Upload
marcos-silva
View
24
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................3
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................7
2.1 Breve histórico da questão da análise leiga ........................................................................7
2.2 Princípios da Psicanálise......................................................................................................8
2.3 A especificidade da Psicanálise: a análise como processo de formação do analista............9
2.4 A lei que regula a Psicanálise: não se trata de uma regulamentação..................................13
2.5 A inserção da Psicanálise no mundo acadêmico e universitário.........................................17
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................21
ANEXOS .................................................................................................................................25
1 INTRODUÇÃO
A análise é leiga mesmo?
Essa indagação ainda mantém a sua atualidade, apesar de ter sido trabalhada por Freud
em 1926 no ensaio “A Questão da Análise Leiga”.
Por ter vivenciado algumas experiências que remetem a essa questão, acabei me
sentindo motivado a trazer tal discussão para a monografia de conclusão do curso de Pós-
Graduação em Psicanálise – Teoria e Prática.
Isso teve início há algum tempo, quando fazia terapia. A psicóloga que me atendia
informou-me que, para ser psicanalista, bastava ter o diploma de qualquer curso superior e
fazer um curso de psicanálise de curta duração (cerca de 1 a 2 anos) com analistas. Ela
também me disse que esse meio, o dos psicanalistas, era muito fechado.
Tal episódio me fez lembrar uma conversa com uma médica dermatologista. Ela me
disse que o meio dos dermatologistas em Belo Horizonte também é muito fechado. E
acrescentou: todo meio é fechado. E como falamos mais do que sabemos que falamos, fica
óbvio: se existe um meio é porque existe algo que o circunscreve, que faz borda, caso
contrário não haveria o meio.
Parece até que estamos falando de zonas erógenas, de bordas, de gozo, ao lidar com a
sexualidade. E, como diz Freud, que a nossa civilização é estruturada às expensas da
sexualidade; em nossa sociedade há vários meios, vários fechamentos e bordas que, como
rituais (discurso religioso), impõem obstáculos. E isso, no meio psicanalítico, pode ser
considerado como resistência do analista.
Mas voltemos a minha questão.
O tempo passou e um dia bati à porta de um psicanalista. Depois de algum tempo em
análise, comecei a me deparar com o desejo de analista. Nessa ocasião, perguntei a meu
analista se a Psicanálise seria uma especialidade da Psicologia. Ele me respondeu que não.
Falo com ele sobre o comentário que a psicóloga que me atendia havia feito e ele confirmou:
ela tinha razão em afirmar que para ser psicanalista não é necessário ser psicólogo. Também
tive minhas resistências em aceitar isso tão rápida ou prontamente.
Durante o meu percurso em análise, pedi para meu analista a indicação de um lugar
onde eu poderia iniciar meus estudos em Psicanálise, e ele me indicou: é do lugar do leigo
mesmo que você iniciará sua formação. Eu já não era tão leigo assim, pois já estava em
análise, mas não tinha um conhecimento prévio da teoria psicanalítica. Surgiu então o
segundo obstáculo: liguei para a Escola indicada por meu analista e a pessoa que me atendeu,
após eu ter me identificado como analisante de um membro dessa Escola, me perguntou com
certa estranheza se eu era psicólogo. Disse que cursava Administração. Levei essa conversa
ao telefone para a minha análise, e o analista comentou que realmente houve essa estranheza
por parte da pessoa que me atendeu. Esta disse ao meu analista ter achado esquisito que ele
tivesse indicado uma Escola de Psicanálise para uma pessoa que nunca tinha estudado
Psicologia. Parece que ela havia esquecido que eu havia falado que fazia análise. Meu analista
disse que se tratava de um equívoco.
Enfim, passei a frequentar alguns seminários dessa Escola. Comecei a participar de
um cartel – que, no meio psicanalítico, refere-se a um modo de transmissão da Psicanálise – e
também a freqüentar outras Escolas e espaços destinados à transmissão da Psicanálise.
Durante esse percurso, escutei algumas coisas que eram no mínimo contraditórias. Aliás,
desde que comecei a frequentar esse meio, sempre o achei contraditório. Eram coisas que me
incomodavam e me faziam repensar se realmente eu poderia me tornar um psicanalista. E eu
continuei levando essas questões para a minha análise.
Decidi fazer uma pós-graduação em Psicanálise e, ao entrar em contato com a
secretaria da pós-graduação de uma instituição de ensino superior, fui informado de que não
poderia fazer a pós-graduação e que poderia até mesmo ser preso por prática ilegal da
profissão. Pensei: ilegal?
Os coordenadores dessa pós-graduação me falaram que foi uma informação errada,
mas que talvez a burocracia dessa instituição me impedisse de freqüentar as aulas. Insisti com
os coordenadores, que me apoiaram na entrada para essa pós-graduação, porém ainda com
uma ressalva: se o curso se estendesse e houvesse uma parte prática, talvez eu não pudesse
participar. Mais uma vez devido à burocracia, uma velha inimiga de Freud. Essa questão
permaneceu em aberto durante o curso, até que, a poucas semanas de concluí-lo, num
momento de discussão sobre os estágios, fui informado de que poderia participar.
Diante de tudo isso, eu me pergunto: a análise é leiga mesmo?
E Isso está relacionado à formação do psicanalista, um tema bastante discutido na
atualidade. Fala-se muito na regulamentação ou não desse ofício. Alguns são contra, outros a
favor. O Movimento Mineiro de Psicanálise (MMP) posiciona-se contra a tentativa dessa
regulamentação e se coloca a trabalho para oficializar a não - regulamentação da Psicanálise.
Esse movimento surgiu em 2000, tendo como objetivo possibilitar a discussão de
questões relativas à Psicanálise por parte de representantes das diversas instituições mineiras
de Psicanálise. Nessa ocasião, o MMP manifestou-se contra a tentativa de regulamentação da
Psicanálise através do Projeto de Lei n° 3944 de 2000, do então deputado federal Éber Silva
(anexo A). Algumas instituições de Psicanálise se reuniram e fizeram uma carta manifesto
(anexo B), que recebeu 65 assinaturas institucionais e mais o apoio de 10 instituições não
psicanalíticas, posicionando-se contra qualquer tentativa de regulamentação da Psicanálise.
Essa carta foi encaminhada a todos os deputados de comissões envolvidas com a avaliação
desse projeto de lei.
Para os componentes do MMP, a regulamentação da Psicanálise iria restringir o
exercício desse ofício, pois o que está em questão é a operação do inconsciente, que não é
algo a ser ensinado, como ocorre em outros campos de saber.
Deve-se ressaltar que Freud também se deparou com a tentativa de criação de uma
legislação que determinasse quem poderia ou não praticar a Psicanálise, tendo se posicionado
contra ela:
Se a proibição fosse efetivada, nós nos encontraríamos numa posição na qual grandenúmero de pessoas ficariam impedidos de executar uma atividade que podemos comsegurança nos sentir convictos de que podem efetuar muito bem, ao passo que amesma atividade está franqueada a outras pessoas para as quais não há qualquergarantia semelhante. Essa não é precisamente a espécie de resultado ao qual alegislação deva conduzir (FREUD, 1926, p.265).
Falar da formação do psicanalista nos faz pensar a respeito do momento da formação a
partir do qual alguém pode começar a exercer esse ofício. Já que não há garantias ou provas
legais de que alguém seja ou não psicanalista, de onde vem a autorização para exercer a
Psicanálise?
Pretende-se ainda, com este trabalho, discutir a relação da formação do psicanalista
com o meio universitário, já que se têm tornado cada vez mais numerosos os espaços
destinados à Psicanálise dentro das Universidades, como nas pós-graduações, mestrados e
doutorados.
O objetivo deste trabalho, então, é fazer uma discussão teórica sobre o tema descrito, a
fim de que equívocos possam ser evitados, para que a lâmina cortante de Freud não fique
cega. Vidal corrobora essa importância com a afirmação: “Torna-se urgente engajar os
analistas na discussão sobre os efeitos do saber que eles produzem e o modo de transmiti-los,
já que ele não se ensina como qualquer outro saber” (VIDAL, 2003, p.36).
Ao estudar a formação do psicanalista neste trabalho, estamos contribuindo também
para discutir a especificidade que marca o campo psicanalítico.
A realização deste trabalho também é importante por oferecer a oportunidade de
construção de um saber, contrapondo-se à atitude de apenas se dirigir a um texto, em que já
existe uma saber construído, pois, fazendo uma analogia entre uma formação do inconsciente
– Traumarbeit – trabalho sonho – e a formação do analista: “[...] os leitores caem facilmente
no engano de considerar o conteúdo latente como o ponto mais importante, negligenciando,
precisamente, o que lhe é mais especial: o trabalho” (PORTUGAL, 2005, p.4).
Trata-se de um estudo bibliográfico sobre a formação do psicanalista. Por isso, como
procedimento metodológico, foi feita uma pesquisa bibliográfica. Foi realizada uma seleção
prévia de textos sobre o tema. Optou-se por selecionar o ensaio A questão da análise leiga, de
Freud, como eixo principal do trabalho, a partir do qual teve início esta escrita, e depois foram
articulados outros textos da obra freudiana, como também de outros autores: “Não há, com
efeito, uma só balela proferida na mixórdia insípida que é a literatura analítica que não tome o
cuidado de se apoiar numa referência ao texto de Freud [...]” (LACAN, 1957, p.459).
A monografia traz uma discussão teórica, dividida em cinco eixos: (a) Breve histórico
da questão da análise leiga, (b) Princípios da Psicanálise, (c) A especificidade da Psicanálise:
a análise como processo de formação do analista, (d) A lei que regula a Psicanálise: não se
trata de uma regulamentação, (e) A inserção da Psicanálise no mundo acadêmico e
universitário.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Breve histórico da questão da análise leiga
Em 1926, em Viena, um psicanalista não-médico foi acusado de charlatanismo, por ter
violado uma antiga lei austríaca que considerava ilegal uma pessoa que tratasse de pacientes
sem ser médico. Freud então prepara o texto A questão da análise leiga, onde defende a
posição desse psicanalista, Theodor Reik.
Freud, nesse texto, utiliza os termos “não-médico” e “leigo” como sinônimos, para
com isso afirmar que a Psicanálise não é uma especialidade acadêmica:Mas objetar-se-á, a essa altura, que se a psicanálise, considerada como ciência, forconsiderada subdivisão da medicina ou da psicologia, isto será uma questãopuramente acadêmica e de nenhum interesse prático (FREUD, 1926, p.288).Nem os analistas leigos que praticam a análise em nossos dias são um bando derebotalhos, mas pessoas de educação acadêmica, doutores em filosofia, educadores,juntamente com algumas mulheres de grande experiência na vida e marcantepersonalidade (FREUD, 1926, p.277).
Freud escreve esse texto para discutir se os leigos, assim como os médicos, poderiam
praticar a Psicanálise. Para ele, era uma novidade alguém estar preocupado com quem poderia
ou não praticar a Psicanálise, pois o habitual era que todos concordassem que ninguém
deveria praticá-la.
Essa questão – de decidir se a prática da psicanálise deveria ou não ser uma
exclusividade médica – não ocorria em todos os países, mas isso não significava que um
analista não tivesse de assumir a responsabilidade sobre seus atos em qualquer que fosse o
lugar onde exercesse esse ofício.
Freud nunca foi a favor de uma lei que excluísse os leigos da prática da Psicanálise,
muito pelo contrário. Ele enfatizou que os leigos contribuem para o desenvolvimento da
Psicanálise:
Que os resultados alcançados não tenham deixado, apesar de tudo, de serconsideráveis, deve-se em parte à fertilidade do método analítico, e em parte, àcircunstância de que já existem alguns pesquisadores não-médicos que fizeram daaplicação da psicanálise às ciências mentais sua profissão na vida (FREUD, 1914, p.47).
Desde o início do texto A questão da análise leiga, ele deixa essa posição bem
marcada e depois vai construindo uma argumentação para sustentar tal posição, como se
verifica na seguinte passagem:
Ainda assim, há certas complicações, com as quais a lei não se preocupa, mas quenão obstante exigem consideração. Talvez venha a acontecer que nesse caso ospacientes não sejam como outros, que os leigos não sejam realmente leigos, e que osmédicos não tenham exatamente as mesmas qualidades que se teria o direito deesperar deles e nas quais suas alegações devem basear-se (FREUD, 1926, p.210).
2.2 Princípios da psicanálise
Para construir essa argumentação, Freud vai afirmando os princípios da Psicanálise.
Por exemplo, ele fala da regra fundamental da Psicanálise:
Convidá-lo a ser inteiramente sincero com seu analista, nada refrearintencionalmente que lhe venha à cabeça, e, portanto, pôr de lado toda reserva que opossa impedir de informar sobre certos pensamentos ou lembranças (FREUD, 1926,p.214).
Fala de maneira resumida da noção de inconsciente e do recalque:
[...] coisas que alguém gosta de ocultar de si próprio e que por esse motivointerrompe e expulsa de seus pensamentos se, apesar de tudo, vierem à tona. Talvezela própria observe que um problema muito marcante começa a aparecer nessasituação – um pensamento seu sendo mantido em segredo para o seu próprio eu(FREUD, 1926, p.215).
Freud fala também que a Psicanálise surgiu da clínica, da escuta de seus pacientes, e
que esse saber não se aprende com a psicologia acadêmica:
E o senhor alega que descobriu esse “fundamento comum” da vida mental, que foidesprezado por todo psicólogo, a partir de observações de pessoas doentes?`A fonte de nossos achados não me parece privá-los do seu valor. A psicologiaacadêmica jamais foi capaz de nos informar qual é esse significado. Ela nada podeinferir dos sonhos (FREUD, 1926, p.219).
Freud diz que a psicologia barra o acesso à região do Isso, pois para ela todos os atos
mentais são conscientes, não se interessando assim pelo inconsciente, elemento constituinte
do sujeito e fundamental para a Psicanálise. O que Freud nos leva a pensar, segundo Penna
(2001), é que o conhecimento consciente não recobre a verdade do sujeito, a verdade da
castração.
Ferenczi, importante colaborador de Freud, diz:
A exatidão em psicologia experimental não passa de um engodo, de uma formaçãosubstitutiva (Ersatzbildung), para mascarar a ausência de conteúdo dessa ciência. Apsicologia experimental é exata, mas nada nos ensina; a psicanálise é inexata, masrevela relações insuspeitadas e desvenda camadas do psiquismo que eraminacessíveis até agora (FERENCZI, 1991, p.147).
2.3 A especificidade da Psicanálise: a análise como processo deformação do analista
Freud defende que a transmissão da Psicanálise se dá principalmente através da análise
pessoal, já que, para se adquirir a convicção da existência do inconsciente, é necessário ser
afetado na própria carne por essa experiência. É essa convicção que orienta posteriormente o
trabalho do analista. Isso é explicitado na seguinte passagem do texto de Freud Análise
terminável e interminável: “Mas onde e como pode o pobre infeliz adquirir as qualificações
ideais de que necessitará em sua profissão? A resposta é: na análise de si mesmo, com a qual
começa sua preparação para a futura atividade” (FREUD, 1937, p.282).
Freud já havia desenvolvido essa questão no texto sobre o ‘Homem dos Lobos’:
É sabido que não se encontram meios de introduzir, de qualquer modo, nareprodução de uma análise o sentimento de convicção que resulta da própria análise.Exaustivos relatórios textuais dos procedimentos adotados durante as sessões nãoteriam certamente qualquer valia; e, de qualquer maneira, a técnica do tratamentotorna impossível elaborá-los. Assim, análises como esta não são publicadas com afinalidade de produzir convicção nas mentes daqueles cuja atitude tenha sido, atéentão, de recusa e ceticismo. A intenção é apenas a de apresentar alguns novos fatosa pesquisadores que já estejam convencidos por suas próprias experiências clínicas(FREUD, 1914, p.27).
Sendo assim, a formação do analista deve ser desarticulada da pedagogia, ou seja, ela
não ocorre via ensino. Não existe um curso para formar analistas, cada um faz seu próprio
percurso. Por isso não há formação do analista e sim formações do inconsciente, aforismo
lacaniano explicado por Miller:
Essa proposição visa que, na experiência analítica, o único saber que se trata detransmitir é o saber suposto, ou seja, de verdade. Há portanto, em última instância,reabsorção da formação analítica na própria experiência analítica” (MILLER, 2003,p. 7).
Miller fala desse saber suposto para dizer que ele não é transformável em
conhecimento, não podendo assim dar matéria a uma pedagogia. Isso não quer dizer que o
analista deva desconsiderar os estudos realizados nos espaços destinados à transmissão da
Psicanálise. Mas Lacan nos adverte que, mesmo nesses espaços, qualquer dose desse saber
transmitido não tem valor formativo para o analista, pois este opera em outra dimensão. Deve-
se fazer ‘tábula rasa’ do saber adquirido: “O saber que Lacan recusa de bom grado é o que
concerne à experiência anterior, ao funcionamento empírico do tratamento analítico, pois
deve-se nada saber previamente sobre aquilo que irá ocorrer” (MILLER, 2003, p.33).
A escuta do analista fica comprometida se ele não passar por sua própria análise, pois
não irá escutar pontos da fala de seu paciente que toquem em suas próprias questões não
analisadas. Podemos ver indicações disso quando Freud fala que pessoas conciliam as
observações das atividades sexuais das crianças, julgando-as pecaminosas, com o pensamento
de que estas são puras e não sexuais, bem como na seguinte passagem: “E aqui, antes de tudo,
somos levados à obrigação do analista de tornar-se capaz, por uma profunda análise dele
próprio, da recepção sem preconceitos do material analítico” (FREUD, 1926, p.250). Esse
comprometimento da escuta do analista sem uma prévia psicanálise ocorre principalmente em
virtude das questões ligadas à sexualidade, o mesmo motivo pelo qual, até hoje, algumas
pessoas tratam a Psicanálise com tanta hostilidade. As próprias descobertas da sexualidade
infantil e do complexo de Édipo causaram descrenças, contradições e ataques à Psicanálise, já
que, como marcou Freud, nossa vida civilizada se acha inteiramente estruturada às expensas
da sexualidade.
Uma vez que “[...] a civilização se baseia nos recalcamentos efetuados por gerações
anteriores, e que se exige de cada nova geração que mantenha essa civilização efetuando os
mesmos recalcamentos” (FREUD, 1914, p. 71), como então livrar-se desse legado senão
através de uma análise?
E a psicanálise se dá na via de uma suposição de saber, sustentando a transferência. O
que põe o neurótico a trabalhar é a relação que se estabelece entre ele e o analista, uma atitude
emocional especial, e não explicações sobre a psicanálise. Lavarini explica por que uma
análise se dá via suposição de saber:
Freud detectou que o percurso na construção de uma verdade do sujeito passa pelocampo do Outro, pois o sujeito julga pertencer a outrem tudo o que persiste obscuropara si. Nota-se portanto um inconsciente articulado enquanto discurso do Outro.Esse Outro, reservatório do saber recalcado, sustenta a relação do sujeito com osaber sobre o sexual (LAVARINI, 1998, p.211).
É interessante notar que Freud revela, na História do movimento psicanalítico (1914),
que o saber a que começou ter acesso fora-lhe transmitido por três pessoas – Breuer, Charcot
e Chrobak – mas que esses três não possuíam esse saber. Aparece aqui a questão da
transmissão em psicanálise e a observação de que falamos mais do que sabemos que falamos.
A transmissão foi possível porque Freud se dirigia a essas pessoas com uma transferência de
trabalho.
Penna, em seu livro Psicanálise e Universidade - Há transmissão sem clínica?,
sustenta essa mesma posição:
E, se, para a ciência e para a universidade, o saber se transmite pelas fórmulas e leis,através de sua exposição, a psicanálise se apóia inteiramente na transferênciasustentada pela suposição de saber, o que requer a dimensão do amor, da presença eda palavra (PENNA, 2003, p.42, grifos da autora).
Porém, para se tornar um analista, deve-se ir além da própria análise pessoal. A
formação de um psicanalista é composta pelo tripé: análise pessoal, estudos psicanalíticos e
supervisão. É essa formação específica que prepara o psicanalista para que ele possa exercer
seu ofício, e não um diploma universitário: “Se a pessoa é ou não médico, a mim me parece
sem importância” (FREUD, 1926, p.265).
Vidal adverte que ceder na questão da análise leiga é ir contra os princípios da
Psicanálise, pois esta não se aprende através de livros ou aulas expositivas:
A experiência do inconsciente é a de um saber regulado pela resistência interna dosujeito. Só poderá existir um acesso a esse saber se o sujeito elabora as condiçõesdessa resistência. O saber está vinculado ao sexual e a resistência denota aamarração do saber ao gozo (VIDAL, 2003, p. 29).
Por isso, só podemos avançar na teoria da Psicanálise à medida que conseguimos
avançar em nossa própria análise.
A supervisão é também muito importante e necessária para a formação de um
psicanalista. É um auxílio na construção do saber que o analista obtém através de sua prática
clínica. Porém, o supervisor não dirige o tratamento do paciente do supervisando e sim tem
uma visão singular, para que o supervisando não saia do lugar de analista de seus pacientes.
Uma supervisão, assim como uma análise, não conta com normas expressas, e não se
trata de grandes discussões teóricas, dando-se maior oportunidade para os casos clínicos e
dificuldades do analista diante deles.
O supervisando não deve se autorizar a partir do supervisor, mas se implicar nas
provas que dá de seu saber, e o supervisor não deve agir como um professor que diz passo a
passo o que fazer. Isso poderia levar a uma supervisão sem fim. Corroboram isso as seguintes
passagens:
O supervisor será o que interroga o que apalpa a consistência dessa construção eseus fundamentos. Também será ele quem extrai ou acompanha a extração dasconseqüências interpretativas que se deduzem dessa construção. Fica a cargo doanalista o que fazer com essa construção, seus efeitos e conseqüências, e como aarticular à sua prática. (CHAMORRO, 2003, p.62).O supervisor, presença sutil, produz tanto mais efeitos quanto menos ondas faz(HARARI; BARRES; SILVA, 2003, p.111).
Uma supervisão deve ser sempre algo além da análise do supervisando e nunca menos
que ela.
A supervisão também diz respeito ao ponto em que se encontra o supervisando em
relação à sua autorização como psicanalista. Pode-se interrogar o porquê da demanda da
supervisão, pois nela aparece a relação entre a função de analista e algo de seu gozo, que deve
ser interpretado pelo supervisor. Pode também ser colocada em questão a análise do
supervisando, em virtude de suas dificuldades diante de seus pacientes: “A supervisão é a
sede de uma complexidade que claramente ultrapassa a leitura de um material e seu
comentário. Seja isso visível ou presente de modo sutil” (CHAMORRO, 2003, p.61).
A supervisão pode até mesmo demandar mais análise e provocar talvez a interrupção
ou abandono da prática da psicanálise: “Como se vê, a supervisão pode ser o lugar de onde se
destitui um analista” (CHAMORRO, 2003, p.61).
Se desse modo não há garantias para a formação de um analista, quando alguém pode
começar a exercer esse ofício ou se dizer psicanalista?
Lacan responde a essa pergunta quando institui sua Escola e diz que o analista se
autoriza por si mesmo. É na experiência singular de uma análise que pode surgir o desejo do
analista. Um analista se autoriza com o tempo, de sua análise, de sua prática, e deve sustentar
essa autorização durante o trajeto de sua formação. Deve, portanto, se responsabilizar por sua
enunciação, através da prática e da supervisão. Kruger corrobora isso dizendo:
“A lição a extrair deste momento é que já não se busca ser reconhecida comoanalista, senão que se trata do reconhecimento de seu produto, de um produto quenão só contempla a construção de um caso e sua formalização, senão a possibilidadede expô-lo à comunidade, de fazer da clínica um trabalho no interior de nossoespaço de trabalho que é a Escola. Porque este percurso pela prática pessoal tem seulugar de inserção hoje, na Escola” (KRUGER, 2002, p.87).
Lacan cria o dispositivo do passe, para aquele que deseje dar testemunho da travessia
de sua análise e do surgimento do desejo de analista durante esta. O passe é também
instaurado para lidar com a nominação de maneira diferente daquela da Associação
Psicanalítica Internacional (IPA), conforme a qual um pretendente a analista deveria passar
por uma análise didática. Desse modo, um analista pode se dirigir a uma Escola, passando de
analista que se autodeclara para Analista da Escola (AE): “Nessa transformação, o que era
suposto a partir de uma enunciação performativa – ‘sou analista’ –, se efetiva ainda mais, se
corporifica à medida que o analista se expõe, e, ..., se faz reconhecer socialmente por sua
prática [...]” (LAIA,2001, p.64).
Miller fala da importância do passe em uma Escola: “Em nossa concepção o passe
garante a Escola que garante seus AMEs” (MILLER, 2001, p.9).
Mas é importante ressaltar que essa garantia é não - toda.
2.4 A lei que regula a psicanálise: não se trata de uma regulamentação
Dessa forma, como vimos anteriormente, tentar controlar a formação de um
psicanalista através de uma lei seria tentar controlar a experiência de uma análise fora dela. E
isso não é possível, “[...] pois, se podemos definir ironicamente a psicanálise como o
tratamento que se espera de um psicanalista, é justamente a primeira, no entanto, que decide
sobre a qualidade do segundo” (LACAN, 1956, p.462).
E os efeitos que uma análise pode ter, incluindo neles o surgimento do desejo do
analista, só a posteriori é possível saber. Portanto, excluir os leigos da prática da Psicanálise
estaria a serviço do recalcamento da questão da formação do analista, seria uma resistência
daquele de quem partisse essa tentativa.
“A lei que a regula é a da estrutura do inconsciente, à qual analisante e analista se
submetem, na tarefa de desatar o nó do sintoma e restituir a verdade da palavra” (VIDAL,
2003, p. 40).
Esse também é o pensamento de Lacan, pois, para ele, o que habilita o analista a
desempenhar seu papel legítimo é o lugar que ele ocupa, lugar do Outro, podendo assim
receber a investidura da transferência: “Qualquer outro lugar, para o analista, o reduz a uma
relação dual que não tem outra saída senão a dialética do desconhecimento, denegação e
alienação narcísica que, em todos os ecos de sua obra, Freud martela sendo própria do eu”
(LACAN, 1957, p.456).
Mesmo assim, já foram feitas algumas tentativas de regulamentação da Psicanálise.
Em 2000, foi criado o Projeto de Lei n° 3944 (anexo A), numa tentativa infundada e mal
sucedida de regulamentar a Psicanálise. A Associação Brasileira de Psicanálise se posicionou
contra essa tentativa, através de uma carta - manifesto (anexo C). Em 2003, foi realizada uma
outra tentativa de regulamentação, também mal sucedida. Nessa ocasião, o psicanalista Paulo
Becker fez uma consulta à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que lhe respondeu através
de um estudo embasado juridicamente (anexo D), no qual se afirma que o exercício da
psicanálise prescinde de regulamentação pelo Poder Público.
O próprio Conselho Regional de Psicologia (CRP), quando consultado em relação ao
mesmo assunto, respondeu, em uma carta (anexo E) endereçada ao Aleph - Escola de
Psicanálise, que “o problema sai da esfera legal e recai sobre a esfera ética.”.
Mesmo assim, por causa da desinformação, ainda é comum encontrarmos pessoas que
dizem que quem praticar a psicanálise sem um diploma universitário de médico ou psicólogo
estará cometendo um ato ilegal. Essas pessoas ignoram que, por não haver lei disciplinadora,
o exercício da psicanálise é livre, tanto por força do permissivo constitucional como por força
do princípio jurídico basilar de que “o que não é proibido, é juridicamente permitido”:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termosseguintes:[...]II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtudede lei;[...]XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas asqualificações profissionais que a lei estabelecer (Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de 5 de Dezembro de 1988).
Vimos então que equívocos são comuns no que se refere à psicanálise. Freud sempre
se preocupou com isso e achou necessária a criação de uma associação oficial para trocas de
idéias e apoio mútuo entre os psicanalistas. Para ele, deveria haver alguma sede cuja função
seria afirmar: “todas essas tolices nada têm que ver com a análise, isto não é psicanálise”
(FREUD, 1914, p.57).
Porém, Freud nos adverte que mesmo nessas associações psicanalíticas podemos
encontrar equívocos que ele mesmo queria evitar, pois o mesmo que pode ocorrer com
pacientes – renunciar a uma compreensão que alcançou em certa profundidade da análise, por
causa de uma resistência – pode acontecer também com psicanalistas: “[...] e mesmo assim
podemos vê-lo, sob o domínio da própria resistência seguinte, lançar tudo o que compreendeu
às urtigas e ficar na defensiva como o fez nos dias em que era um principiante
despreocupado” (FREUD, 1974 [1914], p.62).
Isso ocorreu na Associação Psicanalítica Internacional (IPA), criada por Freud, com
deserções de Adler e Jung.
Freud mesmo se perguntou, mais tarde, se a institucionalização da Psicanálise seria o
melhor caminho, pois o grupo de analistas reunido começou a se defrontar com problemas,
como rivalidades numa busca de poder. Diante disso, a IPA propôs a unificação das regras
técnicas, a partir da análise didática, segundo as quais apenas alguns analistas poderiam
analisar e supervisionar os futuros pretendentes a analistas. Mas com isso a Psicanálise ficou
engessada em um modelo, um padrão, o que não era a intenção de Freud. Em vez disso, a
Psicanálise deve ser reinventada a cada caso.
Lacan rompe com essa unificação da técnica, cria o tempo lógico, deixando as sessões
de ter um tempo determinado a priori, e é expulso da IPA.
“Na Escola de Lacan não se trata de imprimir e difundir uma certa tiragem de analistas
a partir de uma matriz que os chamados didatas foram disciplinados a corporificar” (LAIA,
2001, p.60).
Em uma escola de Psicanálise, não deve haver uma hierarquia na qual declarações
sejam aceitas cegamente, e, sim, haver espaço para que críticas sejam ouvidas, sem vaidades.
É necessário não rejeitar o novo, em nome de um saber próprio, antes de uma reflexão, pois,
como afirmou Ferenczi:
[...] a fase auto-erótica atual da vida de associação seria substituída pela fase maisevoluída de amor objetal, na qual a satisfação não seria mais buscada pela excitaçãodas zonas erógenas psíquicas (vaidade, ambição) mas nos próprios objetos de nossoestudo (FERENCZI, 1991, p.151, grifos do autor).
Parece que aqui Ferenczi se inspira em Descartes:
[...] E jamais notei tampouco que, por meio das disputas que se praticam nas escolas,alguém descobrisse alguma verdade até então ignorada, pois, enquanto cada qual seempenha em vencer, exercita-se bem mais em fazer valer a verossimilhança do queem pesar as razões de uma ou outra parte [...] (DESCARTES, 1983 [1637], p. 67,apud PENNA, 2005, p.3).
Na Escola, lugar de transmissão, o saber não deve ser detido por alguém. O saber da
Psicanálise é construído por cada um. Portanto, não cabe à Escola padronizar uma formação
como um curso. Utilizar-se dos significantes da Psicanálise como um saber de mestre gera
impotência, pois o real escapa à mestria. Corroboram isso Miller e Lavarini, salientando a
falta do saber, resto que sempre sobra de uma transmissão da Psicanálise, como inerente a
uma Escola de Psicanálise:
Procede-se de forma totalmente contrária: pela imersão do sujeito em um meio que
agita a falta de saber o que mais lhe importa. A cada um cabe nadar como pode [...]
(MILLER, 2000, p.8).
Funda-se a Escola da causa freudiana para que não falte a falta. Retirar da angústia a
força motriz para enfrentar a dificuldade de teorizar a experiência analítica, com seu
sujeito evanescente (LAVARINI, 1998, p.199).
O saber da Psicanálise é transmitido principalmente pela práxis, primeiro pela análise
pessoal e posteriormente pela prática clínica. A práxis na Psicanálise aponta para a formação
contínua do analista. É interessante o que Siefil fala sobre a práxis:
A práxis torna-se um movimento da subjetividade que, ao se exteriorizar, efetiva-secomo objeto tornando-se realidade (Wirklichkeit) e que, mediatamente, ao voltar-seteoricamente sobre si mesma – enquanto realidade exteriorizada como objeto – sereapropria como idéia, negada em uma totalidade que lhe impõe novasdeterminações essenciais. A práxis torna-se um movimento que possibilita acompreensão da realidade que é efetivamente contraditória, ao sintetizar no conceitoo ser e suas determinações históricas essenciais em um processo de totalização. Éjustamente isso o que possibilitará a crítica teórica das ideologias que se constroem apartir de representações (Vorstellung) e não dos conceitos (Begriff). A práxis torna-se também a ação prática emancipadora do homem, que lhe abre inúmeraspossibilidades de realização histórica.1
Na obra de Freud, “[...] observa-se esse transbordamento da experiência em relação a
uma formulação teórica, resultante da elaboração que havia permitido situar a experiência”
(MILLER, 2003, p.6). Miller também afirma que Lacan sempre teve a mesma orientação em
relação à transmissão da Psicanálise:
Ele não estabeleceu, com a experiência analítica, uma relação que permita fixar umateoria. Se falamos, com dileção, de seu ensino, como ele próprio o fazia, é porque aexperiência analítica excedeu qualquer teoria que dela se pretendeu fixar (MILLER,2003, p. 6).A lição de Lacan é o primado da experiência sobre a teoria (MILLER, 2003, p. 7).
Freud pretendeu, com a institucionalização da Psicanálise, que os analistas que ali se
agrupassem suportassem um pouco de verdade. Isso obtido da experiência da análise pessoal,
pois a verdade aqui é a irrupção de um saber inconsciente.
1 www.milenio.com.br/mance/pr%C3%A1xis.htm
É importante que os analistas se sintam à vontade para falar de casos que para eles
sejam de difícil condução para expor suas questões teóricas, pois o não-saber deve ser tomado
como uma forma de impulsionar o trabalho e não como impedimento a ele. E isso a Escola
deve proporcionar.
2.5 A inserção da Psicanálise no mundo acadêmico e universitário
O saber do psicanalista é da ordem do particular, e não de um saber transmitido
universalmente como o universitário, no qual o conhecimento científico tenta fazer um
recobrimento do real. A Psicanálise lida com a realidade psíquica, a realidade fantasmática,
trabalhando com um sujeito dividido, consciente e inconsciente, e não com uma unidade
como na noção de indivíduo: “Indivíduo. 1- indiviso, Indiviso - não dividido, não divíduo”
(FERREIRA, 1977, p.265). Essa é a principal diferença entre a produção de saber proposto
pelo discurso do analista e o discurso da Universidade. Corroboram isso Vidal e Penna:
O Outro, inconsciente, é barrado, o que equivale dizer que algo do saber estádefinitivamente perdido sob a barra do recalque originário (VIDAL, 2003, p.28).A matéria-prima do saber, para a psicanálise é o desejo do sujeito. Desejo este quenão pode ser transmitido pelo modelo padronizado que a universidade adota.(PENNA, 2003, p.82).
Porém, Freud considera que a Psicanálise poderia trazer contribuições, graças a seu
novo discurso, a outras áreas do saber, como à medicina, à arte, à filosofia e à ciência em
geral. Portanto, como diz Freud, na Universidade pode acontecer um ensino sobre e a partir
da Psicanálise, mas não a psicanálise propriamente dita. Penna acrescenta que a Universidade
reconhece que o que é ensinado pela via da exposição, nos programas de graduação e pós-
graduação, sobre a Psicanálise deve ter uma complementação se alguém deseja ser
psicanalista.
Já Vidal tem uma visão mais radical em relação à inclusão da Psicanálise na
Universidade. Para ele, essa inclusão pode apenas ajudar na divulgação da Psicanálise e não
na formação de um analista: “Nem cursos nem diplomas, menos ainda artigos e teses que
polulam os nossos dias, numa disputa acirrada de prestígio e de mercado, correspondem à
questão crucial da transmissão da psicanálise” (VIDAL, 2003, p.29). Ele considera que a
Universidade é um duplo obstáculo à Psicanálise, por causa de um saber já construído e da
suposta garantia de um diploma.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fácil vencer as resistências que a Psicanálise enfrenta, sacrificando suas verdades,
que foram conquistadas com tanto trabalho. Portanto, não devemos fugir diante das
dificuldades, que foram previstas por Freud, para que isso não atrapalhe o exercício da
Psicanálise. Não devemos aceitar que ocorra a intervenção de uma lei que não leva em
consideração as particularidades da Psicanálise, para que ela não seja encaixada nos moldes
das ciências universitárias, pois, como disse Freud: “Temos de procurar as repressões que
foram estabelecidas e instigar o eu a corrigi-los com nossa ajuda e a lidar com os conflitos
melhor do que mediante uma tentativa de fuga”. (FREUD, 1926, p.199).
Devemos ainda nos ater ao que disse Miller:Ou a libido dos psicanalistas vai se deslocar do confronto entre os movimentospsicanalíticos para assumir a contradição em que a psicanálise está em relação àcivilização sobre um certo número de pontos, ou a psicanálise desaparecerá nomovimento geral da civilização (MILLER, 2003, p. 25).
O saber psicanalítico é transmitido através da análise pessoal, na qual pode vir a surgir
o desejo do analista, que força e impulsiona a sua própria formação, e na qual esta pode ser
iniciada.
E aqui fazemos uma analogia entre duas perguntas: “De onde vêm os bebês?” e De
onde vêm os psicanalistas?
Sabemos que essas perguntas estão sujeitas a um não querer saber nada disso: “Há um
saber que se constrói numa lógica referida a uma crença universal: ‘todos têm pênis’. As
construções da criança vão nesta direção. A diferença vai sendo adiada, a lógica é a do todo”
(NEME, 1999, p.44).
Freud disse que as crianças, mesmo após esclarecimentos sobre a origem dos bebês,
continuam se comportando sem fazer uso desse novo conhecimento, “como raças primitivas
que tiveram o cristianismo enfiado nelas, mas que continuam a adorar em segredo seus
antigos ídolos” (FREUD, 1937, p 269).
“[...] os esforços do investigador infantil são habitualmente infrutíferos e terminam
com uma renúncia que não raro deixa atrás de si um dano permanente sobre a possibilidade de
saber” (FREUD, 1905, p. 202). Renunciar, portanto, a falta que ocorre na transmissão e que é
própria da psicanálise compromete a própria Psicanálise.
Diante disso, podemos nos arriscar a responder, junto com Freud, que a análise é leiga
mesmo, ou seja, um psicanalista só pode advir de sua própria análise. E Isso toca o cerne do
aforismo lacaniano segundo o qual não existe formação do analista e sim formações do
inconsciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AIPC disponível em < www.polus.com.br> . 13/07/2006, 15:33 horas.
BARROS, Maria do Rosário do Rêgo. A Prática Lacaniana nas Instituições: Uma Experiênciade Vários. Opção Lacaniana, n.37, Publicação da Escola Brasileira de Psicanálise, set. 2003.
BARROS, Romildo do Rêgo. Confidências de um supervisor. Opção Lacaniana, n.35,Publicação da Escola Brasileira de Psicanálise, jan. 2003.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:Senado, 1988.
CHAMORRO, Jorge. O supervisor e suas confidências. Opção Lacaniana, n.35, Publicaçãoda Escola Brasileira de Psicanálise, jan. 2003.
COSTA, Regina Teixeira da. Em dia com a Psicanálise: regulamentação questionável. Estadode Minas, Belo Horizonte, 4 jul. 2006. Caderno de Cultura, p. 2.
FERENCZI, Sándor – Sobre a História do Movimento Psicanalítico. Obras Completas -Psicanálise I. São Paulo – SP: Livraria Martins Fontes, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1985.
FREUD, Sigmund. A Questão da análise leiga. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro:Imago, 1976. v. XX.
FREUD, Sigmund. A História do Movimento Psicanalítico. Edição Standard Brasileira. Riode Janeiro: Imago, 1974. v. XIV.
FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável. Edição Standard Brasileira. Rio deJaneiro: Imago, 1975. v. XXIII.
FREUD, Sigmund. Sobre o Ensino da Psicanálise na Universidade. Edição StandardBrasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XVII.
FREUD, Sigmund. Conferência XXXV - A Questão de Uma Weltanschauung. EdiçãoStandard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XXII.
FREUD, Sigmund. História de Uma Neurose Infantil. Edição Standard Brasileira. Rio deJaneiro: Imago, 1976. v. XVII.
FREUD, Sigmund. Três Ensaios sobre a Sexualidade. Edição Standard Brasileira. Rio deJaneiro: Imago, 1976. v. VII.
HARARI, Angelina et al. Os Usos da Supervisão na Instituição. Opção Lacaniana, n.38,Publicação da Escola Brasileira de Psicanálise, nov. 2003.
KRIGER, Flory. Os Defeitos de uma Formação. Opção Lacaniana, n.35, Publicação daEscola Brasileira de Psicanálise, jan. 2003.
LACAN, J. A psicanálise e seu ensino. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p.438- 460.
LACAN, J. Entrevista concedida a Emílio Granzotto da Revista Italiana Panorama em 1974.Publicada por Magazine Littére, Paris, n° 428, fev. 2004.
LACAN, J. Intervenção sobre a Transferência. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.p.214 - 255.
LACAN, J. Situação da psicanálise e formação do analista em 1956. In: Escritos. Rio deJaneiro: Zahar, 1998. p.461- 495.
LAIA, Sérgio. A Fundação da Escola de Lacan e a Formação do Psicanalista. OpçãoLacaniana, n.32, Publicação da Escola Brasileira de Psicanálise, dez. 2001.
LAVARINI, Joaquim - A novidade. Coleção Quatro Cantos - Textos Psicanalíticos. BeloHorizonte: Publicação do Canto Freudiano, 1998. v. 1
LAVARINI, Joaquim - Deixemos a cartola e passemos ao coelho. Coleção Quatro Cantos -Textos Psicanalíticos. Belo Horizonte: Publicação do Canto Freudiano, 1998. v. 1
LAVARINI, Joaquim - Estaríamos todos de cabeça para baixo? Coleção Quatro Cantos -Textos Psicanalíticos. Belo Horizonte: Publicação do Canto Freudiano, 1998. v. 1
MILLER, Jacques Alain. A “formação” do analista. Opção Lacaniana, n.37, Publicação daEscola Brasileira de Psicanálise, set. 2003.
MILLER, Jacques Alain. Resposta ao “Che Vuoi?” Sobre a formação do analista em 2001.Opção Lacaniana, n.31, Publicação da Escola Brasileira de Psicanálise, set. 2001.
MOVIMENTO MINEIRO DE PSICANÁLISE. Atas de reuniões do Movimento Mineirode Psicanálise realizadas nos dias de 16 de março, 17 de julho, 8 de junho, 12 de agosto,30 de setembro, 11novembro de 2002 e em 10 de março de 2003. Disponíveis no IEPSI -Escola de Psicanálise.
NEME, Leila. O a – prender na constituição do sujeito. A criança e o saber. Publicação daLetra Freudiana – Escola de Psicanálise, n.23, 1999.
PENNA, Lícia Mara Dias Moreira - Psicanálise e Universidade - Há Transmissão semClínica? Belo Horizonte: Autêntica; FUMEC, 2003.
PENNA, Lícia Mara Dias Moreira. A ciência Moderna e as condições de possibilidade dapsicanálise. In: apresentação no Aleph- Escola de Psicanálise em 06/04/05.
PORTUGAL, Ana Maria- A Formação do psicanalista : de que saber se trata- Texto paraa Pós - Graduação FUMEC- Psicanálise Teoria e Prática. 31/05/05.
SIEFIL, Euclides André Mance. Praxis de Libertação e Subjetividade. Disponível em <www.milenio.com.br/mance/pr%C3%A1xis.htm>. Acesso em 13/07/2006, 15:00 horas
VIDAL, Eduardo. A análise leiga, uma questão crucial para a psicanálise – A análise é leiga– Da formação do psicanalista, Publicação da Escola Letra Freudiana, n.32, 2003.
VIDAL, Eduardo. Fragmentos inéditos do pós–escrito a “A questão da análise leiga” - Aanálise é leiga – Da formação do psicanalista, Publicação da Escola Letra Freudiana, n.32,2003.
ANEXO A - PROJETO DE LEI N° 3.944 DE 2000
(Do Sr. EBER SILVA)
Regulamenta a profissão de Psicanalista
PROJETO DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICANALISTA
• Capítulo I - Da profissão e suas atribuições
• Capítulo II - Da formação do Psicanalista
• Capítulo III - Das Sociedades Psicanalíticas
• Capítulo IV - Do Órgão Nacional de Fiscalização da Profissão e sua Constituição
• Capítulo V - Da Fiscalização do exército da profissão nas Unidades da Federação
• Capítulo VI - das Disposições gerais e Transitórias
Arrazoado geral:
• CONSIDERANDO a existência de fato da Psicanálise como profissão;
• CONSIDERANDO tratar-se a Psicanálise de uma profissão de nível superior;
• CONSIDERANDO tratar-se a Psicanálise de uma profissão de caráter clínico;
• CONSIDERANDO a existência de várias correntes de Psicanálise;
• CONSIDERANDO a existência no Brasil de muitas sociedades psicanalíticas e até organismo
particulares que as aglomera;
• CONSIDERANDO a existência de riscos às pessoas que procuram tratamento psicanalítico;
• CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar-se o processo de formação desses profissionais;
• CONSIDERANDO a necessidade de fiscalização nacional do exército desta profissão;
• CONSIDERANDO que as sociedades psicanalíticas existentes no Brasil já formam, credenciam
em nível associacional os seus profissionais;
• CONSIDERANDO a necessidade de normatizar o exercício da psicanálise até por motivos
contributivos;
• CONSIDERANDO a existência de conflitos políticos e epistemológicas intra-sociedades
psicanalíticas e até profissões já regulamentadas que se sentem ameaçadas;
• CONSIDERANDO que o Aviso de "Lei que estatuasse a respeito", ou seja, que regulamentasse
a referida profissão;
• CONSIDERANDO que a Portaria 1334, de 21/12/94 que institui a Classificação Brasileira de
//ocupações, classifica o Psicanalista no Código 0-79.90, reconhecendo, de fato, a existência da
profissão de Psicanalista, mas que isso não é o bastante, pois não a regulamenta;
• CONSIDERANDO que psicanálise não se confunde nem trata de patologias tributárias de
nenhuma outra profissão;
• CONSIDERANDO que o método psicanalítico não é princípio de nenhuma outra profissão
regulamentada;
• CONSIDERANDO que a figura do psicanalista é mundialmente conhecida e acatada;
• CONSIDERANDO que o exercício da psicanálise tem sido objeto de Pareceres dos Conselhos
profissionais interfacetários, dando conta de sua independência (CFM e CFP);
• CONSIDERANDO que já existe Cursos de Pós-Graduação, tanto em nível de Lato Sensu quanto
de Mestrado, em Teoria Psicanalítca, nas Universidades Federais e Particulares;
• CONSIDERANDO que os Cursos de Pós-Graduação não formam profissionais;
• CONSIDERANDO que os verbetes sobre psicanálise em todo os dicionários, inclusive na
Enciclopédia Saraiva de Direito explicam a mesma em sua independência.
APRESENTAMOS AS SEGUINTES JUSTIFICATIVAS, APÓS O QUE SEGUE OPROJETO DE LEI:
1 - Estamos diante de uma profissão que existe, de fato, no Brasil. A mesma está
entre nós há mais ou menos um século, e vem crescendo significativamente;
2 - A verdade é que a formação e a fiscalização do exercício do profissional da
psicanálise nunca foram normalizados, valendo tão somente os princípios
doutrinários de cada corrente de psicanálise, nem sempre acordes e quantas vezes
frontais, tornando a classe dos psicanalistas até suspeita, o que demanda uma
urgente regulamentação que discipline todos os ângulos dessa profissão,
socialmente útil e legalmente fiscalizável, acabando com os partidarismos e com as
reais ameaças à saúde do povo;
3 - Quanto às sociedades psicanalíticas, as mesmas estão aí e não podem ser
ignoradas. Historicamente elas vêm formando psicanalistas, e, dentro dos seus
particulares princípios, abastecendo o mercado e sustentando a ciência. Portanto,
não há outro meio capaz de preparar psicanalistas, razão porque esta formação lhes
precisa continuar confiada.
Além do mais, em todos os países os tais profissionais são formados por estas
sociedades, inexistindo cursos ou processos nos meios universitários;
4 - Quanto aos psicanalistas existentes, são os bandeirantes desta ciência, lutadores
honrados e preocupados com o destino da mesma, razão porque terão que ser
reconhecidos com os pioneiros na profissão, registrados como tais e reconhecida a
sua titulação, já que os mesmos serão os formadores da próxima geração de
psicanalistas;
5 - Quanto ao processo de formação, essa Lei capacitará o Conselho Federal de
Medicina para registrar os novos provisionais, fixar o código de ética da seguir com
os procedimentos corporativos pertinentes;
6 - O projeto que ora apresento, não cria corporativismo nem limita a prática da
psicanálise a uma determinada corrente, o que seria inconstitucional, mas normatiza
sua prática em meio a pluralidade de doutrinas;
7 - O projeto que ora apresento, também reconhece as sociedades psicanalíticas
existentes e devidamente registradas como sociedades formadoras;
8 - O projeto é oportuno e de vanguarda, como de vanguarda é o Brasil e oportunos
os movimentos que culminem com a sua grandeza. Assim, para um Brasil grande -
leis modernas, profissões que atendem a realidade, tanto em termos de carência
como em termos de proteção à sociedade;
9 - O projeto é oportuno, ainda, por abrir, legalmente, uma nova modalidade de
tratamento aos portadores de psicologias, especialmente as de natureza neuróticas,
desafogando o sistema de saúde, equalizando a sociedade e diminuindo,
significativamente os focos de tensão, maiores causadores de delitos e infelicidade
humana;
10 - Tenho certeza que os colegas abraçarão este projeto, o aprovarão e farão
história na saúde mental, no Brasil e no mundo.
Capítulo I - Da profissão, do Profissional e suas atribuições
Artigo 1° - É reconhecida a profissão de Psicanalista e designado o título de
Psicanalista Clínico que é prerrogativa dos profissionais formados e regularmente
registrados de acordo com esta Lei. Parágrafo Único - Doravante, nesta Lei e
normas dela oriundas, adotar-se-á os títulos de Psicanalista Clínico ou Psicanalista.
Artigo 2° - A profissão de Psicanalista consiste em tratar dos pacientes portadores
de distúrbios psíquicos de natureza inconsciente, tais quais as perturbações
caracterológicas e estados neuróticos, perturbações sexuais, perturbações
somáticos de origem psíquica e psicose de origem funcional, decorrentes de
afetamento inconsciente, tratando, através do método da livre associação, as
necessidades, complexos, traumas, repressões e recalques e tudo mais que
perturbe o psiquismo, trazendo-os à tona da consciência, a fim de removê-los,
possibilitando o equilíbrio emocional do indivíduo, inclusive quando os tais pacientes
estiverem sob assistência de outro profissional de saúde.
Artigo 3° - O Psicanalista Clínico é o profissional que obteve o título em processo de
formação levado a efeito por sociedade psicanalítica devidamente registrada nos
termos desta Lei.
Artigo 4° - A atividade de Psicanalista Clínico será exercida em consultórios, clínicas,
hospitais e instituições que atuem nas área de saúde mental.
Capítulo II - Da formação do psicanalista clínico
Artigo 5° - A formação do psicanalista clínico será feita pelas sociedades
psicanalíticas devidamente registradas, que tenham atendido as exigências e
normas adicionais estabelecidas pelo Ministério da Educação e Cultura.
• Parágrafo Único - O Ministério da Educação e Cultura estabelecerá:
a) O tempo mínimo e máximo para a formação do psicanalista;
b) O currículo mínimo para a formação do psicanalista;
c) As matérias complementares para os psicanalistas que se encontram em processo de formação;
d) O estágio a ser cumprido pelo psicanalista em formação;
e) A obrigatoriedade da análise didática e sua quantidade mínima de sessões;
f) As exigências para a formação de docentes em psicanálise.
Artigo 6° - Será reconhecido como Psicanalista Clínico quem obtiver a formação em
sociedade psicanalítica no exterior, desde que o País da Sociedade formadora
garanta reciprocidade aos psicanalistas no Brasil.
• Parágrafo Único - Os psicanalistas referidos no caput serão submetidos a um processo de
complementação curricular, a ser fixado pelo Ministério da Educação e Cultura, a ser cumprida em
uma saciedade psicanalítica credenciada.
Artigo 7° - O Ministério da educação e Cultura validará todos os títulos, nos níveis
em que tenham sido expedidos pelas sociedades, bem como os dos psicanalistas a
serem formados de que trata o Artigo 5°, desde que tenham iniciado o processo de
formação antes da publicação desta lei, acrescido do estabelecimento em seu
Parágrafo único, no que atinge ao conteúdo adicional.
• Parágrafo Primeiro - O Ministério da Educação e Cultura norma estabelecendo o prazo para que
os psicanalistas em formação, objeto do previsto no caput deste Artigo, concluam o referido processo.
• Parágrafo Segundo - As sociedades psicanalistas têm o prazo de 90 (noventa) dias a partir da
publicação desta Lei, para submeter ao Ministério da Educação e cultura a relação dos psicanalistas
em formação, especificando sua qualificação completa, formação cultural acadêmica, início do
processo de formação e tempo provável para conclusão do referido processo.
Artigo 8° - Para ingresso no processo de formação de psicanalistas clínicos, além
das exigências feitas pelas sociedades psicanalíticas, é indispensável que o
candidato possua formação superior em nível de graduação plena ou equivalente.
• Parágrafo Único - No caso de candidato com formação em instituição de ensino no exterior,
observar-se-á sua equivalência de acordo com a legislação em vigor.
Capítulo III - Das sociedades psicanalíticas
Artigo 9° - são reconhecidas como sociedade psicanalíticas formadoras de
psicanalistas clínicos, todas que tenham sido registradas de acordo com o código
civil Brasileiro antes da vigência desta Lei.
• Parágrafo Primeiro - Para que as sociedades usufruam o direito de formar psicanalistas clínicos,
terão que apresentar ao Ministério da Educação e Cultura, em 60 (sessenta) dias, a contar da
publicação desta lei, seus Estatutos, Regimentos Internos e/ou Acadêmicos, normas que tenha sido
fixadas, processo de formação sistematizado e descrito em detalhes, Código de ética, corpo docente
credenciado, relação total dos psicanalistas que constituem os seus quadros, com qualificação e
titulação completas.
• Parágrafo Segundo - O Ministério da Educação e Cultura poderá fixar normas determinando
alterações estatutárias, regimento e demais atos, visando a adequar a esta Lei, as sociedades
psicanalíticas.
• Parágrafo Terceiro - O Ministério da Educação e Cultura descredenciará da condição de
sociedade psicanalítica formadora a sociedade que descumprir o estabelecido nos parágrafos
primeiro e segundo.
• Parágrafo Quarto - As sociedades psicanalíticas, terão o prazo de 60 (sessenta) dias, a partir da
publicação desta lei para submeter ao Ministério da Educação e Cultura a relação de seus
Psicanalistas Didatas, fixando suas áreas de especialização.
• Parágrafo Quinto - Fica estabelecida como área de atuação das Sociedades Psicanalíticas, a
Unidade da Federação onde esteja localizada sua sede e filiais.
• Parágrafo Sexto - O título conferido ao psicanalista será registrado no Ministério da Educação e
Cultura ou Universidade por ele designada.
• Parágrafo Sétimo - O Ministério da Educação e Cultura fixará norma estabelecendo a
nomenclatura e titulo a ser conferido pelas sociedades formadoras.
Artigo 10 - O Ministério da Educação e Cultura fixará os critérios para
credenciamento de novas sociedades psicanalíticas como sociedades formadoras.
Capítulo IV - Do Órgão nacional de fiscalização, normatização e suaconstituição.
Artigo 11 - Compete aos Conselhos Federais e Regionais de Medicina registrar os
psicanalistas e fiscalizar o exercício desta profissão.
Capítulo V - Da fiscalização do exercício profissional nas Unidades daFederação ou regiões.
Artigo 12 - O registro de psicanalista de Medicina, sob a supervisão do Conselho
federal de Medicina, mediante comprovação da condição de psicanalista nos termos
desta Lei.
• Parágrafo Único - O Conselho Regional de Medicina emitirá registro profissional em nome do
Conselho Federal de Medicina, obedecendo às normas estabelecidas por este Conselho.
Artigo 13 - O psicanalista clínico que já exercia a profissão sem estar vinculado a
qualquer sociedade psicanalítica, terá seus direitos assegurados, nos termos desta
lei.
• Parágrafo Único - A comprovação da condição de psicanalista clínico de não filiados às
sociedades, obedecerá aos seguintes critérios:
a - Apresentação de Certificado, Diploma ou Passe fornecido por uma das sociedades
psicanalíticas reconhecidas que comprove a condição de psicanalista, ou;
b - Comprovação de que exerce atividade psicoterápica em documento emitido pelos
Conselhos Regionais de Medicina e Regional de Psicologia, e de que não se trata de membros dos
mesmos, e;
c - Comprovação de exercício da profissão de Psicanalista através de alvará de
funcionamento do consultório dos últimos doze meses, ou;
d - Comprovação feita através de publicação em revistas, livros e jornais especializados, na
condição de psicanalista, antes da vigência desta Lei.
Artigo 14 - O profissional que tiver comprovado a condição de psicanalista clínico
nos termos do Artigo 13, será devidamente registrado como psicanalista
provisionado.
Artigo 15 - O Conselho Federal de Medicina poderá fixar normas que se fizerem
necessárias, nos termos desta lei.
Artigo 16 - O Conselho Federal de Medicina fixará o código de Ética Psicanalítica, ao
qual terão que ser compatibilizados os códigos de ética das sociedades
credenciadas, no prazo de 180 dias.
Artigo17 - Os Psicanalistas terão, nos Conselhos Federal e Regionais de Medicina,
os mesmos direitos institucionais.
Artigo 18 - Os Conselhos federais e Regionais de Medicinas criarão, quando e se for
o caso, dentro dos seus quadros, uma câmara de Assuntos Psicanalíticos.
Artigo 19 - Os casos omissos serão decididos pelo Conselho Federal de Medicina.
Artigo 20 - Revogam-se as disposições em contrário.
Salas de Sessões, em 13 de dezembro de 2000
Deputado Éber Silva
ANEXO C – Carta Manifesto da Associação Brasileira de Psicanálise
Manifesto da Associação Brasileira da Psicanálise – ABP
Manifesto De Entidades Brasileiras De Psicanálise
Há cerca de 90 anos a formação de psicanalistas está baseada em três atividadescomplementares e indissociáveis entre si: a análise pessoal, os cursos teóricos e asupervisão dos casos clínicos.
Esta tríade configura a formação como um ofício, e o psicanalista aprende e ganhaqualificação em oficinas - os institutos de formação - onde, artesanalmente, nocontato com outros analistas, desenvolve sua análise pessoal, realiza seusseminários para o aprendizado teórico e técnico e tem o seu trabalhosupervisionado.
A formação de cada psicanalista é um processo permanente, que se amplia no seudiálogo com os textos clássicos e com os produzidos por outros analistas,confrontados com a sua experiência pessoal na relação com seus analisandos,mesmo quando já está qualificado como psicanalista. Esta qualificação, portanto,não se ajusta aos modelos que podem sofrer algum tipo de certificação porinstituições de ensino ou órgãos reguladores públicos; se existe um indicador, eleserá, certamente, o de qual é a instituição que forma, quem são seus componentes,que padrões são seguidos.
Gradualmente este campo se expandiu e surgiram instituições que se propõem aformar analistas, com variações nos requisitos e na modelagem do processo deformação, mas mantendo os princípios gerais como estabelecidos no início doséculo passado e ampliando a parcela dos analistas, filiados a várias outras escolas,que se dedicam ao estudo e à prática da Psicanálise.
Ao longo dos anos este campo estabeleceu e mantém suas tradições, com umaprática onde se preserva o patrimônio da psicanálise e onde se organiza um campode assistência, representado pelo tratamento às pessoas que nos procuram. Asinstituições psicanalíticas têm a responsabilidade social de formar psicanalistascompetentes, conferir-lhes autonomia para o exercício de sua função,responsabilizando-os quanto à ética de seus atos.
Por estes motivos a psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e emnenhum outro país. Mesmo entre os psicanalistas existem muitas controvérsias ediscussões, embasadas no processo de formação e na natureza do exercício daprática clínica, sobre as possibilidades de sua regulamentação.
Nos últimos cinquenta anos várias tentativas, geralmente apresentadas porparlamentares, têm sido feitas para alcançar uma regulamentação que, à primeiravista, protegeria os psicanalistas e a população que recorre ao tratamentopsicanalítico. Todas foram rejeitadas pela comunidade psicanalítica brasileira, ou pornão atenderem às especificidades intrínsecas à psicanálise ou porque
representavam somente interesses particulares de grupos e não visavam o bemestar da população.
No momento está na ordem do dia mais uma destas tentativas: o Projeto de Lei nº3.944 de 13 de dezembro de 2000, de autoria do deputado Eber Silva, do Rio deJaneiro.
Este projeto é, no seu todo, inaproveitável. Parte de premissas absolutamenteequivocadas e estipula procedimentos incompatíveis com a essência do ofício e daformação de seus praticantes, abrindo mão do que consideramos o passo inicial dequalquer tentativa séria de abordar esta questão - ouvir a comunidade brasileira depsicanalistas, através das Sociedades e entidades que os formam e representam. APsicanálise exercida no Brasil desfruta de um reconhecimento, no país e no exterior,conquistado pela seriedade com que preserva e transmite o patrimônio legado porFreud.
Os psicanalistas não reclamam nenhuma regulamentação do estado. A psicanáliseprogride há mais de um século graças a princípios e métodos rigorosos e um corpoteórico que tem a proposta de Sigmund Freud como fundamento.
Colegas,
Conforme conhecimento de todos, há nesse momento um Projeto de Lei naComissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, visando a regulamentação daPsicanálise e apresentado pelo Deputado e pastor evangélico Eber Silva, do Rio deJaneiro. (Ver o texto deste projeto)
Em face da gravidade desta iniciativa e de suas deletérias conseqüências para aPsicanálise, propomos o texto abaixo, a ser apresentado com a máxima urgênciaaos parlamentares das duas casas, e em especial aos membros da Comissão deTrabalho, visando seu apoio para impedir a tramitação de tal projeto. A adesão domaior número de analistas faz-se necessária para a sensibilização dosparlamentares.
Este trabalho de acompanhamento e articulação está sendo feito por um grupo inter-institucional de Brasília, que tem contado também com a imprescindível assessoriajurídico-parlementar de um profissional.
A Carta enviada:
“Excelentíssimos Senhores Deputados e Senadores,
A comunidade psicanalítica brasileira tomou conhecimento do Projeto de Lei No.3.944 de 13 de dezembro de 2000, de autoria do deputado Eber Silva, que trata daregulamentação da profissão de psicanalista.
Esse projeto merece nosso unânime repúdio, uma vez que se baseia em premissasequivocadas, dentre as quais consideramos importante ressaltar:
1 - a subordinação da atividade de psicanalista ao Conselho Federal de Medicinacontraria posição já manifestada pelo próprio Conselho, além do fato de essa
entidade poder arbitrar unicamente sobre a profissão médica, enquanto que apsicanálise é também exercida por profissionais de outras áreas;
2 - o registro no Ministério da Educação é redundante, dado que todo psicanalista jáé portador de diploma de curso superior, devidamente registrado;
3 - o elemento central na formação de um psicanalista é sua análise pessoal,didática, articulada a um longo processo de supervisões e seminários clínicos eteóricos, cuja duração e resultados são impossíveis de serem determinados a priori.
Lembramos que desde a sua fundação a Psicanálise tem consolidado sua prática,sua ética e projeto de formação do psicanalista através das Sociedades dePsicanálise, sendo que o estabelecimento das condições normativas pararegulamentar a função de psicanalista tem sido prerrogativa das referidasSociedades.
Acreditamos que a tradição dessa honorável Casa não endossará um projeto que,desde seu início, prescindiu de uma consulta à comunidade psicanalítica brasileirareconhecida pela sua qualidade, rigor e competência a nível nacional einternacional.”
ANEXO D – Estudo jurídico sobre a questão da análise leiga feito
pela Ordem dos Advogados do Brasil
Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 2003.
Ilmo. Dr.Paulo Becker.
Prezado doutor,
Em relação à consulta que nos foi formulada acerca do projeto de Lei número2.347, de 2003, de autoria do Deputado Federal Simão Sessim, cuja ementa é aseguinte:
“Ementa: Regulamenta o exercício da profissão de psicanalista”
Antes de iniciarmos o estudo do projeto torna-se necessário esclarecimentosde ordem constitucional como infraconstitucional, a fim de permitir melhorcompreensão acerca do projeto de Lei como qualquer outro que possa vir a serapresentado, sobre a mesma matéria.
Inicialmente, no campo constitucional representado pela Constituição Federale os princípios que a norteiam, os quais encobrem toda a sistemática judicial, porsermos um Estado Democrático de Direito, temos como fundamentos básicos,dentre outros, a dignidade da Pessoa Humana e os valores sociais do trabalho e dalivre iniciativa.
Tais fundamentos têm como finalidade assegurar o exercício dos direitossociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, aigualdade e a justiça como valores do Estado de Direito, portanto, são vetores deinterpretação os quais são utilizados e aplicados a todos os Poderes da República.
A par dos fundamentos que alicerçam o Estado Democrático, temos osprincípios que constituem, em si mesmo, a própria razão de ser do Estado, isto é, aprevalência dos Direitos Humanos, a autodeterminação dos povos e a nãointervenção, as quais estão representadas, dentro do texto constitucional, comoaqueles quais o legislador – constituinte os elevou a categoria de “Direitos egarantias fundamentais”;
Para a análise feita á este parecer, interessa-nos os seguintes:
“artigo 5°:....
XIII: É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas asqualificações profissionais que a Lei estabelecer;
XIV: É plena a liberdade de Associação para fins lícitos, vedada a de caráterparamilitar;
XVIII: A criação de Associações e, na forma de Lei, a de cooperativas independemde autorização, sendo vedada à interferência estatal em funcionamento.
XX: Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.
XXI: As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, temlegitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.
§2°: Os direitos e garantidas expressos nesta constituição não excluem outrosdecorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a República Federativa do Brasil faz parte.
DA SAÚDE:
Artigo 196: A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticassociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outrosagravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para a promoção,proteção e recuperação.
Artigo 197: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao PoderPúblico dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização econtrole, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,também, por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
DA EDUCAÇÃO:
Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida eincentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimentoda pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho.
Art. 214: A Lei estabelecerá o plano nacional de educação plurianual, visando à articulação eao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das açõesdo Poder Público que conduzam à:
I: ...
II: ...
III: ....IV: formação para o trabalhoV: promoção Humanística, científica e tecnológica para o trabalho.
Dentro da visão constitucional, o paradigma do não intervencionismo,estímulo a livre iniciativa e o reconhecimento de Pessoas Jurídicas de DireitoPrivado com legitimação extraordinária, são elementos através dos quais o própriolegislador constitucional reconheceu a necessidade, a par de alguns deveres seremessencialmente do próprio Estado, o de permitir que o Ente-privado também osexerça, o que demonstra a necessidade de delegar funções até então exclusivassuas e que a partir da Constituição Federal diz-se, precipuamente, função doEstado, porém exercida por Pessoa Jurídica de Direito Privado.
A razão desta modificação tem como fato gerador a Constituição Federal de1967 e posterior Emenda Constitucional de 1969, uma vez que a característicaprevalente era de um Estado intervencionista, justificando, portanto, que a rupturapara o Estado Democrático de Direito, infirmou de uma forma contundente o nãointervencionismo e, consequentemente, o estímulo a livre iniciativa.
Portanto, dentro dos parâmetros acima demonstrados, é dever-direito doEstado prestar educação, saúde e garantir direitos fundamentais do Homem, sem,contudo, excluir a iniciativa privada ou estimular qualquer forma de interferência,sob pena de assim o fazendo, violar os fundamentos do Estado de Direito.
Desta forma, todo o ordenamento infraconstitucional, para sua validade eeficácia, tem que estar compatível com a Constituição Federal, com seusfundamentos e com os princípios, sob pena de haver potencial argüição deinconstitucionalidade.
Quando afirmamos que o texto infraconstitucional deve estar compatível coma Constituição Federal, a representação desta adequação não se restringe tãosomente ao texto legal, ao contrário, abrange o preâmbulo, os fundamentos devalidade, os princípios pois este conjunto é que nos remete a estrutura orgânica doEstado e o instrumento utilizado para auferição são os métodos de interpretação:Histórico, gramatical, sistemático, teológico e integrativo.
Singularmente, a nossa Constituição Federal pode ser retratada como umtodo facetado, cujos prismas constituem freios aos eventuais abusos que possamvirem a ser cometidos contra ela e contra os cidadãos, incluindo nesta categoriaPessoa Jurídica de Direito Privado, sendo que cada prisma representa um princípio,outro, uma garantia, é que chamamos de sistema de freios e contra-pesos, sendoque todos por serem valores constitucionais, estão no campo do Direito Natural oqual é representado pela moral, pela ética e são desprovido de sanção normativa,muito embora, na hipótese de serem descumpridos, a sanção imposta é a suaretirada do mundo jurídico, através de ação própria e ajuizada por aquelas pessoaslegitimadas constitucionalmente, isto é, a CF/88, alterando uma tradição em nossodireito constitucional, que reservava somente ao Procurador Geral da República,ampliou a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, transformando-a emlegitimação concorrente.
Desta forma, são legitimados: O Presidente da República, a mesa do SenadoFederal, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa da Assembléia Legislativa ou
da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou DistritoFederal, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional eConfederação Sindical ou Entidade de Classe.
A visão básica que deve ser compreendida, é que o sistema normativoequivale a uma pirâmide, estando em seu topo a Constituição Federal e abaixo dela,todas as demais leis oriundas do poder competente, sendo que esta “pirâmide”,ainda que esteja sendo apresentada de uma forma extremamente simples,representa uma dos mais importantes teorias do Direito, denominada por “TeoriaPura do Direito”, por Hans Kelsen.
Tão somente à título de ilustração , porém, fundamental para demonstrar,dentro do quadro histórico e de interpretação sistemática, a Teoria Pura do Direitonasceu em Viena, no século passado, tendo como referência o ambiente crítico geralda época. Sigmund Freud desenvolvia, então sua psicanálise, surgindo,paulatinamente, a Escola Neopositivista de Viena. No mesmo contexto, Kelsen,desenvolvia a Teoria do Direito e procurava delimitar claramente o objeto de seuconhecimento em duas direções, uma vez que sua autonomia, através dosincretismo metódico, é colocada em perigo.
A ciência do direito não deve tornar-se ciência da natureza, pois o direito devedistinguir-se claramente da natureza. Mas isso é muito difícil, já que o direito – ou oque se costuma designar mais proximamente como tal – pelo menos em parte, noâmbito da natureza, parece ter existência natural.
Este estado de coisas exterior, no decorrer do tempo e do espaço, ocorre demodo perceptível e, como tal, parte da natureza.
Algo digno de atenção era o fato de que, tanto para Kelsen como para Freud,não existia uma tendência relevante com as tendências científicas daquela época.Para o 1° (primeiro) o fato natural prescindia a se tornar fato jurídico, como elementolimitante e apaziguador social e, para o 2° (segundo), sem o caráter da lei,imposição, o inconsciente humano não conhecia fatores limitantes e de adequaçãosocial.
Desta forma, o campo de intercessão entre ambos é reproduzido por Kelsenao sustentar, in verbis:
“O fato, considerado como elemento do sistema da natureza,não é objeto específico do conhecimento jurídico e, por isso, nadatem de jurídico. O que converte esse fato em ato jurídico (ouantijurídico) não é a sua faticidade, nem sua certeza de natural, istoé, seu ”ser” casualmente determinado e contido no sistema danatureza, mas sim o sentido objetivo, ligado a esse ato e ao seusignificado.
Seu significado especificamente jurídico, ou seja, o sentidojurídico peculiar, contém os fatos em questão, através de umanorma que se refere ao seu conteúdo, que, por sua vez, lheempresta significado jurídico, de modo que o ato, conforme essa
norma, possa ser interpretado e, se for o caso, aplicado os atributosda sanção e coerção”(in, Hans Kelsen, 3° edição revista da tradução de S. Cretella Juniore Agnes Cretella, Editora Revista dos Tribunais, fls. 52)
Pelo texto acima transcrito, há o elemento de intercessão entre a “Teoria Purado Direito”, de Kelsen, com o desenvolvimento da Psicanálise, por Sigmund Freud,através da Escola Neopositivista do Círculo de Viena que era de tendênciametafísica.
Portanto, após verificarmos os fundamentos, princípios e valores do Estadode Direito que estão ora escritos, ora implícitos na Constituição Federal a qualencontra-se no topo da Pirâmide de Kelsen, seguiremos em escala decrescente paraa base da referida pirâmide.
Para que haja um regramento social é necessário a norma jurídica a qualguarda atributos: generalidade (aplicação a todos); coercibilidade, órgão competentee forma prescrita em Lei. E o que chamamos de ordenamento infraconstitucional.
Dentro do tema que nos cabe discorrer, há necessidade de não perder devista a ordem constitucional e o ordenamento infraconstitucional; portanto, embora amatéria objeto da presente, em tese, seja o projeto de Lei número 2.347, de 2003,de lavra do deputado Dr. Sr. Simão Sessim, o qual visa a regulamentar o exercícioda profissão de Psicanalista, entendemos que nosso enfoque deve ser maior, isto é,a não possibilidade de ingerência do Poder Publico na regulamentação da profissãode Psicanalista, institucionalizado ou não.
Embora o conceito da Psicanálise, dentro da ciência do dever-ser, deve serdiverso da sua conceituação, didaticamente, utilizarmos o seu conceito comum.
“Psicanálise. [De psic(o)- + análise.] 1- método de tratamento criadopor Sigmund Freud, das desordens mentais e emocionais que constituem a estruturadas neuroses e psicoses, por meio de uma investigação psicológica profunda dosprocessos mentais [F. Red., Nessa acepção: análise] 2 - O conjunto das teorias deFreud e de seus discípulos, concernentes à vida psíquica consciente e inconsciente.3 – Qualquer terapia por este método. 4 – Estudo psicanalítico de uma obra de arte,de um tema, etc.: Psicanálise das religiões; psicanálise da sociedadecontemporânea. “(in, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2° edição,Editora Nova Fronteira, página 1411)”.
Pelo conceito acima, percebe-se com clareza que se trata de um tema comdiversas acepções, portanto, o seu exercício profissional está muito mais presenteou próximo de “ofício” do que “profissão” , mesmo que seja de caráter remuneratório.
E porque ofício? Pela etimologia da palavra “ofício” representa uma ocupaçãopermanente de ordem intelectual ou não a qual envolve certos deveres e encargosou um pendor natural.
A importância do “ofício” por ser representado por um “pendor natural”, e estáelencada no artigo 5°, inciso XIII como direitos e garantias fundamentais,estabelecida a liberdade de seu exercício.
Este pendor natural que é atributo da personalidade humana gera, comoconseqüência, o revestimento de um fundamento constitucional, que é a dignidadeda Pessoa Humana.
E ainda, dentro do próprio conceito de psicanálise, com suas diversasacepções, não encontramos, prima facie, qualquer menção de “doença mental” queé absolutamente diversa do significado de “desordem mental” porquanto aquele queestiver no estado de desorientação, tendo o elemento volitivo preservado, está aptocivilmente para manifestar-se quanto à investigação como método de tratamento eao entender-se de forma diversa, estaríamos violando o direito do cidadão.
E mais, o processo psicanalítico teve um precursor e seguidores, exsurgindoinstituições psicanalíticas, as quais são pessoas jurídicas de Direito Privado, cujanatureza jurídica se assemelham as “associações”, sendo por força constitucional,vedado à interferência estatal em seu funcionamento – art. 5°, inciso XVII daConstituição Federal.
Deve ser salientado ainda, não só como argumento mas, também comodemonstração inequívoca da não interferência no exercício da psicanálise, que tantoo Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 1666/2003, não a alocacomo especialidade médica, igualmente o Conselho Federal de Psicologia, o qual,em 17 de Outubro de 1992, apresentou ao Ministério do Trabalho sua contribuiçãopara integrar o Catálogo Brasileiro de Ocupações que representa as atribuiçõesprofissionais do psicólogo e dentre essas, não está a psicanálise.
Lançamos mão, exemplificativamente do Conselho Federal de Medicina comodo Conselho Federal de Psicologia porquanto estão mais próximos do Tema, oratratado. Os Conselhos, além do registro profissional, tem outras atribuiçõesdentre aquelas, o poder de polícia para apurar infrações cometidas pelosprofissionais, após regular procedimento salvaguardado o direito de ampla defesa,registro do título de especialista... Ora, se os próprios ConselhosProfissionais não provêm a hipótese de intervenção, embora em relação aosprofissionais de seus quadros representam órgãos paraestatais é porque lhes faltaatribuição e competência para tal.
Percebe-se que na esfera constitucional não há como o Poder Público intervir,pelas razões já elencadas, como, também, os próprios órgãos de classe.
Quanto à possibilidade da psicanálise tornar-se um curso em nível deespecialização ou assemelhado?A Constituição Federal ao disciplinar a questãoacerca da “educação”, reportou-se à lei a ser criada para uniformizar o sistemaeducacional.
A mencionada lei que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional– Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, trata de forma programática o sistemaeducacional e suas regras são cogentes de sorte que a psicanálise não se adequa a
nenhuma das hipóteses previstas como não há permissivo para sua inserção emgrade de Ensino, conforme os artigos, respectivamente, 16, 17, 18, 21, 39, 40, 41 e42.
É salutar esclarecer que a Psicanálise enquanto posta em grade curricularnão encontra permissivo legal. No entanto, nada impede que a Instituição deEnsino, Pública ou Privada, através da Secretaria de Educação Superior doMinistério da Educação, apresente solicitação para ministrar cursos e o faça atravésde regular procedimento administrativo, isto é, informando o organograma do curso,carga horária, currículo dos Professores para avaliação da capacitação de cada,responsável técnico e, após analisados todos os elementos apresentados, aqueleórgão tem autoridade para emitir portaria autorizando o pedido formulado, de acordocom a Resolução CNE/CES n° 1/2001.
Ainda que o Poder Legislativo pretenda atribuir competência ao Ministério daEducação para emitir critérios de formação de psicanalistas, fiscalização oucondições para o exercício profissional, “ad argumentadum” o que assistiremos éuma invasão de poderes porquanto o Ministério da Educação pertença ao PoderExecutivo e não guarda qualquer subordinação ao Poder Legislativo. Destemodo, a invasão de um Poder constituído afeta não somente ao Estado Democráticode Direito porem, a própria soberania nacional, uma vez que a referida Lei está nopatamar de programa político de governo razão pela qual diz-se Lei Programática.
Em relação à Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal –1° região – Distrito Federal – Processo número 2003.34.00.037790-0 em face deEscola Superior de Psicanálise Clínica do Rio de Janeiro, Sr. Heitor Antonio da Silva,Ozeas da Rocha Machado, Rômulo Vieira Telles, Sociedade Psicanalítica Ortodoxado Brasil – SPOB e Sociedade Universitária Redentor, tendo por objeto daconcessão de medida liminar, uma vez que as mencionadas Instituições incluíram,em nível de curso de Especialização o denominado “curso de Pós-graduação Latusensu em teoria psicanalítica e formação clinica” e ofereceram ao público. Nestecaso, a relação aqui descrita é tratada pelo código de defesa do consumidorporquanto o curso ofertado não se enquadra em nenhuma das hipóteses da Lei deDiretrizes e Bases do Sistema Educacional, caracterizando, desta forma, tanto oilícito civil como o ilícito penal.
Pelo Douto Juízo Federal do Distrito Federal foi concedida a medidapleiteada, o que também, dentro do contexto assume papel de grande relevânciaporquanto já reconhecido à impossibilidade, ainda que em sede de concessão demedida liminar, a institucionalização de cursos de especialização e/ou assemelhadospor instituições de ensino.
Esclareço que já foi expedido carta precatória (instrumento de comunicaçãoentre os juízos) para que o Juízo Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro – 2ªRegião cite e intime os réus, determinando a suspensão imediata da oferta do cursomencionado, com a devolução da importância paga sob pena de multa diária.
Cabe salientar ainda, que além dos diplomas já mencionados, coma vigênciado código civil de 2002, o fundamento e os princípios constitucionais revestiram ocapítulo “Das Pessoas”, deixando a idéia de ser tão somente sujeito de direitos e
obrigações na esfera civil para atribuir-lhes o “direito de personalidade” cujaabrangência ampliou a compreensão do homem, isto é, o ser humano tem naturezapsicossomática. “o corpo e a alma são substâncias dependentes (uma da outra), danatureza individual do homem que tem vida (essência) e potencias próprias dogênero humano, capazes de se viabilizarem em atos e de ser revestirem depropriedades essenciais que lhe são inerentes” (in, professor Walter Moraes,concepção tomista de pessoa- um contributo para a teoria do direito depersonalidade – RDpriv 2/187; RT 590/19)
Do conceito atual, percebe-se que o homem não é mais sujeito de relaçõesjurídicas, passou a reconhecer-lhe o psiquismo, a paz espiritual, a saúde e outrosatributos os quais eram objetos de outras ciências.
A partir do momento em que o ordenamento jurídico trouxe como elemento dapersonalidade do homem o seu bem estar físico e psíquico, não pode mais se furtara enfrentar qualquer matéria posta à apreciação que represente qualquer meiopotencial de por em risco o homem, porquanto além de ser obrigação própria doEstado-juiz, aquele é o bem de maior valor social.
Após as considerações acima, passaremos a analisar não somente o projetode Lei n° 2347, de 2003 como o Projeto de Lei n. 3944/200, sendo que este último jáse encontra arquivado.
1- Projeto de LEI N. 3944/ 2000Autor: Eber Silva – PDT/RJEmenta: Regulamenta a profissão de Psicanalista
Indexação: Regulamentação, profissão, psicanalista, critérios, formaçãoprofissional, Sociedade,Psicanálise, competência, Conselho Federal,Conselho Regional, Medicina, Registro Profissional, Fiscalização, ExercícioProfissional, Código de Ética.
A tramitação do projeto de Lei acima se iniciou em 13 de dezembro de 2000,com a apresentação e sua leitura pelo Deputado Federal, Eber Silva, que após oencaminhou segundo as normas do regimento interno da Câmara dos Deputados,por sua mesa diretoria, tendo como Presidente o Deputado Federal Freire Júnior,cujo parecer foi desfavorável e corroborado pela Comissão de Seguridade Social eFamília, tendo como Presidente o Deputado Federal, Rafael Guerra que, também,emitiu parecer desfavorável, de sorte que o referido projeto foi rejeitado, tendo amesa diretora da Câmara dos Deputados determinado o seu arquivamento em 31de janeiro de 2003.
2- Projeto de Lei n. 2347, de 2003Autor: Deputado Federal Simão SessimEmenta: Regulamenta o exercício da Profissão de Psicanalista.
A 1º (primeira) crítica que deve ser feita é quanto à definição conceitualinsculpida no artigo 2º uma vez que ao ser definido qualquer conceito, aquele podeser limitante como extravagante. O subjetivismo inerente ao psiquismo humano, viade regra, prescinde de outras ciências correlatas e a pretensão de adotar um
conceito para a “profissão” de psicanalista, referendando como indicativo os tiposque podem ser tratados por aqueles, constitui o que denominamos “tipos fechados”ou “numerus clausus” , o que por si só contraria a própria definição adotada pelaConstituição Federal e pelo Código Civil quanto aos direitos de Personalidade doSer Humano.
A 2º (segunda) crítica e desde logo peço escusa em faze-la mas, éinadmissível que ao ser apresentado um Projeto de Lei, o seu autor não tenhaavaliado a potencial invasão entre os Poderes Constituídos da República porquantonão cabe ao Poder Legislativo atribuir competência a Órgão dos demais Poderes,salvo em se tratando de Emenda Constitucional e de acordo com aexcepcionalidade do caso, de sorte que o Ministério da Educação, além de pertencerao Poder Executivo, detém de forma exclusiva normas programáticas quanto àEducação e sua vinculação estão interligada a metas e programas de Governo,razão pela qual ao longo do corpo do projeto encontramos, intrinsecamente, emtese, a inconstitucionalidade pela quebra de independência dos PoderesConstituídos.
E mais, ainda que tenha passado desapercebido pelo Nobre Deputado, nãohá como se adequar em grade curricular curso de formação em psicanálise pois hámatéria intransponível, qual seja, a Lei de Diretrizes e Bases do SistemaEducacional.
Quanto à fiscalização do exercício profissional ser feita pelo Ministério doTrabalho, além de totalmente desarrazoável foge ao bom-senso do homem comumuma vez que eventual fiscalização do profissional deve ser feita pela Entidade à quepertença.
DAS INSTITUIÇÕES PSICANALÍTICAS
Quanto as Sociedades Psicanalíticas, independe da corrente que adota, e taltema já foi por nós enfocado, porém, dado à sua importância, trataremos de formaespecífica.
Embora a nomenclatura seja “Sociedade”, sua natureza jurídica a partir daConstituição Federal de 1988 é de “ASSOCIAÇÃO”, o que torna importantereproduzi-la e disseca-la para evitar qualquer possibilidade de dúvidas e aloca-ladentro do ordenamento jurídico constitucional, uma vez que sua previsão legal estáexpressa no Título II - Dos Direitos e garantias Fundamentais - capítulo I - DosDireitos e Deveres individuais e coletivos, assim descrito:
“XVII - é plena a liberdade de Associação para fins lícitos, vedada a de caráterparamilitar”.
XVIII - a criação de Associações e, na forma da lei, a de cooperativasindependentemente de autorização, sendo vedada à interferência estatal em seufuncionamento;
XIX - As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suasatividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito
em julgado.
XX - Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado
XXI - As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, temlegitimidade para representar seus filiados judicialmente e extrajudicialmente.
Pela importância do regime e sistema que a constituição da Repúblicarepresenta, não podemos isolar um Título porquanto aquele estará sempre envolvidonos chamados princípios de soberania, os quais são, dentre outros, da dignidade dapessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, garantir odesenvolvimento nacional, prevalência dos direitos humanos, o que nos leva a umfeixe de relações que ao utilizarmos o mecanismo de interpretação sistemática eteleológica, podemos perceber que as instituições Psicanalíticas assumem papelrelevante na prática de assegurar que os mencionados direitos não sejam lesados, ecomo garantia há expressa proibição de ingerência do Poder Público.
Dentro deste contexto, o legislador constituinte ao inserir a associação comoEntidade que representa direitos e garantias, facultando-lhe inclusive legitimidade deestar em Juízo, em nome próprio, defendendo o direito de seus filiados, pretendeugerar uma pessoa de direito privado cujo beneficiário imediato são os seus filiados eo beneficiário mediato é o próprio Estado vez que qualquer atividade a que venhaser desenvolvida, alcançará um beneficio social, mesmo que o seu objeto estejainserido dentro de uma categoria específica.
A partir da promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, embora apersonalidade jurídica da Associação seja de direito privado, passamos a trata-Iacomo se fosse um terceiro gênero de pessoa, isto é, mantém a integridade dosdireitos e garantias individuais e sociais e, via de regra, desenvolve atividade própriado Estado, o qual se vê impotente em relação a todos os seguimentos damanutenção qualitativa na área de pesquisa, fomento de cursos, e diversas outrasatividades.
Deste modo, as sociedades (ou Instituições Psicanalíticas) detém o poder deavaliar qualitativamente seus membros, através do corpo técnico pertencente aosseus quadros os quais, pela notória competência, podem administrar cursos para aformação em psicanálise, supervisão, painéis, cursos intra e extra-murais, jornadas,do mesmo modo que aqueles que estão no processo de formação fiscalizam aqualidade dos curso ministrados uma vez que qualquer sociedade existe como,também, se mantém em razão daqueles. Vale ainda destacar, que a figura dopreletor não está destacada da obrigatoriedade, em tese, adotada pela maioria dassociedades, de que aquele, também, faça sua terapia pessoal.
Além deste fator, toda Sociedade precisa ter seu ato constitutivo devidamenteregistrado, ocasião em que se torna uma Pessoa Jurídica de Direito Privado e comotal sobre ela incide todo o regramento jurídico, inclusive a Responsabilidade Civil naqualificação técnica de seus membros, de sorte que por via transversa, não se podedesconsiderar que existe uma solidariedade entre a Sociedade e seus membros,estando todos sob a égide de Leis.
Outra questão que merece ser abordada é o aviso de número 257, datado de06 de junho de 1657, expedido pelo Ministério da Saúde, sendo que não se trata deuma norma legal de caráter geral e abstrato, idônea a produzir os efeitos jurídicos aque se propôs, o que nos leva a desconsidera-lo com qualquer eficácia e validadejurídica.
Dentro de nossa preposição, independente de qualquer projeto de Lei quevise a regulamentação do exercício Profissional de Psicanalista, cremos que asustentação jurídica nos permite afirmar que deve a Sociedade Psicanalítica queV.S. representa, interpor AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DEATIVIDADE PROFISSIOAL cuja finalidade é buscar a declaração diretamente doSupremo Tribunal Federal, de que o exercício do ofício de psicanalista prescinde deregulamentação pelo Poder Público, cujos motivos já foram fartamente analisados.
A declaração Judicial será elemento impeditivo para a formulação de qualquerprojeto de Lei ou outros meios os quais pretenda descaracterizar a PsicanáliseLeiga e imputar-lhe qualquer ingerência do Poder Público.
Cabe esclarecer que qualquer Sociedade Psicanalítica pode ajuizar a referidaação, cuja competência é exclusiva do Supremo Tribunal Federal uma vez queaquela está constitucionalmente autorizada para, em nome próprio, defender osdireitos de seus filiados, cuja sentença, entretanto, transcende a Sociedade – autorae, por extensão, aproveita a todas as demais, dado o caráter constitucional damatéria.
Colocamo-nos à disposição para maiores esclarecimentos,Atenciosamente,
Maria Lúcia Rangel JaniniOAB/RJ 51064
ANEXO F – Texto escrito para o Boletim, de março de 2006, do Círculo
Psicanalítico de Minas Gerais
Maria Lúcia Salvo CoimbraRepresentante do CPMG no MMP
Os participantes do Movimento Mineiro de Psicanálise - MMP têm seposicionado contra a regulamentação da psicanálise. Até agora o aparato legal dasdecisões de juízes e votação de projetos na Câmara dos Deputados está a nossofavor. Porém, qualquer posição neste assunto não é sem risco e sabe-se daimportância de se estar sempre atento, pois novos projetos espúrios podem surgir.
Seria possível sair deste estado de alerta ao estabelecer um limite para aintervenção do Estado em nossa prática? Estamos examinando algumas soluções, talcomo organizar-nos em ONG, a exemplo dos psicanalistas europeus. Seria umaforma de fazer política, lado a lado com a psicanálise, ou seja, suportando afalta/perdas estruturais, sem tentar preenchê-las com normas, regras,regulamentações.
Outra frente de batalha seria buscar maior apoio da classe política. Porém,para nosso desconforto, alguns podem se tornar “aliados” em uma causa que nãodefendemos - a regulamentação da psicanálise.
Uma terceira possibilidade, a de esclarecermo-nos sobre as questões legaisem torno da não-regulamentação, examinando pareceres de advogados sobre estetema, também está em discussão nas reuniões do Movimento Mineiro. Nessespareceres existem argumentos a favor de uma regulamentação realizada pelospróprios psicanalistas e também a argumentação em contrário, os quaisfundamentam:
1. No risco de aprovação de qualquer projeto sem a necessária sustentaçãono conhecimento da teoria e prática psicanalíticas. Porém, até agora a união dospsicanalistas e o apoio de alguns deputados foram suficientes para indeferir taisprojetos.
2. Na necessidade de proteger o paciente da irresponsabilidade daquelesque se auto-intitulam psicanalistas sem a devida formação. Porém, tal proteçãopode vir da própria Constituição, do Código de Defesa do Consumidor e de outrosjá existentes. Além disto, as instituições e escolas psicanalíticas reconhecidas, porexemplo, as que participam da “Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras”e do “Movimento Mineiro de Psicanálise”, são todas elas reguladas por princípiosbásicos no seu processo de formação. Isto assegura uma garantia não-toda...
Aqueles que tendem para a regulamentação precisam saber que quando sepede proteção ao Estado, torna-se necessário legislar e a cada lei pode-se estar
tecendo a camisa-de-força que restringirá o exercício da psicanálise, ferindo seusconceitos fundamentais. Por isto, a solução caso a caso preserva aquilo que ésingular.
É isto que os psicanalistas estão fazendo, uma resposta a cada projeto... Aomesmo tempo, este tipo de atuação implica buscar articulação política tanto entrepsicanalistas, deputados e senadores quanto entre os próprios psicanalistas,forçando-nos a esclarecer os limites do campo psicanalítico.
O percurso do movimento da Articulação e o de Belo Horizonte tem senorteado pela política da psicanálise e para a psicanálise, e pela legitimidadehistórica das instituições/escolas, desde Freud. Além disto, não podemos esquecero poder das associações - pessoas jurídicas de Direito Privado (aí se encaixam asinstituições/escolas) e não podemos esquecer que a prática da psicanálise seaproxima mais da noção de ofício que de uma definição de profissão. Desta formapode-se buscar sustentação jurídica, interpondo “Ação Declaratória deReconhecimento de Atividade Profissional”, cuja finalidade é buscar a declaração,diretamente do Supremo Tribunal Federal, de que o exercício do ofício depsicanalista prescinde de regulamentação pelo Poder Público. Tal declaração seriaelemento impeditivo para a formulação de qualquer projeto de lei ou de quaisqueroutros meios que descaracterizem a “psicanálise leiga”.
Esta poderia ser a solução que buscamos para regulamentar a não-regulamentação? Ou seja, uma defesa jurídica que faça barreira ao legislativo?
Finalmente, existe uma quarta via de trabalho a divulgação destaregulamentação em questão na mídia em geral, através de textos, documentos,entrevistas, poderia despertar a atenção e o interesse para a complexidade do tema.Porém, exigiria uma competente acessoria de comunicação. Este será o assunto emdiscussão, na próxima reunião do MMP, em 13 de março, na sede do Fórum doCampo Lacaniano. A presença dos participantes do CPMG será bem-vinda.Participem.
Reunião do Movimento Mineiro de PsicanáliseData: 13/março/06Tema: Divulgação da regulamentação em questão.Local: Sede Fórum Campo Lacaniano, Av. Francisco Deslandes, 971 / 1104Horário: 20h30
ANEXO G – Texto escrito para o Jornal Estado de Minas em 4 de
julho de 2006 sobre a regulamentação da psicanáliseRegina Teixeira da Costa.
Desde 2000 discutimos sobre a regulamentação da psicanálise. Essa
discussão não deve ser reduzida a um movimento de rebelião, mas tem seus
motivos na ética rigorosa que pauta os princípios de nossa clínica. Nós psicanalistas
não somos avessos às leis, muito antes pelo contrário, sabemos de sua importância
quando aplicada com finalidade de agregação social, seu motivo primeiro. A lei nos
priva de uma cota de liberdade, mas contém o abuso de uns sobre outros.
Quando ela falha em seus princípios, perverte os valores morais justificando
uma permissividade como a espelhada nas palavras do advogado Sérgio Wesley da
Cunha, detido na CPl do tráfico de armas, por desacato aos parlamentares pela
resposta sobre seu aprendizado da malandragem: “Aqui agente aprende rápido".
Vemos que a lei foi aplicada, não se pode desacatar autoridades, mas estas não se
instalam apenas por decreto, mas por serem e ocuparem um lugar de
respeitabilidade reconhecida publicamente. O que sai fora disso produz
funcionamento perverso. E é ao que assistimos atualmente. Esta resposta reflete
parte da verdade 'mal-dita' e tão bem falada, que mereceu punição.
Voltemos à regulamentação da psicanálise. A Articulação das Entidades
Psicanalíticas Brasileiras - que congrega 67 instituições - e o Movimento Mineiro de
Psicanálise (MMP), que reúne todas as instituições/escolas em Belo Horizonte,
concordam que o ensino, a formação e a transmissão são temas ligados ao
problema da regulamentação.
A questão é de suma importância porque os projetos de regulamentação da
psicanálise, para transformá-la em profissão, com estatuto legal, vieram de pessoas
ou grupos que desconhecem nossa formação, o estilo de nossa transmissão e
prática. Nenhum deles foi aprovado pelo Congresso e muito menos pela
comunidade psicanalítica, que tem se posicionado publicamente, contra qualquer
tipo de regulamentação ou mesmo regulação da psicanálise. Porém, tais propostas
estimularam importantes reflexões e esforços para explicitar os porquês dessa
posição dos psicanalistas.
A qualificação para o exercício do ofício de psicanalista se ajustaria aos
modelos e certificados propostos pela universidade ou por órgãos reguladores do
estado? Cada grupo psicanalítico reinventa a psicanálise, conquistando a herança
freudiana. Contudo, certas concessões à demanda social não seriam extravios?
Como sustentar a ética da psicanálise em nossa prática, inclusive a institucional?
Por que afirmamos em nossa carta de princípios que a formação é permanente?
Maria Lúcia Coimbra, psicanalista representante do Círculo Psicanalítico de
Minas Gerais (CPMG) junto ao MMP, traduz os interesses do movimento contra a
regulamentação. Explica que até agora o aparato legal das decisões de juízes e
votação de projetos na Câmara dos Deputados nos é favorável. Porém, qualquer
posição nesse assunto não é sem risco e sabe-se da importância de se estar
sempre atento, pois novos projetos espúrios podem surgir.
Nas reuniões periódicas realizadas pelas Instituições de psicanálise
discutimos possíveis saídas como a de organizar-nos em ONG, a exemplo dos
psicanalistas europeus. Outra opção seria buscar maior apoio da classe política,
assumindo o risco, pois alguns podem se tomar "aliados" em uma causa que não
defendemos - a regulamentação. Uma terceira possibilidade, a de esclarecermo-nos
sobre as questões legais em tomo da não regulamentação, examinando pareceres
de advogados sobre este tema. Aqui há argumentos favoráveis e contrários à
regulamentação realizada pelos próprios psicanalistas.
A oposição se justifica pelo risco de aprovação de qualquer projeto sem a
necessária sustentação no conhecimento da teoria e prática psicanalíticas. Porém,
até agora a união dos psicanalistas e o apoio de alguns deputados foram suficientes
para indeferir tais projetos. Um dos cuidados é a necessidade de proteger o paciente
da irresponsabilidade daqueles que se auto-intitulam psicanalistas sem a devida
formação. Porém, tal proteção pode vir da própria Constituição. Do Código de
Defesa do Consumidor e de outros já existentes.
Aqueles que tendem pela regulamentação precisam saber que quando se
pede proteção ao Estado, toma-se necessário legislar e a cada lei pode-se estar
tecendo a camisa-de-força que restringirá o exercício da psicanálise, ferindo seus
conceitos fundamentais. Por isso, a solução caso a caso preserva aquilo que é
singular.
É isso que os psicanalistas estão fazendo, uma resposta a cada projeto... Ao
mesmo tempo, este tipo de atuação implica buscar articulação política tanto entre
deputados e senadores quanto entre os próprios psicanalistas, forçando-nos a
esclarecer os limites do campo psicanalítico.
ANEXO H – Breve História da Questão da Profissionalização do
PsicanalistaMário Lúcio Alves Baptista.
Presidente do Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte eDiretor do Conselho Profissional da Associação Brasileira de Psicanálise.
Durante a década de 970, o Ministério da Educação introduziu mudanças no ensino
médio brasileiro durante a gestão do Ministro Jarbas Passarinho. Entre estas mudanças
figurava a transformação dos cursos, antes chamados Colegiais, em Cursos
Profissionalizantes de Ensino Médio. Esta mudança passou despercebida aos usuários dos
grandes colégios que, para driblar a lei, transformaram seus cursos em cursos desta espécie
apenas na fachada. Os pequenos colégios, a princípio realizaram mudanças maiores em seus
cursos que, inclusive passaram a chamar-se segundo a lei, mas de forma ostensiva: Curso de
Secretariado, Curso de Técnico de Laboratório, Curso de Auxiliar de Enfermagem, etc. Este
fato foi marcante na periferia da cidade de São Paulo e no Interior do Estado. Não tenho
conhecimento de seu desenvolvimento em outras áreas do país. Estes cursos me parecem
terem sido extintos com a regulamentação do Ensino mais recente.
Esta diferença na implantação da lei deveu-se primordialmente ao fato de a
profissionalização em nível médio não ser do interesse das classes abastadas, entre elas a
classe média alta, mas sim das classes menos favorecidas.
Entre estes cursos, proliferaram em alguns centros econômicos brasileiros, entre eles
São Paulo, os Cursos Profissionalizantes de Psicanálise que, no nível colegial diplomava
Técnicos em Psicanálise. Os técnicos assim formados mobilizaram-se junto ao poder
legislativo no intuito de regulamentar a "profissão" criada em decorrência destes cursos o que
gerou um projeto de lei de autoria do Deputado Federal por São Paulo Rui Codo. Este projeto
teve grande impulso na Câmara Federal e estava em vias de aprovação quando, por outro
lado, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Estado da Federação, onde parece
que a questão recebeu um impulso maior, mobilizou-se também em duas frentes.
A primeira procurando fazendo fechar os diversos cursos em São Paulo o que foi
alcançado através de ações no Ministério da Educação. A segunda frente, junto à Câmara
Federal buscando a rejeição do referido Projeto de Lei de Regulamentação da Profissão de
Psicanalista. Esta segunda frente, mais trabalhosa, levou à retirada do Projeto do Deputado
Rui Codo e de 6 ou 7 outros projetos em tramitação que não tinham alcançado a força
necessária para sua discussão e aprovação.
O problema na época foi tratado por uma comissão formada por Psicanalistas da
SBPSP constituída por mim mesmo, pelo Psicanalista Df. Gecel Luzer Szterling e pela
Psicanalista Psic. Fayga Szterling. O Dr. Gecel, recentemente falecido e a Psic. Fayga,
atualmente muito doente. Participou ainda de nossos trabalhos, auxiliando-nos nesta tarefa, o
Psicanalista Dr. Ismael Grippi que, na época, era Inspetor do Ensino Médio do Ministério da
Educação lotado em São Paulo o que nos facilitou a tramitação dentro deste Ministério.
Auxiliounos também o Psicanalista Df. Humberto de Sousa Mello que, como Médico da
Câmara dos Deputados, facilitou-nos a tarefa de localizar todos os projetos em tramitação
àquela época.
Ficaram os Psicanalistas da época, através da Sociedade Brasileira de Psicanálise de
São Paulo, inicialmente por meio daquela Comissão, encarregados de redigir um projeto de lei
juntamente com aquele Deputado para novo encaminhamento. Este projeto chegou a ser
redigido por mim, mas tanto a SBPSP quanto o Deputado Rui Codo desinteressaram-se do
assunto e ele por aí morreu. A situação assemelha-se à atual quando ficamos encarregados de
apresentar um novo projeto para ser encaminhado pelo Deputado Éber Silva.
Embora tenha sido somente no âmbito daquela Sociedade de Psicanálise, muito se
discutiu a respeito. Chegaram, seus Psicanalistas, à conclusão que a Psicanálise era uma
Profissão que não cabia dentro de normas de regulamentação que não fossem dos próprios
Psicanalistas reunidos em suas Sociedades. Vários argumentos foram levantados na época
sendo o anteriormente o mais forte e prevalente. De novo, como agora.
Os projetos foram todos retirados ou "engavetados" segundo as normas legislativas em
vigor.
A finalidade meu relato desta pequena história, foi de alertar que há no momento uma
repetição do mesmo processo com o surgimento, com força igualou maior que a daquela
época, de um novo projeto de Regulamentação, o projeto do Deputado Éber Silva que segue
passos semelhantes embora agora com uma relação de forças bem diversa das forças em ação
naquela época.
Todos nós temos conhecimento dos fatos a partir do surgimento e do bloqueio deste
projeto incluindo o mesmo programa de que os Psicanalistas compusessem um projeto
juntamente com o Deputado Éber Silva.
A nova correlação de forças me parece ser-nos desvantajosa tendo em vista que, ao
lado do Deputado Éber Silva, encontra-se uma instituição já conhecida de todos nós a
Sociedade de Psicanálise Ortodoxa do Brasil que tem como seus mentores um grupo de
Evangélicos que busca o apoio na Bancada Evangélica da Câmara dos Deputados que, como
também todos sabemos, é uma das maiores do Congresso Nacional. Assim, as forças no
Congresso Nacional podem, a qualquer momento, serem reativadas e alcanças uma
Regulamentação estranha aos interesses da Psicanálise.
Esta nova correlação de forças, agora inversa daquele vigente naquela época, portanto,
contrária aos nossos propósitos, pode levar-nos a uma situação mais complexa na defesa dos
nossos interesses que são os interesses da Psicanálise uma vez que, sabemos todos, a
Psicanálise não existe "in absentia", ou seja, não existe uma Psicanálise sem Psicanalistas.
A título de exemplo, na época, com os conhecimentos que tinha da tramitação das
questões legislativas e de regulamentações, o Dr. Humberto de Sousa Mello sugeriu-nos num
dos Congressos Brasileiros de Psicanálise da ABP, que propuséssemos que a Psicanálise fosse
considerada uma Especialização. Naquela época isto parecia uma boa idéia, pois, como
também sabemos, a regulamentação dos Cursos de Especialização eram complexas,
demoradas e facilmente bloqueáveis. Hoje já está regulamentada a Especialização em
Psicanálise nas Universidades Brasileiras e, se tivéssemos tomado esta direção, estaríamos
hoje, talvez, em sitação ainda mais dificil.
Este é um pequeno resumo histórico dos acontecimentos pertinentes à
Regulamentação da Profissão de Psicanalistas da qual participei pessoalmente que será
carregado de omissões geradas pelas falhas de memória decorrentes da passagem do tempo,
pois já lá se vão mais de 20 anos.
1
1 Esse trabalho foi apresentado como Monografia de conclusão do curso de Pós Graduação em Psicanálise:Teoria e Prática, da Faculdade de Ciências Humanas da Fumec. Orientadora: Lícia Mara Dias Penna.