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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE DISCIPLINA: DIREITO DO TRABALHO I PROFESSOR: BENTO HERCULANO I UNIDADE INTRODUÇÃO Em tempos remotos, a ideia de trabalho era ligada a castigo, sofrimento, e mesmo à tortura. Com o advento da sociedade contemporânea, entretanto, o trabalho passou a designar toda forma de dispêndio de energia (seja ela física ou intelectual) pelo homem, com a finalidade de produzir bens ou serviços. Pode-se conceituar Direito do Trabalho como o ramo da ciência jurídica que estuda as relações jurídicas entre os trabalhadores e os tomadores de seus serviços e, mais precisamente, entre empregados e empregadores. O Direito Civil não foi capaz de tutelar adequadamente as relações entre empregados e empregadores, pelo simples fato de que há entre estes atores sociais uma enorme desigualdade econômica. O trabalhador é hipossuficiente, no sentido de que, sozinho, não é forte o suficiente para negociar livremente a disposição de sua energia de trabalho. Desse modo, o Direito do Trabalho surgiu, no contexto histórico da sociedade contemporânea, a partir da Revolução Industrial, com vistas a reduzir, por meio da intervenção estatal, a desigualdade existente entre capital (empregador) e trabalho (empregado). O desenvolvimento do Direito do Trabalho se deu a partir do século XIX, principalmente em decorrência dos movimentos operários, desencadeados visando à melhoria das condições de trabalho, limitação da jornada de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e das crianças, entre outras reivindicações. Assim, somados a pressão do movimento operário, os movimentos internacionais em defesa dos direitos humanos e a atuação da Igreja, encontrou-se campo fértil para a intervenção do Estado na relação contratual privada, a fim de proteger a parte mais fraca da relação de emprego (trabalhador hipossuficiente). Este movimento normativo-regulador, consolidado na primeira metade do século XX, coincide historicamente com o reconhecimento dos direitos humanos de segunda dimensão (direitos sociais) e com o Estado de Bem-Estar Social (welfare state), noções estas emprestadas do Direito Constitucional. A partir da década de 1970, entretanto, o modelo baseado no Estado de Bem-Estar Social entrou em crise. O grande desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas de telecomunicações e informática, consagrou a chamada globalização econômica. Com o fenômeno da globalização, que facilitou a migração das unidades de produção para áreas periféricas e países em desenvolvimento, onde os custos da produção são visivelmente menores (por exemplo, a China), o capital tem apresentado como “solução” a flexibilização das relações trabalhistas, bem como a própria desregulamentação.

Direito Do Trabalho

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I unidade. resumo. direito do trabalho I

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DISCIPLINA: DIREITO DO TRABALHO I

PROFESSOR: BENTO HERCULANO

I UNIDADE

INTRODUÇÃO

Em tempos remotos, a ideia de trabalho era ligada a castigo, sofrimento, e mesmo à tortura. Com o advento da sociedade contemporânea, entretanto, o trabalho passou a designar toda forma de dispêndio de energia (seja ela física ou intelectual) pelo homem, com a finalidade de produzir bens ou serviços.

Pode-se conceituar Direito do Trabalho como o ramo da ciência jurídica que estuda as relações jurídicas entre os trabalhadores e os tomadores de seus serviços e, mais precisamente, entre empregados e empregadores.

O Direito Civil não foi capaz de tutelar adequadamente as relações entre empregados e empregadores, pelo simples fato de que há entre estes atores sociais uma enorme desigualdade econômica. O trabalhador é hipossuficiente, no sentido de que, sozinho, não é forte o suficiente para negociar livremente a disposição de sua energia de trabalho.

Desse modo, o Direito do Trabalho surgiu, no contexto histórico da sociedade contemporânea, a partir da Revolução Industrial, com vistas a reduzir, por meio da intervenção estatal, a desigualdade existente entre capital (empregador) e trabalho (empregado).

O desenvolvimento do Direito do Trabalho se deu a partir do século XIX, principalmente em decorrência dos movimentos operários, desencadeados visando à melhoria das condições de trabalho, limitação da jornada de trabalho, proteção ao trabalho da mulher e das crianças, entre outras reivindicações.

Assim, somados a pressão do movimento operário, os movimentos internacionais em defesa dos direitos humanos e a atuação da Igreja, encontrou-se campo fértil para a intervenção do Estado na relação contratual privada, a fim de proteger a parte mais fraca da relação de emprego (trabalhador hipossuficiente).

Este movimento normativo-regulador, consolidado na primeira metade do século XX, coincide historicamente com o reconhecimento dos direitos humanos de segunda dimensão (direitos sociais) e com o Estado de Bem-Estar Social (welfare state), noções estas emprestadas do Direito Constitucional.

A partir da década de 1970, entretanto, o modelo baseado no Estado de Bem-Estar Social entrou em crise. O grande desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas de telecomunicações e informática, consagrou a chamada globalização econômica.

Com o fenômeno da globalização, que facilitou a migração das unidades de produção para áreas periféricas e países em desenvolvimento, onde os custos da produção são visivelmente menores (por exemplo, a China), o capital tem apresentado como “solução” a flexibilização das relações trabalhistas, bem como a própria desregulamentação.

Na contramão da tendência mundial, foi promulgada, no Brasil, a CRFB/88. Em que pese alguns excessos e inconsistências, a CRFB/88 constitui um importantíssimo instrumento garantidor dos direitos mínimos do trabalhador, do chamado mínimo existencial, norteado pelo princípio da dignidade humana.

Não obstante a ampliação das garantias dos direitos mínimos dos trabalhadores levada a efeito pela Constituição de 1988, o fato é que o capitalista continua atuando no sentido da desregulamentação trabalhista, sugerindo, em posição extrema, o velho dogma liberal de que a relação de trabalho deveria ser regida por um simples contrato de prestação de serviços, nos moldes do direito comum.

Na flexibilização o Estado mantém a intervenção nas relações de trabalho, mediante o estabelecimento do chamado mínimo existencial, mas autoriza, em determinados casos, exceções ou regras menos rígidas, de forma que seja também possível a manutenção da empresa e, afinal, dos empregos. É o que consagra, por exemplo, o preceito constitucional que garante a irredutibilidade salarial, mas ressalva a possibilidade de flexibilização, mediante negociação coletiva (art. 7º, VI, CRFB/88).

A desregulamentação pressupõe a completa retirada da intervenção estatal das relações trabalhistas, deixando que as partes estipulem livremente os contratos, conforme as leis de mercado.

Não restam maiores controvérsias quanto à autonomia do Direito do Trabalho, ou seja, quanto ao seu posicionamento como ramo autônomo da ciência jurídica.

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Por sua vez, para a maioria da doutrina, o Direito do Trabalho é subdividido em Direito Individual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho. O Direito Individual trata das relações entre empregado e empregador, consideradas individualmente, ao passo que o Direito Coletivo trata das relações de um determinado grupo, classe ou categoria abstratamente considerada, que se reúne basicamente através dos sindicatos.

FONTES

1. Fontes materiais são os ingredientes do direito (fato social), ao passo que fontes formais são o resultado da mistura de tais ingredientes, cristalizada na norma jurídica.

2. Fontes formais autônomas são aquelas que advêm dos próprios destinatários, como ocorre, por exemplo, com os instrumentos coletivos de trabalho (CCT e ACT).

3. Fontes formais heterônomas se originam de terceiros, estranhos à relação jurídica e, portanto, não destinatários da norma.

4. São fontes formais as leis, os decretos, as portarias que criam obrigações, as sentenças normativas, as convenções coletivas de trabalho e os acordos coletivos de trabalho, os laudos arbitrais e os usos e costumes.

5. As convenções e tratados internacionais são fontes formais se ratificados pelo Brasil.

6. O regulamento de empresa tem sido considerado pelas bancas examinadoras, de uma forma geral, e pelo Cespe, de forma especial, como fonte formal, ainda que tal entendimento seja minoritário na doutrina e na jurisprudência.

7. A jurisprudência não é fonte formal do Direito do Trabalho, mas tão somente fonte de integração ou fonte normativa supletiva.

8. A doutrina, a equidade, a analogia e as cláusulas contratuais não são fontes formais do Direito do Trabalho.

9. As normas não aderem permanentemente ao contrato de trabalho, ao contrário das cláusulas contratuais. Aí reside a importância do estudo das fontes do Direito do Trabalho.

10. O critério hierárquico aplicável no âmbito do Direito do Trabalho é flexível, inspirado no princípio da norma mais favorável, salvo nos casos em que há norma proibitiva estatal.

PRINCÍPIOS

1. Princípios são elementos de sustentação do ordenamento jurídico, os quais se ligam aos valores que o direito visa realizar.

2. Os princípios têm função informativa, interpretativa e normativa.

3. Pelo princípio da dignidade humana entende-se que o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser utilizado como mero objeto a fim de que se atinja determinado objetivo. A vedação das revistas íntimas é exemplo de aplicação deste princípio.

4. Os contratantes (empregador e empregado) devem agir com lealdade e boa-fé na relação jurídica respectiva.

5. Pelo princípio da razoabilidade se espera que o indivíduo aja razoavelmente, orientado pelo bom-senso, sempre que a lei não tenha previsto determinada circunstância surgida do caso concreto. A aplicação de tal princípio se dá pela conjugação das ideias de adequação e necessidade.

6. O princípio da proteção liga-se à própria essência do Direito do Trabalho, visando ao reequilíbrio da relação capital/trabalho, através da tutela da parte hipossuficiente.

7. Pelo princípio da norma mais favorável, a hierarquia das normas na seara trabalhista deve ser montada de acordo com a regra mais favorável ao trabalhador, salvo diante de norma proibitiva estatal.

8. O princípio da condição mais benéfica informa que as condições mais benéficas previstas no contrato de trabalho ou no regulamento de empresa deverão prevalecer diante da edição de normas que estabeleçam patamar protetivo menos benéfico ao empregado.

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9. As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

10. A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores, desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.

11. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

12. O princípio in dubio pro misero impõe que, diante de duas interpretações possíveis da norma, seja aplicada aquela mais favorável ao trabalhador. Aplica-se tão somente a questões ligadas ao Direito material do Trabalho, não podendo ser estendido ao campo probatório.

13. Pelo princípio da primazia da realidade, o intérprete da norma trabalhista deve preferir a realidade à forma, afastando eventuais subterfúgios formais tendentes a afastar o direito assegurado ao trabalhador (art. 9º da CLT).

14. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista.

15. Do princípio da continuidade decorre a presunção de que o contrato de trabalho é pactuado por prazo indeterminado, tendo em vista que o trabalhador depende do emprego para sua subsistência.

16. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

17. Pelo princípio da inalterabilidade contratual lesiva são, em regra, vedadas as alterações do contrato de trabalho que tragam prejuízo ao empregado.

18. Alterações favoráveis ao empregado são admitidas, salvo se contrariarem norma proibitiva estatal.

19. Impera no Direito do Trabalho a regra da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, razão pela qual não se admite a renúncia no âmbito do Direito Individual do Trabalho.

20. O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.

21. Renúncia é ato unilateral da parte, através do qual ela se despoja de um direito de que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiada pela renúncia.

22. Transação é ato bilateral, pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas, envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas.

23. Somente será admitida a renúncia, no Direito do Trabalho, nos casos em que esteja expressamente prevista em lei.

24. Quanto à transação, somente será admitida, em regra, quanto aos direitos de ordem privada (previstos em cláusula contratual ou regulamento empresarial), e ainda assim se não causar prejuízo ao trabalhador (art. 468), salvo quando a própria lei a autorizar.

25. Só se pode admitir a transação de direitos duvidosos, e nunca de direito líquido e certo, pois neste caso não haveria qualquer concessão por parte do empregador, e sim renúncia pelo empregado.

INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO, APLICAÇÃO DO D. TRABALHO

1. A interpretação da norma jurídica visa investigar seu real significado, a fim de que possa ser aplicada ao caso concreto.

2. O intérprete deve buscar a “vontade da lei”, e não a “vontade do legislador”, tendo em vista que a lei passa a sofrer, a partir da sua vigência, a influência da realidade social de dado momento histórico.

3. A interpretação da norma jurídica depende da utilização de critérios ou métodos próprios, dos quais o operador do direito se valerá no momento oportuno. Os métodos de interpretação da lei não se excluem. Ao contrário, devem, sempre que possível, ser utilizados coordenadamente.

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4. A interpretação gramatical da norma se baseia em seu texto literal. Embora não seja recomendável a sua utilização como critério único, serve normalmente como método inicial de interpretação.

5. O método lógico ou racional busca o sentido da norma jurídica sob o aspecto da lógica formal, de forma a extrair o pensamento contido na lei, ainda que exteriorizado de forma indevida.

6. O método sistemático propõe a busca do sentido da norma em harmonia com o conjunto do sistema jurídico.

7. O método teleológico busca o sentido da norma a partir de seus fins. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

8. Nenhum interesse de classe ou particular deve prevalecer sobre o interesse público.

9. O método histórico busca reconstituir a vontade do legislador, conforme o contexto histórico da época em que a lei foi elaborada. Tal como o critério gramatical, não deve ser utilizado isoladamente.

10. Utilizam-se no Direito do Trabalho basicamente os mesmos métodos de interpretação aplicáveis no direito comum, observando-se apenas a prevalência dos princípios e valores essenciais ao Direito do Trabalho.

11. Integração jurídica é o processo de preenchimento das lacunas apresentadas pela lei quando da análise de um caso concreto.

12. A integração se dá pela utilização de fontes normativas subsidiárias, também denominadas fontes supletivas, podendo ser de dois tipos: a) autointegração; b) heterointegração.

13. Na autointegração, o operador do direito utiliza uma fonte formal do direito (portanto, uma norma integrante do sistema normativo) para preencher a lacuna existente. É o caso da analogia.

14. Na heterointegração, o operador utiliza uma fonte subsidiária ou supletiva por excelência, a qual não constitui fonte do direito. Um exemplo é a jurisprudência.

15. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

16. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

17. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

18. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

19. Somente se utiliza o direito comum, no âmbito laboral, de forma subsidiária. Assim, existindo norma específica, prevalecerá esta. Além disso, a norma comum deve ser compatível com os princípios próprios do direito obreiro.

20. A jurisprudência (decisões reiteradas dos tribunais) é considerada fonte subsidiária ou supletiva do Direito do Trabalho.

21. O recurso à analogia pressupõe a integração de lacuna legal através da utilização de norma aplicável a uma hipótese fática semelhante.

22. Por aplicação analógica do art. 244, § 2º, da CLT, as horas de sobreaviso dos eletricitários são remuneradas à base de 1/3 sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial.

23. O recurso à equidade é a possibilidade de integração de lacuna mediante a utilização do senso de justiça, da equanimidade do julgador. Não autoriza a simples interpretação mais branda da lei, nos casos em que não há lacuna.

24. A única hipótese de julgamento por equidade no Direito do Trabalho é a fixação dos salários em dissídio coletivo, conforme art. 766 da CLT, segundo o qual, nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas.

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25. Princípios e normas gerais de direito também possuem função integrativa, de forma a preencher as lacunas porventura existentes.

26. Os usos e costumes são considerados pela CLT como fonte integrativa, embora sejam considerados pela doutrina majoritária como fonte formal.

27. O direito comparado constitui critério integrativo, utilizando-se, para tal, a norma estrangeira aplicável a situação semelhante, a respeito da qual a lei brasileira seja omissa.

28. Não há hierarquia ou ordem de preferência na aplicação dos critérios de integração do Direito do Trabalho arrolados pelo art. 8º da CLT.

29. Aplicação do direito é o processo de subsunção do fato à norma, ou seja, a incidência da norma abstrata no fato concreto posto em julgamento.

30. A aplicação do Direito do Trabalho no tempo segue a regra geral do direito comum, isto é, aplica-se a lei nova de forma imediata e não retroativa, não atingindo o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.

31. Direito adquirido é o que já se incorporou ao patrimônio jurídico do titular sob a égide da lei em vigor à época de sua constituição.

32. Coisa julgada é a decisão judicial contra a qual já não caiba mais nenhum recurso; ou seja, é a decisão judicial qualificada pela imutabilidade.

33. Ato jurídico perfeito é aquele que já se realizou, já foi consumado, encontrando-se perfeito e concluído.

34. A lei entra em vigor no prazo expressamente determinado em dispositivo da própria lei. Caso não exista tal previsão, entrará a lei em vigor em 45 dias, contados da publicação.

35. A revogação pode ser tácita (quando a lei nova tratar de forma diversa uma mesma matéria tratada pela lei anterior) ou expressa (quando a lei nova expressamente consignar a revogação da anterior). A revogação pode ser parcial ou total.

36. Lei geral não revoga, como regra, lei especial anterior, sendo que as leis trabalhistas são, na maioria dos casos, leis especiais para a área trabalhista.

37. As cláusulas contratuais e regulamentares aderem permanentemente ao contrato de trabalho, não podendo ser suprimidas, em regra, sempre que sua supressão traduza prejuízo ao empregado (art. 468 da CLT).

38. As normas jurídicas produzem efeitos no âmbito do contrato de trabalho somente enquanto em vigor, ou seja, até que outra norma jurídica as revoguem.

39. Alterada a lei, as prestações contratuais já consolidadas não são afetadas, mas as novas prestações sucessivas submetem-se à lei nova.

40. As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram desde o seu termo inicial até que sentença normativa ou norma coletiva superveniente produza sua revogação, expressa ou tácita, respeitado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência, não integrando, de forma definitiva, os contratos.

41. Preenchidos todos os pressupostos para a aquisição de estabilidade decorrente de acidente ou doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de estabilidade mesmo após o término da vigência deste.

42. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

43. Quanto à aplicação do Direito do Trabalho no espaço, a regra é a aplicação da lei mais favorável ao trabalhador, seja ela a do lugar da execução dos serviços, seja a do lugar onde ocorreu a contratação do empregado.

44. A Lei nº 7.064/1982 dispõe que são assegurados aos trabalhadores contratados no Brasil por empregador brasileiro, ou transferidos para prestar serviços no exterior, além dos direitos previstos na Lei nº 7.064/1982, os direitos previstos na lei brasileira, se mais benéfica que a lei territorial (lei do local da execução dos serviços).

45. No caso do marítimo, aplica-se a lei do país da bandeira ou pavilhão da embarcação.

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46. Ao técnico estrangeiro que trabalha no Brasil aplica-se a lei brasileira, porém com as especificidades previstas pelo Decreto-Lei nº 691/1969.

47. A base territorial de vigência de determinada norma coletiva em que os sindicatos contratantes possuem bases territoriais distintas coincide com a base comum aos dois sindicatos.

48. O Direito do Trabalho não se aplica integralmente aos empregados, tendo em vista as restrições quanto ao doméstico.

49. O Direito do Trabalho se aplica aos avulsos, embora eles não sejam empregados.

50. O Direito do Trabalho não se aplica aos servidores públicos civis (stricto sensu ou estatutários), nem aos militares.

RELAÇÃO DE TRABALHO E DE EMPREGO

1. Relação de trabalho é a relação jurídica caracterizada pela prestação de trabalho humano.

2. A relação de trabalho é gênero, do qual é espécie a relação de emprego. A relação de emprego é a relação de trabalho qualificada pela subordinação jurídica.

3. São requisitos caracterizadores da relação de emprego, além da prestação dos serviços por pessoa física, a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade, a subordinação e, para alguns, a alteridade.

4. Pela pessoalidade se entende a circunstância de que o trabalhador é contratado levando em conta a sua pessoa, de forma que ele não pode se fazer substituir por outrem.

5. Não há se falar em pessoalidade do empregador em relação ao empregado, tendo em vista o princípio da despersonalização do empregador e o princípio da continuidade da relação de emprego.

6. A não eventualidade se caracteriza pela repetição do trabalho, pelo fato de a atividade ser permanente na empresa, e pela fixação jurídica do trabalhador ao tomador dos serviços. Também denominada habitualidade ou permanência.

7. A onerosidade significa que a relação se estabeleceu com intenção onerosa, ou seja, que o trabalhador colocou sua energia de trabalho à disposição do tomador dos serviços esperando a correspondente contraprestação (remuneração).

8. A subordinação jurídica decorre do contrato de trabalho firmado entre trabalhador e empregador, e significa que este pode dirigir o modo de prestação dos serviços da forma que melhor lhe aproveite.

9. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

10. A alteridade é, para alguns juristas, também um requisito da relação de emprego. Significa que o empregado trabalha por conta alheia, não assumindo os riscos da atividade que desenvolve.

11. A exclusividade não é requisito da relação de emprego, sendo perfeitamente lícito que o empregado tenha mais de um emprego, bastando para tal que haja compatibilidade de horários.

12. A natureza jurídica da relação de emprego é contratual, consubstanciada em figura peculiar, não identificada com as figuras contratuais clássicas civilistas. Logo, encontram-se superadas as teorias contratualistas clássicas, bem como as teorias acontratualistas.

13. O trabalho autônomo é modalidade de relação de trabalho em que não há subordinação jurídica entre o trabalhador e o tomador de seus serviços. O autônomo trabalha por conta própria, assumindo os riscos da atividade.

14. Trabalho eventual é aquele que não é habitual, que não possui os requisitos da não eventualidade (repetição, atividade permanente da empresa e fixação jurídica ao tomador).

15. Avulso é aquele trabalhador eventual que oferece sua energia de trabalho através de um intermediário, por curtos períodos de tempo, a distintos tomadores, sem se fixar especificamente a nenhum deles.

16. O que caracteriza o avulso é a necessária intermediação, seja pelo Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO, seja pelo sindicato.

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17. A intermediação necessária não se confunde com sindicalização necessária. Logo, o trabalhador avulso não sindicalizado também é intermediado pelo OGMO ou pelo sindicato.

18. Os trabalhadores avulsos, embora não sejam empregados, têm assegurados os direitos trabalhistas, por força de disposição expressa da Constituição.

19. Trabalho voluntário é aquele prestado graciosamente, sem intenção onerosa (onerosidade).

20. Trabalho institucional é aquele prestado à Administração Pública sob o regime estatutário, isto é, regido por estatuto e não pela legislação trabalhista.

21. Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

22. O estágio poderá ser obrigatório ou não obrigatório, conforme previsão na grade do curso.

23. O estágio não cria vínculo de emprego, desde que seja regular (conforme a Lei de regência).

24. A duração do estágio não pode ser superior a dois anos.

25. O estagiário tem direito a seguro contra acidentes pessoais, que deve ser compatível com os valores de mercado.

26. É obrigatória a concessão de bolsa e auxílio-transporte (não vale-transporte) no caso de realização de estágio não obrigatório.

27. A concessão de outros benefícios, tais como transporte, alimentação e saúde, não configura vínculo empregatício, desde que observados os demais requisitos legais para configuração do estágio lícito.

28. O estagiário tem direito a recesso (e não férias) de 30 dias para os estágios iguais ou superiores a 1 ano.

29. Cabe à parte concedente do estágio garantir-lhe a implementação da legislação relacionada à segurança e saúde do trabalhador.

30. Faltando qualquer dos requisitos legais para regularidade do estágio, configurar-se-á o vínculo empregatício entre o estagiário e o tomador dos serviços.

31. A associação de trabalhadores em cooperativa visa potencializar os resultados da energia de trabalho de autônomos que se associam para defender interesses comuns.

32. A cooperativa lícita deve atender a dois princípios básicos, quais sejam o princípio da dupla qualidade e o princípio da retribuição pessoal diferenciada.

33. Pelo princípio da dupla qualidade, o cooperado presta serviços à cooperativa, mas também esta coloca serviços à sua disposição.

34. Pelo princípio da retribuição pessoal diferenciada, os cooperados somente justificam sua opção pela cooperativa se alcançam um patamar remuneratório substancialmente superior àquele que conseguiria como empregado.

A ausência de um dos demais requisitos fundamentais (pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade) desconfigura a espécie “relação de emprego”.Dessa forma, são relações de trabalho sem natureza empregatícia entre tomador e prestador de serviços, dentre outras: o autônomo, o estágio, o eventual e o voluntário.