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Segunda-feira 6 de fevereiro de 2012 ٠ 07h00 [GMT+ 1] NÚM E RO 149 Eu não perderia um Seminário por nada no mundoPHILIPPE SOLLERS Nós ganharemos porque nós não temos outra escolha AGNÈS AFLALO www.lacanquotidien.fr A GENTE FALA DISSO Mulheres poderosas Por Pierre Naveau « É aí que se mede que esse gozo, qualquer que seja ele, não é de ser gozo (être jouissance), decente. » (J.-A. Miller, « A economia do gozo », A demanda em análise, La cause freudienne, n° 77, fevereiro 2011, p. 153)

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Segunda-feira 6 d e f evere iro de 2012 ٠ 07h00 [GMT+ 1]

NÚMERO 149

Eu não perderia um Seminário por nada no mundo— PHILIPPE SOLLERS

Nós ganharemos porque nós não temos outra escolha — AGNÈS AFLALO

www.lacanquotidien.fr

▪ A GENTE FALA DISSO ▪

Mulheres poderosas

Por Pierre Naveau

« É aí que se mede que esse gozo, qualquer que seja ele, não é de ser gozo (être jouissance), decente. »

(J.-A. Miller, « A economia do gozo »,

A demanda em análise, La cause freudienne, n° 77, fevereiro 2011, p. 153)

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mídias, me parecem, se interessam muito pelas mulheres poderosas – por essas mulheres que exercem o poder na economia ou na política. Encontramos, por exemplo, em Le Monde do dia 26 de janeiro de 2012, uma entrevista com Angela Merkel a respeito da Europa e, na revista Le Magazine

du Monde do dia 4 fevereiro de 2012, o relato, feito por Vanessa Schneider, de um dia passado com Nathalie Kosciusko-Morizet. Um romance de Éric Reinhardt, considerado pela revista Transfuge como o romance do ano de 2011, tenta fazer o retrato de uma mulher mulher poderosa, Victoria de Winter. Se trata, portanto, de outra rainha Vitória diferente daquela cuja história Lytton Strachey escreveu. Retomando os termos de Freud em seu Mal-estar na civilização, a moderna rainha Vitória encarna a vontade de satisfazer a pulsão, enquanto a antiga representava principalmente a renúncia a esta satisfação e, por isso mesmo, um severo pudor. Estes são as duas faces do surpereu feminino. A moderna Vitória é, de fato, a encarnação desta vontade de gozo que Lacan, em « Kant com Sade », nota por meio da letra V. V, como Vitória. Victoria de Winter é Diretora de Recursos Humanos (DRH) numa grande indústria internacional. O DRH é alguém que, sem remorso, aplica, a golpes de machado, a dura regra do capitalismo que, a golpes de implacáveis negociações de contratação e de demissão, age na hora, desloca corpos e provoca assim, como diz Lacan, « êxodos ». Victoria de Winter viaja muito, vive, com energia, na urgência e na velocidade. É uma mulher de quarenta anos, que mora em Londres, é casada com um violoncelista de renome e tem três filhas. O romance de Éric Reinhardt se esforça em esclarecer um mistério, o da opacidade da « economia de gozo » que caracteriza a vida desta mulher, que tomou a decisão – é uma decisão do ser – de gozar sem entraves (como isso pôde, um dia, ser dito). O avesso da função social de DRH, que evoca a ferocidade do mestre, é assim, em Victoria de Winter, a obscenidade de um gozo que se quer sem limites e que busca, de qualquer jeito, naquilo que ela tem de mais inconfessável, se mostrar. Quanto a isso, o leitor não é, de forma alguma, poupado dos detalhes. É aí que se encontra a pedra de tropeço. Sabe-se exatamente o que se faz quando se incita a literatura a entrar no mundo do discurso do mestre? Éric Reinhardt revela, numa entrevista com uma jornalista da revista Transfuge, que seu gosto de leitor, em primeiro lugar, o levou na direção do surrealismo e do romance novo. Ele indica, então, que levou três anos para escrever seu romance (para poder fazer pesquisa de campo) e que, durante esses três anos, ele releu bem mais Marivaux do que Samuel Beckett. É esta confidência que provoca a surpresa do leitor. Porque, quando se lê o romance de Éric Reinhardt, está-se longe, assim parece, da surpresa do amor e dos jogos do amor e do acaso onde, para se dizer que se ama, se exprime sua surpresa e se finge o lapso. Lembremo-nos : – Dorante : Eu vou embora … – Silvia, à parte : Embora ! Isso não é da minha conta. – Dorante : Não aprovam a minha ideia (de ir embora, então) ? – Silvia : Mas … não muito. Tudo está nesse : Mas … não muito. Três palavras para dizer que se ama, que se quer que o amante (no sentido do século XVIII) fique. Talvez, para ler Reinhardt, seja necessário ter, previamente, mergulhado mais uma vez em Saint-Simon. No momento em que a literatura se aventura no mundo do discurso do mestre, há consequências. O que distingue o capitalismo, diz Lacan, é a foraclusão da castração. Se, como ele o precisa, o capitalismo deixa de lado, consequentemente, as coisas do amor, como reintroduz-las? Reinhardt confessa ser fascinado pelas mulheres poderosas. Ele sempre foi atraído, confidencia, pelas mulheres fortes, por essas mulheres que não têm medo de nada e que ousam correr riscos. Ele evoca Medeia. Mas uma mulher poderosa e uma verdadeira mulher são a mesma coisa? Isso não é certeza. Victoria de Winter é,

As

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essencialmente, uma mulher livre que, sem embaraços, só faz o que quer. O problema está justamente nessa fascinação. Reinhardt cria um personagem e, para descrever seu gozo, ele lhe inventa um fantasma. É o sistema Victoria, que dá título ao romance. Ela quer ter e tem sempre, se assim podemos dizer, um amante à mão. No romance, aqui citado, a castração é assim encarnada por um homem que dá o passo de abordar esta mulher na rua. Isso se volta contra ele, de uma certa maneira. David Kolski é mestre de obras. Ele desistiu de seguir sua atividade de arquiteto e se ferra a construir, com suas próprias mãos, pode-se dizer, uma torre de trezentos metros de altura no bairro de La Défense. Esta torre foi concebida para representar ao mesmo tempo o falo e o flash do poder (o de Júpiter?). Uma paixão é despertada entre Kolski e Victoria de Winter que, de quarto de hotel em quarto de hotel, os arrasta para a clandestinidade de um adultério – uma « falta de gosto », terminará por dizer Victoria. É isso mesmo, as ligações são perigosas. Ele é um homem de esquerda; ela é uma mulher de direita. Seus embates eróticos são entrecortados, até mesmo retardados (principalmente por causa do temor dele), por causa de seus debates ideológicos, à maneira como, em Sade, as cenas de gozo em cascata são pontuadas pelos intermináveis discursos de um filósofo celerado expert em matéria de crueldade. O ponto nevrálgico do encontro deles é que, se ela goza, ele não o consegue. Sua questão, insistente, é: Como satisfazer as exigências desta mulher? Como enfrentar a voracidade de seus desejos? É verdade que, se chamar de Winter, quando a estação preferida de suas paixões é o calor do verão, é cômico. Poderíamos dizer, em relação a isso, que, se tratando do discurso do mestre, a castração, foracluída do simbólico, faz retorno para o homem no real, na medida em que a mulher, determinada por sua vontade de gozo, seria o agente? O gozo, em todo caso, não está no lado do homem, enfraquecido por sua tarefa cotidiana, pesada, pregnante e exaustiva. Ele está do lado da mulher forte. Deste ponto de vista, a descrição que Reinhardt faz de sua heroína no auge das suas loucuras faz às vezes estourar de rir. O romance, na verdade, se distancia de Crébillon e de Choderlos de Laclos. Reinhardt manda às favas pudor e decência. Kolski e Victoria de Winter, é verdade, se falam muito, se telefonam, se enviam mensagens. Mas, é só no fim do romance que eles se perguntam, no momento de romper, se eles se amam. O amor não é uma aposta no discurso do mestre. É impossível colocar a questão sobre o amor num discurso onde o fato de saber se existem homens e mulheres não é o que importa. Escrever uma carta de amor, isso implica que, desse discurso, é necessário, um momento, se excluir. DRH e mestre de obras, são profissões onde dominam as relações de força. Mas Kolski e Victoria de Winter não participam da mesma guerra. Ela ganha 30.000 euros por mês, ele ganha 5.000 ; seis vezes menos, portanto. Ela defendeu uma tese de filosofia sobre Kierkegaard; ele fez uma escola de arquitetura. Ela escuta As Bodas de Figaro; ele lê Gérard de Nerval. Gai savoir (“alegria de saber”), do lado dela; melancolia, do lado dele. Mesmo que ela não seja a Suzanne de Mozart, ela é um ser fluido, líquido. Ele, ao que parece, é alguém sólido, mas contido e retido neste ser que, como o mostram seus monólogos dilatórios, ele guarda de certa maneira para si mesmo. De fato, Kolski, que encarna o retorno da castração num mundo que a rejeita, sustenta, sem sabê-lo, a causa da desigualdade, na medida em que, para ela, ele se revela ser desigual. Ele faz mais, se colocando a serviço do gozo desta mulher. Acontece com frequência, ainda por cima, que nos hotéis e nos restaurantes onde eles se encontram, que seja ela, a mulher rica, que paga para o pobre homem. Note, de passagem – ele nunca lhe dá presentes. Talvez Reinhardt não tenha pensado nisso. Por esta razão, é inevitável, que Kolski se torne ciumento. Ele quer se vingar da liberdade desta mulher que, no momento em que (como se diz) goza, lhe escapa. Quando ela se encontra sozinha, Victoria de Winter escreve, para si mesma, uma

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espécie de diário de bordo, cujos trechos ela faz chegar até ele. Ela se interroga sobre o que trava seu amante. Não conseguindo, de fato, manter uma distância, ele se afasta. Seu rancor o leva ao pior. Ele cede a uma tentativa de corrupção. Oferecem a ele uma grande soma de dinheiro, se ele atrasar o avanço da obra. Que vergonha! Ele aceita. Esse passo em falso, que o faz tropeçar, coincide, no contexto da ruptura, com a confissão de que Victoria de Winter faz a ele daquilo que ela chama de seu « fantasma absoluto ». É o momento onde suas conversas febris os levam a se dizer tudo, a levantar a cortina da cena do teatro de seus fantasmas mais secretos. A confissão, de fato, se situa aí: ela adoraria que um outro homem entrasse nessa dança. David Kolski comete, então, o mesmo erro fatal que Jacques Hold no fim de Ravissement. Ele não resiste ao impulso de realizar a fantasia de Victoria de Winter. Assim ele introduz, indo direto ao ponto, o assassino sem rosto. Então, ele finalmente goza e, logo depois, sua amante é assassinada. Aí está, ao que conduz o dizer tudo. O desvelar forçado, brutal e selvagem das fantasias não se efetua impunemente. Esse assassinato no final condena Kolski ao exílio e à solidão. Esse romance, que irrita, agarra alguma coisa – ele mostra que o que denuncia é da mesma matéria daquilo que é denunciado. Na ocasião, é o discurso do mestre que, nesta história, mostra sua força, aposta ganhadora da partida que acaba de ser jogada. O sistema Victoria é congruente com o sistema capitalista. O romance de Reinhardt é, que se queira ou não, o romance do capitalismo e fala do sintoma social atual. A ironia de uma leitura lacaniana ajuda a perceber isso. A ferida aberta da querela entre os séculos XVII e XVIII, de uma parte, e os séculos XX e XXI, de outro, está, nesse momento presente, em carne viva. É o que Philippe Sollers chamou de: a guerra do gosto. ₪

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▪ NOTÍCIA DA BÉLGICA ▪

«UMa frente contrA a psIcanÁlIse eM FlandreS»

O ‘making of’

Nathalie Laceur

Gand, 1 de fevereiro de 2012

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No De Standaard, jornal flamengo, se iniciou, em dezembro de 2011, uma guerra contra a psicanálise. Um artigo de Joël De Ceulaer inaugura as primeiras ofensivas.

lguns dias antes da publicação deste artigo, este jornalista me contacta e pergunta sob uma máscara de extrema gentileza se eu gostaria de ser entrevistado. Contrariamente a Sophie Robert, ele não escondia sua intenção: em sequência à

circulação em diferentes sites, ele queria se servir do barulho francês em torno do filme « Le mur, la psychanalyse à l’épreuve de l’autisme » (A parede, a psicanálise colocada à prova pelo autismo), para enfim, tornar problemática, a presença da psicanálise na Universidade de Gand. Quem melhor que eu, colega de Alexandre Stevens no Courtil e assistente no « departamento de psicanálise » na Universidade de Gand, poderia dizer alguma coisa a respeito, ele salientou.

Seis anos mais cedo, este jornalista já tinha se mostrado como um verdadeiro « Freud & Lacan - basher » por sua elogiosa crítica do Livre noir de la psychanalyse (Livro Negro da Psicanálise), intitulado « Freud est mort » (Freud está morto). (Knack, 23 de novembro de 2005) Nós ficaríamos no mínimo com o pé atrás … Eu recusei, assim, sua entrevista ganhando tempo para lhe dar argumentos razoáveis e para lhe fazer uma contra-proposta.

Sob o título « A psicanálise é uma perigosa pseudociência? O fronte contra Freud », seu artigo, de duas páginas, foi publicado uma semana antes da audiência do processo contra o filme de Robert. (JDC, DS, 3 e 4 de dezembro) Para justificar sua questão jornalística, ele descrevia o filme como «um documentário em que eminentes psicanalistas, por conta própria, se expuseram bastante». « Mesmo um leigo que veja o documentário, » acrescenta ele, « só pode ficar perplexo com a visão nebulosa e obscura trazida pelos psicanalistas ». (JDCE, DS, 3 et 4 déc.)

Assim, poderíamos esperar que uma apresentação tão grotesca da psicanálise desse fôlego a todos aqueles que não suportam, tampouco, que a psicanálise ainda esteja viva. Foi assim, por exemplo, que um fiel adversário, uma das figuras de proa do grupo SKEPP1, agarrou a ocasião para encontrar em Le mur a prova de « que a teoria de Lacan é um terreno fértil para perigosos absurdos quanto ao sofrimento psíquico ». (DS, 13 déc.)

‘GUILTY BY ASSOCIATION’ ET CETERA

O jornal De Standaard nos apresentou, durante um mês, uma dezena de artigos, a maioria mal intencionados, que deveria alimentar o tal debate sobre a cientificidade da psicanálise. Nenhum artigo se debruçou sobre as razões pelas quais nossos colegas francófonos haviam aberto um processo contra Sophie Robert ; a montagem dela não havia sido colocada em questão. Vários membros do Kring voor Psychoanalyse van de New Lacanian School, incluindo a mim, haviam enviado ao jornal propostas de artigos,

A

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em vão. Apenas o texto de nossa colega Stijn Vanheule que defendia a cientificidade da psicanálise foi aceito.

Após duas semanas de luta, Tom Naegels, o ombudsman do jornal (sim, isso existe há pouco tempo), tomou partido. No seu artigo, ele explicava porque não achou convincente a maneira como De Ceulaer havia problematizado a psicanálise na Universidade de Gand. Desta maneira, ele sinalizava, com razão, que este jornalista tinha tentado aplicar a lamentável técnica de ‘guilty by association’ (culpado por ter uma ligação com), que é, seguramente, um meio inteligente de propagar informações tendenciosas: tornar suspeita a psicanálise na Universidade de Gand, em primeiro lugar abordando a questão francesa como um caso extremamente problemático. Mas o que Tom Naegels não consegue desmascarar, por mais nobres que tenham sido as suas intenções, é a intervenção maldosa necessária à aplicação desta técnica: declarar ‘guilty’, culpada, a psicanálise francesa, ou seja, ele comeu a história francesa tal qual o jornalista lhe apresentou : como um «documentário em que eminentes psicanalistas, por conta própria, se expuseram bastante». Nesta frase, pela qual De Ceulaer introduziu seu texto, podemos reconhecer duas manobras insidiosas, comparáveis àquelas de Sophie Robert: de um lado, fazer o leitor acreditar que se tratava de um filme de conteúdo informativo, enquanto que a intenção é polêmica, e de outro, pelo viés da utilização da forma verbal reflexiva « se expor », ele desloca a intenção da cineasta para os entrevistados ocultando desta maneira sua vontade de expô-los em detrimento deles. Introdução ideal para citar e tornar crível em seguida o co-produtor que passava « Le mur » como « um filme cuja grande força é, exatamente, mostrar que essas afirmações revoltantes são expressas pelos próprios psicanalistas. » (DS, 3 e 4 de dezembro)

Qual é a outra manipulação? Evidentemente, aquela que se fundamenta na minha recusa em comentar os acontecimentos. Por três vezes eu fui apresentado como a pessoa que era «a prova de que havia uma ligação entre a psicanálise francesa e a flamenga», isso, portanto, podia figurar nos seus textos … para não dizer, finalmente, e não sem colocar peso nisso, que esta mesma pessoa não desejava se manifestar. (DS, 2 et 3 déc., DS, 17 déc.)

Em resposta à sua sugestão repetida de que minha recusa me tornava bem suspeito aos olhos do público, eu declarei não compreender em que eu seria suspeito, se escrevesse exatamente o que eu estava lhe dizendo de todas as maneiras:

- que eu não queria comentar um filme que tinha visto ainda até aquele momento;

- que o processo deveria se passar, em minha opinião, entre as paredes do tribunal de justiça, e não num jornal,

- que eu havia respondido à «oportunidade» que estava me dando «de me defender» contra alguns rumores que ele me apresentava a respeito do Courtil,

- que eu era a favor de contribuir com um artigo, desconectado deste processo e que colocasse a questão do que é a psicanálise, desde que se interessasse realmente pela resposta,

- e que, então, eu daria falaria com prazer do meu trabalho no Courtil; da abordagem psicanalítica do autismo; e da psicanálise em geral.

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Mas isso, claro, não recebeu as honras do artigo que ele destinou ao jornal. Evidentemente, isto estava mais de acordo com sua intenção de apoiar Robert. No jornal De Standaard esta colocava como sendo ela própria vítima de censura: «Eu simplesmente fiz meu trabalho. Se o juiz me condenar, isto significará o fim da liberdade de imprensa. A partir daí, eu não poderei mais trabalhar. E isto significará, também, o fim do debate a propósito da psicanálise. Porque é evidente que é isso o que querem os psicanalistas: tornar o debate impossível.» (DS, 3 e 4 de dezembro)

Insistindo no meu « no comments » e ao mesmo tempo censurando meus argumentos e minha vontade de falar sobre a psicanálise dentro de um contexto sereno, De Ceulaer imiscuiu a ideia de que, na verdade, os psicanalistas não querem debate e que preferem, conscientemente, continuar obscuros e manter escondidas do grande público suas ideias «revoltantes» e «perigosas», tendo em vista o problema que elas inevitavelmente causariam. Na realidade, foi ele que tornou impossível a existência de um debate apropriado procurando jogar a psicanálise às masmorras, como convém a uma disciplina obscura.

CONTADORES DE HISTÓRIA E LIBERDADE DE IMPRENSA

Os críticos exageradamente minuciosos da psicanálise admitem tranquilamente « que eles não entendem nada de Lacan », que ele seria « ilegível », enquanto que eles dão de bom grado a Freud « o mérito de ser um grande contador de histórias e um escritor talentoso ». (JDC, DS, 3 e 4 de dezembro). A psicanálise deve convencê-los a mudar de opinião? Não, isso não faz parte da sua ética. É direito de cada um não querer saber nada e nem querer compreender a psicanálise. É direito de cada um construir teorias ou contar histórias, segundo as suas próprias convicções, que contradizem a teoria e a prática da psicanálise.

Mas não quer dizer que, por causa disso, a psicanálise deva se resignar a ficar recuada quando adversários inventam histórias a seu respeito atribuindo-lhe intenções e concepções « revoltantes » com as quais, na realidade, ela não compartilha.

Há uma semana, o juiz condenou Sophie Robert2. A liberdade de imprensa se encontra desde então, realmente, atacada por este julgamento, como Sophie Robert insiste em dizer? Não, desde que não se confunda liberdade de imprensa com a liberdade que a imprensa tem de vender, através de técnicas nada deontológicas, suas próprias historinhas como não-ficção.

Após o julgamento, eu enviei um segundo artigo ao jornal De Standaard. Desta vez, bingo. Com a publicação do meu texto (DS, 31 de janeiro ; http://standaard.be/artikel/detail.aspx?artikelid=G83LFC87), do qual este escrito é a retomada, poder-se-ia acreditar que o jornal, mesmo que de uma maneira implícita, se distancia do ‘making of’ da polêmica contra a psicanálise que um de seus jornalistas quis criar, utilizando-se do filme Le mur ao mesmo tempo censurando o método duvidoso de trabalho de Sophie Robert.

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No entanto, esta certamente não será a última vez que tentará « curar a humanidade da psicanálise » como diz Lacan em O Triunfo da Religião. Os que assim querem, vão, sem dúvida, começar a caçar novas oportunidades de ver confirmados os seus preconceitos ₪

Traduzido do holandês por Monique de Buck.

1 Studiekring voor Kritische Evaluatie van Pseudo-wetenschap en het Paranormale (Grupo de estudos para a avaliação crítica da pseudosciência e do paranormal)

2 Encontrem seguindo este link o artigo de Éric Laurent Storytelling e julgamento que atualiza o contexto e os desdobramentos da realização desse filme.

▪ LANÇAMENTO ▪

OS EQUÍVOCOS DE GÊNERO.

SE TORNAR HOMEM E MULHER NA ÉPOCA ROMÂNTICA.

Diário de campo

Deborah Gutermann-Jacquet

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s Equívocos de gênero pertencem ao campo da história « sem nome ». Aquela do sensível e do íntimo iniciada por Alain Corbin. Partindo de representações literárias de heróis impotentes e de heroínas sacrificadas

veiculadas pelo Romantismo no rescaldo da Revolução, a obra propõe uma releitura da primeira metade do século XIX a partir de novas fontes íntimas, a fim de mostrar como os indivíduos exprimem as dificuldades colocadas por sua condição de ser sexuado. Esta história é feita a partir de uma pesquisa sistemática de fontes do eu de leitores e leitoras potenciais de obras românticas, mas também, mais amplamente, daquelas e daqueles que viram a onda romântica se desenvolver no seio da sociedade. Ela pôde valorizar manuscritos ainda inexplorados, vários diários íntimos inéditos – incluindo o do soldado Pierre-Irénée Jacob, que chora ao ler as Confissões de Rousseau em plena derrota do exército napoleônico – assim como arquivos adormecidos: incluindo o da família de Yvrande, que revela, no seio da elite burguesa, dramas frequentemente silenciados e dignos de um romance.

Para casar, antigamente, convinha aos homens ter feito carreira, e a valorização desta tensão, da pressão social que se exercia sobre os homens – com frequência minimizada – aqui é reavaliada. É comum localizar a crise da masculinidade no fim do século XIX, mas me pareceu que o momento fecundo desta reformulação da identidade masculina acontece principalmente na época do Romantismo e que ela tem uma existência para além do lugar comum do mal do século. As trajetórias individuais nas quais este trabalho se apoia evidenciam a angústia que sentem os jovens rapazes diante da ideia de se tornar homem e de fazer carreira assim com a importância da qual se reveste para eles o modelo masculino sensível veiculado pela literatura. Porque o sofrimento ao qual o ser sexuado é confrontado tem qualquer coisa de indizível, a literatura oferece modelos, possibilidades de identificação nas quais a geração romântica se inspira fortemente. É porque ela serve de gabarito de leitura de seu mal-estar que os diários íntimos estão repletos de frases à la Werther e não porque a literatura seria um incentivo ao crime, que teria conquistado até as mais altas esferas da sociedade, como se compraziam em dizer os moralistas, ou ainda os críticos do início do século. Uma sociedade ávida de regulamentação dos desejos alimenta os desvios. Os Românticos o comprovam explorando a veia dos heróis malditos, mas imaginando também personagens inquietantes, que transgridem as interdições, abalam os códigos sexuais e encarnam, assim como Mademoiselle de Maupin, o misterioso « terceiro sexo ».

٠Os equívocos de gênero – Se tornar homem e mulher na época romântica, por Deborah Gutermann-Jacquet - doutora em História, membro da Escola da Causa Freudiana e membro do comitê de redação da Revista Le Diable probablement – foi lançado dia 2 de fevereiro pela Presses Universitaires de Rennes, na Collection Histoire (372 p.). Nós agradecemos muito a autora por ter tido vontade de nos apresentar em avant-première seu trabalho.

O

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▪ JANELA ▪

Com o genoma « varrido », sujeito ainda mais suposto

Bertrand Jordan, Autismo, o gene que não se encontra, Paris, Seuil, 2012.

O artigo1 que acaba de assinar Judith Miller, Daniel Roy, Jean-Robert Rabanel e Alexandre Stevens no LQ 148 responde ponto por ponto às questões que coloca este livro cujo autor se esmerou em identificar a interface entre dois « mundos » : o da pesquisa genética da medicina e o das empresas de biotecnologia. Mesmo que seu ponto de vista queira ser « razoável » e ele acaba sendo – é pouco para dizer quando as paixões estão loucas – ele continua cego e surdo ao que é uma clínica do sujeito.

O b-a ba fica martelando : o sujeito não se apreende sem um corpo, o qual se desloca raramente sem um organismo, o qual é sempre provido de um capital genético.... Que as correlações sejam reais, mas fracas entre certas anomalias genéticas e o que chamamos hoje de autismo deveria nos impedir de supor, num corpo marcado desta forma, a presença de um sujeito em sofrimento?

Longe de se opor, essas instâncias se articulam, pelo menos graças à psicanálise. Única a colocar em série « casos » onde descobertas e saídas de impasses dolorosos, sempre individuais, nos lembram que a alegria de trabalhar nunca é sem qualidades ₪

Nathalie Georges

1Autisme et Psychanalyse, nos convictions (Autismo et Psicanálise, nossas convicções.) Um artigo redigido pela Commission d’initiative de l’Institut Psychanalytique de l’Enfant (Comissão de Iniciativa do Instituto Psicanalítico da Criança)

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TRADUÇÃO: EVELINE REGO