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COLEÇÃO TEndênCias Em EduCaÇÃO maTEmáTiCa HELLE ALRØ OLE SKOVSMOSE Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática

Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática

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Page 1: Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática

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Coordenador da coleção “Tendências em Educação Matemática”:Marcelo de Carvalho Borba. E-mail: [email protected]

Neste livro, os educadores matemáticos dinamarque-

ses Helle Alrø e Ole Skovsmose relacionam a qualidade do

diálogo em sala de aula com a aprendizagem. Apoiados em

ideias de Paulo Freire, Carl Rogers e da Educação Matemática

Crítica, esses autores trazem exemplos da sala de aula para

substanciar os modelos que propõem acerca das diferentes

formas de comunicação na sala de aula. Este livro é mais um

passo em direção à internacionalização desta coleção. Este

é o terceiro título da coleção no qual autores de destaque

do exterior juntam-se aos autores nacionais para debaterem

as diversas tendências em Educação Matemática. Skovsmose

participa ativamente da comunidade brasileira, ministrando

disciplinas, participando de conferências e interagindo com

estudantes e docentes do Programa de Pós-Graduação em

Educação Matemática da UNESP, Rio Claro.

www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

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títUlOS DA COlEçãO tENDêNCiAS EM

EDUCAçãO MAtEMátiCA

• A matemática nos anos iniciais do ensino

fundamental – tecendo fios do ensinar

e do aprender

Adair Mendes Nacarato, Brenda Leme da Silva

Mengali, Cármen Lúcia Brancaglion Passos

• Análise de erros - O que podemos aprender

com as respostas dos alunos

Helena Noronha Cury

• Educação a Distância onlineMarcelo de Carvalho Borba, Ana Paula dos Santos

Malheiros, Rúbia Barcelos Amaral Zulatto

• Formação matemática do professor –

licenciatura e prática docente escolar

Plínio Cavalcante Moreira, Maria Manuela M. S. David

• Interdisciplinaridade e aprendizagem

da Matemática em sala de aula

Vanessa Sena Tomaz, Maria Manuela M. S. David

• Investigações matemáticas na sala de aula

João Pedro da Ponte, Joana Brocardo, Hélia Oliveira

• Lógica e linguagem cotidiana – verdade,

coerência, comunicação, argumentação

Marisa Ortegoza da Cunha, Nílson José Machado (Orgs.)

• Pesquisa qualitativa em educação

matemática

Jussara de Loiola Araújo, Marcelo de Carvalho

Borba (Orgs.)

• Tendências internacionais em formação de

professores de matemática

Marcelo de Carvalho Borba (Org.)

9 7 8 8 5 7 5 2 6 2 1 7 7

ISBN 978-85-7526-217-7

COLEÇÃO TEndênCias Em EduCaÇÃO maTEmáTiCa

HELLE ALrØOLE SkOvSMOSE

Ole Skovsmose é um pesquisador interessado especialmente em Educa-ção Matemática Crítica. Em publica-ções recentes, ele tem mostrado suas investigações a respeito da Matemá-tica em ação, globalização, guetos e foreground. Ele é professor titular do Departamento de Educação, Aprendi-zagem e Filosofia da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, e é membro do comitê editorial das séries inter-nacionais Mathematics Education li-brary (Springer) e Critical Essays in Education (Sense Publisher). Skovs-mose também participa de conferên-cias e ministra palestra sobre Educa-ção Matemática em diversos países.

Helle Alro é professora titular do Departamento de Comunicação da Universidade de Aalborg. A linha de pesquisa à qual tem se dedicado com especial interesse trata dos pro-cessos dialógicos de aprendizagem, seja em Educação, seja em contex-tos corporativos. Recentemente, tem se voltado para a questão do confli-to e do gerenciamento de conflitos como forma de aprendizagem. Suas publicações incluem livros e artigos sobre comunicação interpessoal em relações de apoio e sobre comunica-ção no ensino de Matemática (neste tópico, quase sempre em colaboração em Ole Skovsmose).

Diálogo e Aprendizagemem Educação Matemática

Capa Dialogo160310.indd 1 16/3/2010 15:54:11

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HELLE ALRØOLE SKOVSMOSE

Diálogo e AprendizagemDiálogo e AprendizagemDiálogo e AprendizagemDiálogo e AprendizagemDiálogo e Aprendizagemem Educação Matemáticaem Educação Matemáticaem Educação Matemáticaem Educação Matemáticaem Educação Matemática

TraduçãoORLANDO DE A. FIGUEIREDO

2ª edição

COLEÇÃO TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

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Copyright © 2003 Springer, The Netherlands, being a part ofSpringer Science & Business Media. All Rights Reserved

Copyright © 2006 Autêntica Editora

TÍTULO ORIGINAL

Dialogue and Learning in Mathematics Education: intention, reflection, critique.

COORDENADOR DA COLEÇÃO TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Marcelo de Carvalho Borba – [email protected]

CONSELHO EDITORIAL

Airton Carrião/Coltec-UFMG; Arthur Powell/Rutgers University;Marcelo Borb/ NESP; Ubiratan D’Ambrosio/PUC-SP/USP/UNESP;Maria da Conceição Fonseca/UFMG.

PROJETO GRÁFICO DA CAPA

Diogo Droschi

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Conrado Esteves

REVISÃO TÉCNICA

Miriam Godoy Penteado

REVISÃO

Vera Lúcia De Simoni Castro

A459dAlrø, Helle Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática/Helle Alrø e OleSkovsmose ; tradução de Orlando Figueiredo . — 2. ed. — BeloHorizonte : Autêntica Editora , 2010.

160 p. —(Tendências em Educação Matemática)

ISBN: 978-85-7526-217-7

Título original: Dialogue and Learning in Mathematics Education:intention, reflection, critique

1.Matemática. I.Skovsmose,Ole. II.Figueiredo, Orlando de A. III.Título.IV.Título: Dialogue and Learning in Mathematics Education. V.Série.

CDU 51

AUTÊNTICA EDITORA LTDA.

Rua Aimorés, 981, 8º andar. Funcionários30140-071 . Belo Horizonte . MGTel.: (55 31) 3222 6819TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora.Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópiaxerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

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Embora a produção na área de Educação Matemáticatenha crescido substancialmente nos últimos anos, ainda é pre-sente a sensação de que há falta de textos voltados para profes-sores e pesquisadores. Esta coleção surge em 2001, buscandopreencher esse vácuo sentido por diversos matemáticos e edu-cadores matemáticos. Bibliotecas de cursos de licenciatura, quemuitas vezes têm títulos em Matemática, não tinham publica-ções em Educação Matemática nem textos de Matemática volta-dos para o professor.

Em cursos de especialização, mestrado e doutorado comênfase em Educação Matemática, ainda há falta de material queapresente de forma sucinta as diversas tendências que se con-solidam nesse campo de pesquisa. A coleção Tendências em Edu-cação Matemática é voltada para futuros professores e para pro-fissionais da área que buscam de diversas formas refletirsobre esse movimento denominado Educação Matemática, o qualestá embasado no princípio de que todos podem produzir Ma-temática, nas suas diferentes expressões. A coleção busca tam-bém apresentar tópicos em Matemática que tenham tido desen-volvimentos substanciais nas últimas décadas e que possam setransformar-se em novas tendências na grade curricular do en-sino fundamental, do médio e do universitário.

Esta coleção é escrita por pesquisadores em EducaçãoMatemática ou em uma dada área da Matemática, com largaexperiência docente, que pretendem estreitar as interações en-tre a Universidade que produz pesquisa e os diversos cenáriosem que se realiza a Educação. Cada livro indica uma extensabibliografia na qual o leitor poderá buscar aprofundamento emdeterminada tendência em Educação Matemática.

Nota do coordenadorNota do coordenadorNota do coordenadorNota do coordenadorNota do coordenador

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Neste livro, os educadores matemáticos dinamarquesesHelle Alrø e Ole Skovsmose relacionam a qualidade do diálogoem sala de aula com a aprendizagem. Apoiado em ideias dePaulo Freire, Carl Rogers e da Educação Matemática crítica,estes autores trazem exemplos da sala de aula para substanciaros modelos que propõem acerca das diferentes formas de comu-nicação na sala de aula. Este livro é mais um passo na direçãoda internacionalização desta coleção. Este é o terceiro título dacoleção no qual autores de destaque do exterior se juntam aosautores nacionais que tem debatido as diversas tendências –para debaterem as tendências em Educação Matemática. Nestecaso, o segundo autor deste livro já participa ativamente dacomunidade brasileira, ministrando disciplinas, participandode conferências e interagindo com estudantes e docentes doPrograma de Pós-Graduação em Educação Matemática daUNESP, Rio Claro.

* Coordenador da Coleção “Tendências em Educação Matemática”, é li-cenciado em Matemática pela UFRJ, mestre em Educação Matemáticapela UNESP, Rio Claro/SP, e doutor nessa mesma área pela CornellUniversity, Estados Unidos. Atualmente, é professor do Programa dePós-Graduação em Educação Matemática da UNESP, Rio Claro/SP.Por curtos intervalos de tempo, já fez estágios de pós-doutoramento oufoi professor visitante nos Estados Unidos, na Dinamarca, no Canadá ena Nova Zelândia. Em 2005 se tornou livre docente em Educação Mate-mática. É também autor de diversos artigos e livros no Brasil e no exteriore participa de diversas comissões em nível nacional e internacional.

Marcelo de Carvalho Borba*

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Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática é umaversão ligeiramente revisada dos quatro primeiros capítulosde Dialogue and Learning in Mathematics Education – Inten-tion, Reflection, Critique, que foi publicado em 2002 pela Kluwer(atual Springer). Estamos muito satisfeitos com a cooperaçãoentre as editoras Springer Verlag e Autêntica, que tornou pos-sível essa edição.

Gostaríamos de agradecer aos estudantes e aos professo-res anônimos, cujas falas aparecem neste texto, por terem nospermitido estudar detalhes de sua vivência em sala de aula.Somos gratos aos professores Bjarne Würtz Andersen, AneMarie Krogshede Nielsen e Ib Trankjær, que nos cederam mate-rial para o capítulo 1. Temos uma gratidão especial para comHenning Bødtkjer e Mikael Skånstrøm, com quem mantivemosuma cooperação muito próxima durante todo o trabalho.

Muitas pessoas fizeram comentários e sugestões sobre otexto original em inglês. Queremos agradecer a Alan Bishop,Marcelo Borba, Paul Cobb, Marit Johnsen Høines, MarianneKristiansen, John Mason e Miriam Godoy Penteado pela leituracuidadosa, pelos diálogos instigantes e pelos comentários pro-veitosos sobre versões anteriores do texto. Somos gratos tam-bém a H.C. Hansen, Aage Nielsen e Paola Valero pelos comen-tários a respeito de tópicos especiais. Além disso, gostaríamosde agradecer a vários alunos de pós-graduação da UNESP de

AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos

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Rio Claro: Chateaubriand Nunes Amancio, Jussara de LoiolaAraújo, Jonei Cerqueira Barbosa, Telma Souza Gracias, FredericoJosé Lopes por importantes comentários em diversos capítulos.

Tivemos a oportunidade de discutir várias versões do tex-to original no contexto de um grupo de pesquisadores do Cen-tre for Research in Learning Mathematics. Nossos agradecimen-tos a Morten Blomhøj, Iben Maj Christiansen, Elin Emborg, LenaLindenskov e Tine Wedege pelos comentários valiosos e peloapoio. Adicionalmente, queremos agradecer a Nikolaj Hyldig,Marianne Harder Mandøe e Dana Sandstrøm Poulsen pela rea-lização das transcrições, e a Erik Nød Sørensen pelo auxílio eminformática e pela confecção das figuras.

Queremos agradecer a Orlando Figueiredo pela criteriosatradução do texto para o português, e a Miriam Godoy Pentea-do que fez a revisou.

Aalborg, maio de 2006.

Helle Alrø e Ole Skovsmose

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

IntIntIntIntIntroduçãoroduçãoroduçãoroduçãorodução..................................................................

Capítulo ICapítulo ICapítulo ICapítulo ICapítulo I

Comunicação na sala de aula de Matemática................

Absolutismo burocrático.............................................

Perspectiva................................................................

“Quanto se consegue preencher com jornal?”...................

Aprendizagem como ação............................................

Capítulo IICapítulo IICapítulo IICapítulo IICapítulo II

Cooperação investigativa...........................................

De exercícios a cenários para investigação.....................

“O que parece a bandeira da Dinamarca?”........................

Modelo de cooperação investigativa............................

Obstáculos à cooperação investigativa (deixando um cenáriopara investigação)......................................................

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COLEÇÃO “TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA”

Capítulo IIICapítulo IIICapítulo IIICapítulo IIICapítulo III

Desdobramento do modelo de cooperaçãoinvestigativa................................................................

“Raquetes & Cia.”........................................................

O Modelo-CI reconsiderado..........................................

Capítulo IVCapítulo IVCapítulo IVCapítulo IVCapítulo IV

Diálogo e aprendizagem...............................................

Qualidades de diálogo..................................................

Atos dialógicos – o Modelo-CI reconsiderado..................

Ensino e aprendizagem dialógicos – e sua fragilidade.......

Ensino e aprendizagem dialógicos – e sua importância.......

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências..................................................................

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Introdução

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

“Hoje foi pra valer! Hoje aprendemos alguma coisa!”, ex-clamou Maria, depois de ter passado, juntamente com André,quase duas horas concentrada na preparação de uma planilha.Algo significativo parece ter acontecido a Maria, algo que mere-ce ser considerado quando se pretende teorizar sobre a apren-dizagem de Matemática. Neste estudo, vamos nos encontrarcom Maria e André e muitos outros estudantes nas aulas deMatemática. O propósito principal desse encontro é obter da-dos empíricos, a fim de chegar a um melhor entendimento dopapel da comunicação na aprendizagem de Matemática.

A ideia inicial que orienta nossas investigações pode sersintetizada na seguinte hipótese: As qualidades da comunica-ção na sala de aula influenciam as qualidades da aprendiza-gem de Matemática. Essa afirmação é certamente muito geral enão muito original. Para entender o seu sentido, as expressões“qualidades de comunicação” e “qualidades da aprendizagemde Matemática” precisam ser bem esclarecidas. Nesta introdu-ção, bem como durante o restante do livro, vamos insistir natarefa de esclarecer em que sentido comunicação e aprendiza-gem podem estar conectadas.

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Nos mais diversos contextos sociais, dentro e fora da esco-la, a questão da comunicação tem merecido atenção especial.Ela é tema de workshops e cursos organizados por empresas quequerem tornar-se mais competitivas. Espera-se que a melhoriada comunicação não influencie apenas o ambiente de trabalho,mas que também tenha impacto positivo sobre o desempenhofinanceiro da empresa.

As qualidades de comunicação podem ser expressas em ter-mos de relações interpessoais. Muito mais do que uma simplestransferência de informação de uma parte a outra, o ato de comuni-cação em si mesmo tem papel de destaque no processo de aprendi-zagem. A comunicação tem um sentido mais profundo do que sepercebe à primeira vista. Em Freedom to learn1, publicado primeira-mente em 1969, Rogers (1994) considera as relações interpessoaiscomo fator crucial para a facilitação da aprendizagem. Aprender éuma experiência pessoal, mas ela ocorre em contextos sociais re-pletos de relações interpessoais. E, por conseguinte, a aprendiza-gem depende da qualidade do contato nas relações interpessoaisque se manifesta durante a comunicação entre os participantes.Em outras palavras, o contexto em que se dá a comunicação afetaa aprendizagem dos envolvidos no processo.

Isso nos remete à noção de que algumas “qualidades de co-municação” podem ser explicadas em termos de diálogo. A pala-vra “diálogo” tem muitos significados usuais, mas há algo emcomum entre todos eles, que é o envolvimento de duas partes noprocesso. Por exemplo, pode-se falar sobre o diálogo entre Orientee Ocidente ou sobre o diálogo turbulento entre Palestina e Israel.Não é esse o sentido de “diálogo” que nos interessa. Em Filosofia,a noção de diálogo está presente em muitos momentos. Platão apre-sentou suas ideias na forma de diálogos; e Lakatos (1976) apresen-tou sua investigação sobre a lógica da descoberta matemática naforma de um diálogo que acontecia numa sala de aula fictícia.Nessas circunstâncias, o termo “diálogo” refere-se a certo tipo dediscurso analítico, ou apresentação de argumentos e questiona-mentos, ou ainda a um processo de obtenção do conhecimento. No

1 NT: Liberdade para aprender.

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Introdução

momento em que adentramos o campo desse processo, o diálogose torna tema de interesse da epistemologia. Contudo, embora nos-sa concepção de diálogo esteja alinhada com uma concepção epis-temológica, ela difere do emprego filosófico tradicional do termoao estar relacionada a diálogos “reais”. Diálogo, para nós, é umaconversação com certas qualidades. Encontrar uma definição maisespecífica para a palavra “diálogo” é uma das tarefas que preten-demos realizar como parte deste estudo.

Falando em qualidades de conversação, queremos escla-recer dois sentidos que temos em vista para a palavra qualida-de. Por um lado, qualidade pode se referir a propriedades decerta entidade. Assim, podemos falar (em termos quase aristoté-licos) sobre a qualidade de uma taça que é diferente da qualida-de de um copo. Nesse sentido, qualidade refere-se a aspectosdescritivos de uma entidade. Contudo, qualidade pode possuirtambém um elemento normativo. Assim, podemos dizer que umcopo é de melhor qualidade do que outro copo. Distinguir entreos sentidos descritivo e normativo de qualidade não é fácil. Porexemplo, podemos preferir a qualidade de um copo à qualidadede uma taça para beber vinho. Similarmente, podemos preferirum diálogo quando pensamos em certas formas de aprendiza-gem, tendo em mente que diálogo refere-se a certas proprieda-des de uma interação.

Freire (1972) destaca a importância das relações interpes-soais para o diálogo. Segundo ele, um diálogo não é uma con-versação como outra qualquer. Dialogar é um elemento funda-mental para a liberdade de aprender. A noção de diálogo éinerente a conceitos como “empowerment”2 e “emancipação”,e, a partir dessa perspectiva, Freire traça uma conexão entre aqualidade das relações interpessoais e o potencial de engaja-mento das pessoas em ações políticas. Ele define o diálogo comoo encontro entre pessoas, a fim de “dar nome ao mundo”, o que

2 NT: Manteremos a palavra empowerment no original e em itálico emvirtude da dificuldade de encontrar uma palavra em português quecorresponda ao seu significado. Empowerment significa dar poder a;dinamizar a potencialidade do sujeito, investir-se de poder para agir.

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significa conversar sobre os acontecimentos e a possibilidadede alterar o seu curso. Nesse sentido, dialogar é visto como algoexistencial. Dialogar não pode existir sem amor (respeito) pelomundo e pelas pessoas, e ele não pode existir em relações dedominação (FREIRE, 1972, p. 77). Além disso, participar de umdiálogo pressupõe certo tipo de humildade. Não se pode man-ter uma relação de diálogo numa atitude de autossuficiência.Os participantes devem acreditar uns nos outros e estar abertospara os outros, a fim de criar uma relação equânime e de fidelida-de. Uma vez que o diálogo é motivado por uma expectativa demudança, ele não pode existir sem o engajamento das partes comrespeito ao pensamento crítico (FREIRE, 1972, p. 80). Para esse au-tor, a cooperação das partes é um parâmetro central da comuni-cação dialógica. Ao cooperarem, eles lançam luzes sobre o mun-do que os cerca e sobre os problemas que os unem e os desafiam.Freire aponta para a importância da associação entre ação e re-flexão (FREIRE, 1972, p. 75). Mão e cabeça têm que andar juntas.Agir sem refletir resume-se a puro ativismo, e reflexão sem açãoresume-se a verbalismo. Contudo, num diálogo, reflexão e açãopodem enriquecer uma à outra. Para Freire, o diálogo na escoladeve colocar o universo das pessoas em pauta e fazer dele seuuniverso temático; dessa forma pode-se ter uma educação queleva à emancipação. Para o autor, dialogar é indiscutivelmenteuma forma de interação que é rica em nuances e qualidades.

Na Filosofia clássica, o diálogo refere-se, antes de tudo, a umaexposição (e confrontação) de dois ou mais pontos de vistas diferen-tes (e contraditórios), com o objetivo de encontrar uma conclusãoque seja consensual. Freire e Rogers, contudo, também viram o diá-logo como algo que abrange as relações interpessoais, nas quaisouvir e aceitar o outro é fundamental. Dialogar não é apenas umaforma de análise, mas também um modo de interação. Nas explica-ções sobre a noção de diálogo que seguem, não perderemos de vistaesses dois aspectos (epistemológico e interpessoal) do diálogo.

Há pontos em comum entre as concepções de Rogers eFreire, muito embora eles trabalhem valendo-se de perspectivashistóricas diferentes. Rogers denomina a sua abordagem sobrea aprendizagem de “centrada em pessoas” em oposição ao “modo

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Introdução

tradicional” e descreve as duas abordagens como extremidadesopostas de um contínuo (ROGERS, 1994, p. 209). Ele argumenta queo modo centrado em pessoas prepara o aluno para a democracia,ao passo que o modo tradicional orienta os alunos para a obediên-cia a estruturas de poder e controle. No modo tradicional, ele argu-menta, “o professor é o detentor do conhecimento e do poder” e“regras ditadas por uma autoridade são a política aceita para asala de aula”. Espera-se que os alunos sejam captadores do conhe-cimento, e as avaliações sejam usadas para medir o grau de reten-ção que eles conseguem atingir. Rogers ressalta que “a confiança émínima” e “valores democráticos são ignorados e desprezados naprática”. No modo centrado em pessoas, argumenta Rogers, oambiente é de confiança mútua, e a responsabilidade pelos proces-sos de aprendizagem é de todos. “O facilitador providencia recur-sos de aprendizagem”, e “os alunos desenvolvem seus programasde aprendizagem por si mesmos e em cooperação com os demaisalunos”. O princípio fundamental é aprender a aprender, e auto-disciplina e autoavaliação viabilizam um processo ininterruptode aprendizagem. Esse clima que promove o crescimento não so-mente facilita os processos de aprendizagem, mas também estimu-la a responsabilidade dos alunos e outras competências para oexercício da cidadania e da democracia:

Aos poucos eu percebi que é no seu aspecto políticoque a abordagem baseada em pessoas se torna maisameaçadora. O professor ou administrador que pensaem usar uma abordagem como essa tem que superaras angústias geradas por compartilhar do poder e docontrole totais. Quem pode saber se alunos ou profes-sores são de confiança; e se os procedimentos são deconfiança? Há riscos inerentes que se precisa correr e éisso que assusta.” (ROGERS, 1994, p. 214)

Freire compara sua abordagem dialógica com a “educa-ção bancária”, na qual o professor faz um investimento, e osalunos são vistos como caixas, que devem preservar o patrimô-nio que foi aplicado. Tanto para Rogers como para Freire, odiálogo representa certas formas de interação fundamentaispara os processos de aprendizagem, que, nos termos de Freire,

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podem garantir o empowerment, e que, nos termos de Rogers,podem garantir a aprendizagem centrada em pessoas e a atituderesponsável por parte dos alunos. Nesse sentido, eles concluemque as qualidades da comunicação podem se desdobrar em qua-lidades de aprendizagem, referindo-se tanto a elementos descri-tivos quanto normativos. Nós também temos em mente tanto oselementos descritivos quanto os normativos quando falamos emqualidades de comunicação e qualidades de aprendizagem.Queremos pontuar certos aspectos da comunicação que podemapoiar certos aspectos da aprendizagem e, ao mesmo tempo, en-fatizar a importância destes aspectos.

Muitos estudos sobre comunicação debruçam-se sobre au-las de Matemática tradicionais. Entendemos por tradicional oambiente escolar em que os livros-texto ocupam papel central,onde o professor atua trazendo novos conteúdos, onde aosalunos cabe resolver exercícios e onde o ato de corrigir e en-contrar erros caracteriza a estrutura geral da aula. Tivemos aoportunidade de observar aulas tradicionais nas quais há umaatmosfera amigável entre alunos e professores. Portanto, quan-do nos referimos a aulas tradicionais de Matemática, não que-remos nos restringir aos aspectos negativos e estereotipadosdesse tipo de aula, no qual um professor sisudo tiraniza osalunos. Mesmo assim, é possível identificar, nas aulas tradicio-nais, padrões de comunicação característicos que têm certasqualidades (mas que nem de longe se aproximam daquilo queentendemos como diálogo).

A comunicação depende do contexto; assim como ou-tros pesquisadores, consideramos que as aulas tradicionaisde matemática influenciam a comunicação entre alunos e pro-fessores de um jeito próprio. No primeiro capítulo deste estu-do, reunimos algumas de nossas observações e análises so-bre esse fenômeno, enquanto nos capítulos 2 e 3 nossasinvestigações mudam o foco para outro tipo de ambiente.Estamos interessados em situações em que os alunos envol-vem-se em processos de investigação mais complexos e im-previsíveis. Isso abre um novo espaço para a comunicação,no qual novas qualidades podem surgir.

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Introdução

Em muitas escolas, mudanças radicais têm acontecidonas aulas de Matemática. A metodologia tradicional tem sidoameaçada por abordagens temáticas e por trabalhos com proje-tos. E a tal ponto que já não se consegue tão facilmente distin-guir uma aula de Matemática de uma aula de outra disciplina.

No capítulo 3, descrevemos um projeto do qual pudemosparticipar do planejamento juntamente com o professor. A eta-pa posterior, que é a aplicação do planejamento em sala de aula,foi realizada somente pelo professor. Dividimos o trabalho des-sa maneira pelo simples motivo de que o professor tinha muitomais experiência em sala de aula do que nós. Discutimos asinterpretações das observações juntamente com o professor edecidimos acatar suas sugestões para possíveis interpretações.Também entrevistamos os alunos a respeito de suas vivências einterpretações. Nossa preocupação é interpretar o que se passaem sala de aula assim como identificar novas possibilidadespara a Educação Matemática. Em outras palavras, estamos in-teressados em esclarecer “o que acontece”, a fim de descobrir “oque poderia acontecer” e, dessa forma, esclarecer que possibili-dades poderiam ser essas.3

Ao explorar tais possibilidades, queremos considerar acomplexidade das interações em sala de aula. Por essa razão,preferimos documentar os episódios que foram objeto de estudoem longas transcrições.

Incluímos uma variedade de passagens que chamaramnossa atenção, seja na fala do professor, seja na fala dos alunos.Contudo, não nos detivemos em escolas marcadas por conflitosculturais como fez, por exemplo, Renuka Vithal (2003) no seuestudo sobre a pedagogia do diálogo e do conflito ou Jill Adler(2001a, 2001b) em seu estudo sobre turmas multilíngues. Tam-pouco estudamos a aprendizagem em escolas carentes de recur-sos. Assim, em nossos exemplos, os alunos têm fácil acesso acomputadores. Similarmente, não estudamos a aprendizagem

3 Uma discussão mais cuidadosa sobre o que pode significar pesquisar pos-sibilidades e não simplesmente fornecer explanações sobre o que está acon-tecendo pode ser encontrada em Skovsmose e Borba (2004) e Vithal (2003).

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COLEÇÃO “TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA”

em situações nas quais há um clima de ameaça política no entor-no da escola, como no caso das crianças palestinas. O ambienteescolar a que nos referimos é confortável. Isso não quer dizer queo arcabouço conceitual que apresentamos não possa ser relevan-te em outras situações, incluindo aquelas que não se enquadramna Educação Matemática. Estamos em busca de novas possibili-dades pedagógicas, reconhecendo a complexidade das salas deaula reais, e dos padrões de comunicação que se manifestamnessa complexidade. Nossos dados não foram “higienizados”.4

A abordagem pedagógica de Freire ilustra a ideia de quehá uma conexão entre as qualidades de comunicação e as qua-lidades de aprendizagem. Freire quis desenvolver certas quali-dades de aprendizagem. Os alunos não deveriam somenteaprender a ler e a escrever, mas a interpretar criticamente a situa-ção social e política.

Isso nos remete à ideia de Educação Matemática crítica.Trata-se de uma abordagem em que se valorizam certas quali-dades de aprendizagem de Matemática.

Atividades desenvolvidas no âmbito da Educação Mate-mática crítica abrangem vasta gama de possibilidades e não seresumem a uma única abordagem homogênea. Isso não querdizer, contudo, que não se possa identificar algumas ideias ge-rais que caracterizam a Educação Matemática crítica, uma dasquais vem a ser a noção de que fazer Educação Matemática émais do que dar aos alunos um entendimento da arquiteturalógica da Matemática. A Educação Matemática crítica preocu-pa-se com a maneira como a Matemática em geral influencianosso ambiente cultural, tecnológico e político e com as finali-dades para as quais a competência matemática deve servir. Poressa razão, ela não visa somente a identificar como os alunos,de forma mais eficiente, vêm a saber e a entender os conceitosde, digamos, fração, função e crescimento exponencial. A Edu-cação Matemática crítica está também preocupada com ques-tões como “de que forma a aprendizagem de Matemática pode

4 O conceito de “dados higienizados” (sanitised data) é discutido emVithal (1998a) e Valero e Vithal (1999).

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Introdução

apoiar o desenvolvimento da cidadania” e “como o indivíduopode ser empowered através da Matemática”.

Para que uma sociedade seja uma democracia plena é im-portante que todos saibam ler e escrever. Como Freire mostrou,literacia pode significar muito mais do que a simples competên-cia para ler e escrever. Literacia pode se referir também à compe-tência para interpretar uma situação como algo que pode seralterado ou à identificação de mecanismos de repressão. Sendoparte integrante do arcabouço da Educação Matemática crítica,a noção de matemacia tem um papel que corresponde à noçãode literacia na formulação de Freire.5 Assim, as qualidades deaprendizagem de Matemática que particularmente nos interes-sam são representadas pela matemacia. A matemacia é de gran-de relevância para a democracia e para o desenvolvimento dacidadania da mesma forma que a literacia.

Podemos agora reformular a ideia que orienta nossos es-tudos: Certas qualidades de comunicação, que tentamos expressarem termos de diálogo, favorecem certas qualidades de aprendizagemde Matemática, a que nós nos refererimos como aprendizagem críticada matemática manifestada na competência da materacia. Espera-mos encontrar sinais de algum tipo de pensamento crítico nasrelações marcadas pelo diálogo. (Nós não postulamos que odiálogo seja a única fonte de aprendizagem crítica, mas quere-mos explorar a natureza desse instrumento em particular.)Através da investigação de relações baseadas em diálogo, pre-tendemos localizar elementos de uma aprendizagem de Mate-mática crítica.

5 Veja Skovsmose (1994, 2005). O termo matemacia é usado aqui com omesmo significado do termo materacia usado por D’Ambrósio em vári-os de seus trabalhos sobre etnomatemática.

Page 20: Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática

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