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De Ana Paula Almeida
Carta que escrevi:
Meu nome é Ana Paula Soares de Almeida. Tenho 21 anos. Escrevo esta carta para contar um pouco
da minha história...
Hoje faz 8 meses e meio que estou sem conseguir falar e movimentar pernas e braços, sendo
totalmente dependente para me comunicar, mexer, deslocar, alimentar, vestir, calçar, higienizar...
Uso sonda nasal para a alimentação e para a administração dos medicamentos, mas já consigo
comer e beber algumas coisas pela boca. Comunico-me através do alfabeto ESARIN, que é um
quadro que minha fonoaudióloga montou com as letras organizadas na ordem de uso mais frequente
na nossa língua. Eu olho para a letra, alguém a aponta, eu confirmo com uma piscada ou com o
movimento afirmativo de cabeça e assim vou seguindo até formar a palavra ou a frase que quero
dizer. É desta forma, com a ajuda da minha mãe, que estou escrevendo esta carta. Já tenho controle
cefálico (de cabeça) e um fraco controle do tronco e movimento levemente os ombros e alguns
dedos das mãos. Compreendo, sinto e lembro tudo. Minha vida se resume a um quarto, da cama
para a cadeira de rodas e vice-versa. Passo meu tempo assistindo à televisão, lendo, recebendo
visitas e fazendo os tratamentos e os exercícios que minhas terapeutas indicam. Faço tratamento
fisioterápico, fonoaudiológico e psicológico em casa e semanalmente vou ao Centro de Reabilitação
de Giruá, uma cidade que dista cerca de 50 km da minha cidade, Três de Maio, também para estes
mesmos tratamentos, além de acompanhamento nutricional e terapêutico ocupacional. Realizo,
ainda, acompanhamento neurológico regular. Alguns destes tratamentos são gratuitos, ou seja,
fornecidos via Secretaria de Saúde, e outros são particulares, custeados pela minha família, com
auxílio de doações que recebemos por meio de rifas ou outras formas de arrecadação promovidas
por amigos, comunidades, clubes de serviço, empresas...
Tudo isso começou com uma dor de cabeça muito forte e acompanhada de tontura e náusea. Entre
a noite do dia 31 de agosto de 2012 e o final da tarde do dia primeiro de setembro, fui 3 vezes ao
plantão do hospital. Meus pais contam que eu mal conseguia caminhar, eles praticamente me
carregavam, eu estava com dificuldade de coordenação motora, minha fala não era conclusiva, eu
ria muito e sem motivo e até perdi o controle de esfíncteres. Nas 3 vezes fui atendida por médicos
diferentes, que sabiam, obviamente, que eu já havia estado ali. Era medicada e mandada de volta
para casa. Diagnosticavam-me, entre outras coisas, com crise de ansiedade, labirintite e mal estar
decorrente de algum alimento que pudesse não ter me feito bem. Na terceira vez, antes de sair do
hospital, convulsionei e fui parar na UTI. Fiquei dois dias em coma, fui entubada e fiz traqueostomia.
Foram 35 dias na UTI e mais 14 em leito comum. Passei muito mal, mas, ao contrário do que muitos
pensavam e até diziam, talvez imaginando que não eu entendesse, melhorei e pude vir para casa.
Meu provável diagnóstico é Romboencefalite Criptogênica. Segundo os médicos que já me avaliaram
é uma doença bastante rara e pouco conhecida. Como eu gostaria de ter um diagnóstico mais
preciso, uma certeza... Existe algum tratamento diferente para eu me recuperar? Onde? Quando?
Como? Pra mim é bem difícil estar passando por isso. Há dias em que estou até bem, só que em
outros eu choro muito.
Sempre fui falante, comunicativa, determinada e, segundo os que me conhecem, prestativa. Já
superei outros problemas de saúde, dentre os quais meningite viral aos 3 meses, fratura de braço
aos 11 anos e gripe A aos 17. E este também quero superar. Sou Companheira Leo (Leo Clube)
desde 2009 e adoro este clube de serviço. Gosto de ler, de escrever (pretendo escrever um livro
para contar minha história em detalhes), de assistir filmes, de internet e da cor verde. Hahaha
(risos)! Tenho um blog em que estou contando minha história, que se chama A Vida Numa Cadeira.
Cursei um semestre de Sistemas de Informação na faculdade aqui da minha cidade. Fiz a prova do
ENEM e, com ela, consegui vaga para a graduação em Comércio Exterior, porém não pude iniciar as
aulas por causa da doença. Trabalhei em um mercado no setor de frios e ultimamente era atendente
em uma empresa do ramo de computadores.
Meus pais se chamam Marli e Aldair. Tenho dois irmãos: Maikel, de 27 anos, e Cristian, de 24. O
Cristian mora com a companheira e o filhinho deles, que nasceu em março deste ano. É meu
afilhado. Meu irmão Maikel é especial. Ele tem uma lesão cerebral congênita chamada paralisia
cerebral ou encefalopatia estática. Por esta razão, ele apresenta epilepsia, deficiência intelectual,
comprometimentos motores, distúrbios de fala e alterações comportamentais, exigindo supervisão
constante. Ele já iniciou seus tratamentos logo após o nascimento e desde os 8 anos,
aproximadamente, frequenta a APAE. Minha mãe já enfrentou grandes dificuldades para suprir as
necessidades do Maikel. Ela chegou a vender suas próprias roupas para pagar consultas e
medicamentos. Quando ele tinha quase 3 anos de idade, minha mãe e meu pai começaram seu
relacionamento. A história dos meus pais está fortemente ligada a alimentos. Explicando... Eles
inicialmente foram proprietários de uma churrascaria, que infelizmente faliu. Da venda da
churrascaria sobraram em torno de R$ 100,00, que foram investidos na compra de mercadorias para
a produção de pizzas, por sugestão de uma amiga da família. Minha mãe sempre foi boa na cozinha
e meu pai nas vendas. Ela chegou até a ser professora de cursos profissionalizantes de culinária do
SENAC. E eu, sua assistente. O cardápio de pratos congelados foi ampliado aos poucos, até ser
substituído unicamente pela produção de salgadinhos. Mas foi em 2003 que os salgados deram lugar
aos doces. E esta é até hoje a fonte de renda da minha família. Os doces da minha mãe são
maravilhosos! Meu pai auxilia na compra dos ingredientes e materiais, na embalagem e na
distribuição dos doces. Eu atuava na embalagem e na degustação. Hahaha (risos)! Com a minha
doença, a produção precisou diminuir muito, pois meus pais dispensam a maior parte do tempo aos
cuidados comigo e, claro, ao Maikel, à casa e a todas as demais necessidades comuns que já
existiam anteriormente. Eles fazem isso com muito amor e carinho. São maravilhosos e guerreiros.
Já passaram por vários momentos complicados. Já tiveram um Natal com R$ 3,00 na carteira, já
moraram por 6 meses em um quarto comigo e meus irmãos, já nos fizeram uma “festa” de dia das
crianças com uma lata de leite condensado, já superaram um infarto do meu pai...
Nós moramos no 2º andar de um prédio inacabado. Este prédio começou a ser construído pela
minha avó paterna, dona Marina, já falecida, e apresenta pendências de inventário. Ela tinha a
intenção de que no 1º andar funcionasse a churrascaria e no 2º houvesse dois apartamentos. Meus
pais, com muito esforço, finalizaram um dos apartamentos para se tornar o nosso lar. O acesso ao
apartamento é bem difícil. É feito por uma estreita calçada lateral de tijolos e sem cobertura ou por
dentro do 1º andar, onde há pedras soltas no chão. Em seguida há uma escada, também sem
cobertura, bem inclinada e mal construída, com 17 degraus de alturas e larguras diferentes. Com a
cadeira de rodas é um sacrifício! Meus pais sempre precisam pedir ajuda a algum vizinho, amigo ou
mesmo funcionário do mercado em frente ao prédio quando precisam sair comigo.
Esta é basicamente a minha vida no momento. Escrevo para divulgar a história no intuito de buscar
ajuda, seja em relação a novidades no tratamento ou a qualquer outro aspecto que possa facilitar a
nossa rotina. Gostaria que meus pais pudessem voltar a trabalhar e que eu recuperasse minhas
habilidades perdidas.
Sou grata desde já pela atenção.
Ana Paula Soares.
Três de Maio/RS, 16 de maio de 2013.