vasos de violetas por sobre a mesa

    e nada mais que uma msica dos bbados a tocar

    quero nesta noite de clausura interior

    um porto para meditar a vida.

    Nesta noite importa-me o retiro das palavras

    a concesso pra dormir bem cedo

    mais cedo do que minha solido.

    Nesta noite quero apenas um convento.

    TRIPALIUM

    E como cassem horas dos cabelos

    de cor em cor se embranquecendo

    a vida expirou o ltimo soluo.

    E como o tempo me amordaasse

    tortura por tortura padecendo

    a vida estancou o ltimo sofrimento.

    Da vida nada se leva seno a dvida

    e se bom perguntar por no saber

    melhor calar para entender.

    TUMULTO

    A borboleta se cansa de colorir o ar

    o peixe se cansa de perseguir a isca

    a minhoca se cansa de perfurar e fica parada

    o homem cria tmulos e vai para o cu?

    A orqudea mata seus ramos antigos

  • 43

    sobre eles constri sua folhas

    tudo nasce e renasce aqui e nada ocorre

    para alm desta vida.

    O homem parado diante da morte consciente

    retira da vida sua naturalidade e chora

    mas nada devolve a senha dos vivos

    e a dvida das religies prossegue insana.

    FLATUS VOCES

    Pensar na Maria e no Jos

    na flor: ontem se abriu

    deixar rolar palavras pelo ar

    ao sabor das tempestades

    aproximar-se da velhice

    com sabedoria dos viventes

    reler as cartas de tempos idos

    com emoo e recato

    expirar a vida devagar

    como deixar de pensar.

    CURATIVO Construo minhas lembranas com meu presente. Sou repelido para o presente,

    abandonado nele. Tento em vo ir ter com o passado: no posso fugir de mim

    mesmo.

    A nusea/J.-P.Sartre

    As nuvens em algodo

    prontas para estancar

    o corte das estradas

    fundo cho adentro

    em cada canto de mato

    uma abertura para olhar

    um trecho para espiar

  • 44

    o dia nascer quadrado.

    As chuvas depois da evaporao

    prontas para limpar

    a ferida dos anos

    profunda nas almas

    em cada corao partido

    uma orao para estancar

    uma litania para repetir

    durante a vida que passa.

    MATO

    No quintal as rvores se debruam

    sobre as mos da infncia

    cercas que no cercam os pulos

    o roubo engraado tramado

    nas rodas-gigantes da inocncia

    decente furto sem preocupao.

    rvores dando-nos os ps para subir

    um contato imediato com a seiva

    a selva a cidade no o mato

    que cresce ordenadamente devagar

    sem acelerar a pulsao da horas

    sem amassar a terra que de todos.

    VOZ E NS

    A horas se amontoam feito trouxa de roupas

    cada uma a seu modo amarrada

    feita de ns de ns de ns.

    Que te parece poeta do tempo mesmo amante

    parece hora de orar pela amada

    adormecida em sete palmos?

  • 45

    As horas rebuliantes sobre os dias pesando

    cada uma a si mesmo trazendo

    feito de ns de voz de avs...

    Que te parece poeta do tempo em hiato passado

    parece hora de ora em ora: gritai ao tempo

    _ para!

    CRESCENDO

    No sabia - ao me darem um nome

    eu me perderia.

    Nem esperava - depois do presente

    viesse a palmada.

    No queria - depois dos pais

    surgisse o mundo.

    Nem contornava a igreja velha rezando

    para ser condenado.

    NADA O nada nadifica. M. Heidegger

    Ao heideggeriano Alfredo

    Dentro da casa moraria a escurido

    mas lmpadas artificiais recriam as cores

    casas velhas refletem os raios dos tempos

    a msica suave convida a rever a vida

    o cu insulta meus olhos com estranho brilho

    repousa a treva de uma noite sem fim

    e mesmo criando lmpadas no podem

    iluminar seus prprios passos

    na assombrosa guerra estranha de existir.

    Dentro de ns esto a luz e a treva

    as lamparinas l no iluminam

    e nas trevas construmos nosso destino

    luz que ilumina, treva que nadifica.

  • 46

    O QUE MORRER?

    Dedico-te meu corpo so ou fraco

    pois para vires ao mundo

    tu que no s em si mesma

    precisas de minha vida.

    No sei tua hora nem tua cara

    mas j morri tantas vezes

    minha carne que h de se perder

    ressente o tempo de tristezas j ido.

    Dedico-te meus amores: com minha ida

    ferida quem sabe a alma chorem

    ferida quem sabe a saudade voltem

    para rever os lugares em que um dia vivi.

    Dedico-te os olhares transcendentais

    a vida perdida mais uma vez

    toma que tua - minha vida esmola

    para teus dias se perpetuarem.

    O PSSARO DO EGITO

    Morrer como um passarinho

    sem grandes suspiros nem ais

    apenas com a mo de meu amor

    a segurar minha carne que fica.

    Adormecer como um passarinho

    breve poema em fim de noite

    rolar nos braos do esquecimento

    do pretrito perfeito.

    Fechar os olhos sem lua

    h noites em que morri

  • 47

    pelas caladas de p-de-moleque

    mas no instante de meu desfalecimento

    repito: quero morrer sem ais

    apenas como um passarinho.

    Morrer numa noite de sbado

    repetindo a mesma rotina judia

    de sofrer e lamentar

    os pecados as culpas as dores.

    Morri tantas vezes no sbado

    que sou judeu por foras das circunstncias.

    Permaneci imvel pensando

    no creio que pensar seja pecado

    se for pecado tenho metros de culpa.

    Comi carnes diversas

    de um passado ao teu lado

    se for pecado comer carne neste dia

    culpa sua, meu desencanto!

    Morri tantas vezes no sbado

    que sou judeu praticante.

    SINAIS

    Versos caindo em gotas de palavras

    a noite vai se desfazendo em desejos

    e corpos de amantes se encontram

    entre sinais verdes vermelhos azuis

    o desejo sem medida em gotas de lua

    desfecho de procuras o momento se faz

    total porque tudo apenas um momento

    felicidade apenas um lapso do desencanto

    com a tristeza reinante nos dias frios.

    H nesta noite casais sorrindo

    o mrito das ondas de luz iluminando os beijos

    so to explcitos que confesso a Deus

    que todo poderoso me empreste o poder das letras

  • 48

    para declarar culpados os amantes que no amam

    brigando em vez de unirem seus mundos

    num eterno faz de conta de felicidade.

    Nestas noites em que a lua ilumina demais

    desconfio como bom mineiro que houve

    ontem hoje e quem sabe haver amanh

    momentos em que os amantes desafogados

    desabrigados desconsolados de seus ombros amigos

    digam no um ao outro mas a partir da dor

    sol e lua se encontrando

    luz e trevas se atrevendo

    haja o exato momento que vivo:

    complacncia frieza e precocidade.

    EUCALIPTOS

    A cada quilmetro mais distante da casa

    dos mveis dos animais das flores

    perdia um tanto de quem sempre serei: meu passado.

    Aquele cu obscurecido pelos eucaliptos

    a piscina sempre azul, mera projeo

    de nossos coraes orantes.

    No stio dos seminaristas carmelitas

    sempre em comum se olhando

    saguis passeavam pelas rvores

    caindo ao sabor dos machados.

    Em cada metro de verde o silncio se pintava

    e azuis eram as brisas que nos enlaavam

    em recreios sem discusses.

    Pequeno crrego carregando para longe

    coraes que se consagram

    no medo quase desencanto de amar.

    Quando se est no verde e no azul

    preto roxo incolor no existem

    mas basta um lapso de convivncia

  • 49

    e o arco-ris perde seu brilho

    lua cheia se transforma em nova

    e nada reconstri o tempo desgastado

    em dias de reunies e reunies.

    Aos poucos, poucos meses

    os olhares se tornam pesados

    a rotina sufoca e ser livre transgredir

    normas leis regras estatutos

    e tudo se torna pesado nublado:

    e vo-se os corpos embora

    pois boa a hora que nos afasta

    dos olhares de condenao.

    A cada quilmetro distante da antiga casa

    as asas voltam a crescer e o pssaro enclausurado

    ala seu voo baixo para a existncia autntica.

    ME

    O dia chegava pela tua boca

    os olhos tropeando no claro

    quando criana feita acordar

    ninar a felicidade para

    no sonho possuir a realidade.

    BALADA DO CONFUSO

    Quem sabe em tempos remotos

    sem remotos controles

    na era da pr-imagem

    na selva de um tarz

    eu fosse mais vivo

    pelo menos tinha motivo

    pra na humanidade acreditar.

    Depois de Exupry

    dos controles das bombas

  • 50

    senti uma pena de ser

    que por aqui

    um mata outro sorri

    um rouba outro ri

    bastante confuso.

    Depois do Pequeno Prncipe

    dos detonadores atmicos

    desejei no ser binico

    crescer o corao e sorrir

    mas se o pequeno suicidou-se

    o que que restou

    pra executar pra fazer?

    MORTE

    E se agora fosse o momento de despedir-me

    da casa dos objetos da cama

    da msica do dia da hora?

    E se agora fosse hora de expirar para sempre

    sonhos passados planos futuros

    amigos por vir dias por viver?

    E se agora algum me dissesse meio sem querer

    chegada a hora de partir, levanta-te!

    Como abrir os olhos diante de tudo o que fui

    como seria fechar os olhos para tudo que vivi?

    Se agora fosse hora de ir embora

    ficaria a saudade de no ter feito

    de cada hora a presena intensa da felicidade.

  • 51

    NOTURNO ...eu quero meu amor se derramando, no d mais pra segurar

    explode corao. Gonzaguinha

    As pernas cansadas da caminhada noturna

    que de repente a noite vai se tornando cega e vaga

    e j no mais cruzo e descruzo as paralelas

    a vida que me acentua as curvas do caminho.

    As pernas cruzadas tantas buscas

    hoje quem sabe a morte deste momento lcido

    traga a paz s cansadas veias que desatam o tempo

    que a memria apaga ao despertar do dia.

    Hoje como a noite est fria e o corao agitado

    prefiro o cio dos lenis ao frescor das mos

    prefiro a insatisfao dos andarilhos

    que a certeza de tantos viajantes.

    Hoje como sempre fao diferente o fim de noite

    vou caminhar sobre os lenis banhados de saudade

    e vou regurgitar sobre a dura madrugada

    os sons de minha infncia que se foi h muito.

    Hoje queria ser apenas um violino em disparada

    uma cano em d menor sem a menor culpa

    e amanh cedo eu a culparia pelas lgrimas

    que nesta noite insistem em visitar meus olhos.

    Hoje apenas hoje queria deixar de ser poeta e tocar

    nas peles que o desejo encerra toda volpia possvel

    dos que querem fazer deste viver a sangria do desejo

    e de cada momento um tormento de lembrana em fotos.

    Hoje j no quero mais ser imortal: quero ser finito.

  • 52

    ESQUECIMENTO

    Sossego, at que enfim, no suportava mais

    ou se suportava, suportava esperando

    a alegria de novas aventuras desfez o engano

    esqueci teu rosto tua voz e teu sentido.

    Desapego, at que enfim, no demonstrava mais

    ou se demonstrava era por capricho e orgulho

    nosso amor se perdeu em dias de deslembranas

    esqueci teu corpo, tua face, teu sorriso.

    CONTRA-SENSO

    Tu te mandas esquecer-me e eu me mando lembrar-te

    no por que te amo nem porque me detestas

    s por que te esqueo e tu no me gostas.

    Tu te mandas esquecer-me e eu me mando lembrar-te

    no por que te amo nem porque me detestas

    somente a lembrana nos faz resistir

    vivendo em tempos diferentes um encontro passado.

    Tu te queres me ver esquecendo sua sombra

    tua luz se projeta por detrs da memria

    tu te queres distante de meu corpo

    a saudade se encarrega da lembrana.

    Como perder-nos se j perdidos estamos

    como esquecer se juntos j nos separamos

    porque repisamos ainda juntos e diferentes

    o mesmo tempo do amor passado?

  • 53

    MENTIRAS

    No te preocupes te esqueci ( me minto mas verdade)

    uma nova paixo te fez esquecer (mas demorei a me acostumar)

    um ditado antigo e comprovei( que mentira)

    que no vale a pena sofrer por amor (tu no queres repisar nosso

    amor?).

    Quem amou sentindo o tempo passando

    a fonte secando de leve em breves espaos

    correndo as horas fomos nos afastando

    hoje minto: ainda te amo.

    Minto, por que ainda te quero perto

    te quero junto. Te quero ao vivo

    mas por que isso agora: o tempo passou

    por que no percebi: tudo acabou.

    VARAL DAS CONSOANTES

    Vou compor poemas de portas abertas

    sentir a brisa da tarde nua

    seduzindo poros entre o frescor

    da brisa dos apaixonados.

    Abrir as janelas da alma

    cavalgar poemas desatinados

    nesta tarde eu mereo ser pblico

    quero a notoriedade.

    Hoje, s hoje, sem solido

    quero comunicar a paz

    que entra pela janela sai pela porta

    poema: varal das consoantes.

  • 54

    CU SEU ... e foram se cobrir pois viram-se nus.

    Livro do Gnesis

    A hora no se consuma!

    a carne que fim procura

    sem cura a ermo vagamos

    em busca de um amor

    perdendo o ardor de pensar

    o destino se oculta

    pelas estradas desviadas

    a delcia do paraso

    ofcio do meio dia.

    A hora no desarruma

    a casa pelas visitas

    pelos fratricidas em busca da dor

    os fofoqueiros em busca da doena

    o destino no me leva

    o amor no se quebra

    pra eu ver passar a vida

    em pleno nascer do dia

    ltimo de minha jornada.

    A hora no palpita

    o corao em alforria

    livre serei para ir

    mas para onde se a hora

    aprisiona e me quer viver

    ir para onde cu vu dos viventes

    ir para o alm com ou sem algum?

    Talvez seja melhor a hora parar

    deixando a vida mesmo esperar.

  • 55

    INFORMAO

    Se me dessem a certeza

    os livros

    se me dessem o retorno

    das idas e idas do ser

    pudesse eu querer rel-los

    mas que o medo

    (os livros falam)

    mais forte que os olhos

    (os livros se calam).

    Parece medo pode ser pressgio

    mas muita informao

    - um contgio

    pra alma ferida de tanto amor

    - um estgio

    polui a mente pela diviso.

    Amor desinformado pretendo

    nem televiso jornais livros

    nada de ver feridos olhos

    novamente a histria

    de um amor desenfreado

    com Freud do lado.

    Divide bem e governars.

    AMOR BREJEIRO

    A lua radiando sombras pela mata de eucaliptos

    rs cantando Elvis Presley no fundo de todos os sons

    pessoas dormindo e sonhando com seus futuros prximos.

    Morcegos ultrapassando nossa conversa

    zunindo pelos ouvidos a inquietude dos corpos noturnos

    duas mos ocas que no se afagam nem se atraem.

    Minha alma

    estava distante de tudo

  • 56

    a lua queria me devorar

    s meu corpo, ouvidos e bocas e um frio cortante

    percebia a outra presena.

    Tu estavas nu diante de meus olhos

    no a nudez dos apaixonados

    mas dos enclausurados.

    Soaram os gongos de nossas angstias

    e na noite de piscina esverdeada

    sobrou muito pouco de mim para remontar nosso dilogo.

    Tua alma estava to distante da minha

    passeavam por outros mundos naquela hora

    e mesmo librianos no pudemos justificar

    o porqu de tanta rispidez.

    Queria que minhalma estivesse ali para sentir-te total

    mas no. Ela estava distante medrosa de sofrer.

    Minhalma ao ouvir tua autossuficincia correu tanto

    que suei para me reencontrar.

    PASSOS DA MEMRIA

    Ao Luiz Carlos

    Os passos nos pastos gramados

    e por sobre rvores os pssaros

    se cantam e encantam com cores

    os frutos avermelhados do vero

    o cu refuta a lua e lana o sol

    sob ns a luz clara da vida se faz

    os sons da cidade abrigam silncio

    nada interrompe o marasmo da cascata

    nem menino nem pai nem filho.

    S as aves marias so pronunciadas

  • 57

    as tardes cadas se machucam nos olhos

    os transeuntes desaparecem como o ar

    por sobre a sombra do flamboyant

    o casal se perde no tempo

    constri casa famlia histria

    e a aliana nem sequer foi comprada

    o ourives se matou na madrugada sem lua

    e da minha rua ouvia a madeira queimando.

    Da memria rasguei meus panos

    a interpretao dos anos foi concorrida

    mas a batida do corao devolve-me o luar

    que diz: bom parar e novamente se emocionar

    com o breve momento de olhar pela janela

    e ver a mais velha cidade que se possa contemplar.

    CENRIO

    Era eu mesmo quem te escutava?

    Ondas que o mar leva praia

    dos amores quisera distncia...

    Tu sempre vens na hora certa da angstia

    procurar confunde as horas da memria

    no posso querer teus lhos para todo sempre

    eles so de muita gente.

    Era eu mesmo quem te falava?

    O tempo nos encontra de mo vazias

    prontos e um e outro para se afagar e receber

    mas no recebemos nem nos damos

    fenecemos no paiol das promessas.

    O mar cenrio por muito de fundo feito

    escuta os planos que fizemos h anos...

    Era eu mesmo quem te amava?

    A concha fechada das palavras omitidas

  • 58

    abre o leque dos dias do porvir.

    MEMRIA DE SONS

    A voz das horas gritou alto

    pulsando emoo desferi golpes

    profundas feridas se abriram: passado.

    Tua face reinvento-a a cada dia

    j no sei se a imagem confere

    os originais envelheceram.

    Tua voz a escuto acompanhada de um sorriso

    mas tuas risadas no ouo mais

    me traduzo na tua imagem: sofro.

    Teu corpo por onde meus olhos se confundiam

    se parece agora com uma borboleta

    o tempo tem asas que nos separam.

    Teu jeito tua maneira de ser teu cheiro

    nem a memria recupera nem o tempo rev

    fui-me para longe foste para nunca mais

    e entre anos dias de primavera e vero

    no te recomponho mais tambm pudera

    a memria da pele sutil e j se confunde.

    LGRIMA DOCE

    Rola sem medo te esperei era tamanha a seca

    rola sem receio de me ferir esperei-te tanto

    leva contigo a mgoa a culpa e a dor

    exorciza meu passado.

    Esperei tanto por ti agora jorra de mim

    carrega meus olhos batizai meus planos

    enquanto te esperei estive seco

  • 59

    seco demais para chorar.

    PRE, AGORA

    Percebe que sofro olha bem nos meus olhos

    a dor est no azul e no branco por toda parte

    concede que te veja sempre assim: passageira

    por que se me descobre possa ofend-la.

    Por que se me tocas e me amas e te amo de volta

    a dor um dia aparece e o encanto se quebra para j

    de olhar como se fosse eu quem te amo: tenho pena

    de amar mais que teu prprio amor.

    Sou mesmo assim: passado aprisionando o presente

    no me consertes pra qu, no podes remendar

    o passado em cicatrizes pela alma: tens conserto

    para almas penadas? Desista: volte a ser feliz.

    POEMA DE UM VELHO

    Veio a hora avisando: deite-se

    levantei-me. Que nada: o tempo dormira

    junto de mim: no notara as rugas.

    E fui espalhando-me pela manh

    e o tempo me rondando: corria de mim

    o caracol estava ali : meu passado.

    Choveu, mudou a estao e sentia

    adormecido no tempo o corao frio

    correr no dava: envelhecia.

    Msicas tocaram, tentei ouvir o peito

    o tempo sorria irnico: deitei-me cedo

    acordei novamente: estava velho.

  • 60

    Por onde corro por onde ando naso

    tempo passado, correr no devo, cansao.

    Paro, penso: o espelho no mente .O corao

    est repleto de muito espao: jamais amei.

    CONFIDNCIA AO AMOR

    Encontrei-te novamente perdido atrs de uma rvore centenria

    estavas l fertilizado pelo tempo pela chuva e pelo sol

    vieste ao meu encontro e novamente depois de alguns anos

    entrastes sorrateiro para dentro de meu lar e l ficou.

    Fincaste nos meus ps o esterco da pureza e amei

    tu me forastes a acreditar nos devaneios das noites de prazer

    e pensei moo demais para me afastar do destino , que era

    imagine s, depois de tantos corpos, o velho , o antigo amor.

    Amor, s uma imprecisa palavra roubada das virgens e abortada

    dos homens

    no tens receio de na minha vida poder sentir de tal maneira

    que apesar de desiluses e reencontros variados

    possa eu inculto peito no riso definir-te?

    E se te defino sers minha alegria

    ou te vivendo e sentindo

    lutando e gozando

    no estarei ainda mais me enganando?

    Hoje, amor, me sinto to breve

    como a gota de gua no deserto rido

    sinto-me to frgil que sou folha

    rasgada sobre a mesa do falecido.

    Procuro respostas encontro meu passado

    e amor, meu amor que tenho e no encontro

  • 61

    tu ests to imperceptvel que no sei se vivi

    ou fiz da minha vida uma abstrao de sentimentos.

    ...essa msica, no mesmo quarto e tu ests comigo?

    MAR

    As pedras so ondas sem praia para desaguar

    cada rocha tem bromlias e orqudeas centenares

    todo cu o fundo infinito da natureza virgem

    quando chove escorre das rvores a vitalidade

    a natureza ao redor da cidade dos homens

    inspira descansa e faz sonhar.

    As ondas de cada pedra altaneira sem medida

    no desguam em lugar nenhum no h mar

    tem campinho de grama no meio do mato

    traves de pau de candeia da mata

    trs ciclos se repetem a cada dia

    manh tarde noite: a noite acaba em mar.

    Minas tem mar: mar de pedra e verde

    Minas tem onda: de pedras sem praia.

    POETA

    Ser poeta no fcil

    depende do tempo e

    infelizmente o tempo

    ausncia de sentimento.

    Ser poeta no fcil

    tem que ter coragem e

    preocupadamente coragem

    falncia de ingenuidade.

  • 62

    Ser poeta no fcil

    tem que ter audcia e

    paulatinamente a audcia

    demncia da seriedade.

    Ser poeta no fcil

    tem que ser prtico e

    frequentemente a prtica

    indecncia da teoria.

    Ser poeta no fcil

    ainda mais que o tempo

    repetidamente na vida

    voa para nunca mais.

    VAGANDO

    Arrasto-me por entre dias

    selvas de existncia e s.

    Vago-me pelas ruas entre noites

    selvas de concreto que d d.

    Dias e noites se debatendo: existo

    atos e culpas atados em n.

    SOM

    O silncio: tmpanos desocupados

    ou preocupados com vozes interiores

    h no tempo de se silenciar o desejo

    vontade de se ouvir calar.

    No tom leve do dilogo sem som

  • 63

    a voz aguda o tempo interior

    voltando frisando projetando

    o ser dirio to desatento.

    Quando tudo silncio interior

    e fora do ser s o objeto inerte

    pareo pairar sobre a realidade

    abrigado no humano teto.

    TEMPO AO TEMPO

    Percorri caminhos de anos e cheguei

    a um momento : momentos so pausas breves

    para perder mais tempo.

    E percebi: como cego em tiroteio o som

    do destino como j havia traado

    por mim a algum tempo.

    O destino no inveno acreditem

    destino coisa percebida por quem

    perde tempo em momentos.

    Perdendo tempo ganhei o momento

    de perceber que de tempo em tempo

    o destino acontece num breve sofrimento.

    MEU POEMA

    Meu poema dura uma nota e meia

    da escala do tempo passado.

    Em dias de sol dura um nascente

    nascidos na manh de margarida na janela.

  • 64

    Meu poema dura a dureza do diamante

    pra cada verso um milnio de saudade.

    Meu poema no tem pai nem me

    rfo feito por vrias mos.

    Meu poema frio e calculista

    primeiro sofro depois angustio.

    Meu poema a soma de vidas

    passadas no canal da emoo.

    AMANHECER

    O dia comea com um grito: existo

    nem pergunto quem sou at desisto

    de saber se hoje serei eu mesmo

    o que talvez seja muito triste.

    Eu me dou novamente o dia: insisto

    vivo porque no tenho coragem de partir

    se penso em existir o medo de projetar

    se funde ao medo de amar.

    Eu me dou novamente meu nome: identifico

    refao o olhar sobre as coisas: frio

    e o dia vem calmo e lento se pronunciar

    sou em meio a todos que me injuriam.

    LINHAS DA LINHA

    O ltimo verso ecoa bravo

    por entre alamedas e becos

    depois da chuva fina e fria

    veio o poema noturno.

    Expressivo o nibus da palavra

    percorrendo as linhas da linha

  • 65

    as curvas revoltadas da mulata

    a tinta preta pintando o sentido.

    BARCA DO SENTIDO

    Os versos vm de longe

    l detrs da montanha azulada:

    toda vez que sem inspirao

    se encontra o poeta iludido

    para l que mira os olhos.

    Os versos vm trotando

    a poeira subindo: avisando!

    eles chegam tipografando rimas

    remando o barco das letras conjugadas.

    COPO

    A noite no excomunga ningum

    acolhe os bbados e os fracos

    os desiludidos os tediosos

    a lua sacramenta toda dor

    iluminando o fim do tnel

    dos goles em copo americano.

    TINTA FRESCA

    Depois de acumular calendrios

    dias e horas segundos vejo

    a noite e o dia sem graa

    parece pirraa de entediado

    mas no, frieza intelectual.

    Depois de rever os projetos

    o qu, como, por que sinto

    sensaes idnticas sem farsa

    parece tdio de ps-moderno

    mas no, incredulidade.

  • 66

    TRAJETRIA

    A gente anda cabisbaixo

    felicidade parcas vezes tida

    entre um gole e outro da bebida.

    O tempo anda cabisbaixo

    no temos hora pra partida

    entre um amor e outro na vida.

    A lua anda cabisbaixa

    contemplao dos olhos ressentida

    entre uma morte e outra na avenida.

    FESTA EM MEL

    Afunda na pele teu ferro dolorido

    coloca nas pernas a pressa dos dias

    quem sabe abaixados possamos fugir

    da dor da ferroada que levamos de ti.

    Zum zum zum no meio do cemitrio

    zum zum zum no alto do cemitrio.

    DEMONADES OU BALADA DO CONVERTIDO

    Creio em Deus pai...

    at quando Senhor?

    os homens se deixaro levar

    pelo discurso mais forte

    e nem a sorte os impedem

    de ganhar os cus

    qualquer um serve de guia

    homens mulheres marias

  • 67

    lotes no cu lua de mel

    vendem-se eternidades

    varrem-se liberdades

    e mesmo os de idade

    colocam a bblia debaixo do brao

    e haja gritos para exorcizar o mundo

    mundo to perdido bandido

    to demonaco e selvagem.

    Os homens se deixam levar

    pela cor da igreja

    pela dor sentida que se cura

    mas toda dor tem cura mesmo

    e mesmo os imortais sabem disso

    que adianta sofrer penando toda vida

    se sofrendo ou sorrindo morremos

    e nada garante o sossego

    nem mesmo bblia

    nem mesmo pedir mais cedo.

    URNAS E CANTOS

    Passe o tempo

    amontoem-se os corpos

    ficaram as saudades

    as palmeiras os sabis

    no tentem invocar os livros

    a vida mais que letra

    no invoquem a memria

    ela sempre se engana e escapa

    passe o tempo

    amontoem-se as placas

    ns passaremos sem remdio

    ou mesmo remediados morreremos

    preparem as urnas e os cantos

  • 68

    no esperem com espanto a ressurreio

    se ela acontecer vai ser longe

    e longe distante dos olhos

    fiquem os sabis (que tambm se vo um dia)

    fiquem as palmeiras (que se quebram ao vento)

    ns iremos sei l pra onde

    onde haja um canto indecifrvel

    onde haja a novidade sem culpa.

    LUZ

    A tolice do crepsculo

    ser crise de iluminao

    se no fossem esses postes

    haveria apenas escurido.

    Mas como o homem cria e a natureza sofre

    acostumados estamos luz da noite

    se h perigo em iluminar a rua

    se h castigo em dormimos tarde

    ningum poder afirmar.

    Mas o crepsculo est em crise

    quem sabe se sasse bem rpido

    sem ser pela vista notado

    quem sabe se inscreve em Vnus

    no calor dos graus mormao

    poderia deixar de ser para ns.

    Que pena do crepsculo

    finda o dia dos srios

    e deixa o cemitrio

    com cara de catedral.

    Se os anos voltassem

    gostaria de sentir medo

    do escuro dos olhos da noite.

  • 69

    POLIGAMIA DAS LETRAS

    Conhecer o que dizem as palavras

    decifrar o informe da boca aberta

    a linguagem sempre esperta dos homens

    decodifica o mundo o globo

    os jornais: entre figuras

    e estamos nus: garotos e garotas

    a linguagem das lnguas presas

    prender o cu na boca

    expressar o peito em fria noite

    lnguas que se dizem de si

    de mim de ti do outro

    reverenciar o discurso persuasivo

    to discursivo que alguns dormem

    ouvir a boca da noite se abrindo

    ensinando o menino a se comunicar

    palavras verbos substantivos

    temos motivos de sobra pra amar

    a poligamia das letras me informa

    que no falar: que se abra uma porta

    estreita mais poderosa que entende e muito

    a porta dos homens sensveis

    alguns chamam de incrveis

    mas prefiro enumerar e cham-los

    imortais na arte de ouvir

    imortais na arte de amar.

    ESTATSTICA

    A vida no cabe em nmeros

    em nmeros no cabe a morte

    se nasce um homem nova sorte

    se morre um infeliz novos dados

    a vida no cabe em estatsticas

  • 70

    triste caminho da abstrao

    cada um carrega em si muito mais

    ancestrais e histrias

    desnumeradas e sem tempo

    no h nmeros pra aprisionar a vida

    um quilo um cento um milheiro

    cada um um janeiro esperando carnaval

    faa bem ou faa mal do homem

    rodar moinhos sem contar as voltas

    ir pelo mundo a cavalo

    sem medir o estrago das rugas

    a vida no cabe em nmeros

    em fichas de dados corretos.

    SECA DOS TEMPOS O homem uma paixo intil.Sartre

    Os carrinhos de mo pelos becos

    na areia os gritos de guerra

    os meninos de olhos castanhos

    se misturam ao cenrio do tempo

    incenso de missa em missa lavrada

    jogados estamos entre alturas

    mas no pensemos em cair

    podemos sair pela tangente.

    A infncia na memria viva

    apesar da seca dos tempos

    no cho dos poucos anos tudo belo

    no h tempo ruim nem cemitrio.

    BOIADA DE VERSOS

    Poderia versar a noite inteira

    rompeu a boiada da inspirao

  • 71

    e quero muito dizer

    estou bem: estou vivo.

    Nenhum poema boi manso

    sai pelo mundo feito louco

    filho de pai taciturno.

    O poeta ou o poema

    em quem reside a loucura?

    o poeta morre

    o poema pra quem fica?

    Leiam meus versos

    pra que a boiada chegue

    ao fim da estrada.

    Leiam meus versos

    pra que a loucura

    seja completa e amada.

    Leiam meus versos

    e descubram que na vida

    s h entrada.

    O OUTRO

    Havia bem antes de mim outro

    indiviso humilde animado

    hoje depois de amar e ver-te

    sou pouco do meu passado.

    No foram as luas nem as estrelas

    dizendo-me tu s passado

  • 72

    em apenas um segundo de medo

    perdi quem havia amado.

    Se o tempo moinho das horas

    recontar meus momentos pudesse

    deixaria ventos da juventude

    agitar bem menos a memria.

    No posso recontar o tempo

    apenas reviv-lo triste

    como se em algum lugar

    a felicidade ali residisse.

    INGENUIDADE

    Foi mesmo a tanto tempo: j me esqueo

    a muitos anos nem bem me lembro as imagens

    turvam-se como rio verde na memria

    de nada valem as recordaes: o tempo me levou.

    E levando foi descendo ladeira abaixo e eu

    impercia em cascatas de acontecimentos

    nem percebi o tempo no passa a dor

    perdia os olhos ingnuos da infncia.

    Eu, eu mesmo. Que falo. Sinto e choro

    eu, que me fiz em horas de tristes momentos

    eu, eu me condeno - quero sentir o calafrio

    do tempo injetando na veia passado.

    E me vou levado pelo relgio da emoo

    passei e sou passado e no me resta nada

    apenas frases perdidas de um tempo ido

    em que eu existia sem medo.

  • 73

    ELEGIA DA BOLA DA INFNCIA

    Veio o tempo em longas cabeleiras

    nem frio nem quente: angustiante

    veio a veia dilatada pedindo: ame!

    o tempo trouxe tuas cores e desvirginei as horas.

    O tempo me persegue por entre rvores

    os dias se perdem sem prazer

    prazer era o tempo escorrendo

    por entre um badalada e outra dos sinos serranos

    prazer era a bola da infncia rolando

    sem tempo pelo campinho de terra.

    O tempo me jogou na face olhos tristes

    como quem olha do Pico do Itamb

    prazer era a carne fresca dos amores juvenis

    por entre paredes e becos

    prazer era a hora do recreio no ptio

    inundado de andorinhas brancas e azuis.

    Dos tempos escorrendo na memria

    cativou-se o bom tempo (parece eterno)

    dos projetos pensados na noite

    tu sabes dos projetos arquivados na emoo?

    Desses que falo com a boca salivando

    esses se foram nas horas da grande cidade.

    Bem aventurada a ingnua brandura dos meninos do interior

    bem dito o sermo do meu senhor sobre a montanha de gente

    bem sofrida a dor destes dias sem sol e sem chuva

    regados a desiluso

    bem.... mal acordei e j olho sem luz o dia herdado do sono.

  • 74

    O frio na espinha batendo de leve em dias sobressalto existencial

    o tempo: ele te quer virgem para fecundar

    tua memria de passado

    o tempo: ele te quer novo e jovem

    para projetares o futuro ilusrio

    o tempo: ele te quer velho como estilo colonial

    para te dar lies de vida.

    SOMA ET ANIMA

    O silncio, escuta, alma penada de solido

    o silncio traz a amada, ouve o bal

    os passos no palco vazio, um tambor...

    O silncio teu amigo, senhora imortal

    recebe-o nos braos ao fundo dos sons cadentes

    parar o tempo e ouvir a morte penteando os cabelos

    te prepara para a noite das despedidas.

    Ouve, alma prudente, para estacionada na nuvem que chove

    v embaixo dos ps h muitos amados

    parte rpido ouvindo os anjos chamando.

    Nascente em meio s serras azuis dos mangais

    no temeis o incgnito, v em paz

    O silncio brinda taas, ouve corao!

    Cada taa um sentimento nobre!

    ENCONTROS

    A alma leve feito fumaa

    que se eleva que se leve

    o amor bateu na porta

    e nem sequer esperou:

  • 75

    aportou na minha cama

    colocou o seu drama

    e por ele nos amamos

    a existncia os planos

    j comeam a rolar

    e quem vai nos impedir

    quem poder nos controlar

    a existncia justificada amando estamos

    contaminados pela paixo til.

    Estou confuso mas estou agindo

    se medindo me pego os metros de vida

    escrevo cartas e pronto

    j nem me lembro do dia de amanh

    da conta por pagar da vida por extinguir

    esta estrada do amor mesmo sem fim

    e j justificado pelo outro no quero

    no podes no deves no quero

    pensar que h um final

    assim abro as vlvulas para o fim

    desta gua benta que cai sobre mim.

    ORATRIO

    As gotas de chuva agarradas s altas rvores

    suicidam-se sobre minha cabea

    respingando umidade e verde.

    O cho trespassando seus corpos mutilados

    umedecia suas covas brotando

    flores em coroas multicores.

    A nvoa fazia da mata um mistrio

    os sons decompunham nossos pensamentos

  • 76

    e nas voltas pelo recanto dos saguis

    alimentei seus corpos saltitantes.

    Cada gota de chuva era cachoeira

    cada silncio uma nova esperana.

    Toda a tarde se fez orao criativa

    de homens em sintonia com Deus.

    Belo Horizonte / 11.02.95

    SONETO DA CASA PERDIDA O que l vai, l vai, no o repises!

    Cervantes

    A janela se fechou pelo vento

    sem tempo inteiro ainda ouvindo

    a msica roando o pensamento

    fecha-se o dia no barulho esculpindo.

    A antiga janela na infncia se abrindo

    refazendo manhs de sol e chuva

    retorcendo os dias de maturidade cobrindo

    a mo suada da sorte de leve luva.

    A janela spera e inacabada ruindo

    to jovem como eu desabando

    no tempo que me vejo partindo

    para alm da montanha azul calando

    a infncia na casa dos pais traindo

    - volta chuva dos tempos de acalanto!

  • 77

    POEMA SEM BREVIDADE metade amputada de mim... Chico Buarque

    No horizonte para alm dos olhos tristes

    o corao est parado num ponto

    em que felicidade havia.

    Tu s as accias roando o vento

    flores abertas em cio fecundando a vida

    a noite dos gatos perdidos no meio do mato

    a lua desnudada em sua face obscura.

    Desde que amei teu olhar perdido em esperana

    como se a felicidade ali residisse

    desde que as molculas do tempo nos aproximaram

    como se o tempo devolvesse o momento do parto.

    No mais chorei por medo e sim por saudade

    Ah! Peito tamboroso anuncia a glria dos amantes

    onde reside a glria de amar seno sofrer?

    No mais penei por trabalhar mas por esperar

    Ah! espera alegre que anuncia o reencontro dos olhos na hora dos

    pratos postos

    onde resiste a vitria de amar seno suportar?

    Desde que foste para o relicrio da alma do pobre amante das

    lembranas impartilhveis

    nunca mais vi as estrelas como pontos luminosos espelhando

    nossos corpos

    elas eram cmplices do amor que me consome

    to forte que de vez em quando, de chorar me consolo.

    Tu s a bblia aberta no Cntico dos Cnticos

    do pudor e misticismo exorcizando tua presena

  • 78

    pura feito tnica de batizado roubado de sua pureza anmica

    enfeitiada pelo louvor dos deuses como uma sacerdotisa.

    Tu s minha ausncia dolorida: ferida cancerosa do tempo no

    peito

    a aura fazendo arco-ris aos meus olhos

    tela sempiterna de cores incomunicveis

    a vela acesa em noite de geradores desligados

    a noite que te traz.

    A noite, tu te lembras, da noite escura dos corredores?

    Passevamos entre uma e outra ave maria

    a noite, me digas, tu te lembras da lua vigiando nossa embriaguez

    assustada?

    a noite, te lembras da ltima palavra trazendo o silncio casa?

    tens a noite como esconderijo eu a tenho como lembrana

    pairando como flmula das loucas torcidas organizadas.

    Tu s piano amordaando a garganta aos poucos a cada nota, a

    lgrima acende imagens

    a lgrima revive a magia das imagens virtuais sem foco, sem

    sombra s trevas

    tu consolas meus dias sem saber e porque nem te ds conta me

    alegro

    alegria de poeta repisar o tempo com palmilhas de saudade.

    Quando fores s verdes campinas do tempo de infncia na porta

    da igreja

    me traga a semente de ip nascido na praa dos seminaristas

    rezadores de tero

    busca mudas de flor extica na casa pequena (que s ela cabe...)

    de dona Ubaldina

    mulher de olhos midos mas de corao pautado pela esperana.

    Quando repisares teu antigo quarto v se no te esqueas - anotai

    num guardanapo!

  • 79

    olhai sem displicncia para os tacos de lado a lado no cho

    encaixados

    imagina meus ps enroscados no labirinto dos pensamentos

    olhai a parede branca parece sem vida - branco o deserto dos

    prncipes pequenos habitantes dos mitos lendas evangelhos

    olhai com o corao a janela para o pomar - medi a grandeza das

    rvores pelos frutos jorrados da seiva.

    Quando tua lembrana repassar os idos anos que no se vo sem

    dor ou espanto

    j me espantei com a atualidade de tua presena em minha vida -

    d para sobreviver!

    lembra-te dos cartes coloridos em noites escuras dos homens

    cansados de estudar

    espia com desejo as cartas revelando o poeta - enxuga as lgrimas

    que as selaram.

    Quando recolocares meu nome na gaveta da memria guarde o

    nome do arquivo

    deixa eu pensar no tempo passando o amor mas no apagando a

    memria

    deixa essa iluso ser o ramo seco atravessando o inverno mas

    vingando na primavera

    deixa eu ditar ao passado o lema dos esquecidos que no se do

    conta da dor - recordar viver...

    Gritai alma de sete cores escurecida por melodiosa cano dos

    amigos feitos nas horas

    gritai alma solitria por tantas lanas atravessadas por algozes

    amores

    gritai nua pela avenida dos sorvetes das cervejas dos carnavais.

    gritai diante da gua benta... aspergi-vos na igreja das nossas

    senhoras mes fertilssimas.

    Tu s a inquietao duradoura e s vezes de to amarga breve

  • 80

    s o arrozal esperando o brejo renascer da chuva de prata, do

    orvalho da madrugada

    s a madrugada por onde repassas tua vida de liberdade vigiada

    s madrugada quente de vero, fechado o quarto, abertos os olhos

    em dvidas.

    Tu, inspirador de flores e sementes a se abrirem sobre o altar e

    sobre o cho

    por onde plantas teus passos nos dias que se escapam dos olhos

    arregalados?

    tu no sabias compor msicas e me ensinaste a te reencontrar ao

    som de acordes suplicantes

    por onde ouves os passos dos gatos reinando na noite dos cios da

    terra?

    Tu s livro de poemas por sobre a cama - eu o deixo l pois me

    consolo: livros de poemas so frteis feito virgem em lua de mel -

    deixo-os fecundando...

    Tu s a singular infinitude de momentos entregues ao tempo em

    pequenos objetos sacramentos dos olhos que se vm...

    tu te queres vendo o tempo como eu passado?

    perdoa os versos matutinos feito missa breve - pela manh reza-se

    to rpido, pela manh precisamos ainda pouco de Deus

    o dia traz tormentos demais...

    Tu ests abrigado no tonel inconstil da alma tu tens marcas na

    alma? So como tatuagem no brao...

    Ests na hora da despedida - tenho me ido tanto nos ltimos

    tempos!

    A alma cansa-se de viajar por terra: viva o cu, se houver!

    Ests na bandeja das horas... j tive bons momentos diante das

    teclas que te apresentavam, belas cartas...

    Fostes do meu cotidiano confuso, de inconfessas pretenses

    depois do parto a me v o filho crescendo se tornando outra

    carne livre

  • 81

    nem me despedir consegui... h partos estranhos em noites frias,

    sem graa

    ficaram as fotos desde l as guardo como trunfo diante do tempo

    que no para.

    Poderei escrever mais versos com ps atolados na saudade?

    Recebe os versos nem meus nem teus nem nossos

    no nos pertencemos: os racionais os mundiais os globalizados.

    recebe os versos que poderiam ser do finito ao infinito, do breve

    ao Eterno, mas so do amante amada

    recebe os versos breves em tantas letras escritas no te preocupes,

    ultimamente tenho estado muito toa mesmo.

    Recebe os versos mais uma vez. Belo Horizonte / 05.02.96

    BALANA DO TEMPO

    A luz atravessou o vaso sambambaiado por sobre a mesa em

    mrmore esculpido

    o dia ressurgiu feito Lzaro das profundas covas do ser

    transcendente

    e nem bem acordava tua sede cegava meus lbios: te procurava.

    A noite arrastando correntes madrugada afora: estrelas, luas, cus

    mensagens chegavam por entre meteoros anmicos: esperana

    e nem bem recordava tua fria embriagada os olhos choravam: a

    tua lembrana.

    Amada madrugada dos homens miserveis sem metfora sem

    encanto

    noite causticante lanando ao pensar redes sem desembarao sem

    fuga

    dia perpassado de luz: nasci abrindo do fundo do tero os olhos

    para a vida

    momentos urgentes de equilibrar as horas na balana infiel do

    tempo: urge ser feliz.

  • 82

    PAPEL DAS ALMAS

    A alma partida entre luar e amanhecer

    escreve, escreve rpido por entre a chuva

    a noite desvelando o rosto esfacelado em dor

    escreve, depressa, corre entre curvas significativas.

    Vai, poeta, homem impuro, desvirginando a hora prendendo-a ao

    papel

    vai, poeta, enlaa a palavra por entre promessas de seguridade

    afetiva

    atira na parede dos papis indefesos a cor das paixes inconfessas

    mas no te esqueas: lava a alma depois do culto danante das

    letras.

    No h esperana do dia raiar orvalhando

    esquece, esquece lcido dos dias felizes

    a lua nem bem chegar nem mal irrigar a pele (de chuva de prata)

    esquece, esquece escrevendo: no h dessentido na letra

    socorrendo a alegria

    esquece e encharca o papel das letras radiosas da alma humana.

    BOJO DO BARCO

    A areia se abrindo para o mar em tarde noivando a noite

    bela praia: olhos atravessando a mar que se enche - a lua cheia

    a lua, cheia, revoltando o mar: no temos culpa pela dor da noite

    a lua, enjoada, regurgitando ondas pela areia dos caranguejos

    infantis: a vida no anda s para frente.

    O belo regresso da noite clara, da gua clara, do claro pensar

    os barcos pedindo partida: a noite feita para navegar

    os astros quentes em tempo de estourar: mquina celeste

    embriagada

    peixes ninando a noite na rede capturados ainda sem saber: mar

    alta. Jiribatuba BA / 1993

  • 83

    LENITIVO

    Tua praia impedida por faustos casares de ministros (de guerra

    no eram...)

    teus eternos jovens universitrios em frias ou toa passando

    horas

    o carnaval balanando corpos presentes e espritos dos partidos

    o sol desenhando nos olhos o panorama lenitivo das ondas

    cadenciadas.

    A Fonte da Bica restaurando a hidratao dos corpos agitados

    h o tempo escorrendo por entre mos que se juntam danando

    h os negros marcando a areia branca aos pulos da msica em

    tambor

    tambores ecoando na memria das vidas seriadas ali vividas ou

    santificadas. Itaparica BA / 1993

    ROSA, ROSAE

    Ao Pe. Flix Obrzut

    Os teus postais guardados recriam tuas faces verdes em arco-ris

    se abrindo em cor

    a fora do arrozal fertilizado pelo orvalho da lua melanclica

    e nem bem a noite escorre por entre a chuva quotidiana das

    enxurradas

    teu brilho resvala na manh saudosa dos ps repisando o caminho.

    A igreja benzendo as vozes latinas das oraes incorrigveis e

    imortais

    os santos ouvindo clamores, suspiros, lamentaes que se bastam

    no toque imagem

    as velas acesas clamando Maria me das mes penosas

    me virgem de mos acolhedoras, recolhendo pedidos

    incansveis.

  • 84

    A lua que te fertilize por uma chuva e outra de vozes orantes

    a chuva que te inicie no mistrio dos frutos nascidos em estaes

    das verdes campinas a arara h de sofrer na retina a dor de ver

    preto e branco. Campina Verde / 04.03.96

    ESCULTURA EM CAPIM

    A arara azul sobrevoando a estrada dos homens fazendeiros

    arara ou arco-ris em pleno dia de sol?

    nos coqueiros com cachos enfeitados em amarelo hipertenso

    h pousada o arco-ris gritante: a arara ecoando na memria da

    retina.

    Podia passar as mo agigantadas pela virtual imaginao:

    confesso imaginei por sobre a verde campina esculpida pela terra,

    cultivada pela chuva

    verde claro, cachos de cabelo liso por entre os dedos do passado

    maqueta de florestas de capim: os olhos reduzem as imagens mais

    belas:

    percebe, temos belos quadros na memria.

    Plana como a rgua dos secundaristas traada em ruas, avenidas e

    praas

    como corria o Rio Verde entre tuas terras, desafio aos no

    gegrafos

    Rio Verde do rancho com nome de padre, de fonte feita por

    padres, de padres rezando missas vespertinas.

    Rio Verde corrente entre pontiagudas pedras rolando ladeira

    abaixo.

    Missas ecoando entre a torre e o cho geomtrico da igreja (o sino

    roando nos tmpanos as horas)

  • 85

    de hora em hora a vida se desenhava entre ips amarelos e brancos

    da Praa So Vicente

    os seminaristas pestanejando aves e marias entre a alta grama dos

    canteiros

    ali a cidade comeava: milagre de So Vicente, tela de Van Gogh

    sem corvos?

    VISO NOTURNA

    E como no existia Deus se tuas luzes eram espritos boiando na

    lagoa...

    era o esprito luminoso brotando do poste (luzes artificiais):

    reflexos

    reflexivos pontos por sobre a nata do tempo se indo pelo ladro

    das horas

    erga-se novamente noite: quero rever os espritos, Deus no est

    morto.

    Lagoa insana sombra que tu sers dos postes te rodeando

    veja-te bela no espelho csmico, ou na contemplao nem sempre

    justa do poeta

    que o olhar do poeta no tem espelho: s decomposio

    existencial

    que o olhar do poeta inveja a beleza etrea, efmero nascer e

    morrer do dia.

    Lagoa da Pampulha / 03.03.96

    GAIVOTA

    O Tnel Dois Irmos descobrindo o mar incaptvel de to imenso

    e longnquo

    as favelas escarpando formaes mamelonares: seios nas praias de

    brancas areias

    o olhar retilneo buscando a gaivota por sobre a tarde pousando o

    fim do dia

  • 86

    onde sepultam os corpos das gaivotas: poderei visitar seus

    tmulos efmeros como a luz?

    O Po de Acar caindo sob e o cho retesando formas na

    imaginao

    a lua comprometida com o belo expe a aula de esttica a olhos

    vistos

    nem objetivas nem pintores nem poetas: a noite revelando nossos

    corpos pura

    mais pura que o branco das penas perdidas pelo voo debochado da

    gaivota insepultvel.

    Rio de Janeiro / 1995

    ROLETA

    Rpido vamos de ponto em ponto

    ligeiro avanamos de sinal em sinal

    passageiro por passageiro a roleta girando

    as rodas do coletivo percorrem a poeira da cidade.

    Mos estendidas acenando - Pare!

    so coletivos os movimentos

    so sincronizadas as reclamaes

    cada momento ali dentro muito confuso.

    Belo Horizonte / 04.06.95

    A MO

    O motor ronca subindo a ladeira depredada

    os homens sobem suados por entre cansaos

    marcado o passo das domsticas partindo

    a casa se torna o refgio dos cansados

    a noite o abrigo dos operrios incultos

    que esculpem no dia-a-dia dos casares

    a histria caseira refazendo o Serro.

  • 87

    24 ANDAR

    Nas asas de tantos andares

    vinte trinta quarenta

    daqui de cima onde os mortais

    se rebaixam l embaixo

    tenho no horizonte concreto estruturas.

    artificial: a imagem. o som, o luar.

    artificial: a comida, o livro, o cantor.

    Belo Horizonte / 03.05.95

    POBRE HOMEM, O TEMPO

    A parreira crescida de seus dedos

    suas veias largas jorrando tempo

    nem rivais nem descontentamento

    na sua vida lenta lembro bem

    o que mais aparecia era a humildade

    folhas caindo da rvore para o cho

    palavras que se esvaem como perfume

    de tua presena restou o sorriso

    meio bobo quem sabe infantil

    da eterna criana dentro de mim.

    TEMPO LONGE

    hora de dobrar esquinas

    e chorar sem rimas a saudade

    das ruas de p de moleque

    das luas de noites breves.

    Momento de ingressar no nibus

    nos degraus da viagem lembrar

    Santa Rita em tantas subidas

    desci tanto para enxugar lgrimas.

    Quando fico muito tempo longe

  • 88

    das flores da Praa Joo Pinheiro

    colho muitas dores no peito

    e cr