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Desafios para a educação no século XXI
Reflectir sobre os desafios da educação no futuro, constitui um repto deste Forum
que reúne autarcas e professores interessados no desenvolvimento de projectos
animados pela Rede Viseu Educa e que nos mereceu a deferência e convite da CMV
para esta conferência inaugural. Uma tarefa que assumimos com gosto que nos faz
recordar tempos idos em que participámos na instalação do ensino politécnico nesta
cidade e distrito, partilhando com diversos colegas e com técnicos do Ministério da
Educação, os passos iniciais do lançamento da sua Escola Superior de Educação.
Este é um desafio que continuamos a assumir como cidadão, interessado nos
caminhos e futuro do sistema de ensino português e na mudança que interna e
externamente condicionam a sua missão, evolução, desempenho e responsabilidades.
Como os demais sistemas sociais também os sistemas educativos estão sujeitos à
variação dos seus contextos interno e externo, à procura dos alunos, à oferta da rede e
à disponibilidade do seu corpo docente.
Se tal tão bastasse os seus resultados dependem ainda de outros factores
relacionados com as políticas educativas que estabelecem metas e objectivos,
disponibilizam meios e repartem responsabilidades num processo acrescido de
descentralização entre o poder central e as escolas e entre o poder central e o poder
local. Neste processo são chamados a família e a comunidade; os alunos e os
professores; a escola, enquanto organização pedagógica e as instituições sociais,
culturais, desportivas e religiosas locais que acompanham o desenvolvimento
humano da população, em particular dos mais jovens.
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Esta é uma tarefa complexa a que somos chamados a reflectir numa sociedade em
constante e contínua mutação, alicerçada no contributo sistémico, individual e
colectivo que cada um de nós: organizações escolares, pais, autarcas, alunos e
professores, dão na consecução de projectos direccionados para a vida e desempenho
da escola; no aproveitamento e qualificação dos alunos; na inclusão e o
desenvolvimento humano da população escolar. População que no seu dia transporta
diversas heranças culturais e económicas, familiares e comunitárias, alicerçadas no
seu meio de origem e tantas vezes em confronto com o projecto da organização
escolar que a pretexto da sua missão e carácter - porque aberto a toda a população -,
esquece os objectivos essenciais inscritos no desenvolvimento humano de cada um
dos seus alunos.
É missão da organização escolar, enquanto nó fundamental do sistema educativo,
responder eficazmente às muitas necessidades educacionais – dos alunos, das
famílias, da comunidade - nos nossos dias. Uma missão que passa pela articulação de
saberes e trabalhos centrados em três pilares fundamentais: na instrução e
socialização dos alunos, bem como na sua qualificação e preparação para a vida
activa.
Tomando como exemplo o ensino básico - enquanto elemento estruturante dos
saberes fundamentais da criança -, a instrução reparte-se por ciclos distintos da vida
escolar do aluno, destinados à consolidação e ao alargamento de aprendizagens de
matérias fundamentais no domínio das línguas, da matemática, das ciências, das
ciências sociais, das artes e da tecnologia.
Trata-se de uma missão articulada com actividades e vivências promotoras do
desenvolvimento socio-afectivo e das relações interpessoais da população escolar,
acompanhada pelos efeitos de uma socialização que promove a sua inserção na vida
social. Na sua complementaridade e concretização, as aprendizagens deste ciclo de
estudos visam a qualificação e autonomia do aluno, tendo em vista o seu desempenho
pessoal e mais tarde profissional, conferido pelo ciclo obrigatório de ensino
secundário e/ou profissional.
No dia a dia da sua vivência escolar, o aluno segue o aprofundamento de um
programa escolar, elaborado em função de um conjunto de aprendizagens e de
actividades tidas como essenciais à formação e ao desenvolvimento de competências
disciplinares e pessoais, orientadas pelo corpo docente. Salientamos as competências:
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- intelectuais, relacionadas com a aprendizagem e exploração da informação, a
resolução de problemas, o pensamento crítico e criativo;
- metodológicas, baseadas no método de trabalho, no domínio das tecnologias de
comunicação e de informação;
- pessoais e sociais, garantidas pelo auto-conhecimento e cooperação;
- comunicacionais, promotoras da inserção no seu meio.
Reconhecendo que os esteios desta formação são os professores, é fundamental o
papel e apoio da família como garante do processo formativo do aluno, da sua
integração escolar e social, do seu desenvolvimento humano e pessoal durante o ciclo
de vida escolar e fora dele. Para tanto cabe ao Estado - ao poder central e ao poder
local -, assumir as suas responsabilidades e deveres na construção de uma sociedade
justa, inclusiva, democrática e participativa.
O conjunto destes considerandos remete-nos para um referencial de funções e de
atribuições do sistema educativo, centrado na Escola e na acção comunitária, nos
interesses da população escolar e na sua integração social e cultural. Mais ainda:
obriga-nos a centrar a nossa atenção sobre os contextos imediatos da sua evolução e
desenvolvimento, baseados em previsões construídas na actualidade. Tomamos em
especial atenção o contexto demográfico, responsável pela procura e frequência
futura; pela oferta e adequação da rede e de cursos; pela alteração da matriz
organizacional e configuração do próprio sistema.
Diversas perspectivas de análise podem ser utilizadas: da Economia à Sociologia,
da Ciência Política à História; do Direito à Demografia. Optamos por esta última que
se preocupa com os aspectos quantitativos do sistema: as entradas e saídas; o
processo e o sucesso, com os valores de aproveitamento e retenção, do desperdício
escolar, isoladamente e na sua relação com outras situações como o nº de
professores, os equipamentos e salas de aula, a relação com os grupos etários da
população em idade escolar, o ratio professor/aluno. Estes são apenas alguns
aspectos que cabem no domínio de uma análise actual e prospectiva do sistema
educativo na sua relação com factores demográficos e sociais, também económicos e
culturais, que hoje e aqui podem se apreciados. Vejamos alguns aspectos.
Tendo em conta a evolução da população portuguesa, verifica-se que a nossa
situação demográfica tem vindo a agravar-se no decurso do último meio século,
através de um crescimento moderado de habitantes – nos últimos anos, mesmo a sua
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redução – e uma variação em sentido inverso dos movimentos migratórios: acréscimo
da emigração e redução da imigração.
Tal situação tem conduzido a um panorama de Inverno demográfico traduzido
numa redução acentuada dos nascimentos, crescimento moderado dos habitantes,
aumento progressivo dos idosos. A variação dos movimentos migratórios, comprova
os efeitos de um regime de transição demográfica em evolução, marcado por amplas e
profundas mudanças sociais. Estas decorrem das alterações nas condições de vida e
de emprego, que têm vindo a reforçar a tendência para o “crescimento zero” dos
habitantes no nosso país, para a “dependência demográfica” em que vivemos e para o
“despovoamento estrutural” que tende a acentuar-se em grande parte do nosso
território.
A continuidade e os efeitos destas situações acarretam alterações de vida na actual
e nas gerações vindouras, não só a nível nacional, mas também no contexto da UE28 e
dos países mais desenvolvidos do globo. Trata-se de um fenómeno radicado nas
mudanças económicas, sociais e culturais que advêm da industrialização e da
concentração dos excedentes rurais nas áreas urbanas, da emancipação da mulher e
da sua participação no mundo do trabalho, da terciarização da sociedade e do
aumento de instrução dos habitantes, da alteração profunda dos padrões culturais
dominantes, da revolução social e reprodutiva em curso.
Não bastassem estas razões acresce a evolução do mundo do trabalho, o acréscimo
do desemprego, a inserção tardia dos jovens no mercado de emprego, a dependência
destes em relação aos seus familiares, a alteração das vivências e dos núcleos
familiares, a intensificação dos fenómenos de mobilidade e a precariedade dos
vínculos laborais.
Estas situações convergentes no tempo actual, no espaço e na sociedade
portuguesa em regime de dependência demográfica e financeira, justificam um olhar
atento sobre o futuro da nossa sociedade, que no seu conjunto aponta para uma
redução ainda mais acentuada de habitantes e de alunos a entrar no nosso sistema
educativo. Regista-se, assim:
- a tendência de um crescimento moderado da população traduzida num aumento
de apenas de 150 milhares de habitantes entre 2001 e 2011 (Total de 10,542 Milhões
de habitantes) e de uma quebra a partir de então;
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- o crescimento negativo das componentes do saldo natural (decréscimo de
nascimentos, que baixaram para valores inferior a uma centena de milhar em 2011 –
cerca de 82,0 milhares na actualidade - e variação dos óbitos e do saldo migratório
(aumento da emigração e quebra da imigração), a partir de 2010;
- o aumento da esperança de vida à nascença (76,67 anos para os homens e 82,59
anos para as mulheres, em 2012), do envelhecimento na base (por redução de
nascimentos) e no topo (por acréscimo de idosos) da nossa pirâmide demográfica.
Desde 2000 a percentagem de idosos (> 65 anos) é superior à dos jovens (<14
anos), representando em 2011, 19% da população residente e esta, 14,9%. Em 2012,
por cada 100 jovens residiam 131 idosos, com o inevitável abaixamento do Índice de
renovação da população em idade activa: 143,1 em 2000 e 88,8, em 2012- e do índice
de dependência dos idosos. No início do novo século por cada pessoa a trabalhar,
registavam-se 24,2 idosos e em 2012, 29,4. Estes são alguns dados relativos à nossa
situação de Inverno demográfico;
Os dados acima referidos traduzem os efeitos de uma mudança social ancorada
numa alteração do velho paradigma - que tinha a mulher como “meio natural de
reprodução” - para uma outra situação em que o seu contributo passa a ser
condicionado por outros factores, nomeadamente os custos de oportunidade e a
satisfação pessoal e familiar da procriação. O decréscimo do índice sintético de
fecundidade para valores inferiores aos que permitem a renovação das gerações ou
seja, abaixo de 2,1: 1,55 em 2000 e 1,28 em 2012, configura uma situação de não
retorno difícil de ultrapassar própria da Revolução reprodutiva em curso. Daí que, no
futuro, tenhamos uma cohorte reduzida de alunos a entrar no sistema educativo cujo
valor, tendo em conta dos dados de 82,0 milhares de nascimentos, poderá manter-se
com as reservas inerentes à evolução dos movimentos migratórios.
A tendência para a evolução negativa de nossa população escolar em todos os
subsistemas de ensino levanta sérios problemas à gestão da rede e dos equipamentos,
dos recursos humanos e da sua formação; à oferta e à diversidade de cursos; às
perspectivas de sobrevivência, de crescimento e de inovação de diversos sectores da
nossa sociedade. Mais ainda, conduz ao registo de diversos tipos de desperdício,
nomeadamente ao registo da “fuga” de cidadãos academicamente qualificados - brain
drain - para o estrangeiro, e à sua não realização profissional no país, defraudando as
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sus expectativas pessoais e a dos cidadãos que com os seus impostos alimentam os
sistemas de vida da sociedade portuguesa.
Neste contexto importa por isso acentuar que as previsões de crescimento
demográfico da nossa sociedade partem de um valor máximo de 10,4 Milhões de
habitantes em 2011 para valores significativamente mais baixos – entre 9,2 milhões e
6,3 milhões de habitantes em 2060. Tal significa que a sociedade e a Escola que
estamos a construir deve prever a redução de cerca de 1/3 da sua população discente
no próximo meio século. Compreende-se assim o efeito dos desequilíbrios estruturais
que podem afectar os nossos sistemas sociais, incluindo o sistema educativo, no seu
conjunto e a necessidade de se repensar a sociedade como um todo, como um sistema
aberto que embora sujeito aos efeitos do seu contexto internacional externo, tem de
repensar as suas próprias fragilidades internas e de encontrar as situações de
equilíbrio que lhe garantam a sua subsistência e continuidade.
Tomando como referência a história recente do sistema educativo português
temos presente o elitismo do sistema educativo até meados de Novecentos e os
esforços da democratização do ensino desde então. Daqui decorre o aumento da
procura da educação, o alargamento da rede escolar e as medidas de política
educativa, também social e económica, facilitadoras da acessibilidade dos alunos a
todos os níveis de ensino, da educação infantil ao ensino básico, do ensino secundário
à educação terciária.
Da enorme fase de procura registada no último quartel de Novecentos -, animada
pelos contingentes demográficos alimentados por valores de natalidade muito
superiores a uma centena de milhares de nascimentos anuais – segue-se a sua quebra
que coexiste com a capacidade da rede instalada e dos recursos humanos disponíveis;
com a política de racionalização e contenção de despesas e, também, com os alertas
dos efeitos da revolução demográfica sobre o sistema educativo, o sistema económico,
o sistema de saúde e outros sistemas sociais conexos.
Num futuro próximo, como vamos então conviver com um sistema educativo
marcado pela redução da sua rede e à concentração de serviços em centros de maior
acessibilidade e dimensão? Como vamos acompanhar as necessidades de formação do
seu corpo docente e à sua distribuição por áreas territoriais, por áreas científicas e
Escolas? Como vamos ultrapassar as necessidades imediatas das famílias, residentes
em áreas de despovoamento, em territórios de baixa densidade e considerando-os,
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eufemisticamente, como territórios de elevado potencial? Como vamos encontrar
interlocutores à altura de estabelecerem o diálogo necessário à paz social entre os
desfavorecidos de hoje - e de amanhã - e as élites urbanas que residem junto aos
centros de poder?
Acreditamos que as soluções de ajustamento e de reforma necessárias, têm de ser
encontradas na Escola e no Poder local; nos cidadãos e nas organizações escolares; no
Estado e na sua administração para que promovam contratos sociais que superem as
“barreiras de exclusão” que se estão a acentuar no nosso território e sociedade.
No contexto demográfico de uma perda continuada da população escolar como vai
lidar a Escola e o sistema educativo com as hierarquias sociais que acompanham os
dualismos há muitos identificados na nossa sociedade? E como vamos superar as
dificuldades de acesso, de sucesso escolar e de desenvolvimento humano que tendem
a agravar os desperdícios que identificam o nosso sistema educativo? Mais ainda,
como vamos combater as diferentes formas de literacia que a Escola actual, na sua
concepção, práticas e desempenho está a promover junto de parte significativa dos
nossos alunos?
Se é certo que as questões da acessibilidade física há muito tendem a ser resolvidas
pela maior cobertura da rede escolar, pela oferta de transportes escolares e por
apoios de outra natureza, parece-nos que as barreiras de exclusão que pesam sobre a
população escolar exigem muita e melhor cooperação entre a escola, a família e a
comunidade – sobretudo a comunidade educativa – desenhada em torno da Escola,
dos agrupamentos escolares e da sua população.
Em causa está o desenvolvimento humano dos alunos, o cumprimento das suas
expectativas pessoais e familiares e, acima de tudo, a vivência da cidadania exigida
num Estado e regime democrático. Acresce também o cumprimento das funções, de
todas as funções, que o poder local tem vindo assumir, no sentido de promover a
qualidade de vida dos munícipes e a elevação do seu nível de bem-estar cultural,
social e económico.
Na sua repartição de riqueza o nosso Estado vê-se confrontado com os
desequilíbrios inerentes à atenuação dos efeitos perversos da quebra da população
infantil e do aumento da população idosa; da disponibilidade de oferta de
equipamentos escolares e de equipamentos sociais; da necessidade de desenvolver as
actividades económicas e laborais e com a escassez de recursos humanos
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indispensáveis para o fazer. Não o podendo fazer isoladamente, cada Município tem
de se articular com o conjunto das Comunidades Intermunicipais e Regiões, no
sentido de promover a afectação de recursos, de meios, de iniciativas e de realizações
que permitam assegurar o funcionamento das suas Escolas, o desenvolvimento dos
Programas, o sucesso dos alunos e participação dos pais e da comunidade.
Importa aqui salientar que a análise dos indicadores relativos ao estado,
composição e estrutura da população acompanham-se da quebra dos valores de
natalidade e da fecundidade para valores inferiores aos que permitem a “renovação
das gerações” - e as alterações profundas da nupcialidade, conjugalidade e
parentalidade da população portuguesa.
Da conjugação de diversos factores, individuais, familiares e societais, resultam
interpretações variadas sobre a marcha da natalidade e a evolução da “revolução
reprodutiva” (Díaz e 1MacInnes, ) centrada no estudo do “contexto social da
reprodução” incidindo sobre a criança, o seu bem-estar, a alocação de recursos e
desenvolvimento humano é encarada como um factor de ajustamento populacional e
de dinâmica intergeracional. Esta assenta no ajustamento da fecundidade, na
eficiência do sistema demográfico e na alteração do papel da mulher como tradicional
“meio de produção”.
Pode a Escola manter-se fora da discussão e da remediação destas situações
demográficas? Podem as senhoras e os senhores docentes experienciar estes
fenómenos sem que o seu desempenho seja afectado? Pode o poder central manter a
sua visão centrípeta dos problemas sem o apoio e a procura de sinergias com o poder
local? Podemos assim satisfazer as necessidades reais de uma sociedade, cada vez
mais letrada, sem um olhar crítico e aprofundado sobre o germe da inovação e do
desenvolvimento?
Hoje mais do que nunca, a mobilidade da nossa população, por razões geográficas,
laborais, culturais e científicas, exige leituras adequadas - na hora -, da sua marcha e
progressão. Como em tempo assinalou Durkheim, as baixas densidades demográficas
traduzem-se em práticas simples de produção, em tecnologias primitivas, em regras
de conduta bastante rígidas entre a população, em práticas de uma solidariedade
mecânica entre os membros do mesmo grupo. 1 MacInnes, J. e Pérez, J. (2008): “La tercera revolución de la modernidade: la reproductiva”
Reis: Revista española de investigaciones sociológicas (122): 89-118
In: http://digital.csic.es/bitstream/10261/3482/1/MacinnesPerez2008.pdf 2MAI14
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Como se compagina esta situação de despovoamento estrutural do solo português
com as necessidades de inovação que daí decorrem? E com os equipamentos e as
novas redes urbanas que se vão constituir? E com a Escola do futuro?
Estes são alguns dos aspectos a reter no debate renovado sobre os desafios da
educação no presente. Debate este que deve envolver os diversos actores sociais
interessados na problemática do crescimento e nos condicionantes impostos pela
geografia da “dependência demográfica” da população portuguesa. Não sendo
uniforma à escala nacional, nem tão pouco a nível das diversas regiões e municípios,
esta tem vindo a acentuar-se com as disparidades espaciais que acompanham a
litoralização das áreas metropolitanas e o despovoamento do interior.
As clareiras demográficas existentes obrigam-nos a um olhar atento sobre a
oportunidade de certos “investimentos demográficos” polarizados por Agrupamentos
escolares e associações locais permitem reduzir a dependência social e fomentar a
manutenção de certas formações laborais. É aqui que a escola, enquanto organização
social, com a sua missão, objectivos, estrutura interna, normas, população e deveres,
assume um papel de relevo na sua função específica e na sua relação com a
comunidade onde se insere. Trata-se de uma missão complexa tendo em conta a
diversidade e a tipologia destas unidades orgânicas, a sua afiliação hierárquica, os
recursos de que dispõe, o “ethos” organizacional que a identifica, a população que
acolhe.
Por natureza as relações que a Escola estabelece com a sua população firmam-se
em contratos laborais e de aprendizagem, avaliados anualmente pelo rendimento dos
alunos e desempenho dos professores. Também, pelos projectos que estabelece com
as autarquias e pela reflexão que promove em torno do seu desenvolvimento e
resultados. Uma avaliação que se quer menos Taylorista e Fordista, mas centrada na
pessoa e no desenvolvimento humano dos alunos, na sua preparação para a vida em
sociedade, no incentivo à carreira académica. Tudo isto, juntamente com a superação
de tantas necessidades – reais e ocultas – que carreia a população escolar.
Importa aqui salientar o valor inqualificável da vida e das boas práticas
institucionais centradas no desenvolvimento humano do aluno, no diálogo parental,
na cooperação social, nas sinergias da organização escolar com as demais instituições
sociais, que promovem e garantem o desenvolvimento harmonioso do aluno e da sua
personalidade, da sua realização pessoal e projectos futuros. Mais ainda, do respeito
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pela sua origem e diversidade e da confiança que estabelece entre os seus
colaboradores e parceiros de formação.
Como é possível construir um cenário idílico de Escola, no meio de uma “arena” de
interesses e obrigações, de incertezas e responsabilidades, de diversidades culturais e
diferenciadas?
Face às prioridades estabelecidas por Portugal no horizonte 2020 e aos objectivos
e medidas estratégicas em domínios e temáticas nas áreas de: competitividade e
internacionalização; inclusão social e emprego; capital humano; sustentabilidade e
eficiência no uso de recursos, a Escola tem de ser chamada a participar. Com ela as
autarquias locais devem garantir o cumprimento das metas que permitam
ultrapassar as barreiras das desigualdades socias, económicas e culturais que hoje
nos assistem.
Neste contexto importa continuar a acreditar nos “custos de oportunidade” das
reformas da educação como uma tarefa colectiva, dando particular realce ao papel do
poder central e do poder local, à família e às organizações escolares. Mais ainda, à
pessoa do aluno, ao seu contexto demográfico e familiar que assumem os efeitos
adversos:
- de uma alteração dos níveis e qualidade de vida;
- do envelhecimento demográfico da população;
- da evolução populacional comprometedora da realização de níveis de inovação
capazes de susterem a desertificação humana e a fuga de recursos humanos mais
qualificados;
- da situação de dependência do nosso país em relação aos movimentos
migratórios externos, direccionados para os países mais desenvolvidos da União.
A situação anterior, que não é apenas demográfica, reflecte-se na capacidade
produtiva dos países, no mercado de trabalho, nas despesas públicas e na qualidade
de vida dos cidadãos. Por isso, deve ser considerada numa perspectiva
multidimensional que tenha em consideração os efeitos espaciais dos contrastes
socias, há muito evidentes, e dos perigos da sua perpetuação.
Embora sendo de enumerar a existência de diversos factores que condicionam o
processo de desenvolvimento regional na sua dupla perspectiva, espacial e temporal
pensamos, à semelhança de outros autores (Perroux; 1981 e Carneiro; 1988) que a
formação de recursos humanos, sobretudo de nível superior, constitui um dos pilares
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fundamentais da "modernização humana, cultural, económica e social do país"
(Carneiro, ob. cit, 23). Como regista o autor (loc. cit.), entendemos que aquelas
instituições devem desempenhar "um papel vital no apetrechamento e contínuo
aperfeiçoamento das lideranças regionais capazes de romper o círculo vicioso do
subdesenvolvimento interior". Esta afirmação será tanto mais adequada quanto mais
diversificada e extensa for a respectiva rede de formação e as aprendizagens se
orientarem para as necessidades produtivas locais, capazes de suster a fuga da
população activa e jovem e de atrair novos moradores em idade de procriação.
Nesta perspectiva, subentende-se ser dever das instituições, universitárias e
politécnicas, contribuírem para a "mobilização eficaz da totalidade dos recursos
endógenos em cada região", nomeadamente através da sua ligação com o meio e da
fixação dos seus diplomados. Este constitui um poderoso desafio da educação dos
nossos dias. Desafio, este, que exige um “contrato social” alargado, atento à evolução
da sociedade destes tempos, de ócio forçado a que muitos são obrigados sem o
usufruto de direitos comuns a outros grupos de cidadãos e a deveres impostos aos
“servos da gleba”, deixando de fora alguns grupos de cidadãos.
As medidas executadas pelos Municípios com vista à redução das condições de
fixação dos seus habitantes e de despovoamento estrutural do território; ao
equilibrar da balança demográfica e da contabilidade social (o deve-haver dos
movimentos naturais e dos movimentos migratórios) merecem o nosso apoio se
baseadas na consistência de propostas e iniciativas ajustadas no tempo, no espaço e
em número, que marquem a sua razoabilidade e adequação ao “processo civilizatório”
(Darcy Ribeiro) em curso. Com elas estamos a cumprir a educação e a fortalecer o
sistema social e o sistema educativo do futuro.
Este esforço não pode ser entregue, apenas, aos eleitos do poder local. É forçoso
que o poder central e as suas hierarquias sejam capazes de se articular com os
Municípios na socialização e sucesso escolar dos alunos; na sua inserção laboral; na
promoção da mobilidade social da população e na melhoria da qualidade da Escola –
de todas as escolas – enquanto organizações sociais e educacionais, e na valorização
do seu corpo docente. Neste aspecto a municipalização de funções diversas da
educação – da competência do poder central - podem atenuar os riscos de uma
desertificação ainda maior do território português, do êxodo dos seus habitantes, da
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desadequação da organização educativa aos seus contextos, da falência da escola no
seu todo.
Porque as organizações sociais devem ser constantemente avaliadas, desejamos
que a realização deste Fórum permita encontrar caminhos mais assertivos para
projectos que se mostrem menos eficazes; fortalecer os que apostem no
desenvolvimento humano e na promoção social das populações e, quiçá, descobrir
novos temas e rumos dos programas pedagógicos que permitam o desenvolvimento
educativa e formativo de crianças e jovens. Estas tarefas têm de contar com a
colaboração de todos os agentes do sistema educativo – pais, associações, empresas e
autarquias – no sentido de fortalecer o compromisso estratégico e a cooperação
efectiva entre o Poder Central e o Poder Local.
Tal é possível se aliarmos às sinergias entre o poder local e o poder central a
conjugação das medidas de política social, educativa e cultural do país, com metas de
crescimento, de inovação e mudança a cumprir num horizonte próximo. Apesar de
envelhecido, dispomos de um capital humano fortalecido por indicadores de uma
escolaridade terciária, solicitada a executar no terreno os ensinamentos teóricos de
uma formação superior. Ou será que esta não foi devidamente adequada para o futuro
que já hoje vivemos?
Não é aqui que que tal assunto deve ser redimido. Defendemos no entanto a
necessidade de reformas estruturantes solidificadas:
- na construção de um edifício organizacional, pedagógico e científico assente em
experiências locais sólidas;
- orientado por profissionais e pensadores devidamente certificados, críticos e
empenhados na condução do sistema educativo centrado no desenvolvimento
humano do aluno;
- suficientemente audaz para garantir um futuro melhor desta casa que hoje
continuamos a construir.
Estas são algumas questões que se colocam à sociedade, à educação e aos seus
actores no início da actual centúria. Como exemplo de resposta, desejamos que se
mantenha vivo o empenhamento, a execução e a avaliação crítica do “Programa Viseu
Primeiro” na sua expansão e porvir.
J.A.
7/JUL/2015 (CMViseu)