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Cad. Bras. Ens. Fís., v. 28, n. 3: p. 676-692, dez. 2011. 676 DOI: 10.5007/2175-7941.2011v28n3p676 DEMONSTRAÇÕES EXPERIMENTAIS DE FÍSICA EM FORMATO AUDIOVISUAL PRODUZIDAS POR ALUNOS DO ENSINO MÉDIO + 1* Marcus Vinicius Pereira Instituto Federal do Rio de Janeiro Campus Maracanã Rio de Janeiro RJ Susana de Souza Barros Instituto de Física UFRJ Rio de Janeiro RJ Luiz Augusto de Coimbra Rezende Filho NUTES UFRJ Rio de Janeiro RJ Leduc H. de Almeida Fauth Instituto de Física UFF Rio de Janeiro RJ Resumo O avanço tecnológico tem facilitado o uso de câmeras digitais e celulares a muitas pessoas. A aplicação desses recursos pode ser pensada em realidades escolares que permitam o desenvolvimento de projetos de produção de vídeos por alunos do ensino básico, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem. O engaja- mento intelectual nas tarefas e atividades faz da aprendizagem um processo recursivo, sendo o espaço escolar visto como um centro + Audiovisual report of activities of Physics experimental activities produced by High School students. 1 Trabalho realizado com apoio do CNPq. * Recebido: junho de 2011. Aceito: outubro de 2011.

Demonstrações Experimentais de Física Em Formato Audiovisual Produzidas Por Alunos Do Em

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  • Cad. Bras. Ens. Fs., v. 28, n. 3: p. 676-692, dez. 2011. 676

    DOI: 10.5007/2175-7941.2011v28n3p676

    DEMONSTRAES EXPERIMENTAIS DE FSICA EM FORMATO AUDIOVISUAL PRODUZIDAS POR ALUNOS DO ENSINO MDIO + 1*

    Marcus Vinicius Pereira Instituto Federal do Rio de Janeiro Campus Maracan Rio de Janeiro RJ Susana de Souza Barros Instituto de Fsica UFRJ Rio de Janeiro RJ Luiz Augusto de Coimbra Rezende Filho NUTES UFRJ Rio de Janeiro RJ Leduc H. de Almeida Fauth Instituto de Fsica UFF Rio de Janeiro RJ

    Resumo

    O avano tecnolgico tem facilitado o uso de cmeras digitais e celulares a muitas pessoas. A aplicao desses recursos pode ser pensada em realidades escolares que permitam o desenvolvimento de projetos de produo de vdeos por alunos do ensino bsico, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem. O engaja-mento intelectual nas tarefas e atividades faz da aprendizagem um processo recursivo, sendo o espao escolar visto como um centro

    + Audiovisual report of activities of Physics experimental activities produced by High School students. 1 Trabalho realizado com apoio do CNPq. * Recebido: junho de 2011. Aceito: outubro de 2011.

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    irradiador de conhecimento e o professor um mediador. Um proje-to desse teor foi planejado como estratgia de trabalho no labora-trio de Fsica, resultando em 22 vdeos que foram analisados co-mo relatrios audiovisuais das demonstraes experimentais reali-zadas. preciso considerar o potencial pedaggico de tal estrat-gia medida que os estudantes externalizam seu pensamento cria-tivo ao produzir um vdeo envolvendo fenmenos fsicos, fazendo uso espontneo de recursos como msica, dramatizao, imagem, animao, entre outros. Isso pode ser interpretado pelo fato de o vdeo estar mais legitimado para os alunos como ferramenta de cultura do que como estratgia de ensino, mesmo quando a produ-o ocorre no contexto do laboratrio didtico de Fsica, que, em princpio, no daria espao dimenso esttica. Os relatrios au-diovisuais no apresentaram uma ordem ou estrutura pr-determinada, mas a explanao do fenmeno, sempre presente, se ancorava em conceitos, leis e/ou princpios fsicos necessrios. Dessa forma, concluiu-se que a estratgia permitiu a flexibilizao dos relatrios de atividades experimentais por meio do uso de re-cursos audiovisuais, quando comparada com as instrues estru-turadas tradicionalmente utilizadas. Palavras-chave: Laboratrio didtico. Audiovisual. Demonstra-o experimental. Produo de vdeo. Abstract

    The technological progress has facilitated the use of digital cameras and cell phones to many people. The application of these resources can be thought in school situations that enable students involvement in a video production project, contributing to the teaching and learning process. The intellectual engagement in tasks and activities makes learning a recursive process, and the school can be taken as an irradiating pole of knowledge and the teacher acts as a mediator. A project of this level was planned as a strategy for Physics labwork, yielding 22 videos which are considered as audiovisual reports documenting the experimental activities. While it may not be expected that the video production in the laboratory context could lead to develop aesthetic and cultural

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    dimensions, nevertheless it was observed that the students spontaneously used resources such as music, dramatization, picture/image and animation. This can be understood because audiovisual resources are deeply rooted within the students as a cultural tool rather than as a teaching strategy, even when production occurs in the school Physics lab, which apparently would not allow the aesthetic dimension. The audiovisual reports did not present a fixed structure, but the phenomenon explanation, always present, was grounded in concepts, laws and/or physical principles. Thus, in this approach, it was not necessary to bind the audiovisual report to structured guidelines, as frequently happens in written reports, which can also be considered as a plus. Keywords: Didactic laboratory. Audiovisual. Experimental demonstration. Video production.

    I. Introduo

    A acelerada evoluo tecnolgica provoca mudanas na relao ensino-aprendizagem na escola, que deve estar apta para aproveitar a relao prxima que as pessoas atualmente tm com as tecnologias da informao e comunicao (TIC), incorporando-as em suas prticas.

    As transformaes na rea de comunicao, com a integrao de sistemas multimdia na produo de imagens, colocaram cmeras digitais, celulares e com-putadores ao alcance de muitos cidados, favorecendo, assim, a produo audiovi-sual independente, j que despende custos bem menores, quando comparados aos da produo profissional cinematogrfica ou televisiva. Isso acarretou uma mudan-a de expertise em se tratando da produo audiovisual. Atualmente, vdeos e foto-grafias produzidos por qualquer pessoa so considerados textos relevantes, a ponto de serem incorporados nos mais diversos veculos oficiais de informao e comu-nicao.

    Parece que, por tradio ou buscando sua sobrevivncia e preservao, a escola tem procurado se manter autnoma [...] Mas os meios e as tecnolo-gias de comunicao desafiam terrivelmente esta estratgia histrica da es-cola de permanecer impermevel ao que se passa ao seu redor e que diz respeito sociedade em geral (GMEZ, 2006, p. 375).

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    O convvio das audincias com os meios de comunicao, como aponta Gmez (2006), pode gerar familiaridade com elementos da esfera da produo (edio de imagens, escolhas, etc.).

    A participao real na produo das mdias, de uma forma geral, tem gran-de importncia, pois, da mesma maneira que tais mdias ganham um papel cada vez mais importante na sociedade, por meio delas que muitas de nos-sas ideias so consolidadas (MARTINS, 2003, p. 38).

    Dessa forma, a estratgia de envolver estudantes na produo de vdeos pode funcionar como aspecto motivador, sobretudo para a formao de conceitos cientficos chaves para a promoo da aprendizagem. Alm disso, d lugar ao aprendiz como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem, medida que o desloca da condio de espectador para produtor de um material audiovisual que tanto pode ser lido como documentao de uma atividade didtica, quanto analisa-do do ponto de vista de sua produo e recepo.

    Nesse sentido, este artigo tem como objetivo fazer uma anlise de algu-mas caractersticas do relatrio de uma atividade experimental de Fsica, quando documentado por meio da produo de um vdeo por alunos do Ensino Mdio, e identificar quanto tempo do vdeo dedicado ao desenvolvimento da teoria e quan-to tempo realizao da prpria demonstrao experimental.

    II. Justificativa

    Segundo Ferrs (1996), a escola insiste em educar com metodologias de mais de 50 anos atrs que se confrontam com a avalanche de imagens do mundo moderno. Ele chama ateno para os modelos que viam o receptor como sujeito passivo (tbula rasa), para os quais a comunicao era um processo unilateral de uma informao cujo significado fixo chegaria a uma pessoa (emissor-receptor), analogamente aos processos de ensino-aprendizagem que no consideravam as ideias prvias dos estudantes.

    A grande quantidade de recursos construdos com propsito educativo em forma digital, como animaes, simulaes, softwares e vdeos (muitos deles dis-ponveis na internet), cria expectativa quanto ao uso da informtica como soluo dos problemas que afligem o ensino de cincias a nova vareta mgica da edu-cao no sculo XXI, tal qual o laboratrio foi considerado na dcada de 1960, quando a corrida espacial deu incio a movimentos radicais de reforma curricular, como o projeto americano Physical Science Study Committee (PSSC), dentre ou-tros.

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    No momento em que a TV, o computador e o videogame se encontram cada vez mais integrados, escola e tecnologia devem estreitar relaes no sentido de fazer com que, em especial, as TIC desempenhem funes sociais, ao estarem relacionadas a projetos educacionais.

    A insero das TIC na sala de aula no pode ser encarada apenas como uma boa ideia: preciso teorizar, dar lugar prtica e, ainda mais, necessrio avaliar e medir, e, com isso, garantir a seleo das melhores ferramentas e metodo-logias para a promoo do progresso educacional (PERRATON, 2000). Apesar de se concordar quanto necessidade de teorizao, as ideias de Perraton sugerem uma viso instrumental e quantitativa em relao ao vdeo no ensino como objeto de pesquisa.

    Pretto (2005) bem coloca essa viso quando, em sua perspectiva do vdeo como instrumento, considera-o apenas como mais um recurso didtico-pedaggico [...] animador da velha educao, que rapidamente se desfaz, uma vez que o encanto pela novidade tambm deixa de existir (PRETTO, 2005, p. 112). Em contrapartida, prope, tambm, uma perspectiva do vdeo como fundamento, na qual o espao escolar visto como um centro irradiador de conhecimento e o professor como um articulador, um comunicador de diversas fontes de informao, tendo como objetivo aguar a imaginao do estudante por meio de uma nova forma de pensar e agir. Para Ferrs (1996, p. 42-43), o poder didtico do vdeo ser to maior quanto mais a tecnologia for posta nas mos dos alunos, ao fazer com que eles possam descobrir novas possibilidades de expresso, fazer experin-cias de grupo em um esforo de criao coletiva, experimentar e experimentar-se.

    A familiaridade com os meios de produo audiovisual mais que ne-cessria para a formao de professores e alunos (GIRAO, 2005, p. 113). Tal formao pode ser encontrada no relato de Prez (2009) sobre a produo, por crianas, de um filme em uma escola da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, o que, segundo a autora, permite o reconhecimento das diferentes formas do proces-so de aprendizagem.

    , sem dvida, um processo complexo, mas no to difcil como parece ou como querem nos fazer crer. Ao contrrio, saudvel e desejvel estender a alunos e professores os processos de produo dos vrios meios de comuni-cao, notadamente o vdeo. Afinal, trabalhar com recursos visuais nas di-versas reas do conhecimento tornou-se uma imposio dos tempos atuais (GIRAO, 2005, p. 113).

    O vdeo uma produo audiovisual privilegiada, no sentido de mais fa-cilmente dar lugar experimentao. No campo da educao, encontram-se vrios

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    trabalhos que relatam a produo de vdeos por alunos como uma prtica alternati-va que possibilita explorar dimenses que decorrem do deslocamento do aluno como sujeito-passivo-receptor para ativo-receptor-produtor.

    Segundo Moran (1995), a produo de vdeo por alunos deve ser incenti-vada na escola em face de sua dimenso moderna e ldica. Os alunos podem ser incentivados a produzir dentro de uma determinada matria, ou dentro de um traba-lho interdisciplinar (MORAN, 1995, p. 5). O que este autor encarava como neces-sidade de incentivo, atualmente parece ser uma atitude natural, j que os estudantes tm produzido vdeos para tarefas que no exigem essa forma de produo. A documentao de pesquisas solicitadas pelos professores, antes apresentada como relatos escritos ou cartazes de papel, d cada vez mais lugar produo audiovisu-al, resultado de uma cultura que no alheia s prticas cotidianas da comunidade escolar, que a atualiza, a ressignifica, ou mesmo a rejeita.

    Podemos incentivar que os alunos filmem, apresentem suas pesquisas em vdeo [...] E, depois, analisar as produes dos alunos e, a partir delas, ampliar a reflexo terica (MORAN, 2005, p. 98). Essas consideraes permitem refletir sobre o potencial pedaggico de o estudante utilizar uma cmera de vdeo para externalizar seu pensamento criativo ao produzir imagens, em particular, de situa-es fsicas representativas de modelos fsicos j estudados (CONDREY, 1996).

    Fenmenos fsicos podem ser gravados em vdeo com uma cmera digital, editado com o Windows Movie Maker ou com o software livre VirtualDub e, ainda, imagens de movimentos de corpos, entre outras, podem ser analisadas com o soft-ware livre ImageJ (DIAS; AMORIM; BARROS, 2009; SISMANOGLU et al., 2009; CATELLI; MARTINS; SILVA, 2010).

    III. Metodologia

    A metodologia, neste tipo de projeto, integra elementos que podem ser i-dentificados nos trs enfoques do laboratrio no ensino, de acordo com Rosa (2003):

    a) laboratrio programado: faz uso de roteiros estruturados de forma a facilitar, para o aluno, a aprendizagem de conceitos, relaes, leis e princpios j estabelecidos;

    b) laboratrio com nfase na estrutura do experimento: tem o mesmo ob-jetivo do programado, mas busca isso por meio da identificao da estrutura do experimento por parte do aluno em um tipo de laboratrio no estruturado;

    c) laboratrio sob enfoque epistemolgico: assim como o anterior, trata-se de um laboratrio no estruturado, buscando, por meio do relacionamento de v-

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    rios aspectos, levar o estudante a identificar a natureza do conhecimento e o modo como ele produzido.

    As aulas tradicionais de laboratrio requerem um amplo espectro de habi-lidades, como montagem da experincia, compreenso dos conceitos fsicos envol-vidos, utilizao de instrumentos de medida, obteno, registro e anlise de dados, avaliao das incertezas, etc. Alm disso, elas devem conduzir reflexo sobre a conceituao envolvida no experimento, que pode ser desenvolvida a partir da elaborao do prprio aparato experimental associada ao planejamento das medi-es, explorao das relaes entre grandezas fsicas, aos testes de previses e escolha de uma explanao para interpretao dos dados e explicao do fenme-no.

    Partindo desses pressupostos, o projeto de produo de vdeos de curta durao pelos prprios estudantes pode se tornar uma atividade regular das aulas de laboratrio de Fsica (em escolas cuja realidade escolar permita seu desenvol-vimento, j que hoje, no Brasil, h diferenas regionais quanto insero tecnol-gica).

    III.1 Projeto de produo de vdeos

    O vdeo a ser produzido deve tratar de um assunto pertencente ementa, que j foi ou ser abordado teoricamente em sala de aula, de forma a evidenciar as grandezas fsicas envolvidas, as interaes do sistema, a obteno de dados de forma qualitativa e/ou quantitativa, e, consequentemente, uma explanao. Quanto linguagem audiovisual especfica, o vdeo precisa:

    - apresentar sequncia lgica; - possuir clareza de comunicao (oral, escrita e imagem); - ser autoexplicativo; - ter curta durao (da ordem de 4 minutos). A implementao do projeto tem por base alguns aspectos, a saber: - cognitivo: permite potencializar os processos de aprendizagem dos con-

    ceitos fsicos; - recursivo-reflexivo: o desenvolvimento do projeto tem por base etapas

    que podem garantir idas e voltas (Fig. 1), de acordo com a necessidade de cada grupo no planejamento, na elaborao, na interpretao e naavaliao dos experi-mentos;

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    - motivacional-tecnolgico: a utilizao de dispositivos eletrnicos para captura (cmera digital e celular) e softwares especficos para edio e anlise das imagens.

    Fig. 1 Fluxograma de desenvolvimento do projeto.

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    III.2 Procedimento

    Para se identificar os elementos caractersticos do relatrio audiovisual de uma atividade experimental do laboratrio de Fsica no Ensino Mdio, pode-se conceber o vdeo como um documento que contm alguns elementos especficos do correspondente relatrio escrito. Trata-se de uma tentativa de entender um pro-jeto de produo de vdeo como uma atividade pensada e refletida para comunicar uma atividade experimental realizada pelos alunos.

    No entanto, chama-se ateno para a dificuldade em dissociar, em um re-latrio audiovisual, os componentes do relatrio escrito tais como introduo, teoria, objetivos e materiais utilizados de outros que podem ser identificados mais claramente nas imagens do vdeo, tais como procedimento experimental, obteno e anlise dos dados, discusso dos resultados e concluses.

    Dessa forma, a tentativa de identificao desses componentes resultou em dois agrupamentos denominados parte terica (PT) e experimental (PE). Entende-se que a parte terica (PT) corresponde aos trechos de vdeo que apresentam a teoria necessria para a realizao da experincia, os objetivos e os materiais utili-zados (mesmo que no explicitamente), sem, no entanto, manipular o experimento para obteno de dados. Excluem-se da parte terica os crditos iniciais ou finais (ttulo do vdeo, autoria, etc.). Atribui-se parte experimental (PE) as cenas do vdeo nas quais os alunos realizam o procedimento experimental propriamente dito, com obteno e anlise de dados, alm da discusso dos resultados e conclu-ses.

    IV. Resultados: os vdeos produzidos

    O projeto foi implementado em cinco turmas do ltimo nvel de escolari-zao em Fsica (4 semestre) de uma escola pblica de ensino mdio tcnico no Rio de Janeiro, entre os anos de 2008 e 2009, resultando em vinte e dois vdeos. Cada implementao demandou dois bimestres letivos.

    Os catorze vdeos obtidos na interveno realizada em 2008 foram anali-sados em um trabalho (PEREIRA; BARROS, 2010) que buscou verificar at que ponto a produo de vdeos pelos alunos como atividade de laboratrio d conta da especificidade da prpria realizao das atividades experimentais. Os referenciais tericos utilizados no artigo supracitado levaram os autores a considerarem satisfa-trio o trabalho experimental e entenderem que a maior parte dos vdeos produzi-dos demonstra que a forma como o raciocnio construdo se encontra baseada nas

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    relaes entre grandezas fsicas, em contraposio aos que se baseiam apenas na descrio do fenmeno, ou ainda aqueles que chegam a propor um modelo fsico.

    A Fig. 2 mostra uma imagem representativa e o tema tratado em cada um dos vdeos, que, doravante, sero identificados pelas letras maisculas.

    Fig. 2 Imagens representativas dos vdeos produzidos.

    A seguir, o Quadro 1 mostra o ttulo original de cada vdeo dado pelos grupos de trabalho (com a durao total em min:seg, incluindo crditos iniciais e

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    finais e extras), e os intervalos de tempo correspondentes parte terica (PT) e parte experimental (PE) constituintes de cada relatrio audiovisual.

    Quadro 1 Vdeos produzidos: ttulo original, durao total (D) e partes constitu-intes do relatrio audiovisual: terica (PT) e experimental (PE).

    VDEO TTULO PT PE

    A Efeito da ressonncia em pndulos (4:49) 0:24 3:32 B Entendendo a Fsica: refrao luminosa (2:43) 1:27 0:37 C Colises: conservao de energia (4:38) 2:55 1:05 D Resistncias hmicas e no-hmicas (4:59) 0:40 3:47 E Aqurio da Fsica (2:20) 0:08 1:49 F Princpio de Pascal (4:15) 1:05 3:02 G Empuxo (6:15) 1:10 4:43 H Associao das foras centrpeta e trao (3:28) 0:30 2:30 I JN Motor eletromagntico (3:39) 1:41 1:33 J Barco Chemie multiconceitual (2:25) 2:25 K O movimento horizontal e a gravidade (4:51) 0:43 3:26 L Motor de corrente contnua (3:22) 0:52 2:13 M Propagao de calor: correntes de conveco (4:00) 1:00 2:41 N Induo eletromagntica: lei de Faraday (5:06) 1:35 2:55 O Fora de atrito (4:26) 0:40 3:20 P Conservao da energia mecnica (2:08) 0:22 1:26 Q O freio magntico: correntes de Foucault (3:25) 3:25 R Mergulhador mgico (4:55) 4:55 S Presso exercida por um lquido (3:02) 1:00 1:48 T Motor eltrico (3:59) 1:10 2:30 U O caso do canudo torto (5:27) 3:10 1:03 V Refrao da luz (4:07) 2:30 0:45

    Mesmo que os componentes do relatrio escrito tenham sido agrupados

    para se analisar o relatrio audiovisual, houve dificuldade em discriminar, algumas vezes, a parte terica (PT) da parte experimental (PE). Explicitamente em trs dos vinte e dois vdeos (J, Q e R) os alunos fizeram uso da prpria atividade experi-

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    mental para apresentar os fundamentos tericos, os materiais utilizados e os objeti-vos da atividade. Ainda, a anlise das partes constituintes do relatrio audiovisual permite verificar que catorze dos vinte e dois vdeos dedicam mais tempo PE, quando comparada PT.

    A confrontao dos resultados obtidos na atividade experimental com os objetivos propostos algumas vezes foi feita pelos alunos enquanto ainda desenvol-viam a experincia ao longo do vdeo, ou seja, as concluses eram enunciadas no decorrer da prpria experincia, o que levou a considerar que, em um relatrio audiovisual, a concluso constituinte da parte experimental (PE).

    importante salientar que o relatrio audiovisual no obedeceu a uma or-dem pr-determinada, a uma estrutura fixa, como ocorre em um relatrio escrito. H casos em que se apresentou a experincia com obteno dos dados, para, a partir da, explicar a teoria necessria para a compreenso desses dados e discutir os resultados (vdeo L), ou seja, um tipo de inverso considerada pelos estudantes como necessria na construo de seu vdeo. Outro aspecto interessante no relat-rio audiovisual foi a relao estabelecida entre a atividade experimental e sua apli-cao cotidiana (vdeo U). Houve, ainda, aqueles que associaram a atividade expe-rimental a uma situao-problema, um tipo de situao instigadora que justificaria a investigao realizada, como aconteceu no vdeo Q.

    Recursos que no fazem parte de relatrios escritos apareceram, de forma espontnea, no relatrio audiovisual, mesmo no sendo solicitados, demonstrando que os estudantes, na construo dos vdeos, consideraram msica, dramatizao, desenho/foto/imagem, animaes e trechos de filmes, entre outros, necessrios para melhor se expressarem. Isso pode estar associado ao fato de que o vdeo est mais legitimado como ferramenta da cultura dos alunos do que como estratgia de ensino, mesmo que a situao de produo audiovisual tenha ocorrido no laborat-rio de Fsica, que aparentemente no seria o contexto que daria lugar s opes esttico-culturais feitas. O Quadro 2 evidencia esse vis, considerando-se os vinte e dois vdeos.

    A fim de exemplificar a estrutura dos vdeos produzidos, por mais que e-les apresentassem caractersticas diferentes como j relatado, mostra-se, na Fig. 3, uma sequncia de imagens representativas do relatrio audiovisual documentado pelo vdeo L - Motor de Corrente Contnua, que tem uma estrutura mais prxima do relatrio escrito, a saber: 1 e 2 referem-se ao ttulo e imagem de abertura; 3 refere-se cena de apresentao dos materiais utilizados; 4 a 6 representam as cenas que explicam a teoria bsica sobre fenmenos magnticos e 7 a 11 as cenas que mostram as evidncias o experimento; 12 e 13 referem-se s cenas que ex-plicam o experimento; 14 a 16 representam a comparao qualitativa dos resulta-

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    dos; 17 e 18 chamam a ateno para as condies iniciais do experimento; 19 e 20 finalizam o vdeo com uma imagem seguida dos crditos.

    Quadro 2 Frequncia (N) dos recursos utilizados nos vdeos.

    RECURSOS N Msica 14 Dramatizao 3 Locuo 19 Legenda/texto 19 Crditos iniciais e/ou finais 22 Desenho/foto/imagem 15 Animaes/simulaes/filmes 5 Efeitos de edio (transio etc.) 20

    O Quadro 3 apresenta links que permitem assistir a alguns dos vdeos no

    canal Relatrio Audiovisual de Fsica do YouTube.

    Quadro 3 Links do YouTube de alguns relatrios audiovisuais.

    VDEO LINK B www.youtube.com/watch?v=Z0jH0THNZAg C www.youtube.com/watch?v=3bxbKozNvA0 D www.youtube.com/watch?v=NSKg23gM41s E www.youtube.com/watch?v=4GIvQK4cdgI G www.youtube.com/watch?v=LJmhDuDtGHQ L www.youtube.com/watch?v=QQVju-jEyKo N www.youtube.com/watch?v=8usBJnCZW9s Q www.youtube.com/watch?v=SUuqvPK2fHs S www.youtube.com/watch?v=4cygKYplrl4 T www.youtube.com/watch?v=6uMMMJldxBE

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    Fig. 3 Imagens do vdeo L.

    A Fig. 4 ilustra o vdeo U que aborda a refrao da luz de uma forma cria-tiva. No vdeo, dois alunos, caracterizados como apresentadores de um telejornal, noticiam uma situao que aconteceu em um restaurante da cidade: uma mulher, ao receber um copo de bebida com um canudo imerso no lquido, reclama que o ca-nudo est torto. A partir da, os apresentadores fazem referncia a um vdeo de cientistas que vazou na internet e que pode ajudar a compreender a situao do canudo torto. Alunos caracterizados como cientistas explicam a teoria associada refrao luminosa e que pode decorrer na aparente impresso de que algo est torto. Em seguida, realizam um experimento no qual um feixe de laser verde inci-de obliquamente (a 45 com a vertical) em um recipiente transparente contendo gua e em um contendo leo, mostrando que tal feixe defletido de um ngulo diferente em cada caso. Os apresentadores encerram o telejornal sem fazer nenhu-ma referncia cena do restaurante, deixando por conta do espectador a relao necessria entre a situao do canudo torto e o vdeo dos cientistas explicando e realizando o experimento. Uma sequncia de imagens representativas das cenas do vdeo encontra-se na Fig. 4 (da esquerda para a direita, de cima para baixo).

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    Fig. 4 Imagens do vdeo U.

    V. Consideraes finais

    A produo de um relatrio audiovisual est associada ao desenvolvimen-to de um projeto que tem como premissa o aumento da responsabilidade assumida pelos estudantes na produo coletiva de um vdeo. Nessa produo, o professor tem papel mediador, ao orientar o grupo de forma prxima e constante, delimitan-do as etapas que conferem carter recursivo-reflexivo do projeto pesquisa sobre o assunto, levantamento de conceitos-chave e criao da situao experimental, que ser testada, modificada e verificada o quanto for necessrio.

    O processo de produo dos vdeos, concebidos como relatrios audiovi-suais, ao dar conta da realizao da prpria atividade experimental pelos alunos, remeteu tentativa de fazer um paralelo com os componentes de um relatrio escrito. No entanto, os vdeos, seja pelo processo de produo, seja pela forma de expresso dos alunos, demonstraram possuir caractersticas que nem sempre en-contram correspondncia com esses componentes.

    Esse fato foi evidenciado pela forma livre com que os alunos estruturaram a conceituao no relatrio audiovisual, que se deu de forma aparentemente aleat-ria, mas sempre presente. Isso ocorreu porque eles precisaram dos conceitos, das leis e/ou dos princpios fsicos para ancorar a explanao do fenmeno escolhido fazendo uso de recursos disponveis para o formato audiovisual (legenda, locuo etc.). Os estudantes fizeram uso espontneo de outros elementos como animaes,

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    msica e trechos de outros vdeos, itens no solicitados na orientao inicial, mas necessrios na linguagem audiovisual construda por eles, ao externalizarem sua forma de expresso.

    Entende-se, dessa forma, que no vale pena engessar o relatrio audiovi-sual atravs de instrues e programas que definam sua estrutura, j que os ele-mentos especficos de um relatrio escrito, como apresentao dos materiais e/ou do aparato experimental utilizados, das concluses, esto presentes na documenta-o audiovisual da atividade experimental.

    As consideraes apresentadas apontam para as diferenas entre o papel do trabalho experimental, quando realizado pelo aluno na aula tradicional de labo-ratrio que, via de regra, um processo linear-orientado, e na produo de um vdeo, estratgia vantajosa face aos aspectos recursivo-reflexivo e motivacional-tecnolgico que podem favorecer a aprendizagem.

    Referncias

    CATELLI, F.; MARTINS, J. A.; SILVA, F. S. Um estudo de cinemtica com cmara digital. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, v. 32, n. 1, 2010.

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