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Direito Internacional Público Jorge Fontoura* Conceitos e terminologia De Juri Belli ac Pacis, ou Dos Direitos da Guerra e da Paz, obra do jurista holandês Hugo Grotius, publicada em 1625, pode ser considerada o estudo inaugural da disciplina, então denominada Droit des Gens ou Law of Nations. A expressão direito internacional passa a ser utilizada apenas em 1780. O primeiro trabalho com essa terminologia foi Introdução aos Princípios da Moral e Legislação, de Jeremy Bentham, na qual se utilizou international law em oposição à national law e a municipal law. Desde 1840, tem-se consagrado a expres- são direito internacional para se referir ao ramo jurídico que também se designa direito das gentes, expressão consagrada, porém equivocada, ao referir-se a conceito romanista de ius gentium, que em nada se assemelha à disciplina. Outras expressões têm sido colacionadas, a exemplo de direito público internacional, com o objetivo de priorizar a natureza do direito público sobre aquele privado, como é a expressão adotada por Clóvis Beviláqua. Até meados do século XX, autores não hesitavam em definir Direito Internacio- nal como o complexo de normas que governa as relações interestatais, a partir de regras escritas e consuetudinárias. As mudanças na ordem internacional, no entanto, propicia- ram o surgimento de novos atores, como é o caso das organizações internacionais, das empresas transnacionais, dos indivíduos e mesmo das organizações não-governamen- tais, todos com algum grau de prerrogativas perante a ordem jurídica externa. A condi- ção jurídica do homem face ao Direito Internacional – exemplo candente das mudanças, porquanto pertencia ao domínio do direito interno – passou a ser objeto de estudo de inúmeros internacionalistas, sob o fundamento de que todo direito visa, em última aná- lise, ao próprio homem. Doutor em Direito. Membro consultor da comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Professor titular do Instituto Rio Branco. Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br

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Direito Internacional Público

Jorge Fontoura*

Conceitos e terminologiaDe Juri Belli ac Pacis, ou Dos Direitos da Guerra e da Paz, obra do jurista holandês

Hugo Grotius, publicada em 1625, pode ser considerada o estudo inaugural da disciplina, então denominada Droit des Gens ou Law of Nations. A expressão direito internacional passa a ser utilizada apenas em 1780. O primeiro trabalho com essa terminologia foi Introdução aos Princípios da Moral e Legislação, de Jeremy Bentham, na qual se utilizou international law em oposição à national law e a municipal law. Desde 1840, tem-se consagrado a expres-são direito internacional para se referir ao ramo jurídico que também se designa direito das gentes, expressão consagrada, porém equivocada, ao referir-se a conceito romanista de ius gentium, que em nada se assemelha à disciplina.

Outras expressões têm sido colacionadas, a exemplo de direito público internacional, com o objetivo de priorizar a natureza do direito público sobre aquele privado, como é a expressão adotada por Clóvis Beviláqua.

Até meados do século XX, autores não hesitavam em definir Direito Internacio-nal como o complexo de normas que governa as relações interestatais, a partir de regras escritas e consuetudinárias. As mudanças na ordem internacional, no entanto, propicia-ram o surgimento de novos atores, como é o caso das organizações internacionais, das empresas transnacionais, dos indivíduos e mesmo das organizações não-governamen-tais, todos com algum grau de prerrogativas perante a ordem jurídica externa. A condi-ção jurídica do homem face ao Direito Internacional – exemplo candente das mudanças, porquanto pertencia ao domínio do direito interno – passou a ser objeto de estudo de inúmeros internacionalistas, sob o fundamento de que todo direito visa, em última aná-lise, ao próprio homem.

Doutor em Direito. Membro consultor da comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Professor titular do Instituto Rio Branco.

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DIREITO INTERNACIONAL

No que concerne ao protagonismo dos Estados soberanos, há certo consenso, pois somente eles podem ser membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e, como autores ou réus, atuar como parte em procedimento contencioso perante a Corte Interna-cional de Justiça (CIJ). As organizações internacionais, ainda que dotadas de autonomia, fundadas em tratados e possuidoras de personalidade jurídica internacional, dependem do livre querer estatal tanto para existirem como para funcionarem regularmente. Ade-mais, a capacidade de postulação do indivíduo, na cena internacional, é substancialmente condicionada à vontade discricionária do Estado.

Possui ainda, nossa disciplina, alguns sujeitos atípicos, frutos da própria anarquia ínsita da sociedade internacional. São exemplos disso, como fruto do processo históri-co, a Santa Sé, a Ordem Soberana de Malta e mesmo a Cruz Vermelha Internacional. Também se reconhece a certos grupos insurgentes um formidável poder-dever jurídico internacional, como parece ser exemplo mais candente o da Organização de Liberação da Palestina (OLP).

O Direito Internacional, portanto, em face das transformações da ordem mundial, pode ser conceituado como a disciplina jurídica que cuida da relação entre Estados so-beranos e demais sujeitos de direito reconhecidos como efetivos partícipes das relações interestatais.

Características de uma ordem jurídica descentralizada A clássica divisão dos poderes de Montesquieu inexiste no Direito Internacional,

que é composto por entidades soberanas, mas juridicamente equiparadas em uma or-dem de horizontalidade, na qual não há preponderância de instituições encarregadas de garantir o cumprimento de finalidades mediante imposição de sanções. A Assembléia Geral da ONU, por exemplo, não é órgão legislativo mundial; a CIJ tampouco exerce jurisdição ex officio, porque só opera após consentimento dos Estados envolvidos nas lides jurídicas; o Conselho de Segurança da ONU, da mesma forma, não faz as vezes de Executivo supranacional, porquanto suas atividades restringem-se a decisões estabeleci-das em tratado constitutivo, o qual lhe impõe limitações políticas e legais. O Estado que viola obrigação internacional, contudo, não goza de imunidade. Ao revés, é legalmente responsável perante o Estado prejudicado ou mesmo perante a comunidade das nações.

Diferentemente da ordem interna, organizada por hierarquias, os Estados coorde-nam-se horizontalmente, de forma descentralizada, e prontificam-se a proceder de acor-do com normas jurídicas com as quais consentiram, em face de necessidades pontuais ou de acordo com princípios mundialmente reconhecidos tanto pelo costume internacional quanto pela compilação de tratados. Não há, portanto, cumprimento compulsório da legislação internacional, já que tudo depende da aquiescência dos Estados. Desse modo,

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é estabelecido claro contraste entre a subordinação existente na ordem interna, na qual todos são jurisdicionáveis, e a coordenação inerente à convivência entre soberanias no plano externo, no qual Estados são jurisdicionáveis apenas se assim o desejarem.

Logo, o Direito Internacional corresponde a uma ordem de horizontalidade, ao contrário do Direito Interno que é estritamente verticalizado.

Fundamentos do Direito Internacional Público As relações entre Estados e entes que se lhes equiparam pressupõem a boa vonta-

de, traduzida em consentimento, tácito ou explícito. Na ausência de sanções semelhantes às encontradas na ordem interna, prevalece o princípio pacta sunt servanda, pelo qual há comprometimento em cumprir o que se foi acordado. Numerosas são as doutrinas que buscam dar fundamento ao compromisso dos Estados, mas elas podem ser resumidas em dois grandes grupos, a saber: as jusnaturalistas e as voluntaristas-positivistas. Para os defensores das doutrinas voluntaristas, ou de positivismo jurídico, a obrigatoriedade do Direito Internacional deflui da própria vontade dos Estados; para a outra corrente, a obrigatoriedade basear-se-ia em razões situadas além e acima da vontade dos Estados, como a ordem natural das coisas ou a rerum natura.

A noção de que o Direito Internacional tem raízes em princípios superiores, inde-pendentes da vontade dos Estados, ganha modernamente muitos adeptos, especialmente provenientes da escola italiana, cujas teorias baseiam-se no Direito Natural. Merece des-taque Dionisio Anzilotti, que buscou o fundamento do Direito Internacional no princípio pacta sunt servanda, hoje consagrado no artigo 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1960:

Artigo 26

Pacta Sun Servanda

Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé.

Essa mesma Convenção, ao aceitar a noção do jus cogens, nos artigos 53 e 64, deu outra demonstração de aquiescência aos preceitos derivados do Direito Natural. Ambos os artigos declaram nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflitar com norma imperativa de Direito Internacional geral, definida como:

Artigo 53

Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens)

[...] uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja

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DIREITO INTERNACIONAL

derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza.

Como veremos no estudo das fontes, o jus cogens propõe-se de caráter universal ao aplicar-se indistintamente a todos os integrantes da sociedade internacional. Constitui base de ordem pública externa, com prevalência do interesse geral sobre interesses espe-cíficos de Estados. Em face da existência e da possibilidade de aferição do conteúdo de normas de Direito Internacional cogente, a escolha dos Estados e sua esfera de atuação voluntarista estariam limitadas, uma vez que, além e acima da vontade, existiram nor-mas não passíveis de derrogação por ação unilateral.

O Direito Internacional é mesmo Direito? Não restam dúvidas que fatores militares, econômicos, políticos e ideológicos – as

denominadas “forças profundas”, segundo Pierre Renouvin – condicionam a capacidade de o Direito Internacional governar as relações entre Estados. Seria negligente, no en-tanto, subestimar o papel desempenhado pelo Direito Internacional, considerado, muita vez, perfumaria entre os demais ramos jurídicos, dada sua natureza particular, coordena-da e não ordinariamente compulsória. Nesse sentido, Michael Akhurst, que inicia a obra Introdução ao Direito Internacional (Livraria Almedina, Coimbra, 1975), perquirindo se o Direito Internacional é realmente Direito. Quanto ao problema de as sanções serem limi-tadas pela soberania dos Estados, ele assevera que a consideração da obrigatoriedade do Direito levando em conta aparato sancional de forma exagerada corresponde “à patologia do direito e não ao direito em si”.

Trata-se, a toda prova, de ordenamento eminentemente jurídico que estrutura o sistema internacional. Aparece em esforços de codificação, em compilação de práticas estatais e na incorporação de seus preceitos a várias constituições. Não há que se negar o caráter jurídico do Direito Internacional devido à particularidade de sua natureza. É fato que a maioria dos Estados cumpre obrigações externas mesmo na ausência de jurisdição compulsória, com oficiais de justiça ou polícia internacional, ou de mecanismos executó-rios centralizados. A base operacional desse ramo jurídico é a reciprocidade e o consenso. Tampouco se pode defender a idéia de ser o Direito Internacional um emaranhado de normas morais, porquanto suas regras e princípios são aceitos como legalmente válidos e ajudam a reduzir a complexidade e a incerteza nas relações internacionais.

Abrangência do Direito Internacional Há alguns séculos, o Direito Internacional resumia-se praticamente a um sistema

de coordenação entre Estados europeus na seara de suas relações e do direito da guerra.

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De abrangência restrita, estendeu-se, no decorrer de sua evolução, à regulação institucio-nalizada de questões estruturais da ordem externa, o que passou a exigir reformulação dos mecanismos de implementação jurídica internacional.

Hoje, com o notável aumento da interdependência econômica e política, numero-sas áreas demandam apreciação transnacional, a exemplo da comunicação, do importante comércio internacional e eletrônico, da economia, das finanças, do meio ambiente ou das questões relacionadas ao fluxo de pessoas e de refugiados, para citar alguns exemplos. À medida que surgem novos temas de interesse internacional, formulam-se necessárias respostas e soluções coordenadas que dão tratamento à responsabilidade do Estado, à sucessão de direitos e deveres, ao direito dos tratados, à codificação do direito do mar, às organizações internacionais, ao uso de energia nuclear, ao direito do espaço aéreo, aos direitos humanos. A tudo isso, somam-se as ingentes novidades apresentadas pelo direito da integração e especialmente pelo direito comunitário, que, apesar de situado no espectro do Direito Internacional, possui complexidades outras que exigem, geralmente, estudos à parte, com aportes das mais variadas disciplinas jurídicas.

A relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno Há duas teorias que dão conta da relação entre o Direito Internacional e o Di-

reito Interno: a dualista e a monista. Para os dualistas, a exemplo de Carl Triepel, na Alemanha, e de Dionisio Anzilotti, na Itália, o Direito Internacional e o Direito Interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à esfera internacional. Já os monistas, que acreditam na existência de uma única ordem jurídica, subdividem-se em dois grupos. O primeiro, que tem Hans Kelsen como maior expoente, advoga o primado do Direito Internacional, ao qual devem se ajustar todas as normas internas. O segundo, por sua vez, defende a primazia do Direito Interno de cada Estado soberano, o que torna a adoção de preceitos do Direito Internacional mera faculdade discricionária. Esse grupo inclina-se ao chamado culto da constituição, pois estima que no seu texto, ao qual nenhum outro pode sobrepor-se, há de encontrar-se a previsão do exato valor a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras.

A norma de conflito: Direito Internacional versus Direito Interno no Brasil

O monismo com prevalência do Direito Interno é adotado na prática jurídica brasileira para enfrentar o conflito tratado versus Direito Interno. Tal idéia norteia as convicções judiciárias em vários países do Ocidente – incluídos Brasil e Estados Unidos –

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DIREITO INTERNACIONAL

quando tribunais enfrentam conflito de tal natureza. Porém não é o paradigma adotado por Estados que convivem em blocos econômicos com maior grau de interdependência, nomeadamente o caso da União Européia, quando se invoca a soberania compartilhada como condição sine qua non da estruura supranacional adotada.

Vale salientar, ainda, a reforma constitucional pela qual passou a Argentina, após longa elaboração jurisprudêncial, dando hierarquia constitucional aos tratados cumpri-dos com reciprocidade, nos termos do artigo 75 do texto reformado.

No Brasil, inexistindo previsão constitucional para dirimir o problema, aplica-se a jurisprudênca prevalente do Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente o Re-curso Extraordinário 800004/SE , pelo qual “ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta , porque expressão última da vontade do legislador deve ter sua pre-valência garantida pela Justiça – sem embargo das consequência do descumprimento do tratado, no plano internacional”.

Direito Internacional Privado O Direito Internacional Privado, concebido de forma ampla, ocupa-se da nacio-

nalidade, da condição jurídica do estrangeiro, do conflito de leis e de jurisdição. Desen-volveu-se com base na necessidade de se forjarem critérios para determinar o direito a ser aplicado a relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos que pertencem a sistemas jurídicos distintos.

No Reino Unido e nos Estados Unidos, o objeto de estudo do Direito Internacional Privado restringiu-se ao conflito das leis. Nos demais países, porém, seu escopo é mais abrangente, e as matérias versam as diversas implicações decorrentes das relações entre os sujeitos privados, das quais o Estado não participa na qualidade de ente soberano.

Diferentemente do Direito Internacional Público, o Direito Internacional Privado é regido por normas compulsórias, estabelecidas pelos Estados na condição de superiori-dade hierárquica, e não é condicionado à vontade dos agentes.

Do Direito Internacional Privado decorre ainda o comparatismo jurídico, que cui-da de relacionar, cotejar e classificar as distintas “famílias jurídicas”, na expressão de René David, como a common law e a civil law.

Novas perspectivas para o Direito Internacional O século XX assistiu à ampliação de horizontes do Direito Internacional, mor-

mente com a aparição das organizações internacionais e a fragmentação de novas temáti-cas internacionalistas, como o direito nuclear, a tutela dos direitos humanos, o ambienta-

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lismo além-fronteiras, o direito internacional penal, as demandas dos blocos econômicos e, não com menos importância, a regulamentação do comércio internacional.

Para o século em curso vislumbra-se o aperfeiçoamento dos mecanismos de imple-mentação e controle de aplicação das normas internacionais, em prol de maior eficiência e efetividade. Nesse sentido, o “adensamento de juridicidade”, para usar a expressão de Celso Lafer, como a que se assiste na evolução jurídica do sistema de solução de contro-vérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), é tendência de grande atualidade.

No mesmo passo, o direito comunitário e o direito de integração aplicáveis às re-lações jurídicas dos blocos econômicos, que iremos estudar em sede apropriada, apresen-tam-se como ramos repletos de surpreendentes inovações. Construções jurídicas mais flexíveis, que resguardam o caráter voluntarista dos Estados, blocos intergovernamen-tais, contrastam com blocos supranacionais, de maior grau de interdependência. Neles, os Estados comunitários transferem parte de suas soberanias às “altas autoridades”, como é o caso da União Européia.

Também, as demandas comerciais, cada vez mais freqüentes e intensas, parecem prenunciar um mundo de contendas comerciais imensas, como a substituir os velhos conflitos armados de que muito se ocupou o Direito Internacional Público clássico.

O Direito Internacional na Constituição Brasileira O Brasil, que adota concepção monista da ordem jurídica, com prevalência do

ordenamento interno, arrola, no entanto, princípios internacionais em sua Constituição Federal (CF), nela inseridos desde o Preâmbulo, no qual há o comprometimento com a solução pacífica de controvérsias nas ordens interna e internacional. O artigo 4.° reforça-rá essa idéia ao enumerar os dez princípios que regem as relações internacionais do país. São eles: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não-intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o pro-gresso da humanidade; e concessão de asilo político.

O parágrafo único desse artigo em epígrafe ressalta, ainda, a ênfase que deverá ser conferida à integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina. Ao engajar-se na formação de uma comunidade latino-americana de nações, o Brasil ali-nha sua política externa à integração intergovernamental, balizada pelos pilares clássicos do consenso e da unanimidade, princípios norteadores do Mercosul.

Na perspectiva de conferir aos tratados que versem direitos humanos e garantias fundamentais hierarquia superior à das leis complementares ou ordinárias, a CF, incluin-do a Emenda 45/2004, estabelece o seguinte:

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DIREITO INTERNACIONAL

Art. 5.º [...]

§1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§2.º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Re-pública Federativa do Brasil seja parte.

§3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprova-dos, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

§4.º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

A Constituição convalida de forma expressa, porém em abstrato, eventuais direi-tos e garantias fundamentais constantes de tratados dos quais o Brasil é parte. Seria como se a Lei Maior conferisse valor jurídico de norma constitucional a tais direitos. Em tese, é como se tivéssemos então duas categorias de tratados: os de direitos humanos, com hie-rarquia constitucional, e os demais tratados, com força infraconstitucional. Poderíamos afirmar que, como teoria prevalente no STF, entende-se que ainda não se consolidou o entendimento sobre o alcance preciso da regra do artigo 5.º, parágrafo 2.º, da Constitui-ção, mas se reconhece uma clara abertura à tendência contemporânea de atribuir status constitucional às normas internacionais de outorga e proteção dos direitos humanos.

Vale sempre salientar que, na prática, a abrangência do artigo 5.° da Constituição, com seus 78 incisos, torna imponderável a possibilidade de surgirem direitos fundamen-tais outros que não os ali previstos. Logo, o parágrafo 2.º do artigo 5.°, supra citado, não teria aplicabilidade concreta, sendo a Constituição brasileira bem mais abrangente do que a normativa internacional vocacionada à tutela de direitos e garantias fundamentais.

A competência para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos in-ternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos à União pertence exclu-sivamente ao Congresso Nacional (CF, art. 49, I), que, depois de analisar o conteúdo do compromisso externo, poderá rejeitá-lo ou enviá-lo à facultada promulgação do Presiden-te da República, conforme também se infere da leitura do artigo 84 da Lei Maior. A fór-mula utilizada para permitir a ratificação presidencial é a aprovação de decreto legislativo autorizado pelo Congresso Nacional.

A Constituição estabelece, ainda em seu artigo 105, III, “a”, que decisões judiciais que contrariem tratados e leis federais poderão ser objeto de recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Ao Poder Judiciário incumbe ainda declarar a inconstitucionalidade dos tratados, porquanto eles se subordinam necessariamente à ordem interna. Esse preceito, expresso

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no artigo 102 da Constituição, revela certo descompasso do Brasil em relação à tendência seguida por outros Estados, a exemplo da Argentina, e dos países europeus, mormente, os quais reconhecem a primazia da ordem internacional e dos instrumentos que a conva-lidam, ainda que em relação às normas constitucionais. De resto, no Brasil, aplica-se aos tratados o sistema de controle de constitucionalidade.

Resta patente que o Brasil carece de um aggiornamento jurídico para efetivamen-te participar e inserir-se mundialmente. Precisamos nos atualizar, como vem sendo feito em relação à utilização do instituto jurídico da arbitragem, com a implementação e difu-são da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Precisamos ainda ratificar, após as devidas reformas na legislação interna de natureza constitucional, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1960, dando maior garantia e segurança jurídica a parceiros e investidores estrangeiros, modernizando a visão que temos do Direito In-ternacional e a nossa própria presença jurídica no mundo.

Para aprofundar o estudo da noção introdutória do Direito Internacional sugere-se a consulta às seguintes obras basilares:

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA Geraldo Eulálio do. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva.

MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Ja-neiro: Renovar.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva.

SOARES, Guido Fernando da Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Direito Internacional em um Mundo em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar.

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Referências

AKEHURST, Michael. Introdução ao Direito Internacional. Coimbra: Almedina, 2001.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

REZEK, J. F. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1994.

_____. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000.

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