Desafios desenvolvimento

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    Ricardo de Medeiros Carneiro

    Milko Matijascic

    Organizadores

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    Ricardo de Medeiros Carneiro

    Milko Matijascic

    Organizadores

    Andr M. Biancareli

    Antonio Carlos Macedo e Silva

    Cludio Hamilton Matos dos Santos

    Claudio Roberto Amitrano

    Carlos Pinkusfeld Bastos

    Eduardo Barros Mariutti

    Julia de Medeiros Braga

    Milko Matijascic

    Paulo Baltar

    Pedro Paulo Zahluth Bastos

    Ricardo de Medeiros Carneiro

    Autores

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    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da RepblicaMinistro Wellington Moreira Franco

    Fundao pbl ica vinculada Secretaria de

    Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,

    o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s

    aes governamentais possibilitando a formulao

    de inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasi leiro e disponibil iza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos realizados

    por seus tcnicos.

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento Institucional

    Geov Parente Farias

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas ePolticas Internacionais, SubstitutoMarcos Antonio Macedo Cintra

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado,das Instituies e da DemocraciaAlexandre de vila Gomide

    Diretora de Estudos e Polticas MacroeconmicasVanessa Petrelli Corra

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas eAmbientaisFrancisco de Assis Costa

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais de Inovao,Regulao e Infraestrutura, SubstitutoCarlos Eduardo Fernandez da Silveira

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabineteFabio de S e Silva

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

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    Braslia, 2011

    Ricardo de Medeiros Carneiro

    Milko Matijascic

    Organizadores

    Andr M. Biancareli

    Antonio Carlos Macedo e Silva

    Cludio Hamilton Matos dos Santos

    Claudio Roberto Amitrano

    Carlos Pinkusfeld Bastos

    Eduardo Barros Mariutti

    Julia de Medeiros Braga

    Milko Matijascic

    Paulo Baltar

    Pedro Paulo Zahluth Bastos

    Ricardo de Medeiros Carneiro

    Autores

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    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada Ipea 2011

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so proiidas.

    As opinies emitidas nesta pulicao so de exclusia e inteira responsailidade dos autores, noexprimindo, necessariamente, o ponto de ista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou daSecretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Replica.

    ColaboradoresRicardo de Medeiros CarneiroEduardo Barros MariuttiAntonio Carlos Macedo e SilvaPedro Paulo Zahluth BastosClaudio Roberto AmitranoAndr M. BiancareliCludio Hamilton Matos dos SantosJulia de Medeiros BragaCarlos Pinkusfeld BastosPaulo BaltarMilko Matijascic

    Apoio TcnicoDaniel Portela PradoMariana Marques NonatoVincius Lcio Ferreira

    Desafos do desenvolvimento brasileiro / autores: Andr M.Biancareli ... [et al.] ; organizadores: Ricardo de MedeirosCarneiro, Milko Matijascic. Braslia : Ipea, 2011.180 p.

    Inclui bibliografa.ISBN 978-85-7811-113-7

    1. Poltica de Desenvolvimento. 2.Crescimento Econmico.3. Poltica Econmica. 4. Poltica Social. 5. Brasil. I. Biancareli,Andr Martins. II.Carneiro, Ricardo de Medeiros. III. Matijascic,

    Milko. IV. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.CDD 338.981

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    Sumrio

    apreSentao................................................................................................................................... 7

    prefcio......................................................................................................................................... 11

    captulo 1

    DESAIS D DESEvvIE bRASIEIR ......................................................................................... 15Ricardo de edeiros Carneiro

    captulo 2

    CRISE ECICA E RIvAIDADE PICA: CARACERSICAS ERAIS DA RDEIERACIA CEPREA ........................................................................................................ 29

    Eduardo barros ariutti

    captulo 3

    CRESCIE E CRCI APS A RADE RECESS ..................................................................... 45Antonio Carlos acedo e Sila

    captulo 4

    A IERA CERCIA DA ARICA D S D PS-CRISE: DESAIS PARA bRASI ... 59Pedro Paulo Zahluth bastos

    captulo 5

    CSIDERAES SbRE CRESCIE ECIC bRASIEIR DI PRAZ ......................... 73Claudio Roerto Amitrano

    captulo 6

    RISCS A RAvESSIA? IACIAE EER E S DESAIS RSDA ECIA bRASIEIRA ..................................................................................................................... 87Andr . biancareli

    captulo 7

    AS SbRE A ECESSIDADE DE RERAS SISEA RIbRI ACIA .............................. 103Cludio Hamilton atos dos Santos

    captulo 8IA bRASI S AS 2000: CIS, IIES E PICAS ERIAS ............... 121Julia de edeiros braga

    captulo 9

    AISE E PERSPECIvAS DA AA DE JRS bRASI ...................................................................... 137Carlos Pinkusfeld bastos

    captulo 10

    CRESCIE DA ECIA E ERCAD DE RAbAH bRASI ................................................... 149Paulo baltar

    captulo 11

    PICA SCIA E DESEvvIE SSEAD: DESAIS A EREAR .................................... 167ilko atijascic

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    apreSentao

    O livro Desafos do Desenvolvimento Brasileiro vem a pblico em momento mparda histria recente brasileira, pois representa o coroamento de estudos, pesquisase parcerias que o Ipea promoveu nos ltimos anos com diversos atores da socie-dade civil, com o objetivo de cristalizar uma agenda de debates sobre a temticado desenvolvimento nacional.

    Tal debate foi interrompido no nal dos anos 1970 com a crise internacio-nal da poca, a qual reduziu a capacidade do Estado Nacional para elaborar e exe-cutar polticas pblicas que visassem a um projeto nacional capaz de completaras transformaes econmicas e sociais necessrias formao da nao. Em seulugar, os temas que ganharam fora, a partir dos anos 1990, estavam relacionadoscom a forma de insero da economia nacional baseada na economia como o ni-co caminho de o pas obter os benefcios da globalizao produtiva e nanceira.Portanto, a agenda que pautou as discusses e formulaes de polticas pblicasno perodo esteve relacionada s reformas econmicas e nanceiras, privatizaes,e desregulamentao dos mercados produtivos e nanceiros.

    Essa agenda fragilizou o Estado no sentido de planejar, elaborar, executar ecoordenar polticas pblicas que tivessem por meta aprofundar as transformaeseconmicas e sociais para a construo de uma sociedade mais homognea e,portanto, menos desigual.

    Entretanto, a crise internacional de 2008 criou ssuras profundas no pen-samento corrente e favoreceu, assim, o ressurgimento de uma pauta diferenciadade debates que tem como eixo norteador o aumento do papel do Estado enquan-to planejador e indutor dessas transformaes na sociedade. em meio a este

    momento histrico que o Ipea disponibiliza para a sociedade, por meio destevolume, elementos que servem como subsdios ao fomento das discusses maisestratgicas de superao dos entraves do desenvolvimento nacional.

    Portanto, o livro ora apresentado foi construdo pelo Ipea em parceria comoutras intuies, e fruto dessa misso de contribuir para a construo de umaagenda de pesquisa voltada para o desenvolvimento brasileiro, suas limitaes,contradies e, sobretudo, possveis estratgias para superar os entraves que blo-queiam a construo de um projeto de desenvolvimento nacional inclusivo.

    Marcio Pochmann

    Presidente do Ipea

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    prefcio

    Ricardo de edeiros Carneiro*

    ilko atijascic**

    Discutir os reptos do desenvolvimento brasileiro para os prximos anos oobjetivo dos captulos deste livro. A importncia dos anos vindouros estriba-seno somente na existncia de um novo governo, mas tambm na mudana docontexto internacional, o qual se anuncia bem menos benigno que aquele vigenteentre 2002 e 2008. A pretenso deste livro no tratar exaustivamente de todosos temas relevantes para a economia brasileira, mas abordar aspectos variados,

    julgados como importantes desaos, os quais a nova administrao ter deequacionar para assegurar o desenvolvimento do pas.

    A hiptese geral compartilhada pelo conjunto dos captulos enfatiza aassimetria existente entre as dimenses domstica e internacional. Se, no primeiroplano, poder-se- contar com uma herana bastante favorvel, tal no se pode

    armar quanto ao cenrio internacional. Durante o governo Lula, e principalmenteaps 2006, a economia brasileira vem crescendo a taxas expressivas e de maneiracontnua, simultaneamente com a melhoria na distribuio da renda. No h, arigor, nesta economia, nenhum desequilbrio grave a corrigir, exceto os desaosque decorrem do prprio desenvolvimento e da inaugurao de uma nova etapa,fundada no investimento com eixo na ampliao da infraestrutura produtiva esocial e na diversicao industrial.

    Como notrio, o mesmo no se pode armar da economia internacional.

    Desde o advento da crise global, as economias desenvolvidas mostraram, almde turbulncias nos seus sistemas monetrio-nanceiros, uma signicativadesacelerao do crescimento, que se projeta para o futuro com preocupanteelevao do desemprego e deteriorao do quadro social. No bastasse isto, observa-se tambm no mbito internacional uma crescente instabilidade monetria, cujaexpresso maior a guerra cambial. Advm da o primeiro grande desao docrescimento brasileiro: manter a economia na trajetria do desenvolvimentodiante deste cenrio externo desfavorvel.

    * Professor titular do Instituto de Economia da niersidade de Campinas (IE/ICAP) e diretor do Centro de Estudosde Conjuntura e Poltica Econmica desta uniersidade.** cnico de Pesquisa e Planejamento do Ipea, assessor da presidncia do Ipea.

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    Para tratar desses temas, o primeiro texto desta coletnea, Desafos dodesenvolvimento brasileiro, de Ricardo de Medeiros Carneiro, procura mapearestes desaos por meio de trs perguntas cruciais: luz da trajetria recente da

    economia brasileira, em que medida o pas estaria diante de um novo modelode desenvolvimento, capaz de recuperar o dinamismo perdido durante os anosda crise da dvida e da era neoliberal? Quais so as caractersticas peculiares destenovo padro de crescimento e quais so os obstculos que se interpem para asua continuidade? Nesta ltima perspectiva, qual seria a capacidade brasileira dereao ou adaptao s mudanas previsveis no contexto internacional?

    A coletnea aborda inicialmente o tema da economia internacional.No captulo Crise econmica e rivalidade poltica: caractersticas gerais da ordem

    internacional contempornea, Eduardo Barros Mariutti discute a formao daatual ordem internacional, destacando as diculdades para a reconstituio dosmecanismos de governana global a partir da crise. enfatizada a ausncia deliderana por parte do mundo desenvolvido, tanto dos EUA quanto da Europa s voltas com a exacerbao das contradies sociais domsticas , assim como aheterogeneidade e a ainda pouca densidade dos pases perifricos.

    No captulo Crescimento e comrcio aps a grande recesso, Antonio CarlosMacedo e Silvaanalisao ciclo recente de expanso da economia global, entre 2002

    e 2008. So abordadas as principais caractersticas deste crescimento e do comrciointernacional, com destaque para a sua distribuio entre os pases, bem como osdesequilbrios macroeconmicos da resultantes. Com base nestes desequilbrios,o texto indaga acerca das possibilidades de retomada expressiva do crescimentoglobal, a partir dos pases centrais, concluindo pela sua baixa probabilidade.

    O debate sobre a dimenso internacional do desenvolvimento se encerracom o ensaioA integrao comercial da Amrica do Sul no mundo ps-crise: desafospara o Brasil, de Pedro Paulo Zahluth Bastos, no qual se destacam os avanos

    do processo de integrao sul-americana durante o governo Lula, mas tambma assincronia entre a esfera poltica e a econmica. Levando-se em conta a criseglobal e a crescente concorrncia por mercados, analisam-se as potenciais ameaasaos avanos da integrao comercial e produtiva na regio, sobretudo devido presena chinesa no comrcio de manufaturas.

    A discusso dos aspectos preponderantemente domsticos do crescimentoinicia-se pelo captulo Consideraes sobre o crescimento econmico brasileiro nomdio prazo, de Claudio Roberto Amitrano, no qual se procura caracterizar a

    existncia de um novo regime de crescimento na economia brasileira a partir de2006. Na anlise, destaque especial conferido ao regime de produtividade, smudanas ocorridas na poltica de desenvolvimento produtivo e aos principaisdesaos no desenvolvimento das atividades de maior contedo tecnolgico.

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    O ensaio Riscos na travessia? O fnanciamento externo e os desafos uturosda economia brasileira, de Andr M. Biancareli, aborda aquele que , fora dedvida, um dos desaos cruciais do Brasil: o dcit em transaes correntes.

    O captulo discute sua evoluo e as possibilidades de nanciamento na dinmicada economia global. Para aprofundar esta anlise, so avaliados os uxos de capitaisrecentes para o pas e a composio do passivo externo brasileiro, delineando-seum cenrio de riscos e oportunidades.

    A questo scal, ou mais precisamente um de seus elementos maisimportantes, o sistema tributrio nacional, examinada no trabalho Notas sobre anecessidade de reormas no sistema tributrio nacional,deCludio Hamilton Matosdos Santos. Alm de uma caracterizao deste sistema por meio da anlise da carga

    tributria, apresentam-se as vrias propostas de reforma tributria em discusso,sugerindo-se algumas linhas de mudana que privilegiam a simplicao e oaumento da progressividade.

    Dois ensaios tratam de temas propriamente macroeconmicos. Em umdeles, Inao no Brasil nos anos 2000: conitos, limites e polticas no monetrias,de Julia de Medeiros Braga, examina-se o processo inacionrio recente daeconomia brasileira por meio de uma abordagem que prioriza fatores estruturaise institucionais, ou, mais particularmente, aqueles oriundos das presses de

    custos. Em consonncia com a abordagem proposta, uma srie de polticas nomonetrias so sugeridas para minimizarem-se as presses inacionrias.

    No texto seguinte, Anlise e perspectivas da taxa de juros no Brasil, CarlosPinkusfeld Bastos parte de um fato essencial, o elevado patamar da taxa de

    juros bsica no Brasil, e se indaga acerca das suas razes. Na investigao deseus determinantes, so discutidos os aspectos associados posio externa daeconomia brasileira, situao scal e postura do Banco Central do Brasil(BCB). Tendo em vista os avanos substantivos ocorridos nos dois primeiros

    campos, sugere-se que o conservadorismo do BCB tem ganhado maior relevo naexplicao da preservao da alta taxa de juros brasileira.

    O texto seguinte, Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil,de Paulo Baltar, examina um dos aspectos mais singulares do desenvolvimentobrasileiro recente: a expressiva expanso do emprego formal e a melhora dadistribuio da renda. Na explicao destas caractersticas, o captulo destacafatores estruturais como as mudanas nas tendncias demogrcas e o perl doemprego, a par de importantes mudanas ocorridas na regulao do mercado de

    trabalho e na dinmica da atividade sindical.O ltimo estudo, Poltica social e desenvolvimento sustentado: desafos a

    enrentar, de autoria de Milko Matijascic, coloca em relevo as polticas sociais.Em geral, o tratamento de questes econmicas e sociais se d de forma

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    dissociada, mas, conforme evoca o texto, as interaes entre ambas so profundas,e implicam impactos signicativos sobre as duas dimenses. Se, por um lado,a poltica social serviu de sustentculo para dar dinamismo retomada do

    crescimento, com a consolidao de um pacto social, colocando o Brasil emposio favorvel e singular na cena internacional, por outro lado ela tambmapresenta problemas. Se as diculdades no forem enfrentadas, as possibilidadesde promoo do desenvolvimento em condies sustentveis, que mantenham osesforos realizados at o presente, podem estar em situao de risco.

    Nunca demais insistir que esta iniciativa no tem por meta traar um perldetalhado e exaustivo dos desaos a serem enfrentados. Tampouco tem a ambiode se constituir em programa para aes de governo, pois isto no seria cabvel

    nesta dimenso institucional. Trata-se, isto sim, de um esforo para promover odebate pblico. Assim, os estudos reunidos neste volume tm por meta sintetizar osesforos de pesquisa de quadros do Ipea e docentes universitrios que atuam comobolsistas do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD).Seu intento foi pensar o Brasil de forma prospectiva, com vistas a promover odesenvolvimento em suas dimenses econmicas e sociais; evitar as armadilhas doretrocesso; e buscar um padro de vida melhor e mais igualitrio para os brasileirose brasileiras que do vida Nao que est a se constituir neste vasto pas.

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    CAP 1

    DeSafioS Do DeSenvolvimento braSileiro

    Ricardo de edeiros Carneiro*

    introDuo

    Durante os anos que vo de 1980 a 2003 a economia brasileira passou por umperodo caracterizado pelo baixo dinamismo econmico, congurando uma erade divergncia ante a trajetria dos pases desenvolvidos e, tambm, perante ossubdesenvolvidos mais dinmicos. Desde 2004, se observa a ocorrncia de taxasde crescimento elevadas, de cerca do dobro daquelas obtidas naqueles anos. Estedesempenho tem sido mantido de maneira contnua, a despeito da forte desace-

    lerao no ano de 2009, superada no ano seguinte.Esses fatos suscitam um conjunto de indagaes, tais como: em que me-

    dida o pas estaria diante de um novo modelo de desenvolvimento capaz derecuperar o dinamismo perdido durante os anos da crise da dvida e da era neo-liberal? Quais so as caractersticas peculiares deste novo padro de crescimentoe quais os obstculos que se interpem para a sua continuidade? Nesta ltimaperspectiva, qual a capacidade de reao ou adaptao s mudanas previsveisno contexto internacional?

    A resposta a essas perguntas implica analisar vrios aspectos inter-relacionados.O primeiro deles diz respeito aos condicionantes internacionais e a como a crise -nanceira poder mudar a conformao da economia global. No plano domstico,cabe considerar as foras que sustentaram a dinmica recente. Alm da discusso dopapel efmero da demanda externa, a despeito do contexto internacional benigno,cumpre avaliar tambm qual a relevncia da melhora da distribuio da renda e doacesso ao crdito na congurao do modelo. Por m, sero considerados a trajet-ria do investimento, pblico e privado, e bices sua ampliao substantiva.

    * Professor titular do Instituto de Economia da niersidade Estadual de Campinas (IE/ICAP) e diretor do Centrode Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica desta niersidade.

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    Dss d Ds bs

    1 a criSe financeira global

    Os impactos da crise nanceira na trajetria da economia global, seja no desempenhoparticular de cada economia ou no comrcio internacional, foram e ainda so signi-cativos.1 A anlise das perspectivas da recuperao sustentada das economias centrais,mais do que um exerccio quantitativo, deve destacar os mecanismos que sustentaramo ciclo de expanso e as possibilidades de sua continuidade, tanto no plano doms-tico, quanto internacional. O padro capitalista que sucedeu o regime regulado deBretton Woods pode ser caracterizado como um regime com dominncia nanceira.2Entre vrios signicados subjacentes a esta tipicao, cabe destacar principalmente ainterao especca entre a dinmica da riqueza e a da renda.

    A liberalizao nanceira, a securitizao e o desenvolvimento dos mercados

    secundrios terminaram por engendrar uma dinmica prpria dos preos dos ati-vos, descolada dos fundamentos, por meio das bolhas de preos. Este aumentoctcio do valor dos ativos, por sua vez, deu ensejo conformao de um perl degastos de famlias e empresas relativamente desvinculado da renda e dos lucros.Como assinalado por Aglietta (2004), dado que estes agentes tornaram-se cres-centemente proprietrios da riqueza nanceira, o aumento de seu valor moldouum padro de gastos mais associado variao da riqueza.

    Tanto no caso das famlias quanto das empresas, a forma de aumentar os

    gastos no requereu necessariamente a venda desses ativos, mas uma ampliao doendividamento, utilizando-os como colateral. Assim, o aumento das dvidas dasfamlias e empresas, sobretudo o das primeiras, constitui o grande motor do cresci-mento das economias avanadas, com maior nfase para os Estados Unidos (EUA).

    Do ponto de vista patrimonial, famlias e empresas mantiveram-se em situaoequilibrada na medida em que a ampliao das dvidas foi amparada pelo aumentoda riqueza. No caso das primeiras, o grau de endividamento, ou o comprometi-mento de parcela da renda com o servio da dvida, deixa de ser um critrio imedia-

    tamente relevante para as decises de endividamento e de gasto. Para as empresas,entretanto, o fundamental a valorizao global dos ativos, que vai muito alm douxo de lucros correntes.

    O ciclo de valorizao de ativos, endividamento e ampliao do gasto constituio motor da expanso das economias centrais, em particular da norte-americana, prin-cipalmente por meio do aumento do consumo e, secundariamente, do investimento.Estes ciclos de valorizao de ativos tm dois momentos distintos: o da bolha no mer-cado de aes e, aps 2001, o da bolha imobiliria muito mais abrangente e extenso.

    1. Sore o assunto, er, neste olume, o artigo de autoria de Antonio Carlos acedo e Sila.

    2. ma ampla literatura trata desse assunto, como, por exemplo: aares e belluzzo (2004); Aglietta e berrei (2007);e Chesnais (2004), entre outros.

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    Dss d ds s

    Na verdade, o estouro da bolha imobiliria, a queda dos preos dos imveise as desvalorizaes dos ttulos que os nanciavam ocasionou na economia esta-dunidense uma srie de desequilbrios tpicos das crises nanceiras. As famlias vi-

    ram seus ativos perderem parte signicativa do valor, em contraste com as dvidas.De repente, passou a fazer sentido, de novo, a capacidade de pagamento a partirde um determinado uxo de renda. A descoberta do endividamento excessivoconduziu severa contrao do gasto com o intuito de reduzi-lo. Nas empresasobservou-se o mesmo movimento de desendividamento, embora mais atenuado.

    Um aspecto importante a ressaltar que a poltica anticclica, a despeito deser crucial para evitar a recesso, realiza um trabalho de Ssifo. Isto porque reduz-se o multiplicador da renda e, com isso, o nvel da renda nal originada pelo gasto

    pblico por conta do pagamento de dvidas. Por outro lado, a poltica antic-clica possuiu tambm uma dimenso propriamente monetria, que consistiu nareduo das taxas de juros e na ampliao da liquidez, num primeiro momentopor meio da compra de carteiras de ttulos podres de instituies nanceiras e,num segundo, pela aquisio de ttulos pblicos em mos destas instituies (ochamado quantitative easing).

    Ambas as polticas, scal e monetria, tm se mostrado incapazes de redi-namizar as economias centrais. No caso da primeira, por conta da reduo do

    multiplicador decorrente do desendividamento. Ademais, o aumento do dcitpblico para a faixa dos 10% do produto interno bruto (PIB) e a trajetria explo-siva da dvida pblica da decorrente tm induzido os governos destes pases, deforma prematura, a reduzir o impulso scal. No caso da poltica monetria, doisbices impedem a sua operao plena: o aumento da preferncia pela liquidezdos bancos, que implica a reduo da oferta de crdito a despeito da ampliaoda liquidez e das baixas taxas de juros; e a preferncia pelo desendividamento dasfamlias e empresas, que reduz substancialmente a demanda por crdito.

    A poltica monetria anticclica que tem sido posta em prtica nos EUA,embora claramente direcionada para amenizar os desequilbrios patrimoniais in-ternos e promover a recuperao do endividamento e gasto privados, tem tidosrias implicaes sobre a economia internacional, desencadeando uma espciede guerra cambial com efeitos instabilizadores sobre o resto do mundo. Para me-lhor delimitar tal dimenso, cabe recuperar alguns aspectos do funcionamento daeconomia globalizada.

    Uma importante caracterstica do ciclo de crescimento comandado pelas

    nanas, com epicentro nos EUA, foi a sua projeo global. Ancorados no car-ter de moeda reserva do dlar, os EUA realizaram elevados e recorrentes dcitsem transaes correntes, ampliando seu passivo externo lquido e, por meio desuas importaes lquidas, funcionaram como alavanca do crescimento para um

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    conjunto amplo e variado de pases. Nestes grupos de pases h aqueles exporta-dores tradicionais como Japo e Alemanha, que desde o ps-Guerra utilizamos EUA, mas no s, como destino de suas exportaes lquidas e, tambm, os

    pases asiticos, com destaque para a China. Estes ltimos passam a realizar im-portantes supervits com a Organizao para a Cooperao Econmica Europeia(OCDE) e os EUA por duas razes principais: a realocao de parcela importanteda indstria em direo a estes pases (outsourcing), e a ampliao da competitivi-dade fundada nos ganhos de produtividade, e das taxas de cmbio relativamentedesvalorizadas ante o dlar.

    A crise nanceira, assim como a forte desacelerao do crescimento nosEUA e nos pases avanados, fez com que os pases dependentes das exporta-

    es lquidas, com destaque para a China, perdessem um importante estmulo aocrescimento. Nestas circunstncias, o apelo maior ao mercado interno e o dire-cionamento das exportaes para terceiros mercados foi a estratgia perseguida.Isto lana luz para outro elo de articulao internacional relevante e que associaos pases asiticos, exportadores lquidos de manufaturas, com os produtores dematrias-primas, entre os quais os sul-americanos que nos anos 2000 tiveramgrande parte do seu dinamismo explicado pelo desempenho dos primeiros.

    A preservao do crescimento chins e da sia em desenvolvimento, a taxas

    elevadas, diante do fraco dinamismo americano, japons e europeu, coloca algu-mas questes relevantes para o papel da economia global como estmulo ou freioao crescimento da periferia. De um lado, tem-se a poltica monetria norte-ame-ricana, que se constituir no canal privilegiado de tentativa de recuperao destaeconomia. O afrouxamento quantitativo implica a ampliao substantiva da liqui-dez em dlares, que, ao no serem utilizados nos EUA, do margem a constituiode um circuito especulativo constitudo por capitais de curto prazo, em busca derendimentos. Mercados de moedas e ttulos de pases com melhor desempenhoeconmico, assim como com taxas de juros mais altas, so os candidatos naturais

    a receber estes capitais, o que leva valorizao de suas moedas. As commoditiescom os seus mercados globais organizado tm sido tambm, recentemente, umdesaguadouro desta onda especulativa.

    O nico pas que tem resistido de maneira radical a esse processo a China,que tem dessa forma evitado a apreciao de sua moeda. Com isso, beneciadaduplamente: por manter sua competitividade no mercado estadunidense e porampli-la em terceiros mercados. Os demais pases, principalmente aqueles cujapauta de exportaes contm parcela signicativa de manufaturas, que o caso

    brasileiro, tm suas exportaes prejudicadas por conta da concorrncia e, maisque isto, assistem a um crescimento expressivo das importaes oriundas da Chi-na. A despeito disto a China no tem conseguido evitar alguns efeitos deletrios

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    Dss d ds s

    da poltica americana como, por exemplo, os aumentos dos preos das commodi-tiese, consequentemente, da inao.

    A soluo para a questo no trivial. A interpretao aventada por vriosanalistas, segundo a qual o problema residiria na poltica cambial chinesa e naresistncia do pas valorizao do iuane, deve ser olhada com suspeio. Istoporque a mudana requerida nas taxas de cmbio entre as duas moedas, capaz deproduzir efeitos signicativos no saldo entre os pases, seria de elevada magnitu-de, com srias implicaes monetrias e nanceiras de curto prazo e com resul-tados necessariamente de longo prazo em virtude da realocao das empresasestadunidenses para a China e do elevado peso do comrcio intraindustrial, quecorresponde a uma fragmentao das cadeias produtivas entre os dois pases. No

    demais lembrar que a indstria que opera hoje na China, de propriedade norte-americana, japonesa e europeia, constitui parte de cadeias globais de produo.

    Do conjunto de desequilbrios presentes na cena internacional, possveldeduzir algumas tendncias, ao que tudo indica, inexorveis. A primeira delas que, na ausncia de uma soluo negociada, esses desequilbrios se projetaro numarecorrente instabilidade dos uxos de capitais e das taxas de cmbio, podendo con-duzir crescente restrio dos primeiros. Por sua vez, possvel tambm imaginarque o comrcio internacional, enquanto expresso do crescimento extrovertido das

    economias com base no outsourcingdas empresas , venha a ser uma fonte dedinamismo muito menos relevante. Nos casos brasileiro e latino-americano, as pos-sibilidades de articulao com a China e a sia, via exportao de matrias-primas,so promissoras. A exportao de manufaturas, entretanto, enfrentar concorrnciaampliada. Claramente, ser exigido um maior papel dos mercados domsticos paraaqueles pases cujo objetivo seja a preservao do dinamismo.

    Nesta seo se fez referncia s duas dimenses do capitalismo com dominnciananceira: a domstica e a internacional. A crise no plano domstico motivou uma

    srie de medidas concentradas na dimenso anticclica, mas que apenas tangenciaramo ponto principal: a nova regulao das nanas. O no equacionamento em profun-didade da crise projetou os desequilbrios domsticos para o plano internacional emdecorrncia da poltica de ajuste unilateral dos EUA. Estabelecer uma nova regulaono plano internacional signica arbitrar e repartir mais equitativamente os nus dosajustes, o que supe a aceitao de algum grau de recuo, tanto na poltica monetriaestadunidense quanto na poltica cambial chinesa. A soluo no negociada impli-car um aprofundamento da guerra cambial, por meio da imposio de crescentesrestries aos uxos de capitais como mecanismo de defesa das economias nacionais.

    muito provvel que isto signique tambm restries no plano comercial, tendocomo resultado ltimo custos elevados e disseminados decorrentes das restries dosuxos de comrcio.

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    2 o paDro De creScimento recente

    A anlise do modelo de crescimento recente no Brasil parte necessariamente daconstatao do maior dinamismo aps 2004. Ademais, pe em relevo a continui-dade deste crescimento mesmo aps os impactos negativos da crise nanceira,que provocou o crescimento zero do PIB em 2009, seguido de forte recuperao.Considera ainda que, ao contrrio do padro stop and go observado entre 1980e 2004, o crescimento do investimento acima do PIB constitui indicao de umciclo de maior profundidade.

    2.1 o d dd x

    O incio do atual ciclo de crescimento em 2003 tem na demanda externa um estmulo

    crucial. Foi a ampliao das exportaes lquidas que dinamizou a economia em 2003 e2004, perdendo signicao nos dois anos seguintes e tornando-se um fator de reduoda demanda agregada, em razo do aumento das importaes lquidas nos anos 2006 a2010. A estes perodos corresponderam, respectivamente, um aumento, estabilizao,e declnio do saldo comercial.

    A expanso das exportaes brasileiras, embora tendo ocorrido de formageneralizada, teve no crescimento das commodities(primrias e processadas) seugrande destaque. Isto est associado com o ciclo de preos internacionais destes

    bens e ao novo papel desempenhado pela China e pelos asiticos na nova divisointernacional do trabalho, conforme aqui apontado. Este crescimento diferen-ciado leva a uma modicao expressiva na pauta de exportaes brasileira. Se-gundo dados do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior(MDIC), elaborados pelo Ministrio da Fazenda (BRASIL, 2010), as commodi-ties, denidas como a soma de produtos primrios, semimanufaturados, e dezprodutos industriais processados, representavam cerca de 50% da pauta em 2003,passando para 65% em 2010.

    De acordo com dados compilados pelo Instituto de Estudos para oDesenvolvimento Industrial (IEDI, 2010), as modicaes ocorridas nasexportaes signicaram uma reduo do peso das exportaes industriais de17 pontos percentuais (p.p.) de 78% do total para 61% do total , mas compouca alterao na sua distribuio por intensidade tecnolgica. No que tange simportaes, a composio no se modicou substancialmente no perodo2003-2010, dado que j havia mudado signicativamente entre 1990 e 2002.

    Assim, as importaes de manufaturados de mdia-alta e alta tecnologia man-tm-se com uma participao estvel de cerca de dois teros da pauta.

    Os dados indicam por que as exportaes lquidas no constituem uma fon-te relevante e permanente de impulso ao crescimento no Brasil. Subjacente a elesesto aspectos estruturais e conjunturais. Na primeira dimenso, o relevante a

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    elasticidade-renda das importaes, reexo da estrutura produtiva do pas. De acor-do com Coutinho (1997), a especializao regressiva que ocorre nos anos 1990, porconta da rpida abertura comercial combinada com a apreciao do real, muda a

    estrutura produtiva na direo de reduzir o peso dos setores mais intensivos em tec-nologia e o segmento produtor de bens de capital, ambos com elevada elasticidade-renda. Assim, medida que o crescimento domstico acelera e, principalmente, oinvestimento comea a aumentar, as importaes crescem muito mais rpido que oPIB. A estrutura produtiva tambm dene uma pauta de exportaes que, no casobrasileiro, a partir dos anos 1990, ampliou o peso dos produtos no industriais edas manufaturas de baixa tecnologia.

    Os demais fatores, tais como o diferencial de taxas de crescimento domstico-

    externo e as taxas de cmbio, podem ser considerados como conjunturais. At acrise nanceira, o comrcio exterior brasileiro sofreu os efeitos desfavorveis deuma moeda valorizada, mas beneciou-se signicativamente de taxas de crescimen-to elevadas no mbito internacional. Foi isto que permitiu, nos anos 2000, gerarsupervits comerciais expressivos, a despeito de uma taxa de cmbio desfavorvel.

    A estabilizao e declnio do saldo comercial observada recentemente podemser atribudos ao efeito dos fatores conjunturais, a partir de uma estrutura desfa-vorvel. A despeito de a economia brasileira, sobretudo a indstria, ter crescido

    signicativamente no perodo, a combinao desses fatores ampliou a importnciadas importaes no atendimento da demanda interna. O coeciente de penetraodas importaes calculado pela Funcex que mostra a relao entre importaese consumo aparente aumentou de forma signicativa aps 2005 e de forma ge-neralizada, exceto para a indstria extrativa, e com muito mais intensidade para asindstrias de bens de capital.

    Esses fatos indicam questes relevantes para a continuidade do crescimentona dimenso externa: a preservao do crescimento e do seu diferencial ante o resto

    do mundo, combinado com moeda apreciada, devero fazer declinar ainda mais osaldo comercial e, portanto, ampliaro o dcit em transaes correntes. H cer-tamente correes de rota possveis, como a reverso da apreciao do real que, as-sociada poltica industrial, pode reverter parcialmente a ampliao do coecienteimportado e preservar o saldo positivo. De qualquer modo, muito provvel quea manuteno de taxas de crescimento no patamar de 5% resulte em dcits emtransaes correntes, remetendo a discusso para o campo de como nanci-los.

    Essas armaes descartam tambm a ideia de que seja possvel ajustar o

    comrcio exterior brasileiro e a estrutura produtiva exclusivamente por meio damudana de preos relativos, ou seja, da taxa de cmbio. Tampouco desejvelfaz-lo pela desacelerao do crescimento, que, alis, est implcita nas mudanasradicais da taxa de cmbio. Mudanas na estrutura produtiva tomam tempo e

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    requerem, alm de polticas horizontais como a de preos relativos favorveis,polticas industriais seletivas num ambiente de crescimento econmico.

    2.2 o s ds d dA ampliao do consumo constitui o fator primordial na explicao do ciclo recentede crescimento. Desde o nal de 2003, a preservao de taxas de crescimento acimado PIB faz com que ele se constitua no principal fator de sustentao do cresci-mento. Esta armativa leva em considerao no s o aspecto quantitativo, mastambm a forma pela qual o consumo se expandiu: de um lado, por meio do gastoautnomo nanciado por crdito; de outro, pela melhora na distribuio da renda.Tal padro de expanso implica que o consumo desempenhe um papel ativo e no

    subordinado na determinao do crescimento. Na primeira dimenso, por ser umgasto que no depende exclusivamente da renda corrente e, portanto, autnomo; e,na segunda, por adquirir na prtica o carter tambm autnomo com origem numamaior propenso mdia a consumir.

    A melhoria da distribuio da renda, que ocorre tanto no mbito funcionalquanto pessoal, envolve vrios determinantes: a dinmica do mercado detrabalho, a poltica de reajustes do salrio mnimo, e a evoluo das transfernciasgovernamentais. A juno de crescimento econmico e baixa inao num

    ambiente de liberdade sindical possibilitaram a signicativa recuperao do salriomdio real da economia aps meados de 2004. O crescimento desta remuneraoacima do PIB e, por conseguinte, dos ganhos de produtividade permitiu, noconjunto do perodo, a recomposio da participao dos salrios no PIB, quesubiu de 31% em 2004 para 35% em 2010.

    Alm da melhora na distribuio funcional da renda, a poltica de salriomnimo permitiu tambm uma redistribuio dentro da massa salarial, reduzindosua disperso. A relao do salrio mdio com o salrio mnimo caiu de 4,5 para3 vezes no perodo, ao mesmo tempo em que o coeciente de Gini reduziu-se de0,59 em 2002 para 0,54 em 2009. Como as camadas com menor remuneraopossuem uma maior propenso a consumir, a melhora da distribuio reforou oaumento do consumo.

    Outro aspecto decisivo para o aumento do consumo foi a poltica de transfe-rncias, da qual fazem parte o aumento do valor do benefcio-base (equivalente aosalrio mnimo, cujo crescimento foi de 58% em termo reais) e a criao de novosprogramas, como o Bolsa Famlia. De acordo com Santos (2009), entre 2003 e2009, o conjunto das transferncias de previdncia e assistncia foi ampliado em 1,5ponto percentual do PIB, aumentando assim a renda disponvel dos mais pobres.

    O aumento do consumo decorrente da melhora da distribuio da ren-da, com o concomitante aumento do multiplicador, tem ainda potencial

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    signicativo, embora decrescente. O crescimento substancial dos salrios mdioe mnimo foi viabilizado, em parte, por seu baixo patamar no incio do governoLula. No caso do salrio mdio, assistiu-se, no governo imediatamente anterior,

    sua reduo. Isto signica que o ritmo de crescimento deste dever se ater aodo aumento da produtividade, enquanto o do mnimo dever seguir, inclusivepor fora de acordo com as centrais sindicais, o da variao do PIB. Ou seja, asmelhoras da distribuio da renda continuaro ocorrendo por esta via, mas deforma menos intensa.

    Uma possibilidade de continuar a reduo da desigualdade de renda seriapor meio de mecanismos scais, com ampliao da renda disponvel daqueles queganham menos. A carga tributria, j num patamar elevado, limita a sua amplia-

    o para nanciar novos gastos. Contudo, a modicao de sua composio ouincidncia de molde a torn-la progressiva pode ser um caminho a trilhar. Noplano das despesas, o alto valor das transferncias (cerca de 15% do PIB) restringenovas ampliaes, pois estas se dariam em detrimento de gastos cruciais, comosade e educao. Parte deste constrangimento pode ser dirimido, a mdio prazo,pelos aportes do Fundo Social, com recursos originrios do pr-sal.

    incontestvel a importncia da ampliao do crdito como fator de aumentodo consumo, sobretudo do consumo de bens durveis e habitao. Entre 2003 e

    2009, os nanciamentos s pessoas fsicas aumentaram em 10 p.p., de 5% para 15%do PIB. As principais modalidades de expanso do crdito s famlias foram aquelasnas quais por fora da inovao (crdito consignado) ou da concorrncia entre insti-tuies (aquisio de bens) houve substantiva reduo da taxa de juros acompanhadada ampliao da oferta. O aumento ocorreu tambm nos segmentos de crdito dire-cionado, como habitao, com taxas de juros mais baixas e reguladas.

    Embora o grau de endividamento das famlias no Brasil seja muito baixopara padres internacionais, a ampliao destes limites e seus impactos macroe-

    conmicos so dicultados pelo patamar das taxas de juros. Alm de taxas bsicasaltas, os spreadsbancrios so inusitadamente elevados, em comparao com osdemais pases. A despeito da grande expanso do crdito no perodo recente, osspreadscaram apenas em termos absolutos por conta da reduo da taxa bsica e, portanto, do custo de captao. Mas mantiveram-se em termos relativos enquanto margem bruta dos bancos.

    O custo elevado do crdito tem vrias implicaes. Ele limita o potencialde endividamento das famlias excluindo parte dos tomadores potenciais e,

    ao mesmo tempo, reduz o impacto macroeconmico da antecipao do poderde compra. Em outras palavras, o uxo futuro de renda esperada do tomador docrdito descontado a uma taxa que diminui seu valor presente. Por sua vez, asaltas taxas de juros impedem o desenvolvimento dos nanciamentos de longo

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    prazo, como, por exemplo, na habitao, restringindo os emprstimos ao crditodirigido, cujounding limitado.

    O elevado patamar das taxas de juros no Brasil e a necessidade de sua redu-o suscitam uma srie de discusses a respeito das causas e solues para o pro-blema. luz dos indicadores macroeconmicos, tanto relativos situao externaquanto scal, a taxa de juros bsica hoje praticada no Brasil constitui uma verda-deira anomalia. Uma prova contundente desta situao o fato de a taxa bsica de

    juros domstica, calculada em termos reais, situar-se sistematicamente acima dataxa de juros paga pelos ttulos soberanos brasileiros nos mercados internacionais,violando recorrentemente a equao da paridade coberta da taxa de juros.

    Outra questo diz respeito aos spreadspraticados pelo sistema bancrio brasileiro,sabidamente outra anomalia, quando se consideram os padres internacionais. At mea-dos da dcada de 2000 havia justicativa, do ponto de vista macroeconmico, paraspreadsmais elevados, associada instabilidade e volatilidade de taxas de cmbio e juros queacentuavam o risco da intermediao nanceira. Desde ento, a reduo desta instabili-dade reduziu os riscos, mas no os spreads. Tal persistncia se deve a fatores microecon-micos, como o alto e crescente grau de oligopolizao do sistema bancrio brasileiro e ainsuciente concorrncia, mormente no segmento de pessoas fsicas.

    2.3 as js d sConforme assinalado neste artigo, o crescimento continuado da economia brasi-leira a taxas substancialmente mais altas sugere a vigncia de um novo padro decrescimento. Isto reforado pelo fato de, ao longo de 20 trimestres portanto,durante cinco anos , o investimento ter crescido mais rpido que o PIB. Trata-seento de explicitar melhor os determinantes deste investimento e avaliar as poss-veis limitaes sua continuidade.

    Quando se analisa o desempenho do investimento no ciclo recente, no

    parece restar dvidas de que ele teve carter induzido: num primeiro momentopelas exportaes, num segundo pelo consumo, e nalmente por ele prprio. Ouseja, ainda no se congurou no ciclo recente um padro comandado pelo in-vestimento autnomo, como ocorria com frequncia na era desenvolvimentista,marcada pela diferenciao da estrutura produtiva e pela ampliao descontnuada infraestrutura.

    De acordo com dados compilados pelo Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econmico e Social (BNDES, 2009/2010), o aumento do investimento ,

    num primeiro momento do ciclo, claramente induzido pelas exportaes. Seg-mentos como minerao, siderurgia, papel e celulose, e petrleo e gs (substitui-dores de importaes) tm sua taxa de investimento signicativamente aumenta-da. Estes investimentos permanecem elevados ao longo do tempo, com seu perl

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    caracteristicamente descontnuo em razo das escalas de produo , mas sosuplantados por aqueles ligados diretamente demanda domstica.

    As possibilidades de ampliao dos investimentos nos quais as exportaestm peso signicativo na demanda nal, e nos quais o Brasil possui vantagenscomparativas absolutas, foram diminudas com a crise internacional e com asexpectativas de baixo crescimento das economias desenvolvidas. O mesmo ocorrepara segmentos nos quais seria vivel ganhar competitividade por meio de umtaxa de cmbio mais favorvel. Ademais, nestes segmentos a concorrncia com aChina deve ser exacerbada.

    O setor no qual as possibilidades de expanso das exportaes so amplas o de petrleo, a partir das descobertas na regio do pr-sal. A redenio domarco regulatrio para a explorao do petrleo no Brasil e a escolha da Petrobrascomo ator privilegiado do processo foram um passo importante para viabilizaresta explorao. O sucesso da operao de capitalizao da empresa, ocorridorecentemente, consolidou o modelo de explorao e tornou realidade a implanta-o do plano de negcios que prev investimentos da ordem de US$ 224 bilhesno quinqunio 2010-2014.

    Os resultados da explorao do petrleo na camada pr-sal sero de grandesignicncia para a economia brasileira. Isto porque permitiro amenizar a res-

    trio externa. Inicialmente, pelo auxo de investimentos diretos e de carteiradirecionados para a cadeia produtiva e papis do setor e, depois, pelo acmulo deativos denominados em divisas que reduziro de maneira signicativa o passivoexterno lquido da economia brasileira.

    No est em questo a continuidade do investimento induzido pela deman-da domstica mais particularmente pelo consumo. Seu dinamismo, para almda taxa de crescimento do consumo, tambm est vinculado capacidade deresposta da indstria de equipamentos instalada no Brasil, em especial a de bens

    de capital seriados. Como j foi apontado, uma parcela crescente da oferta destesegmento tem sido atendida por importaes, o que deixa vazar para o exteriorparte signicativa do efeito acelerador. A modicao de tal padro exige, de umlado, a modicao dos preos relativos (taxa de cmbio) e, de outro, uma polticaindustrial direcionada ao adensamento das cadeias produtivas.

    Na avaliao do desempenho do investimento no Brasil, constata-se, tanto pelosdados das Contas Nacionais quanto por aqueles oriundos do BNDES (2009/2010),um peso bem menor dos investimentos na construo civil, seja daqueles vinculados

    construo residencial, seja daqueles vinculados ampliao da infraestrutura,como discutido em Frischtak (2008). No caso dos primeiros, os avanos foram signi-cativos nos ltimos anos, ancorados sobretudo na expanso do crdito direcionadodo Sistema Financeiro de Habitao (SFH). O virtual esgotamento do fundingdo

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    crdito dirigido exigir o desenvolvimento de instrumentos privados de nancia-mento, o que, por sua vez, depender da reduo das taxas de juros.

    A habitao por interesse social constitui outro segmento do setor com am-plo potencial de expanso, associado ao dcit habitacional nos segmentos debaixa renda. O programa Minha Casa Minha Vida, do Programa de Aceleraodo Crescimento 2 (PAC 2), pretende lidar com o problema. Seu sucesso estar li-gado capacidade de articulao do setor pblico, nos vrios nveis de governo, etambm na disponibilidade de recursos scais para bancar os subsdios implcitosno programa, cujo custo total est estimado em R$ 278,2 bilhes.

    Ainda no campo da infraestrutura, h um conjunto de investimentos quedependem diretamente do setor pblico estrito senso: aquele que se refere aosequipamentos sociais sem retorno econmico (logstica urbana, redes de hospi-tais, escolas, estradas vicinais etc.). Como sabido, o patamar de investimentospblicos no Brasil tem sido muito baixo e, apesar de ter crescido nos ltimos anos(de 1,5% do PIB em 2003 para 2,5% em 2009), ter que dobrar para alcanarpadres internacionais, o que exige um signicativo esforo de planejamento.

    Por m, a infraestrutura contempla ainda um conjunto de investimentoscom retorno econmico que se prestam atividade empresarial, nos quais as em-presas estatais tm tido participao crucial, tais como: energia eltrica, petrleo e

    gs, rodovias, hidrovias, portos, aeroportos, e saneamento. H vrias diculdadespara ampliar o investimento pblico empresarial nestas reas, e o maior delesadvm do fato de as empresas com exceo da Petrobras entrarem no cmpu-to do saldo primrio. Mas os investimentos privados nestes segmentos tambmpodem ser ampliados, como de fato vem ocorrendo. Neste caso, a presena dosetor pblico ocorre por meio de garantias e de nanciamento, contribuindo parareduzir os riscos muito elevados dos investimentos em tais atividades.

    O desenvolvimento da economia brasileira vericado nos ltimos anos, no

    qual o investimento foi preponderantemente induzido pela demanda domstica,criou um conjunto de desaos cuja superao acarretar a mudana de padro emdireo ao crescimento comandado pelo investimento autnomo. Isto decorreprincipalmente da necessidade de ampliar a oferta de servios de infraestrutura.

    A viabilizao destes investimentos para suprir a demanda j existente fatalmenteampliar a taxa de investimento para alm do atendimento das necessidades cor-rentes, em razo das indivisibilidades do setor, desencadeando um investimentode natureza autnoma.

    3 concluSeS

    possvel, com base na anlise realizada neste artigo, identicar alguns dos desa-os que estaro presentes na preservao do dinamismo da economia brasileira.

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    O primeiro deles vir do campo internacional e j est visvel em dois aspectos:na desacelerao do crescimento global e no aumento da instabilidade associada guerra cambial e ao aumento dos preos das commodities. Isto certamente vai

    exigir um novo padro de polticas de regulao da insero externa que sejamcapazes de minimizar esta instabilidade, e tambm de dar mais nfase ao mercadointerno como motor do crescimento.

    No plano interno, o maior desao ser transitar de um modelo de cresci-mento baseado no investimento induzido para outro, fundado no investimentoautnomo. Os ganhos obtidos com a melhora da distribuio da renda e da am-pliao do crdito certamente sero mantidos e conferiro um papel relevanteao consumo e ampliao da capacidade produtiva para atend-lo. Na mesma

    direo atuar tambm a ampliao da construo residencial. Contudo, comofoi assinalado, o investimento autnomo decorrente da explorao do petrleona camada pr-sal e da ampliao da infraestrutura dever deslocar as fontes dedinamismo da economia brasileira.

    Para realizar essa passagem, ser exigido um novo perl de poltica econ-mica. Sua caracterstica principal ser uma ampliao do papel do setor pblicono sentido de assegurar nveis mais elevados de investimento, concentrados nainfraestrutura econmica e social. Isto exigir tanto a ao direta do Estado na

    realizao por meio da administrao pblica e empresas estatais e nancia-mento destes investimentos, quanto o suporte e induo do setor privado.

    Alm de mudanas propriamente estruturais no perl da poltica econmi-ca, outras sero necessrias no que tange reordenao dos preos-chave da eco-nomia como taxas de juros e taxa de cmbio. O declnio da taxa de juros bsicacumprir vrios papis: auxiliar o realinhamento da taxa de cmbio; diminuir acarga de juros paga pela dvida pblica, permitindo a ampliao do investimento;e ainda estimular o desenvolvimento do crdito de longo prazo. Por sua vez, o

    realinhamento da taxa de cmbio dever permitir uma reduo da importnciadas importaes na oferta no pas e estimular exportaes, mantendo o saldocomercial e melhorando a conta-corrente. As transformaes mais profundas namatriz industrial, todavia, dependero da ampliao da poltica industrial numcontexto de crescimento elevado.

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    CAP 2

    criSe econmica e rivaliDaDe poltica: caracterSticaSgeraiS Da orDem internacional contempornea

    Eduardo barros ariutti*1

    Desde a dcada de 1990 testemunha-se um processo acelerado de expanso daarena transnacional, desregulamentao nanceira e reconstituio dos direitosde propriedade. O papel do Estado norte-americano foi fundamental no desenhodesta nova ordem. A sua resposta violenta e intempestiva s presses gerais doperodo 1968-1973 destruiu o compromisso keynesiano que fundamentava osistema de Bretton Woods, abrindo caminho para a restaurao conservadora,que contou com a adeso imediata da Gr-Bretanha, Alemanha e, depois de certa

    relutncia, do Japo. O passo seguinte foi a conquista da periferia, que envolveuum amplo repertrio de tticas, situadas entre a diplomacia coercitiva (presseseconmicas e chantagem militar) e o aliciamento das suas elites, assimiladas snovas fontes de riqueza patrimonial e de consumo conspcuo. Este arranjo japresentava sinais de desgaste desde 2001, mas, pelo menos para o establishment,as tenses s caram mais evidentes com a crise de 2008. Do ponto de vista donovo discurso dominante em constituio, a sada envolveria uma reconstruodos mecanismos de governana global. No entanto, cada vez mais difcil

    contar com a liderana dos Estados Unidos. O governo Obama est paralisadopelas contradies internas da sociedade estadunidense: a recente ofensivaultraconservadora elevou a fragmentao poltica, pois dividiu at mesmo opartido republicano. Alm disto, a despeito de toda retrica, no plano da polticaexterna, por inrcia, sobrevivem os eixos centrais herdados do governo Bush.

    A Unio Europeia enfrenta uma crise de governana, amplicada pelas tensessociais no interior das sociedades que a compem. Por m, a tendncia reduo docrescimento dos pases desenvolvidos pressionar progressivamente o heterogneogrupo dos pases emergentes, resultando em um incremento da rivalidade entre

    * Professor do Instituto de Economia da niersidade Estadual de Campinas (ICAP) e pesquisador do Programaacional de Pesquisa em Desenolimento (PPD) no Ipea.

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    eles. Assim, qualquer reexo sobre as perspectivas de desenvolvimento brasileiroprecisa levar em conta os processos de longo prazo que determinaram este quadrogeral. o que se pretende indicar neste captulo.

    1 a atpica orDem De bretton WooDS

    O regime de Bretton Woods tinha como um dos pilares a liderana dos EUA,amparada por algumas instituies internacionais de cunho poltico tais como aOrganizao das Naes Unidas (ONU) e a Organizao do Tratado do AtlnticoNorte (OTAN) e econmico Fundo Monetrio Internacional (FMI), BancoMundial etc. No entanto, apesar desta dimenso internacional, o sistema eraconstitudo, na prtica, por economias nacionais orientadas para a induo do

    desenvolvimento interno. O grande diferencial, que permitiu um grau mnimode cooperao entre Estados que, no limite, eram rivais, foi a manifestao deduas poderosas foras de coeso no bloco capitalista: i) a memria da era dacatstrofe (1914-1945), que colocou em xeque as tradies do liberalismoclssico em favor de uma atmosfera baseada no controle social do mercado e,tambm, na necessidade de criar mecanismos genuinamente internacionaisdearbitragem na poltica internacional;1 e ii) o temor da ameaa comunista.No imediato ps-Guerra, o Exrcito Vermelho estava posicionado no corao

    do continente europeu e o prestgio sovitico era enorme, pois eles eram vistoscomo os libertadores da Europa. O clima social ainda era pesado, visto que aviolncia no cessou com a capitulao dos alemes: o revanchismo por partede cidados e grupos de resistncia armados contra os supostos colaboradoresprolongou por mais alguns anos a animosidade e o conito civil, gerando gravesturbulncias sociais. Neste cenrio, uma crise econmico-nanceira de grandespropores poderia fortalecer ainda mais a posio sovitica na Europa a ponto,inclusive, de atrair para a esfera de inuncia de Moscou os Estados europeusmais importantes.

    De um ponto de vista interno, o pilar do crescimento repousava no queHobsbawm qualicou como arranjo triangular. De um lado, as organizaes

    1. As instituies internacionais da ordem ritnica eram congruentes com o iderio do lieralismo clssico: assimcomo o mercado, a poltica internacional, sintomaticamente ista como uma entidade separadada economia, eraaseada em um suposto mecanismo automticode organizao, qual seja, o equilrio de poder. ogo, as instituiesinternacionais no passaam de alianas mais perenes e fruns de delieraes ad hocentre as grandes potncias paradirimir os prolemas internacionais (o famigerado concerto de potncias). Este tipo de ordenao foi duramentecriticado no perodo entre guerras, tanto por Woodrow Wilson quanto por nin. as tais contestaes no tieram

    fora suciente para deter o peso da tradio e dos interesses de curto prazo. A era de bretton Woods nasceu com areolucionria ideia de criar um goerno mundial aseado em instituies internacionais democrticas com poder realde deciso, cujo eixo fundamental seria constitudo pela . Contudo, este ideal foi derrotado logo de sada: a foi constituda em ases hierrquicas (o Conselho de Segurana dissoleu o poder da Assemleia eral) e j em 1947o princpio da conteno sustituiu o unimundismo alardeado por Rooseelt. as, mesmo com este recuo, a ordeminternacional contempornea muito mais institucionalizada que as anteriores.

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    trabalhistas continham suas demandas radicais, abandonando a luta pelosocialismo e concentrando sua prtica na melhoria dos salrios e condies detrabalho, sem comprometer os lucros. Os empresrios, por sua vez, encorajados

    pelas perspectivas de expanso constante do mercado nacional e internacional(e pelas restries s operaes nanceiras), investiam na produo e tendiam aaceitar parte das demandas do trabalho, transmitindo parcialmente os ganhosde produtividade para os salrios. O ltimo vrtice era formado pelo Estado,que, alm de arbitrar as relaes entre sindicatos e empresrios, implementavapolticas de proteo social e fomento economia, tais como o investimento eminfraestrutura e a elevao do gasto corrente (o funcionalismo pblico empregadopara garantir os servios de transporte, sade, educao e assistncia social),

    dispndio fundamental para promover o bem-estar da sociedade (HOBSBAWM,1995, p. 276-277). Em congruncia com estes arranjos nacionais, para garantir asolidez e articulao do bloco capitalista, era fundamental controlaras nanas eestabilizar o comrcio internacional. No entanto, de uma tica estadunidense, eranecessrio fazer tudo isto mantendo e at mesmo elevando o dispndio militarsem comprometer suas bases econmicas. O primeiro passo foi, nas confernciasde Bretton Woods, demolir a proposta de Keynes de criar o Bancorcomo a moeda-padro das trocas internacionais o que neutralizaria o poder de seignoriagedodlar.2 O segundo movimento coube materializao do Plano Marshall, que seloudenitivamente a aliana atlntica em torno da liderana os EUA e consolidou umsistema de cmbio xo que, na prtica, envolvia uma barganha. Por deter a moedaque era ao mesmo tempo o meio de troca e a reserva de valor do sistema, os EUAconcentravam as principais vantagens polticas, pois podiam investir pesadamenteem armamentos nucleares e convencionais, ampliando seu dierencial de podercomrelao aos aliados, criando um quase monoplio legtimo do uso da fora. Estesinvestimentos, indiretamente, irrigavam seu sistema econmico, por meio daconstituio do complexo industrial-militar e, tambm, possibilitavam a adoo

    de polticas monetrias e scais expansionistas, que garantiam a vitalidade do seusistema bancrio e suas empresas. Na outra ponta, protegidos pelo guarda-chuvanuclear dos EUA, a Europa e o Japo podiam promover uma poltica econmicaagressiva, voltada modernizao do seu parque industrial e orientada para asexportaes, principalmente para o mercado dos EUA.

    No entanto, mesmo levando em conta essas foras de coeso, como j foimencionado, o sistema de Bretton Woods era composto na realidade por economiasnacionais rivais. E seus prprios fundamentos cuidaram de elevar a rivalidade.

    2. sa-se aqui essa expresso em sentido mais amplo (similar ao utilizado por belluzzo, 1998, p.187): por emitirema moeda que denomina as trocas internacionais (e, o que mais importante neste caso, que funciona tamm comoresera de alor), os EA possuem aixssimas restries internacionais a sua poltica monetria e scal. A adoodo bancor imporia limites a Washington muito maiores do que a paridade ouro/dlar acordada em bretton Woods.

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    J na dcada de 1950 o crescente uxo de investimento direto dos EUA para aEuropa3 tinha como objetivo primrio furar o protecionismo europeu toleradopor Washington por razes geopolticas e, secundrio, anquear a proteo social

    ao trabalhador americano. Sobretudo na dcada de 1960, as economias europeiasresponderam a este movimento intensicando seus investimentos produtivos naszonas mais urbanizadas da periferia, e ampliando o escopo da concorrncia capitalista.

    As empresas norte-americanas seguiram as suas rivais europeias, tambm disputandoos mercados perifricos. Na dcada de 1970 o processo se completa com as empresas

    japonesas que, aps intenso desenvolvimento em tecnologia de ponta, concentramseus investimentos nos pases centrais. Embora este novo padro de investimento tenhagerado uma slida interpenetrao patrimonial no seio da trade que, posteriormente,

    tornou-se um dos fundamentos da ordem nanceirizada e um poderoso elemento deanidade oligrquica entre as sociedades centrais , seus efeitos de mdio prazo forama elevao da vulnerabilidade do trabalho e a generalizao das turbulncias sociais.

    O fato que a reduo da assimetria econmica entre os EUA e seus aliados-rivais elevou as tenses polticas, que se manifestaram em dois planos distintos,porm interligados. Em sincronia com a China, a Frana passou a hostilizarabertamente a poltica de no proliferao nuclear imposta pelos EUA e pelaUnio Sovitica (URSS), alterando deste modo o equilbrio regional de poder.Em seguida, explorando a situao adversa em que se encontravam os EUA(a escalada no Vietn, em meio s primeiras contestaes polticas internas maisradicais), a Frana passou a questionar ostensivamente a poltica nanceiraestadunidense, cuja manifestao mais ruidosa foi o boicote aopool do ouro, queacabou produzindo uma ampla ressonncia internacional. A resposta intempestivados EUA, isto , a ruptura unilateral do padro ouro/dlar, intensicou o climade tenso, ao qual se somou o choque do petrleo, que desencadeou mais ummovimento agressivo de Washington: a combinao entre a elevao dos juros dosttulos pblicos norte-americanos com a desregulamentao do sistema bancrio

    sediado em Wall Street, que rompeu o dique da represso nanceira.4

    Portanto,foi exatamente a combinao entre arivalidade poltico-econmica internacionalcom o conito social latente que comeou a corroer a ordem internacionalbaseada na regulao do mercado.

    3. ogo, o Plano arshall no foi o nico responsel pela generalizao do dlar na economia mundial. Esse uxode inestimentos diretos estrangeiros (IDE) dos EA para a Europa aumentou tremendamente a liquidez e fortaleceuainda mais o dlar como a moeda internacional.

    4. Alemanha, rana e Japo tentaram preserar minimamente os controles de capitais e os elementos fundamentais

    de bretton Woods. as era impossel faz-lo sem a anuncia dos EA e, em menor medida, da r-bretanha. Porconta do olume, centralidade e arangncia do sistema nanceiro estadunidense, suas caractersticas afetariam todaa estrutura das nanas mundiais. E a poltica econmica seguida por Washington enolia remoer os ostculosaos operadores nanceiros, emitir moeda para desalorizar ainda mais o dlar frente ao marco e o iene, e aumentaro protecionismo comercial a ei Comercial de 1974, em afronta ao Acordo eral sore arifas e Comrcio (A),permitia impor punies aos competidores injustos; no caso, o alo predileto era o Japo (brenner, 2003, p. 67-79).

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    2 a criSe De bretton WooDS e a conSoliDao Do neoliberaliSmo

    Entre 1973 e 1979 a economia poltica internacional passou por um conjuntosignicativo de transformaes. O sbito desarranjo dos mecanismos de regulaointernacional elevou as diculdades dos pases perifricos, que interromperam seuciclo de crescimento e enfrentaram um longo perodo de estagnao. Contudo,esta mesma situao favoreceu a posio da URSS que, amparada em suas

    jazidas de petrleo, ampliou seu investimento militar, sobretudo na marinha,e sua inuncia direta sobre a periferia. Concomitantemente, a intensicaoda rivalidade intercapitalista elevou o grau de centralizao de capitais, queacelerou ainda mais o processo de interpenetrao patrimonial no centro docapitalismo, fato que produziu uma crescente convergncia de interesses entre as

    classes proprietrias e seus associados. A transformao nal das foras sociais foiproduzida pelas mudanas organizacionais e tecnolgicas derivadas da TerceiraRevoluo Industrial, que tiveram incio em meio ofensiva conservadora,expressa na eleio de Margareth Thatcher (1979), Ronald Reagan (1980) eHelmuth Kohl (1982). A tendncia geral, desde ento, foi a rearmao dopoderdos EUA e a desconstruo dos fundamentos da ordem de Bretton Woods: como

    j foi apontado, a essncia deste sistema envolviapolticas nacionaisamparadasna constante negociao entre os empresrios e o trabalho organizado, noinvestimento pblico e na diversicao da burocracia estatal (criao de diversos

    ministrios e instituies orientadas coordenao da sociedade em diversasreas). Contudo, para evitar a instabilidade do comrcio e das nanas mundiais,as implicaes internacionais destas polticas eram negociadas nas diversasinstituies e fruns especializados. Todos estes elementos foram atacados.O sentido das determinaes mudou: os novos interesses patrimoniais, interligadostransnacionalmentepor redes nanceiras nucleadas em Wall Street e pelas novascorporaes transnacionais, passaram a ditar as polticas nacionais de ajuste.

    2.1 os s ds d s

    Como j foi adiantado, a ecloso da Terceira Revoluo Industrial acelerouradicalmente o processo de transformao das formas de organizao, concorrnciae gesto das empresas transnacionais. O primeiro impacto destas mudanas foitornar obsoleto o padro tecnolgico emulado pelos pases semiperifricos durantea longa expanso dos anos dourados. A vanguarda da concorrncia capitalista sedeslocou para novas fronteiras: a tecnologia da informao (telemtica), robtica,eletroeletrnica, gentica, nanotecnologia, qumica na e novos materiais.O aspecto decisivo, contudo, somente se consolidou na dcada de 1990, quando

    as empresas internalizaram denitivamente o setor de pesquisa e desenvolvimento(P&D) em sua estrutura burocrtica transnacionalizada e, simultaneamente,

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    elevaram o seu potencial nanceiro.5 Em suma: o progresso tecnolgico permitiua fragmentao da cadeia produtiva que, em conjunto com a criao dos parasosscais, desaou o poder jurisdicional e scal dos Estados mais proeminentes.

    Assim, por conta do alargamento dos tentculos do sistema nanceirointernacional, da maior abertura econmica e da consolidao das tecnologiasde informao, as empresas transnacionais passaram a desenvolver uma estratgiananceira e tecnolgica global, amparada em uma administrao do comrcio eda produo que se congura de forma essencialmente regional,na qual o campo daconcorrncia de ponta se situa predominantemente no espao integrado dos pasescentrais, com prolongamentos na sia. Enquanto isso, os mercados perifricosse especializam na produo de recursos naturais, componentes rudimentares

    e na montagem de produtos com nvel tecnolgico baixo ou intermedirio.O aspecto realmente decisivo, entretanto, que este padro de investimento ede produo alterou a dinmica do comrcio mundial, que passou a se concentrarprincipalmente nas operaes intrafrmas, reduzindo ainda mais a capacidade deos Estados realizarem polticas econmicas contrrias lgica patrimonialista. neste sentido preciso que se pode qualicar a ordem atual como uma ordemessencialmente transnacional,6 fundada em grande medida no espao de uxos(RUGGIE, 1993). O ponto fundamental, portanto, que as grandes corporaesconcentram a sua atuao nas ormas mais abstratas de propriedadee intensivas emcapital a cincia aplicada, gesto de ativos e de processos enquanto as demaisatividades tendem a ser desempenhadas por empresas de escopo local ou regional,com menor capacidade de captar crdito de qualidade.

    Resta apontar a conexo desses novos padres com a estrutura de classes.A tecnologia da informao, em conexo com a produo automatizada,intensicou ainda mais as caractersticas do que se convencionou denominarrevoluo gerencial. A separao entre a propriedade do capital e a gestofoi intensicada, promovendo uma mudana qualitativa que, entre outras

    determinaes, situou a lgica nanceira como o modo de ser da riquezacontempornea(BRAGA, 2000, p. 271-272). A estrutura piramidal de gestorese burocratas espraiou-se internacionalmente, gestando uma classe dominante

    5. odas as grandes transformaes gerenciais do capitalismo moderno so concomitantes a mudanas nas formasde propriedade, emora a natureza e o sentido das relaes causais entre amas sejam alo de intenso deate. Istoocorreu na passagem do sculo I ao , e oltou a ocorrer, mutatis mutandis, depois de 1970. ponto decisio que o reforo da capacidade de autonanciamento das corporaes uma expresso da transformao realmentefundamental, isto , a realorizao das nanas, nos termos em que Hilferding costumaa conce-la, ou seja, comoa encarnao do capital enquanto propriedade, por oposio s suas funes no processo produtio (Dumnil e y,2001, p. 9-12).

    6. necessrio deixar claro, porm, que no se trata da dissoluo do Estado acional, como era comum se dizer noincio da dcada de 1990. Em primeiro lugar, porque a ordem igente se aseia na preponderncia militar dos EAe na centralidade de sua moeda (owan, 2003). Alm disto, os Estados mais importantes participaram atiamenteda desregulamentao nanceira, associando-se, depois de alguma resistncia inicial, primazia dos EA (Helleiner,1994) e s redes plutocrticas incrustadas nas sociedades dos pases desenolidos (ariutti, 2009, p. 69-73).

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    com um carter progressivamente transnacional. Colateralmente, por conta deseus hbitos de consumo suntuosos ampliados pela fnanceirizao,7esta classe eseus funcionrios mais graduados acabaram produzindo outro pilar conservador

    no interior das sociedades em que penetraram: o amplo e variado setor deservios luxuosos, que movimenta uma parcela considervel da riqueza mundial.

    A produo transnacional e a nanceirizao produziram uma tendncia crescente diversifcao do consumo, que redefniu o papel de boa parte da classe mdia,convertendo-a em estafetas de luxo, destinados a prover, de forma resignada esubserviente, as extravagncias dos muito ricos.

    No de se estranhar, portanto, porque a reao conservadora teve tantosucesso. A poltica nanceira agressiva dos EUA gerou ressonncia no interior das

    sociedades centrais e em parte das elites dos pases perifricos mais dinmicos.Os interesses da classe proprietria transnacional se mesclam aos de seus serviaismais destacados em pontos muitos precisos: i) a concentrao de renda mediada peloconsumo conspcuo, base de toda esta forma de sociabilidade; ii) a desregulamentaonanceira e a expanso do crdito, que possibilitou s classes mdias incorporaremativos nanceiros ao seu patrimnio; iii) um sistema scal baseado no deslocamentodos impostos da cpula para a base da sociedade; iv) a conteno da inao e adisciplina scal do Estado; e v) aprivatizao seletiva: a esfera privada investe nasatividades sob domnio pblico mais lucrativas e transfere o nus das atividadesmenos rentveis para o Estado.

    2.2 a d d

    O desdobramento das tendncias aqui discutidas implicou, por parte dos grandescapitalistas dos pases desenvolvidos amparados pelo Estado norte-americano, umduplo padro de investimento na dcada de 1990. Um deles foi uma presso pelaabertura nanceira em determinadas regies (Amrica do Sul, principalmente,mas tambm o Oriente Mdio e alguns pases do bloco sovitico), comandada

    por uma lgica patrimonial que envolveu a aquisio de empresas pblicas(privatizao com abertura para o capital externo) e privadas, ligadas sobretudoao setor de servios e utilidades pblicas. Este movimento se deu em congrunciacom o bloqueio da capacidade do Estado de gerir ativamente a poltica econmicae fomentar o desenvolvimento um papel que, de acordo com a nova ideologia,

    7. A centralidade do patrimnio e da ariao da riqueza na determinao do gasto (er Carneiro neste liro), acoplada expanso do consumo, um aspecto decisio na legitimao social da ordem neolieral. A ampliao das ocupaesgerenciais produziu uma identidade de interesses entre os proprietrios das empresas e os funcionrios de alto esca-

    lo. s noos produtos nanceiros estenderam os enefcios da noa ordem aos demais cidados com renda suciente:As classes altas e mdias passaram a deter importantes carteiras de ttulos e aes, diretamente, mas, soretudo,atras de cotas em fundos de inestimentos, de fundos de penso e de seguro. patrimnio tpico de uma famliade renda mdia passou a incluir atios nanceiros em proporo crescente, alm dos imeis e ens dureis, o quealtera sustantiamente a distriuio de renda entre salrios e rendas proenientes de atios nanceiros (aares ebelluzzo, 2004 p. 126).

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    caberia ao mercado desregulado , bem como de articular seu potencial deendividamento capacidade de captar crdito privado (CARNEIRO, 2007).

    O outro padro de investimento adotado por aqueles Estados foi o deslocamentodos investimentos produtivos (IDE) para a sia, sobretudo para a China, fato queremodelou as antigas cadeias produtivas. A China tornou-se o elo nal de uma vastarede de exportao orientada para o mercado dos EUA e dos demais pases centrais,que demanda peas e componentes dos demais pases asiticos e recursos naturais da

    Amrica do Sul e frica. O resultado deste padro foi a cristalizao de um novo elodominante na economia internacional: a sinergia entre a economia dos EUA e a daChina. O barateamento das mercadorias produzidas na sia possibilitou a reduoda inao dos EUA e, simultaneamente, garantiu a fria consumista das famlias

    estadunidenses. Na outra ponta, as reservas em dlar acumuladas na China fechamo circuito, pois permitem o nanciamento do dcit dos EUA, mediante a comprade ttulos pblicos por parte de Pequim. Alm disto, os chineses podem utilizar seusdlares para comprar empresas transnacionais e ampliar o controle direto da Chinasobre recursos naturais na periferia comprando terras, fazendas, mineradoras etc.

    A articulao sino-americana, contudo, no completamente virtuosa.Ela desencadeou dois eeitos imediatosque esto na raiz da crise atual. Primeiro, oacirramento das contradies no seio da sociedade norte-americana. Este padro

    agrava as contas pblicas,8 fomenta a expanso nanceira e do crdito (que favoreceo surto de bolhas especulativas), reduz o emprego industrial (e induz hipertroado setor tercirio, ligado aos servios de luxo e entretenimento) e promove adeteriorao das condies de trabalho (precarizao, tendncia involuntriaao emprego em tempo parcial etc.). O segundo efeito imediato se reete nestasimbiose que, primeira vista, confere muito poder ao governo chins, poisefetivamente eleva sua capacidade de controle sobre os seus parceiros asiticos eos exportadores de commoditiese energia. Mas, ao mesmo tempo, aprisiona o pas

    a um padro de crescimento fortemente dependente dos mercados consumidoresdesenvolvidos e dos servios nanceiros dos bancos norte-americanos paraadministrar suas reservas.9

    8. As principais empresas norte-americanas contriuem diretamente para isso, pois elas produzem na sia, reexportamseus produtos para seu prprio mercado (ampliando o dcit comercial) e tm a possiilidade de depositar grandeparte de seus lucros em contas offshore, fora do alcance das autoridades nanceiras estadunidenses.

    9. De uma perspectia interna, esse padro faorece a posio das elites uranas exportadoras situadas na costameridional chinesa, em detrimento da asta populao rural. Assim, para reerter a dependncia dos EA, os chineses

    teriam de promoer uma gigantesca transformao social, aseada na eleao do consumo interno, mediantereformas no campo que fossem capazes de conter o sistemtico xodo ruralque arateia a mo de ora nas cidades.rata-se, portanto, de alterar uma correlao de foras sociais rmemente estaelecidas interna e externamente: estaelite exportadora/credora possui uma relao simitica com a classe dominante nos EA que, amparada na produoarata realizada a seu comando na sia, assegura a sua posio social mediante a eleao dos padres de ida (isto, consumismo desenfreado) dos cidados norte-americanos (Hung, 2009, p. 23-25).

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    Logo, o problema maior est na combinao entre esses dois efeitos queengendra, na realidade, uma armadilha que dicilmente pode ser desarmadasem destruir a ordem internacional vigente. A grande magnitude das reservas

    em dlar nas mos do governo chins, a despeito das recentes diatribes dassuas autoridades contra o dlar ducirio, um dos alicerces da arquiteturananceira atual. No nanciar o dcit norte-americano geraria reduo nademanda pelos seus produtos, bem como poria em risco a funo de reservade valor desta moeda. Qualquer movimento signifcativo de Pequim no sentidode diversicar suas reservas poderia gerar uma fuga generalizada do dlar, der-retendo deste modo suas reservas internacionais e comprometendo sua via dedesenvolvimento. Em suma: a China no tem fora suciente para conduzir a

    mudana para outro tipo de sistema, isto , baseado na elevao da governanaglobal e no controle das poderosas foras de fragmentao libertadas pela reaoconservadora. No mximo, as autoridades chinesas podem produzir uma heca-tombe nanceira que destruiria seus recursos de poder.

    2.3 o d - d d

    A ordem poltica e econmica atual repousa em duas bases interligadas. Umde seus fundamentos uma distribuio do poder militar essencialmente

    assimtrica, que confere uma inuncia poltica extraordinria aos EstadosUnidos. At o momento, a despeito de agitaes superciais, em sua essncia,a congurao vigente da correlao de foras no est sendo seriamentecontestada por nenhum Estado, ou bloco de Estados. E o segredo destavitalidade a sinergia entre o poder militar e o poder econmico dos EUA,uma relao sempre tensa, mas que, no m das contas, se manifestou durantetoda a sua histria mais recente. Isto porque h uma clara interpenetraoentre a postura militar norte-americana e os arranjos nanceiros impostospelos EUA no ps-Guerra, descritos nas sees anteriores. Ambas as dimenses,

    na realidade, formam um mecanismo de retroalimentao. O nanciamentodo complexo industrial-militar, fonte da supremacia poltica dos EUA emecanismo auxiliar de manuteno da liderana industrial em setores de ponta(MEDEIROS, 2004), depende da centralidade de Wall Street e dos ttulospblicos estadunidenses na alta nana internacional. Esta, por sua vez, porpenetrar no interior das diversas sociedades civis, ajuda a sustentar, de dentropara fora, o status quo da poltica internacional. No entanto, o agravamentodas tenses sociais nos pases do centro e da semiperiferia uma ameaa

    continuidade desta forma de articulao. precisamente neste sentido que a

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    crise nanceira atual,10 com seus prolongamentos sobre a economia real, seno for revertida, pode agravar ainda mais as agitaes sociais e fazer desabartoda a estrutura de dominao nanceira e militar cristalizada em Washington

    e Wall Street.

    Para compreender esta articulao necessrio fazer um breve retrospectoda evoluo do poder militar dos EUA. O mecanismo bsico de contenonuclear na guerra fria era aparentemente paradoxal: por conta da bipolaridade,o seu funcionamento dependia da inexistncia de impedimentos fsicos aouso das armas nucleares. Em outros termos: a vulnerabilidade recproca era asua verdadeira base. A dissuaso era mantida exatamente porque o inimigo,se agredido com armas nucleares, seria capaz de responder devastadoramente.

    Tudo dependia, portanto, de um mnimo equilbrio em meios de destruio. importante notar que a capacidade de destruio (nmero e potncia dasogivas) no era a nica varivel importante: o vetor era igualmente decisivo.Desse modo, a corrida armamentista envolvia no s produzir mais megatonsmas, tambm, aperfeioar e, sobretudo, variaros meios de lanamento. Assim,depois do rompimento do monoplio nuclear estadunidense, para garantir osmeios de dissuaso, era fundamental deter uma ampla capacidade de destruionos trs meios de lanamento: terra-terra (msseis balsticos armazenados em silose plataformas mveis); ar-terra (os bombardeiros e caa-bombardeiros); e mar-terra (navios e submarinos). Se o inimigo conseguisse inventar um dispositivocapaz de deter um tipo de ataque (ou at dois), a dissuaso estaria mantida e,com o tempo, seria possvel desenvolver uma forma de burlar (ou emular) osistema defensivo adversrio. A variao nos meios de lanamento, assim comosua disperso,11 portanto, embora muito custosa economicamente, garantia sduas potncias uma fonte adicional de segurana.

    Foi exatamente esse tipo de dispndio (a presena militar global) que aURSS comeou a ter diculdade de arcar. Isto, em grande medida, ocorreu porqueMoscou no tinha a seu dispor um sistema comercial e nanceiro apto a transmitir

    10. A crise nanceira ressuscitou o deate entre os declinistas que profetizam o colapso do imprio norte-americano e os renoacionistas, que acreditam na perenidade da preponderncia de Washington. curioso notar que, daperspectia das nanas, a linha diisria entre as correntes concerne nfase em funes diferentes da moedainternacional. s renoacionistas tendem a priilegiar a centralidade do dlar como meio de troca e unidade de contanas transaes internacionais. ogo, a fora dos EA estaria, exatamente, na interdependncia comercial, nanceirae produtia, que ainda tem como epicentro o dlar. E, por extenso, a centralidade do dlar depende, soretudo,das decises tomadas pelos principais atores econmicos. s declinistas, por sua ez, centram sua anlise na funode resera de alor do dlar: sua corroso encoraja a diersicao das diisas, fato que implicaria a eleao dosconstrangimentos internacionais capacidade de nanciar o oramento militar e fomentar articialmente o dinamismoda economia dos EA. Aqui, ao contrrio dos renoacionistas, os elementos geopolticos so preponderantes nadelimitao da ordem internacional (Helleiner e Kirshner, 2009, p. 3-6; 15-7).

    11. A disperso das armas nucleares durante a uerra ria era, tamm, um elemento essencial na garantia dadissuaso. motio eidente: a concentrao das armas permitiria ao inimigo um ataque sincronizado que, seem-sucedido, lhe garantiria a primazia nuclear; neste caso, o rst-strikedecidiria a contenda em faor do agressor.

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    de forma ecaz o custo da corrida armamentista para seus aliados. O colapso dobloco sovitico e a desintegrao parcial da Rssia no eliminou totalmente suacapacidade militar. O resultado prtico disto foi o connamento de Moscou a um

    espao geopoltico muito mais exguo: a Eursia. Isto ajuda a esclarecer diversastendncias recentes. A mais evidente o aquecimento da temperatura poltica nestaregio, o que, por sua vez, favoreceu o transbordamento das tenses para a frica eelevou o peso geopoltico da China. A retrao da esfera de inuncia russa tornoupossvel denir a poltica norte-americana sobre um novo eixo: o monoplio daprojeo global de poder a distncia, amparada por um redimensionamento dasforas armadas, com recursos tecnolgicos de ponta e composta por unidadesmenores, que, supostamente, por serem mais bem treinadas e capazes de utilizar

    equipamentos sosticados, seriam, em princpio, mais ecazes e polivalentes. Estareorganizao das foras armadas foi estimulada ainda mais durante o governoGeorge Bush, alicerada na ideia de que este novo tipo de soldado pressupe umnovo tipo de guerra, isto , guerras com o objetivo de mudar regimes.12 Ou, emtermos menos eufemsticos, invases militares para pacicar zonas turbulentascapazes de desestabilizar a economia mundial ou, ento, abrir zonas hostis aosinvestimentos dos pases centrais, comandados por Washington. Tragicamente,a administrao de Barack Obama no parece capaz de alterar signicativamenteeste padro de organizao militar e de presso diplomtica.

    A guerra tecnolgica, na realidade, corresponde tambm a um atributoespecco da sociedade norte-americana, que remonta sndrome do Vietn: arecusa da populao a se submeter conscrio as foras armadas, desde o mda Guerra do Vietn, so compostas apenas por voluntrios e a sofrer baixasem grande escala. Esta pequena tolerncia s baixas tem sido contornada pelosEUA de duas maneiras: i) a crescente privatizao da guerra, fato que reabilitousocialmente os mercenrios, j utilizados pelas agncias de inteligncia (CIA, emparticular) durante a guerra fria e nos servios de segurana privada no interior

    do espao nacional; e ii) a reabilitao da conquista da cidadania pela guerra: osgreen card soldiers, geralmente hispnicos, que lutam pelo exrcito estaduniden-se ou ainda ex-presidirios, que se alistam para limpar os registros criminais.Evidentemente, estas medidas so pa