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50 lições para lidar com os contratempos da vida
REGINA BRETT
Deus nunca dorme
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Introdução
Minha amiga Kathy uma vez me enviou um trecho de O vi-
nho da alegria, de Ray Bradbury. No livro, que fala da colheita do
verão, um menino adoece e ninguém consegue descobrir o que
ele tem. A vida o está vencendo e parece impossível que alguém
consiga ajudá-lo, até que um sucateiro, o Sr. Jones, aparece.
Ele se aproxima do menino, que está adormecido no jardim,
e sussurra em seu ouvido, pedindo-lhe que apenas ouça. Depois,
estica a mão e colhe uma maçã. Então lhe conta um segredo que
carregava consigo – e que eu não sabia que carregava também:
algumas pessoas chegam frágeis a este mundo. São como frutas
macias, que se machucam com mais facilidade. Choram com
mais frequência e se tornam tristes ainda jovens. O Sr. Jones sabia
disso porque era uma delas.
As palavras mexem com o menino e ele se recupera.
As palavras mexeram comigo. Algumas pessoas se machucam
com mais facilidade. Eu sou uma delas.
Levei 40 anos para conseguir encontrar a felicidade e me agar-
rar a ela. Achava que talvez Deus estivesse dormindo no momento
em que nasci, que tivesse perdido a cena e nunca mais se dado
conta da minha chegada. Meus pais tiveram 11 fi lhos e, embora eu
ame de todo o coração tanto meus pais como meus cinco irmãos
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e cinco irmãs, às vezes me sentia perdida no meio da ninhada.
Como minha amiga Kathy muitas vezes ressaltou, eu parecia ser a
mais frágil do grupo. Aos 6 anos, eu era uma criança confusa por
causa da infl uência das freiras; aos 16, uma alma perdida que be-
bia demais; aos 21, mãe solteira. Aos 30, me formei na faculdade e,
aos 40, me casei com um homem que me trata como uma rainha.
Então, aos 41, tive câncer. Demorei um ano para combatê-lo
e mais outro ano para me recuperar de todo o processo.
Quando completei 45 anos, fi quei um tempo deitada na cama
refl etindo sobre tudo o que a vida havia me ensinado. De repente
as ideias começaram a jorrar de minha alma. A caneta simples-
mente as transpôs para o papel. Depois eu as digitei e apresentei
ao editor do jornal para que fossem publicadas na minha coluna.
Eram as 45 lições que havia aprendido com a vida. Meu editor e o
chefe dele as detestaram. Pedi que as publicassem mesmo assim.
Os leitores as adoraram.
O câncer me deu coragem para desafi ar meus chefes. Depois
que você enfrenta a químio e a radioterapia, perde os cabelos e
passa meses sentindo-se fraco e enjoado, não há muita coisa que
alguém possa fazer para atingi-lo. Completar 45 anos foi uma vi-
tória para mim. Por causa do câncer, tive dúvidas de que chegaria
tão longe. Três tias minhas haviam morrido aos 42, 44 e 56 anos.
Minhas perspectivas não eram boas.
Mas continuei viva. Quando completei 50 anos, escrevi mais
cinco lições e o jornal publicou a coluna novamente. Então algo
surpreendente aconteceu. Pessoas de todo o país começaram
a encaminhar meus textos a amigos. Pastores, enfermeiras e
assistentes sociais pediam autorização para reproduzi-los em
newsletters, boletins de igrejas e jornais de cidades pequenas.
Gente religiosa ou sem religião se identifi cava com as mensagens.
Ainda que alguns textos falassem diretamente de Deus, as pessoas
reconheciam verdades universais naquelas lições. Ouvi falar de
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agnósticos e ateus que carregavam minha lista de lições na car-
teira ou que as mantinham afi xadas na parede no trabalho ou na
porta da geladeira em casa.
Desde que essa coluna começou a ser publicada, recebemos
e-mails provenientes de todos os cantos do país e até de outros
continentes solicitando os textos. Blogs e sites do mundo todo os
reproduziram. Em 24 anos de jornalismo, é a coluna mais popu-
lar que já escrevi.
Assim, algumas das lições reunidas neste livro são inéditas,
mas a maioria delas foi publicada originalmente no The Plain
Dea ler ou no Beacon Journal. Todas, entretanto, são presentes que
a vida me deu e que agora compartilho com você.
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Lição 1
A vida pode não ser justa, mas mesmo assim é boa.
O boné sempre voltava, mais desbotado, porém mais forte do
que nunca.
Foi Frank que começou.
Eu havia sido submetida à minha primeira quimioterapia e
não me conformava em fi car careca. Então vi um sujeito usando
um boné de beisebol com as seguintes palavras: A VIDA É BOA.
A vida não me parecia boa naquele momento e estava prestes
a se tornar ainda pior, então perguntei àquele homem onde ele
havia comprado o boné. Dois dias depois, Frank pegou o carro
e cruzou a cidade até minha casa para me dar um igual. Frank é
uma pessoa maravilhosa. Trabalha pintando casas e tem como
guia uma simples palavra: privilégio.
Isso faz com que ele se lembre de ser grato por tudo. Em vez
de dizer “Tenho de ir trabalhar”, Frank diz a si mesmo: “Tenho o
privilégio de ir trabalhar.” Em vez de ter de ir ao mercado, ele tem
o privilégio de poder fazer compras. Em vez de dizer “Tenho de
levar as crianças ao futebol”, ele tem o privilégio de acompanhá-
-las. Isso funciona para qualquer coisa em sua vida.
Se não fosse Frank a usá-lo, talvez o boné não tivesse a mesma
força. Ele era azul-marinho com um aplique oval com a mensa-
gem em letras brancas.
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E a vida era boa, embora meu cabelo tivesse caído, minhas
sobrancelhas houvessem desaparecido e meu corpo estivesse de-
bilitado. Em vez de colocar uma peruca, usei aquele boné como
resposta ao câncer e como meu outdoor. O fato de eu estar careca
chamava a atenção das pessoas. Assim, quando alguém fi cava me
encarando, recebia a resposta.
Aos poucos fui me recuperando, meu cabelo voltou a crescer
e guardei o boné. Até que uma amiga teve câncer e me perguntou
sobre ele. Ela queria um igual. Eu não planejava me separar do
meu – era como se fosse um ursinho de pelúcia, um cobertor de
estimação –, mas achei que passá-lo adiante pudesse distribuir
sua sorte. Ela me prometeu que ia fi car curada e passaria o boné
para outra mulher. Em vez disso, acabou devolvendo-o para mim
para que eu o passasse a outra sobrevivente.
Nós o chamamos de Boné da Químio.
Não sei quantas mulheres o usaram nos últimos 11 anos. Per-
di a conta. Muitas amigas receberam diagnósticos de câncer de
mama. Arlene. Joy. Cheryl. Kaye. Sheila. Joan. Sandy. Uma após
outra o passou adiante.
Quando voltava para mim, o boné sempre parecia mais sur-
rado e gasto, mas cada mulher tinha um brilho novo no olhar.
Todas que usaram o Boné da Químio continuam vivas e fortes.
Ano passado, meu amigo Patrick, que tinha 37 anos, descobriu
um câncer no intestino. Eu não sabia se o boné valia para qual-
quer tipo de câncer, mas o levei para meu amigo mesmo assim.
Patrick contou a história do boné para a mãe e disse que ele fazia
de meu amigo mais um elo numa grande corrente de sobrevivên-
cia. Depois disso, a mãe dele encontrou a empresa que fabricava
o boné e outros produtos com a mesma frase. Ligou para lá, falou
sobre essa história e encomendou uma caixa inteira deles.
Ela enviou os bonés para os parentes e amigos mais próximos
de Patrick. Eles tiraram fotos usando-os. Patrick cobriu a gela-
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deira com imagens de pessoas queridas ao lado de seus fi lhos e
cachorros usando o boné “a vida é boa”.
Enquanto isso, os gerentes da empresa que fabricava o boné
fi caram comovidos com a atitude da mãe de Patrick. Eles se reu-
niram com os funcionários e, “no espírito do Boné da Químio,
que levava sorte a quem o usava”, os convidaram a passar seus
bonés a alguém que precisasse de estímulo. Eles mandaram para
Patrick uma foto com os 175 funcionários usando o boné.
Patrick não usou o boné, mas ele o manteve em cima de uma
mesa ao pé da escada, onde podia ver sua mensagem todos os
dias. Aquilo o ajudava a superar os piores momentos, quando
queria abandonar a quimioterapia e desistir. Qualquer um que já
tenha tido um câncer sabe como eles são. Mesmo quem não teve
pode entender.
Na verdade, não era o boné, mas sua mensagem, que nos fa-
zia, e nos faz, seguir em frente.
Patrick terminou a quimioterapia e está bem.
A vida é boa.
Passe isto adiante.
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Lição 2
Quando não souber o que fazer, apenas dê um pequeno passo adiante.
Minha vida costumava ser como uma brincadeira de estátua.
Toda vez que algo me acontecia, eu fi cava congelada, com medo
de tomar uma decisão e seguir o caminho errado. O problema é
que, quando você fi ca parado por tempo de mais, essa se torna
sua decisão.
Há uma cena em O Natal de Charlie Brown em que Charlie
vai procurar Lucy, que lhe cobra 5 centavos pela “consulta” como
psiquiatra. Lucy faz todo o possível para encontrar um diagnós-
tico para a depressão do amigo.
Se ele está com medo de assumir responsabilidades, deve ter
hipengiofobia.
Charlie Brown não tem certeza se são as responsabilidades o
que ele mais teme.
Lucy continua tentando identifi car o problema. Se ele tem
medo de escadarias, talvez esteja com climacofobia. Se a questão
for o medo do mar, talassofobia. Ou talvez ele tenha gefi rofobia,
o medo de atravessar pontes.
Lucy fi nalmente acerta o diagnóstico: pantofobia.
Quando ela pergunta a Charlie Brown se é isso que ele tem, o
garoto não sabe do que se trata. Quando descobre, fi ca ao mesmo
tempo espantado e aliviado.
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O que é pantofobia? O medo de tudo.
Na mosca! É o que Charlie Brown tem.
E eu também.
Fiz o ensino médio aos trancos e barrancos, usando o álcool
como bússola. Escolhi uma faculdade que fi cava perto de casa
simplesmente porque não conseguia me imaginar cumprindo
todas as etapas necessárias para fazer diferente: inscrever-me,
ser aceita, sair de casa e ir morar em um dormitório em alguma
cidade distante.
Eu pegava diariamente um ônibus que fazia o trajeto de 10
quilômetros até a Universidade Estadual de Kent não porque ela
fosse uma instituição boa, sólida e confi ável (o que na verdade
era), mas porque não conseguia me imaginar mudando de vida
para estudar, como minhas três irmãs e meu irmão mais velhos
tinham feito. Eles se formaram pela Universidade Estadual de
Ohio, uma das maiores do país. Em Kent, meu mundo conti-
nuava pequeno e seguro. Eu comia na cantina com pessoas que
conhecia desde a escola.
Logo no início da faculdade, fui reprovada em química. A
matéria havia fi cado difícil demais, então parei de ir às aulas.
Mudei de curso três vezes. Depois, aos 21, fi quei grávida e larguei
a faculdade. Parei de beber, mas só arrumava empregos que não
pareciam adequados para mim. Auxiliar no Departamento de
Trânsito. Secretária de defensor público. Recepcionista em centro
de tratamento de alcoolismo. Agente funerária.
O que eu ia fazer da vida? O futuro me assolava. Então, um
dia, uma amiga sugeriu o seguinte: simplesmente dê um pequeno
passo adiante.
Um pequeno passo? Só isso?
Isso eu consigo fazer.
Geralmente, sabemos qual é o próximo passo a dar, mas ele
parece tão pouco signifi cativo que o ignoramos. Nossa visão está
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focada em algo muito mais à frente e tudo o que conseguimos
enxergar é um salto gigantesco e assustador até lá, em vez de um
passo pequeno e simples de cada vez. Então, esperamos. E espera-
mos. E esperamos. Como se um plano mestre pudesse de repente
se desenrolar aos nossos pés como um tapete vermelho.
Mas, mesmo que se desenrolasse, fi caríamos com medo de
pisar nele.
Eu queria terminar a faculdade, queria ter uma carreira que
eu amasse em vez de apenas um emprego que suportava, mas no
que eu deveria me formar? Como pagaria os estudos? Que tipo
de emprego arrumaria ao terminar o curso? Havia muitas per-
guntas e nenhuma resposta.
Então um dia minha mãe mostrou o pequeno passo adiante
que eu poderia dar. “Arrume um guia de cursos”, sugeriu ela.
Só isso? Isso eu consigo fazer. Então arrumei um guia. De-
pois, o abri. Depois, fui folheando-o e destacando com um
marca-texto as disciplinas que eu gostaria de cursar simplesmen-
te porque pareciam interessantes, não porque eu tinha de me
formar em alguma coisa.
Sentei-me no chão da sala e fui virando uma folha após a
outra. De início, como uma criança cuja aula favorita é o re-
creio, marquei disciplinas como equitação, caminhada e excur-
sionismo. Depois, algumas de psicologia e artes. Depois, umas
aulas de língua inglesa. Folheei o catálogo inteiro e li todas
as descrições de cursos. Fui desde antropologia até zoologia.
Depois, voltei ao início do guia para ver qual curso tinha mais
disciplinas destacadas. Acabei encontrando uma arca do tesou-
ro. Redação jornalística. Reportagem. Redação para revistas.
Editoração. Nossa!
Jornalismo.
Então, fi z uma disciplina de redação. Depois, outra. E mais
outra.
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Quando não souber o que fazer, apenas dê um pequeno
passo adiante. Geralmente trata-se de algo bem simples. Como
E. L. Doctorow disse, escrever um livro é como dirigir um carro
à noite: “Você nunca enxerga nada além da luz dos faróis, mas
consegue fazer a viagem assim.” Essa fi losofi a também se aplica à
vida. Só preciso de luz sufi ciente para seguir adiante.
Formei-me em jornalismo pela Universidade Estadual de
Kent quando completei 30 anos. Dez anos depois, concluí o mes-
trado em estudos religiosos pela Universidade John Carroll. Nun-
ca pus na ponta do lápis o que seria necessário para conseguir
fazer um mestrado. Se tivesse feito isso, jamais teria assinado o
cheque da primeira mensalidade. Foram cinco anos, milhares de
dólares e centenas de horas assistindo a aulas, fazendo trabalhos
em casa ou pesquisando (geralmente tarde da noite, na hora do
almoço ou nos fi ns de semana).
Simplesmente fi z uma disciplina, depois outra e mais outra.
E, um dia, havia terminado.
Foi como criar minha fi lha. Nunca sonhei que seria mãe sol-
teira durante 18 anos. Minha fi lha concluiu o ensino médio no
mesmo mês em que terminei meu mestrado. Sou grata por não
ter imaginado, quando ela nasceu, o que me custaria em termos
de tempo, dinheiro e sacrifício guiá-la até sua formatura. Eu teria
fi cado aterrorizada.
Vez por outra, algum especialista calcula quanto custa criar um
fi lho. Trata-se de cifras de seis dígitos. O dinheiro não assusta os
candidatos a pais, mas, se alguém avaliasse o tempo e a energia ne-
cessários para criar uma criança, a raça humana estaria em extinção.
O segredo de ter sucesso, de criar fi lhos, de viver, é não con-
tabilizar o custo. Não se concentre em todos os passos de uma
vez. Não pense no salto enorme que seria necessário para cruzar
o abismo entre o ponto em que você está e aquele a que quer
chegar. Isso o impede de dar o próximo passo.
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Se você quer perder 20 quilos, peça salada em vez de batatas
fritas. Se quer ser um amigo melhor, atenda o telefone em vez de
deixar a ligação cair na secretária eletrônica. Se quer publicar um
romance, sente-se e escreva um parágrafo.
Grandes mudanças assustam, mas dar um pequeno passo ge-
ralmente não nos intimida. Um pequeno passo de cada vez. Basta
isso para criar um fi lho, obter um diploma, escrever um livro ou
fazer o que seu coração deseja, seja o que for.
Qual é o próximo passo que você precisa dar? Seja qual for,
não deixe de dá-lo.
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Lição 3
A vida é curta demais para você perder tempo odiando.
As crianças não viam o pai havia 10 anos.
Quem podia culpá-las?
Não falavam com ele havia quatro anos.
Não restava nada a ser dito.
O pai nunca parou de beber. Como tantos outros alcoólatras,
ele parava, mas sempre voltava. Esforçava-se e fi cava sóbrio um
tempo, mas nunca conseguia permanecer assim.
Minha amiga Jane tentou fazer com que o casamento desse
certo apesar das promessas quebradas e da conta bancária no ver-
melho. Ela criava os fi lhos, o marido criava os problemas.
Jane aguentou 20 anos. Ele era uma boa pessoa quando não
bebia. Tinha um coração de ouro e era divertido. Não era vio-
lento, mas negligenciava a família. Não conseguia se estabilizar
em um emprego. Não conseguia pagar as contas. Não conseguia
cumprir sua parte em nada. Acabaram perdendo a casa.
Um dia, Jane fi nalmente desistiu do que havia sobrado da-
quele casamento. Quando eles se divorciaram, em 1979, os fi lhos
eram adolescentes. A fi lha mais velha tinha 17 anos, o fi lho do
meio, 15, e a caçula, 13. Anos se passaram. O pai entrava e saía da
vida deles. Ficava mais de um ano sem telefonar para os fi lhos.
Tentou a reabilitação. Sempre tinha recaídas.
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Aos poucos, ele foi sumindo da vida deles. Dez anos se passa-
ram sem uma visita, quatro anos sem um telefonema. Então, em
uma primavera, o telefone tocou e o fi lho de Jane atendeu. Era de
um hospital em Ohio. Estavam tentando localizar um parente.
O rapaz telefonou correndo para a mãe. Mais tarde Jane me
diria que foi como se houvesse levado um soco no estômago
quando ouviu o fi lho dizer: “Papai está com um câncer terminal.”
Mas uma coisa estranha aconteceu. Toda a dor e a raiva
acumu ladas ao longo de anos desapareceram.
O ex-marido não havia se casado novamente, não tinha fa-
mília nem dinheiro. Nunca tinha visto os seis netos. Estava mal
de saúde, internado no hospital havia uma semana. Já passara
por uma cirurgia no intestino por causa de um câncer e ninguém
fi cara sabendo. Não lhe restava muito tempo de vida.
Ela levou os fi lhos até o hospital para vê-lo. Não entrou no
quarto. Jane havia se casado novamente e construído uma nova
vida. Não via o primeiro marido havia 20 anos e não queria
incomodá-lo com sua presença, nem queria correr o risco de se
aborrecer e depois não conseguir apoiar os fi lhos.
Sentada do lado de fora do quarto, ela teve tempo para ana-
lisar o que deveria fazer. Na volta para casa, disse aos fi lhos que
pagaria todas as despesas médicas. Depois, ajudou a transferir o
pai deles para uma clínica especializada em pacientes terminais.
Ela acompanhava os fi lhos todos os dias na visita para dar força
a eles, mas nunca entrava no quarto. Aquele não era seu papel.
Nos dias que lhe restaram, o pai e os fi lhos se reaproxima-
ram. Os ressentimentos foram desaparecendo. Quando conver-
savam sobre o passado, os fi lhos se esforçavam para lembrar os
bons momentos. Diziam que o amavam – e descobriram que
era verdade.
Quando ele faleceu, Jane e os fi lhos cuidaram do enterro, es-
colheram o caixão e as fl ores. Decidiram que não haveria velório.
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Não queriam desrespeitá-lo com horas a fi o sem ninguém para
se despedir dele ou com pessoas que fi cariam perguntando sobre
aqueles anos perdidos.
Queriam que ele pudesse morrer da forma como não havia
conseguido viver: dignamente. A morte fez com que todos des-
cobrissem uma nova paz. Ele não sofreria mais de câncer ou de
alcoolismo. Ele estava livre, e eles também.
Uma fi lha leu um poema que havia escrito. Os irmãos fala-
ram das boas lembranças que tinham do pai. Minha amiga agra-
deceu aos que haviam comparecido.
Jane pagou tudo: as contas do hospital, os cuidados na clí-
nica, o funeral, as fl ores. Quando lhe perguntei por que havia se
esforçado tanto para ajudar um homem que tinha lhe causado
tanta dor, ela disse que a resposta era simples: “Era o pai dos
meus fi lhos.”
Como atingir esse nível de perdão e amor?
Para alguns, é natural. Para outros, um trabalho árduo.
No livro dos Alcoólicos Anônimos, há uma orientação para
quem não recebeu esse dom e quer se libertar dos ressentimen-
tos. Ela vale para qualquer pessoa que se disponha a segui-la. O
livro diz que uma vida de ressentimentos só leva a futilidades e
infelicidade. E os ressentimentos nos isolam da luz do Espírito.
Em um de seus capítulos, cita-se um artigo escrito por um
pastor:
Se você tem um ressentimento do qual quer se libertar, ore pela
pessoa ou pela coisa que é alvo de seu ressentimento e você se
libertará. Se pedir na prece que tudo o que desejar para si mesmo
seja dado ao alvo do seu ressentimento, você será livre. Deseje-
-lhe saúde, prosperidade e felicidade e você se libertará. Mesmo
que, no fundo, você não deseje nada daquilo para a pessoa e que
sua prece sejam meras palavras sem uma intenção verdadeira,
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ainda assim, ore. Faça isso todos os dias durante duas semanas
e você descobrirá que sua intenção se tornou verdadeira, que é
o que você realmente deseja e que, onde havia amargura, res-
sentimento e ódio, agora há compaixão, compreensão e amor.
Eu experimentei. Os resultados são incríveis.
Às vezes, quando estou fraquejando, preciso rezar pedindo
forças para conseguir orar por aquela pessoa. A força sempre
surge.
Quer se livrar da raiva, do ódio e do ressentimento? Liberte
os outros primeiro. Ao libertar o ex-marido, Jane se libertou da
primeira parte da sua própria vida e seus fi lhos se libertaram para
o resto da vida deles.
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