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Deficiência Intelectual e Deficiência Física
1
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
Professora Dra. Márcia Greguol
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
2
Introdução 3
Deficiência Motora 4Amputação 4
Lesão medular 5
Paralisia Cerebral 9
Implicações para os programas de atividade física 10
Esporte adaptado 12
Deficiência Intelectual 17Características 19
Síndrome de Down 20
Implicações para os programas de atividade física 22
Esporte adaptado 24
Special Olympics 24
Conclusão 26
Referências 26
Sumário
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
3
introdução
Ao longo de nossa história, constantemente criamos
padrões para aquilo que é considerado belo, bem sucedido
e adequado. Quaisquer condições que não se enquadrem
dentro destes padrões são vistas como “anormalidades”
e, portanto, tratadas de maneira estigmatizada pela
sociedade. Este fato pode ser facilmente observado quando
abordamos a questão da deficiência. Embora a visão que
temos sobre a deficiência tenha se modificado com o
passar dos anos, ainda se observa que a desinformação e
o preconceito nos fazem tratar pessoas com esta condição
de maneira muitas vezes equivocada, subestimando seu
potencial e negligenciando suas reais necessidades.
Figura 1: Maneira adequada de se abordar pessoa com deficiência Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-GH8ywGngURM/ThRJYbgOBtI/AAAAAA AABuY/u68MHsITTjI/s1600/Deficiente+Como+Ajudar.jpg
A fim de elucidar os conceitos relacionados à deficiência,
a Organização Mundial da Saúde elaborou em 1989 a
Classificação Internacional de Deficiência, Incapacidade
e Desvantagem, a qual mais tarde foi atualizada para
Classificação Internacional de Deficiência, Atividades e
Participação. Atualmente, a condição de elegibilidade da
deficiência é verificada por meio da Classificação Estatística
de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-
10) e da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) (WHO, 2001). Enquanto a
CID-10 apenas classifica qual a condição apresentada pelo
sujeito, a CIF se proporia a elencar fatores relacionados à
autonomia funcional e às questões ambientais que tangem
a deficiência.
Figura 2: Dificuldades de acessibilidade enfrentada por pessoas com deficiência Fonte: http://www.deficiente.com.br/
Um grande avanço com a divulgação de tais documentos
certamente foi oferecer um subsídio teórico para a
conceituação da deficiência e suas reais implicações, além
de diferenciá-la de outras condições, tais como doença
e incapacidade. No entanto, muitas das discussões
fomentadas mantiveram-se apenas em um nível teórico,
ainda muito pouco repercutindo na realidade do dia-a-
dia de pessoas com deficiência. Assim, na prática ainda
são observadas com frequência visões estigmatizadas e
informações desencontradas sobre as reais implicações
que uma deficiência pode trazer na vida de um indivíduo.
Com as mudanças recentes na legislação que tange
a inclusão de alunos com deficiência no ensino regular,
profissionais de educação física têm se deparado com a
necessidade de atuar com esta população que até então,
para a maioria, tratava-se de uma realidade muito distante.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
4
Além disso, também nas academias e clubes observa-se
o crescimento rápido do ingresso de alunos com diversos
tipos de deficiências, que buscam a prática do exercício
físico por motivos estéticos, diversão ou aprimoramento
da saúde. Ainda a área do esporte adaptado voltado
para o alto rendimento têm atraído a atenção da mídia
e um número crescente de praticantes. Esta situação
tem estimulado cada vez mais a busca de profissionais
da Educação Física e Esporte por qualificação profissional
na área da atividade física adaptada, já que apenas os
conteúdos oferecidos na graduação em muitos casos
mostram-se insuficientes para a resolução de situações da
prática profissional.
Nesta aula serão desenvolvidos os temas da Deficiência
Motora e da Deficiência Intelectual. Dentro do tópico
sobre Deficiência Motora, serão abordados com maior
profundidade os assuntos relacionados à lesão medular,
amputações e paralisia cerebral. Já dentro do tópico sobre
Deficiência Intelectual será comentada de maneira mais
detalhada a Síndrome de Down. Em todos os tópicos
serão destacados, sobre cada deficiência, os aspectos
conceituais, a classificação, o impacto no desenvolvimento
e na elaboração de programas de atividade física, além
das possibilidades de práticas esportivas adaptadas para
cada condição.
deficiência motora
Deficiência motora é um termo utilizado para denotar
uma condição de origem neurológica ou ortopédica (óssea/
muscular/ligamentar) que, de alguma maneira, afeta a
motricidade do indivíduo. Pode vir ou não acompanhada
de outras condições, tais como restrições sensoriais
ou cognitivas. Também pode ser categorizada por sua
evolução como progressiva, aquela cujas sequelas vão se
acumulando com o passar do tempo, ou não progressiva,
aquela cujas seqüelas são estáveis.
Para terem movimentação e/ou locomoção facilitada,
pessoas com deficiência motora em geral recorrem ao uso
de órteses ou próteses. As próteses são definidas como
equipamentos que substituem um membro ou órgão
ausente e, no caso das deficiências motoras, são utilizadas
basicamente por indivíduos amputados. Já as órteses são
equipamentos que auxiliam na função de um órgão ou
membro e incluem as muletas, bengalas, cadeira de rodas,
andadores, entre outros.
Entre as deficiências motoras, serão aqui destacadas
a amputação, a lesão medular e a cefalopatia crônica ou
paralisia cerebral.
amputação
A amputação é definida como uma ausência congênita
ou retirada, parcial ou total, de um ou mais membros. Em
casos de amputação parcial, nos quais ocorre a retirada de
parte de um membro, a permanência do coto é um fator
que facilita o encaixe e a movimentação de uma eventual
prótese.
Ao se optar por um procedimento de amputação, uma
das preocupações da equipe cirúrgica é a preservação
do maior coto possível, a fim de permitir alavanca
de movimento apropriada ao indivíduo. Nos casos de
amputação total, nas quais ocorre a desarticulação do
membro, as limitações motoras podem ser maiores e a
utilização da prótese será um pouco mais restrita.
Entre as causas de amputação destacam-se as doenças
vasculares periféricas, como as provocadas pelo diabetes
não controlado, os traumas, os tumores e as malformações
congênitas. As causas traumáticas incluem acidentes de
trabalho, atropelamentos, acidentes automobilísticos entre
outros. Já as malformações podem ocorrer nos casos de
gestações em que a mulher apresenta quadros infecciosos
no início do processo, tais como rubéola, ou quando ingere
substâncias químicas, como medicamentos que interferem
de alguma maneira na formação adequada do feto.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
5
As amputações podem ocorrer nos membros superiores
e/ou inferiores e afetar um ou mais membros. Assim, caso
apenas um lado do corpo seja acometido, a amputação
é denominada unilateral; já se os dois lados forem
acometidos a amputação é denominada bilateral. Em
ambas as situações podem ocorrer mudanças profundas
na posição do centro de gravidade, gerando alterações na
manutenção da postura. O impacto de uma amputação
unilateral para a manutenção do equilíbrio certamente é
muito maior do que em amputações bilaterais simétricas.
De acordo com o acometimento, as amputações podem
ser classificadas em:
• Membros superiores: parcial da mão,
desarticulação de punho, transradial, desarticulação de
cotovelo, transumeral e desarticulação do ombro.
• Membros inferiores: parcial do pé,
desarticulação do tornozelo, transtibial, desarticulação do
joelho, transfemoral e desarticulação do quadril.
Ainda em amputações parciais, desde que seja possível
movimentar o coto, o professor deve estimular seu aluno
a movimentá-lo, mesmo que a força gerada seja pequena.
A não estimulação do coto pode gerar processos de atrofia
muscular e alterações posturais danosas, sobretudo
assimetrias laterais, interferindo de maneira negativa na
futura movimentação de uma prótese. O coto, além de
movimentado durante a prática de atividade física, deve
ser alongado frequentemente, assim como os demais
segmentos corporais.
Alguns indivíduos amputados podem manifestar
resquícios de percepção do membro amputado, condição
conhecida como “sensação fantasma”. Na verdade, essa
percepção residual do membro, exceto nos casos em
que provoca dores ou outros desconfortos, pode ser
considerada uma situação positiva, uma vez que pode
tornar a condução da prótese e a locomoção como um
todo mais natural, já que o indivíduo ainda permanece
com sua autoimagem intacta.
Outras possíveis alterações corporais advindas com a
amputação dizem respeito a parâmetros cardiocirculatórios,
como alterações no retorno venoso e débito cardíaco,
o que deve ser levado em conta para a prescrição de
atividades físicas. Além disso, a perda de membros, ainda
que parcialmente, impacta a avaliação dos parâmetros
antropométricos, tais como o índice de massa corporal.
Embora a amputação em geral não traga maiores
restrições para a prática de atividade física, certamente
pode ter efeitos profundos para a autoestima do indivíduo.
Ao perder um membro, alguns podem demonstrar grande
dificuldade inicial em sentir-se confiantes a respeito de
seus corpos. Assim, o professor deve estar atento a esta
situação e, ao perceber quaisquer incômodos por parte
de seus alunos, buscar ao máximo não gerar maiores
exposições.
Figura 3: Atleta com amputação correndo com próteses específicas para a prática esportiva Fonte: http://w3.i.uol.com.br/novas-midias/2011/07/20/atleta-biamputado-oscar-pistorius-1311180134489_1920x1080.jpg
Lesão medular
A medula espinhal, parte integrante do sistema
nervoso central, é uma coluna de cerca de um centímetro
de diâmetro, que se encontra protegida ao longo do
eixo céfalo-caudal pela coluna vertebral, passando
especificamente entre os forames. As principais funções da
medula espinhal são prover um centro para ações reflexas
e atuar como um canal por onde os impulsos transitam,
indo ou vindo do cérebro. Após a ocorrência de uma lesão,
a medula não é passível de se regenerar e, assim, poderão
ocorrer sequelas relacionadas à função motora, sensorial
e autônoma.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
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São 31 pares de nervos espinhais, distribuídos em 8
cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 1 coccígeno,
conforme ilustra a figura 4.
As lesões que acometem a medula espinhal podem ter
origem traumática, congênita ou por processos infecciosos
ou cancerígenos. As lesões traumáticas são as mais comuns
e em geral ocorrem como consequência de acidentes
automobilísticos, por arma de fogo ou por mergulhos em
locais rasos. Já as lesões congênitas em geral são resultado
de um processo conhecido como mielomeningocele, no
qual ocorre a alteração do fechamento de um ou mais arcos
vertebrais, que pode resultar em distúrbios neurológicos.
Em geral, a mielomeningocele acomete o indivíduo no nível
lombar ou torácico, podendo ocasionar outros transtornos
associados, tais como hidrocefalia e desvios na estrutura
óssea.
Quando ocorre um dano no canal medular, este pode
ocorrer de maneira total ou parcial. Caso o acometimento
seja total, a lesão é chamada de “plegia” e, abaixo
daquele nível, não existirá mais motricidade voluntária ou
sensibilidade. Por outro lado, se a lesão for incompleta,
o processo é chamado de “paresia” e, abaixo do nível
em que ocorrer, remanescerão ainda funções motoras e
sensoriais variáveis.
Figura 4: Divisão neurofuncional da medula espinhal. Fonte: Adaptado de Gorgatti e Costa, 2008.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
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Dependendo do nível em que ocorre uma lesão na
medula espinhal, as sequelas terão magnitudes diferentes,
gerando maiores ou menores restrições à autonomia do
indivíduo. As lesões que afetam os níveis neurológicos
cervicais são conhecidas como “tetra” (“tetraplegias”
para lesões completas e “tetraparesias” para lesões
incompletas). Já as lesões que ocorrem do primeiro
nível torácico para baixo são chamadas de lesões “para”
(“paraplegia” para lesões completas e “paraparesias” para
lesões incompletas).
Figura 5: Diferentes tipos de espinha bífida. Fonte: Adaptado de Gorgatti e Costa, 2008.
Assim, ao receber um aluno que apresente uma
lesão medular, o professor deve, antes de programar as
atividades, ter conhecimento sobre a causa da deficiência,
o nível em que ocorreu e se é completa ou não. Só assim
poderá planejar suas aulas sem subestimar as possibilidades
do aluno, avaliando de maneira adequada quais músculos
ainda estão ativos, quanta força eles apresentam e o que
pode ser feito por estes músculos, funcionalmente, para
melhorar a qualidade dos movimentos.
Como as funções neurovegetativas são regidas por
centros medulares e encefálicos, nas lesões medulares
são comuns distúrbios de diversas funções do organismo.
O conhecimento de certas sequelas funcionais das lesões
medulares e de suas implicações na prática de atividades
físicas e esportivas torna-se imprescindível perante as
alterações de ordem neurofisiológica. A seguir serão
destacadas algumas possíveis sequelas da lesão medular
e suas implicações para a elaboração de programas de
atividades físicas:
• Distúrbios na regulação da temperatura corporal: por depender do controle do sistema nervoso
autônomo, a termorregulação pode ser afetada em
indivíduos com lesão medular, sobretudo para aqueles
com lesões em níveis mais elevados da medula. Podem
ocorrer, por exemplo, dificuldades em realizar processos
hemodinâmicos de ajustes em situações de temperaturas
muito elevadas ou muito baixas, tais como vasodilatação
ou vasoconstrição periférica. Assim, o indivíduo fica mais
predisposto a riscos gerados pela hipertermia ou pela
hipotermia, devendo o professor ficar atento quanto ao
uso de vestimentas adequadas para a prática de exercícios,
hidratação constante e preferência por ambientes livres de
situações de estresse térmico.
• Redução da capacidade respiratória: indivíduos com lesão medular cervical ou torácica alta
(até T2) são especialmente suscetíveis a infecções
respiratórias, como pneumonia, geralmente por causa do
déficit da função da musculatura respiratória e abdominal,
o que dificulta a inspiração completa e a realização da
movimentação das secreções nas vias. Ainda nas lesões
mais altas, pela falta de função plena da musculatura
respiratória, a capacidade pode estar significativamente
reduzida, especialmente nos casos de tetraplegia.
• Descontrole urinário e vesical: a perda da
capacidade de controle urinário, condição conhecida como
bexiga neurogênica, pode levar o indivíduo com lesão
medular à eliminação involuntária da urina. A disfunção
do controle urinário pode tornar o aluno mais propenso
ao desenvolvimento de infecções urinárias, o que requer
atenção quanto a eventuais sintomas manifestados. Caso
ocorra um processo infeccioso, o aluno deve ser afastado
imediatamente da prática de atividade física até que esteja
completamente curado.
• Úlceras de pressão: as úlceras são regiões
necrosadas de pele e tecido subcutâneo, provocadas por
pressão prolongada. Se não tratadas, podem infeccionar
gravemente, atingindo inclusive os ossos. Quando o
indivíduo fica por longos períodos deitado ou sentado na
mesma posição, determinadas áreas do corpo acabam
sofrendo pressão constante, o que pode levar à formação
desses sérios ferimentos.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
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Nesse sentido, a suspensão da cadeira de rodas em
alguns momentos ao longo do dia pode ser uma estratégia
de grande importância na prevenção destas feridas.
Caso já haja alguma úlcera em formação, no entanto, é
recomendável que o indivíduo trate-a em repouso, pois o
esforço físico pode dificultar sua cicatrização.
• Disreflexia autonômica: nos casos das lesões
acima do sétimo nível torácico, por decorrência de
estímulos nocivos, pode ocorrer uma resposta potencial do
sistema nervoso simpático. Essa resposta leva a aumento
da pressão arterial, cefaleia e visão borrada. Nessa
situação, é importante que se detecte qual o estímulo
desencadeador – em geral, é a falta de esvaziamento
urinário ou intestinal – a fim de corrigi-lo rapidamente.
• Espasticidade: é uma condição de hipertonia
muscular desencadeada por ações reflexas do sistema
nervoso. Os indivíduos podem experimentar espasmos
ou respostas da massa muscular flexora ou extensora,
geradas por mudanças de posição, por movimentos
repentinos ou por estímulos externos. Quando severa,
a espasticidade pode ser tratada com medicamentos ou
até mesmo procedimentos cirúrgicos. Pode interferir no
desempenho de atividades físicas, porém, pessoas com
lesão medular podem encontrar posições e técnicas que
minimizam esses efeitos.
• Alterações na composição corporal: a perda
da função motora abaixo do nível da lesão medular,
especialmente nos casos de paralisia flácida, leva o corpo
do indivíduo a grandes alterações em sua composição
corporal, sobretudo pela perda de massa magra e aumento
concomitante na porcentagem de gordura nas regiões
paralisadas. A redução da massa magra e o maior acúmulo
de gordura corporal exercem redução na densidade
corporal do indivíduo. A perda da massa magra reflete-se
não apenas pela atrofia muscular, mas também pelo rápido
declínio da massa óssea. Pela falta de contração muscular
voluntária, a atividade osteoblástica se reduz, gerando
quadros de osteopenia ou osteoporose nos segmentos
paralisados. Esta condição demanda do professor atenção
redobrada no cuidado ao manipular o indivíduo durante
as transferências da cadeira de rodas. Quaisquer quedas,
ainda que aparentemente leves, podem gerar quadros
de fratura e levar o indivíduo a situações de risco à sua
integridade física e à sua saúde.
• Prejuízos ao retorno venoso: a não
movimentação dos membros inferiores dificulta o
retorno do sangue desses membros para o coração. A
movimentação passiva dos membros inferiores, assim
como sua suspensão em alguns momentos ao longo do
dia, podem amenizar esta situação.
• Perda da sensibilidade: especialmente
nos casos das “plegias”, nas quais a lesão medular é
completa e ocorrem prejuízos à via aferente, a perda da
sensibilidade dos membros afetados pode ser um fator de
risco para o indivíduo. Essa perda da sensibilidade requer
que o professor esteja atento a quaisquer condições que
exponham seus alunos ou atletas a riscos de lesões nos
membros afetados, uma vez que os indivíduos, em muitas
situações, não terão a percepção imediata de que se
lesionaram.
• Dificuldades de ajustes psicológicos e sociais: a perda da função motora advinda de uma
lesão medular, em muitos casos acompanhada pela
necessidade do uso de cadeira de rodas, pode gerar um
profundo impacto na forma como o indivíduo percebe
suas competências e se relaciona consigo e com as
outras pessoas. O processo de reabilitação é longo e a
forma como o indivíduo aceitará sua condição dependerá
diretamente das informações a que tiver acesso sobre
os cuidados a serem tomados e, especialmente, sobre
suas possibilidades. A prática de atividade física traz, em
geral, para pessoas nessas condições, grande aumento
na autoestima e autoconfiança. Essa maior percepção
de competência, por sua vez, traz impactos diretos na
maneira como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e
com os demais.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
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Paralisia cerebral
Também conhecida como encefalopatia não progressiva
da infância, é uma condição resultante de lesão encefálica,
geralmente ocorrida antes ou durante o momento do
parto, que leva o indivíduo a dificuldades variáveis no
ajuste da postura corporal e do tônus muscular, na inibição
de reflexos e no desenvolvimento da coordenação motora.
É uma deficiência eminentemente motora que ocorre
até o terceiro ano de vida, não devendo, portanto, ser
confundida com uma deficiência intelectual.
Na maioria dos casos, a paralisia cerebral resulta de
um processo de hipóxia ou anóxia gerado no início da
gestação ou no momento do parto. Entretanto, algumas
condições possíveis de ocorrer até o terceiro ano de vida
podem ocasionar a deficiência, tais como meningites,
afogamentos ou traumas. Dependendo da magnitude da
área atingida e do tempo de hipóxia a que o indivíduo
for exposto, as sequelas motoras poderão ser maiores ou
menores, afetando, em algumas situações, outras funções
neurológicas. Essa variabilidade das seqüelas da paralisia
cerebral faz com que não existam padrões muito claros
sobre seu prognóstico, sendo complexo para os profissionais
determinarem com clareza como o desenvolvimento motor
do indivíduo evoluirá. A complexidade também se deve ao
fato de que o cérebro do indivíduo evolui de acordo com
o seu potencial, mas também de acordo com os estímulos
que recebe.
Os acometimentos advindos da paralisia cerebral geram
consequências leves, moderadas ou severas, as quais
interferem de maneira variável no controle motor e na
autonomia do indivíduo. A condição pode ser classificada
de maneira topográfica, ou seja, de acordo com os
segmentos corporais atingidos, em:
• Monoplegia (paresia): um membro afetado total
ou parcialmente.
• Hemiplegia (paresia): um hemicorpo afetado
total ou parcialmente.
• Paraplegia (paresia): membros inferiores
afetados total ou parcialmente.
• Triplegia (paresia): três membros afetados total
ou parcialmente.
• Quadriplegia (paresia): quatro membros
afetados com a mesma magnitude total ou parcialmente.
• Diplegia (paresia): quatro membros afetados,
sendo que os membros inferiores são mais acometidos do
que os superiores.
• Dupla hemiplegia (paresia): quatro membros
afetados, sendo que um hemicorpo é mais acometido do
que o outro.
Quanto mais membros acometidos, maiores serão
as modificações posturais advindas da paralisia cerebral
e, consequentemente, maiores serão as dificuldades
para o controle dos movimentos na prática da natação.
Especialmente os acometimentos com assimetrias
laterais geram alterações importantes na manutenção
do equilíbrio, que tornarão mais complexa a estabilidade
durante os nados.
Outra classificação importante da paralisia cerebral diz
respeito à região cerebral acometida. Esta classificação
neuroanatômica destaca três categorias principais para a
deficiência:
• Espástica: gerada por lesão nas fibras eferentes,
é a condição mais comum entre os casos de paralisia
cerebral. Nessa situação ocorre a hipertonia muscular,
que leva a restrições para a realização dos movimentos.
Também é comum a ocorrência de encurtamento de alguns
tendões, como o calcâneo, o que provoca deformidades e
alterações importantes no padrão de marcha.
• Atetose: gerada por lesão nos gânglios de base,
em geral vem acompanhada por flutuações do tônus
muscular. A principal característica são os movimentos
discinéticos, com grande amplitude, realizados de maneira
involuntária pelo indivíduo.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
10
• Ataxia: gerada por lesão no cerebelo, é a menos
comum entre as três condições. Neste caso, em geral, o
tônus muscular é baixo (hipotonia muscular) e o indivíduo
apresenta dificuldades no controle do equilíbrio, da
coordenação motora fina e da posição do corpo no espaço.
Outras características associadas à paralisia cerebral
podem estar presentes e também merecem a atenção do
professor de natação. Algumas das mais observadas são
o estrabismo (incoordenação da musculatura extraocular),
a dificuldade em engolir e a consequente sialorreia (ato
de babar), outros distúrbios sensoriais associados (visuais,
auditivos, entre outros), os prejuízos da fala, a tendência à
distração, os eventuais atrasos cognitivos e a persistência
de reflexos primitivos.
Os problemas relativos à fala muitas vezes tornam
necessária a criação de estratégias diferenciadas de
comunicação. Esta pode ocorrer tanto por sinais como por
outras formas de codificação, tais como cartões contendo
mensagens específicas como “estou com frio” ou “não estou
me sentindo bem”. Assim, em uma situação eventual de
emergência, o aluno pode, por meio do cartão, expressar
a mensagem que quer passar ao professor.
Embora a paralisia cerebral seja uma deficiência motora,
em alguns casos mais graves pode vir acompanhada de
déficits cognitivos ou outros distúrbios sensoriais, condições
que levarão o professor à necessidade de adaptar seu
planejamento das sessões de aula. A tendência à distração
é observada em quase todos os casos e, portanto,
recomenda-se evitar no local de prática estímulos externos
desnecessários, tanto visuais como auditivos, uma vez que
dificultarão ainda mais a manutenção do foco de atenção
do aluno nas instruções do
Por fim, a permanência de reflexos primitivos,
condição conhecida como hiper-reflexia, pode gerar
grandes problemas para a aquisição de habilidades
motoras. Para amenizá-los, o professor deverá buscar
posicionar seu aluno de forma a inibir esses padrões
reflexos. Cabe ressaltar que alguns sons ou movimentos
repentinos podem desencadear padrões reflexos fortes.
A necessidade de adequação da postura dependerá do
nível de hiperreflexia manifestado e, por esta razão, cabe
ao professor realizar uma avaliação prévia do aluno bem
como buscar informações junto aos pais e aos demais
profissionais que atuam com o indivíduo, como o médico
e o fisioterapeuta.
Figura 6: Jovem com paralisia cerebral espástica na prática da bocha adaptada - Fonte: http://www.specialolympicseastherts.org/boccia.php
implicações para os programas de atividade física
Atualmente, são muito disseminados os benefícios que
a prática da atividade física regular pode trazer a indivíduos
nas mais diversas faixas etárias. Apesar disso, ainda
é elevado o nível de sedentarismo na população de um
modo geral. Este fato é ainda mais grave quando se trata
de pessoas com deficiência, que desde idades precoces
encontram dificuldades em se inserir em programas
convencionais de atividade física.
As dificuldades encontradas para o acesso a programas
de atividade física por pessoas com deficiência vão desde
a falta de transporte, espaços e materiais apropriados até
a carência de profissionais devidamente preparados para
lidar com esta população.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
11
Felizmente, especialmente nas duas últimas décadas
os profissionais de Educação Física e Esporte têm voltado
maior atenção a estas pessoas, tanto pelas determinações
legais que garantem sua inclusão no ensino regular, quanto
pelo crescimento do esporte adaptado em nosso país.
De um modo geral, os programas de atividade física
voltados para pessoas com deficiência deveriam oferecer
condições para o desenvolvimento das variáveis da aptidão
física relacionadas à saúde, ou seja, níveis satisfatórios de
resistência cardiorrespiratória, força e flexibilidade, além
de uma composição corporal adequada. Tais fatores, ao
serem desenvolvidos pelos profissionais de Educação
Física e Esporte, podem propiciar a redução do risco de
comorbidades associadas à deficiência motora, ganho
de autonomia para as atividades da vida diária e melhor
possibilidade de reinserção social. Alguns pontos a serem
lembrados:
• Para indivíduos com amputação, especialmente nos
casos de acometimento unilateral, zelar pela manutenção
do equilíbrio corporal e buscar o desenvolvimento de força
de maneira homogênea do tronco, de modo a prevenir
desvios laterais da postura. É sempre importante que o
coto seja estimulado e que, no caso de uso de prótese,
a mesma esteja de acordo com as dimensões corporais
do usuário. Sobretudo com crianças é necessário que seja
verificada frequentemente a necessidade de realização de
ajustes na prótese. Para a estimulação do coto podem ser
prescritos exercícios de alongamento muscular e, quando
possível, fortalecimento utilizando-se faixas, tubos de
borracha ou ainda caneleiras;
• Especialmente nos casos de paralisia cerebral, a
espasticidade pode ser uma condição presente, trazendo
restrições variáveis na amplitude de movimentos. Nesta
situação, estratégias como o alongamento facilitado
podem aumentar a amplitude articular. Atividades em água
aquecida também favorecem o relaxamento muscular.
Como os prejuízos no tônus muscular e na coordenação
motora são variáveis, sugere-se que o professor realize
uma avaliação prévia do aluno, de modo que possa
partir de movimentos mais grosseiros para aqueles mais
refinados. Também é importante que o professor estimule
os movimentos de ambos os lados do corpo, além de
incluir entre suas atividades exercícios que desenvolvam
a coordenação motora-visual. Quando necessário, podem
ser utilizadas órteses de estabilização, de modo que o
indivíduo com paralisia cerebral fique com a postura o
mais estável possível durante as atividades;
• A prática de atividades físicas regulares pode
ter impacto altamente positivo também na autonomia
de indivíduos com lesão medular. Para tanto, aspectos
como o fortalecimento muscular dos membros superiores
e do tronco, além do desenvolvimento da resistência
cardiorrespiratória, devem ser levados em conta na
elaboração de programas por profissionais de Educação
Física e Esporte. Por conta da possível fragilidade óssea
abaixo do nível da lesão, as transferências devem ser
feitas de maneira cuidadosa, a fim de se evitar ferimentos.
Os exercícios aeróbios, realizados na própria cadeira ou
em cicloergômetro para os membros superiores, também
são muito indicados, especialmente por fortalecer a
musculatura respiratória remanescente e contribuir desta
forma para a melhor qualidade de vida.
Figura 7: Indivíduo com deficiência motora fazendo entrada na piscina Fonte: http://www.imagens.usp.br/wp-content/uploads/Untitled-221.jpg
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
12
esporte adaptado
A prática esportiva voltada para pessoas com
deficiências motoras é relativamente recente, datando
de aproximadamente um século. Até o século XIX, as
atividades consideradas de “caráter terapêutico” tinham
a intenção de prevenir ou tratar de condições motoras
restritivas. Portanto, alguém que possuísse uma condição
permanente, tal como uma lesão medular ou amputação,
não tinha acesso a um programa de prática esportiva
específico.
Felizmente ao longo do século XX este panorama foi
profundamente modificado. Na atualidade, as práticas
esportivas para pessoas com deficiências motoras atingiram
um status de grande prestígio e oferecem oportunidades
de participação a milhares de atletas por todo o mundo.
Embora o custo dos equipamentos para a prática (próteses
e cadeira de rodas esportivas, por exemplo) ainda sejam
elevados e inacessíveis para muitos, percebe-se também
no Brasil um aumento no número de projetos e apoios
governamentais voltados para esta prática.
O grande desafio que certamente se impõe para
o século XXI é aumentar ainda mais o acesso à prática
esportiva para pessoas com diferentes tipos de deficiência,
focando não apenas o alto rendimento, mas também o
lazer, a educação e a promoção da saúde.
Na Alemanha, a prática desportiva para pessoas com
deficiência física iniciou em 1918, como forma de amenizar
os horrores da Primeira Guerra Mundial. A guerra, apesar
de todos os seus prejuízos, trouxe para as pessoas com
deficiência algo melhor do que elas até então possuíam.
Em 1932, no Reino Unido, fundou-se uma Associação de
Jogadores de Golfe, englobando amputados unilaterais de
membros superiores.
Entretanto, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial
que começou um forte movimento, sobretudo na Europa
e nos Estados Unidos, na direção do desenvolvimento
do esporte adaptado de fato, com características mais
competitivas do que terapêuticas. Ao término da Segunda
Guerra Mundial, muitos soldados voltaram para seus países
com diversos tipos de mutilação, distúrbios motores,
visuais e auditivos. Essa situação forçou os governos e
as instituições a tomar uma série de providências para
proporcionar aos veteranos de guerra melhor condição de
vida. Com essa preocupação evidenciada, muitas pessoas
com deficiência começaram a ter acesso à prática esportiva
e muitas pesquisas evoluíram para tornar a vida dessas
pessoas mais digna e saudável.
A prática esportiva propriamente dita para atletas com
deficiência teve dois pólos principais: Inglaterra e Estados
Unidos. Na Inglaterra essa prática iniciou-se no Centro de
Tratamento para Lesados Medulares do Hospital de Stoke
Mandeville. Isso se deu em 1944, por iniciativa do médico
neurocirurgião Ludwig Guttmann, que acreditava ser o
esporte uma arma preciosa na reabilitação dos pacientes
com lesão medular. As primeiras práticas que ocorreram
neste local foram o arco e flecha e o tênis de mesa,
com caráter essencialmente de reabilitação. Em 1948
ocorreram os I Jogos de Stoke Mandeville, com provas
de arco e flecha. Em 1952 foram realizados os I Jogos
Internacionais de Stoke Mandeville, com a concomitante
fundação da International Stoke Mandeville Games
Federations (ISMGF). A partir de 1956, os Jogos de Stoke
Mandeville passaram a ser reconhecidos oficialmente pelo
Comitê Olímpico Internacional.
Nos Estados Unidos, a visão que norteou o início da
prática desportiva por pessoas com deficiência foi um
pouco diferente. Enquanto na Inglaterra o objetivo maior
era a reabilitação pelo esporte, nos Estados Unidos a
meta final era a competição. O esporte neste caso teve
suas origens nos hospitais de reabilitação de veteranos de
guerra. Os indivíduos voltavam mutilados para seu país
e exigiam do governo o direito de continuar praticando
sua modalidade esportiva favorita. Nos Estados Unidos,
portanto, a organização e a direção do esporte adaptado
sempre couberam às próprias pessoas com deficiência, e
não aos médicos. Em 1946 era fundada a associação PVA
(Paralyzed Veterans of America), entidade organizadora
do esporte adaptado nos Estados Unidos até os dias de
hoje. Logo as modalidades que mais se difundiram entre
os veteranos americanos foram o basquetebol em cadeira
de rodas e o atletismo.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
13
Em 1946 começaram os primeiros campeonatos de
basquetebol em cadeira de rodas. Nesse ano, a equipe
The Flying Wheels da Califórnia fez uma turnê pelos
Estados Unidos, deixando os americanos espantados
com seu potencial e obtendo mais apoio e simpatia para
o esporte adaptado. Em 1949 ocorreriam dois fatos de
grande relevância para o basquetebol em cadeira de
rodas. O primeiro foi a organização, por parte de Tim
Nugent, da Universidade de Illinois, do I Campeonato
Nacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas, que contou
com a participação de cerca de 15 equipes e cujo sucesso
deu nova dimensão ao esporte adaptado. O segundo fato
importante em 1949 foi a fundação da NWBA (National
Wheelchair Basketball Association), também por iniciativa
do professor Tim Nugent, que fez que o basquetebol
em cadeira de rodas iniciasse uma escalada para um
elevado nível de organização nacional. Ainda nos Estados
Unidos, um fato marcante no início da década de 1950
foi a fundação da NWAA (National Wheelcahir Athletic
Association), responsável pela organização de várias
modalidades competitivas para pessoas em cadeira de
rodas.
Em 1960, por iniciativa das associações de veteranos
de guerra, organizou-se o Grupo Internacional de Trabalho
para o Esporte Adaptado, responsável por analisar os
problemas do esporte para pessoas com deficiência e, em
1964, foi criada a ISOD (International Sport Organization
for the Disabled). Ainda em 1960, o dr. Ludwig Guttmann
conseguiu realizar um sonho de doze anos: organizar
um evento similar a uma olimpíada, só que para pessoas
com deficiência. Esse evento ocorreu na cidade de Roma,
logo após o encerramento dos Jogos Olímpicos, e ficou
conhecido como os primeiros Jogos Paralímpicos. Contou
com 400 participantes de 23 países e teve total apoio
do Comitê Olímpico Internacional. O dr. Guttman foi na
época chamado pelo papa João XXIII de “o Coubertin
dos deficientes”. Desde esta data, a cada 4 anos, vêm
ocorrendo os Jogos Paralímpicos, sempre alguns dias
após a realização dos Jogos Olímpicos, com cada vez mais
atletas, público e países participantes. Ainda na década de
1960, mais especificamente em 1967, realizavam-se os I
Jogos Pan-americanos para indivíduos com lesão medular,
amputados e portadores de seqüelas de poliomielite.
Na década de 1980, à medida que outras instituições
iam sendo criadas, surgia a necessidade de um comitê
único, que agrupasse todas as organizações. Assim, em
1989, foi fundado o International Paralympic Committee
(IPC), ou Comitê Paralímpico Internacional, em Düsseldorf,
Alemanha, desde então organizando e incentivando o
esporte paralímpico em todo o mundo. Atualmente, o IPC
conta com a filiação das instituições: CP-ISRA (Cerebral
Palsy International Sport and Recreation Association, ou
Associação Internacional de Esportes e Recreação para
Paralisados Cerebrais), IBSA (International Blind Sports
Federation, ou Federação Internacional de Esportes
para Cegos), INAS-FID (International Sports Federation
for Persons with Intellectual Disability, ou Federação
Internacional de Esporte para Pessoas com Deficiência
Intelectual) e IWAS (International Wheelchair and Amputee
Sports Federation). Além destas instituições, encontram-
se filiados ao IPC os comitês paralímpicos nacionais e
continentais e as federações esportivas internacionais.
As associações que organizam o esporte para pessoas
com deficiências motoras dividem sua atuação para
atletas em cadeira de rodas, atletas com amputação, com
paralisia cerebral e Les Autres. Cada entidade organiza
seus campeonatos e suas modalidades específicas,
sendo que, a cada 4 anos, todas participam dos Jogos
Paralímpicos. No Brasil algumas modalidades constituíram
confederações específicas e estas encontram-se filiadas
ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), como é o caso do
iatismo, voleibol, basquete em cadeira de rodas e tênis.
Para cada modalidade, há um sistema próprio de
classificação. Na maioria delas, esse sistema evoluiu muito
nos últimos anos, saindo da perspectiva médica para a
funcional. Neste capítulo trataremos resumidamente da
classificação de algumas modalidades, entre elas atletismo,
natação, tênis de mesa e basquetebol em cadeira de rodas.
Algumas modalidades foram especialmente adaptadas
para indivíduos com limitações motoras severas, como
aqueles com paralisia cerebral e tetraplégicos. A bocha,
por exemplo, é uma modalidade que foi há pouco tempo
introduzida nos Jogos Paralímpicos e visa a participação
principalmente de atletas com paralisia cerebral grave.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
14
O rúgbi em cadeira de rodas, por sua vez, começou a
ser praticado por indivíduos tetraplégicos que não tinham
oportunidade de praticar outras modalidades, como o
basquetebol em cadeira de rodas, por exemplo.
A seguir, trataremos de forma mais específica de
algumas das modalidades paralímpicas praticadas por
atletas brasileiros:
• Atletismo: o atletismo praticado por indivíduos
com deficiências motoras foi uma das primeiras modalidades
a ser introduzidas nos Jogos Paralímpicos e até hoje atrai
muitos praticantes. Para os indivíduos amputados que
podem ficar em pé, as provas de arremesso são realizadas
com regras idênticas às das pessoas não sem deficiência.
Já para os que necessitam realizar as provas de arremesso
sentado, é utilizada uma cadeira fixa de 75 cm de altura e
as provas realizadas são os arremessos de disco, dardo e
peso. As provas de pista, com exceção das com barreira, são
realizadas em distâncias e com regras muito semelhantes
às do esporte convencional. Para os indivíduos em cadeira
de rodas, em distância acima dos 800 m, é obrigatório
o uso de capacete. A classificação funcional no atletismo
separa os indivíduos em três grandes grupos: atletas
paraplégicos e tetraplégicos, amputados e com paralisia
cerebral. As provas de pista designam ao indivíduo uma
categoria T (track) e as de campo uma categoria F (field).
Os paraplégicos e tetra-plégicos recebem classificação de
T51 a T54, para as provas de pista, e de F51 a F58 para
as provas de campo. Os indivíduos amputados recebem
classificação de T41 a T46 para as provas de pista, e de
F41 a F46 para as provas de campo. Já os indivíduos com
paralisia cerebral recebem classificações de T31 a T38
para as provas de pista, e de F31 a F38 para as provas
de campo. Nesta modalidade, o Brasil sempre apresentou
atletas de destaque e, apesar dos poucos locais acessíveis
para treinamento e do alto custo das cadeiras de rodas e
das próteses específicas, nosso país vem obtendo boas
classificações em competições internacionais.
• Arco e flecha: embora pouco difundida no Brasil,
é uma modalidade praticada no mundo desde 1948 por
indivíduos em cadeira de rodas. Os atletas participam de
competições específicas ou convencionais e os resultados
paralímpicos são muito semelhantes aos olímpicos. Os
atletas ficam a uma distância de 70 metros do alvo, em pé
ou sentados e, para aqueles com restrições nos membros
superiores, a corda do arco pode ser puxada com a boca.
• Bocha: começou a ser praticada no Brasil há
poucos anos e já atraiu muitos adeptos. A sua grande
vantagem é ser uma modalidade voltada especialmente
para indivíduos com sequelas mais severas de paralisia
cerebral e com graves deficiências de coordenação
motora. O objetivo do jogo é lançar as bolas o mais perto
possível da bola branca, também chamada de “jack” ou
bolim. Para tanto, é permitido o uso das mãos, dos pés
ou de instrumentos de auxílio para quem tem um grande
comprometimento nos membros superiores e inferiores.
• Basquetebol em cadeira de rodas: no Brasil,
é uma das modalidades adaptadas mais difundidas e
praticadas por indivíduos com lesão medular, amputação e
seqüelas de poliomielite. Há atualmente vários clubes de
basquetebol em cadeira de rodas no Brasil, filiados à CBBC
ou às ligas regionais. As regras do basquetebol convencional
foram muito pouco modificadas, exceto no que se diz
respeito à presença da cadeira de rodas. Os tempos do
jogo, as dimensões da quadra, a altura da tabela e as
regras de substituições são idênticas às do basquetebol
convencional. As faltas, além das já existentes no esporte,
incluem os choques entre as da cadeira de rodas, a
retirada dos quadris do assento da cadeira e a “andada”
(tocar 3 vezes ou mais no aro de propulsão sem driblar
pelo menos uma vez a bola). A classificação dos atletas é
feita considerando-se fundamentalmente a amplitude de
movimento nas habilidades que estes conseguem realizar
durante o jogo, e não apenas o nível de lesão e o equilíbrio
na cadeira de rodas. Os itens analisados para a classificação
funcional durante o jogo são: arremesso, passe, rebote,
propulsão na cadeira de rodas, drible, posição na cadeira e
nível de limitação motora. Analisados todos esses itens, o
atleta é pontuado e classificado em uma das 9 categorias:
1, 1.5, 2, 2.5, 3, 3.5, 4, 4.5 e 5, sendo que esta última
não elege o indivíduo para participar de competições
adaptadas nos jogos oficiais.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
15
Quando o técnico coloca a equipe em quadra, deve
respeitar o máximo de 14 pontos na soma dos 5 jogadores,
o que permite que mesmo aqueles com maiores limitações
motoras possam competir. Ao realizar substituições durante
uma partida, o técnico deve pensar, além da posição dos
jogadores, na pontuação de cada um para que a soma não
seja excedida.
• Ciclismo: no caso de indivíduos com deficiências
motoras, existem três classes para competições de ciclismo
nos jogos paradesportivos: atletas com lesão medular,
amputação ou paralisia cerebral. Os atletas amputados,
de membro superior ou inferior, podem competir com ou
sem prótese. Para aqueles com paralisia cerebral podem
também ser utilizados os triciclos. Já para os atletas com
lesão medular, é utilizado o “handcycling”, uma bicicleta
impulsionada com as mãos.
• Esgrima: essa modalidade é praticada por
atletas em uma cadeira de rodas presa ao chão, mas com
movimentos livres para tocar o corpo do adversário. As
competições são realizadas com espada, sabre e florete.
As pistas de competição têm 4m de comprimento por 1,5m
de largura. Existem sensores nas vestimentas dos atletas
que indicam quando estes foram tocados ou não. Assim,
tanto o público quanto os esgrimistas e árbitros podem
acompanhar o placar.
• Futebol para atletas com paralisia cerebral: também conhecido como “futebol de 7”, é praticado por
indivíduos com paralisia cerebral leve, seqüelas de trauma
crânio-encefálico ou de acidente vascular encefálico, que
possam deslocar-se com certa facilidade pelo campo de
jogo (todos devem ser andantes). As dimensões do campo
e o tempo de jogo também sofrem pequenas reduções,
a fim de tornar a prática da modalidade mais competitiva
para os atletas. O campo tem no máximo 75 x 55 m, com
traves de 5m x 2m e a marca do pênalti fica a 9,20m do
centro da linha de gol. Cada equipe tem sete jogadores
em campo (goleiro mais seis na linha) e cinco reservas. A
partida dura 60 minutos, divididos em dois tempos de 30,
com intervalo de 15.
• Futebol para amputados: apesar de existirem
poucas equipes de futebol para amputados no Brasil,
nosso país encontra-se em posição de destaque no
cenário internacional da modalidade, sendo atualmente
tetracampeão mundial. Participam da modalidade
indivíduos amputados de uma das pernas, competindo
com duas muletas. O jogador não pode tocar a bola nem
com o coto, quando existente, nem com as muletas, sob
pena de cometer uma infração às regras do jogo. O goleiro
deve ser amputado de um dos braços. A modalidade,
mesmo sendo bem conhecida entre os atletas amputados,
ainda não é reconhecida como paralímpica.
• Halterofilismo: é praticado por indivíduos com
deficiências motoras na categoria de levantamento supino.
A classificação é realizada utilizando-se o mesmo critério
do esporte convencional, ou seja, por peso. É considerado
como resultado final o maior peso erguido em três
tentativas.
• Hipismo: praticado por indivíduos com vários
tipos de deficiências motoras, em que os atletas devem
cumprir circuitos de habilidades específicas.
• Iatismo: tornou-se modalidade paralímpica há
pouco tempo, mas já tem atraído muitos adeptos no Brasil,
principalmente pelo fato de proporcionar aos praticantes
uma grande sensação de liberdade e independência. Os
praticantes, em geral com lesão medular ou amputações,
sentem dificuldade maior apenas no momento de entrar e
sair dos barcos. Os circuitos da competição são desenhados
de acordo com o nível de habilidade dos atletas. A vela
paralímpica segue as regras da Federação Internacional de
Iatismo e são utilizados barcos das classes 2.4mR e sonar.
• Natação: a natação foi a modalidade esportiva
que mais trouxe medalhas para o Brasil nos Jogos
Paralímpicos de Atenas. As regras da natação para pessoas
com deficiências motoras em muito se assemelham às do
esporte convencional. As provas realizadas podem ter as
distâncias reduzidas em alguns casos, a fim de atender
aos atletas com limitações motoras mais severas.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
16
A classificação funcional para a natação é realizada
em duas etapas: um teste fora da água, em que serão
verificados os tamanhos do coto, os níveis de coordenação
motora, a mobilidade articular e a força para a realização
de vários movimentos básicos; e um teste na água, em
que os classificadores analisarão a forma como o atleta
realiza as saídas, as viradas e o estilo propriamente dito
dos nados. Para os nados crawl, costas e borboleta, os
atletas recebem uma classificação que pode variar de
S1 a S10, em ordem crescente de função motora. Para
o nado peito há uma classe específica, que pode variar
de SB1 a SB9, também em ordem crescente de função
motora; a existência de uma classe específica para o nado
peito justifica-se pelo fato de que este é um estilo em
que o papel da propulsão dos membros inferiores é muito
maior. Para as provas de medley é feito um cálculo para a
obtenção das classes, seguindo-se a equação:
SM = 3 x Classe S + 1 s Classe SB
4
O sistema classificatório na natação não separa os
indivíduos por tipo de deficiência, mas sim por nível
funcional, ou seja, os nadadores são classificados de
acordo com o que podem realizar e, de acordo com este
fator, recebem sua pontuação. Para ser elegível para as
competições oficiais de natação, o atleta deve apresentar
perda de no mínimo 15 pontos de sua função motora. O
nado livre é realizado nas distâncias convencionais para
todas as categorias. No nado borboleta, apenas os atletas
S8, S9 e S10 competem os 100 m, sendo que os demais
nadam apenas 50 m. O estilo peito é reduzido para 50 m
para as categorias SB1, SB2 e SB3, sendo que as demais
nadam os 100 m. O nado costas, até a categoria S5, é
reduzido para uma distância de 50 m; para as categorias
acima os atletas nadam os 100 m. Já o medley, nas
categorias SM1, SM2 e SM3 é reduzido para 150 m (o
borboleta é retirado); nas demais categorias os atletas
nadam os 200 m medley convencionais. As saídas e
viradas podem ser realizadas pelos atletas de acordo com
suas possibilidades motoras. Alguns atletas largam em
pé do bloco de saída, outros sentados e outros ainda de
dentro da piscina, com ou sem apoio. Já as viradas devem
respeitar as regras gerais da FINA, especialmente no que
se refere aos estilos peito e borboleta, os quais exigem
alinhamento dos ombros.
• Remo: é a mais nova das modalidades
paralímpicas, tendo sua estreia nos jogos de 2008 em
Pequim. Os equipamentos são modificados de acordo com
o nível de lesão do atleta, incluindo adaptações no assento
ou bóias laterais nos barcos. Existem três classes de atletas:
a categoria A usa somente os braços na propulsão e inclui
atletas com maior limitação motora; a categoria TA usa
braços e tronco na propulsão e é uma classe intermediária;
a classe LTA usa os braços, tronco e pernas na propulsão
e inclui atletas com restrições motoras menores.
• Rúgbi: esta modalidade sofreu grandes
adaptações para ser jogada por indivíduos em cadeira de
rodas. A quadra utilizada para o rugbi é a de basquete,
existindo nesta um círculo central e duas áreas-chave, à
frente das linhas de gol. O objetivo é fazer o gol, entre
duas barras metálicas colocadas nas linhas de fundo da
quadra. Cada equipe é composta por 4 jogadores titulares
e 8 reservas e o jogo é dividido em 4 período de 8 minutos
cada.
• Tênis de campo: o tênis de campo é das poucas
modalidades esportivas adaptadas no Brasil que tem sua
administração realizada por uma entidade do esporte
convencional: a Confederação Brasileira de Tênis possui
um departamento específico para o tênis em cadeira de
rodas. A principal adaptação nas regras é que a bola
pode pingar duas vezes antes de o atleta interceptá-la,
porém os jogadores de elite muitas vezes não utilizam
esse recurso. Todos os atletas competem nas cadeiras de
rodas em categoria única, havendo classificação especial
apenas para os indivíduos tetraplégicos, sobretudo pela
maior dificuldade destes com a empunhadura da raquete.
As dimensões da quadra e o sistema de pontuação são
semelhantes aos do tênis convencional. Os atletas podem
competir individualmente ou em duplas.
• Tênis de mesa: o tênis de mesa também é uma
modalidade na qual o Brasil tem destaque internacional.
As regras do esporte são idênticas às do tênis de mesa
convencional.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
17
Os atletas podem competir individualmente ou em
equipes, em pé ou em cadeira de rodas. A classificação é
realizada de acordo com as possibilidades e as deficiências
de cada atleta. Há no total 10 classes para os jogadores
de tênis de mesa adaptado: de 1 a 5 para os jogadores
sentados e de 6 a 10 para os atletas em pé. Também nesse
caso o número da classe é inversamente proporcional à
limitação motora.
• Tiro: as regras são basicamente iguais às do tiro
convencional, com pequenas adaptações que variam de
acordo com a deficiência, a prova, distância e tipo do
alvo, posição de tiro, número de disparos e o tempo que o
atleta tem para atirar. São utilizados alvos divididos em dez
circunferências, que valem de 1 a 10 pontos.
• Voleibol: no Brasil é uma modalidade que cresceu
rapidamente nos últimos anos. O voleibol paralímpico é
realizado sentado. Neste caso, as dimensões da quadra e
a altura da rede são reduzidas para possibilitar a realização
do jogo sentado. A quadra mede 10 x 6 m e a rede fica a
uma altura de 1.15m do solo no masculino e 1.05m para o
feminino. Em todas as ações, os atletas devem o contato do
quadril com o chão, exceto durante seus deslocamentos.
Outra diferença para o voleibol convencional, é que o
saque pode ser bloqueado.
Figura 8: Atletas na prática do rúgbi em cadeira de rodas Fonte: http://www.ptsport.net/gallery/QuadrugbyEC2007/06062007/IM G_3164large.jpg
Em determinadas modalidades em que é feita
a classificação funcional, alguns atletas devem ser
reclassificados periodicamente, como os indivíduos que
apresentam doenças crônico- degenerativas (distrofia
e miastenia, entre outras). Caso haja dúvidas sobre a
classificação do atleta, ele deverá ser colocado em uma
classe mais favorecida; após algumas observações, se for
o caso, pode mudar de classe funcional.
Além das modalidades citadas, há ainda as de inverno,
ainda pouco difundidas em nosso país e os esportes radicais,
que, embora não considerados paralímpicos, têm atraído
cada vez mais adeptos. Exemplos de esportes radicais
são vôo livre, pára-quedismo, alpinismo, rafting, skate e
surfe, entre outros. Em algumas dessas modalidades há
categorias especiais para pessoas com deficiências.
Algumas pessoas com deficiência motora têm participado
de maratonas aquáticas em represas ou no mar. Algumas
federações aquáticas, sensibilizadas pelo aumento do
número de atletas com deficiências participantes nas provas
de águas abertas, abriram categorias específicas para
eles. Além da natação, outras modalidades convencionais
abrem espaço para a participação de atletas com algum
tipo de limitação motora, como o atletismo em algumas
provas de rua. Infelizmente, estas ainda são minoria e, em
geral, esses atletas precisam competir apenas nos eventos
oferecidos pelas associações específicas.
deficiência inteLectuaL
Embora com prevalência elevada entre a população,
poucas condições despertam tantas dúvidas e negações
como a deficiência intelectual.
Talvez pela sua subjetividade e pela complexidade
de seu diagnóstico, o fato é que, exceto em situações
em que vem acompanhada de condições sindrômicas, a
deficiência intelectual ainda é um grande desafio para pais
e professores, especialmente pela falta de informações
adequadas sobre as reais possibilidades dos indivíduos.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
18
Muitos mitos pairam sobre esta condição, como o de
que aqueles com deficiência intelectual serão sempre
incapazes ou “eternas crianças”. É importante que a
sociedade se conscientize de que essas pessoas podem,
por meio de técnicas adequadas, atingir níveis elevados de
desempenho social, escolar, profissional e esportivo.
Compreende-se como deficiência intelectual um
distúrbio significativo do desenvolvimento cognitivo, que
tenha ocorrido antes dos 18 anos de idade e que gere
prejuízos significativos no comportamento adaptativo.
O comportamento adaptativo pode ser compreendido
como um conjunto de domínios básicos para que se
tenha garantida uma vida autônoma: comunicação,
cuidados pessoais, desempenho familiar, habilidades
sociais, independência na locomoção, saúde, segurança,
desempenho escolar, lazer e desempenho no trabalho.
Além do atraso cognitivo significativo, para ser considerado
portador de deficiência intelectual o indivíduo deve
necessitar de apoio e supervisão constante em pelo menos
dois desses domínios do comportamento adaptativo.
Assim, os testes que avaliam o coeficiente intelectual
não são mais os únicos determinantes para o diagnóstico
da condição, nem tampouco vêm sendo aplicados com
frequência. Além disso, o distúrbio deve ocorrer durante o
período do desenvolvimento cognitivo, ou seja, o indivíduo
não chega a atingir a maturidade plena de sua cognição.
O termo “deficiência intelectual” tem sido preferível
ao invés de “deficiência mental”, uma vez que este último
gerava maior possibilidade de confusão com o conceito
de “doença mental”. A doença mental, diferentemente da
deficiência, não afeta necessariamente o desenvolvimento
da inteligência do sujeito, mas sim de seu comportamento
e/ou personalidade. A dificuldade maior neste caso são
os relacionamentos sociais e não a aprendizagem em si.
Assim, para que a diferenciação entre as duas condições
pudesse ser facilitada, tem sido recomendado o termo
“deficiência intelectual”.
Ainda que existam níveis diferentes de déficits
cognitivos, a maioria dos indivíduos acometidos possui
restrições leves e podem, por meio de estímulos
específicos, conquistas uma vida produtiva e autônoma.
Neste contexto, a prática esportiva pode ser compreendida
como uma estratégia relevante para o aprimoramento da
condição física e das interações sociais, podendo reduzir
os atrasos no desenvolvimento e proporcionar grande
incremento da qualidade de vida.
Visto que os testes de QI não têm sido utilizados com
frequência para se diagnosticar ou categorizar os níveis
da deficiência intelectual, uma classificação atualmente
utilizada diz respeito ao tipo de apoio necessário para o
desempenho das tarefas do comportamento adaptativo.
Assim, os indivíduos poderiam ser classificados em:
• Limitado, caso necessite de algum apoio, ainda
que intermitente, em algumas tarefas do comportamento
adaptativo. Este nível corresponderia a um déficit
intelectual leve.
• Extenso, caso necessite de apoio na maior parte
das tarefas do comportamento adaptativo, correspondendo
a um déficit intelectual moderado.
• Generalizado, caso o indivíduo apresente
dependência constante para a realização de todas ou da
maior parte das tarefas do comportamento adaptativo.
Um indivíduo com deficiência intelectual pode ser
categorizado ainda de acordo com sua capacidade de
aprender em uma das três categorias seguintes:
• Educável: este termo refere-se à pessoa que
possui restrição leve, boa capacidade de ajuste social
e boa capacidade de aprendizagem, embora em um
ritmo diferenciado. Normalmente obtém bons resultados
frequentando uma escola comum e não apresenta
restrições motoras significativas;
• Treinável: a pessoa nesta categoria possui
um déficit moderado e capacidade de aprendizagem
mais restrita, obtendo maior sucesso em programas
sistematizados. Pode desenvolver diversas habilidades,
especialmente por meio de trabalhos condicionados.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
19
Quanto ao aspecto motor, o indivíduo neste nível
apresenta restrições mais evidentes, sobretudo quanto às
capacidades coordenativas, tais como ritmo, coordenação
motora, equilíbrio, agilidade, tempo de reação, entre
outras;
• Dependente: esta categoria define uma pessoa
com perda extremamente acentuada na capacidade de
aprender e que precisa de apoio e supervisão constante
em praticamente todas as tarefas do comportamento
adaptativo. Um sujeito neste nível apresenta dificuldades
na aquisição de habilidades motoras, mesmo com
programas sistematizados.
Entretanto, cabe ressaltar que esses sistemas de
classificação não podem ser vistos de forma estagnada, já
que, muitas vezes, indivíduos com deficiência intelectual
podem evidenciar características de um ou de outro nível,
de acordo com a autonomia demonstrada na realização de
atividades do cotidiano. Além disso, por meio de práticas
sistematizadas, alguns podem passar a apresentar
determinados comportamentos típicos de níveis mais leves
da deficiência.
características
Do ponto de vista afetivo-emocional, a adaptação
do indivíduo com deficiência intelectual dependerá dos
estímulos recebidos e do nível de sua deficiência. Em
geral, aqueles com deficiências mais leves são capazes de
estabelecer um bom convívio familiar e social, chegando em
várias situações a desenvolver relacionamentos profundos
e a constituir família. Já aqueles com deficiências mais
severas apresentarão maior dificuldade de adaptação
social, podendo manifestar dificuldades em se inserir em
ambientes inclusivos.
O comportamento dos indivíduos com deficiência
intelectual pode se apresentar com tendências à
agressividade ou à forte insegurança. Tais atitudes não
devem ser vistas pelo profissional e pelos familiares
como inerentes à deficiência, mas sim como fatores
que podem e devem ser moldados, a fim de garantir o
desenvolvimento o mais próximo possível do normal.
Esses comportamentos, em muitas situações, podem
estar relacionados a ambientes familiares problemáticos,
nos quais são evidenciadas situações de rejeição ou
superproteção.
Quanto ao aspecto cognitivo, indivíduos com deficiência
intelectual não conseguirão, ao longo do seu processo
de desenvolvimento, atingir os níveis mais avançados
de cognição, sobretudo no que se refere à aquisição da
capacidade de raciocínio lógico-abstrata. Esta condição
torna necessário o uso de estratégias específicas de ensino
por parte do professor, especialmente no que se refere
à utilização de referenciais concretos e de informações
sintetizadas e claras.
A capacidade real de aprendizagem é algo difícil de
ser mensurado. Entretanto, observa-se que alunos com
deficiência intelectual, além de exemplos concretos, são
beneficiados por meio de estratégias de sistematização do
ensino e com o uso extensivo de demonstrações por parte
do professor.
Embora o desenvolvimento não seja determinado pela
idade, e sim associado a ela, a disparidade entre o nível
de desenvolvimento normal e deficiente seriam percebidas
pela idade em que esses indivíduos alcançariam cada
etapa. Pessoas com grau de deficiência intelectual leve
encontram mais facilidade para lidar com as propostas de
aula ou com as atividades que exijam tomada de decisão,
regras complexas, ou demandem exposição de seus
pontos de vista. Por outro lado, é esperado que as pessoas
com deficiência mental com maior grau de severidade
encontrem mais dificuldade para a realização de tarefas
dessa natureza.
Já no âmbito do desenvolvimento motor, cabe lembrar
que a deficiência intelectual pode vir acompanhada
de outras condições estruturais, tais como hipotonia,
obesidade, espasticidade, entre outras. Dessa forma,
o professor deve ter conhecimento das reais causas da
deficiência, bem como se esta é ou não fruto de alguma
síndrome ou deficiência múltipla.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
20
As pessoas com deficiência intelectual são
caracterizadas por lentidão, pela escolha de estratégias
motoras inadequadas, pela alta variabilidade de produto
e processo, e, finalmente, por apresentarem um certo
atraso no alcance da seqüência de desenvolvimento em
comparação aos indivíduos sem deficiência.
De modo geral, pessoas com deficiência intelectual,
especialmente nos casos mais severos, apresentarão
distúrbios no desenvolvimento motor, sobretudo nas
capacidades motoras coordenativas, tais como agilidade,
equilíbrio, tempo de reação, ritmo, controle de força
e timing. Embora apresentem problemas em uma série
de capacidades e habilidades, dependendo do contexto
ambiental, ou melhor, de sua experiência, as pessoas com
deficiência intelectual podem alcançar etapas relativamente
avançadas do processo de desenvolvimento motor, visto
que a interação entre a maturação e experiência são
fundamentais para o processo de desenvolvimento motor.
Figura 9: Pessoas com deficiência intelectual podem ter vidas com grande autonomia Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_lQmPXjkE7LI/TGjP-E-xbYI/AAAAAAAAAoI/jTy9dj5Ncw0/s1600/0,,15443216,00.jpg
Síndrome de down
Embora a síndrome de Down seja categorizada como
deficiência múltipla, certamente é uma das causas mais
importantes de deficiência intelectual. Pode ser conceituada
como um distúrbio não progressivo do desenvolvimento,
provocado por uma falha na distribuição cromossômica que
ocorre em geral no momento da concepção. Esta síndrome
foi investigada pela primeira vez por John Langdon Down,
no século XVIII, embora apenas em meados do século XX
fosse descoberto o erro genético que a originava.
A síndrome de Down ocorre pela presença de um
cromossomo extra no vigésimo primeiro par, por isso
também é conhecida como “trissomia do 21”. Esse
cromossomo extra, com toda sua carga genética, confere
ao indivíduo características típicas da síndrome, tanto do
ponto de vista estrutural, como cognitivo e fisiológico.
Em cerca de 75% dos casos, essa falha na distribuição
cromossômica é atribuída a algum erro originário do
óvulo, especialmente se a gestante já possuir idade mais
avançada.
Existem três possíveis manifestações da Síndrome de
Down: a trissomia típica, a translocação e o mosaicismo.
Neste último caso, o erro na distribuição cromossômica
só se evidencia após as primeiras divisões celulares,
acarretando ao indivíduo características mais leves da
síndrome, situação conhecida como mosaicismo.
Algumas características gerais da síndrome de Down
estão destacadas a seguir:
• Aparência: observa-se que os dentes são
pequenos e a língua muito grossa, normalmente
permanecendo projetada para fora da boca. O nariz é
achatado e os olhos puxados (prega epicantal). Além
disso, a nuca é reta e o pescoço curto, assim como as
mãos, que possuem apenas uma prega em suas palmas.
O cabelo normalmente é falho, o que pode levar à calvície
precoce, e a estatura atingida é mais baixa do que a média.
A pele é ressecada, tornando muitas vezes recomendável
a utilização de cremes para melhor hidratação;
• Comportamento: especialmente os jovens
com síndrome de Down são normalmente dóceis,
podendo em algumas situações, no entanto, tornarem-se
extremamente birrentos. Especialmente os adolescentes
podem apresentar problemas de autocensura, mostrando
falta de controle da libido sexual.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
21
Todos os comportamentos excessivos devem ser
prontamente repreendidos pelo profissional que atua
com estes jovens e não devem ser considerados como
condições inerentes à síndrome;
• Sistema músculoesquelético: indivíduos com
síndrome de Down apresentam hipermobilidade articular
generalizada e hipotonia muscular. Ainda que jamais
venham a ser submetidos a qualquer treinamento específico
para a flexibilidade, conseguem realizar movimentos com
amplitudes articulares acima do normal. Além disso, o
baixo tônus da musculatura pode expor as articulações a
maior risco de lesão. Exercícios de fortalecimento muscular
e consequente aumento de tônus são muito indicados
nesta situação;
• Obesidade: é evidenciada, de modo geral,
grande tendência à obesidade, explicada pelo baixo tônus
muscular e pela ocorrência frequente de hipotireoidismo.
A porcentagem de gordura, tanto dos meninos como
das meninas, mostra-se normalmente acima da média
esperada para a idade;
• IAA: em torno de 10% dos indivíduos com
síndrome de Down apresentam Instabilidade Atlanto-
axial (IAA), ou seja, excessiva mobilidade entre as duas
primeiras vértebras cervicais (Atlas e Áxis), e não podem
realizar atividades que causem impacto na região cervical.
Caso se submetam a tais atividades, estarão sujeitos a
sofrer lesões que podem, inclusive, levá-los a óbito;
• Sistema cardiovascular: outra característica
que deve ser verificada atentamente pelos profissionais de
saúde é a possível presença de malformações cardíacas
congênitas, presentes em cerca de 35% dos casos da
síndrome. Esses distúrbios em geral são passíveis de
cirurgias corretivas, mas em algumas situações podem
impedir o portador de praticar exercícios mais vigorosos;
• Sistema imunológico: o sistema imunológico é
frágil, tornando os indivíduos com síndrome de Down mais
sujeitos a infecções respiratórias. Esta sequelas deve ser
motivo de atenção, uma vez que infecções respiratórias
freqüentes durante a infância podem trazer sequelas ainda
mais negativas para o desenolvimento;
• Distúrbios associados: podem ainda ocorrer
outros distúrbios sensoriais, tais como perdas visuais,
auditivas ou imaturidade vestibular, gerando alterações do
equilíbrio estático e dinâmico.
Figura 10: Criança com Síndrome de Down Fonte: http://www.apsdown.com.br/wp-content/uploads/2009/05/psico-image1.png
Algumas das características já mencionadas certamente
explicam porque os indivíduos com síndrome de Down
possuem expectativa de vida abaixo da média geral, entre
50 a 55 anos. No entanto, o diagnóstico cada vez mais
precoce da síndrome (ainda no início da gestação) e os
avanços da medicina têm proporcionado a estes indivíduos
uma qualidade de vida cada vez melhor. Ainda, pesquisas
envolvendo esta população em diferentes áreas de estudo
(medicina, educação física, fisioterapia, educação, entre
outras), têm evidenciado um grande potencial a ser
explorado, além da possibilidade de desenvolvimento de
diversas habilidades. Esta realidade desmente os mitos que
até recentemente eram disseminados sobre as limitações
de indivíduos com Síndrome de Down e nos mostram que
é praticamente impossível precisar o desempenho que
estes podem atingir.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
22
implicações para os programas de atividade física
Historicamente, os programas de atividades físicas
voltados para o segmento populacional de indivíduos
com deficiência intelectual estruturaram-se muito mais
voltados para os possíveis aspectos terapêuticos do
exercício do que para o aprimoramento das habilidades
motoras em si. Em muitas situações, acreditava-se que
esses indivíduos, por suas limitações, seriam totalmente
incapazes de obter resultados positivos advindos de
programas de atividades físicas. Atualmente, entretanto,
pode-se notar que programas para essa população têm se
multiplicado e buscado novas alternativas para o sucesso
de sua implementação.
A grande questão quando falamos em atividades
físicas para os indivíduos com deficiência intelectual não
é exatamente o que devemos ensinar ou treinar, mas sim
o que enfocar no processo de ensino/treinamento e como
passar as informações de modo que possam ser assimiladas
com maior facilidade. Desse modo, tendo em vista algumas
características que podem ser manifestadas por esses
indivíduos, é possível elencar algumas estratégias que
fazem com que os processos de ensino e de aprendizagem
fluam de uma maneira mais satisfatória. Algumas dessas
estratégias são colocadas a seguir:
• Apresentar poucas informações por vez e sempre
da maneira mais clara possível: o professor, ao ensinar uma
tarefa motora, deve buscar concisão em suas informações.
A instrução deve ser apresentada de maneira clara, e o
ideal é que seja colocada apenas uma informação por vez.
No caso de atividades novas, estas certamente devem
ser solicitadas na primeira parte da aula ou sessão de
treino, momento em que o indivíduo encontra-se mais
descansado e, em geral, com menor probabilidade de se
desconcentrar.
• Utilizar diferentes vias de comunicação e enfatizar
exemplos concretos: pela dificuldade mencionada
anteriormente desses indivíduos em realizar abstrações, é
importante o professor tornar sua instrução o mais concreta
possível para seu aluno/atleta. Para tanto, pode utilizar
estratégias como relacionar o movimento a ser aprendido
com uma tarefa já conhecida no cotidiano do indivíduo ou
com algum movimento típico realizado por um brinquedo
ou um personagem conhecido (por exemplo, a pernada do
nado borboleta pode ser associada ao movimento de nado
de uma sereia). O professor deve ainda explorar diferentes
canais para passar a informação. Além da instrução verbal,
o movimento a ser executado deve ser demonstrado para
o aluno/atleta (o que ajuda a torná-lo concreto) e, em
algumas situações, o professor pode favorecer o aluno/
atleta com instruções também cinestésicas, fazendo
com que o mesmo sinta inicialmente o movimento a ser
executado.
• Buscar estratégias para evitar a distração dos
indivíduos para evitar que se distraiam ou demonstrem
desmotivação durante as aulas ou sessões de treino: o
professor deve avaliar se está se posicionando de forma
correta. Uma postura adequada por parte do professor,
variações no tom de voz e modificações de estratégias
podem ser importantes ferramentas para viabilizar o
processo. Caso a desmotivação e a distração excessivas
sejam evidenciadas, o professor pode, por exemplo,
modificar os materiais utilizados durante as aulas/
treinos, optando por outros mais coloridos, de diferentes
texturas ou que emitam sons intrigantes. Na forma de
passar a instrução, o professor pode também colocar a
atividade a ser realizada como uma novidade interessante
para os indivíduos, criando um contexto que exija um
desafio. Essa atitude certamente fará com que o nível de
motivação e atenção sobre o que será realizado aumente
consideravelmente. Outra estratégia que aumenta a
motivação é permitir que o aluno/atleta participe da
escolha dos conteúdos da aula ou das sessões de treino.
Na medida do possível, é recomendável que o professor
permita que o indivíduo tenha oportunidades de escolher
durante as sessões (qual jogo será realizado ao final, com
quem quer formar dupla para uma atividade, etc.). Para
muitos desses indivíduos, não são dadas oportunidades de
escolha no dia-a-dia. Dessa forma, durante as atividades,
o professor pode contribuir para estimular a capacidade de
tomada de decisão e autonomia por parte de seus alunos/
atletas com deficiência intelectual.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
23
• Ter certeza de que os alunos/atletas
compreenderam a atividade: o professor deve,
especialmente nos casos mais severos, trabalhar de forma
sistematizada, enfocando repetições de uma mesma
tarefa e criando padrões consistentes durante as aulas/
treinos (rotina). Os indivíduos com déficits cognitivos mais
graves, diferentes daqueles educáveis, terão mais chances
de sucesso no processo de aprendizagem caso lhes seja
dada a oportunidade de participar de programas mais
repetitivos. Em algumas situações, o professor pode optar
por dividir uma determinada atividade em outras menores,
o que facilita a assimilação por parte do indivíduo. Sempre
que um aluno/atleta for iniciar um programa, no entanto,
é aconselhável que o professor ofereça inicialmente
atividades que lhe são familiares, de forma que se sinta
seguro e possa demonstrar aquilo que já sabe fazer.
• Saber lidar com a possível instabilidade emocional:
alguns comportamentos agressivos por parte do aluno/
atleta podem exigir algumas ações diferenciadas por parte
do professor. Em casos mais extremos de agressividade
ou outros distúrbios no comportamento, é de fundamental
importância o auxílio de um monitor para a realização
das atividades. Por vezes, o afastamento temporário do
indivíduo das atividades é necessário para garantir sua
própria segurança e a dos demais. Evidentemente, cabe
também ao professor refletir se a forma como a atividade
está sendo estruturada para seus alunos/atletas é mais
adequada. Alguns indivíduos com deficiência intelectual,
ao se sentirem desmotivados ou angustiados por não
conseguirem realizar uma tarefa, podem manifestar
comportamentos indesejáveis, como agressividade e
rejeição ao aprendizado. O uso de punições e recompensas
também pode ser de grande ajuda, mas é preciso que
alguns cuidados sejam tomados. A simples punição
ou recompensa pode ser danosa se o indivíduo não
compreender claramente que esta está associada ao seu
comportamento e não a ele próprio. Quando um aluno
é proibido de brincar ao final da aula, por exemplo, por
ter manifestado um comportamento inadequado, essa
punição não fará sentido se não houver a clara noção de
que foi relacionada ao seu mau comportamento. Caso
contrário, o mesmo poderá acreditar que o professor o
puniu por não gostar dele, o que tornará seu progresso
ainda mais difícil.
• No caso de alunos/atletas com Síndrome de
Down, é aconselhado que o professor solicite um laudo
médico atestando se existem anormalidades cardíacas
ou instabilidade atlanto-axial, as quais acontecem com
frequência elevada entre esta população. Caso as mesmas
estejam presentes, alguns cuidados devem ser tomados.
No caso da instabilidade atlanto-axial, devem ser evitadas
atividades que gerem impacto ou hipermobilidade na
região cervical. Já no caso dos distúrbios cardíacos, em
algumas situações a prática esportiva deve ser realizada
com restrições, sempre observando níveis seguros de
frequência cardíaca.
• Caso existam outras condições associadas, o que
é comum acontecer em casos de deficiência intelectual,
é necessário observar possíveis restrições sensoriais,
motoras ou fisiológicas que comprometam a prática
esportiva. Condições como hipotonia, espasticidade,
obesidade, entre outras, devem ser levadas em conta na
hora de se elaborar programas de iniciação ou treinamento
esportivo.
É importante lembrar que as estratégias podem
variar de acordo com o nível de deficiência intelectual, a
idade dos participantes e o tipo de atividade esportiva a
ser desenvolvida. Em todas as situações, no entanto, o
desenvolvimento do programa é muito facilitado quando
se pode contar com o apoio de equipes multidisciplinares,
como médicos, psicólogos e fonoaudiólogos. Infelizmente,
a realidade imposta pelos estabelecimentos de ensino e de
prática esportiva em nosso país difere desse ideal e muitas
vezes os profissionais de Educação Física/Esporte não
conseguem, por falta de recursos adequados e informações
necessárias, atingir os resultados máximos possíveis com
seus alunos/atletas com deficiência intelectual.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
24
esporte adaptado
Embora os indivíduos com deficiências intelectuais
apresentem dificuldades no aprendizado, as experiências
práticas demonstram que eles conseguem atingir ótimos
níveis de desempenho nas habilidades motoras, inclusive
nos esportes competitivos. Evidentemente o professor ou
o técnico esportivo deve utilizar algumas estratégias a fim
de que esse atleta especial possa absorver o máximo das
sessões de treinamento. O fundamental é que o técnico
conheça muito bem as potencialidades e as limitações de
seu atleta e, durante as atividades propostas, valorize as
experiências que o indivíduo já possui e busque relacionar
novas habilidades com as que o atleta já conhece.
O esporte adaptado para pessoas com deficiências
intelectuais, internacionalmente, é administrado por
duas associações: International Sports Federation for
Person with Intellectual Disability (INAS-FID) e Special
Olympics Inc. (SOI). Os atletas que participam dos
eventos da primeira eram os elegíveis para competir nos
Jogos Paralímpicos. Os que participam da SOI são os que
competem nos eventos da Special Olympics.
A INAS-FID, atualmente chamada apenas de INAS, foi
oficialmente fundada nos Países Baixos em 1986 e ainda
hoje permanece filiada ao Comitê Paralímpico Internacional.
Nos Jogos Paralímpicos de Barcelona em 1992, atletas com
deficiência intelectual puderam competir pela primeira vez.
Esta participação em Jogos Paralímpicos ocorreu até o ano
de 2000, os Jogos de Sidney, com a presença de atletas
com deficiências leves e moderadas competindo em uma
classe única. Os atletas com deficiência intelectual foram
recentemente excluídos dos Jogos Paralímpicos, uma vez
que o IPC julgou precária sua forma de classificação.
As modalidades esportivas administradas pela INAS em
eventos internacionais são: atletismo, basquete, críquete,
ciclismo, futebol, futsal, judô, remo, natação, tênis de
mesa, tênis e modalidades de inverno. Podem participar
dos eventos atletas elegíveis com deficiência intelectual,
devidamente registrados em suas entidades nacionais e
que obtenham o índice estabelecido. A INAS tem a missão
principal, além de organizar eventos internacionais e
representar a deficiência intelectual no Comitê Paralímpico
Internacional, de fomentar a disseminação da prática
esportiva para indivíduos com deficiência intelectual por
todo o mundo.
No Brasil, os atletas filiados ao Comitê Paralímpico
Brasileiro (CPB) estão vinculados à Associação Brasileira
de Desporto de Deficientes Mentais (ABDEM), fundada
em 1989. A entidade, além de organizar a participação
dos atletas com deficiência intelectual em eventos do CPB,
organiza competições regionais e nacionais em diversas
modalidades esportivas.
Já o movimento Special Olympics, que nada tem a ver
com as Paraolimpíadas, foi criado para dar oportunidade
a mais indivíduos com deficiência intelectual, inclusive
aqueles portadores de Síndrome de Down, de participarem
de grandes competições internacionais.
Special olympics
O movimento Special Olympics surgiu na década
de 1960, por iniciativa da família Kennedy, nos Estados
Unidos. Eunice Kennedy Shriver, irmã do então presidente
John Kennedy, realizou no início da década de 1960 um
acampamento para pessoas com deficiência intelectual.
Empolgada com a ideia, Eunice percebeu que essas
pessoas conseguiam aprender e executar diversas
atividades motoras, inclusive esportes. Notou também que
tais atividades melhoravam muito a convivência e o estado
de humor dessas pessoas.
Em 1968, foi então fundada a Special Olympic Inc.,
com a realização dos primeiros Jogos Internacionais em
Chicago.
A missão principal da SOI sempre foi oferecer
oportunidades de treinamento e competição em várias
modalidades olímpicas para atletas com deficiência
intelectual. O objetivo maior é aprimorar a aptidão física,
a inclusão social e a divulgação de informações a toda
comunidade sobre as reais potencialidades da pessoa com
deficiência intelectual.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
25
Desde sua fundação, a SOI cresceu rapidamente e
alcançou grande reconhecimento internacional, inclusive
por parte do Comitê Olímpico Internacional, que a autorizou
a utilizar o termo “olímpico” em seus eventos pelo mundo.
Atualmente, mais de 170 países e 3,7 milhões de atletas são
filiados à associação, dando oportunidade de participação
esportiva e reintegração social para pessoas que até
então eram estigmatizadas como incapazes de aprender.
Participam desse movimento pessoas com deficiência
intelectual em todos os níveis e pessoas com deficiências
múltiplas, como o caso da Síndrome de Down, desde que
possuam pelo menos 8 anos de idade. Existe também o
programa Jovem Atleta, destinado ao desenvolvimento de
habilidades motoras fundamentais para crianças de 2 a 7
anos.
O movimento Olimpíadas Especiais do Brasil surgiu em
1990 e organizou jogos estaduais e nacionais, congregando
12 estados brasileiros (Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,
Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo)
e o Distrito Federal. Entretanto, em 2002 a entidade
perdeu o credenciamento internacional.
Ainda em 2002 formou-se um novo grupo, denominado
Special Olympics Brasil, que até hoje organiza e administra
a modalidade nacionalmente, sendo reconhecido pelo
Special Olympics International. Atualmente o movimento
está presente em vários estados brasileiros, oferecendo
nove modalidades esportivas: atletismo, basquete,
bocha, futebol, natação, ginástica rítmica, tênis, tênis
de mesa, hóquei sobre piso. Além das modalidades,
existem os programas destinados para as famílias e para
o aprimoramento da saúde e educação dos atletas. No
Brasil, assim como internacionalmente, as ações principais
do movimento Special Olimpics estão centradas nos
atletas, focadas nas famílias e conduzidas por voluntários,
os quais são formados em cursos de capacitação.
Internacionalmente, são oferecidas 32 modalidades
entre esportes de inverno e de verão: esqui na montanha,
atletismo, esportes aquáticos, badminton, basquete,
bocha, boliche, críquete, esqui cross country, ciclismo,
floorball, futebol, golfe, ginástica artística, ginástica
rítmica, handebol, hipismo, hóquei no piso, judô, caiaque,
netball, natação em águas abertas, levantamento de peso,
patinação de velocidade, patinação artística, patinação
roller, vela, snowboarding, snowshoeing, tênis de mesa,
tênis e volei. Os esportes proibidos de participar do Special
Olympics são, entre outros, boxe, tiro, esgrima e karatê.
Os Jogos Internacionais são realizados a cada 2 anos,
intercalados entre Jogos de Verão e Jogos de Inverno.
Além das modalidades mencionadas, ocorrem mais três
atividades especiais na ocasião do Special Olympics. Uma
delas é chamada de Atividades de Jogos e é destinada
para crianças menores de oito anos de idade. A outra,
denominada Esportes Unificados, visa integrar atletas
com e sem deficiência na mesma equipe participando
de várias provas, com o intuito principal de estimular a
inclusão social. Existe ainda o Programa de Treinamento
de Atividades Motoras, no qual são disputadas provas
de destrezas motoras por atletas com menor nível de
habilidade. Para participar desta atividade, o atleta tem
que ser considerado elegível e passar por um processo de
avaliação pela organização do evento.
Os atletas na Special Olympics são classificados por
nível de habilidade, independentemente do grau da
deficiência. São agrupados nas competições de acordo com
seus rendimentos esportivos, idade e sexo. O fundamental
nesse sistema de classificação é que os resultados mínimo
e máximo não podem diferir mais do que 15%. Essa norma
garante que as competições sejam niveladas e que todos
tenham oportunidade de obter um bom rendimento.
O treinamento é o ponto forte do movimento e aqui no
Brasil é seguida a norma de conduta da Special Olympics
Inc. O objetivo maior desse movimento é preparar os
indivíduos com deficiência mental para a vida, utilizando
para isso o esporte como meio. Pretende-se, mediante
o esporte, encorajar essas pessoas para o aprendizado,
proporcionar a elas momentos de alegria e de bom convívio
social, além de lhes ensinar valores e hábitos saudáveis
de vida. Na Special Olympics, além dos três primeiros
colocados que ganham medalhas, todos os participantes
recebem fitas simbolizando um prêmio de participação.
Deficiência Intelectual e Deficiência Física
26
Esta é talvez a grande diferença deste movimento para
os Jogos Paralímpicos. Nestes últimos, o objetivo maior é
o desempenho e não a participação.
Além dos benefícios destacados do ponto de vista físico
e motor, a prática esportiva e a participação de atletas
com deficiência intelectual em jogos competitivos pode ser
compreendida de maneira mais abrangente. Ao mostrar
as famílias e à sociedade a possibilidade de participação
em tais eventos, o indivíduo com deficiência intelectual
passa a ser visto como alguém capaz de desenvolver sua
autonomia e suas potencialidades. Portanto, independente
do nível competitivo que se possa atingir, esta prática deve
ser estimulada e difundida.
Figura 11: Atleta com Síndrome de Down em competição do Special Olympics Fonte: http://mnmnmnm.files.wordpress.com/2011/03/soee-2010-games-track2.jpg
concLuSão
Como mencionado anteriormente, ainda existe grande
carência de informações por parte de profissionais da
Educação Física e Esporte no que concerne às pessoas
com deficiência e suas reais possibilidades de prática de
atividades físicas. Talvez por esta razão, as ações destes
profissionais acabem muitas vezes sendo conduzidas por
sentimentos de piedade e incompreensão, resultando em
intervenções que reforçam a superproteção e que acabam
por não atender as expectativas e necessidades dos
alunos/atletas.
No entanto, a mudança neste panorama é possível e
passa obrigatoriamente pela capacitação continuada e
pela oportunidade de vivências práticas, preferencialmente
desde a graduação. Neste sentido, alguns avanços já
podem ser observados, como o incremento recente
das políticas públicas voltadas aos direitos de pessoas
com deficiência, bem como o aumento no número de
profissionais de Educação Física e Esporte que buscam
desenvolver projetos de pesquisa voltados à área da
atividade física adaptada.
Embora ainda predomine uma visão assistencialista
no que se refere às pessoas com deficiência, pouco a pouco
os profissionais vão tendo acesso a um maior número de
informações e este fato, ainda que de maneira tímida, vai
levando a mudanças de atitudes. É inegável que ainda
temos muito que caminhar. No entanto, é fundamental
não perder de vista que apenas a busca e disseminação de
informações sobre o assunto pode transformar as ideias
em resultados práticos, fazendo com que a prática da
atividade física por pessoas com deficiência deixe de ser
apenas um constructo teórico e passe, verdadeiramente, a
ser parte da realidade de suas vidas.
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