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EDITORIAL ARTE PORTUGUESA: UPA, UPA! | ESTUDO DE OPINIãO SOTHEBY’S | ENTREVISTA A FRANCIS OUTRED ARTISTAS PORTUGUESES NO CIRCUITO MILIONÁRIO DOSSIER ÍNDIA GRANDE DEMAIS Por Jorge Barreto Xavier A ÍNDIA: EM CASA NO MUNDO Por Peter Nagy ARTE CONTEMPORÂNEA DA ÍNDIA: ESPAÇOS DE VAIVÉM Por Nancy Adajania BAIJU PARTHAN | ENTREVISTA DE RANJIT HOSKOTE PINTURAS CANTADAS | MUSEU DE ETNOLOGIA Por Alexandre Oliveira e Cláudia Pereira DOS VELHOS CONTOS ÀS NOVAS ESTÓRIAS Por Luís Serpa VARANASI: VIDA E MORTE NA CIDADE SAGRADA (PARA O VIAJANTE AFOITO) Por Manuel Castilho PORTUGAL NA ÍNDIA Por João Alarcão ESPLENDORES DA ÍNDIA OUTSIDE ÍNDIA LEILÕES INTERNACIONAIS: HIGHLIGHTS ÍNDIA ANTIQUARIATO INDIANO PANOS PINTADOS Por Madalena Braz Teixeira DOSSIER PAULA REGO PAULA REGO | ENTREVISTA EM LONDRES MARCO LIVINGSTONE | ENTREVISTA ARQ. EDUARDO SOUTO MOURA | ENTREVISTA FRANÇOIS DUFRÊNE | SERRALVES Por Gisela Leal SKULPTUR PROJEKTE | MÜNSTER Por Nuno Crespo EXPOSIÇÕES QUEM É QUEM | PEDRO CABRITA REIS QUEM SERÁ QUEM | JOãO SERRA NOMES INVISÍVEIS | CRóNICA DE JORGE BARRETO XAVIER JUÍZO ESTÉTICO OU JUÍZO POLÍTICO? | OPINIãO DE NUNO CRESPO NOTÍCIAS VINTE MAIS NACIONAL | VINTE MAIS INTERNACIONAL PALADARTE | CRóNICA DE MIGUEL JúDICE Nº 1 OUTUBRO 2007 DIRECTOR José Pedro Paço dArcos [email protected] EDITOR GERAL José Sousa Machado [email protected] ARTE CONTEMPORâNEA Sandra Vieira Jürgens [email protected] ARTE ANTIGA Luís de Andrade Peixoto [email protected] INTERNACIONAL Kevin Power [email protected] PRODUTORA EDITORIAL Carlota Mantero [email protected] PROJECTO GRáFICO E PAGINAçãO Panóplia [email protected] PRODUTOR GRáFICO João Costa [email protected] REDACçãO Maria Correia [email protected] SECRETáRIA DE REDACçãO Janete Bento [email protected] REVISãO DE CONTEúDOS Rita Graña [email protected] PUBLICIDADE Luís Figueiredo Trindade (Director comercial) [email protected] Mónica da Costa Silva [email protected] ASSINATURAS [email protected] ADMINISTRAçãO José Pedro Paço dArcos Diogo Madre Deus CONSELHO CONSULTIVO João Esteves de Oliveira Jorge Barreto Xavier Luís Serpa Manuel Castilho Miguel Júdice PROPRIEDADE Artcetera – Cultura e Arte, Lda. SEDE Rua Carlos de Oliveira, 3 12º C 1600-028 Lisboa Tel: 217 225 040 – Fax: 217 225 049 Pessoa Colectiva Nº 502 191 082 IMPRESSãO E ACABAMENTO Offset + Artes Gráficas, S.A. Rua Latino Coelho, 6 – Venda Nova – 2700-516 Amadora Tel: 214 998 716 -- Fax: 214 998 717 DISTRIBUIçãO Logista Rua República da Coreia, 34 Ranholas – 2710-460 Sintra Tel: 219 267 800 | Fax: 219 267 810 Periodicidade Mensal Tiragem 12.000 exemplares Registada com o Nº ISSN 1646-8139 É expressamente proibida a reprodução da revista, Em qualquer língua, no todo ou em parte, sem a prévia autorização escrita de ARTES & LEILÕES. Todas as opiniões expressas são da inteira responsabilidade do autor. 5 7 1 17 0 4 6 31 35 38 44 48 5 6 66 7 76 83 86 90 91 94 96 98 101 104 106 108 11 7. 35. 76. 9. CAPA Martelo e trincha revestidos com notas, de Barton Lidice Benes, para assinalar as artes (com ênfase na arte portuguesa, sob o olhar atento de Camões e Pessoa) e os leilões (divulgando também os leilões internacionais) . Paginacao1.1.indd 3 07/09/04 22:20:31

DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos [email protected] eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

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EDITORIAL

ARTE PORTUGUESA: UPA, UPA! | Estudo dE opinião

SOTHEBY’S | EntrEvista a Francis outrEd

ARTISTAS PORTUGUESES NO CIRCUITO MILIONÁRIO

DOSSIER ÍNDIAGRANDE DEMAIS Por Jorge Barreto Xavier

A ÍNDIA: EM CASA NO MUNDO Por Peter Nagy

ARTE CONTEMPORÂNEA DA ÍNDIA: ESPAçOS DE vAIvéM

Por Nancy Adajania

BAIJU PARTHAN | EntrEvista dE ranjit HoskotE

PINTURAS CANTADAS | MusEu dE Etnologia

Por Alexandre Oliveira e Cláudia Pereira

DOS vELHOS CONTOS àS NOvAS ESTÓRIAS Por Luís Serpa

vARANASI: vIDA E MORTE NA CIDADE SAGRADA

(PARA O vIAJANTE AfOITO) Por Manuel Castilho

PORTUGAL NA ÍNDIA Por João Alarcão

ESPLENDORES DA ÍNDIA OUTSIDE ÍNDIA

LEILÕES INTERNACIONAIS: HIGHLIGHTS ÍNDIA

ANTIQUARIATO INDIANO

PANOS PINTADOS Por Madalena Braz Teixeira

DOSSIER PAULA REGOPAULA REGO | EntrEvista EM londrEs

MARCO LIvINGSTONE | EntrEvista

ARQ. EDUARDO SOUTO MOURA | EntrEvista

fRANçOIS DUfRÊNE | sErralvEs

Por Gisela Leal

SKULPTUR PROJEKTE | MÜnstEr

Por Nuno Crespo

EXPOSIçÕES

QUEM é QUEM | pEdro caBrita rEis

QUEM SERÁ QUEM | joão sErra

NOMES INvISÍvEIS | crónica dE jorgE BarrEto XaviEr

JUÍZO ESTéTICO OU JUÍZO POLÍTICO? |

opinião dE nuno crEspo

NOTÍCIAS

vINTE MAIS NACIONAL | vINTE MAIS INTERNACIONAL

PALADARTE | crónica dE MiguEl júdicE

Nº 1OutubrO 2007

DiRecTORJosé Pedro Paço d�[email protected]

eDiTOR GeRalJosé Sousa [email protected]

aRTe cOnTempORâneaSandra Vieira Jü[email protected]

aRTe anTiGaLuís de Andrade [email protected]

inTeRnaciOnalKevin [email protected]

pRODUTORa eDiTORialCarlota [email protected]

pROjecTO GRáficO e paGinaçãOPanó[email protected]

pRODUTOR GRáficOJoão [email protected]

ReDacçãOMaria [email protected]

SecReTáRia De ReDacçãOJanete [email protected]

ReviSãO De cOnTeúDOSRita Grañ[email protected]

pUBliciDaDeLuís Figueiredo Trindade (Director comercial)[email protected]ónica da Costa [email protected]

[email protected]

aDminiSTRaçãOJosé Pedro Paço d�ArcosDiogo Madre Deus

cOnSelhO cOnSUlTivOJoão Esteves de OliveiraJorge Barreto XavierLuís SerpaManuel CastilhoMiguel Júdice

pROpRieDaDeArtcetera – Cultura e Arte, Lda.

SeDeRua Carlos de Oliveira, 3 � 12º C1600-028 LisboaTel: 217 225 040 – Fax: 217 225 049

Pessoa Colectiva Nº 502 191 082

impReSSãO e acaBamenTOOffset + Artes Gráficas, S.A.Rua Latino Coelho, 6 – Venda Nova – 2700-516 AmadoraTel: 214 998 716 -- Fax: 214 998 717

DiSTRiBUiçãOLogistaRua República da Coreia, 34 � Ranholas – 2710-460 SintraTel: 219 267 800 | Fax: 219 267 810

Periodicidade Mensal

Tiragem 12.000 exemplares

Registada com o Nº ISSN 1646-8139

É expressamente proibida a reprodução da revista, Em qualquer língua, no todo ou em parte, sem a prévia autorização escrita de ARTES & LEILÕES. Todas as opiniões expressas são da inteira responsabilidade do autor.

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capa

Martelo e trincha revestidos

com notas, de Barton Lidice

Benes, para assinalar as

artes (com ênfase na arte

portuguesa, sob o olhar atento

de Camões e Pessoa) e os

leilões (divulgando também

os leilões internacionais) .

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Page 2: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

A revista Artes & Leilões saiu a público pela primeira vez em Outubro de 1989,

quando a única revista existente dedicada às artes plásticas era a Colóquio Artes,

editada pela Fundação Calouste Gulbenkian .

Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma revista de artes plásticas em

moldes comerciais e sem subsídios não vingaria, a Artes & Leilões brevemente se

impôs no mercado e se tornou a revista de referência sobre arte em Portugal. Após

sete anos de publicação regular, com uma cobertura das artes e dos leilões e

antiguidades em Portugal e no estrangeiro, além de projectos especiais como o

lançamento do Arte Guia / Guia d’Arte em 1991, a revista cessou a actividade. Na

altura, divergências ao nível da administração do projecto provocaram essa situação.

O mundo mudou e Portugal mudou com o mundo. Hoje, o panorama cultural

português é completamente diferente, para melhor. A Cultura virou Ministério.

Surgiram fundações privadas com espólios valiosos. O coleccionismo tornou-se

uma virtude. Artistas de diferentes gerações e tendências competem por públicos e

mercados. A internacionalização da arte portuguesa é mais efectiva.

É neste ambiente de maior afirmação cultural que a revista Artes & Leilões se

vai inserir e que tentará espelhar e, se possível, influenciar.

Saudamos antiquários, leiloeiros, galeristas, artistas, críticos e todos os agentes

culturais com quem colaborámos no passado. Esperamos poder acolhê-los, assim

como a novos protagonistas, num projecto que procurará ser abrangente sem ser

neutral, revelador sem ser descritivo, interveniente sem ser sectário.

Portugal mudou e a Artes & Leilões mudou também. O modelo de revista da

primeira série da Artes & Leilões foi seguido pela Arte Ibérica e, em certa medida,

pela L+Arte. Estes projectos tiveram e têm o seu mérito. Na sua segunda série,

a Artes & Leilões seguirá um novo modelo. O âmbito de intervenção editorial da

revista foi alargado ao turismo Cultural, Moda, Fotografia, Arquitectura e Design.

Vários projectos especiais estão na forja, entre eles a reedição de um Guia d’ Arte

actualizado.

Para além da cobertura mensal da actualidade artística nacional e internacional,

a revista dedicará uma atenção especial aos aspectos relacionados com o

investimento em bens culturais, avaliando a evolução das cotações no mercado

(“Vinte Mais Nacional e Internacional”), firmando a cotação dos artistas nacionais

(“Quem É Quem”) e descobrindo novos valores (“Quem Será Quem”).

Cada edição inclui um dossier alargado sobre a arte contemporânea e a cultura

de um país escolhido, sugerindo itinerários culturais e artísticos. A Índia, pela

sua importância no imaginário português e no mundo contemporâneo, foi a

nossa primeira escolha, associando-nos assim à celebração dos seus 60 anos de

independência.

A partir deste primeiro número da segunda série, esperamos ter-vos como leitores.

A crítica e as sugestões serão muito bem-vindas, para melhor podermos servir os

interessados na actividade artística em Portugal.

A Manuel de brito, pioneiro que tanto lutou pelo desenvolvimento da arte em

Portugal e que morreu no seu posto, uma última palavra de apreço e saudade. |

josé pEdro paço d’ arcos

5ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

Editorial

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upa,upa!7ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

Um estudo de opinião exclusivo da Eurosondagem

para a Artes & Leilões revelou a opinião dos

portugueses relativamente à arte contemporânea

nacional e internacional.

Estudo dE opinião

Damien hiRST | “LuLLAby SpRIng”, 2002 | Cortesia sotheby’s.

ARTE PORTUGUESA:

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O estudo encomendado pela Artes & Leilões à Eurosondagem revela

que em Portugal o interesse pela Arte Contemporânea é elevado.

Os resultados permitem concluir que a grande maioria dos

inquiridos, 49,3% aprecia/gosta muito; 4�,1% afirmou que a sua

opinião está dependente dos artistas em questão e apenas 6,3%

expressou uma opinião desfavorável (Não aprecia/É-lhe indiferente)

em relação à Arte Contemporânea.

relativamente a outros períodos da História da Arte, constatou-

se a sua preferência por épocas mais recentes, verificando-se um

equilíbrio de resultados entre a Arte Moderna (�9,�%) e a Arte

Contemporânea (�8,1%) a que se seguiu a Arte Antiga (14,�%),

a Arte romântica (13,8%), a Arte do renasc imento (9,1%) e,

finalmente, a Arte barroca, que registou 5,6%.

Os resultados da questão seguinte permitem concluir que é elevado

o nível de acompanhamento em relação à criação artística das novas

gerações. 8�,3% dos inquiridos revela acompanhar com bastante

interesse e regularidade a criação artística das novas gerações. |

8

3. Acompanha a criação artística das novas gerações?

SIM, COM BASTANTE INTERESSE 40,0%

ÀS VEzES / INTERMITENTEMENTE 42,3%

NEM POR ISSO / Só RARAMENTE 15,2%

NS / NR 2,5 %

TOTAL 100,0%

1. Qual a sua opinião em relação à Arte Contemporânea?

APRECIA / GOSTA MuITO 49,3%

DEPENDE DOS ARTISTAS / GOSTA POR VEzES 42,1%

NãO APRECIA / É-LhE INDIFERENTE 6,3%

NS / NR 2,3%

TOTAL 100,0%

2. Qual o período da História da Arte que mais lhe interessa? PODE ESCOLhER uMA Ou DuAS) (*)

ARTE ANTIGA 14,2%

ARTE DO RENASCIMENTO 9,1%

ARTE BARROCA 5,6%

ARTE ROMâNTICA (SÉC. XIX) 13,8%

ARTE MODERNA (SÉC. XX) 29,2%

ARTE CONTEMPORâNEA 28,1%

TOTAL 100%

(*) - NOTA: 4,8% DOS INquIRIDOS RESPONDEu “NS/NR”

Damien hiRST | “LuLLAby SpRIng”, 2002 | dETALhE | Cortesia sotheby’s.

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#41

intErEssE pEla ARTE CONTEMPORÂNEA

Estudo dE opinião artE portuguEsa: upa, upa!

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uM ocEano intEiro

h

Estudo dE opinião artE portuguEsa: upa, upa!

4. Conhece alguns destes artistas?

1. VELÁzquEz 95,2%

2. CLAuDE MONET 93,7%

3. GOYA 93,5%

4. REMBRANDT 91,4%

5. PAuL GAuGuIN 90,9%

6. BOTICELLI 85,3%

7. TOuLOuSE-LAuTREC 81,0%

8. FRANCIS BACON 77,0%

9. KANDINSKY 74,9%

10. MARCEL DuChAMP 68,4%

11. WARhOL 63,4%

12. JACKSON POLLOCK 54,1%

13. JEFF KOONS 28,2%

14. BASELITz 18,7%

15. DAMIEN hIRST 17,0%

9

Numa outra série de perguntas, indicadora do nível de conhecimento

sobre o panorama artístico nacional e internacional, em períodos

distintos da História da Arte, revelaram-se resultados surpreendentes.

Embora uma grande maioria dos inquiridos (49%) acompanhe a

criação artística das novas gerações, permanecem desconhecidos

alguns dos artistas contemporâneos com maior repercussão.

Confrontados com uma lista que incluía artistas de várias épocas,

registou-se um grau de desconhecimento mais elevado face aos

artistas mais contemporâneos: Damien Hirst, baselitz e Jeff Koons

posicionaram-se nos últimos lugares.

Nas preferências entre os artistas portugueses, o estudo mostra que

Paula rego e Maria Helena Vieira da Silva são as artistas portuguesas

de eleição, de entre uma lista que incluía nomes tão díspares como

Grão Vasco, Amadeo de Souza-Cardoso e Pedro Cabrita reis. |

#41

conHEciMEnto daARTE INTERNACIONAL

veláZQUeZ | ”VÉnuS AO ESpELhO”, 1651 | ÓLEO SObRE TELA | Cortesia NatioNaL GaLLery, LoNDres.

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prEFErÊncias EntrE os ARTISTAS PORTUGUESES

8. Já comprou alguma obra de arte?

Noutra questão, que pretendia determinar a percentagem dos que adquiriram obras de arte, os

resultados são igualmente inesperados: 57% dos inquiridos respondeu “sim”.

Também surge explícito que o critério que prevalece na aquisição é o gosto pela obra

(73,7%), seguindo-se o apreço pelo artista (16%). A aposta em termos de retorno do

investimento traduziu-se em 7%; mais reduzida foi ainda a percentagem - 3,3% - dos

inquiridos que revelaram fazê-lo por indicação ou opiniões manifestadas através da

comunicação social.

6. E quais são os seus artistas portugueses preferidos?

(pode indicar até 3)(*)

PAuLA REGO 17,6%

MARIA hELENA VIEIRA DA SILVA 17,4%

JÚLIO POMAR 14,7%

AMADEO DE SOuzA-CARDOSO 13,8%

ALMADA NEGREIROS 12,9%

JuLIãO SARMENTO 5,1%

JOSEFA DE óBIDOS 4,2%

hELENA ALMEIDA 3,3%

COLuMBANO 3,1%

PEDRO CABRITA REIS 3,1%

GRãO VASCO 1,9%

SILVA PORTO 1,5%

JORGE MOLDER 0,8%

hENRIquE POuSãO 0,6%

(*) - Nota: 6,9% dos inquiridos respondeu “Outro” artista português preferido.

7. Com que regularidade visita exposições de arte?

Os resultados assinalam que é elevado o número daqueles que com regularidade visitam

exposições de arte: 53% dos inquiridos afirmou visitar mostras uma vez por mês e 30%

respondeu que as visita três a quatro vezes por mês.

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#41

maRia helena vieiRa Da Silva | (1909-1992) | ”LISbOnnE bLEuE”, 1942. | Cortesia sotheby’s.

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A amostra que serviu de base a este estudo de opinião foi constituída a partir

dos visitantes de uma exposição de Arte Contemporânea que decorreu numa

instituição cultural lisboeta. Ou seja, podemos inferir que esta amostra é composta

por pessoas que frequentam com alguma assiduidade este tipo de iniciativas,

possuindo alguma familiaridade com o universo da criação artística actual.

Nesse sentido, este estudo revela alguns dados surpreendentes e outras tantas

contradições, sobre as quais tentaremos oferecer pistas que nos ajudem a

esclarecê-las.

Assim, é curioso verificar que praticamente 90% dos indivíduos consultados

adere sem reservas à Arte Contemporânea - 49,3 % de uma forma incondicional

e 4�,1% fazendo depender a sua adesão da identidade do artista -, incluindo

nesta designação, supomos, a Arte do séc. XX. Esta suposição decorre da análise

das respostas à pergunta seguinte, que indaga qual o período da Arte que mais

interessa aos indivíduos consultados. Somando as preferências pela Arte Moderna

(�9,�%) e pela Arte Contemporânea (�8,1%), constatamos que 57,3% do público

prefere as manifestações artísticas que lhe são coevas. Acrescentando a este valor

as preferências pela Arte romântica (13,8%), que de certo modo antecipa ou,

em certos casos, inaugura as tendências modernistas, concluímos que 71,1%

do público consultado é receptivo às manifestações artísticas dos últimos cem

anos. Isso mesmo se conclui da análise às respostas à terceira pergunta, que nos

informam que 8�,3% dos inquiridos diz acompanhar com bastante interesse

(40%), ou com interesse mediano (4�,3%), a criação artística das novas gerações.

Apesar de considerarmos que estes valores estão empolados, reflectindo uma

natural valorização cultural dos inquiridos, não deixa de ser relevante que a

pretensão de reconhecimento cultural que os inquiridos denotam se fundamente

no conhecimento que dizem ter da Arte mais recente, em detrimento das

manifestações artísticas de outros períodos da História da Arte. Ou seja, parece que

a Arte Moderna e Contemporânea está na moda e os nossos inquiridos, sabendo

disso, não querem abdicar de um estatuto cultural actualizado.

Curiosamente, a linha de pensamento que temos vindo a desenvolver é

radicalmente contrariada pelas respostas às perguntas sobre quais os artistas

estrangeiros e portugueses mais conhecidos. Na listagem dos quinze artistas

estrangeiros mais conhecidos, os autores contemporâneos ocupam, sem excepção,

os últimos lugares da tabela. Os únicos três artistas ainda vivos mencionados - Jeff

Koons (conhecido por �8,�% dos inquiridos), baselitz (18,7%) e Damien Hirst

(17%) - ocupam os três últimos lugares. Ou seja, se por um lado o vedetismo

cultivado por artistas como Jeff Koons contribuiu para

o fazer sobressair aos olhos do público e destacar-se de

entre muitos outros artistas seus contemporâneos, por

outro lado esse fenómeno não é suficiente para o tornar

tão incontornável quanto os artistas já consagrados

pela História da Arte, como Velázquez, Monet, Goya

ou rembrandt. Nem mesmo o mediatismo fortíssimo

de Damien Hirst, que no último leilão da Sotheby’s

de Londres, em Junho passado, se transformou no

artista vivo mais caro - uma obra sua foi vendida

por €14.478.000,00 - foi suficiente para o celebrizar

num plano de equivalência com os autores clássicos.

Comparativamente com os autores estrangeiros, os

artistas portugueses, infelizmente, são muito pouco

conhecidos, o que denota a fraquíssima promoção

de que são alvo pelas instâncias responsáveis. Senão

vejamos: o artista estrangeiro menos conhecido

- Damien Hirst (17%) - é quase tão famoso quanto

as artistas portuguesas mais conhecidas - Paula

rego (17,6%) e Vieira da Silva (17,4%). Os artistas

portugueses, independentemente da sua consagração

histórica, actual ou passada, são praticamente

desconhecidos do público português. Apenas 3,1%

dos inquiridos conhece Columbano; 1,9%, Grão Vasco

(que tem até um museu com o seu nome e sobre a sua

extensa obra quinhentista) e, pasmem, apenas 0,6%

sabe da existência do Henrique Pousão, talvez o maior

artista português do séc. XIX, precursor dos movimentos

modernistas de que Souza-Cardoso viria a ser o

expoente máximo (este último, conhecido por 13,8%,

talvez devido à grande exposição retrospectiva realizada

recentemente na Fundação Gulbenkian). |

jsM

11

Estudo dE opinião artE portuguEsa: upa, upa!

Este estudo de opinião foi realizado entre 9 e 13 de Julho de 2007 numa amostra de 525 entrevistas validadas a partir do universo de frequentadores de uma exposição de arte contemporânea que decorreu num espaço institucional da capital. |

#41

COMENTÁRIO ao Estudo dE opinião

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Apenas quatro artistas portugueses têm marcado presença regular nos leilões de

arte da Christie’s e da Sotheby’s de Londres, Nova Iorque ou Paris. São eles Helena

Almeida, Julião Sarmento, Paula rego e Vieira da Silva, tendo a penúltima batido

o seu recorde pessoal de preço no leilão de arte contemporânea da Christie’s

londrina do passado mês de Junho, com a pintura The Moth (A traça) – um pastel

sobre tela, com 160 x 1�0 cm, datado de 1994 – que atingiu os € 559.654. Nesse

mesmo leilão, o pintor britânico Lucian Freud conquistou o estatuto de pintor vivo

mais caro de sempre, quando uma obra sua intitulada Bruce Bernard - um retrato

- foi arrematada por e 11.6�4.940, palmarés de curtíssima duração, pois apenas �4

dias depois, no leilão de arte contemporânea da Sotheby’s, também em Londres,

o ainda jovem artista Damien Hirst roubou-lhe a palma, com uma obra que subiu

até aos e 14.487.000, numa vertigem de zeros que deixou muitos especialistas

apreensivos devido às semelhanças que este fenómeno parece ter com a euforia de

preços do início da década de 90 (do século passado), quando inúmeras pinturas

de Van Gogh subiram aos píncaros do estrelato artístico, para depois se afundarem

no silêncio mais que suspeito da insolvência de um tal sr. bond, australiano, e nas

extravagâncias de um milionário japonês, o sr. Sato, que desejava insistentemente

levar um Van Gogh (e um renoir) consigo para o outro mundo.

No mesmo leilão da Christie’s a que fizemos referência a propósito de Paula

rego e Lucian Freud, foram quebrados vários recordes pessoais de outros artistas

conhecidos da cena artística internacional como, por exemplo, thomas Schütte,

rosemarie trockel, Piero Manzoni, r.b. Kitaj e tàpies, entre outros.

Com efeito, nas últimas duas décadas assistimos, no plano internacional,

a uma alteração no gosto dos coleccionadores ou, pelo menos, verificou-se

uma transferência significativa do investimento em arte dos leilões de obras

impressionistas e modernistas para os leilões de arte contemporânea, nos quais a

maior parte dos lotes apresentados à praça pertencem a autores ainda activos e cada

vez mais jovens. As razões que determinaram este fenómeno são de natureza muito

diversa, como a raridade de obras de autores mais antigos disponíveis para venda, a

necessidade de renovar periodicamente o mercado, a cada vez maior mediatização

da contemporaneidade artística mas, sobretudo, o aparecimento de um novo tipo

de coleccionador ou investidor em arte, para quem a intervenção nos domínios

da cultura assume não só o carácter de valorização pessoal e social, mas também

uma forma de aplicação financeira – de um negócio, em suma - cuja rentabilidade

é necessário salvaguardar e promover activamente. Foram estes coleccionadores

empresários, sem tradições firmadas na cultura, que nos últimos anos investiram

maciçamente nos artistas actuais e agora sustentam e promovem as cotações dos

17

artistas em princípio de carreira que apoiaram.

De facto, o simples facto de um artista estar

representado nos afamados leilões de arte

contemporânea das duas principais casas leiloeiras

mundiais é, só por si, um indicador seguro da

estabilidade da cotação do mesmo e a garantia de

circulação das suas obras num circuito à escala

mundial, com margens de valorização muito

promissoras. À luz estrita do mercado de arte, a

presença de um artista nos principais leilões da

Christie’s e da Sotheby’s representa, por um lado,

o reconhecimento da qualidade da obra e, por

outro lado, a homologação de um valor credível

e sustentado da mesma. Para que as portas deste

circuito se abram de par em par a um qualquer

artista, é necessário, em primeiro lugar, o seu

reconhecimento tácito no mercado de origem, a

estabilização da sua cotação no mercado local, pois

é a partir dos coleccionadores desse circuito nacional

que se alicerça a rampa para a internacionalização.

Por outro lado, não é possível definir uma estratégia

de internacionalização de um artista cujas obras não

circulem já em mercados estrangeiros. Finalmente, a

presença de um artista em iniciativas institucionais é

também fundamental.

Dos artistas portugueses, apenas os quatro que

referimos lograram, até ao momento, aceder a esse

circuito milionário. Mesmo autores com a qualidade

e visibilidade de um Júlio Pomar, Cabrita reis,

João Penalva, entre tantos outros, não reuniram

ainda os requisitos necessários para constarem nos

leilões milionários de Londres e Nova Iorque e, dos

quatro que referimos, Paula rego e Vieira da Silva

construíram toda a sua carreira no estrangeiro, em

Londres e Paris respectivamente, não se podendo

portanto falar propriamente de uma estratégia de

internacionalização sistematicamente construída. |

#41

artistas portuguEsEs NO CIRCUITO MILIONÁRIO

josé sousa MacHado

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

lEilÕEs

1.

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Filipa vicEntE

18ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

artE contEMporÂnEah

18

1. Paula Rego | “The Moth”, 1994 | Pastel s/ papel | 160 x 120 cm | Vendido na Christie’s de

Londres, em 20 de Junho de 2007, por uS$ 727.548.

Paula Rego | “Target”, 1995 | Pastel s/ papel | 160 x 120 cm | Vendido na Sotheby’s de

Londres, em 22 de Junho de 2005, por uS$ 627.737

Paula Rego | “Island of the Lights from Pinocchio”, 1996 | Tinta da índia e aguarela s/

papel colado s/ tela | 150 x 180 cm | Vendido na Sotheby’s de Londres, em 9 de Fevereiro de

2006, por uS$ 441.600.

Paula Rego | “The Sweeper”, 2002 | Pastel s/ papel | 150 x 90 cm | Vendido na Sotheby’s

de Londres, em 23 de Junho de 2004, por uS$ 213.818.

Paula Rego | “The drawing lesson”, 1985 | Acrílico s/ papel | 100 x 70 cm | Vendido na

Sotheby’s de Londres, em 10 de Fevereiro de 2005, por uS$ 211.502.

Vieira da Silva | “Souterrain”, 1948 | óleo s/ tela | 81 x 100 cm | Vendido na Sotheby’s de

Londres, em 29 de Junho de 1990, por uS$ 855.809.

Vieira da Silva | “Papillons”, 1951/2 | óleo s / tela | 60 x 120 cm | Vendido na Artcurial de

Paris, por uS$ 574.350.

2.Julião Sarmento | “Emma 4”, 1990/1 | óleo, grafite e areia s/ tela | 190 x 199,5 cm |

Vendido na Sotheby’s de Londres, em 14 de Outubro de 2006, por uS$ 95.094.

Julião Sarmento | “A Prece de Viriato”, 1985 | óleo, papel e colagem s/ tela | 188 x 279 cm |

Vendido na Christie’s de Londres, em 9 de Fevereiro de 2007, por uS$ 94.117.

Helena Almeida | “s/ título (seis trabalhos)”, 1976/7 | Gelatin silver print | 40 x 50,2 cm |

Vendido na Christie’s de Londres, em Abril de 2005, por uS$ 33.834

3.Helena Almeida | “Voar (em quatro partes)”, 2001 | Cibacrome | 124 x 180 cm | Vendido

na Sotheby’s de Londres, em 16 de Outubro de 2006, por uS$ 63.396.

lEilÕEs artistas portuguEsEs no circuito MilionÁrio

2. 3.

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GrandeRAJASTÃO | FOTOgRAFIA: MARIA JOÃO LIMA

A Índia é assim grande. Difícil de contar num livro, numa colecção,

só captável de relance em palavras de papel jornal. Um território

imenso, o sexto maior do mapa político mundial.

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demaisGrande

dossiEr Índia

�1

jorgE BarrEto XaviEr

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

A Índia é assim grande. Difícil de contar num livro,

numa colecção, só captável de relance em palavras

de papel jornal. um território imenso, o sexto maior

do mapa político mundial. uma população que

continua a crescer e já ultrapassou os mil milhões

de habitantes, tendo apenas a China pela frente. As

montanhas mais altas do mundo, desertos de calor

tórrido, praias em sete mil quilómetros de costa,

florestas luxuriantes, cidades milenares.

E depois, o choque de saber que se projecta para �050

serem a China e a Índia as economias dominantes.

Que só na Índia as universidades “produzem”,

anualmente, dois milhões de licenciados. Mas onde a

taxa de analfabetismo é a maior do mundo e a sida

um problema gravíssimo.

Muito difícil relatar de forma coerente o estado das

coisas nesta terra, com a economia a crescer 8%

ao ano. Aqui se instalam clusters de tecnologias que

criam desemprego na Europa e nos Estados unidos

nas respectivas áreas. Ao mesmo tempo, esta Europa

que morre demograficamente tem de se alimentar da

emigração qualificada e não qualificada para avançar.

Aqui está um Estado que tendo afinidades históricas

milenares no território que ocupa, se tem actualizado

e fortalecido como Nação nos últimos anos.

A identidade indiana tem sido forjada com uma

coerência maior por efeito da criação, em 1947, da

união Indiana, reunindo sob uma mesma bandeira

um território que nunca esteve integralmente

coberto pelos maiores impérios (como o mogol)

que marcaram o Industão, um território marcado

pela existência de um número incontável de

realidades políticas, etnias, situações diferenciadas de

desenvolvimento.

O efeito da presença militar, administrativa, comercial,

cultural, da Companhia Inglesa das Índias Orientais

e da Coroa britânica teve um papel importante na

afirmação identitária que se tem sedimentado nos

últimos sessenta anos. um pequeno parágrafo nas

histórias que se podem contar dos últimos quatro mil

de um espaço geográfico onde, ao lado de culturas

de subsistência se afirmaram algumas das mais

florescentes da Humanidade.

Sendo pequeno, este parágrafo não é menor, pois

trouxe o modelo de uma democracia parlamentar

para a Índia, fazendo desta, actualmente, a maior

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��

dossiEr Índia grandE dEMais

templos e espaços de oração não orienta, necessariamente, os comportamentos

por regras sábias ou por atitudes de desprendimento. O sistema de organização

social por castas, apesar de manter um papel relevante, pode, com alguma

facilidade, ser ultrapassado por uma bom dote, pela riqueza de um empresário,

pelo lucro provável decorrente de uma certa ligação profissional.

Atente-se agora na relação Portugal-Índia: no mundo globalizado, onde em cada

seis seres humanos um é indiano, percebe-se a premência de melhor conhecer

um país com o qual perdemos contacto. Portugal tem, como todos sabemos,

aspectos mal resolvidos como nação, com o seu período colonial. Os 450 anos

democracia do mundo. Ironia estranha, pois o reino

unido, enquanto esteve, subjugou, explorou, mas ao

sair, deixa um modelo de liberdade.

Apesar das situações passadas de recentes guerras

com vizinhos como a China ou o Paquistão (aqui

com uma ferida aberta ainda), de alguns problemas

secessionistas (Caxemira, Assam, Punjab) a Índia

estabilizou o território e as suas populações (�8

Estados, 18 línguas, mais de 800 dialectos).

usou como cimento para a sua multiplicidade, e

para as suas divergências, as palavras e as atitudes

sábias de Mohandas K. Gandhi. Não se duvidará do

seu papel no caminho para a independência e na

afirmação do novo Estado, nas décadas de trinta e

de quarenta. Mas não se pense que Gandhi, como

outros indianos, hindus, muçulmanos, cristãos, jainas

ou sikhs notáveis de todos os tempos, representam a

maioria da população. Como em qualquer nação, os

seus referenciais unem, por vezes numa aparência

comummente aceite, o que não pode fazer esquecer a

enorme diversidade das manifestações do quotidiano

e dos seus cidadãos.

É assim que se compreende que haja religiosidade

e materialismo, democracia e corrupção, avanço

tecnológico e analfabetismo, turismo de luxo e sida.

A estes binómios, reducionistas, é certo, poderiam

acrescentar-se outras construções, para afirmar a

complexidade deste país/continente.

Os indianos, que continuam a fazer questão de

impressionar os visitantes, são muito pragmáticos.

tive a oportunidade de reparar como se avalia

e categoriza um interlocutor, seja indiano ou

estrangeiro, no início de uma conversa, para situar

o modo como se estabelece a relação de Poder

concreto. É a partir daí que se estabelece a relação

inter-pessoal.

E se se olha para a Índia como espaço de

espiritualidade, não se pode esquecer o outro lado

- o materialismo. A vontade de ascensão das classes

médias, a afirmação ostentatório das classes ricas,

a pouca preocupação destes com os mais pobres.

Esta terra onde se situam mais de dois milhões de

CARTAz dE uM FILME dE bOLLywOOd

de presença na Índia parece que se diluíram, evaporaram do nosso imaginário

colectivo. Em alguns territórios indianos, essa presença continua a ser uma

realidade e hoje, o Governo da Índia já é suficientemente forte para não ter

problemas com a salvaguarda do património histórico português.

Hoje, quantos portugueses há a estudar em universidades indianas? Contam-se

pelos dedos de uma mão, talvez duas? Quantos verdadeiros conhecedores das

realidades desse imenso espaço de oportunidades?

Estive em Goa em Março passado. Lá, o tempo parece correr depressa. As classes

altas e médias (enquanto as classes pobres muito lentamente se libertam dessa

condição) anseiam pelo futuro, entusiasmam-se e correm para esse futuro.

Dizem-me ser assim em Mumbai, em bangalore, em Delhi, em Calcuta, em

Madras.

Notei um entusiasmo, um dinamismo. uma amizade com o Presente que por cá

vai faltando. Vale a pena fazer a ponte. |

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pEtEr nagy | trADuçãO DE Maria corrEia

a prática da arte contemporânea na Índia actual

reflecte a diversidade do próprio país. tão grande

quanto a Europa inteira, o subcontinente indiano

engloba idêntica dimensão de pluralismo cultural.

Desde a ponta norte de Kashmir à província de

Kerala, a sul, a diversidade espelha as diferenças que

podemos, por exemplo, encontrar entre a Lapónia e

a Sicília. As práticas políticas e religiosas, os estilos

no vestuário e na arquitectura, a cozinha, as línguas,

os rostos e a música alteram-se drasticamente de

uma província para outra. A unificação destas massas

heterogéneas com o objectivo de fundi-las numa

nação democrática e secular é uma das maiores

histórias de sucesso do séc. XX.

Após um longo período de desconhecimento e

indiferença por parte da comunidade internacional,

a Índia tornou-se, nos tempos recentes, cada vez mais

visível. É certo que isso se deve, em larga medida,

a factores económicos. Com um mercado da classe

média em rápida expansão no que se refere ao

consumo de bens, uma mão-de-obra inesgotável

e uma aptidão especial para as ciências aplicadas, este

país e este povo estão dispostos a alcançar o poder

regional, a competir agressivamente com a China e a

ganhar o respeito crescente das potências do futuro.

Mas a cultura também desempenha aqui o seu papel.

Os anos 90 testemunharam a aparição de escritores

indianos que se exprimiam em inglês, o que lhes

A Índia: granjeou a distribuição e um vasto reconhecimento

público. Em seguida, veio a obsessão do mundo da

moda. Nas grandes capitais do mundo, as calças

de ganga e as camisolas enfeitadas com brocados

de saris, ou as sacolas de tela indiana semeadas de

lantejoulas tornaram-se objectos banais. A influência

da música chegou com a introdução de guitarras

indianas e alaúdes nas pistas de dança ocidentais

e com a surpreendente adição de instrumentos

de música tradicionais do Punjab no gangsta-rap

americano. também na comida, as especiarias

indianas e as diversas cozinhas regionais foram

redescobertas, adaptadas e contextualizadas. No

que respeita ao ioga, pode argumentar-se que

este se tornou actualmente a forma de exercício

predominante nos Estados unidos.

Os projectores parecem agora incidir sobre as artes

contemporâneas do país. talvez um pouco tarde,

dir-se-ia, mas é como se um domínio globalizado

da arte tivesse antes de digerir uma quantidade de

produtos vindos da China e do Japão, mesmo da

América do Sul e da África, até poder debruçar-se

sobre a Índia. Se tivermos em consideração o cariz

geralmente explorador e enganoso da globalização

nos seus mecanismos económicos e capitalistas,

na indústria cultural esta surge, afortunadamente,

após décadas de diálogo sobre multiculturalismo,

pós-colonialismo e análise marxista. Muitos artistas

Após um longo período de desconhecimento e indiferença por parte da comunidade internacional,

a Índia tornou--se, nos tempos recentes, cada vez mais visível.

EM CASA NO MUNDO

�4ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

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�5

uM ocEano intEiro

h

Peter Nagy é um artista nova-iorquino que vive na Índia desde 1992. Entre 1982 e 1988 foi director da Galeria Nature Morte, na East Village de Nova Iorque. É, desde 1997, director da Nature Morte em Nova Deli. Em colaboração com a Galeria Bose Pacia, de Nova Iorque, desde 2003, a Nature Morte é a primeira galeria da Índia a participar em prestigiadas feiras de arte internacionais, tais como o Armory Show, em

Nova Iorque (2005, 2006 e 2007), a Art Basel, a FIAC, em Paris, e a Art Basel Miami (2006). Em Março de 2007 ambas galerias abriram em conjunto um novo espaço chamado Bose Pacia Kolkata, em Calcutá. Além de dirigir a Nature Morte, Nagy é convidado para comissariar exposições tanto na Índia como no exterior e os seus artigos sobre arte contemporânea estão publicados em muitos jornais e revistas. |

indianos, que se servem do vídeo e da fotografia

ou dos media recentes para abordarem temas

sócio-políticos, assumindo atitudes agressivamente

esquerdistas, expõem hoje as suas obras pelo mundo

inteiro, enquanto na própria Índia o interesse e as

oportunidades ainda lhes escasseiam (isto deve-se ao

facto de o mercado de arte indiano, hiper-activo mas

conservador, continuar fixado na pintura, quase não

existindo apoios institucionais para qualquer tipo de

arte contemporânea).

À medida que a nação indiana vai ganhando

importância na cena internacional, a sua cultura torna-

se cada vez mais relevante para o resto do mundo.

Conforme escreveu, há longos anos, o reconhecido

crítico thomas McEviley na revista Artforum, “A Índia

já era uma nação pós-moderna antes de se tornar

uma nação moderna.” Continuando a debater-se, por

diversas formas, com o “moderno”, a Índia actual surge-

nos como o exemplo par excellence da era pós-moderna,

um modelo para outras nações que queiram resolver

as suas ansiedades e dificuldades internas associadas à

hibridez, complexidade, contradição e diversidade.

Esta diversidade reflecte-se na arte contemporânea

produzida actualmente na Índia. O público encontrará

obras que reportam à mitologia clássica, tradições

populares e tribais, indústrias de informação e alta tecnologia, cultura dos povos,

iconografias religiosas, técnicas de artesanato, desigualdades sociais, diálogo

político e até às histórias da arte moderna ocidental e da filosofia europeia. uma

mistura forte e entrelaçada que provoca a um tempo prazer e consternação e

que confunde inteiramente qualquer leitura simplista daquilo que é a prática

artística contemporânea na Índia actual. Os artistas que começam a alcançar o

reconhecimento internacional parecem ter intuitivamente encontrado para as suas

obras o justo equilíbrio entre o local e o global, uma mistura que se identifica com

o facto de a melhor arte poder ser “globalizada” a partir de qualquer local. É caso

para nos questionarmos sobre quão “indiana” deve ser a arte contemporânea

na Índia. Pode também pôr-se esta questão relativamente aos “chineses”, aos

“africanos” ou até aos “americanos”. No estágio presente da arte contemporânea,

quantas referências à cultura tradicional queremos ver nela incluídas? Quantos

elementos de expressão popular, tradicional ou nacional são desejados ou descritos

como naïf pela audiência internacional? Francesco Clemente é considerado como

“visionário” ao inspirar-se na Índia; porém, os artistas indianos são vistos como

“à deriva” quando se reportam à Arte Povera. Até que ponto somos receptivos às

espirais de influência que impelem a cultura contemporânea à volta do mundo e de

que forma temos consciência dos nossos preconceitos relativamente à direcção que

essas influências devem seguir? |

FOTOgRAFIA: MARIA JOÃO LIMA

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artE contEMporÂnEa da Índia ESPAçOS DE vAIvéMA arte contemporânea da Índia tem sofrido muitas vezes um tratamento procustiano, com

os críticos a tentarem confiná-la à retórica de uma cultura nacional ou a uma construção

limitativa como a de identidade.

nancy adajania | trADuçãO DE Maria corrEia

�6ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

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A arte contemporânea da Índia tem sofrido muitas

vezes um tratamento procustiano, com os críticos

a tentarem confiná-la à retórica de uma cultura

nacional ou a uma construção limitativa como a de

identidade. Neste artigo abordarei a questão através

dos processos e actividades diversas através dos quais

os artistas contemporâneos indianos têm produzido

a sua arte, muitas vezes em condições difíceis ou até

críticas. Falarei, assim, sobre o vaivém alternativo

entre a fotografia e o filme; sobre o aproveitamento

de arquivos no intervalo entre o documentário e

a ficção e o espaço entre o registo e a realização;

sobre o futuro da representação entre morphing e

realismo; sobre o cruzamento entre as economias

de fazer e receber e a difícil recuperação do sagrado

como um dos conceitos legítimos e mais ignorados

do ser contemporâneo, muitas vezes desafiando uma

religiosidade mesquinha e politizada.

Os artistas indianos têm trabalhado nestes espaços de

vaivém: zonas intermédias entre os estilos, os media,

as audiências e as diversas economias de produção.

O seu trabalho apoia-se numa busca renovada de

autonomia num período da história caracterizado pela

força crescente das restrições e pelo controlo, ainda

que assaz imperceptível, das escolhas e movimentos

individuais; restrições de acesso e passagem; vigilância

e militarização; e também constrições políticas

frequentemente violentas, baseadas na religião, nas

origens étnicas e na identidade regional.

Muitos destes artistas procuram situar-se, e situar

�7

a sua obra, em espaços alternativos que não sejam

estatais ou privados, nem galeria nem partido político.

Coloca-se, muitas vezes, a seguinte questão: como

prosseguir uma política que não esteja comprometida

com o político? Como realizar produções culturais

que não sejam neutralizadas pelo mercado artístico?

Assim surgiram novas espécies de convergências

de interesses e alianças de vontades: entre o

activista ambiental e o documentarista, o fotógrafo

e o arquivista, o técnico de animação e o contador

de histórias. Muitos deles estão empenhados em

democratizar os recursos da época actual, os mesmos

recursos que os controladores querem utilizar para

exercer o seu domínio: as comunicações e tecnologias

de imagem, redes digitais, códigos de acesso e por aí

fora.

As fronteiras e os arquivos têm sido uma fonte

metafórica para o colectivo raqs Media Collective

(Monica Narula, Jeebesh bagchi and Shuddhabrata

Sengupta) e também para Shilpa Gupta. O mito

foi utilizado por artistas como Jitish Kallat, reena

Saini Kallat, Anant Joshi and Justin Ponmany, não

apenas como combustível fóssil da imaginação, mas

também como uma história inacabada para o ser, a

qual pode assumir as formas de um conto de fadas

contemporâneo, folclore urbano, animação alternativa

e auto-dramatização.

Estes projectos artísticos transformam a produção

estética em expressão política; eles desafiam o

poder a diversos níveis; expõem à vista geral os

à esquerDa | RaQS meDia cOllecTive | InSTALAçÃO “ThE Kd VyAS CORRESpOndEnCE: VOL. 1·, 2006 | 18 ECRÃS, 9 pAISAgEnS SOnORAS,

ARquITECTuRA METáLICA, ThEROMOCOL CASIng | FOTOgRAFIA: nORbERT ThIguLETy | eM CiMa | dETALhE dA InSTALAçÃO.

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narrativas, não é de admirar que o colectivo raqs

se tenha voltado para as narrativas épicas da Índia

antiga. Estas, em particular o Mahabharata, são

divulgadas por uma interacção constante entre as

versões originais do sânscrito, literariamente cultas,

e muitas outras versões subalternas e regionais,

improvisadas em espectáculos e em narrativas orais.

É a partir deste relacionamento que surge The K D

Vyas Correspondence: Vol. 1, no qual o grupo traduz a

estrutura hipertextual da narrativa épica sob forma de

correspondência. O público é acolhido por uma árvore

de mensagens, tanto visuais como auditivas;

e passamos com ele da “Carta descoberta num

arquivo morto”, para a “Carta do tempo amargo da

paz”, até chegarmos à “Carta incriminatória do leitor”.

Vacilando entre o surreal e o sombrio, o mágico e o

messiânico, esta é uma das obras mais conseguidas

dos raqs, cheia de ressonância, melancolia e de uma

poética metafísica da duração.

Para vários destes artistas, o tema da catástrofe

é recorrente. reena Saini Kallat desenvolve, no

seu trabalho, a ligação entre o medo do desastre

(“má estrela”, literalmente, em grego) e a magia

apotropaica. As suas pinturas e esculturas-

instalação retratam o corpo humano e o corpo

político, por extensão, colocado em estado de sítio

permanente, destroçado por demónios míticos e

vírus desconhecidos que o atacam por todos os lados.

As acções desta artista revelam uma necessidade

obsessiva de consagrar lugares contestados, de afastar

as forças de conflito e o caos. Exterioriza os seus

medos e ansiedades acerca da condição humana,

na expectativa de poder contê-los e neutralizá-los

através da criação de objectos talismânicos.

mecanismos secretos da coerção, do conformismo e

da manipulação. O conceito de autoria foi igualmente

transformado por artistas como os do colectivo raqs

ou Shilpa Gupta, aqui representados.

A natureza da obra leva-os a desenvolver situações

de colaboração com outros artistas e com especialistas

de outras disciplinas. Avançaram, assim, para uma

compreensão alargada do conceito de autor, em que

o processo de produção é distribuído por múltiplos

colaboradores ou emerge dos diálogos estabelecidos

na troca dos processos de construção. Desta forma,

os artistas vão “re-mundanizar-se”, penetrando em

espaços que talvez não tivessem ainda explorado,

usando ligações semelhantes a hipertextos para

passarem de um plano a outro, fabricando para si

novas vivências e novos contextos operacionais.

Assistimos, portanto, à emergência de práticas

comunitárias que se baseiam na partilha de interesses

livres e democráticos; por exemplo, a livre partilha de

software entre o colectivo raqs e o Sarai Media Lab,

que produziu a OPuS (Open Platform for unlimited

Signification), e cujos utilizadores podem descarregar

conteúdos de media, como textos, imagens, vídeo e

áudio, modificá-los e devolvê-los. Este projecto inspira-

se no princípio da revisão: a alteração do código-

fonte de que resultará um conjunto de novas versões,

nenhuma delas singular ou categórica e todas elas

estimulantes a diferentes níveis.

O colectivo raqs exibe as suas intervenções no

universo digital, assim como no disputado espaço

público da Índia metropolitana que se caracteriza

pelo rápido consumismo. Com a sua abertura

aos conceitos de autoria múltipla, de partilha dos

direitos de propriedade e de proliferação de versões

O colectivo Raqs exibe as suas intervenções no universo digital,

assim como no disputado espaço público da Índia metropolitana

que se caracteriza pelo rápido consumismo

�8

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Shilpa GUpTa | “SEM TíTuLO”, 2006 | pROJECçÃO VídEO InTERACTIVA (1).

reena Saini Kallat e Shilpa Gupta demonstram,

de formas distintas, empenho em envolverem-

se numa observação do sagrado num contexto

contemporâneo. Ambos trabalham nos extremos

entre a religiosidade politizada e a secularização

agressiva. Nas suas mais recentes instalações

interactivas, Gupta trabalha com um jogo de

sombras e realidades que é a um tempo espectral

e estranhamente corpóreo. Neste jogo cintilante de

fantasmas, o público é forçado a participar, pois as

suas sombras, captadas ao vivo por uma câmara

posicionada no local, interagem com as figuras

sombrias projectadas em vídeo. Poder-se-ia considerar

esta insistência na interactividade como o pretexto

para uma descarada vigilância por parte do artista,

forçando o público a uma colaboração intensa?

reduzidos às próprias sombras, os participantes

seguem o artista até à realização dos seus mais

profundos e básicos instintos. Gupta explora as

sensações do público nessa situação: “Eu faço parte

da sombra! Mas ninguém me pediu licença, teria

nascido para ela? teria nascido para este país, esta

sociedade, esta religião?... Mas posso sair dela...”

Gupta trata a noção de pertença a uma religião ou país

como uma fé que pode ser transcendida, não como

algo em que se está forçosamente encerrado.

Anant Joshi está igualmente fascinado pela

recuperação da sombra no simbolismo

contemporâneo. Nas suas instalações multimédia,

coloca brinquedos em cima de mesas ou em dioramas

e simulações de montras de lojas. Projecta, em

seguida, as sombras dos objectos nas paredes como

presenças nefastas: um meditativo horizonte urbano

ou um exército de demónios surgem das sombras.

Ou então seguimos com os olhos um rápido

tremeluzir de luzes através de uma cortina de lâminas,

para encontrarmos brinquedos rodando penosamente

no espeto do fogão de uma bruxa sádica. Joshi

conduz-nos através de um inferno de animações

ferozes, máquinas infernais, brinquedos possuídos

por espíritos diabólicos, rabiscos maníacos: estamos

no conto de Hansel e Gretel, ou recebemos um

vislumbre do sindroma da baía de Guantanamo? O

dossiEr Índia artE contEMporÂnEa na Índia: Espaços dE vaivéM

elemento lúdico na obra de Joshi associa-se ao teatro em três aspectos diferentes:

primeiro, ao teatro tradicional de sombras de fantoches, segundo, à lanterna

mágica e ao zoetrope (mecanismo que dá a impressão de figuras em movimento) e,

terceiro, à economia mundial de hoje, em que os brinquedos chineses se vendem

a baixo preço nas ruas de bombaim. Joshi alude também à histeria consumista

que conquistou a Índia urbana, dando ênfase ao lixo das mercadorias do usa-e-

deita-fora e à celebração destrutiva de um excedente ilusório que origina a um

sentimento superficial de abundância.

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Nancy Adajania É ensaísta, crítica de arte e curadora independente. Os seus ensaios sobre novos media foram publicados em edições da Documenta 11, do zentrum für Kunst und Medientechnologie (zKM) e de revistas como springerin, Metamute, art 21, art asia Pacific, e Documenta 12 Magazine. Vive e trabalha em Bombaim. |

Shilpa GUpTa | “SEM TíTuLO”, 2006 | pROJECçÃO VídEO InTERACTIVA (2).

Justin Ponmany e Jitish Kallat partilham entre si uma consciência estruturada,

no princípio dos renovados anos 90, pela televisão por cabo e pelo ciberespaço.

Ponmany começou a usar superfícies hologramáticas para mostrar paisagens

urbanas e elementos de heráldica contemporânea que podiam ser vistos em

diversas resoluções, conforme iam surgindo ao olhar a partir da superfície

preparada. Nas obras mais recentes, rebenta com o próprio conceito de panorama

fotográfico ao produzir close-ups panorâmicos de 360 graus que retratam a camada

subalterna da população indiana em grandes dimensões. Ponmany representa na

sua obra o absurdo de cartografar e vigiar quando abre a cabeça de um homem

como um globo achatado, um mapa esticado e vulnerável de pele e cabelo,

parodiando as fotografias por satélite do Google Earth, penetrantemente invasivas,

ou as repressivas investigações forenses do Identikit.

Kallat traduziu as suas superfícies pictóricas para ecrãs de computador simulados,

servindo-se de noções de distorção digital e transmissão espectral. Anteriormente,

estruturava as obras de fontes tão diversas como uma fotografia de jornal ou

um menu de conteúdos digitais, e os seus protagonistas eram muitas vezes

figuras fugitivas, vítimas de migrações forçadas, de desígnios mal concebidos

e de remedeios drásticos. Enquanto se celebrava a liberalização económica,

Kallat insistia em retratar os prisioneiros desse mesmo progresso, os habitantes

de moradas não fixas, a população flutuante da Índia urbana. No presente, as

figuras de Kallat têm-se tornado mais caricaturais, aparentemente baseadas

em exemplares manga; enquanto o ser humano se transformou numa “carroça

amolgada”, a paisagem transformou-se numa massa

fluida e gelatinosa ou numa emanação que se

dissolve. Na abstracção manga de Kallat, o mundo

parece ter ultrapassado o prazo de validade e ter

entrado em colapso através da catástrofe ecológica e

do caos da não-pertença.

Como se depreende do que ficou acima exposto,

todos estes artistas estão simultaneamente

concentrados no domínio regional e no transnacional:

querem destacar-se dos seus congéneres de outros

países e com situações similares; querem contar as

suas próprias histórias e projectar as suas imagens,

estando contudo atentos aos temas que preocupam

os artistas estrangeiros. Esta atitude fá-los avançar

um grande passo em relação ao sindroma de

desconfiança/agressividade das gerações passadas

e faz-nos antever um futuro no qual os artistas

indianos irão conquistar o seu lugar no mundo. |

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Baiju

31

Baiju Parthan (nascido em 1956) é um dos mais importantes artistas indianos da actualidade, tanto na pintura como nas artes “intermedia”. Para além de tecer através da pintura um universo íntimo e misterioso, também combina os interesses pictóricos com explorações no ciberespaço, de que resulta um conjunto de instalações provocatórias e de textura intensa. A sua obra alcançou projecção internacional, tendo sido exposta em diversos espaços culturais, entre outros, o Kunsthalle Wien, Viena; a Culturgest, Lisboa; o ‘New Moves’ Live Art Festival, Glasgow; e a Japan Foundation, Tóquio.

ranjit HoskotE CONVErSA COM

BaijU paRThan, 2007 |

“SEquEnCE - “A” & “b”” |

TInTA SOLÚVEL EM áCIdO InOXIdáVEL |

218 X 112 CM

ranjit HoskotE | trADuçãO DE Maria corrEia

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

Parthan

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ranjit Hoskote: Você nada através das correntes da sociedade de informação como

um míssil teleguiado. Acha esta imagem demasiado cortante e ambiciosa para definir a

sua actividade, ou vê-se a maior parte das vezes no modo de piloto automático em que

as sugestões se vão filtrando gradualmente?

Baiju parthan: um míssil teleguiado! Parece-me uma imagem demasiado intencional!

Vejo-me mais como um motor de busca (ou ser rastejante) de olhos bem abertos a

procurar e a organizar informação. Da mesma forma que um motor de busca, também

eu pesquiso dentro da informação padrões que tenham alguma espécie de potencial

profético. Examinando padrões no fluxo de informação pode dizer-se: “Ok, o mundo/a

humanidade está a mover-se para esta ou aquela situação”. O que eu observo agora é

um colapso ontológico e uma alarmante erosão dos significados.

rH: Exprime-se como um profeta da desgraça. Como o Hari Selden da série Foundation

do Asimov, para não ir mais fundo ainda na tradição apocalíptica...

Bp: O Hari Selden da Foundation! Isso é realmente lisonjeiro. Gostaria imenso de ser

um profeta psico-historiador que tenta salvar a humanidade da extinção. Infelizmente

não sou. Mas creio firmemente que os artistas e os poetas possuem uma certa visão

privilegiada, visto que estão sempre a tentar ver para além da realidade aparente. Por

vezes esta visão ampliada produz os seus frutos, ainda que possam ser amargos.

rH: A auto-representação é um traço recorrente no seu trabalho - diria até que para

uma personalidade aparentemente hesitante e que persiste em se apagar, você

produziu uma série inspirada de auto-retratos - e refiro-me aqui ao robô-de-olhos

fechados, ao Cristo-além-de-Dürer, ao tigre-dançarino ginasta e à figura flexível de

Hanuman de mãos-atrás-das-costas. É como se você

se imaginasse “fora das situações”, como já disse

anteriormente no meu trabalho, Passando através de

Espelhos? Reflexões sobre o Tráfico Espiritual entre a

Índia e a Europa, acerca de outros eus em trânsito entre

culturas, épocas e estilos!

Bp: Embora eu não procure conscientemente auto-

imagens, estas às vezes insinuam-se. O robô-de-olhos-

fechados, por exemplo, é definitivamente a expulsão

do eu. E como você disse, suponho que as outras são

também eus que se encontram em trânsito.

rH: Na inscrição das colunas que acompanhavam a

sua projecção em Um Diário do Robô Interior ou DRI

(na instalação “intermedia” que você produziu para a

exposição “Clicking into Place”, comissariada por mim

em bombaim, em �00�) e em A Fool’s Journey (em

�005) você vira as costas ao mundo, e aos observadores,

e apresenta em seu lugar uma lista, que é também

um biombo ou um véu, que consiste em nomes de

filósofos, gente do espectáculo e artistas que foram

muito importantes para si. Isso é uma espécie de auto-

definição através dos outros? uma válvula de escape ou

BaijU paRThan, 2000-2003 | “COdE - FuTuRz MAChInE” | InSTALAçÃO dIgITAL InTERACTIVA | hTML, I-ChIng dATA bASE

BaijU paRThan, 2001-2003 | “dIARy OF ThE InnER CybORg” | InSTALAçÃO dE VídEO dIgITAL InTERACTIVA | pAInÉIS ILuMInAdOS pOR TRáS, pROJECTOR LCd.

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uma afirmação da multiplicidade de eus que representa?

Bp: Nesse trabalho quis dizer que sou uma série de

retalhos de influências e ideias obtidas através de

múltiplos ângulos da actividade humana. Estava a

tentar contrapor esse eu-robô-substituto com o eu

da série de retalhos. Queria exprimir que a nossa

preciosa auto-imagem é na realidade uma ficção que

está ao mesmo tempo a ser escrita e apagada.

rH: Interessa-me a personagem barbeada, de olhos

fechados, de pele azul do Robô Interior que foi

exposta, ainda antes do DRI, no Objecto de Desejo

(�001) e que também aparece noutros lados. Como foi

que chegou a essa personagem?

Bp: Na verdade, a primeira versão do “robô interior”

foi terminada no ano �000. Modelei a figura do robô

a partir da figura humana genérica masculina num

software gráfico de 3D. Achei bastante apropriado

modelar a personagem virtual do DrI com base numa

figura humana gerada no computador. Este retrato

azul, de olhos virados para uma visão interior, de

uma entidade inexistente, transpira uma inocência

primordial e uma pureza que me atraíram. E tornou-se

um ícone que já copiei em diversos trabalhos.

rH: baiju, sente que é um robô? Sei, por experiência

própria, que um colapso do disco rígido é uma

experiência de quase-morte. Sentimos que perdemos

uma parte de nós, que ficamos nós próprios em risco de

extinção. E a sua experiência no âmbito das realidades

cibernéticas e digitais é muito mais intensa e vivenciada

do que a nossa.

Bp: Se eu sou um robô? De certas maneiras

suponho que sim, porque mantenho uma relação

quase simbiótica com os meus computadores.

Principalmente porque eles são uma extensão do

próprio ser e são invisíveis, são para nós coisas

garantidas e invisíveis como a electricidade. É o

caso da ferramenta inventada que reformula a nossa

percepção do mundo. tal como a invenção da roda

reformulou a noção de distância e de mobilidade. |

BaijU paRThan, 2004 | “A FOOL’S JOuRnEy” | TInTA SObRE ALuMínIO | 193 X 76 X 5 CM

Ranjit Hoskote É poeta, crítico de arte, ensaísta e curador independente. Foi colaborador do the times of india e publicou inúmeros ensaios sobre artistas indianos. Vive e trabalha em Bombaim. |

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Pinturascantadas

alEXandrE olivEira | clÁudia pErEira

35ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

EXPOSIçãO MUSEU NACIONAL DE ETNOLOGIA

ARTE E PERfORMANCE DAS MULHERES DE NAYA

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36

Muito antes de os baladistas e os contadores de lendas medievais percorrerem os

trilhos da Europa, já havia ao sul dos Himalaias quem se dedicasse não só a cantar

como a mostrar as lendas e histórias do seu povo. Ao longo dos últimos �000 anos,

os patua (pintores de narrativas) foram pintando e cantando as histórias dos livros

sagrados hindus mesmo depois de, por volta do séc. XVII, se terem convertido ao

Islão. A troco de alimentos e abrigo, estes artistas percorriam as aldeias de bengala

Ocidental relatando amores e paixões de deuses e demónios, pregando valores

hindus e muçulmanos e apelando à tolerância religiosa, para o que recorriam a

canções e a longos rolos de papel ilustrados com cores vivas para acompanhar a

canção. Este meio audiovisual milenar subsiste ainda adaptando-se às mudanças

sociais que vão surgindo até nas mais recônditas aldeias da Índia, como na aldeia

de Naya, a três horas de Calcutá, onde um grupo de mulheres de casta patua se

associou para melhor vender e dar a conhecer o seu trabalho.

A exposição do Museu Nacional de Etnologia, “Pinturas Cantadas - Arte e

performance das mulheres de Naya” é consequência de um trabalho de mais de

cinco anos levado a cabo pelo casal de investigadores Lina Fruzzetti e Ákos Östör,

que quiseram passar para filme as vidas destas mulheres. Foi durante a exibição

de Singing Pictures em Lisboa que surgiu o interesse por parte de Joaquim Pais

de brito do Museu Nacional de Etnologia e rosa Maria Perez do Departamento

de Antropologia do ISCtE em transpor este filme e os desenhos para a sala de

exposições. Há então na exposição uma preocupação em apresentar não só os

desenhos como as artistas, as mulheres de Naya, contando as histórias das suas

vidas e a sua relação com a arte que abraçaram. Para tal são expostos painéis com

os testemunhos das autoras, o filme e uma selecção de 58 rolos ilustrados. também

o sítio na Internet, criado por Ákos Östör na Wesleyan university do Connecticut,

complementa a exposição, contextualiza o trabalho de campo e convida-nos a

viajar em maior profundidade na vida social e ritual das mulheres de Naya: http://

learningobjects.wesleyan.edu/naya

Entrar na exposição é sentir a harmonia cultural que o filme dos antropólogos

também revela. A própria disposição original da exposição provoca a mesma

sensação. Predominam as narrativas religiosas hindus e muçulmanas: sucedem-se

os relatos das seduções de Krishna e o rapto da princesa Sita, contos do milenar

livro hindu Ramayana, e conta-se ainda a história de Shoto Pir, homem santo

muçulmano mas também venerado pelos hindus pois a todos ajudava em troca

de respeito, caso contrário a pessoa seria devorada simultaneamente por tigres e

crocodilo, tal como sugerem alguns desenhos.3. Rani chiTRakaR | ”dISCRIMInAçÃO dAS MuLhERES“ pORMEnOR | 274 X 56 CM

2. haZRa chiTRakaR | “ChAndI MAngAL” | pORMEnOR | 408 X 56 CM

1. mayna chiTRakaR | “MAnASA MAngAL” | pORMEnOR | 339 X 56 CM

A interessante exposição

“Pinturas Cantadas” mostra-

-nos a arte, a cultura, a história

e a vida social de um grupo

de mulheres da aldeia de Naya,

no estado de Bengala,

a três horas de Calcutá.

No Museu de Etnologia,

aqui tão perto, até ao final

do ano.

1. 2.

PáGiNa aNterior | VISTA gERAL dA EXpOSIçÃO

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Paralelamente à tradição oral, onde predominam as narrativas religiosas hindus

e muçulmanas, juntam-se inesperadas temáticas contemporâneas que apelam

à consciência social: a violência doméstica, particularmente o assassínio de

mulheres (para os maridos poderem casar novamente e receberem outro dote

no casamento); o controlo da natalidade; o infanticídio feminino; a sida. É a

passagem dos patuas para o século XXI, agora solicitados pelos serviços sociais e

por ONG para campanhas de informação e aconselhamento nas aldeias. Outros

temas contemporâneos surgem também pintados: o 11 de Setembro e o tsunami

no Oceano Índico são transformados em metáforas visuais por vezes mais cruas

que as imagens vistas e revistas nos nossos televisores. Os conflitos entre hindus

e muçulmanos são reprovados com apelos à fraternidade universal espelhada na

fraternidade das mulheres de Naya, hindus e muçulmanas: “Os shantal dizem

Marang Gurang; os cristãos usam o nome Deus; os muçulmanos dizem Allah,

enquanto os hindus utilizam o nome bhagaban. Nós somos a raça humana,

filhos da mesma mãe”. Na verdade, se ao nível político nacional existem conflitos

religiosos entre hindus e muçulmanos, estas pinturas são o exemplo de como as

religiões dialogam ao nível local da aldeia, quando mulheres hindus e muçulmanas

pintam tanto temas muçulmanos como hindus. Desta forma, é possível

observarmos como a tradição é recriada na contemporaneidade para novos fins

sociais.

Quando olhamos para uma destas pinturas no museu, a nossa imaginação

dificilmente consegue alcançar os locais por onde as suas pintoras cantaram

as histórias: o que os habitantes de várias aldeias aprenderam ao ouvi-las; o

deleite que as pintoras sentiram na sua elaboração; os laços que criaram entre as

mulheres;

a forma como as pinturas lhes permitiram uma melhor condição económica, bem

como a possibilidade de se sentirem melhor consigo próprias. Na verdade, é este

um dos poderes da arte visual: o de transformação da própria forma de representar

e de sentir a Arte. Aos olhos de um ocidental é, sem dúvida, curioso notar, por

exemplo, a forma como os americanos são representados no 11 de Setembro: com

características orientais. Ou seja, um dos muitos modos de olhar o mundo.

Sem terem tido a oportunidade de frequentar a escola e até de se deslocar para

além da própria aldeia, é surpreendente o grau de detalhe do trabalho das pintoras,

que nos permite intuir a mensagem principal sem sabermos a história concreta

que se encontra por detrás de cada peça. As pinturas são sedutoras não só pela

sequência que contam, mas também pelos desenhos isolados, havendo linguagens

diferentes de expressão, consoante as pintoras. O processo de pintura revela-se

bastante artesanal, desde os pincéis que são feitos a partir do pêlo de esquilo e de

cabra, até às tintas de materiais orgânicos como grãos de arroz queimados para o

preto, açafrão para o amarelo e folhas de diferentes

plantas para as outras cores.

As mulheres hindus e muçulmanas, normalmente

confinadas ao espaço da casa e da aldeia,

dependentes economicamente do marido, transpõem

assim o espaço da sua aldeia, abarcando novos

universos e dando a conhecer outras concepções

do mundo. As próprias tradições familiares foram

transformadas, passando a ser, em alguns casos, a

mulher a garantir a subsistência económica. Cantar

e vender as pinturas deu-lhes a oportunidade de

obterem mais comida para casa e de os filhos

poderem andar na escola.

Visitar esta exposição convida-nos também a

reflectir sobre o conceito de arte visual, enquanto

estética e comunicação, simultaneamente. As

“pinturas cantadas” são criadas, por um lado, com

o intuito de serem esteticamente agradáveis, sem

terem de ser pragmaticamente funcionais, embora

também o possam ser (como nas situações em que

divulgam mensagens sociais, a pedido de ONG);

e, por outro, tentam comunicar, potenciando a

percepção do visitante sobre o mundo, através das

imagens, levando à percepção intuitiva do que é

semelhante no que é, a um primeiro olhar, diferente.

Por outras palavras, são pinturas que apresentam

um estilo e um processo que não são familiares,

abordando temas com os quais todos nos podemos

identificar; no fundo, tentando criar harmonia em

universos de tensão. São um objecto de arte tanto

no espaço local, das aldeias indianas, como no de

outras culturas exteriores, proporcionando uma

fonte de rendimento, o que parece determinar a

forma de uma pintura ser bem sucedida. É também

a contemplação de um objecto tido como exótico

(literalmente, vindo “de fora”) para um ocidental,

o que nos proporciona o contacto com o Outro,

através das emoções que nos provoca através das

suas imagens. |

3.

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Dos velhos contosàs novas estórias

luÍs sErpa

GOMuKA’S ESCAPADE:

«In the country of the Vatsas, on the river Kalindi, lies the city

of Kausambi, which is the heart of the world. There reigned King Udayana.

If one tried to enumerate, however briefly, the virtues

of this land, this city, and this king, the story would never begin.

If a traveller sets out on a journey to the seven oceans and continents of this world

and begins his voyage by counting the jewels of Mount Meru,

when will he ever have time to see the world?».1

“O [rio] Ganges passa também pela rua dos Douradores” [F. Pessoa]�

38ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

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suas perspectivas orientais no mundo medieval e na

renascença.

Nacque al mondo un sole

Como fa questo talvolta di Gange

DANtE, Paradis, XV/51.

Esses testemunhos estimularam a imaginação e

as cartografias pessoais baseadas nas experiências

dos passeantes puderam ser elaboradas a partir de

diversos itinerários que concorreram para maravilhar

os mais eruditos escritores e poetas europeus

(Petrarca_De Dita Solitaria).

Ligadas ao ciclo do Sol, as águas escaldantes do

Ganges chegaram-nos carregadas de simbologia.

As narrativas extraídas do livro religioso Rig-Veda

provam-nos como, dos hinos às lendas, das tradições

orais históricas aos comentários práticos bramânicos,

dos monólogos aos argumentos com militares e

heróis, demónios e crimes, melodramas e sátiras,

“a literatura indiana é uma galeria onde figuram todas

as escolas e tendências”. transcende as audiências

aglutinadas pelos ancestrais crentes e pelas práticas

de transmissão de valores baseadas na embriaguês

do misticismo, nos dóceis e resignados cânticos,

leituras ou representações dramáticas. Desde as

velhas epopeias sânscritas, os templos também

albergam reuniões políticas, filosóficas e didácticas e

relatam a história das aventuras fantásticas passadas

[1.] os velhos contos de mercadores, artistas e

escritores não se têm cansado de transmitir descrições

de viagens maravilhosas através de “um discurso

histórico, descritivo, oratório, dramático, poético,

litúrgico ou epistolar (...). Predomina, todavia, o

carácter narrativo e a faceta autobiográfica, o que

confere à obra um tom de verosimilhança (...) ora com

elementos verídicos ora imaginários” (A. J. Saraiva).

As descrições dos viajantes e a literatura em que

a viagem se confronta com regiões e populações

distintas da origem do narrador “permite relatos mais

ou menos objectivos, mas também serve de pretexto

para reflexões sobre variados aspectos, numa escrita

de características artísticas ou ensaísticas”3.

Da Verdadeira Informação das Terras do Preste João

das Índias, do padre Francisco Álvares (1540), ao

Itinerário em Que Se Contém como da Índia Veio

por Terra a Portugal, de António tenreiro (1560)

e à Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1614)

revelaram-se os misteriosos príncipes e impérios

que intrigaram a imaginação europeia. O contexto

geopolítico, económico e social revelou-se através de

fontes pertencentes às potências comerciais graças

à exploração da “novas terras” (Paesi Nuovamente

Ritrovati) 4 em que as descrições da Índia aparecem já

como fazendo parte do património cultural da Europa.

Cruzados, missionários e “viageiros” deram-nos as

GRaça peReiRa cOUTinhO | ”índIA”, 2004 | dípTICO | FOTOgRAFIA

PáGiNa aNterior | GRaça peReiRa cOUTinhO | ”CRIAnçAS dE bEnARES”, 2004 | FOTOgRAFIA

40

dossiEr Índia dos vElHos contos Às novas Estórias

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com sacerdotes que sobem ao sétimo céu a consultar

a sabedoria dos deuses que nem sempre podem

elucidar as perguntas transcendentes dos sadhus (holy

men | homens santos).

Os percursos percorridos pelos sarmayasins

(renouncers | os que renunciam) foram

metodicamente elaborados e incansavelmente

planeados, tal como as tradicionais “jornadas de

fé” medievais europeias. Esta atitude compulsiva

da procura do sublime, construída sob o impulso

“religioso”, constitui-se como um fundamental desejo

humano de alcançar e coleccionar experiências de

modo a mobilizar energias adormecidas e, assim,

contribuir para a conquista dos espaços-de-esperança

próprios da atitude do peregrino. tal como em Sto.

Agostinho (De ciuitate Dei 15.1), as pessoas são

divididas entre aquelas que vivem sob o modelo

humano e as que se pautam pelo modelo de Deus ou,

alegoricamente, entre a babilónia e Jerusalém,

às quais podemos acrescentar Gomorra e Sodoma.

A dicotomia (entre o mal e o bem), encontra-se

também referenciada nos preceitos que regem a

apropriação do(s) acto(s) purificador(es), tal como

na confrontação entre Abel e Caim onde viveram,

um com Deus, outro com o Diabo5. A procura do

conhecimento de nós próprios conduz-nos ao ponto

que sustém a vida (ou a sua impossibilidade) e a

cada passo percorremos o caminho para a meta

(inalcançável?). Se a encontrarmos, deparamo-nos

com o ponto absoluto (M. Zambrano).6 “We Indians

use outer reality to preserve the continuity of the

self” (Nós, os indianos, usamos a realidade exterior

para preservarmos a continuidade do eu). Mas na

metafísica hindu, as coisas são substanciais (dáthu),

embora algumas sejam subtis (sukshma) e outras

grosseiras (sthula). O Absoluto não tem atributos.

O “real” é uma construção teórica, deve sobreviver ao

efémero transcendendo o transitório. Se a metáfora da

cidade nos Contos da Velha Índia é expressa por tudo

o que é irreal, não-existente, ela representa também

o mal, pois os “demónios são os arqui-inimigos dos

deuses. (...) e o céu torna-se uma cidade real - a

materialização, na terra, da cidade sagrada”. todas as

cidades são construções ilusórias, simultaneamente

sagradas e profanas mas, (...) “por definição, uma

cidade não pode ser boa, e não pode durar; se parecer

boa, terá de ser corrompida; se parecer imortal, terá

de ser destruída” (W. D. O’Flaherty).

O nómada e o peregrino ocidental confrontam-se,

por um lado, com o “cosmopolita rural Mahatma

Gandhi” e, por outro, com “o cosmopolita urbano

Jawaharlal Nerhu”. A diferença entre o nómada e o

peregrino reside no facto de que ao primeiro não é

concedido o direito de cidadania e, por conseguinte,

GRaça SaRSfielD | dA SÉRIE ”RAhASyA”, 2001 | TRípTICO | FOTOgRAFIA | 70 X 53 CM

dossiEr Índia dos vElHos contos Às novas Estórias

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Page 30: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

não lhe é permitido evocar o estatuto de território por

ele percorrido ou habitado; ao contrário, o segundo

“pratica” a paisagem e reconhece o local de partida

e chegada, razão por que pode habitar os lugares

e reconhecer-se neles. Esta aptidão para utilizar o

espaço e o tempo permite-lhe cartografar as zonas

em que se pode inserir e manter o estatuto que viaja

com ele. A noção de espacialidade que confere aos

locais de referência facilita a sua hierarquização,

podendo harmonizá-los de modo a constituírem-

se como referências na cartografia que elabora a

partir dos itinerários que percorre. Hierarquizado o

espaço social, a cidade surge como zona espacial de

eleição para se confrontar com aquilo que a define: a

multidão. Esta confronta-se com o solitário passeante

e assegura a criação de uma geografia urbana baseada

no cosmopolitismo em justaposição com o errático

“cidadão do mundo”.

Contudo, a cidade organizada em redor da

estratificação socio-económica continua, tal como

referencia o mundano balzac (La Recherhe de l’Asbolu),

a ser o local unitário “do arquétipo geopolítico do

cosmopolitismo”7 (V. Dharwadker) e a ocupar o eixo

das dúvidas que se colocam face ao redundante

processo da globalização. “Will cosmopolitanism

survive globalization’s omnivorous compression of

cultural space-time and erasure of differences?”8

(V. Dharwadker).

“O sistema de identidade oscila, assim, entre a

noção de território (ou a perda dela) e a consciência

do habitante (ou a falta dela). A tensão entre ambos

reflecte a estratégia cultural contemporânea, embora

a confrontação das diferenças e as contradições no

discurso estético oscile, também, entre contemplação e

simples documentação”9 (L. Serpa).

[2.] as novas Estórias constituem-se como narrativas

fragmentadas retiradas de mitos e experiências

dos recém-chegados das distantes terras. Permitem

elaborar genealogias culturais baseadas na

transmissão operada pelas novas comunidades de

viajantes que representam identidades herdadas

mas que questionam os estereótipos dos tradicionais

contos.

O conceito de “herança” surge da prática multicultural

que solidificou as relações entre essas comunidades

e nas quais a questão de identidade provoca agora

uma produtiva discussão sobre a nação e a sua

hierarquizada construção. Este desempenho das

novas classes (i)emigrantes, internacionalmente

aclamadas como o modelo do pós-colonialismo,

sintetizam a interacção entre diversas culturas que

não mais podem disputar a liderança da sua imperial

inter-relação mas que consolidam uma constelar

organização na qual não predomina nenhuma

ascendência civilizacional mas uma solidariedade

baseada numa responsabilidade individual dos

novos operadores sociais. transformada a secular

classificação hierárquica, esta democratiza-se numa

categorização cujo acesso passa a ser assegurado pela

maRia jOSé palla | ”pAREdES dE pAnJIM, VELhA gOA”, 1996 | FOTOgRAFIA cRiSTina aTaíDe | ”duRAnTE O RIO # F22”, 2005 | FOTOgRAFIA,

IMpRESSÃO LAMbdA | 81 X 120 CM

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Page 31: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

transdisciplinar partilha de saberes e conhecimentos

cujo novo modelo se baseia numa universal comunhão

de valores agregados aleatoriamente mas capaz de

incentivar processos inovadores de transmissão das

estórias contidas nos velhos contos anónimos.

Esta estratégia universalista deriva também da

confrontação com a cultura da diáspora, que se

confronta com as novas geografias cosmopolitas e

é surgida da transferência dos antigos espaços de

representação. As novas convicções são baseadas

na instabilidade da identidade nacional (u.

Chaudhuri) que reavalia sistematicamente o seu

desempenho através da recolocação dos valores que

definem o espaço de experimentação percorrido

pelo(s) viajante(s) e que encontra na flexibilização

da história o argumento para a reconstrução do

modelo de expansão e apagamento das fronteiras.

A interacção entre o modelo étnico e racial utilizado

pelas complexas relações institucionais encontra,

na dinâmica paisagem urbana, uma bem sucedida

cartografia dos múltiplos interesses individuais.

O colapso da distância ultrapassou as históricas

fronteiras geográficas e permite a fruição de

exemplares experiências, unindo o passado ao

presente. A repetição dos ancestrais contos não é

mais possível pelo facto de que as novas gerações não

encontram relação entre as autobiografias históricas

e as contemporâneas narrativas dos novos locais

emergentes. “The very organicity of the family and the

community, displaced by travel and dislocation, must

be renegotiated and redefined. The two generations

have different starting points and different givens”10

(r. radhakrishanan).

A paisagem cosmopolita, múltipla e discrepante face à

regulada, manipulada e normalizada paisagem urbana

modernista e à ilusionista cidade dos Gandharvas,

confere aos seus protagonistas uma participação

convergente mas não unificada nas acções de

construção de um modelo aberto e tolerante, graças à

capacidade de inscrição no espaço-tempo das novas

tendências de aproximação de centro e da periferia,

cujo léxico inclui palavras como “variedade, narrativa,

fragmentação, contexto urbano, expressionismo,

mobilidade, autonomia, emancipação, tecnologia mas

também poética...”11 (L. Serpa).

A descoberta de um espaço para a afirmação cultural

na era da globalização transgride as ideologias

baseadas no tradicional conceito de deslocação pois

acelera e potencia energias capazes de ultrapassar os

significados de “nação e identidade e as consequentes

questões de interculturalismo e indigenismo” 1�

(L. Serpa). “uma nova Índia emergiu nos últimos

cinquenta anos. Não renega o seu passado nem

é imune à sua influência. É mais um produto dos

desafios do presente e das oportunidades do futuro”13

(P. Varma). |

1tales of ancient india, tradução de J.A.B. Van Buitenen, Srishti-Publishers & Distributors, New Delhi, 2000, p. 151. Tradução para o português - A escapadela de Gomuka: “No país dos Vatsas, junto do rio Kalindi, situa-se a cidade de Kausambi, que é o coração do mundo. Ali reinava o Rei udayana. Se tentássemos descrever, ainda que sucintamente, as virtudes desta terra, desta cidade e deste rei, jamais começaríamos a história. Se um viajante se dispuser a fazer uma jornada aos sete oceanos e continentes deste mundo e começar por enumerar as jóias do Monte Meru, como encontrará tempo para ver o mundo?”

2Pessoa, Fernando, o Livro do Desassossego, 420. Marcha Fúnebre, Parque Expo ‘98 SA e Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, p. 375.

3Saraiva, António José, excertos do Prefácio à “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, Edição Sá da Costa, 1961.

4Edwards, Robert R., the Metropol and the Mayester-toun, in Cosmoplitan Geographies-New Locations in Literature and Culture, The English Institute, Routledge, London, 2001, p. 35.

5Montalboddo, Fracazano di, Paesi Nuovamente ritrovati et Novo Mondo da aberico Vespucio florentino intitulato, Vicenza, 1507.

6M. zambrano, Clareiras do bosque, Relógio d’Água, Lisboa, 1995, p. 131.

7Dharwadker, Vinay, Cosmoplitan Geographies - New Locations in Literature and Culture, The English Institute, Routledge, London, 2001, p. 9-10.

8 idem. Tradução para português: “Sobreviverá o cosmopolitismo à compressão omnívora do espaço-tempo cultural e ao rasuramento das diferenças?”

9Serpa, Luís, Fragmentos Globais/tendências Locais - arte na Índia Contemporânea, Catálogo exposição Culturgest, Lisboa, 2004, p.14.

10R. Radhakrishanan, Diasporic Meditations: between home and Locations, Minneapolis, university of Minnesota Press, 1996, p. 206. Tradução para português: “A própria organicidade da família e da comunidade, desviadas pela viagem e pela deslocação, devem ser renegociadas e redefinidas.”

11Serpa, Luís, Fragmentos Globais/tendências Locais - Arte na Índia Contemporânea, Catálogo exposição, Culturgest, Lisboa, 2004, p.17.

12 idem, p.19.

13Varma, Parvan K., a Índia no séc. XXi, Editorial Presença, Lisboa, 2006, p.175.

lUíS SeRpa | ”O COMISSáRIO COMO pEREgRInO”, 2000 | ObEROI hOTEL, bOMbAIM | FOTOgRAFIA A CORES

Luís Serpa Dirige a Galeria Luís Serpa Projectos e foi co-curador da exposição zoom! Arte na Índia Contemporânea (Lisboa, Culturgest, 2004). |

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Page 32: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

vIDA OU MORTE NA CIDADE SAGRADA(PArA O VIAJANtE AFOItO)

ManuEl castilHo

44ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

Acredito que quem nunca foi à Índia perdeu uma experiência fundamental,

não conhece o Mundo. Visitar a Índia é a oportunidade de viver no presente o

passado da humanidade, é uma janela sobre milénios de História. Visitar a Índia

é percorrer, em algumas semanas, um presente diferente, o passado próximo,

o passado distante e o passado muito longínquo. É reviver memórias com que

nunca sequer sonhámos, é um salto no abismo em mais do que um sentido. Quem

conseguir superar o choque da miséria, do caos, da sujidade, do mau cheiro, do

calor, da humidade, dos mosquitos, dos “chateadores” profissionais e muito mais é

recompensado com o êxtase intemporal desta cultura milenar sublime. Os outros

apressam-se a antecipar a data da partida e a rogar pragas a quem como eu os

encorajou a empreendimento tão temerário.

A Índia é um país vasto, um subcontinente. Quem procure férias de praia e

testemunhos de cultura portuguesa fará bem em visitar Goa; quem procure cidades

e castelos medievais exóticos no deserto com mulheres misteriosas envoltas

em saris de cores vibrantes, homens de turbantes e hotéis de luxo digno de

marajás e marahanis não deverá perder as cidades do rajastão. Glamour urbano

(sim!), opulento, deveras chocante e entremeado de miséria citadina encontrará

em bombaim, a bollywood, a chamada Nova Iorque da Índia (não bem!), onde

rolls royces, Mercedes e bMWs disputam, barulhentamente, palmo a palmo, as

ruas com táxis Fiat e Ambassador dos anos 50 e carros de mão de duas rodas

empilhados com mercadoria, movidos a tracção humana. Para amantes de

templos e de pedra esculpida recomenda-se Khajuraho, Ajanta e Ellora, Sanchi e

Amaravati e os deliciosos templos na praia em Mahabalipuram. Varanasi (benares

para os ingleses) é o coração da espiritualidade e cultura hindus, cidade de grande

antiguidade cujas origens se perdem na bruma das dinastias que nela deixaram

a sua marca. Documenta pelo menos �500 anos de história ininterrupta, e foi

contemporânea de tebas, babilónia e Ninive.

tenho de confessar que só depois de várias viagens à Índia me decidi a ir

desvendar a “cidade

Acredito que quem nunca foi à Índia perdeu uma experiência fundamental, não

conhece o Mundo. Visitar a Índia é a oportunidade de viver no presente o passado

da humanidade, é uma janela sobre milénios de

História. Visitar a Índia é percorrer, em algumas

semanas, um presente diferente, o passado próximo,

o passado distante e o passado muito longínquo.

É reviver memórias com que nunca sequer sonhámos,

é um salto no abismo em mais do que um sentido.

Quem conseguir superar o choque da miséria,

do caos, da sujidade, do mau cheiro, do calor,

da humidade, dos mosquitos, dos “chateadores”

profissionais e muito mais é recompensado com o

êxtase intemporal desta cultura milenar sublime.

Os outros apressam-se a antecipar a data da partida

e a rogar pragas a quem como eu os encorajou a

empreendimento tão temerário.

A Índia é um país vasto, um subcontinente. Quem

procure férias de praia e testemunhos de cultura

portuguesa fará bem em visitar Goa; quem procure

cidades e castelos medievais exóticos no deserto

com mulheres misteriosas envoltas em saris de cores

vibrantes, homens de turbantes e hotéis de luxo

digno de marajás e marahanis não deverá perder as

cidades do rajastão. Glamour urbano (sim!), opulento,

deveras chocante e entremeado de miséria citadina

encontrará em bombaim, a bollywood, a chamada

Nova Iorque da Índia (não bem!), onde rolls royces,

Mercedes e bMWs disputam, barulhentamente, palmo

a palmo, as ruas com táxis Fiat e Ambassador dos

anos 50 e carros de mão de duas rodas empilhados

com mercadoria, movidos a tracção humana. Para

amantes de templos e de pedra esculpida recomenda-

se Khajuraho, Ajanta e Ellora, Sanchi e Amaravati e

Varanasi

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eM CiMa à esquerDa | A gRAndE STupA dE SARnATh (dhAMEKh STupA) E RuínAS dO SAnTuáRIO pRInCIpAL

eM CiMa à Direita | uM MOMEnTO dA CERIMÓnIA dE VEnERAçÃO dE gAngES ( dEuSA gAngA) AO pÔR dO SOL

eM baiXo à esquerDa | “SAdhu” (ASCETA) nuMA dAS VIELAS dA CIdAdE AnTIgA dE VARAnASI

eM baiXo à Direita | “SAdhuS” (ASCETAS) nuMA dAS VIELAS dA CIdAdE AnTIgA

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os deliciosos templos na praia em Mahabalipuram.

Varanasi (benares para os ingleses) é o coração da

espiritualidade e cultura hindus, cidade de grande

antiguidade cujas origens se perdem na bruma das

dinastias que nela deixaram a sua marca. Documenta

pelo menos �500 anos de história ininterrupta, e foi

contemporânea de tebas, babilónia e Ninive.

tenho de confessar que só depois de várias

viagens à Índia me decidi a ir desvendar a “cidade

sagrada”,Varanasi. temor sem fundamento. Varanasi

é uma cidade acessível, uma “experiência forte” mas

não agressiva. Sai-se de Varanasi com um sorriso

búdico e maior compaixão pela condição humana.

Varanasi, no Estado de uttar Pradesh, Nordeste da

Índia, situada na margem esquerda do Ganges, o

rio sagrado, é um dos mais importantes centros de

peregrinação hindus. banhar-se no Ganges purifica

os pecados acumulados na vida terrestre. Morrer na

cidade eterna coloca o devoto hindu em posição mais

favorável para a próxima incarnação, poderá até

libertá-lo do ciclo contínuo da morte e reincarnação.

Os Ghats (escadarias de pedra sobre o Ganjes) são

cinco quilómetros de cenário “bíblico” onde, a par

de templos shivitas, albergues para os moribundos,

centros espirituais, palácios construídos em

épocas diversas pelos Marajás de vários estados da

Índia, edifícios díspares com pequenos hotéis e

restaurantes para viajantes, bordejam sumptuosas escadarias sobre o rio. Mas

quase me esquecia de mencionar o principal: os Ghats são essencialmente o local

onde os corpos são incinerados em grandes ou pequenas piras funerárias, dia e

noite, 365 dias por ano. Nestes “burning Ghats” o cenário é dantesco. Deparamos

com enormes pilhas de madeira, com pequenos grupos de familiares que

aguardam pacientemente a vez de ver os seus familiares reduzidos a cinza e com

corpos envoltos em panos, chamas e muito fumo. Alguns turistas

(é proibido tirar fotos) contemplam e pasmam, mas a morte aqui é encarada

como parte do ciclo da vida e adquire total naturalidade.

Nesta cidade tudo parece confluir para o rio, onde o espectáculo é colorido,

variado e cativante. Peregrinos banham-se nas águas sagradas e fazem as

suas pujas (rituais e devoções); Brahmins estudam textos sagrados e fazem

prelecções a quem queira ouvir; yogis praticam; pedintes e crianças pedem

esmolas; vendedores ambulantes expõem as suas bugigangas; vacas passeiam

displicentemente, barbeiros rapam cabeças e grupos sentados nas escadarias

conversam, escutando os cânticos e música transmitidos por altifalantes,

enquanto desfrutam do ambiente e da paisagem banhada por uma luz que a

certas horas torna o cenário irreal.

Ao visitante recomenda-se passeios de barco pelo rio, a melhor forma de observar

o cenário dos Ghats em relativa calma. Logo que se chega à margem do rio é-se

abordado por barqueiros expeditos e insistentes. Como em qualquer outro local

da Índia, temos de pôr à prova os nossos talentos negociais e mesmo assim

acabaremos certamente por pagar mais do que o devido, o que faz parte da

experiência. Vale bem a pena um dia levantarmo-nos muito cedo para percorrer

os Ghats de barco, ao nascer do sol, quando a cidade desperta. É uma experiência

inesquecível e a luz, maravilhosa, é ideal para fotografia. Convém marcar de

véspera no local, ou através do hotel.

Em termos de Índia, Varanasi é uma cidade de tamanho médio, com pouco mais

de um milhão de habitantes. tem uma zona relativamente nova com algumas

avenidas e largos do tempo dos ingleses. A parte antiga, adjacente ao Ganges, é

um labirinto de vielas estreitas e irregulares onde é difícil discernir qualquer plano

ou orientação. Deambular por estas ruelas contornando vacas, lixo, vendedores

ambulantes e evitando chocar com cortejos funerários é uma experiência

fundamental para ter uma percepção da vida desta fascinante cidade. Pequenas

lojas vendem sedas e outros panos, uma das especialidades de benares, assim

como todo o género de produtos locais, como os associados ao culto, especiarias,

perfumes, grande sortido de CDs de música indiana, etc. Numa destas vielas

deparamos subitamente com o templo Dourado dedicado a Vishveswara (Shiva

na sua forma de senhor do universo), construído em 1776. O original, bastante

mais antigo, foi arrasado pelo Imperador Mogol Aurangazeb (bisneto do grande

Akbar) no seu fervor islamizante. Não é permitida a entrada a não-hindus, embora

estes possam contemplar o templo de uma casa em frente. Não muito longe

ergue-se a Grande Mesquita de Aurangazeb, onde foram incorporadas algumas bAIXO RELEVO dO pERíOdO gupTA (SEC.V, dC) nA gRAndE STupA dE SARnATh

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Page 35: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

passar uma tarde. Não deverá perder o Museu Arqueológico adjacente, construído no

tempo dos ingleses e que contém alguns dos mais importantes tesouros arqueológicos

da Índia. O capitel do pilar de Ashoka, descoberto na campanha de escavações de

1904/5, encontra-se no museu. Foi adoptado como o símbolo nacional da Índia e

está reproduzido em moedas e notas. representa quatro leões (símbolo budista e de

Ashoka) bradando às quatro direcções do mundo a doutrina do budismo. Durante a

Dinastia Gupta (sécs. IV-VI), Sarnath atingiu a sua maturidade artística, produzindo

escultura budista em pedra calcária que é considerada o apogeu da escultura indiana de

todos os tempos. Alguns dos exemplos mais notáveis desta escola foram encontrados

em escavações no local e estão expostos neste museu.

Na recente exposição de arte Gupta no Grand Palais em Paris foi possível admirar várias

destas obras-primas do museu de Sarnath.

Questões práticas: Há em Varanasi várias possibilidades de alojamento. Os hotéis de

cinco e quatro estrelas estão todos localizados fora da cidade antiga. O tradicional

Clarks Varanasi, do tempo dos ingleses, está um pouco decadente.

O taj Ganges, da prestigiada cadeia indiana do mesmo nome, é moderno e confortável

mas sem o “brilho” da maioria dos estabelecimentos deste grupo. Dois novos hotéis,

o ramada Plaza e o radisson, oferecem as habituais comodidades impessoais de

standard internacional. A opção de alojamento mais fascinante para os mais afoitos

será ficar nos Ghats. Evitarão o trauma diário de transitar vários séculos e civilizações

entre hotel e cidade. Para esta hipótese recomendaria o Ganges View Hotel, no Assi

Ghat, um dos (relativamente) mais sossegados. É um pequeno estabelecimento com

doze quartos simples, mobilados com gosto, com o conforto básico assegurado (casa

de banho privativa, ar condicionado, etc.), uma gerência personalizada e frequentado

por artistas escritores e “habituées” da Índia. Não é luxuoso, nem por sombras, mas

estamos em Varanasi! tem um terraço com vista sobre o Assi Ghat e toda a excitação já

descrita, ao sair da porta do hotel. Convém marcar com bastante antecedência. |

das colunas do templo hindu então destruído, uma

situação potencialmente explosiva no contexto das

tensões religiosas da Índia. A segurança da mesquita é

assegurada por guardas armados.

Afastando-nos um pouco do centro, sugerimos uma

visita ao templo de Durga, mais conhecido por templo

dos macacos devido à profusão destes primatas, nem

sempre muito amigáveis e que não hesitarão em

saltar sobre o visitante para arrebatar qualquer comida

que este inadvertidamente traga à vista. A poucos

quilómetros deste templo poderá visitar o Museu da

universidade Hindu de benares (bharat Kala bhavan),

cujas instalações algo rudimentares contêm, no entanto,

uma importante colecção de escultura clássica indiana,

miniaturas sobre papel (incluindo uma interessante e

pouco conhecida representação de Nossa Senhora com

um manto azul diante uma paisagem de fundo europeia,

por um artista da corte mogol não identificado, cerca

de 1600) assim como um núcleo interessante de jóias e

objectos preciosos, sobretudo mogóis.

A apenas dez quilómetros de Varanasi fica um dos locais

mais sagrados do budismo: Sarnath. Varanasi era já

uma cidade florescente quando há cerca de �500 anos

buda por lá passou a caminho de Sarnath, depois de

ter atingido o estado de iluminado em bodh-Gaya, para

se juntar aos seus companheiros e futuros discípulos.

Aí, em Sarnath, proferiu, debaixo de uma árvore no

parque dos veados, o seu primeiro sermão e pôs em

marcha a “roda sagrada” da lei (doutrina budista).

Supostamente no local exacto onde se deu este evento

fulcral na construção do budismo foi erguida uma stupa

(monte sagrado de origem funerária albergando relíquias

budistas). O Dhamekh Stupa, magnífico monumento

com 34 metros de altura, provavelmente construído

cerca de �00 a.C., cerca de 300 anos depois da morte

do mestre e reconstruído parcialmente na época

Gupta (cerca de 500 d.C.), encontra-se em razoável

estado de conservação e pode ser visitado facilmente.

Neste parque, que foi sistematicamente escavado em

várias épocas, vêem-se também ruínas de outra stupa

desaparecida, e de edificações adjacentes, assim como o

arranque do famoso pilar do Imperador Ashoka (dinastia

Mauria, cerca de �00 a. C.). É um local aprazível para VARAndA SObRE O ASSI ghAT dO gAngES VIEw hOTEL

dossiEr Índia varanasi: vida ou MortE na cidadE sagrada (para o viajantE aFoito)

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PortugalARMAS dE pORTugAL dA FORTALEzA dO MORRO EM ChAuL

joão alarcão

48ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

Para além da componente lúdica, da necessária fuga

do stress, do salutar desejo de conhecer realidades

mais afastadas, viajar pode trazer-nos, também, no

reavivar de memórias históricas, um enriquecimento

da nossa cultura portuguesa. um duradouro conforto

para a nossa consciência colectiva descaracterizada

pelas padronizações massificadoras que destroem a

arte de viver, a aventura e o prazer de nela encontrar a

diferença e a qualidade.

Viajar pela Índia, e descobrir na sua variada riqueza

cultural a brancura de torres de catedrais a emergirem

dos verdes palmares tropicais, é um deleite para os

olhos e uma reconfortante emoção para o espírito.

Aqui o mito torna-se realidade. A sombra de muralhas

quinhentistas, a brisa que agita os coqueirais que as

escondem, ou os areais das costas em que repousam

de vigílias seculares, decantam-nos a alma e fazem

com que o nosso pensamento navegue livre nos

mares da memória.

Comecemos por descobrir na dureza da grande

metrópole (17 milhões) que agora é Mumbai, os sinais

da bombaim de outrora. A bombaim portuguesa,

que D. João IV incluiu no enorme dote de casamento

de sua filha D. Catarina de bragança com Carlos II

de Inglaterra, numa frustrada tentativa de recordar à

Grã-bretanha as obrigações da aliança de séculos que

nunca cumpriu.

O táxi que o levará do Aeroporto de Santa Cruz (não é

Holly Cross, é mesmo Santa Cruz) para o bulício das

ruas da Colaba e para o conforto do taj Mahal, a jóia

na Índia

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da melhor cadeia de hotéis da Índia, possibilitar-lhe-á parar em bandra, a nossa

antiga bandorá, para ver a Igreja seiscentista de Santo André e o pequeno forte do

Nome de Deus, que desmentem as omissões dos guias turísticos quanto aos sinais

da herança arquitectónica portuguesa.

Chegado ao taj, goze da janela do seu quarto a vista para a enormíssima baía que

deu o nome a bombaim. E não se deixe impressionar pelo apregoadíssimo Gateway

of India que se encontra do lado de lá da praça. É o moderno pastiche inglês, ainda

que grande, do secular Arco dos Vice-reis pelo qual, desde o séc. XVI, os Vice-reis

portugueses da Índia entravam em Goa. Os britânicos levantaram este apenas em 1911

para homenagearem a visita de Jorge V.

É do cais que lhe está junto que saem os barcos para a Ilha da Elefanta, onde se situam

as grutas do séc. VI esculpidas na rocha, com enormes estátuas de Shiva. De lá partem

também os catamarans que nos levam ao sul, a Mandwá, de onde podemos atingir as

imponentes fortalezas portuguesas do Morro, ou de Chaul, hoje sentinelas mudas dos

bandos de flamingos que pousam nos seus areais.

Se se demorar em bombaim e gostar de antiguidades ou velharias, dê uma saltada ao

Shor bazar, uma feira da ladra imensa, ou encontre-as nos antiquários das ruas que

circundam o taj, com destaque para o Philips, o mais antigo e famoso da cidade.

No dia seguinte lance-se à estrada, a caminho de Damão, com uma inevitável

paragem em Vassai, a nossa antiga cidade amuralhada de baçaím. As suas igrejas

e conventos quinhentistas, apesar de estarem hoje a céu aberto, alguns mesmo

invadidos pela vegetação tropical, conservam a imponência que deu à capital da

Província do Norte o epíteto de Don baçaím. Pelas inscrições das sepulturas que

cobrem os claustros desses templos, principalmente o de St.º António, é possível

adivinhar a vitalidade duma cidade que foi portuguesa de 1535 a 1739.

Passadas as Praganás de Dadrá e Nagar Aveli, cuja capital, Silvassa, se chamou no

séc. XIX Paço de Arcos, em honra do Governador de então, chegamos a Damão.

Há pouco para escolher quanto a alojamentos, para além do Miramar Hotel, na praia

de Devka, e do Marina, em Damão Pequeno. Aqui impõe-se uma visita à Fortaleza

de S. Jerónimo, de cuja praça de armas ressalta a Igreja de Nª Srª do Mar. Nela

e na Sé, do outro lado do rio Daman Ganga, grande parte das missas são ainda

celebradas em português, língua em que está inscrita na fachada do edifício da

Câmara a antiguidade do senado municipal: “Por Nobre e Leal Provisão de 1581”.

Entre o muito que há para ver destacam-se as Portas do Mar e da terra, as ruínas

de S. Domingos, a pequena Casa em que viveu o poeta bocage e, sobretudo, a

riquíssima Capela-Mor da Igreja da Madre Deus.

Há que regressar a bombaim para voar até Diu, a Pérola do Gujarate, e respirar as

gloriosas muralhas da fortaleza que o heroísmo português tornou famosa com a

resistência aos cercos otomanos do séc. XVI, em tempos de Nuno da Cunha e D.

João de Castro. Dos dois melhores hotéis da Ilha, o Kohinoor e o radinka, ambos

com simpáticas piscinas, eleja o primeiro, que o manterá mais próximo do centro.

Aí visite o Museu da Igreja de S. tomé e a imponente Igreja de S. Paulo. um passeio

através das estreitas ruas do bairro hindu permitir-lhe-á apreciar as tradicionais

portas e janelas que enriquecem a arquitectura das

grandes casas baneanes, das quais se destaca a

Nagarset Haveli. Se quiser almoçar ou jantar fora do

hotel, vá ao Ápana, frente ao braço de mar que liga a

Gongolá, e de onde poderá observar o histórico Fortim

do Mar.

regressado a bombaim, voe para o extremo sul da

Índia, para Cochim, aquela que foi a mais antiga

possessão portuguesa. Aí nos mantivemos até

1664, sendo que as nossas marcas permanecem

para além das posteriores presenças holandesa e

inglesa. Situa-se em Kerala, na Costa do Malabar, cuja

luxuriante vegetação contrasta com a secura da Índia

arábica, do rajasthan, ou do Gujarate que deixámos

para trás. A magnífica paisagem dos canais que se

estendem para sul, designados por back Waters, é de

uma beleza indescritível, justificando-se um passeio

com pernoita nos antigos barcos de transporte do

arroz, hoje divididos em pequenos e rudimentares

camarotes. Nem os mais citadinos, menos dados às

incomodidades dos trópicos, deixarão de se deliciar

com a beleza que os circunda e que trouxe a esta

região a designação de God’s Own Country.

SÉ bAçAIM

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Page 38: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

um outro agradável passeio de barco é entre as ilhas do estuário que junta a

cidade velha de Fort Cochin e a moderna de Ernakulam. Os dois melhores hotéis,

taj Malabar e branton boat Yard, têm ancoradouros próprios onde os barcos

podem amarrar. Se não os quiser alugar, apanhe-os nos jettys das carreiras

normais. Não deixe é de ver as Ilhas de Vaipin, com a sua quinhentista Igreja de

Nª Srª da Esperança, as redes Chinesas, ex-libris da região, ou o mais escondido

dos hotéis, o bolghaty Palace, na ilha do mesmo nome. Por terra vá até á basílica

de Stª Cruz, ao Museu de Arte Sacra e, sobretudo, à Igreja de S. Francisco, onde

em 15�0 foi sepultado Vasco da Gama. Depois de almoçar no branton boat Yard,

venha até à Jewish Street, em Mattanchéry, para visitar, porta sim, porta não, os

inúmeros antiquários que enchem as ruas entre a Sinagoga e o abusivamente

designado Dutsh Palace. O palácio nada tem de holandês. Foram os portugueses

que o erigiram e ofereceram ao rajá de Cochim para o autonomizarem da

suserania do Samorim de Calecute. Depois, se tiver tido a sorte de conseguir

quarto no taj Malabar, goze da sua belíssima piscina, faça uma massagem de

Ayurveda no seu Spa e prepare-se para voar para Goa.

Dos hotéis bons, os mais centrais são o Cidade de Goa, com praia privativa, mais

próximo de Pangim, e o Forte da Aguada, na praia de Sinquerim, mais perto de

Anjuna, onde à quarta-feira se realiza a mais exótica feira da Índia. Lá tudo pode

ser encontrado, desde pratas e jóias dos tibetanos aos sacos, mantas, e roupas de

Karnataka.

Mas a principal e inevitável visita terá de ser a Velha Goa, cujo coração é a basílica

do bom Jesus, onde o corpo de São Francisco Xavier repousa no rico túmulo

oferecido por Cosme de Médicis. A Sé e o Convento de S. Francisco, com a Galeria

dos Vice-reis e a Capela de Stª Catarina, compõem este núcleo central. Para oeste

ficam as ruínas de Stº Agostinho, o Convento de Stª

Mónica, onde hoje está o Museu de Arte Sacra que

veio de rachol, e o Priorado do rosário, no monte

sacro donde Afonso de Albuquerque comandou a

tomada de Goa em 1510. A Igreja de S. Caetano

e o já citado Arco dos Vice-reis ficam para o lado

inverso, por onde se pode seguir para Pondá para ver

os templos hindus. De volta, não deixe de parar em

Margão ou Loutulim, onde se situam os solares de

algumas das mais tradicionais famílias bramânicas

goesas como as dos Sant’anas da Silva, dos Mirandas,

ou dos Figueiredos de Albuquerque, este agora em

turismo de habitação.

Quanto a praias, todos os guias lhe falarão das do sul,

sobretudo da de Palaolem, mas a beleza de outrora

sucumbiu ao peso do turismo massificado. Hoje, Colvá,

baga ou Calangute são verdadeiras Algés e Dafundo. As

melhores praias situam-se, ao contrário, mais a norte:

Arambol, Morjem ou Querim, já próximas do belíssimo

mas pequeno hotel (sete quartos) de Forte tiracol. Para

quem goste dos mais completos lugares do mundo,

impõe-se uma estadia ou visita à melhor realização

de Cláudia e Hari Adjwani, o fechadíssimo Nilaya

Hermitage, em Arporá, sem dúvida o mais exótico e

sofisticado de Goa e um dos melhores de toda a Índia. |

50

dossiEr Índia portugal na Índia

CÚpuLAS SObRE pALMARES EM nOVA gOA

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Page 39: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

Índia

luÍs dE andradE pEiXoto

outside

5�ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

ESPLENDORES DA ÍNDIA

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Page 40: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

Arrebatadora, deslumbrante, mágica, complexa, sedutora, hipnotizante... tantos

e infindáveis adjectivos nunca poderão, totalizando, cobrir as características da

efervescente arte indiana.

Estamos a falar de manifestações plásticas e de testemunhos que englobam

um enorme panorama cronológico que abrange, desde os primeiros achados

arqueológicos de c. �500 a.C - c. 1750 a.C. (com as primeiras culturas em

desenvolvimento no vale do Hindukush), passando pelos determinantes sécs.

IV-III a.C., em que a individualização de estilos e de influências regionais e

de cultos começa a ser evidente (sendo nesta altura assinalado o “início” da

produção artística indiana) até, em contemporânea consideração, aos dias de hoje.

Acrescente-se a este vasto quadro temporal a complexidade religiosa - hinduísmo,

budismo, jainismo, islamismo e cristianismo - que em conclusão suscitou inúmeras

mestiçagens entre filosofias, estilos, técnicas, materiais e visões. Por outro lado, a

enorme movimentação de diversos povos em interacção pelo poder e soberania e a

consequente profusão de estados regionais, dinastias, reinos e impérios caracterizam

uma viva geo-política em constante mutação. Notável aspecto nesta heterogeneidade

é sempre a atracção e o incentivo para a abordagem artística da vida.

Para realçar esta profusão de culturas veja-se a esfera geográfica que dá palco à

influência da Índia, sobretudo a partir da forte expansão do budismo (sécs. IV-

VII) conferindo-lhe imediatamente: Paquistão, Afeganistão, Nepal, tibete, butão,

bangladesh, Xinjiang (China), Sri Lanka, o Sudeste Asiático: Myanmar (burma),

Laos, Vietname, tailândia, Cambodja e a Indonésia. Isto faz-nos compreender por

que grande parte das galerias de exposições de arte asiática que visitamos estão

divididas em três momentos: rota da Seda, Subcontinente Indiano e Sudeste

Asiático. Estas divisões geográficas ajudam-nos a vislumbrar as individualidades

estilísticas e as identidades de cada concreta localização, para além da óbvia e forte

influência comum dentro deste quadro geográfico.

No início da era de Cristo (sécs. I-V) florescem e afirmam-se três importantes escolas

artísticas regionais (Ghandara, Mathura e Amavarati) enquanto que os sécs. IV-VII

testemunham o esplendor da arte búdica da Índia, com o decisivo impulso cultural e

artístico da dinastia Gupta (sécs. IV-V) e o estender da influência indiana budista.

A decadência da dinastia Gupta, que se deu a partir do séc. V devido a invasões

exteriores, e a expansão da crença hindu (que germinara desde o período védico,

1500 a.C. - 600 a.C., e se movia ao sabor do trânsito dos seus crentes) dão lugar

durante os sécs VII-XIII ao denominado período hinduísta. Através de uma forte

consolidação das características estilísticas regionais, com as suas escolas que

testemunham um vital particularismo, sincretismo de influências e respeito pelas

três grandes religiões em movimento (hinduísmo, budismo e islamismo), a arte

indiana floresce de modo imparável em todas as suas manifestações.

53

Com a chegada dos portugueses em 1498, a afirmação

do seu poderio comercial e in situ no séc. XVI, e com

a ascensão decisiva do império Mogol (sécs. XVI-XVII),

mais elementos, trocas e inspirações estéticas foram

inseridas a este riquíssimo quadro artístico.

Mais do que o impossível fito de traçar, neste

momento, um trajecto da história da arte indiana em

detalhe, sugerimos um percurso de deslumbramentos

desta maravilhosa cultura entre museus e colecções

da Europa e Estados unidos da América. De facto,

vários são os museus de referência que desde o final

do séc. XIX, inícios do XX, beneficiaram de diversos

factores que alimentaram as suas fabulosas colecções

de arte indiana.

Veja-se como o incremento de expedições, algumas

das quais mais ou menos científicas, canalizaram

centenas de objectos rumo à Europa. Conjugando

à Direita |”budA ERguIdO”, pRIMEIRA METAdE dO SÉC. V | gRÉS ROSA, ÉpOCA gupTA | índIA (MAThuRA) | 142 X 54 CM | © arChiVes

PhotoGraPhiques Du Musée GuiMet

à esquerDa | ”ShIVA nATARAJA”, C. 1050 | bROnzE, ESTILO IMpERIAL ChOLA | índIA (TAMIL nAdu) | C. 83 CM (ALT.) | © MuseuM rietberG

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Page 41: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

Arqueologia, Etnologia, Antropologia, História,

História da Arte e um desejo exacerbado pelo

exótico e asiático de mãos dadas com gostos,

modas e correntes artísticas, formaram-se colecções

significativas que hoje nos possibilitam ver “algum

do melhor” da Índia fora da Índia. Isto sem falar das

colecções anteriores que foram sendo constituídas

ao longo dos períodos de expansão e da presença

europeia por terras a Oriente a partir dos finais do

séc. XV ou, mais recentemente já no séc. XX, com

as desanexações mais ou menos violentas e com os

conflitos militares que infelizmente dão rumos vários

aos testemunhos.

No panorama contemporâneo, é de realçar a forma

como belíssimas peças chegam de modo espontâneo

e altruísta a diversos museus pela via de doações

particulares, revelando um crescente e consciente

reconhecimento das artes ancestrais extra-europeias

que, cada vez mais, formam atractivos imaginários de

sonho e de exotismo.

Aliados à dinamização dos estudos asiáticos, à sua

crescente divulgação e a uma enorme afirmação

de estatuto de rara obra de arte, os seus valores

de mercado atingem cotações e disputas sem

precedentes em relação às masterpieces de origem

indiana e asiática no geral.

Não é apenas no mundo ocidental que esta

dinamização de mercado é cada vez mais relevante,

com os conhecidos exemplos das semanas anuais

de Arte Asiática de Londres (Novembro) ou de Nova

Iorque (Abril), a boa saúde do antiquariato, os leilões

e as feiras internacionais dedicadas exclusivamente

a este ramo. também na Ásia uma efervescente e

emergente transacção toma lugar com os destaques

para os leilões incontornáveis da Christie’s e Sotheby’s

em Hong-Kong, assinalando como que um novo

despertar da cultura asiática para si mesma.

Em crescente envolvimento com este mecanismo, os

museus especializados começam a debater-se pela

contínua construção das suas colecções asiáticas,

desejadas sempre em consonância com as pretensões

enraizadas na civilização do Ocidente, como as mais

completas, significativas e belas do mundo.

54

”MAhARIShI” (“O gRAndE SábIO”), SÉC. XII | AgASTyA: pEdRA (ChLORITOId phyLLITE) | índIA (bIhAR-LAKhI SARAI) |

© 2007 MuseuM assoCiates / Los aNGeLes CouNty MuseuM oF art

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Page 42: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

dossiEr Índia EsplEndorEs da Índia outsidE Índia

Mas não nos afastemos do nosso cerne, salientando que as lógicas das colecções

indianas estão directamente e naturalmente inseridas na dinâmica das colecções

extra-europeias, e mais concretamente nas asiáticas, sob duas perspectivas

predominantes: a artística e a etnológica. Os testemunhos da cultura indiana

encontram-se estudados, recolhidos, conservados e apresentados numa

considerável teia museológica na Europa e nos E.u.A. Contudo, e curiosamente,

Portugal ainda não se encontra na lista (nós que em 1498 fomos os primeiros a lá

chegar!!). Porém, dizemos um “ainda” esperançado com esperança na abertura, em

�008, do Museu do Oriente (Fundação Oriente) que com certeza irá potencializar,

além da abordagem típica da Índia portuguesa (na qual representamos um claro

destaque), um descortinar da complexa cultura com a qual nos deparámos em

tempos certamente mais aventureiros.

Provando a vitalidade desta crescente rede, encontramos o mote de partida para

o nosso percurso de “Esplendores da Índia outside Índia”, com a reabertura do

Museum rietberg de Zurique, em Março deste ano.

As mais belas e requintadas artes são indissociáveis das opções expográficas

despojadas e subtis no aspecto dramático. Luz, texturas, composições e colocações

estratégicas dão ênfase a diversas tipologias indianas das quais os bronzes do

período hinduísta se evidenciam.

Shiva Nataraja, o eterno Senhor da Dança Cósmica Anandatandava, aparece-nos

em todo o seu esplendor nas revitalizadas galerias de exposição permanente. A luz

cuidada e o lugar de destaque conferem-lhe uma soberba e auspiciosa presença.

De facto, Anandatavanda constitui o simbólico e poderoso momento de criação e

de destruição, de eterno retorno da vivência e de suprema força cósmica. Shiva

constrói o mundo através do som ritmado do tambor que toca (com a mão direita

posterior); preserva a criação em sinal de protecção (mão direita frontal); destrói

com a potente chama na mão esquerda (posterior); bane o pecado e a ignorância

do inconsciente pisando o demónio Apasmara-Purusha (pé direito) e concede a

libertação espiritual demonstrando a sua irradiação cósmica através da sua última

mão (esquerda frontal). toda esta magnífica e simbólica composição concebe ainda

a complexidade dos opostos (através da iconografia complementar masculina

vs feminina patente em cada uma das formas das orelhas) e a harmonização e

equilíbrio universal através da leveza, postura proporcional e estabilidade do deus

neste movimento incandescente. É, sem dúvida, um bom e deslumbrante ponto de

partida!

As colecções do Museum rietberg cruzam-se e complementam-se, obviamente,

com as tipologias de outros museus. Assinalável é a grande qualidade da colecção

de escultura e de pintura (retratando inúmeras escolas estilísticas regionais e as

interessantes composições das miniaturas mogóis).

Por falar em escultura, destaque para o Los Angeles County Museum of Art (pela

preciosa escolha desta tipologia e, no fundo, por toda a colecção indiana, que

é completíssima) e o Musée Guimet de Paris, renovado em �001. No Guimet, a

escultura em pedra budista, jainista e hindu (cruzando geograficamente o amplo

quadro que traçámos de início) constrói um dos

momentos mais apreciados deste museu. Sem o

dramatismo interessante do Museum für Asiatische

Kunst-Dahlem de berlim, esta secção acentua o

carácter escultural aliado à arquitectura, à qual muitas

das peças estavam aliadas. A opção cromática das

paredes e dos plintos faz compreender o núcleo como

parte integrante de uma estrutura maior e o sóbrio

ambiente expográfico o permite, ao mesmo tempo,

uma apreciação estilística descomprometida e pessoal.

O Museum für Asiatische Kunst-Dahlem de berlim,

remodelado em �000, tomou um caminho diferente,

mais dramático, obscuro e fascinante. Cuidadoso

efeito luminotécnico, em que os jogos entre sombras

e diálogo claro/escuro tomam lugar, dá espaço para

uma aproximação mais mística e misteriosa junto

das esculturas (e das outras colecções, das quais

destacamos a pintura indiana, sobre papel, têxteis

e vidros, e as importantes pinturas de interiores de

templos budistas). A combinação regular em espaço

expositivo entre arte antiga e contemporânea,

em que estilos, inspirações, técnicas e temáticas

dialogam, fecunda este espaço de um modo especial.

real desafio museológico e encantamento para os

públicos é a construção dentro do museu de uma

estrutura arquitectónica que encerra no seu interior

pinturas originais, de stupas (templos budistas), nas

paredes e na cúpula perfeita. Sem falar na dificuldade

da conservação preventiva, em todo o processo de

incorporação, deslocação e apresentação destes

testemunhos, a necessária iluminação reduzida

provoca uma desconcentração visual que pouco a

pouco, em adaptação ao baixo nível, faz da apreciação

destas pinturas o momento alto.

Momentos obrigatórios neste percurso são os museus

top de carácter universalista - british Museum (que

neste momento celebra a Índia e os sessenta anos

da sua independência com a exposição de pintura

indiana: “Fé, Narrativa e Desejo”), V&A - Victoria and

Albert Museum (a jóia da coroa dos museus do reino

unido) e o LACMA - Los Angeles County Museum of

Art. Para além das completas colecções de escultura

em pedra e metais, artefactos arqueológicos, pinturas

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Page 43: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

PáGiNa Do LaDo à Direita | “IMpERAdOR JAhAngIR TRIunFAndO SObRE A pObREzA”

(REInOu EnTRE 1605-1627) | C. 1620-1625 | TInTA guAChE E OuRO SObRE pApEL | ATRIbuIdO A

Abu’L hASAn | índIA MOgOL, dA COLECçÃO nASLI E ALICE hEERAMAnECK E AdquIRIdA pELA

ASSOCIAçÃO dOS MEMbROS dO MuSEu | IMAgEM: 23,81 X 15,24 CM

FOLhA: 36,83 X 24,61 CM | © 2007 MuseuM assoCiates/Los aNGeLes CouNty MuseuM

oF art

sobre diversos suportes, gravuras, têxteis raros, relevos, bronzes hindus, jades e

jóias (lembremos as requintadas cortes mogóis), pinturas em miniatura ou diversos

testemunhos de carácter mais etnológico, algo muito raro e belo os une: esculturas

do buda Sakyamuni. Enquanto que o LACMA beneficiou de uma muito generosa

doação, por parte da Fundação Michael J. Connell, o V&A e o british Museum uniram

esforços e meios para adquirir a rara peça. Para se ter uma ideia foi preciso combinar

o Fundo das Colecções de Arte Nacionais, o Permanente Fundo broke Sewell do british

Museum e doações dos Amigos do Museu V&A, bem como de privados. E o resultado é

que o “buda radiante”, como lhe chamam no V&A, atinge uma enorme popularidade

nas Galerias dedicadas à Índia.

Estas preciosas esculturas (apenas um número muito reduzido sobreviveu até

hoje) testemunham um período fulcral na formação estilística das representações

clássicas de buda. Sob a alçada da florescente dinastia Gupta (os quais, embora

hindus, eram patronos do budismo) os centros artísticos de Mathura e Sarnath

originaram esta génese de representação plástica que iria influenciar a figuração e

materialização do conceito de buda pelos diversos países que receberam a corrente

à esquerDa | ”budA SAKyAMunI”, FIM dO SÉC. VI - IníCIO SÉC. VII | TERRACOTA REVESTIdA A

CObRE ESTE dA índIA (pROVAVELMEnTE bIhAR) | 35,5 CM | © V&a MuseuM

56

PáGiNa Do LaDo à esquerDa | “KRIShnA E RAdhA” | ATRIbuídO A ARTISTA dA gERAçÃO

dOS MESTRES nAInSuKh E MAnAKu dE guLER | guAChE SObRE pApEL | 17, 7 X 14, 8 CM | C.

1775-1780 | índIA (pAhARI-gEbIET, guLER)

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Page 44: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

budista. A sua mão erguida em sinal de benevolência (abhaya-mudra) afirma a

sua protecção perante os seus crentes, facto que liga de forma inteligente esta

representação religiosa ao domínio político. Sakyamuni dá corpo aos ideais budistas

de yogi e de perfeito regente: fisicamente ágil, elegante, proporcional, com expressão

serena, contemplativa e delicada e, tal como um soberano deve ser, jovem, com

fortes ombros, corpo firme e pés e mãos bem torneados e seguros. Sem dúvida uma

escultura de destaque e excepção!

Musée Guimet, Asian Art Museum of San Francisco, the Cleveland Museum

of Art, Los Angeles County Museum of Art, Museum rietberg ou Museum

für Asiatische Kunst-Dahlem de berlim podem ainda ser destacados

pelas completas galerias de exposição dedicadas à pintura indiana, cujas

influências, estilos particulares ou temáticas e enredos são tão diversos

quantas as cores vibrantes e garridas que fazem desta tipologia um mágico

momento de sensações visuais. Pintura de interiores, sobre rolos de

tecidos, sobre folhas de palmeira e sobre papel (a partir do séc. XIV) são

as masterpieces. De facto, a pintura detém um papel lato na História da

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dossiEr Índia EsplEndorEs da Índia outsidE Índia

Arte da Índia. Directamente ligada à intrincada

religiosidade e aos templos, a sua produção é

enorme em pontos de peregrinação e de adoração

do divino e estas peças são facilmente vendidas

às centenas em mercados onde os pintores

habilmente reproduzem cânones estilísticos

estáveis e constantes durante gerações. Aliadas aos

textos poéticos e religiosos, inúmeras ilustrações

foram encomendadas tanto por classes religiosas

como civis. As classes reinantes rapidamente

chamam a si os melhores profissionais desta arte,

imortalizando refinados e luxuosos momentos

da vivência do quotidiano da corte, retratos,

acontecimentos históricos e estratégicos ideais

associados ao soberano, afirmando o seu poderio

e excelência.

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Page 45: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

tecidos, papagaios), tudo de origem indiana e abarcando peças desde o séc. XVIII

até aos dias de hoje, detém um potencial enorme de nível internacional.

O futuro Museu do Oriente poderá equiparar-se, com as suas colecções, às

referências etnológicas europeias, nomeadamente o Musée du Quai branly

(inaugurado em �006 e com uma vitalidade expositiva e de programação cultural

de excepção), Linden-Museum Stuttgart - Staatliches Museum für Völkerkunde;

MEG - Musée d’Ethnographie de Genève e MEN - Musée d’Ethnographie de

Neuchâtel.

Estes quatro museus detêm o poder fascinante de nos fazer mergulhar, sentir e

até cheirar a fascinante Índia. recorrendo a grandes reconstituições, artifícios

expográficos de última geração, cenografias arrojadas e jogos sensoriais,

apresentam-nos os esplendores do quotidiano indiano. Grande destaque deve ser

Os estilos da pintura rapidamente adquirem o cunho

identitário das cortes a que pertencem ou da região

de origem, potencializando particulares características

e abordagens estéticas que advêm do cruzamento

do hinduísmo, budismo, jainismo, islamismo (com

as diversas influências persas e mogóis) até às

representações cristãs ou gravuras europeias do

renascimento tardio.

Os portugueses Museus Nacionais de Arte Antiga,

Soares dos reis, do traje e da Moda, Museu da

Fundação ricardo Espírito Santo Silva e o futuro

Museu do Oriente, bem como colecções particulares

de destaque (Senhor Almirante Alpoim Calvão, Dr.

Pires Marques, rainer Daehnhardt e José Lico),

cobrem a conhecida influência portuguesa na Índia,

dando origem ao agora muito discutido conceito de

“indo-português” (patente em inúmero mobiliário,

objectos e esculturas, tanto de carácter civil como

religioso). De cunho mogol podemos deliciar-nos

com os contadores das colecções dos Museus

Nacionais de Arte Antiga, Soares dos reis, Museu

da Fundação ricardo Espírito Santo Silva e com os

geometricamente perfeitos tapetes do Museu da

Fundação Calouste Gulbenkian (que, entre outras

peças, foram destaque da impressionante exposição

“Goa e o Grão-Mogol”, em �004).

De facto, embora Portugal não desfrute por enquanto

da posição de merecido destaque na rota dos Museus

de Artes Asiáticas, podemos ainda realçar algumas

peças de interesse no Museu da Marioneta de Lisboa

(com a recente aquisição de marionetas indianas)

ou o profusamente decorado elefante-brinquedo do

Museu da Cidade de Lisboa, que é um exemplar lúdico

deveras interessante e característico.

Melhor colocados estamos em relação a uma

abordagem etnológica, na qual o Museu Nacional de

Etnologia é exemplo (veja-se a presente exposição

“Pinturas Cantadas” até Janeiro próximo). A fabulosa

colecção Kwok-on, da Fundação Oriente, com

marionetas (varas, baguetes, luvas, fios, sombras),

máscaras, estátuas, instrumentos musicais, jogos,

brinquedos, traje, objectos rituais e festivos e

iconografia diversa (gravura, poster, papel recortado,

“bRInquEdO IndIAnO COM ROdAS REpRESEnTAndO uM ELEFAnTE, COM pALAnquE”, SÉC. XIX | MAdEIRA pInTAdA pOLICROMAdA, índIA |

COMp. 52 CM X LARg. 31 CM | © Museu Da CiDaDe De Lisboa

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“MAnASA “A dEuSA CObRA”, MEAdOS dO SÉC. XX | MAdEIRA, FIOS TêXTEIS, pApEL, RESInA | índIA (ASSAM, gOALpARA) | dOAçÃO dE gAbRIELE

bERTRAnd | 60 X 89 CM | © Musée Du quai braNLy, FotoGraFia De PatriCk Gries/bruNo DesCoiNGs

59

dossiEr Índia EsplEndorEs da Índia outsidE Índia

feito aos MEG e MEN. O primeiro com a exposição “Les feux de la Déesse”, em

�005, que celebrou os homens e os deuses do Kerala através de uma das mais

fascinantes exposições dedicadas à Índia. A mais alta qualidade da exposição é

resultado de dois factores basilares: contextualizações e interpretações etnológicas

e antropológicas sob uma abordagem expositiva moderna e o deslumbramento

excepcional face aos testemunhos da colecção, com o apoio das mais cuidadas

opções expográficas (sem palavras!!). O MEN é para nós, a par com o MEG, o

momento expositivo de eleição. A “museografia de ruptura” defendida pela

instituição propõe metáforas e conceitos que dão tema a exposições complexas e

desafiantes. Cruzamentos temporais e geográficos de testemunhos e mentalidades

atingem-nos no âmago e fazem-nos questionar o mundo presente, passado e

futuro. Nunca será de admirar ver em interacção, no MEN, Shiva Nataraja com

Asian Art Museum of San Franciscohttp://www.asianart.org/

British Museumhttp://www.thebritishmuseum.ac.uk/

Linden-Museum Stuttgart - Staatliches Museum für Völkerkundehttp://www.lindenmuseum.de

Los Angeles County Museum of Arthttp://www.lacma.org/

Metropolitan Museum of Art New Yorkhttp://www.metmuseum.org/

Musée d’Ethnographie de Genève http://www.ville-ge.ch

Musée d’Ethnographie de Neuchâtelhttp://www.men.ch/

Musée du Quai Branlyhttp://www.quaibranly.fr/

Musée Guimethttp://www.museeguimet.fr/

Museum für Asiatische Kunst-Dahlem de Berlimhttp://www.smb.spk-berlin.de

The Cleveland Museum of Arthttp://www.clevelandart.org/

Victoria&Albert Museumhttp://www.vam.ac.uk/

Fundação Oriente - Colecção Kwok on / Museu do Orientehttp://www.foriente.pt/entrada.asp

Museu da Marioneta http://www.museudamarioneta.egeac.pt

Museu Nacional de Arte Antigahttp://www.mnarteantiga-ipmuseus.pt/

Museu Nacional do Traje e da Modahttp://www.museudotraje-ipmuseus.pt/

Museu Nacional de Etnologiahttp://www.mnetnologia-ipmuseus.pt/

Museu Nacional Soares dos Reishttp://www.mnsr-ipmuseus.pt/

projecções de tremores de terra, verdadeiras chamas

ou reconstituições do cosmos em movimento ou

Shiva, Parvati e Ganesha (pai, mãe e filho) em bronze

do período hinduísta com um presépio cristão feito de

plástico na China para o Natal deste ano.

Independentemente de visões mais clássicas

ou controversas, sob perspectivas estilísticas ou

etnológicas, em Portugal ou no mundo, a riqueza

artística e cultural indiana far-nos-á sonhar e

aproveitar os esplendores da Índia outside Índia

até à arrebatadora viagem ao local de origem.

Esplendores não faltam... deixe-se deslumbrar! |

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Filipa vicEntE

6�ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

artE contEMporÂnEah

SOTHEBY’S:

luÍs dE andradE pEiXoto

6�

dossiEr Índia

Comprovando a vitalidade e interesse do mercado internacional

quanto à Arte Antiga, Moderna, Contemporânea e de outro tipo

de itens provenientes da Índia, aqui pomos em evidência diversos

momentos, passados e futuros.

Grande destaque para o artista contemporâneo tyeb Metha e para o

exótico leilão da colecção Gordon reece, pela bonhams, em Outubro. |

1.Nova Iorque - 21 de Setembro de 2005

Lote 275 | Tyeb Mehta | “Mahisasura”,

1997 | Est.: E 438.305 - E 584.407 |

Vendido por: E 1.309.000

Recorde internacional para pintura

indiana contemporânea

Recorde pessoal do artista em leilão

© Christie’s images Ltd. 2007

2.Nova Iorque - 30 de Março de 2006

Lote 42 | Vasudeo S. Gaitonde (1924-

2001), | “untitled”, 1975 |

Est: E 438.305 - E 584.407 | Vendido por:

E 1.226.666

Recorde pessoal do artista em leilão

© Christie’s images Ltd. 2007

3.Nova Iorque - 30 de Setembro de 2006

Lote 23 | Francis Newton Souza, |

“Man and Woman” | óleo sobre madeira|

Est. : E 219.152 - E 365.254 | Vendido

por: E 1.070.866

© Christie’s images Ltd. 2007

CHRISTIE’S:

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

LEILÕES INTERNACIONAIS

Highlights Índia

4.Londres - 21 de Maio de 2007

Lote 7 | Syed Haider Raza (1924-2002)

| “La Terre”, 1985 | Est.: E 591.488 -

- E 887.233 | Vendido por: E 1.049.760

© Christie’s images Ltd. 2007

5. Nova Iorque - 20 de Setembro de 2006

Lote 63 | Tyeb Mehta | “untitled (Figures

with Bull head)” | Est.: E 584.407 -

- E 730.508 | Vendido por: E 894.488

© Christie’s images Ltd. 2007

6.Nova Iorque - 29 de Março de 2006

Lote 25 | Syed Haider Raza (1924-2002) |

”Tapovan” | Acrílico sobre tela |

Est.: E 584.407 - E 730.508 | Vendido

por: E 1.075.308

Recorde pessoal do artista em leilão

7.Londres - 23 de Maio de 2006

Lote 135 | Francis Newton Souza |

“Amsterdam Landscape” | Est. : E 88.723 -

- E 118.298 | Vendido por: E 922.722

8.Nova Iorque - 29 de Março de 2006

Lote 81 | Tyeb Mehta | “Falling Figure

with Bird” | Est.: E 584.407 - E 730.508 |

Vendido por: E 911.674

9.Nova Iorque - 22 de Março de 2007

Lote 114 | Tyeb Mehta | “untitled” |

Est.:E 584.407 - E 730.508 | Vendido por:

E 847.390

10.Nova Iorque - 29 de Março de 2006

Lote 80 | Jagdish Swaminathan |

“untitled” | Est.: E 219.152 - E 219.152 |

Vendido por: E 587.206

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Filipa vicEntE

6�ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

artE contEMporÂnEah

63

uM ocEano intEiro

h

63

1. 4. 7.

2. 5. 8. 9.

3. 6. 10.

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Filipa vicEntE

64ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

artE contEMporÂnEah

64

BONHAMS:

A � de Outubro terá lugar, na bonhams de Knightsbridge - Londres, o

leilão da colecção de Gordon reece, dono da Galeria West End.

Estão representados cerca de 600 lotes de artes variadas,

antiguidades, arte tribal, escultura religiosa e ritual, cerâmicas,

templos em miniatura, colunas e outros elementos de arquitectura,

mobiliário, joalharia e tantos exóticos testemunhos não europeus,

sobretudo de África e do subcontinente asiático, assim como

muitos outros luxuosos objectos com que este consultor de design

3.“Coluna”

Madeira teca esculpida

Séc. XIX

Rajastão - Índia do Norte

Proveniência: estrutura arquitectónica de

uma residência aristocrática ou haveli,

região de Bikaner

Leilão 15651:

Colecção Gordon Reece

2 de Outubro

Knightsbridge - Londres:

dossiEr Índia lEilÕEs intErnacionais HigHligHts india

de interiores sempre trabalhou nos seus projectos. Apaixonado

coleccionador e eternamente fascinado pelo exótico, Gordon reece

põe, deste modo, fim à sua carreira de �6 anos no mundo da

decoração e dos objectos de rara excepção e beleza.

Grande interesse recai nas peças de origem indiana directamente

provenientes de palácios de marajás e de cortes reais do rajastão.

requintada qualidade e elevados preços são esperados! |

1.“Rara e requintada carruagem de

casamento real”

Madeira teca trabalhada e metais vários

Comprimento total: 428 cm (carruagem:

comp. 147 cm x alt. 105 cm / diâmetro das

rodas 74 cm)

Sécs. XVIII-XIX

Rajastão - Índia do Norte

Proveniência: Colecção real do Rajastão,

previamente usada em casamento de uma

princesa do Gujarati com um aristocrata

reinante de Jodhpur.

Valor anterior de referência: E 21.441

2.“Elegante templo ou santuário”

Madeira teca trabalhada,

Alt.160 x larg. 112 x comp. 102 cm

Sécs. XVIII-XIX

Rajastão - Índia do Norte

Valor anterior de referência: E 17.744

1.

2. 3.

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luÍs dE andradE pEiXoto

Indiano

“dEuS SuRyA”, C. SÉC. V-VII | gRÉS | índIA

CEnTRAL | 51 CM

66ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

ANTIQUARIATO

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Embora sem a diversidade e a efervescência do antiquariato europeu e de outros

hot spots internacionais especializados em artes da Índia, em Portugal é possível

destacar a oferta de espécimes que, embora limitada, é de elevada qualidade e que

cobre um panorama contextual rico e interessante.

Manuel Castilho, fiel à sua tradição de requinte nas propostas de arte indiana e

asiática, continua a ser a referência por excelência. Pela sua loja e stand de vendas,

em feiras nacionais e internacionais, continuam a passar dos mais belos exemplares

testemunhos da Índia, com especial relevo para a arte escultórica. Entre escultura

búdica, hindu e peças de influência mogol e portuguesa, destacamos presentemente

duas distintas esculturas e um baldaquino cerimonial inédito.

Escultura de vulto do deus sol védico Surya, representado segundo uma iconografia

estabelecida a partir dos primeiros anos d.C. Posteriormente absorvido pelo

Hinduísmo (no qual esta escultura se inseriria, integrando um altar subsidiário de

um templo hindu) é, na sua origem, deus dos invasores arianos (c. 1700 a.C.).

O deus em afirmada posição erguida e frontal enverga túnica longa diáfana. Do

característico pano pendente em u de um braço ao outro, apenas resta a tira que

passa em frente aos joelhos. usa uma coroa alta (karandamukuta), grandes brincos

“FRAgMEnTO ARquITECTÓnICO”, SÉCS. X-XII | pEdRA CALCáRIA | índIA (RAJASTÃO) “bALdAquInO”, SÉC. XIX | MAdEIRA pOLICROMAdA | índIA

67

com disco perfurado, que assentam sobre os ombros,

colar longo de várias fiadas e um cordão ritual simples

(avayanga) à volta da cintura (toda a indumentária,

sobretudo o calçado, evoca a sua origem em

mitologias das estepes da Ásia Central).

Por detrás da cabeça vê-se parte de um resplendor

circular. Seria originalmente ladeado por Pingala, o

seu escriba que tomava nota das acções dos homens,

e por Dandí, o seu guardião. A pequena figura que se

vê a seus pés é pouco habitual e poderá representar a

deusa terra.

Surya, com os dois braços erguidos e as mãos à altura

dos ombros, ostenta duas esplendorosas flores de

lótus abertas, em símbolo de regeneração, do ciclo da

vida, da vida e da morte.

Conjunto escultórico no qual se destaca uma figura

masculina com um enxota--moscas (chawri) em

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postura sensualmente arqueada (tribangha). A figura, irradiando elegância e

juventude, encontra-se coroada e ricamente adornada com jóias. Poderá ser um

yaksha, divindade acessória frequentemente representada ladeando divindades

hindu principais ou associada a um Tirthankara jainista. Vê-se ainda uma coluna

indicando um templo ou palácio e um leão rampante (simba-vyala) subjugando um

elefante, o que evoca o poder da divindade central, representada neste friso.

Invulgar baldaquino com corpo cónico oitavado assente em base quadrada.

O corpo apresenta em quatro registos pinturas provavelmente alusivas ao

Ramayana, o mais importante épico hindu. Entre as cenas pintadas sobre fundo

verde vibrante vêem-se divindades como Ganesh, cabeça de elefante e corpo de

homem, invocado para remover obstáculos e determinante para o sucesso de

qualquer iniciativa, assim como vários rishies, homens santos de barbas e cabelos

compridos. Este baldaquino seria um acessório para as inúmeras actividades

religiosas deambulatórias hindu e serviria de cobertura para uma imagem portátil

de uma qualquer divindade, retirada do templo para esse efeito.

teresa Lacerda, há muito apaixonada pela Índia, sugere-nos, na sua eclética e

fascinante loja De Natura, uma selecção preciosa de peças. tendo recolhido desde

cedo testemunhos do quotidiano sagrado e profano de países extra-europeus

(sobretudo Ásia e África), bem como peças de arte produzidas com o intuito

“nAgA E ShIVA LIngA” | bROnzE E pEdRA dE RIO SAgRAdO índIA | C. 50 CM dE ALTuRA | FotoGraFia: LuÍs GoNçaLVes

68

do belo e da estética, conjuga também produções

artísticas próprias.

Estas obras complementam um imaginário que se

relaciona directamente com os países de origem,

revitalizando conceitos, inspirações e tecendo

diálogos entre técnicas, materiais, estilos, temáticas

e tempos. De realçar as composições em estilo de

gabinetes de curiosidades, nas quais naturalia e

artificialia vivem em plena harmonia, testemunhando

a acção da natureza e do homem e a sua inevitável

interacção. Dentro destes microcosmos de recolha e

de acumulação, em aceso deleite e vivência da cultura

do objecto, da afirmação da curiosidade e fascínio

pelo exótico, sublinhe-se ainda a série de trabalhos

inspirados a partir da cultura nipónica e atente-se

nos mais clássicos e sublimes elementos da cultura

samurai (kimonos, armaduras e capacetes). Visita

obrigatória!

Fará em Novembro dez anos que, em conjunto com

Ana Marchand e Fernando Cardoso, teresa Lacerda

assinalou os cinquenta anos da independência da

Índia com a iniciativa Jornadas da Índia em Montemor-

o-Novo, na qual se celebraram a vasta cultura indiana

e as suas belas manifestações. Num percurso

destacado pelas inúmeras viagens a Oriente e perante

tantos e tão fascinantes objectos e testemunhos,

serão sempre de destaque as dezenas de brinquedos

trazidos de uma loja de banares ou os deslumbrantes

pichhavai (pinturas de “pano de fundo” de altar, de

uma imagem de um deus, neste caso do culto a

Krishna) do rajastão.

Na De Natura, entre várias peças indianas, como

um interessante Ganesh montado no seu rato (em

madeira policromada, séc. XIX), sublinhamos a

impressionante Naga das cinco cabeças em bronze.

Esta escultura, em evidente sinal de protecção e

escudo de um conteúdo também sagrado à sua

guarda, foi adquirida há mais de quinze anos num

antiquário londrino. Em composição hindu, um Shiva

Linga, pedra lisa de um rio sagrado que simboliza o

falo de Shiva, está protegido pela cobra.

Segundo alguns autores, este tipo de Naga poderá

também ser usado como suporte de incenso,

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IMAgEM dE AnTEpASSAdO (TAMIL nAdu), à ESquERdA, E duAS dEVAdASI (KERALA), CEnTRO

E dIREITA | MAdEIRA COM VESTígIOS dE pOLICROMIA | índIA | FotoGraFia: LuÍs GoNçaLVes.

69

dossiEr Índia antiQuariato: Índia

certamente recorrendo aos estratégicos orifícios na extremidade da boca de cada

uma das cinco cabeças de cobra. Em associação budista, relembremos o papel da

Naga durante a meditação de buda, protegendo-o da tempestade chuvosa.

um conjunto de dezasseis peças e esculturas do Kerala e de tamil Nadu compõem

uma interessante e rara oferta. Entre peças utilitárias, carimbos tantra, fragmentos

arquitectónicos, caixas de pós de consagração, esculturas de deuses hinduístas

e outras imagens de difícil identificação, damos evidência a uma escultura de

antepassado e duas Devadasi ou Yaksa.

Originária de um altar familiar de tamil Nadu, a imagem de um antepassado,

em austera, simétrica e firme posição de asceta jainista, com braços afastados do

corpo, palmas da mão para dentro e pontas dos dedos projectando a energia para o

solo, assinala a rectidão física e espiritual do ente perdido e aqui homenageado.

Duas Yaksa ou Devadasi mostram o requinte da representação destas deusas-

mãe, originárias do Kerala. As suas formas voluptuosas, complexos penteados,

trajes marcantes e acessórios variados revelam a riqueza estilística desta

divindade associada aos conceitos do primordial, de mãe sagrada e mãe natureza,

relacionando-a em metáfora e comparação com a árvore (também Yaksa). Delas

brotam a fertilidade e criação, são fecundas e férteis, são elas que finalmente

promovem a dádiva da vida.

Do Nordeste da Índia chegam-nos três têxteis (xailes) de grande simbolismo e

importância para as tribos Naga. As Naga são tribos

das montanhas que se estruturaram à parte da grande

dinâmica geopolítica e cultural da Índia. Mesmo dentro

da grande comunidade Naga, dividida em centenas de

pequenos aglomerados populacionais, as diferenças

de vivência, organização e até língua e, no fundo, de

culturas é assinalável. Práticas como o cortar de cabeças,

sacrifícios de animais, as comuns celebrações variadas

que assinalam diversos momentos da vida, religiosidade

e crenças e as interessantes festividades dadas por

quem se destaca social e estatutariamente dentro das

comunidades, são momentos-chave e identitários destas

tribos.

teresa Lacerda apresenta-nos três xailes directamente

relacionados com ritualismo, representação estatutária e

simbolismo variado dentro das lógicas de comemoração

das crenças do sobrenatural (quer sejam espíritos ou

divindades) ou de momentos cruciais do aspecto cíclico

da vida natural e humana (fertilidade, prosperidade, vida

e morte).

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Manuel Castilho - AntiguidadesRua D. Pedro V, nº 851250-093 Lisboawww.manuelcastilho.com

Teresa Lacerda - De NaturaRua da Rosa, nº 162 A1200-389 Lisboawww.denatura.org

Jandrade - AntiguidadesRua da Escola Politécnica, nº39 A1250-099 Lisboae-mail: [email protected]

Jorge WelshPorcelana Oriental e Obras de Arte, Lda.Rua de S. Bento, nº 4401250-221 Lisboawww.jorgewelsh.com

Pedro Bourbon de Aguiar Branco - V.O.C. Antiguidades, Lda.R. honório de Lima, nº72 4200-321 Portowww.apa.pt/pab

Galeria da Arcada - Antiguidades, Lda.Rua D. Pedro V, nº49 1250-092 Lisboa

Casa D’ArteLargo de S. Martinho, nº8 (à Sé) 1100-537 Lisboawww.casa-darte.com

70

XAILE COM CíRCuLOS E REpRESEnTAçÃO AnTROpOMÓRFICA ELAbORAdOS COM pEquEnOS bÚzIOS. OS pEquEnOS quAdRAdOS SÃO, nA SuA ORIgEM E MuITO pROVAVELMEnTE nESTE EXEMpLAR

TAMbÉM, TRAbALhAdOS COM pêLO dE CÃO TIngIdO A VERMELhO, ASSInALAndO uMA dAS MAIS EMbLEMáTICAS TÉCnICAS dAS nAgA quE É O EFICAz E COMpLEXO TIngIMEnTO, quER dE FIbRAS

TêXTEIS E dE OuTROS MATERIAIS. ESTE ESTILO É COMuM àS COMunIdAdES nAgA: SEMA, ChAng, KALyO-KEngyu E SAngTAM | FotoGraFia: LuÍs GoNçaLVes.

dossiEr Índia antiQuariato: Índia

Dentro da imensidão de testemunhos Naga

(cestaria, joalharia, ornamentos, armas, peças

em metais, esculturas e tanta cultura material

do quotidiano) os têxteis e traje compõem

simbolicamente peças de extrema elegância

e significado. De Natura apresenta-nos três

belíssimos e cada vez mais raros exemplos destes

xailes cerimoniais (a não perder!!).

Finalmente, muito comum e apreciado no

mercado do antiquariato português, o mobiliário,

escultura, pintura, ourivesaria, têxteis, outras

artes decorativas e marfins indo-portugueses, séc.

XVI-XVII, podem encontrar-se sem dificuldade.

Além dos nomes acima citados, os Casa D’Arte,

Galeria da Arcada - Antiguidades, Lda., Jandrade

- Antiguidades, Jorge Welsh ou Pedro bourbon

de Aguiar branco - V.O.C. Antiguidades, Lda.

são importantes e reconhecidos antiquários que

regularmente presenteiam o mercado português

com peças de excepção, indo-portuguesas e de

influência mogol.

Destaque para Jandrade - Antiguidades que, no

presente momento, dá a conhecer um cativante

e requintado contador mogol (teca, ébano e

marfim; 310 x 435 x �95mm, final do séc. XVI,

Índia Mogol) com motivos vegetalistas e de caça.

Além dos raros e refinados pelicanos, grande

surpresa paira na representação de um português

empunhando uma espingarda, em traje de época

no qual são evidentes as enormes, arejadas e

tufadas calças bombachas (ao estilo namban

jin, epíteto criado pelos japoneses para nós, os

bárbaros do sul), que pode ser apreciado através

dos namban byobu/biombo, nos Museus Nacionais

de Arte Antiga, Soares dos reis ou no Museu da

Fundação ricardo Espírito Santo Silva. |

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MadalEna BraZ tEiXEira

Panos7�ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr Índia

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AS CHITASOs estampados de algodão constituem, porventura, os mais emblemáticos

exemplos de arte têxtil que se classificam atendendo não só à utilização de um

mesmo material e a uma técnica específica, mas ainda devido à sua característica

composição. Conhece-se pouco sobre as suas origens, mas a tradição é

imperativa, tendo sido possível estabelecer analogias formais e encontrar alguma

documentação esparsa que possibilita criar o historial do que é comum tratar por

Chitas de Alcobaça.

“A chita não é um tecido, mas um pano de algodão pintado”, e a sua designação

deriva do hindu, chint. Assim aparece explicitado no Dicionário de bluteau,

publicado em 171�, que se lhe refere como “panos pintados que são da Índia”.

Essa pintura realiza-se por um processo de estamparia manual. É lugar-comum

dizer-se que o termo “chita” é anterior ao vocábulo inglês, chintz. Na verdade, sabe-

se que os primeiros pintados vieram da Índia com Vasco da Gama e que os ingleses

só tiveram conhecimento deste material muito posteriormente, através das trocas

comerciais portuguesas e da sua pirataria. Chintz, segundo o The Oxford Dictionary,

deriva do hindu chint, tendo sido utilizado desde o início do século XVII, e é,

consequentemente, posterior à chita, ou pintados ou ainda calicô, palavras tornadas

sinónimas desde 1498. Calicô é o aportuguesamento de Calecut, de onde estas

mercadorias seguiam para Lisboa.

Na língua francesa, não existe vocábulo próprio e este tipo de tecidos eram designados

indiennes e, mais tarde, toiles de Jouy, por derivarem da manufactura dos estampados

executados naquele local, perto da corte de Versailles. todavia, seria em Mulhouse que

se viriam a concentrar e a desenvolver as fábricas de estamparia industrial francesa.

tanto em Inglaterra como entre os franceses, os tecidos estampados foram, talvez por

razões climáticas, essencialmente destinados à decoração de interiores. No entanto, a

moda de Verão expande-se na Europa desde os finais do séc. XVIII, e restam algumas

peças de vestuário confeccionadas nesse material.

No nosso país, desde 1700 até cerca de 18�0, só os verdadeiros tecidos indianos

foram utilizados no traje, dado o atraso da nossa indústria face à revolução

Industrial dos países atrás citados, mas também

devido à facilidade de acesso

dos portugueses aos produtos importados da Índia.

Não é despiciendo referir que as muitas fábricas

e fabriquetas de chitas existentes no nosso país,

documentadas na listagem apresentada por Jorge

Custódio, se destinavam à estamparia manual dos

mais diversos adereços, desde os lenços (de mãos,

de cabeça e de peito), às blusas e camisas destinadas

à classe média e a gente de poucas posses, pois

data de 1804 uma edição publicada em português

sobre a técnica de tingir os algodões, o que indicia a

democratização da estamparia a nível nacional.

O uso dos algodões indianos na indumentária, que

não de chitas, começa por ser divulgado na corte,

inclusive por pessoas régias como D. Carlota Joaquina,

substituindo e alternando a utilização das sedas e do

linho, como até aí era de regra. A partir de 1816, com

o regresso de D. João VI e após as Invasões Francesas,

o país atravessa uma séria crise política e económica.

Dificuldades de vária ordem, agravadas pela guerra

civil em 183�-35, conduziram à preferência por

produtos nacionais. Os algodões estampados no

país conhecem então um enorme sucesso, dado o

seu preço muito acessível. Será preciso esperar por

1870 para que a indústria fabril ganhe expressão,

o que ocorre com o período regenerador de Fontes

Pereira de Melo. É então que as chitas, totalmente

executadas no país, passam a ser adquiridas por todas

as camadas da população, sendo usadas tanto no traje

como no bragal.

eM CiMa | O TAbAquEIRO, SÉC. XIX

Duas ÚLtiMas eM baiXo LEnçOS dE ALCObAçA, SÉC. XIX

73

PriMeira eM baiXo | ChITAS dE ALCObAçA, SÉC. XIX

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O gosto vacilava entre um barroco tardio e a voga do Neoclassicismo, de que as

colchas constituem paradigmática manifestação, juntamente com o advento de um

primeiro romantismo pouco afirmativo.

A produção nacional foi posteriormente atendendo a um gosto Neoclássico tardio,

na medida em que, tanto as composições padronadas como as que são organizadas

em bandas contêm o léxico gramatical daquele estilo. É perceptível a sua evolução

para ramagens de sabor romântico, não perdendo todavia a estrutura inicial que

só é desconstruída no final de novecentos. Através da leitura formal das colchas,

é possível indicar-se a respectiva datação, muito embora se tenham vindo a

manufacturar alguns dos padrões que se mantiveram estáveis até aos anos

30 do séc. XX.

“Alcobaça” corresponde a uma tipologia de tecidos de algodão estampados,

essencialmente destinados à decoração de interiores, nomeadamente, à

confecção de colchas. Caracteriza-se por três elementos fundamentais: o

material, sempre manufacturado em tafetá de algodão, pela sua rica e variada

policromia e pela composição, em que predominam os motivos florais mas

onde também aparecem albarradas, folhagens, animais, ânforas e motivos

geométricos numa organização padronada que lhe é própria.

A técnica, que constitui ainda um processo identificador das colchas de Alcobaça,

é executada através da gravura sobre tecido de algodão. A gravação era executada

por meio de cunhos de madeira e de ferro. O facto de a composição ser gravada

no algodão por meio de cunhos faz que os desenhos obedeçam a uma estrutura

seriada com marcações repetidas provenientes de diferentes carimbos, quer na

manufactura das colchas, quer na dos lenços ou outros acessórios. A decoração

era distribuída por módulos para cada uma e para as diferentes partes da peça que

se pretendia estampar, compondo-se uma série de cunhos que, juntos, cobriam

a totalidade do algodão cru, podendo deixar parte do suporte à vista quando a

organização do desenho assim o definia.

A composição pode classificar-se em dois grandes grupos: as alcobaças de

padrão, que correspondem à integral cobertura do fundo com um mesmo

desenho de tipo tapete; e as alcobaças de bandas, cuja organização obedecia à

listragem (bandas em listras) dos motivos de modo a que os ornatos corressem

OS LENçOSEstes acessórios do traje tinham várias funções: desde

guardanapos para serem usados à mesa, na limpeza de

partes do corpo, como o nariz, até garrotes, sempre à

mão, para qualquer eventualidade. É no séc. XVIII que se

generaliza o seu uso entre as classes mais abastadas e os

clérigos. Eram de grande necessidade para os fumadores

de rapé que, com estes acessórios de algodão,

executavam o ritual da sua inalação. Este tipo de tabaco

esteve muito em voga em setecentos, sabendo-se, por

exemplo, que o Marquês de Pombal era um inveterado

fumador.

O aparecimento dos algodões da Índia faz crer que os

lenços de algodão importado, de mais fácil lavagem e de

mais suave textura para o uso, tanto junto do pescoço,

como nas narinas, passassem a ser adquiridos para esta

finalidade. O lenço tabaqueiro é uma especialização do

dito lenço comum de duas funções usado pelas classes

menos favorecidas e é um fenómeno oitocentista, na

medida em que o nobre e mesmo o burguês sempre

usaram lenço branco até praticamente aos anos 60 do

séc. XX.

A decoração destes lenços era subsidiária dos desenhos

e ornamentos usados nas colchas, embora mais

simplificados e geometrizados. A policromia também

segue de perto o colorido das colchas, tendendo

a escurecerem à medida que o séc. XIX avança,

mantendo-se os tons vermelho e azul-escuro como os de

maior preferência a nível nacional.

AS COLCHASrelativamente às colchas, estas também foram

usadas no nosso país em setecentos, sendo difícil

precisar quando se trata de colchas vindas da Índia,

as célebres palampor, e quando passam a ser produto

nacional. Portugal vivia um acentuado ecletismo,

motivado pela ausência de árbitros de elegância e

de encomendas públicas e privadas, pois tanto a

família real como a corte se encontravam no brasil.

pALAMpORE Ou pAnO dA índIA, SÉC. XVIII

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Portugal sobre tecidos importados. também é possível que os primeiros cunhos

fossem indianos, aos quais se tivesse sucedido a manufactura de carimbos

portugueses. Esta hipótese, não documentada, permitiria estabelecer uma série de

fases de manufactura até que o produto nacional tivesse atingido a sua autonomia

e se pudesse estabelecer uma evolução no desenvolvimento desta indústria e do

próprio gosto que lhe subjaz.

Existe, no entanto, uma realidade mítica relativa ao local da génese desta tipologia

de arte têxtil que os portugueses se habituaram a considerar como sua, revendo-

se nela como um elemento da identidade nacional, a que não são alheias as

eloquentes palavras de Gil Vicente:

E logo dahi a um ano

Para ajudar de casar

Huma orfam mandaste dar

Meio covado pano

De Alcobaça por tosar...

Penso que é neste contexto que as colchas e chitas de Alcobaça devem ser

perspectivadas, referenciáveis a uma subjectividade pátria, religada a emoções de

ordem afectiva e cultural, fazendo parte de uma história e de um modo de ser com

características peculiares. É o carácter emblemático das peças que está em causa

e não tanto a valia histórica, plástica ou etnográfica. O gosto pelo exótico que se

vem mantendo ao longo dos tempos e que foi esfriado com a Inquisição, que abolia

não só os distintos credos como as suas manifestações sensíveis, explica também o

sucesso desta arte têxtil. Corresponde a uma miscigenação de motivos decorativos

europeus, islâmicos e indianos, mas também ao apelo pelo diferente que calou bem

fundo no cariz voluptuoso do português, que continua a eleger peças de acentuado

valor étnico no interior das suas casas como uma moda cultural que permanece. |

Madalena Braz Teixeira Directora do Museu Nacional do Traje, Lisboa. |

COLChA dE ALgOdÃO ESTAMpAdO, SÉC. XIX LEnçO COM InFLuênCIA ORIEnTAL, SÉC. XIX

dossiEr Índia panos pintados

75

no sentido do comprimento do algodão. Estas

classificações ainda podem ser subdivididas, o

que implicaria a descrição de uma extensa lista de

subgrupos de padronagem destas colchas.

O GOSTOreconhecendo-se hoje que a variedade tipológica

dos lenços e das colchas de Alcobaça constitui uma

realidade incontornável e que estes trabalhos foram

e têm sido considerados, pelo menos a partir de

finais do séc. XIX, genuinamente portugueses, torna-

se necessário equacionar esta arte têxtil. Como foi

referido anteriormente,

as suas origens documentais são pouco precisas e

insuficientes para se poder concluir como e quando se

iniciou este tipo de fabrico, parecendo, todavia, que a

indicação de Maria Augusta trindade Ferreira sobre a

existência no mosteiro de uma fábrica de lençaria nos

finais do séc. XVIII nos conduz mais directamente à

probabilidade de ter existido no entorno do mosteiro

uma manufactura de algodão e/ou de estamparia, tão

importante ou inovadora que teve o privilégio de ter

sido visitada pela rainha.

A tecelagem de linho e de lã constituía uma

obrigatória actividade monacal, destinada à execução

dos têxteis necessários para uso da indumentária e

das alfaias religiosas. Deste modo, uma lençaria não

representava uma excentricidade.

É plausível que os algodões fossem gravados em

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A NossaSenhora é a minhaneta

josé sousa MacHado | josé caBrita saraiva [Jornal Sol]

76ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr paula rEgo

A propósito da exposição retrospectiva que acaba de ser inaugurada no

museu Reina Sofia, de Madrid, visitámos Paula rego no seu atelier londrino

e conversámos sobre pintura e sobre a vida, sobre tudo e sobre nada.

artes & leilões – como está organizada a sua

exposição no reina sofia e porque é que a realiza

em Espanha agora? a paula é conhecidíssima em

londres, em portugal, mas, em Espanha, ainda não

alcançou uma projecção equivalente.

paula rego – Não, eu em Espanha só expus…na

Marlborough; expus os meus quadros sobre o aborto,

mas isso não foi uma coisa pública.

a&l – é, então, a primeira vez que tem uma

exposição com esta envergadura em Madrid…

paula rego – É uma retrospectiva.

a&l – cobre toda a sua carreira artística?

paula rego – Desde 195�, para já…

ENtrEVIStA COM PAULA REGO

a&l – seleccionou as obras que estão expostas em

conjunto com Marco livingstone?

paula rego – Sim.

a&l – Expõe algumas peças relevantes ou

emblemáticas do seu percurso que queira destacar?

paula rego – Foi feita uma selecção brutal, porque ao

longo de todos estes anos eu fiz muitas coisas, não é

verdade?

a&l – pode destacar algumas das obras?

paula rego – Por exemplo, vão construir uma capela

com as minhas avestruzes dançarinas, que são da

Saatchi; também lá estarão Os cães de barcelona, entre

outros.

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a&l – E as vivian girls?

paula rego – Só lá estarão dois quadros dessa série.

a&l – Mas também expõe as colagens anteriores?

paula rego – De colagens, tem os Cães de barcelona,

tem um outro quadro que pertence à tate, que é Os

bombeiros de Alijó e, ainda, O regicida… E mais alguns

outros.

a&l – Expõe obras inéditas?

paula rego – Sim, de toda a minha última exposição

de Londres, por exemplo, estão bastantes obras. Acho

que pouca gente conhece esta exposição…Para além

disso exponho bastantes desenhos, a série sobre a

Misericórdia, que são desenhos que eu fiz sobre a idade,

e gravuras, as Nursery rhymes…tem um pouco de tudo.

a&l – é uma exposição grande, em termos de

dimensão?

paula rego – Pois é. Espero que caiba tudo lá.

a&l – Há pouco disse que teve de fazer uma selecção

imensa. tem uma estimativa de quantas obras já fez

até hoje? Quanto a desenhos, acho que é incontável

mas, por exemplo, telas?

paula rego – Eu tenho fotografados dois mil e tal

desenhos. Quanto a quadros não sei quantos são, nunca

os contei…

a&l – E quanto tempo demorou a organizar esta

exposição?

paula rego – bastante tempo. Isto foi combinado há

cerca de dois anos. Desde então temos tido um trabalho

incrível.

a&l – Quantas peças vão estar expostas na exposição?

paula rego – Quadros… não sei bem, mas serão entre

oitenta e noventa. Mas ainda há que juntar as gravuras

e desenhos, que são muitos. Eles lá no museu têm listas

detalhadas. São muito simpáticos… há um arquitecto, o

Marco Corrales, que é fantástico, desenhou o espaço da

exposição…

a&l – desenhou a arquitectura de espaço?

paula rego – Sim, redesenhou o espaço todo, porque a

sala é gigantesca e tivemos que a dividir para organizar

as coisas. A exposição realiza-se numa extensão do

Museu reina Sofia, que é um recinto maior.

a&l – será com certeza uma importante exposição

e um cartão de visita invejável para a sua estreia em

Madrid…

paula rego – Pois, em Espanha o reina Sofia é um museu importante, não é? E o

Prado é, do meu ponto de vista, o melhor museu do mundo. Do que eu mais gosto na

vida é visitar o Prado. também por isso tenho tanto respeito por Espanha e gosto tanto

de visitar Madrid. É fantástico aquele museu…vou lá sempre com gosto, ver aqueles

santos e o Zurbaran. também gosto muito da colecção que tem de pintura italiana, os

botticelli… extraordinário! têm um bosch, têm tudo.

a&l – é o museu do mundo que tem mais obras de Bosch, mas também de

velásquez.

paula rego – Desse nem se fala. têm sempre uma selecção muito rigorosa e, depois,

salas e salas de El Greco. Mas gosto sobretudo de ir lá ver pintura espanhola, do ribera,

por exemplo, que tanto aprecio. Até parece que nasci lá.

a&l – sente grande empatia ou afinidade com Espanha?

paula rego – Não sei se é afinidade ou empatia, mas gosto muito, porque fui criada

com aquilo, desde pequena. Cresci acompanhada por dois artistas que eram o Goya e

o Gustave Dorê, que era ilustrador. O meu pai tinha livros com gravuras destes artistas

e metia-me medo com o Inferno de Dante. Do Goya, tinha os Desastres da Guerra e

os Disparates, e o Dorê ilustrou tudo o que havia para ilustrar…os contos do Perrault,

o Capuchinho Vermelho, por exemplo. Mas o que eu mais gostava era o Inferno de

Dante ilustrado pelo Dorê. Em dias especiais eu sentava-me ao pé do meu pai e ele

abria o livro e eu sentia muito medo; ver os homens todos gelados, pendurados em

mastros… era uma festa, eu gostava muito e tinha muito medo ao mesmo tempo. Eu

pintei um quadro sobre isso, chamado Fisherman, com o meu pai a mostrar-me esse

livro e a pescar no Cabo da roca. É o meu último tríptico, que esteve na exposição da

Marborough e vai estar também na exposição do reina Sofia.

a&l – a sua obra tem vindo a conquistar muita notoriedade nos leilões da

christie’s e da sotheby’s. Estava à espera deste súbito interesse pela sua obra?

paula rego – Esse interesse que refere não foi assim tão repentino. Eu já tenho 7�

anos de idade. Já trabalho há muitos anos. Esta exposição abarca 5� anos de trabalho…

existem até épocas da minha vida nas quais já nem me lembro o que fiz. E nem sei

onde estão, pelo menos, metade dos meus trabalhos. Andam dispersos por Portugal.

Vou ter de encontrá-los. Há coisas que fiz e nunca mais vi. Foram vendidas pelo Pereira

Coutinho, que não me disse onde elas estavam e não deixou registo nenhum delas.

tenho-me visto grega à procura de coisas antigas minhas. Encontrei o regicida, por

exemplo, através de pessoas amigas. Se alguém souber do paradeiro de quadros meus,

por favor informe-me.

a&l – a equipa do reina sofia que preparou esta exposição não conseguiu

descobrir quadros seus?

paula rego – Como é que eles podiam fazê-lo se não conhecem Portugal? Esse trabalho

tem de ser feito por mim, com os meus contactos. Nem sequer o Marco tem contactos

em Portugal para executar essa tarefa.

a&l – Foi sobretudo em portugal que a paula perdeu o rasto das obras mais antigas?

paula rego – Sim. Mas há também pessoas que não querem dizer que têm quadros

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dossiEr paula rEgo a nossa sEnHora é a MinHa nEta

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meus. É esquisito, não acha? Esse é um assunto a que terei de voltar quando organizar

o catalogue raisonée das minhas pinturas. Eu tenho um das minhas gravuras que

entretanto já está desactualizado porque fiz muitas mais desde então.

a&l – Qual é o papel da mulher na sua obra? a condição feminina é um elemento

preponderante e cada vez mais central na sua obra.

paula rego – Sempre foi.

a&l – é uma atitude um pouco feminista, não?

paula rego – Até bastante. Pois é. As histórias que eu conto, o assunto, são histórias

contadas a partir da experiência de uma mulher. Só sei contar coisas do meu ponto de

vista. Acho muito difícil pôr-me na pele de um homem ou de um bicho. É claro que uso

uma linguagem metafórica; os bichos personificam pessoas, são sempre pessoas.

a&l – nas suas obras há uma extrema identificação entre as pessoas e os bichos,

ao ponto de podermos fazer aquele jogo em que cada pessoa se representa como

sendo um bicho, o animal com que mais se identifica.

paula rego – Nesse caso, com que bicho se identifica você?

a&l – com um cágado, mas preferia ser um macaco.

paula rego – Ai sim, isso é muito engraçado. Havia um actor português, o ribeirinho,

suponho, que também se parecia com um cágado.

a&l – E a paula, com que animal se identifica?

paula rego – Eu gosto do cão, mas o bicho com que mais me identifico é o porco.

Mas, está claro, não é um bicho muito simpático. refiro-me aqueles porcos do Alentejo,

pretos, que têm pêlos bicudos. Eu gosto de todos os porcos.

a&l – não é propriamente um animal para se ter em casa…

Paula rego. – Seria uma grande balbúrdia

a&l – a exposição do reina sofia vai ter itinerância? paris, Moscovo…

paula rego – Não, deve haver aí um engano. A minha exposição de gravuras que

agora anda a viajar pelo mundo é que vai a São Petersburgo. Esteve recentemente em

birmingham. Mas esse é outro projecto. Esta exposição vai viajar até Washington, ao

the National Museum for Women in the Arts.

a&l – a paula conhece são petersburgo?

paula rego – Não, ainda não. E você já lá foi?

a&l – sim, já.

paula rego – O museu deve ser extraordinário. Deve

ser muito diferente dos museus ocidentais, que deixam

imenso espaço vazio à volta dos quadros.

a&l – Quando visitei o Museu tetreakov, há já uns

anos, estava lá uma exposição de obras desde os

primeiros construtivistas até aos anos 60, mostrando o

gesto a ser moldado para propaganda do regime, num

realismo panfletário…

paula rego – Que coisa extraordinária. É uma pena não

termos a possibilidade de ver com mais frequência essas

coisas, nem a arte nazi.

a&l – até parece que estamos perante obras num

estilo realista e fantástico, ao mesmo tempo, só que

com uma carga muito ideológica…

paula rego – Mas o realismo é sempre um pouco assim,

não é? Esse tipo de arte política, de propaganda dos

regimes totalitários, embora não seja aceitável no que

representa, deve ser vista. toda a arte é assim. Em certas

alturas, certas coisas tornam-se impopulares e escondem-

nas nos armazéns. É uma pena… Lá em Portugal

também há muitas coisas do séc. XIX que não estão à

mostra.

a&l – se calhar nós, portugueses, também não

valorizamos a nossa própria cultura, não é?

paula rego – Isso é uma pena, é uma parte da memória

que se perde, mas também uma maneira de fazer arte.

Por exemplo, há poucas coisas do Columbano expostas

e poucos desenhos - que eu adoro - do irmão, do rafael.

Agrada-me aquela vitalidade e sentido de humor que é

tão nosso.

a&l – a paula envolve as pessoas que lhe são

próximas na elaboração dos seus quadros. de certa

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forma, as suas pinturas são teatrinhos, são quadros vivos, à maneira daqueles jogos

de salão do final do século XiX…

paula rego – Sim, toda a gente que conheço, as minhas netas, etc., têm de posar para

mim. A Nossa Senhora, por exemplo, é a minha neta.

a&l – é como se estivesse a criar histórias dentro de histórias.

paula rego – Sim, claro, mas elas têm de estar quietinhas. Mas eu pago-lhes. Já todas

elas experimentaram posar para mim, menos a que tem quatro anos, que ainda é muito

irrequieta. Às vezes, aos domingos, almoçamos todos juntos e depois do almoço as

pessoas mascaram-se como quiserem. Eu tenho caixas com máscaras, fantasias, fatos

espanhóis, de flamengo. As minhas netas dançam, recitam e fazem coisas para nós

vermos. Só que aí eu não dirijo as brincadeiras. É mais ou menos a mesma coisa que se

passa com as minhas pinturas. O meu atelier é um quarto de brinquedos que nem sempre

é divertido. também tem coisas que fazem doer. Aquele lado da injecção que faz doer.

a&l – Quando fala de injecção que faz doer, refere-se ao tempo de gestação dos

quadros, quando as coisas ainda não estão claras?

paula rego – refiro-me à necessidade de disciplina, de desenvolver hábitos regulares de

trabalho. O hábito e a disciplina são muito importantes para quem faz bonecos. Se não

se pinta durante muito tempo, perde-se a mão para o desenho.

a&l – continua a manter uma regularidade de trabalho diária?

paula rego –Sim, trabalho todos os dias da semana, de segunda a domingo. Gosto

muito de desenhar, de pegar num lápis, num crayon, ou num pastel e desenhar uma

figura, sobretudo gosto de desenhar à vista, uma coisa que tenho à minha frente, e

sentir a surpresa de conseguir fazer uma coisa. Sabe que conseguir fazer uma coisa que

está ali à nossa frente é muito difícil, mas também é muito interessante.

a&l – Quando se olha para estes seus desenhos

percebe-se que a paula rego é uma desenhadora

compulsiva.

paula rego – Não desenho fora do atelier. É muito raro

isso acontecer. Certa vez em que precisava de fazer

uma série de pinheiros todos torcidos, tive de ir para o

Guincho desenhar as árvores. Ou seja, se para contar

uma história necessito de qualquer coisa que não

conheço, vou ao lugar onde ela se encontra e copio-a.

Mas não sou uma pessoa que esteja sempre com livros

de esboços a desenhar.

a&l – Quando há pouco falámos do pinóquio, da

Branca de neve, dos contos do perrot, etc, associando-

os às suas histórias, vem-me sempre à ideia um livro

intitulado psicanálise dos contos de Fadas, do Bruno

Bethleim.

paula rego –É um livro importante, que eu já li há

muitos, muitos anos.

a&l – a paula fez psicanálise?

paula rego – Fiz psicoterapia jungiana. É um pouco

diferente.

a&l – E isso foi de algum modo decisivo na sua

pintura?

paula rego – Eu acho que desenvolveu ou reforçou o

TRípTICO | “LER O InFERnO dE dAnTE” | “TRIndAdE” | “pESCAdOR” | pApEL S/ CARTÃO | 180 CM X 120 CM

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Nota final: quando convidei a Paula Rego para vir a Lisboa no dia de relançamento da revista Artes & Leilões, disse-me que não podia pois estaria em Madrid a montar a exposição do Reina Sofia, mas que se sentia bem representada pelo seu embaixador plenipotenciário. Perguntei-lhe quem era ele. É o macaco, ou um qualquer macaco imaginário que por lá circule.

meu interesse nas histórias “ditas” de fadas que são, finalmente, contos tradicionais

bastante duros. Leram, por acaso, os nossos (portugueses) contos tradicionais, reunidos

pelo Leite de Vasconcelos? Contam coisas duríssimas e terríveis. Portanto, a psicoterapia

desenvolveu a minha curiosidade em reler esses contos, porque de facto eu sempre

gostei de ouvir essas histórias. Mas, depois, começamos a fazer arte – e fazer arte é a

pior coisa que há, não é verdade? – e foi por essa via que consegui recuperar o meu

interesse inicial por esse universo fantástico. Comecei pelos portugueses, que são de

uma violência e crueldade espantosas. Gostava de ilustrar os mais terríveis contos…

talvez ainda tenha tempo para isso, para desenhar a partir dos mais terríveis contos

tradicionais portugueses.

todos os contos se parecem, embora variem de país para país. Nós, por exemplo, temos

muitas histórias onde aparecem santos. Os contos portugueses são mais estranhos do

que os dos outros países.

a&l – Estranhos, como?

paula rego – Por exemplo, uma mulher vivia num bosque com o marido que era

lenhador e muito pobre… um dia em que não tinha nada para lhe dar para comer,

cortou um seio e cozinhou-o para o marido que lhe disse ; “Ah, está tão bom!” Os filhos,

claro está, não comeram nada. No dia seguinte não havia outra vez nada para o jantar

e a mulher cortou o outro seio e a história repetiu-se. Guisou-o e deu-o ao marido que

ficou todo contente. No terceiro dia continuavam sem ter nada para o jantar e o marido

pôs-se, como de costume, a refilar. Disse-lhe ela, então: “Olha, já não tenho mais nada

para te dar.” Foi só então que ele reparou que ela estava cheia de sangue e perguntou-

lhe: “Mas o que é que tu tens?” “Cortei os seios, para tu teres o que comer”, retorquiu

a mulher. “Mas então o que é que hoje havemos de comer?”, indagou o marido,

prosseguindo assim: “temos de começar a comer as crianças.” É nesse momento que a

história realmente começa…uma história tipicamente portuguesa.

a&l – nos seus quadros, a mulher é apresentada como heroína e os homens ou são

insignificantes ou fazem os outros sofrer…

paula rego – Não, de todo. Não fazem as pessoas sofrer. Eles às vezes até se mascaram

de mulher.

a&l – Mas há, pelo menos, uma desproporção na escala com que são

representados. as mulheres enormes, às vezes até acumulando os papéis

geralmente atribuídos às mulheres e aqueles que são específicos dos homens, e

os indivíduos do sexo masculino retratados numa dimensão muito menor, quase

inexpressivos e sem nenhuma função de destaque…

paula rego – Sim, claro, embora agora faça menos isso. Eu não mostro o homem como

sendo mau. Até gostava, mas não sou capaz. A maldade no homem é a coisa mais

vulgar do mundo.

a&l – os assuntos que escolhe para as suas pinturas são quase sempre problemas

muito actuais; a violência sobre as mulheres, os miúdos maltratados, violados, etc.

interessa-lhe reflectir e dar a ver a realidade e a violência do mundo actual?

paula rego – No fundo é isso que me interessa. Os meninos da Casa Pia, ou os dos

Salesianos que, apesar de tudo, tinham a vantagem de ser de boas famílias, porque os

pais não lhes batiam. Não tem nada de extraordinário…

é a raça humana, raça humana, raça humana… as

mulheres também fazem muitas maldades.

a&l – de que é que mais gosta em portugal?

paula rego – Quando chego a Portugal demoro sempre

muito tempo a reconhecer o cheiro das coisas. É sempre

um choque. É-me muito difícil fazer seja o que for em

Portugal. É-me mais fácil trazer as coisas de lá para cá e

fazê-las aqui Até pensei em fazer um pequeno atelier na

minha casa do Estoril. E nunca consegui, nunca consegui.

a&l – Mudando de assunto, o que pretende expor no

seu futuro museu que vai ser construído em cascais?

paula rego – Vou doar ao museu todas as minhas

gravuras, um exemplar de cada uma delas. E também

alguns desenhos seleccionados. Para além disso tenho

quadros e coisas minhas que ficarão lá guardadas, em

regime de depósito, e também vamos ter uma sala de

exposições temporárias, onde gostaria de mostrar essas

coisas que não se mostram, coisas oriundas desses

sítios impopulares, de que falávamos há pouco. Gostava

de fazer coisas que normalmente não se vêem, como

ilustração, bonecos, desenho, arte dos prisioneiros, arte

das pessoas que estão internadas… mas que agora já é

difícil encontrar porque estão muito drogadas.

a&l – considera que há muito embuste na arte

contemporânea?

paula rego – Não, acho que não, não há mentira. É

difícil saber uma coisa dessas, porque na arte há sempre

uma transformação e as coisas deixam de ser o que

eram e passam sempre a ser outra coisa... Pessoalmente

interessa-me mais a arte feita à mão. Claro que adoro

cinema, adoro o Almodôvar, o Del toro; gosto mais de

ver filmes do que ver vídeos de arte. É uma chatice, tanto

tempo às escuras. Não é uma coisa que eu gostasse de

fazer. tenho amigos, como o João Penalva, que admiro

muito, e que gostam de fazer essas coisas. Eu não sei

fazê-las. É como o bill Viola, que dizem que é muito

religioso e tudo o mais, mas eu prefiro a Anunciação do

botticelli. |

dossiEr paula rEgo a nossa sEnHora é a MinHa nEta

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Livi

ngst

one

sandra viEira jÜrgEns

83

dossiEr paula rEgo

ENTREvISTA

Crítico e historiador de arte, Marco Livingstone é o comissário da retrospectiva de Paula Rego no Reina Sofia que decorre até 31 de Dezembro.

paUla ReGO |“CÃES VAdIOS (OS CÃES dE bARCELOnA)”, 1965 | COLAgEM E ÓLEO SObRE TELA | 160 X 185 CM | COLECçÃO JOÃO REndEIRO

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

Mar

co

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a&l: Em que contexto tomou contacto com a obra de paula rego?

Marco livingstone: Fiquei a conhecer as pinturas de Paula rego, e a própria

artista, quando esta começou a expor na Edward totah Gallery, em Londres,

em 198�. Anteriormente tinha realizado apenas uma exposição individual em

Inglaterra, embora já fosse muito conhecida e admirada em Portugal.

a&l: o que representa comissariar uma exposição retrospectiva de paula rego?

Marco livingstone: Antes de me tornar curador independente, em 1986, já tinha

trabalhado durante dez anos em museus. Embora trabalhar como freelancer se

possa reflectir numa existência precária, possui a grande vantagem de me dar

liberdade para poder trabalhar em contextos e situações diversos, e com artistas

que admiro. A Paula já tinha iniciado contactos com o Museu reina Sofia sobre a

realização de uma grande retrospectiva da sua obra, quando me convidou para

comissariá-la como independente. Senti-me muito honrado pela confiança que

depositou em mim e obviamente agarrei esta oportunidade, sobretudo porque

admiro a sua obra há muito tempo. Comissariar esta exposição é um trabalho de

grande responsabilidade, pois sei o quanto é importante para a Paula mostrar o

seu trabalho com tanta profundidade em Espanha, por razões culturais e também

pela grande importância que a arte espanhola, especialmente de Goya, teve no

desenrolar do seu trabalho.

a&l: nesta exposição retrospectiva irá experimentar uma nova abordagem à

obra de paula rego?

Marco livingstone: Esta será de longe a maior e a mais exaustiva exposição

jamais consagrada à obra da Paula, com cerca de �00 pinturas, desenhos,

gravuras e litografias, abrangendo um período superior a 50 anos. realçaremos

todas as principais séries de obras que produziu desde que era estudante na

Slade School of Fine Art em Londres no princípio dos anos 50, e mostrá-las-emos

numa ordem mais ou menos cronológica. É uma maneira simples de dar sentido

às múltiplas mudanças ocorridas na sua produção artística ao longo dos anos, e

de revelar conexões e continuidades inesperadas no

âmbito daquilo que superficialmente podem parecer

grandes alterações de rumo na sua abordagem.

a&l: como estará organizada a mostra no reina

sofia?

Marco livingstone: Estamos a trabalhar nesta

exposição desde Novembro de �005. Pode parecer

muito tempo, mas é um período efectivamente curto

para um projecto desta dimensão, principalmente

pelas dificuldades que surgem quando se trata

de encontrar algumas das obras e de garantir um

tão grande número de empréstimos. A Paula e

eu trabalhámos juntos na selecção das obras, em

colaboração permanente com Lucia Ybarra, do

departamento de exposições do museu, que tem sido

a responsável por toda a coordenação.

a&l: Qual foi o critério que presidiu à sua

concepção? o critério é cronológico, abarcando

diferentes períodos da obra de paula rego? ou

existe uma ideia em torno da qual se estrutura a

exposição?

Marco livingstone: A exposição desenvolver-se-

á mais ou menos cronologicamente nas galerias

(salas), e também no catálogo, permitindo ao

público compreender o modo como as ideias, os

temas e as técnicas evoluíram na obra da Paula ao

longo dos anos. Existem tantos níveis na sua arte

que nos pareceu preferível não impor uma direcção

paUla ReGO | “O MACACO VERMELhO bATE nA MuLhER”, 1981 | ACRíLICO SObRE pApEL |

COLECçÃO dA ARTISTA

paUla ReGO | “A pEquEnA ASSASSInA”,

1987 | ACRíLICO SObRE pApEL MOnTAdO EM

TELA | 150 X 150 CM |

COLECçÃO pARTICuLAR, LOndRES

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Page 67: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

curatorial mas deixar que a obra fale por si.

a&l: por que motivo surge esta exposição neste

momento?

Marco livingstone: Já deveria ter sido feita há

muito tempo! Ainda não houve uma exposição desta

dimensão no reino unido, onde a Paula produziu

a maior parte da sua pintura. A última exposição

deste género realizada na Inglaterra ocorreu na

tate Liverpool há exactamente dez anos, e a Paula

produziu entretanto um número extraordinário de

pinturas, incluindo algumas das suas melhores obras.

a&l: Qual será a importância desta mostra de

paula rego em Madrid? sendo o seu trabalho já

muito conhecido em portugal e inglaterra, será esta

uma oportunidade de reforçar a sua visibilidade

noutros países europeus? Qual espera ser a reacção

do público espanhol?

Marco livingstone: uma exposição tão ambiciosa

e exaustiva como esta dará certamente impacto ao

reconhecimento internacional da obra da Paula, e

isso conseguir-se-á também através do catálogo, que

chegará a um grande número de pessoas que não

poderão ver a exposição pessoalmente. Mas, acima

de tudo, é uma oportunidade para a obra da Paula

ser muito mais apreciada em Espanha. Porque, no

fundo, as suas memórias de infância sob a ditadura

fascista em Portugal, e a sua vasta experiência

enquanto mulher numa sociedade latina, devem tocar

profundamente a sensibilidade de muitos espanhóis, tanto dos homens como das

mulheres. Para muita gente, o confronto com esta arte tão pessoal, tão intensa e

profundamente vivida ocasionou um encontro que mudou a sua própria vida. Estou

certo de que isso ocorrerá também com os espanhóis.

a&l: seria pertinente trazer esta exposição a portugal?

Marco livingstone: têm havido óptimas exposições da obra de Paula rego

em Portugal, particularmente a extraordinária mostra no Museu Serralves, no

Porto, em �004, que integrou a sua produção artística desde 1997. A sua última

grande retrospectiva, que foi inicialmente mostrada na tate Liverpool em 1997,

transitou imediatamente para o Centro Cultural de belém, em Lisboa, onde foi

magnificamente recebida. A Fundação Calouste Gulbenkian, que tem dado um

grande apoio à Paula ao longo dos anos, possui quadros dela na sua colecção

permanente e já realizou diversas exposições da sua obra. Por isso achámos que

não era necessário trazer esta exposição a Portugal, e também porque os seus fãs

portugueses poderão facilmente deslocar-se ao reina Sofia - um bom pretexto para

ir a Madrid!

a&l: tem seguido o percurso de outros artistas portugueses?

Marco livingstone: Nos últimos cem anos existiram alguns artistas portugueses de

grande mérito, incluindo alguns contemporâneos que são amigos e conhecidos da

Paula rego. Mas, sem querer diminuir a sua relevância, penso que a Paula rego se

situa num plano singular, sendo uma das artistas mais imaginativas, talentosas e

influentes a trabalhar hoje no mundo. |

Marco Livingstone Autor de referência no estudo da Pop Art, organizou várias retrospectivas itinerantes e assinou uma das obras mais destacadas sobre o movimento - a Pop art: a continuing history. Ao longo da sua carreira escreveu sobre o trabalho de numerosos artistas, entre os quais David hockney, R.B. Kitaj, Allen Jones, Peter Phillips, Jim Dine, Tom Wesselmann, George Segal and Duane Michals. |

paUla ReGO | “A FAMíLIA”, 1988 | ACRíLICO SObRE pApEL MOnTAdO EM TELA | 213,4 X 213,4

CM | ThE SAATChI gALLERy, LOndRES

paUla ReGO | “guERRA”, 2003 | pASTEL

SObRE pApEL MOnTAdO EM ALuMínIO | 160

X 120 CM | TATE, IngLATERRA

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Page 68: DiRecTOR eDiTOR GeRal Nº 1 OutubrO 2007 · 2007 DiRecTOR José Pedro Paço d Arcos jpdarcos@arteseleiloes.com eDiTOR GeRal ... Não obstante os nay-sayers, que apregoavam que uma

arte & leilões – como entende a relação entre a arquitectura e as artes plásticas,

nomeadamente no que se refere à concepção de espaços expositivos?

E.souto Moura – Como uma consequência do tipo de afinidades entre as duas

disciplinas, cujas fronteiras são cada vez mais ténues. Dizer que isto é pintura, ou que

isto é escultura, que o Cabrita reis é escultor ou é pintor, ou que o Ângelo é escultor ou

é pintor faz cada vez menos sentido. E isto não acontece apenas no domínio das artes,

mas também no da ciência, quando parte da investigação da biologia é desenvolvida

pela física, a da física pela química, etc.

A arquitectura é cada vez mais pictórica e os pintores cada vez se sentem mais

próximos da arquitectura. Quando conheci o Donald Judd, ele disse-me que ia deixar

de ser artista plástico e queria ser arquitecto porque precisava do programa do cliente;

já não aguentava mais a angústia da posição tradicional do artista que só é confrontado

consigo, sem feedback, nem julgamento do exterior.

Portanto, o museu é, hoje em dia, cada vez mais uma obra de arte autónoma, na

mesma medida em que as obras de arte que se colocam nos museus estão cada vez

mais perto da arquitectura, como as instalações que, muitas vezes, são fragmentos de

arquitecturas. Muitas vezes os campos confundem-se e, também por isso, os artistas

não querem que os arquitectos assumam um grande protagonismo, porque isso pode

abalá-los. repare como cada vez mais, na construção dos museus e galerias, são

escolhidas estruturas industriais, porque estas construções não têm intencionalidade.

Quem as concebe pensa unicamente que têm de ter quatro paredes e um tecto.

josé sousa MacHado

86ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

dossiEr paula rEgo

ENtrEVIStA COM EDUARDO SOUTO MOURA

Claríssimo no discurso, poético na forma,

desconcertante nas ideias, o arquitecto

Eduardo Souto Moura conversou connosco

acerca do projecto da Casa das Histórias

e dos Desenhos Paula Rego, que será construído

em Cascais, na antiga Parada.

NãO HÁ ARTE SEM DELITO

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de altura, onde vão decorrer as exposições temporárias. Pode-se subir e descer o tecto

e construir os cenários que se quiser. Se, à partida, não tivermos como base de trabalho

uma colecção definida, é muito difícil decidir sobre a forma que o museu vai assumir.

Neste caso, considerei necessário adaptar os espaços à escala das obras de arte que

estarão expostas, porque há obras que precisam de um pé direito de quatro metros,

outras de seis metros, etc. tentei responder ao leque mais plural possível.

Acho que a Paula rego foi inteligente, a começar pela escolha do nome do museu

– Casa das Histórias e dos Desenhos Paula rego -, não só porque ela é uma artista

que está pujante, está em plena actividade, mas também porque pretende que este

museu seja um laboratório, uma oficina de experimentação artística, com crianças

ou seja lá quem for.

Hoje em dia os museus não são apenas locais onde se visitam exposições, mas

também lugares de convívio e ponto de encontro entre pessoas, com livrarias, sítios de

lazer diversos, restaurantes, esplanadas… Procurei desenvolver esta faceta menos usual

- há uns anos atrás isto teria sido considerado um pecado de “lesa majestade”.

a&l – Este seu projecto estrutura-se a partir do diálogo com a obra da paula rego,

por um lado, e com o meio ambiente, por outro, integrando o museu no meio

ambiente envolvente e fazendo os módulos estruturantes do edifício funcionarem

como negativo do mundo natural…

E.souto Moura– Eu acho que a arquitectura – e não só ela – é uma disciplina que

não tem nada a ver com a natureza, antes pelo contrário. Enquanto que para os

clássicos, a perfeição consistia em os artistas imitarem a natureza, a modernidade,

de que um Almada ou um rimbaud são exemplos, nasceu em ruptura com tudo

isto. Neste caso, a natureza é que tem de copiar a arte. Eu gosto mais das coisas

feitas pelo homem do que das coisas feitas por Deus… se Deus fez as uvas, o

a&l – deduzo do que afirma que o museu que

desenhou para a paula rego tem uma forte marca

autoral…

E.souto Moura – Claro que sim, porque sou

arquitecto e a Paula rego escolheu-me a mim - e não

outro arquitecto – para projectar este museu, e eu

não me posso limitar a fazer um barracão cinzento.

tentei ser comedido nas minhas opções, pois sei

que há obras que exigem maior intervenção autoral

e outras menos, há certas obras mais densas do que

outras. um museu pode e deve ter impacto exterior

e beleza, mas deve também definir a sua identidade

- as salas, os espaços – em termos não concorrenciais

com o que lá se expõe. Deixei o espaço ter alguma

neutralidade, usando a luz natural - abri janelas.

a&l – Foi por considerar que este museu pretende

ser também um espaço cultural dinâmico e

lúdico, ao invés da ideia tradicional que temos dos

museus, que optou por organizá-lo em módulos que

lhe conferem uma enorme polivalência?

E.souto Moura – Eu tentei que as formas e

volumes da arquitectura pudessem corresponder ao

dimensionamento do que julgo serem as obras da

Paula rego e do seu marido. Fundamentalmente, há

uma sala laboratório, que é uma sala com 10 metros

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a&l – Este seu projecto de museu cita

implicitamente o raul lino…

E.souto Moura – Eu achei que o museu devia ser

fragmentado, devia ter escalas diferentes. Quando vi

ali perto uma casa do raul Lino, gostei da articulação

de volumes, com hexágonos e torreões de diferentes

alturas. Ele resolvia-me a questão que tinha em mente

e, então, pus-me a estudar a sua obra, fazendo, como

de costume, exercícios de cópia, como fazíamos na

primeira classe. Faço sempre assim: ponho o livro à

frente e desenho até interiorizar o que ali está, até

que um dia me sai qualquer coisa do género, sem eu

sequer pensar no assunto.

recentemente, comecei a fazer uma arquitectura

mais desarticulada talvez porque neste momento

não existe nenhuma teoria que me satisfaça.

talvez por causa da idade, ou por nunca ter

experimentado, comecei a interessar-me por

arquitectos mais complexos, mais barrocos. Vivemos

numa época sem ideologia. Hoje tudo é possível.

Por exemplo, um bom arquitecto barroco sabia

o que era a contra-reforma e um arquitecto neo-

clássico provavelmente seria panteísta, mas hoje,

neste mundo plural, podemos ser tudo, sem nos

comprometermos com nada. |

homem fez o vinho, que é muito melhor, Deus fez as pedras, mas o homem fez

a Acrópole. Ser arquitecto é, justamente, entender que a natureza é defeituosa.

Aceitei fazer aquele projecto porque acho que aquele sítio ficará melhor com uma

intervenção de arquitectura. Se ficar pior, o projecto falhou.

também me parece que braga ficou muito melhor com aquele estádio instalado na

pedreira do que com a pedreira ao ar livre, parada. Quando o colectivo se apropria

dos projectos é porque estes fazem sentido e então, nesse caso, o arquitecto fica

satisfeito com o que fez.

a&l – Mas, em sua opinião, a própria topografia do terreno determinou a

sua intervenção arquitectónica. certos elementos naturais sugeriram-lhe

apontamentos à maneira dos jardins japoneses.

E.souto Moura – É que as coisas boas têm de ter vazios. Disse, com muita razão, o

Herberto Helder que: “É com o silêncio que se fazem as vozes”. E é com os vazios que

se faz a poesia. Se tudo estivesse perfeitamente encadeado não seria poesia; faltaria

o ritmo, os espaços, a música. Os intervalos dos sons são tão ou mais importantes do

que os próprios sons. Mas há uma coisa muito perigosa na arquitectura e, se calhar,

também na arte, que é o “bonito”… está muito próximo da elegância e da amabilidade.

E isso conduz facilmente ao facilitismo. A arte, por natureza, tem de ser contra-natura.

Não há arte sem delito.

a&l – a sua própria linguagem é muito poética. preocupa-se com este tipo de

questões quando projecta?

E.souto Moura – Não é consciente. A arquitectura, em minha opinião, não deve ser

narrativa; quem quiser ter esse tipo de postura que vá para o cinema ou para a literatura.

A arquitectura é abstracta, rege-se por regras próprias que devem corresponder a uma

determinada intenção programática colectiva. A arquitectura é uma arte social.

89

dossiEr paula rEgo não HÁ artE sEM dElito

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gisEla lEal

90

crÍtica

A �7 de Outubro de 1960, por proposta do crítico de arte Pierre restany, oito

artistas assinam a “Declaração Constitutiva do Nouveau Réalisme” em casa de Yves

Klein. um desses nomes (a par dos próprios Yves Kleins e Pierre restany, Arman,

raymond Hains, Martial raysse, Daniel Spoerri, Jean tinguely e Jacques Villeglé)

é o de François Dufrêne, que podemos actualmente visitar no Museu de Arte

Contemporânea de Serralves. trata-se da primeira exposição retrospectiva realizada

fora de França de um artista cuja obra está sobretudo marcada pela superação dos

limites entre géneros artísticos.

A irreverência e o inconformismo foram o motor de um percurso que procurou

incessantemente desmontar a realidade e mostrar o seu verso. E se bem que o seu

nome não seja dos mais referenciados quando se fala do “Novo realismo”, certo

parece ser que Dufrêne terá sido dos mais originais artistas franceses do pós-guerra

a dedicar o seu trabalho à crítica da linguagem e à crítica sociológica. Numa França

pré-Maio de 68, um Dufrêne ainda adolescente aproxima-se de Isidore Isou e do

seu movimento letrista, onde desde logo inicia um convívio com nomes como Guy

Debord, dando os primeiros passos para a construção de um corpo de trabalho

singular.

Mais tarde, o manifesto dos “novos realistas” propõe um regresso ao real, por

oposição às correntes institucionalizadas à época. E são precisamente as “novas

abordagens perceptivas do real” (definidas no manifesto) e o cruzamento das

gramáticas particulares de práticas artísticas diversas que trarão a Dufrêne a

sua singularidade artística. “Músico da linguagem”, serão os jogos de subversão

- da palavra e da imagem - a servi-lo na exploração de “novas possibilidades de

construção de significantes que resistem à convencionalidade dos seus possíveis

significados”, como refere João Fernandes, comissário da exposição juntamente

com Guy Schraenen.

François Dufrêne aproxima-se e simultaneamente afasta-se de cada um dos

movimentos a que se foi associando: ao mesmo tempo que recolhia cartazes das

ruas de Paris com raimond Hains ou Jacques Villeglé numa prática de “respigação”

e re-apropriação do real, Dufrêne ia mais longe e mostrava os avessos dos mesmos

(os seus “dessous d’affiches”); ao mesmo tempo que procurava no contexto da

poesia sonora a subversão e re-utilização da palavra, Dufrêne experimentava os

limites físicos da poesia, criando o Crirythme [Gritoritmo]; até no filme Dufrêne

procurou o verso da imagem - em Trois Minutes en Vitesse pour Mettre à Jour

Quelques Dessous de Visions, Dufrêne mostra uma Paris reflectida.

Em Serralves é agora apresentado um vasto conjunto de telas, dois filmes e algumas

das suas gravações sonoras - muito do trabalho de

Dufrêne ficou assente na performance e no registo

sonoro -, bem como variado material editado pelo

artista (revistas, livros, cassetes). A presente exposição

parece-nos, assim, querer fazer justiça a um nome

fundamental da arte contemporânea francesa no pós II

Guerra Mundial, mais comummente associado à poesia

sonora do que às artes visuais. |

fRançOiS DUfRÊne | ”EnCORE”, 1965 | AVESSO dE CARTAz MOnTAdO SObRE TELA | 130 X

195 CM | COLECçÃO FRAC bRETAgnE FOTOgRAFIA: guy JAuMOTTE | © aDaGP, Paris, 2007.

fRançOiS DUfRÊne | “bObInO”, 1973 | AVESSO dE CARTAz MOnTAdO SObRE TELA | 55 X 81

CM | COLECçÃO pRIVAdA | FotoGraFia: MarC DoMaGe

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

#41

François duFrÊnE EM sErralvEs O vERSO E O vERSO

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nuno crEspo

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Os trinta anos que decorreram desde a primeira edição do Münster Projectos

de Escultura fazem prova de que o escultórico é um campo mutante que conhece

múltiplas transformações e desenvolvimentos. O campo expandido que rosalind

Krauss identificou parece dar agora lugar ao reconhecimento topográfico das

diferentes zonas que o compõem. Os 34 projectos apresentados em Münster

não se destinam a fazer qualquer tipo de balanço ou a realizar o levantamento

das tendências da escultura contemporânea; o seu âmbito é o da detecção dos

diferentes modos de compreender o gesto escultórico. Em qualquer dos casos, o

eixo não é localizado em nenhum tipo de linguagem, nem numa revisão histórica

dos diferentes estilos. O denominador comum é a utilização do espaço público

que em nenhum dos casos conhece constrangimentos formais, materiais ou

conceptuais.

As esculturas espalhadas pelo tecido urbano revestem-se de um ímpeto

sismográfico de descoberta das diferentes capacidades que cada uma delas

possui de interagir e moldar o espaço que ocupa e que é sua condição. trata-se

da exploração das qualidades do espaço público enquanto espaço expositivo e

deste enquanto reflexo da vida pública e suas interacções. O pressuposto é que a

utilização da esfera pública é sintomática das diferentes dinâmicas que apresenta.

maRk WallinGeR | “zOnE” | FotoGraFia: roMaN ostojiC/sP 07.

O conceito de “escultura social”, cunhado por beuys,

não é estranho a este modo de pensar, sobretudo por

dizer respeito não ao ponto de vista sobre a escultura

que a vê como um processo acabado ou um objecto,

mas antes como o colmatar de um processo dinâmico

e expansivo. trata-se de uma relação que conhece

fundamentalmente três eixos: as obras, a cidade

e o público. Por isso, a própria história da cidade

e dos seus agentes não é um elemento estranho

aos processos que a cada dez anos são postos em

movimento. Se se trata, por um lado, de descobrir

novas linguagens escultóricas, também se trata, por

outro, de as colocar em confronto com o passado

dessa mesma cidade e com a própria história da

escultura.

Nesta edição, um dos projectos mais emblemáticos

é de Mark Wallinger (n. reino unido, 1959). um

cordão praticamente invisível delimita uma zona da

cidade de Münster: as questões que o seu projecto

levanta prendem-se, naturalmente, com o impulso

primordial de delimitar uma área no interior da qual

acontece a escultura e uma zona exterior a esse

gesto de delimitação. A invisibilidade da fronteira

que estabelece mostra a ineficácia das tentativas

de rigidamente determinar zonas de exclusão, de

contacto e permanência. A ocupação total que faz do

espaço é simultaneamente invisível e, assim, consegue

erigir um discurso estético-político sobre as fronteiras

entre os diferentes tempos, espaços e linguagens.

Mas se a questão da relação da escultura com o

espaço público é central, também o é a relação com

a história da cidade e a própria história da escultura.

Guillaume bijl (n. bélgica, 1946) criou uma instalação

que recupera a tradição das igrejas cristãs da cidade.

No interior do que parece ser uma escavação

arqueológica, o artista cria um trompe l’oeil que num

crÍtica

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

ZONAS DE ESCULTURA

#41

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crÍtica Zonas dE Escultura

9�

registo quase surrealista faz surgir a igreja envolta numa espécie de chamas. Já Martha

rosler (n. EuA, 1944) permutou certos símbolos (históricos e religiosos) da cidade,

integrando-os noutros contextos e testando a sua validade iconográfica no interior

do discurso histórico local, o qual passa, inevitavelmente, pelas guerras mundiais,

pela religião e pela própria história da Escultura. Mas o pendor histórico em Münster

tem o seu auge com a construção da pirâmide invertida de bruce Nauman (n. EuA,

1941), projectada em 1976 para aquele mesmo lugar. Além de ser uma intervenção

emblemática, as suas consequências estão relacionadas com a própria validade de um

projecto que é construído trinta anos depois. Os constrangimentos sociais, históricos,

artísticos e arquitectónicos não são os mesmos. Da sua rejeição ou integração

depende a pertinência e actualidade de um pensamento que se vem afirmando quer

BRUce naUman | “SquARE dEpRESSIOn“ | FotoGraFia: areNDt MeNsiNG/sP 07.

GUillaUme Bijl | “ARChAEOLOgICAL SITE (A SORRy-InSTALLATIOn)” | FotoGraFia: roMaN

MeNsiGN/sP 07.

na cidade, quer na própria convivência pública com o

deslocamento de perspectiva que Nauman opera numa

praça pública.

É sem dúvida o grande acontecimento mundial da

escultura. Não só porque resiste ao tempo, mas também

porque permite colocar em confronto o que se fazia e

o que se faz, o que se pensava e o que se pensa. um

confronto destinado, não a validar determinados artistas,

circuitos ou tendências, mas a aprofundar o olhar sobre

o sítio em que se desenvolve a Escultura e que as

esculturas desenvolvem. |

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94

EXposiçÕEs

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

”Um aTlaS De acOnTecimenTOS /plaTafORma 3/ O eSTaDO DO mUnDO” | FundAçÃO

CALOuSTE guLbEnKIAn LISbOA | 6 OuT - 30 dEz 07 | SERgIO VEgA | “CROCOdILIAn

FAnTASIES”, 2006 | VISTA dA InSTALAçÃO | Cortesia: PaLais De tokyo/kLeiNeFeNN, Paris.

jean-lUc mOUlÈne | CuLTuRgEST | LISbOA | 22 SET - 25 nOV 07 | “dOCuMEnTS/ChEF pARIS,

11 AVRIL 1998”

paUlO menDeS | gALERIA REFLEXuS ARTE COnTEMpORânEA |

pORTO | 21 SET - 3 nOV 07 | “S dE SAudAdE, RETRATOS dA VIdA pORTuguESA”

aUGUSTO alveS Da Silva | gALERIA FOnSECA MACEdO | pOnTA dELgAdA | AçORES | 11 OuT - 27 nOV 07 |

“VEAdO”, 2001 | C-pRInT | 60 X 90 CM

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Quem é Quem na Arte Portuguesa? Todos sabemos ou julgamos saber. Quem Será Quem?

não sabemos ainda, mas apostamos. Quer apostar connosco? A escolha é sua. O risco é seu.

Nós limitamo-nos a sugerir nomes: uns óbvios, outros menos.

95ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

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quEMéquEM

FOTOgRAFIA: JOÃO FERRO MARTInS / pCR STudIO

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

pEdRO caBRiTa ReiS Lisboa, 1956

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quEMSeRáquEM

FOTOgRAFIA: JEd gRAçA.

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

JOÃO SeRRa Lisboa, 1976

João Serra concluiu o Curso Avançado de Fotografia do Ar.Co

em 2006 e é actualmente finalista do curso de Filosofia da

Faculdade de Letras da universidade de Lisboa.

O artista desenvolve os seus projectos artísticos no domínio

da fotografia, com a apresentação de obras que exploram

a subtil fronteira existente entre as imagens e as coisas.

A fotografia que reproduzimos assinala esse seu interesse

e marca a sua distinção com os prémios bES Revelação e

Anteciparte, ambos em 2006. |

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jOãO SeRRa | “SEM TíTuLO”, 2006 | FOTOgRAFIA A COR | IMpRESSÃO LAMbdA | 120 X 156 CM.

Interessava-me deixar emergir o potencial estético,

pictórico e escultórico do assunto, substituindo o olhar

quotidiano por um olhar que reconhecesse outro tipo de

valores. Ou seja, dando a ver o que toda a gente já viu,

a banalidade dos objectos, mas investindo-a de novas

possibilidades.

A fotografia tem sido o médium que permite dar conta

da posição dos objectos no aí do mundo, salvando-os do

seu carácter efémero. Mas mais do que isso, permite que

os objectos venham a ser de outro modo, pelo menos aos

olhos do espectador.

A minha proposta é um convite a uma reflexão acerca da ténue distância que há entre as imagens e as coisas.

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INTERNACIONALIZAçãO DA CULTURA PORTUGUESA

1. Em Genève, Newark, Joanesburgo, Frankfurt ou

Caracas, Portugal está mais presente através dos

portugueses ditos “comuns”. Para certos portugueses

“cultos”, os portugueses “comuns” são uma espécie

de clube da terceira divisão: esforçados mas sem

relevância ou qualidade assinalável. Desprezíveis, até.

Apesar de haver, aproximadamente, cinco milhões de

portugueses espalhados pelo mundo, no fundo, onde

é que eles estão? Onde é que eles estão no nosso

quotidiano, no nosso imaginário? Numa pequena

gaveta colectiva onde se guarda a recordação dos

parentes de que não queremos falar aos amigos.

Muitos desses portugueses já se afirmam na “divisão

de honra” e na “primeira divisão”. Vai ser bonito de

ver, daqui uma geração ou duas, políticos, artistas,

empresários, a disputar espaço numa qualquer

fotografia, ao seu lado, em Paris, Sidney,

ou Luxemburgo. Nessa altura, haverá razão para eles

nos quererem na fotografia?

As solidariedades demoram gerações a construir

e a verdade é que uma linha prioritária de

internacionalização está nesse grupo assinalável

de portugueses. Ao tratamento envergonhado ou

mesmo agressivo do período do Estado Novo, seguiu-

se uma política pública de enquadramento, nesta III

Os nomes podem ser invisíveis pelas mais diversas razões. Nem sempre é o melhor, revelar certos nomes. Melhor que permaneçam na sombra. Por outras vezes, vale a pena o ritual de os chamar. Falo, claro, de pessoas, coisas, situações, relevantes para o domínio onde esta revista exerce o seu papel: a Cultura, as Artes. Este espaço mensal pretende propor comentários sobre alguns temas/nomes, sendo que, por vezes, há nomes que escondem nomes.

101

jorgE BarrEto XaviEr

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

crónica

#41

leOnOR anTUeS | ”unCERTAInTy And dELIghT In ThE unKnOwn (1)”, 2007 | VISTA dA InSTALAçÃO | LOndRES

NOMES INvISÍvEIS

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Se se perguntar à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, ao Instituto

Camões, ao Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, ao ICEP, ou a outras

estruturas públicas, qual o grau de articulação entre elas junto dos emigrantes, antevejo

que a Secretaria de Estado apoia a “baixa cultura”, o Camões a “alta cultura”, o IPAD

dirá que o seu caminho é o apoio ao Desenvolvimento, e o ICEP que o seu negócio é

números.

Claro que isto é uma caricatura. O que quero dizer é que é habitual não operar

articulações e potenciar intervenções. Ainda mais evidente será essa ausência de

articulação se se perceber que há dezenas de municípios que promovem geminações e

intercâmbios internacionais e que as regiões Autónomas da Madeira e Açores também

desenvolvem uma série de programas de interacção. Não defendo uma intervenção

unitária nem uma via única. É saudável e desejável uma intervenção plural, mesmo a

nível público. Mas é difícil de perceber uma articulação muito deficiente ou nula em

objectivos que são (ou deveriam ser) comuns: a melhoria da percepção da cultura

portuguesa pelos emigrantes e seus descendentes; a aprendizagem do Português; o

suporte a projectos de portugueses nos países de residência.

república. As chamadas “remessas dos imigrantes” já

tiveram um papel significativo na economia portuguesa

mas, nem essa ajuda ao desenvolvimento de quem saiu

por aqui não conseguir viver, comoveu.

Falando ainda dos emigrantes da “3ª divisão”,

como é que podem esquecer décadas de indiferença,

ou mesmo políticas de desinvestimento, que têm

levado, recentemente, ao fecho de consulados, à

limitação de apoio aos leitorados/leitores de português,

à criação de escolas portuguesas, à falta de apoio ao

funcionamento de aulas de português, à falta de apoio às

suas actividades comunitárias, etc.? Como é que podem

esquecer a ausência de organizações portuguesas da

área da cultura e da educação junto deles? Claro que há

outros que marcam presença: instituições ligadas à Igreja

Católica, instituições bancárias, o jornal A Bola.

10�

leOnOR anTUneS | ”ThE SpACE OF ThE wIndOw”, 2007 | VISTA dA InSTALAçÃO | pARIS

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103

crónica noMEs invisÍvEis

Falo do espaço estrangeiro ocupado por emigrantes como território primeiro da

internacionalização da cultura portuguesa. tanto as artes contemporâneas como os

projectos de promoção do livro e da leitura, do património, da língua, podem ter

junto destes destinatários uma porta de entrada privilegiada.

Porque não terão eles direito ou poderão achar estranho receber Pedro Cabrita

reis, Julião Sarmento, Ângela Ferreira? Claro que se tem de fazer um trabalho

de preparação. Mas os portugueses de �ª geração, de 3ª geração, os que agora

têm vinte anos e nasceram “lá”, não têm nostalgia de Amália ou do chouriço, da

sardinha assada ou de Quim barreiros. As suas referências culturais estão “aí”.

O Portugal contemporâneo tem muito de modernidade, pode gerar símbolos fortes,

também no sistema das artes. Será preciso trabalhar a sua recepção, certamente

mais difícil que a do futebol e dos seus ídolos, mas necessária para a construção de

uma identidade portuguesa contemporânea na diáspora.

Ao lado destes portugueses “indiferenciados” tivemos sempre os outros: os filhos

de boas famílias enviados a estudar nas universidades estrangeiras, os artistas

à procura do banho de cultura, os bolseiros da Gulbenkian, etc. Mas esses não

contam para o filme da mala de cartão. Nem os que, no fim dos anos 80 e nos anos

90, beneficiaram do Programa Erasmus ou outros, do alargamento de circulação

de pessoas como consequência da nossa adesão à então Comunidade Económica

Europeia, hoje união Europeia.

2. berlim e os artistas jovens portugueses que lá residem é o exemplo das

dificuldades que Lisboa e Porto oferecem em muitos campos.

A internacionalização não tem de se fazer “lá fora”, pode ser feita “cá dentro”.

Mas nenhuma cidade portuguesa se internacionalizou, ainda, o suficiente para ser

referência no domínio artístico: pense-se em Avignon, Kassel, bilbao, só para referir

cidades que no circuito internacional são conhecidas pelas artes.

Lisboa e Porto perdem na comparação com Madrid ou barcelona. Se pensarmos

bem, porque é que o turismo vem a Lisboa e Porto? A colecção berardo,

o Museu de Arte Antiga e o Museu do Chiado, versus Prado/reina Sofia/thyssen? A

Fundação de Serralves e a Casa da Música versus MACbA/Museu Picasso/Fundação

Miró/ La Caja/Gaudi/tapiés ? E se formos até Valência e bilbao...

Alugar casa e atelier em berlim compensa mais do que fazê-lo em Lisboa. E a

comunidade artística internacional que aí se encontra permite uma circulação de

pessoas e ideias incomparavelmente superior.

Em Lisboa, exterminam-se eventos de grande dimensão como mosquitos e

pululam festivais pequeninos. De facto, não estamos no calendário internacional a

não ser marginalmente. E, ao longo de décadas, não soubemos criar espaço para

programas de referência, apesar de algumas iniciativas terem tido potencial para o

efeito. Fica-se a aguardar.

3. De Junho a Setembro, na Smithsonian Institution,

em Washington, decorreu uma grande exposição

sobre o papel de Portugal no mundo nos séculos XVI

e XVII, referida com orgulho em Portugal e

inaugurada pelo Presidente da república, Aníbal

Cavaco Silva. Na primeira página do site do

Smithsonian, o relevo era dado a cinco outras

exposições, sendo necessário procurar em “more”

para lá chegar...

Ocorreu-me a patética e repetida situação: cada

vez que, por exemplo, o Financial Times, o El País,

o Herald Tribune, o Le Figaro dedicam duas linhas

a Portugal, logo vêm as televisões debitar a nossa

“presença”. Veja-se a revoada de citações dos

media nacionais do que dizia a comunicação social

estrangeira sobre a situação do desaparecimento

de Maddie. Mais do que à situação da criança

desaparecida, dava-se relevo ao facto de se ser falado

no “estrangeiro”. É preciso ir mais longe para perceber

o quanto se tem de percorrer em internacionalização?

Quem realmente é cosmopolita, não tem de andar

sempre a falar dos outros. um cosmopolita pertence,

por natureza, ao mundo. É essa capacidade de

estatuto próprio que falta conquistar como país

contemporâneo. Não queremos ser um “Allgarve”

qualquer (ou queremos?).

Por isso, a afirmação de identidades é importante.

Não se trata de um lusitanismo ou nacionalismo

passadista. trata-se de salvaguardar o património

e suportar a liberdade criativa contemporânea como

acto de construção de nós relevantes da(s) rede(s)

global(ais).

Sem uma clara definição de objectivos de

internacionalização, de articulação de esforços

públicos e privados, será difícil. Há oportunidades,

todos os dias, que raramente se repetirão. Outras

virão, mas, entretanto, aqueles com quem queremos

estar já terão avançado. O mundo não ficará à nossa

espera. |

#41

#41

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sensíveis em que possamos inscrever quer as obras,

quer a própria experiência estética.

As vanguardas artísticas, com as suas múltiplas

transformações, operaram uma espécie de abismo

entre as obras produzidas pelos artistas e a

percepção humana mais comum. Isto é, se até um

determinado momento para a experiência estética

bastava estar-se equipado com o aparelho perceptivo,

passou-se a um paradigma em que à percepção tem

de estar aliado um certo conhecimento histórico e

nuno crEspo

104

opinião

A modernidade trouxe consigo a prova de que as

categorias estéticas são insuficientes para dar conta

da totalidade da produção artística. A proliferação de

linguagens, meios e estilos criou uma enormidade de

géneros e subgéneros artísticos que muitas das vezes

resistem ao mais tradicional pensamento estético.

A estética, tal como a conhecemos, mostrou-se

inoperante quando confrontada com criações que

mais dizem respeito a uma leitura e interpretação do

presente e da história do que à descoberta de lugares

Nas mais importantes exposições do mundo inteiro - e este Verão é uma altura propícia a esta

reflexão - verifica-se que muitas das obras adquirem a sua validade e legitimidade não por

razões estéticas. Antes, a sua pertinência é conquistada na esfera política e são instrumentos

de intervenção social.

SimOn WachSmUTh | “whERE wE wERE ThEn, whERE wE ARE nOw”, 2007 | pLAnO dO

FILME | © siMoN WaChsMuth

DOcUmenTa 12 | MuSEu FRIdERICIAnuM, KASSEL | © FotoGraFia: juLia ZiMMerMaNN / DoCuMeNta GMbh

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

#41

JUÍZO ESTéTICO OU JUÍZO POLÍTICO?

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artístico. Os artistas passaram a ser testemunhos de um mundo decadente, cruel

e terrífico e transformaram-se em actores políticos obrigados a tomar partido,

a assumir posições, a denunciar os factos do mundo e a registar esta mesma

realidade.

Nas mais importantes exposições do mundo inteiro - e este Verão é uma altura

propícia a esta reflexão - verifica-se que muitas das obras adquirem a sua validade

e legitimidade não por razões estéticas. Antes, a sua pertinência é conquistada na

esfera política e são instrumentos de intervenção social.

O mundo, aparentemente liberto dos regimes políticos totalitários, mas também

das utopias libertadoras, vê-se a braços com uma realidade que não consegue

105

SimOn WachSmUTh | “whERE wE wERE ThEn, whERE wE ARE nOw”, 2007 | VISTA dA EXpOSIçÃO | © siMoN WaChsMuth, FotoGraFia De

roMaN MärZ /DoCuMeNta GMbh

SimOn WachSmUTh |“whERE wE wERE ThEn, whERE wE ARE nOw”, 2007 | VISTA dA InSTALAçÃO | © siMoN WaChsMuth, FotoGraFia De

roMaN MärZ /DoCuMeNta GMbh

digerir e mal consegue compreender. Que a

realidade parece estar para lá da nossa capacidade

em compreendê-la é o novo dado com que a arte do

nosso tempo tem de lidar e a expectativa é que as

obras de arte interfiram na realidade e sejam agentes

da sua transformação: uma ambição tão antiga como

o gesto artístico.

A presente edição da Documenta XII estabelece

um confronto interessante entre não só diferentes

culturas, mas entre diferentes tempos: a distância e

a proximidade regem-se não só pelo distanciamento

geográfico (Ocidente/Oriente), como pelo

distanciamento temporal (antigo/contemporâneo).

É assim que a arte antiga (muitas vezes documentos

etnográficos) convive com a arte contemporânea

das diferentes zonas do globo. Fundamentalmente,

trata-se de colocar o problema de saber até que

ponto o nosso olhar sobre a arte se pode desenvolver

livre de um contexto político, social e artístico que é

radicalmente diferente do nosso. O olhar, que é outra

forma de dizer o nosso juízo ou pensamento, rege-

se por diferentes constrangimentos que é preciso

avaliar e determinar.

Não se trata de fazer um genealogia do olhar, mas

de saber se o olhar livre e desinteressado, que

tão bem pode caracterizar a contemplação de

obras de arte, ainda é uma instância válida ou se

deve ser substituído pela avaliação política, social,

antropológica. talvez se trate de uma falsa questão,

porque a metáfora do político pode servir para

descrever a quase totalidade dos gestos humanos.

Mas o que aqui está em causa é um determinado

tipo de arte que assume o político como o seu centro

- na sua forma de combate e propaganda. um bom

exemplo é o da instalação de Simon Wachsmuth (n.

Alemanha, 1964), que tenta recuperar uma certa

ideia do Irão através do olhar ocidental e detectar

o local em que as suas imagens são formadas.

A linha de contacto que o artista tenta desenhar

transforma-se em zona de contacto e de negociação.

uma posição que o espectador é obrigado a tomar,

assumindo-se, em conjunto com o artista, numa

espécie de inusitado etnógrafo. |

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fRIEZE ART fAIRlondrEs: 11-14 outuBro

A 5º edição da Frieze Art Fair realiza-se no regent’s Park, em

Londres, entre 11 e 14 de Outubro próximos. Promovida pela revista

homónima, esta importante feira de arte permitirá a todos aqueles

que apreciam arte contemporânea a oportunidade de visitar as 150

galerias de arte mais importantes do momento. Pela quarta vez

consecutiva, a Frieze tem o Deutsche bank como principal sponsor.

Chris Evans, Lara Favaretto, Elin Hansdóttir, Janice Kerbel, renata

Lucas, Kris Martin, Gianni Motti e richard Prince foram os artistas

seleccionados para integrarem a Frieze Art Projects, este ano

comissariada por Neville Wakefield. O programa prevê ainda os

projectos Frieze Commissions, Frieze Talks e a atribuição do prémio

Cartier. Consultando o site www.friezeartfair.com, poderá encontrar

informações sobre como visitar a feira, sobre o calendário e

programa das conferências, bem como sobre a forma de fazer

encomendas. Os bilhetes de acesso à feira estão disponíveis ao

público desde o passado dia 1 de Julho. |

fIAC 2007paris: 18 - 22 outuBro

A 34ª edição da FIAC decorre entre os dias 18 e �� de Outubro,

em Paris, repartida entre o Grand Palais e o Louvre. No dia �0 será

conhecido o vencedor do 7º Prix Marcel Duchamp, no valor de

e 35,000€, atribuído pela Association pour la diffusion

internationale de L’Art Français. Os candidatos anunciados são:

tatiana trouvé (1968), nascida em Itália, mas residente em

França; Adão Adach (196�), Pierre Ardouvin (1955) e richard

Fauguet (1963). Para mais informações consulte o site:

www.fiacparis.com |

SHOPPING DE ARTE

O Centro Comercial Visconde da Luz, em Cascais, vai inaugurar uma

cadeia de lojas relacionadas com as diversas áreas de intervenção

artística, como antiguidades, velharias, galeria de arte com

exposições temporárias, um instituto de formação em conservação

e restauro e, finalmente, um espaço para a realização de leilões de

arte quinzenais no primeiro e terceiro sábados de cada mês, pelas

�0h. Os responsáveis pela realização dos leilões aceitam a inscrição

gratuita de todo o tipo de objectos artísticos, sem nenhuns encargos.

(Art Shopping - piso -1, Centro Comercial Visconde da Luz (em frente

à PSP), �750-�8� CASCAIS). |

ARTE GAY

Acha que a arte exprime necessariamente a opção sexual de quem

a faz? Ou seja, faz algum sentido aquela velha polémica, estafada,

mastigada e inútil (?) sobre a existência de uma relação de causalidade

entre a sexualidade a expressão artística correspondente? Se acha que

GaBRiele piccO | “nuVOLA”, 2006. | gALERIA FRAnCESCA MInInI | Cortesia FraNCesCa MiNiNi, MiLão.

106ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

notÍcias

FRIEzE ART FAIR 2006. FOTOgRAFIA: LIndA nyLInd

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fAITH, NARRATIvE AND DESIRE: obras-primas da pintura indiana no british museum

Nas comemorações dos 60 anos da independência indiana, o

british Museum exibirá, entre 9 de Agosto e 11 de Novembro,

uma excelente colecção de pinturas representando, ao longo dos

séculos, os vários panoramas da pintura na Índia. A exposição

exprime as tradições dramáticas do povo indiano através de

imagens dinâmicas, de cariz intimista e com a riqueza e elegância

próprias da cultura indiana. Em grande destaque estarão as

pinturas datadas de 18�0 da Companhia da Índia Oriental,

recentemente adquiridas, onde se ilustram deuses e deusas hindus

do Sul da Índia. Para mais informações, consulte o site www.

thebritishmuseum.ac.uk |

O TAPETE ORIENTAL EM PORTUGAL: tapete e pintura - sécs. XVi a XViii MusEu nacional dE artE antiga - até 18 nov 07

Esta exposição aborda, pela primeira vez, a história dos tapetes

orientais em Portugal, partindo da significativa colecção do MNAA,

com a colaboração de instituições públicas e privadas, nacionais

e estrangeiras. Estrutura-se em quatro núcleos - Península Ibérica,

turquia, Pérsia e Índia -, associando os tapetes à sua imagem em

pinturas dos sécs. XVI a XVIII.

O tapete oriental é um objecto artístico, uma superfície composta

por fios de teia, trama e nós, um produto de trocas comerciais, um

relevante elemento decorativo da pintura e, também, um objecto que

encerra valores simbólicos e define hierarquias. |

GReGóRiO lOpeS (ATRIb.) | AnunCIAçÃO

(pORMEnOR) | C. 1540 | MnAA |

FotoGraFia: josé Pessoa, DDF, iMC

A ARTE E A DEvOçãOBarcElona: até 18 nov 07

Em parceria com a obra social “La Caixa”, o Victoria & Albert Museum

e o british Museum de Londres organizaram uma exposição na Caixa

Forum de barcelona intitulada La escultura en los templos índios. El

arte de la devoción, a qual está em exibição desde �7 de Julho e que

terminará a 18 de Novembro de �007. resultado de um trabalho

de investigação em que participaram museus e coleccionadores

privados, esta exposição é a mais importante das iniciativas dedicadas

à escultura figurativa indiana a partir de colecções europeias. Nela se

destacam, além das obras do Victoria & Albert Museum e do british

sim, que a arte e o sexo caminham de mãos dadas, que existe uma

expressão feminina e uma expressão tipicamente masculina, então,

a partir de agora, em Lisboa, no bairro de Santa Catarina, Eduardo

Henriques - Didi, para os amigos - está empenhado em mostrar que

também existe uma forma de expressão artística especificamente gay.

E porque assim é, inaugurou a primeira galeria gay portuguesa com o

sugestivo nome de bico, um bar-galeria cujas obras expostas reflectem

exclusivamente sobre esta temática. O bico funciona entre as 17h e

as ��h e a exposição inaugural intitula-se, muito apropriadamente,

“Ho(t)mens”. |

107

Museum, contribuições de diversos museus como o Ashmolean

Museum, de Oxford, o Museum für Indische Kunst, de berlim, o

Musée Guimet, de Paris e o rijksmuseum, de Amsterdão. |

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2. € E 220.000 |

paUla ReGO | “A MAdASTRA” |

pALáCIO dO CORREIO VELhO | 28 dE

nOVEMbRO, 2006.

4. € E 210.000 |

jOSé malhOa | AdELAIdE

– pERSOnAgEM dE “O FAdO” |

pALáCIO dO CORREIO VELhO | 4 dE

dEzEMbRO, 2000.

1. E 310.000 |

cOlUmBanO BORDalO pinheiRO

| “O SERÃO” | pALáCIO dO CORREIO

VELhO | 16 dE MAIO, 2001.

2.E 220.000 |

SOUZa pinTO | “O AMuAdO” |

pALáCIO dO CORREIO VELhO | 18 dE

FEVEREIRO, 1998.

5. €E 205.000 |

amaDeU SOUZa – caRDOSO |

“COMpOSIçÃO COM InSTRuMEnTO

MuSICAL” | pALáCIO dO CORREIO

VELhO | 22 dE OuTubRO, 1999.

6. € E 200.000 |

amaDeU SOUZa – caRDOSO |

“CAbEçA dE hOMEM” | pALáCIO dO

CORREIO VELhO | 9 dE dEzEMbRO,

2002.

7.E 200.000 |

amaDeU SOUZa – caRDOSO

| pASTOR, pALáCIO dO CORREIO

VELhO |17 dE OuTubRO, 2005.

8. € E 190.000 |

amaDeU SOUZa – caRDOSO |

pAISAgEM, pALáCIO dO CORREIO

VELhO | 17 dE OuTubRO, 2005.

9. € E 161.000 |

júliO pOmaR |

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108ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

lEilÕEs

1. 2. 12.

Paginacao1.1.indd 108 07/09/04 22:21:33

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20NACIONAL

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MAIO, 2007.

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6 dE nOVEMbRO, 2006.

#41

108ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

lEilÕEs

13. 15.

14.

17. 19.

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vincenT van GOGh | “pORTRAIT

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ChRISTIE’S nOVA IORquE |

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SOThEby’S nOVA IORquE |

10 dE MAIO, 1999

1. 2. 3.

110ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

lEilÕEs

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20INTERNACIONAL

4.

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ChRISTIE’S nOVA IORquE |

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paBlO picaSSO | “nu Au FAuTEuIL

nOIR”, 1932 | ChRISTIE’S nOVA

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fRanciS BacOn | “SELF-pORTRAIT”

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GUSTav klimT |“bIRCh FOREST” |

1903 | ChRISTIE’S nOVA IORquE |

8 dE nOVEMbRO, 2006

7. 8. 20.

#41

110ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

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A arte e os paladares sempre estiveram de mãos

dadas. Dos primitivos italianos aos pintores da escola

holandesa, dos impressionistas aos surrealistas, não

há seguramente nenhuma corrente artística (quase

nenhum artista) que tenha deixado de fora do seu

espectro de temas inspiradores a arte da mesa e a

gastronomia. A explicação é, a meu ver, simples,

e tem a ver com o facto de a alimentação ser algo

permanente nas nossas vidas desde que nascemos

até que morremos. Poucas necessidades há que

nos acompanhem tanto. Para além do seu carácter

fisiológico essencial à vida, a alimentação tem outras

MiguEl júdicE

11�

paladartE

ARTES E LEILÕES OUTUBRO 2007

componentes que a tornam uma forma de cultura,

de arte mesmo. É também à mesa que o Homem

demonstra que possui “razão”, que consegue discernir,

criar, que valoriza a estética.

A gastronomia é um dos mais importantes traços

culturais dos povos, da sua identidade, do seu ADN. É

influenciada pelas tradições, pela religião, pelo clima,

pela morfologia do terreno, pela presença ou ausência

de certos elementos naturais (mar, rios, florestas). A

gastronomia espelha a essência de cada povo e a sua

história. A gastronomia portuguesa é um bom exemplo

disso, tendo sido muito influenciada pelos povos que

visitámos ou que nos visitaram ao longo dos séculos,

desde os árabes aos povos de África e Ásia.

Mudam-se os tempos, muda-se a alimentação. As

artes plásticas foram desde sempre uma preciosa

ajuda para perceber as mutações que foram sendo

introduzidas pelos novos padrões de vida. A arte

conta a História da Humanidade, também no que

diz respeito ao que comemos e a como comemos.

Alguns dos mais famosos quadros de sempre tratam

este tema. Veja-se a Última Ceia de Da Vinci, que

tanta tinta fez correr nas páginas do Código de Dan

brown. Da Vinci, como muitos outros artistas, era um

apaixonado pela gastronomia, tendo criado receitas

que hoje estão compiladas em livro.

A lista de quadros famosos onde a comida assume o

protagonismo é riquíssima. O Peru Depenado de Goya,

os Comedores de Batatas de Van Gogh, o Banquete de

Casamento de bruegel, entre muitos outros quadros

de artistas como rembrandt, Manet, renoir, Matisse,

Chagal, Picasso, Dali. A lista é verdadeiramente

infindável.

Os pintores da Escola Holandesa foram dos primeiros

a pegar na cozinha como tema, tendo criado

naturezas mortas de enorme beleza e sensibilidade,

e em Portugal esse tipo de obras encontrou dois

grandes mestres: Josefa de Óbidos e José António

benedito Soares da Gama de Faria de barros, Morgado

de Setúbal. O pintor maneirista Giuseppe Arcimboldo

trouxe inovação e humor às naturezas mortas,

#41

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Receita de joachim koerper Joachim Koerper nasceu no dia 25 de dezembro de 1952, na cidade alemã de Saarbrücken. Começou a estudar administração de empresas, mas muito cedo, levado pelo amor à cozinha, vai trabalhar como aprendiz nos hotéis Falken (Konstanz) e Kempiski (berlin). desde 1971 até 1990 trabalhou em grandes hotéis de luxo de toda Europa, cozinhando para figuras célebres do mundo da política, da arte e do espectáculo, como Carolina do Mónaco, gunter Sachs, Maximilian Schell, Cristina Onassis e niarchos von Opel.nos anos 70, Joachim Koerper começa a viajar frequentemente a terras mais quentes como a grécia, a Sardenha ou a Costa Francesa. Rapidamente,

Joachim enamora-se decisivamente pelo sul da Europa, aprende o espanhol e deixa-se seduzir pelos produtos mediterrânicos, com os seus sabores, cores e aromas, graças aos quais se converte num mestre da alta “cozinha mediterrânica”.Joachim Koerper trabalhou quase sempre em restaurantes com duas ou três estrelas Michelin, tais como L’ Ambroise de paris, Moulin de Mougins na Costa Francesa, guy Savoy paris, hosteleria du Cerf em Marlenheim, e Au Chapon Fin em Thoissey.Joachim Koerper trabalha sempre com produtos “naturais e frescos”, como ele mesmo costuma dizer, “por isso, utilizo sempre os produtos próprios da zona onde trabalho”. Joachim é

utilizando os alimentos como “ingredientes” para criar

quadros extraordinários em que estes compunham

rostos humanos. Se algum surrealista existiu antes dos

surrealistas, terá sido Archimboldo.

Alguns séculos depois, outros grandes artistas

dedicaram metros quadrados de tela à alimentação.

um dos melhores exemplos foi Paul Cézanne, que

um dia disse: “Irei surpreender Paris com uma

maçã”. O pós-impressionista pintou centenas de

maçãs ao longo da sua vida, olhando-as de formas

diferentes, compondo cenários para elas, desde

toalhas de mesa a arranjos de flores. A maçã era a

sua musa inspiradora, o seu alimento fetiche. um

contemporâneo de Cézanne, Pierre-Auguste renoir,

era tão apaixonado por gastronomia que lhe foi

feita uma homenagem no livro Renoir, à mesa de um

impressionista, prefaciado por Pierre troigros, um dos

maiores chefes de cozinha do mundo.

Já no século XX, outros pintores provaram

que a alimentação pode ter tratamentos mais

contemporâneos e conceptuais. um desses casos

foi o americano Edward Hopper, que focou não

exactamente a comida mas sim os seus locais de

consumo, nomeadamente os diners, usando-os como

imagem da solidão que tanto gostava de retratar.

Mais recentemente, Andy Warhol, um dos maiores

expoentes do movimento Pop Art, usou latas de

sopa Campbell’s como inspiração recorrente ao

longo da sua vida. Para Warhol, que dizia que tinha

bebido sopa Campbell’s todos os dias durante vinte

anos, a lata Campbell’s era usada como um ícone da

sociedade moderna, um objecto inspirador como as

maçãs tinham sido para Cézanne.

As razões atrás expostas legitimam os jantares

“Paladarte” que irão ser organizados com o

lançamento de cada número da revista Artes &

Leilões. É que para além do longo casamento entre

arte e alimentação, evidente em séculos de quadros

e outras peças, os cozinheiros são também artistas,

que criam no prato, a sua tela, obras que tocam os

sentidos. |

um profissional tão disciplinado como imaginativo, capaz de integrar na sua cozinha ingredientes autóctones. O principal passo dado por Joachim Koerper no sentido da sua afirmação enquanto grande chefe de cozinha deu-se quando decidiu criar o restaurante girasol, en Moraira (Alicante). nove meses depois, o guia Michelin concedeu-lhe a primeira estrela Michelin, e três anos mais tarde a segunda estrela. no Eleven obteve uma estrela Michelin ao fim de um ano de abertura.para além do restaurante Eleven, Joachim Koerper trabalha actualmente em regime de chefe consultor de cozinha com o hotel quinta das Lágrimas Relais&Châteaux (Coimbra). |

113

JANtArES PALADARTE EM �007:

�1 de Setembro | ElEvEn, lisboa

�4 de Outubro | sErralvEs, porto

�8 de Novembro | HotEl tivoli, lisboa

�8 de Dezembro | Fundação antonio pratEs, ponte de sôr

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