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1 Disciplina: Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia Autores: M.e Jefferson Souza Santos Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais.

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Disciplina: Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia

Autores: M.e Jefferson Souza Santos

Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt

Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso

Ano: 2017

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais.

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Jefferson Souza Santos

Bases Neurológicas da Aprendizagem e

Neuropsicopedagogia 1ª Edição

2017

Curitiba, PR

Editora São Braz

3

FICHA CATALOGRÁFICA

SANTOS, Jefferson Souza. Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia/ Jefferson Souza Santos – Curitiba, 2017. 54 p.

Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt.

Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso.

Material didático da disciplina de Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia – Faculdade São Braz (FSB), 2017.

ISBN: 978-85-94439-51-2

4

PALAVRA DA INSTITUIÇÃO

Caro(a) aluno(a),

Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz!

Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio

Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº

299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e

Extensão Universitária.

A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e

comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do

desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas

também brasileiros conscientes de sua cidadania.

Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar

comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as

ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão

de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e

grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e

estudantes.

Bons estudos e conte sempre conosco!

Faculdade São Braz

5

Apresentação da Disciplina

Na disciplina de Bases Neurológicas da aprendizagem e

neuropsicopedagogia serão feitas abordagens relacionadas as atividades

neurológicas, desde o ponto de vista do desenvolvimento do ser

humano, indo em direção às implicações educacionais decorrentes.

Aspectos de anatomia, fisiologia e, especialmente, de funcionamento da

atividade nervosa serão abordados aqui, além das bases neuropsicológicas de

percepção, movimentação, atenção, memória, fala e pensamento como formas

eminentemente humanas de organização, processamento e desenvolvimento

mental. E por fim, serão abordadas as bases neurobiológicas do fenômeno da

atenção e como sua compreensão pode contribuir para o aprimoramento do

ensino e da aprendizagem.

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais.

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AULA 1 – DESENVOLVIMENTO CEREBRAL E NEUROPLASTICIDADE

Apresentação da Aula 01

Nesta aula você terá a oportunidade de ir mais a fundo nos

conhecimentos relacionados ao sistema nervoso, seu desenvolvimento e seus

mecanismos básicos de plasticidade nervosa. Esse último caracteriza um

fenômeno bem interessante quando refere-se ao momento da aquisição de

informações e o aprendizado de crianças e adolescentes na escola.

1 DESENVOLVIMENTO CEREBRAL E NEUROPLASTICIDADE

Para entender os mecanismos neurais da aprendizagem e sua aplicação

no meio educacional torna-se importante estudar o desenvolvimento cerebral e

a plasticidade das conexões neurais no cérebro humano. O comportamento

humano é gerado a partir da maneira que as informações são recebidas e

interpretadas no cérebro, considerando a existência das diferenças individuais

que caracterizam a diversidade de comportamentos encontrados na população.

Portanto, o professor deve estar engajado em entender como acontece a

expressão dos comportamentos a nível de sistema nervoso central, e como

direcionar esses comportamentos com a finalidade de aprimorar a

aprendizagem de seus alunos, ferramenta essa de estudo da

neuropsicopedagogia.

1.1 Revisando o Sistema Nervoso

Todo corpo dos seres humanos é composto de células. Os músculos, o

intestino, ossos, pele e o cérebro possuem bilhões dessas unidades básicas.

Cada célula tem uma tarefa específica a desempenhar. As células que

constituem o sistema nervoso central (SNC) compõem o cérebro e a medula

espinhal que junto com o sistema endócrino (responsável pela secreção dos

hormônios) são responsáveis por controlar todo o funcionamento do

organismo. Os neurônios e as células gliais compõem basicamente o SNC.

7

Saiba Mais

As células gliais garantem o suporte e nutrição aos neurônios. Ela atua como uma “cola” no momento do posicionamento e síntese de novas conexões neuronais. Ao contrário da maior parte das células nervosas, as células gliais reproduzem-se por toda a vida.

O Sistema Nervoso é dividido em Sistema Nervoso Central e Sistema

Nervoso Periférico:

Sistema Nervoso Central → Localizado dentro do esqueleto axial

(cavidade craniana e canal vertebral);

Sistema Nervoso Periférico → Se localiza fora desse esqueleto axial.

O desenvolvimento cerebral e a neuroplasticidade dependem do sistema

nervoso (neurônios e córtex cerebral).

1.2 Unidade Básica Funcional do SNC – Neurônio

Os neurônios estão presentes predominantemente no cérebro e na

medula espinhal (que compõem nosso sistema nervoso central) em um número

aproximado de 100 bilhões. Eles diferem da maioria das outras células do

organismo em dois pontos principais. No primeiro, pode-se destacar a

incapacidade de regeneração programada dos neurônios, o que não é visto

nas demais células do organismo. Quando se corta um dedo, por exemplo, o

processo de cicatrização acontece rapidamente, e por essa razão, as células

do corpo estão se renovando continuamente. Se por acaso ocorre alguma

lesão dos neurônios resultante de um AVC ou trauma craniano, sua

regeneração torna-se bastante comprometida. O segundo ponto diferencial do

neurônio está na sua habilidade de transmitir informações. Os neurônios se

comunicam por sinais elétricos e químicos, e isso caracteriza a distinta

8

anatomia que é notada quando os comparamos com outras células do nosso

corpo.

Importante

O neurônio difere das maioria das células do corpo:

Incapacidade de regeneração programada;

Transmissão de informações por meio de sinais elétricos ou químicos.

Os neurônios possuem diferentes formas que variam de acordo com a

localização e sua função no sistema nervoso. Independente da sua forma, os

neurônios são compostos de um corpo celular (também chamado de soma)

que contém um núcleo - projeções mais curtas que recebem os sinais elétricos

dos neurônios das proximidades, chamadas de dendritos - um axônio que

propaga todo esse sinal, o qual geralmente possui uma camada de lipídios

chamada de bainha de mielina, e por fim, o terminal do axônio que tem o papel

de transmitir o impulso nervoso aos neurônios adjacentes.

Figura 1 – Tipos de neurônios encontrados no sistema nervoso central Fonte: http://docplayer.com.br/docs-images/25/5040672/images/7-0.png

9

Figura 2 – Estrutura de um neurônio Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgweEAI/tecido-nervoso

Amplie Seus Estudos

SUGESTÃO DE LEITURA

Para uma leitura mais aprofundada e atualizada sobre o sistema nervoso, recomenda-se o livro Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência (2 ed) do Roberto Lent. O autor aborda tópicos atualizados em neurociência, além de abordar a plasticidade do sistema nervoso de uma maneira muito didática.

1.3 O Córtex Cerebral

Compondo maior parte do cérebro, o néocortex compreende toda Massa

Cinzenta Cerebral formada por seis camadas de células, sendo que além

dessa, o cérebro internamente também possui a Massa Branca. Cada camada

ou lobo cerebral possui diferentes funções.

Vocabulário

Massa cinzenta: compõe a região externa do cérebro, contendo geralmente um maior número de corpos neuronais.

Massa branca: compõe em maior parte a região interna do cérebro, contendo feixes de dendritos e axônios.

10

Fonte: http://escolaeducacao.com.br/sistema-nervoso/

1.3.1 Lobos Occipitais

Localizados na parte posterior do cérebro, os lobos occipitais são os

centros de processamento dos estímulos visuais no cérebro. Sendo referidos

também como córtex visual, têm a função de processar as informações visuais

advindas do meio externo (ambiente) dentro do cérebro. Uma vez que as

informações chegam à região occipital, as mesmas são identificadas pela área

associativa (córtex visual secundário), a qual compara informações visuais

prévias com a informação recente. Isso permite distinguir rapidamente uma

laranja de uma árvore, por exemplo.

Fonte: Acervo do Autor.

Duas pessoas que olham uma mesma imagem, por exemplo, podem

focar em diferentes detalhes e descrever a imagem de diferentes maneiras. A

área de percepção visual que realiza o foco em determinada imagem se

comunica com outras redes neurais do cérebro que tem a finalidade de

11

classificar tal imagem como nova ou antiga. Os estímulos visuais tornam-se

significantes apenas quando são marcados e comparados com informações

visuais previamente adquiridas. Quando se foca a atenção a determinado

estímulo, como acontece em situações em que professores exibem

previamente os objetivos de uma atividade em sala de aula, facilita o aluno

antecipar ações ou ideias para solucioná-las, aumentando a probabilidade do

cérebro focar apenas numa informação essencial. A ação de se concentrar

mentalmente para realizar uma tarefa com êxito requer foco e atenção,

recursos processados primeiramente no córtex visual, exigindo um bom

funcionamento do córtex occipital.

1.3.2 Lobo Temporais

No outro lado do cérebro, logo abaixo das orelhas, estão localizados os

dois lobos que se curvam para frente dos lobos occipitais, para baixo dos lobos

frontais. Os lobos temporais têm a função principal de processar e

compreender os estímulos auditivos, a linguagem e alguns aspectos

relacionados à memória, especialmente a memória auditiva.

Importante

A audição é considerada um dos sentido mais importante no ser humano, permitindo nos comunicar com outras pessoas, ter o equilíbrio e perceber perigos eminentes, o que garantiu a sobrevivência no processo evolutivo.

O som de um trem chegando informa que é preciso manter distância do

mesmo para evitar danos ao organismo, assim como o som de qualquer coisa

que está atrás de nós, fazendo-nos virar para conferir rapidamente quem ou o

que está emitindo o som.

Como visto nos lobos occipitais, os lobos temporais possuem muitas

subdivisões. Quando a região auditiva primaria é estimulada por um som, a

região associativa que mantêm conexões neurais com outras regiões do

12

cérebro também é ativada, auxiliando a percepção e o reconhecimento do que

está sendo ouvido. Essas duas regiões principais do córtex auditivo têm o

papel de identificar a altura, timbre e o tom dos sons.

Fonte: Acervo do Autor.

1.3.3 Lobos Parietais

Em alguns casos clínicos de AVC localizados no hemisfério cerebral

direito, os indivíduos são acometidos por uma estranha doença chamada de

anosognosia, na qual o paciente desconsidera que é doente e aparentemente

tenta levar uma vida normal. Essas pessoas têm o lado esquerdo do corpo

paralisado, sem terem a consciência disso. Essa ausência de sensibilidade do

lado esquerdo do corpo induz a um comportamento de esquecimento desse

lado, fazendo com que, por exemplo, o doente deixe de pentear os cabelos e

vestir roupas nesse lado do corpo. Essa doença foi ocasionada pela lesão dos

neurônios do córtex parietal que são responsáveis pela consciência e

orientação espacial do corpo.

Os lobos parietais são subdivididos nas partes anterior e posterior. A

região anterior é chamada de córtex somatossensorial, encarregada de enviar

informações aos músculos do corpo relacionadas a motricidade e receber

estímulos táteis do ambiente, sensações de dor e pressão na pele, além de

detectar a posição dos membros (propriocepção). Cada parte do corpo que

está em contato com o meio externo é representada por uma área específica

na superfície do córtex somatossensorial. A parte posterior do lobo parietal

analisa e integra todas essas informações sensoriais com a finalidade de

fornecer consciência espacial. O cérebro precisa estar atento sobre o que cada

parte do corpo está localizada no ambiente em sua volta, portanto, um dano na

13

região parietal frequentemente causa prejuízos na manipulação de objetos

(destreza), também chamada de apraxia.

1.3.4 Lobos Frontais

A maior parte do cérebro é composta pelos lobos frontais, os quais

desempenham funções bastante complexas. Localizados na frente do cérebro,

essa região tem se expandido muito rapidamente nos últimos 20.000 anos do

processo evolutivo das espécies, fato que distingue dos ancestrais. As

habilidades de movimento consciente do corpo, de relembrar o passado,

planejar o futuro, focar a atenção, refletir, tomar decisões, resolver problemas e

participar de uma roda de conversa são possíveis graças a essa desenvolvida

parte do cérebro. De todas essas habilidades, pode-se destacar o fato de que a

presença dos lobos frontais no córtex cerebral permite ter consciência de todos

os pensamentos e ações.

Fonte: Acervo do Professor

As funções do lobo frontal são subdivididas em duas categorias: de

processamento motor e cognição. Logo atrás dos lobos frontais há um

conjunto de neurônios que formam o córtex motor, onde toda atividade

neuronal dirigida ao movimento muscular voluntário se origina. Similar ao

córtex somatossensorial, cada parte do corpo possui uma região

correspondente no córtex motor. Os músculos que realizam movimentos mais

finos ocupam uma maior área de atividade no córtex motor, como os que

controlam o movimento dos dedos, dos lábios e da língua.

14

Vocabulário

Cognição: processo de aquisição de conhecimento e entendimento através do pensar, experienciar e sentir, intrínseco ao sistema nervoso central.

Logo à frente do córtex motor, o córtex pré-frontal é caracterizado pelo

seu tamanho muito maior em humanos, do que em outras espécies. Essa

região cerebral é a que claramente nos define como humanos e o que separa

dos outros animais, como dos primatas, o grupo de animais mais aparentados

com os seres humanos na escala evolutiva.

Parte do córtex pré-frontal está engajada na regulação da emoção nos

seres humanos. A sub-região orbitofrontal (chamada assim devido à

proximidade com as orbitas oculares) é responsável por avaliar e regular os

impulsos emocionais que emanam de áreas cerebrais mais inferiores. Essa

evidência nos ajuda a explicar a frequência de violência no trânsito em adultos

e as flutuações emocionais diárias em crianças. Provavelmente, esses

comportamentos socialmente negativos são fruto de um dano cerebral que

causa uma série de curtos-circuitos na região orbitofrontal do córtex pré-frontal.

Ainda assim, algumas pesquisas na área de neuropsicologia destacam que o

principal determinante na deficiência de regulação emocional nos humanos

seria devido ao descontrole emocional dos pais durante os primeiros anos de

vida do indivíduo.

Todas as partes do cérebro devem trabalhar em conjunto para que até

mesmo uma ação simples de piscar os olhos, aconteça. Embora se tenha

abordado a estrutura e função das principais regiões do córtex cerebral

separadamente, é de suma importância lembrar que nenhuma delas

desempenham suas funções isoladamente num sistema extremamente

complexo, que é o cérebro humano.

15

Amplie Seus Estudos

SUGESTÃO DE LEITURA

Um dos livros mais conceituados na área de neuropsicologia, a obra do António Damásio, O Erro de Descartes, enfatiza alguns casos clínicos que estimularam os estudos da região pré-frontal do cérebro humano.

1.4 Neurodesenvolvimento Fetal e Neonatal

Acredita-se que grande parte do crescimento em número dos neurônios

aconteça no período fetal. Durante esse período, os neurônios são gerados a

partir de células-tronco que migram de um tubo nervoso simples para posições

finais, geneticamente determinadas. Essa migração para distintas áreas do

crânio irá diferenciar as várias regiões cerebrais (nos córtices frontal, parietal,

occipital e temporal).

Após a fase de diferenciação e migração dos neurônios é dado início a

formação das conexões neuronais, gerando à criação das primeiras redes

neurais no cérebro humano. Esse contato íntimo entre os neurônios é crucial

para sincronização dos sinais elétricos no sistema nervoso, e esse padrão de

organização na transmissão da informação é diferenciada na maioria das

regiões cerebrais. Graças as sinapses, os neurônios têm a capacidade de

comunicar entre si, decodificar e transmitir informações que irão gerar os mais

variados comportamentos na espécie humana.

No período fetal, a síntese de neurônios é muito maior em relação à sua

demanda necessária ao funcionamento normal do sistema nervoso. Um grande

número de células é perdido, as quais não conseguiram se localizar na região

correta ou realizaram sinapses sem utilidade funcional ao cérebro. A figura

abaixo exemplifica, de uma forma didática, o processo de refinamento do

sistema nervoso (“poda” sináptica, ou, do inglês prunning) que se inicia na fase

fetal e se prolonga no período pós-natal. Como numa brincadeira infantil das

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cadeiras, os participantes que não conseguiram uma cadeira para sentar ficam

de fora. Aplicando isso ao sistema nervoso em formação, muitas sinapses

serão consolidadas, enquanto outras serão descartadas, numa espécie de

“poda” dos prolongamentos sinápticos, que consequentemente levará a

degeneração dos neurônios “desconectados”.

Figura 4 – Os neurônios que não se estabelecem em conexões sinápticas são

descartados do sistema nervoso em formação Fonte: Cosenza; Guerra (2011).

A sinaptogênese (formação de novas sinapses), prevalente no sistema

nervoso fetal e neonatal, permite a aquisição de novas habilidades cognitivas

na criança. A criança nasce com um cérebro de aproximadamente 400g que,

ao final do primeiro ano de vida, terá duplicado, pesando cerca de 800g. Nesse

período não há formação de novas células nervosas, entretanto, a

sinaptogênese é a responsável por esse crescimento cerebral maciço.

17

Figura 4 – Sinaptogênese do recém-nascido até os 2 anos de idade. Fonte: Cosenza; Guerra (2011)

O sistema nervoso infantil em desenvolvimento precisa estar em

constante interação com o ambiente, pois é nesse momento que as novas

conexões nervosas geram o aparecimento de novos comportamentos. A

estimulação ambiental é tão importante para o desenvolvimento do sistema

nervoso que experimentos constataram que animais criados em ambientes

com pouca estimulação ambiental desenvolviam um cérebro menos sofisticado.

Portanto, o desenvolvimento inicial do sistema nervoso é de suma

importância para o funcionamento normal das estruturas cerebrais durante toda

a vida. Qualquer anormalidade nesse percurso advinda de fatores ambientais

ou genéticos oportuniza o surgimento de distúrbios comportamentais. Crianças

com má formação do sistema nervoso, em algum momento da vida, irão

necessitar de intervenções pedagógicas especiais para realizar atividades

cognitivas na escola.

1.4 Plasticidade Cerebral

O sistema nervoso central nos primeiros anos de vida é extremamente

plástico. A sinaptogênese é prevalente na infância e se estende por toda

adolescência. O aumento das conexões entre as células corticais é prevalente

na infância e declina na adolescência até atingir um padrão adulto,

potencializando a aprendizagem. Na adolescência a aquisição de novas

informações em curta faixa de tempo diminui, porém, a capacidade e usar e

elaborar o que já foi aprendido é aprimorado. O cérebro adulto não tem essa

18

mesma facilidade de modificação, porém a plasticidade sináptica acontece

durante toda a vida, em grau diminuído. Na fase adulta a plasticidade neural

garante que a função cognitiva de aquisição de habilidades motoras, por

exemplo, aconteça no momento do treino de direção de um automóvel.

A plasticidade cerebral consiste na capacidade de realizar novas

conexões neuronais fruto de constante estimulação ambiental. O treino de

direção citado anteriormente leva ao surgimento de novas sinapses e a criação

de novas redes neuronais dedicadas a execução e aprimoramento da tarefa

motora. O treinamento constante de um pianista promove modificações nas

redes neurais motoras e cognitivas que permite refinar o controle e expressão

musical. Se porventura o indivíduo for acometido de doença que impeça de

praticar a atividade motora ou simplesmente interromper seu treino, as

sinapses nervosas dessa memória motora podem ser desfeitas, e, portanto, a

habilidade motora será perdida. A capacidade de promover conexões plásticas

entre neurônios caracteriza a aquisição de memórias e a consolidação da

aprendizagem por toda vida. Com a senilidade, esses fenômenos demandam

mais tempo para acontecer, necessitando maior esforço para que a

aprendizagem ocorra.

A medida que as sinapses encarregadas de desempenhar uma atividade

motora nova são utilizadas, a aprendizagem torna-se mais efetiva. Quanto mais

frequente for o contato com o conteúdo de estudo por um estudante, por

exemplo, num ponto de vista neurobiológico, ocorrerá maior formação e

consolidação de conexões sinápticas entre os neurônios. Os professores

podem facilitar esse processo até certo ponto, pois a aprendizagem acontece

de uma maneira individual no ser humano. As circunstâncias ambientais atuam

diferentemente em cada indivíduo, portanto cada um responderá de maneira

positiva ou negativa a um novo estímulo que é chegado ao sistema nervoso

humano.

Saiba Mais

Você sabe o que significa Brainstorming? Traduzido do inglês como “tempestade cerebral”, é uma dinâmica de

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grupo facilmente aplicada numa sala de aula. Tem o objetivo de desenvolver novas ideias e estimular o pensamento criativo em determinado tema. Portanto, estimule sempre seus alunos realizando periodicamente esse tipo de tarefa, a qual o professor expõe um tema no quadro e os alunos desenvolvem as ideias em cima do tema proposto.

O sistema nervoso central é um órgão bastante plástico e diferenciado

nos seres humanos, capaz de expressar os comportamentos mais complexos

já vistos no reino animal. Todo esse órgão, apesar de visualmente dividido,

funciona de uma maneira integrada para desempenhar desde um mínimo

movimento de um dedo, até pensamentos mais complexos, como numa

resolução de uma equação matemática. Portanto, os educadores devem ter a

noção que esse sistema é extremamente plástico e diferente em cada

indivíduo, e que a aprendizagem ocorrerá de diferentes maneiras num contexto

escolar.

Resumo da Aula 01

Na aula abordou-se o funcionamento e estrutura do sistema nervoso

central, dando enfoque nas suas subdivisões corticais. Foi tratado também

sobre o neurodesenvolvimento fetal e neonatal e a importância das sinapses na

constituição do sistema nervoso nos primeiros anos de vida. Por fim, foram

abordados aspectos relacionados à plasticidade cerebral, dando relativa

importância a esse fenômeno mais frequente na infância e adolescência, com

diminuição de sua intensidade nas fases adulta e senil.

Atividade de Aprendizagem

Considerando as diferenças individuais na aquisição de informações e aprendizado, haveria um método didático “ideal” para transmitir informação de forma efetiva aos alunos de uma classe?

20

AULA 2 – MEMÓRIA, APRENDIZAGEM E AS UNIDADES FUNCIONAIS

Apresentação da Aula 02

Na aula serão abordados alguns aspectos neurobiológicos para

entendimento do processo de aquisição de memórias e consolidação da

aprendizagem. Essa fusão das áreas de conhecimento da neurociência e

educação promove o esclarecimento de conceitos, auxiliando a atuação do

professor na sala de aula.

2 MEMÓRIA

“O que definiria memória?” Memória seria a habilidade de lembrar

informações ou experiências do passado e trazê-las para o presente. As

memórias são lembradas a todo tempo e são baseadas no reconhecimento de

eventos similares que de alguma forma tornaram-se conectados. Isso acontece

o tempo inteiro, fato que não seria diferente nos estudantes, os quais têm o

poder de planejar o que aprenderão e como aprenderão os conteúdos

escolares. O contexto de como o conteúdo de classe é passado para o aluno

pode estimular a aquisição de diferentes tipos de memória de uma maneira

individual, conduzindo a uma miríade de reflexões que podem positivamente ou

não exercerem impacto na aprendizagem.

Cognitivamente, a memória envolve o reconhecimento, lembrança e

reflexão. Você sabia que a memória pode ser estimulada antes mesmo do

nascimento? Inúmeras evidencias apontam que recém-nascidos conseguem

reconhecer cheiros e sons que a eles foram apresentados ainda na fase fetal.

As emissões sonoras dos bebês são interpretadas pelos pais e dizem respeito

a momentos de fome, dor, simplesmente gesticulação. No amadurecimento, as

emissões sonoras dão lugar à linguagem, que expressam as vontades e

necessidades da criança. Nos anos seguintes, uma maior aquisição de

memórias tende a ocorrer na criança e no adolescente, portanto, diferentes

pontos de vista e perspectivas são traçados graças a experiências anteriores

de memória. A memória é uma poderosa guia da aprendizagem e

frequentemente fornece auxílio em todas as ações cotidianas das pessoas.

21

2.1 Tipos de Memória

As memórias são operadas por mecanismos e regiões cerebrais

diferentes e podem ser classificadas quanto ao tempo de retenção: memória

ultrarrápida ou imediata (dura fração de segundos a alguns segundos),

memória de curta duração (dura minutos ou horas e garante o sentido de

continuidade do presente) e memória de longa duração (duas horas, dias ou

anos, garantindo o registro do passado autobiográfico e dos conhecimentos do

indivíduo).

Na aula, serão abordadas com mais profundidade a memória quanto à

sua natureza: explícita ou declarativa, implícita ou não-declarativa e

operacional ou memória de trabalho, assim como se dá a amnésia.

2.1.1 Memória Explícita (Declarativa)

Toda informação sensorial pode ser temporariamente armazenada na

memória de curta duração, mas “como essa informação pode ser retida por

uma faixa maior de tempo?” Para entender as bases neurais do

armazenamento de memória declarativa, primeiro será analisado em qual local

do cérebro que fica retida tal informação. Em outras palavras, serão explorados

os engramas ou traços de memória. Por exemplo, quando aprende o

significado de uma palavra em uma língua estrangeira, em qual local do

cérebro ela ficará armazenada, ou seja, “onde ficará essa engrama?”

Vocabulário

Engrama é o traço permanente deixado no tecido nervoso por um estímulo muito forte, podendo também ser uma marca permanente deixadas na psique de um indivíduo por experiências psíquicas por ele sofridas.

22

O lobo temporal normalmente participa do processamento da linguagem

e memória. Uma lesão qualquer nessa região pode afetar o conteúdo de

memórias de palavras estrangeiras, mas deixar intactas as memórias da língua

mãe. Logo, as memórias declarativas podem residir em várias partes do

neocórtex, mas primeiramente, elas precisam em algum momento passar pelos

lobos temporais.

O lobo temporal fica localizado sobre o osso temporal do crânio. O fato

dos cabelos da região das têmporas (laterais do crânio) tornarem-se brancos

com mais rapidez do que as outras regiões do couro cabeludo caracterizou

esse lobo como local engajado no registro de eventos passados. Acredita-se

que a porção medial do lobo temporal (neocórtex temporal) armazena boa

parte das memórias de longa duração, e conexões nervosas com o neocórtex

são críticas para a formação de memórias declarativas.

Figura 1 – Lobo temporal medial no cérebro humano Fonte: https://www.mccare.com/images/temporal_lobe.png

A memória declarativa caracteriza a habilidade em armazenar e lembrar

informações as quais pode-se declarar (fala e escrita). Requer um processo

consciente que permite lembrar e discutir algo ou simplesmente lembrar e

descrever um evento que ocorreu no passado. Essa dupla função conduz a

uma subdivisão da memória declarativa em duas outras categorias: memória

episódica e semântica.

A memória episódica, chamada também de memória das origens,

envolve as lembranças de onde e quando a informação foi adquirida. Permite

lembrar do(a) colega que você foi apaixonado(a) no colégio, ou detalhes da sua

festa surpresa de 15 anos de idade. É composta de registros faciais, musicais,

fatos e experiências individuais (um conjunto de referências autobiográficas).

23

Da mesma maneira que se torna muito importante (como lembrar em qual vaga

você estacionou seu carro), às vezes pode ser problemática. O cérebro não

abriga memórias numa maneira linear, como uma câmera de vídeo, e sim em

circuitos neurais. Quando lembramos de algo, normalmente reconstruímos um

cenário mental o qual nos escapam detalhes, e nesse caso, o cérebro

preenche os detalhes numa espécie de união de fragmentos de memória.

Quando conta-se a lembrança normalmente a “embelezamos”, adiciona-se

informações, tornando-a mais elaborada. Portanto, mesmo pensando que a

dita memória caracterizou um evento vívido, os detalhes geralmente são

imprecisos.

A memória semântica, por outro lado, é bastante precisa. Inclui a

memorização de palavras, seus símbolos associados e de como manipular as

palavras para se comunicar. Consiste na memorização de regras da gramática,

fórmulas matemáticas e seu conhecimento geral sobre o mundo. Esses fatos

geralmente são independentes de uma condição particular de tempo e espaço.

O fato de saber que “6 x 7 = 42” é um exemplo de memória semântica, porém

lembrar em qual série da escola memorizou a tabela de multiplicação trata-se

de memória episódica.

2.1.2 Memória Implícita (Não-Declarativa)

Tratada também como memória procedural, geralmente não necessita

“declarar” algo para que a informação seja armazenada. Ela envolve a

habilidade de armazenamento de ações automáticas de cunho rotineiro.

Compreende os simples procedimentos de caminhar, escovar os dentes,

amarrar o tênis, até os mais complexos, como dirigir um carro ou decifrar

palavras. Após um número considerável de repetições, consegue-se executar

tarefas procedurais sem o pensamento consciente.

A maioria das habilidades mencionadas acima envolvem atividade

motora, mas alguns tipos de comportamento hábil não são baseados na

aprendizagem de movimentos. Um exemplo claro seria a leitura. Quando

aprende-se a ler, os olhos movem-se lentamente, de palavra em palavra, mas

com a prática, consegue movê-los com mais rapidez numa leitura. Os leitores

24

mais habilidosos conseguem mover seus olhos por cerca de quatro vezes por

segundo, gerando uma média de mais de 300 palavras lidas por minuto.

A formação da memória implícita pode se dar de duas maneiras: por

aprendizagem não associativa ou associativa.

A aprendizagem não associativa pode ser descrita como uma mudança

na resposta comportamental que ocorre num período de tempo, em resposta a

um simples estímulo. Podem ser de dois tipos: habituação e sensibilização.

Considere a situação hipotética, supondo que está em casa e toque seu

telefone fixo. Quando atende, percebe que a chamada era para outra pessoa, a

qual não se encontra na casa, porém, o telefone torna a chamar inúmeras

vezes tentando falar com essa pessoa. A partir de um momento, você

simplesmente para de atender o telefone, pois adquiriu aprendizagem por meio

da habituação, a qual caracteriza ignorar um estímulo insignificante.

Provavelmente, ao ler esse texto, deverá estará ignorando o barulho dos carros

que passam na sua rua, um latido de um cachorro no bairro, ou mesmo o

barulho da TV quem vem da sala, pois todos esses estímulos estão fora da sua

realidade consciente devido a habituação.

Supondo que esteja caminhando na rua, a noite, e acontece um

blackout. Você começa a ouvir passos de pessoas vindo atrás, o que lhe dá

bastante tensão (o que geralmente, caminhando numa rua iluminada, não

sentiria). Luzes de carro se destacam na escuridão e, inconscientemente,

recua mais ainda para a lateral da calçada. Essa forte estimulação sensorial

ocasionada pelo blackout causou sensibilização, que seria uma forma de

aprendizagem que intensifica sua resposta a todos os estímulos, mesmo

considerando que o estímulo prévio normalmente causa pouca ou nenhuma

reação.

A aprendizagem associativa deriva de um comportamento alterado pela

associação de eventos, a qual é distinguida em dois tipos: condicionamento

clássico e instrumental.

O condicionamento clássico caracterizado pelo russo Ivan Pavlov

envolve a associação de um estímulo que gera uma resposta, com um

segundo estímulo que geralmente não gera resposta. O primeiro, que evoca

uma resposta, é normalmente chamado de estímulo não condicionado (EnC),

pois o mesmo não necessita de treinamento para gerar a resposta. Nos

25

experimentos de Pavlov, o EnC foi a visão de um pedaço de carne, a qual

gerava salivação num cachorro. O segundo, que não evoca resposta, é

chamado de estímulo condicionado (EC), pois o mesmo requer treinamento

(condicionamento) antes de gerar a resposta. No experimento de Pavlov, o EC

era um sinal sonoro de um sino. O treinamento consistiu em parear a visão do

pedaço de carne com o sinal sonoro, repetidas vezes. Depois de inúmeras

repetições, a carne foi retirada do pareamento, e o animal salivou apenas com

a presença do sinal sonoro. Portanto, o cachorro aprendeu que ganhará um

pedaço de carne toda vez que ouvir tal estímulo sonoro, gerando uma resposta

a um estímulo condicionado chamado de resposta condicionada.

Figura 2 – Condicionamento clássico paviloviano Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-tM-

vE6or8SU/UP_Fb4HmcmI/AAAAAAAAAUg/o4ZLUvXZXio/s1600/c%C3%A3o.png

No condicionamento instrumental, o indivíduo aprende a associar um

estímulo ocasionado por uma ação motora com uma recompensa. Num

experimento hipotético, um rato em jejum é colocado numa caixa que contém

uma alavanca, a qual está suspensa num recipiente com comida. Por acidente,

a rato pressiona essa alavanca e recebe uma quantidade de comida. Depois de

várias ocorrências desse acidente, o rato aprende que toda vez que pressionar

a alavanca ele será recompensado. Portanto, no condicionamento instrumental,

o indivíduo aprende que um particular comportamento (pressionar uma

alavanca) sempre estará associado a uma particular consequência

(recompensar alimentar).

26

Figura 3 – Condicionamento instrumental Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/3053850/11/images/12/Aprendizagem+por+Condicionamento+Operante.jpg

2.2 Amnésia

Como todos sabem, o esquecimento acontece tão frequentemente

quanto a aprendizagem. De ocorrência menos comum, certas doenças

cerebrais podem causar sérias perdas de memória, a qual é chamada de

amnésia, como no alcoolismo crônico, encefalite, tumores cerebrais e AVC.

Provavelmente já deve ter ouvido falar de uma pessoa que sofreu acidente e

acordou sem lembrar dela mesma ou do passado. Esse tipo de amnesia

absoluta é extremamente rara. Porém, dependendo do trauma no cérebro,

pode-se diferenciar dois tipos de amnésia: retrógrada e anterógrada.

Na amnésia retrograda ocorre a perda da memória relacionada a

eventos bem próximos ao trauma (como coisas que o indivíduo aprendeu

recentemente). Em casos mais severos, pode haver amnesia completa para

todas as memórias declarativas anteriores ao trauma. Geralmente, ela provoca

esquecimento de eventos na faixa de meses ou anos que precederam o

trauma, preservando as memórias mais antigas.

Na amnésia anterógrada há uma perda da habilidade em formar novas

memórias após o trauma. Se for severa, o indivíduo pode ser completamente

incapaz de aprender e lembrar algo novo. Em graus mais leves, a

aprendizagem pode se tornar mais lenta e exigir mais repetições que o normal.

Em casos clínicos, os dois tipos de amnesia são mais frequentes, com

diferentes graus de severidade.

27

2.3 Memória, Aprendizagem e a Abordagem Luriana

Até agora tem-se enfatizado a anatomia e fisiologia da principal função

cognitiva que tem impacto direto no processo de aprendizagem do aluno, a

memória. Irá agora considerar um assunto mais familiar aos educadores, o qual

possui uma maior integração entre ensino e neurociência cognitiva.

Esse assunto abrange a abordagem das unidades funcionais de

Alexander Romanovich Luria. O sistema nervoso, segundo Luria, estaria

organizando verticalmente, no qual áreas cerebrais inferiores serviriam de base

para as estruturas superiores. As funções mentais superiores estariam mais

vulneráveis pelo fato de se dedicarem a atividades mais complexas e por

serem mais recentes na evolução do sistema nervoso central nas espécies.

Essa divisão vertical, mais tarde daria origem às três unidades funcionais

lurianas. A primeira seria dedicada à manutenção do alerta e da atenção

(vigília). A segunda seria responsável pelo processamento de todos estímulos

externos e internos, relacionados à visão, audição e sensibilidade tátil. A

terceira se encarregaria de monitorar e manipular comportamentos

relacionados às ações conscientes, relativos à mente.

Figura 4 – Primeira, segunda e terceira unidades funcionais lurianas Fonte: Kruszielski (s.d.)

2.3.1 Primeira Unidade Funcional – Alerta e Atenção

28

Essa unidade é dependente do tronco cerebral (situado entre a medula e

o cérebro) no qual possui uma estrutura dorsal chamada de formação reticular

encarregada na regulação do ciclo sono-vigília. O estado de vigilância (ou

alerta) está relacionado com o reflexo de orientação fruto de um confronto com

um estímulo novo. O alerta possui relação próxima com a atenção, pois o

mesmo está engajado na manutenção dos disparos neuronais responsáveis

pela postura e pela atividade cortical. Mais especificamente, a atenção está

relacionada à seletividade e a sustentação de todas funções mentais

superiores. Tanto o alerta quanto a atenção são interdependentes, pois

selecionam, focalizam, alocam e refinam a integração dos estímulos.

Há um feixe de neurônios que conecta a primeira unidade funcional com a terceira, chamado de Sistema Reticular Ascendente. Este sistema leva impulsos para o córtex pré-frontal, ou seja, para o topo da hierarquia neural: por isto ascendente. Há também um grupo de feixe neuronal que faz o caminho inverso, do córtex pré-frontal para o tronco, o Sistema Reticular Ascendente. É a partir deles que conseguimos regular uma certa intenção para nos mantermos despertos, atentos ou Adormecidos (KRUSZIELSKI, s.d.).

2.3.2 Segunda Unidade Funcional – Recepção, Integração, Codificação e

Processamento Sensorial

Composta pela parte posterior do cérebro, compreende os lobos

occipitais, temporais e parietais, os quais processam a visão, percepção tátil,

audição, orientação espacial e linguagem. Essa unidade recebe e analisa as

informações que chegam aos órgãos sensoriais, interpretando-os e atribuindo

significados.

A memória é o componente cognitivo mais relacionado à essa unidade funcional.

A codificação é um evento estritamente relacionado à memória e refere-

se a toda análise, síntese, armazenamento e recuperação de informações

29

relativas a significação e a associação com memórias já integradas no cérebro.

A informação pode ser codificada de duas formas: simultânea ou sequencial.

No processamento simultâneo, a informação é sintetizada em unidades

espaciais ou relacionais, que quando integradas, geram os processos

cognitivos de leitura, escrita e aritmética. Qualquer disfunção nesse

processamento poderá gerar uma miríade de dificuldade de aprendizagem, tais

como as disnomias, disfasias, disartrias, dislexias, disortografias e disgrafias.

No processamento sequencial, a informação é codificada numa unidade por

vez (como no momento que um número de telefone é ditado). A codificação,

que caracteriza um processo puramente cognitivo, depende da combinação

desses dois tipos de processamento presentes na segunda unidade funcional

do Luria.

2.3.3 Terceira Unidade Funcional – Execução Motora, Planificação e

Avaliação

Composta pelos lobos frontais, tem o papel de programar, regular e

verificar toda atividade mental. A motricidade, intencionalidade, planejamento e

linguagem expressiva são as principais funções mentais controladas por essa

unidade. O ser humano é a espécie que proporcionalmente ao tamanho do

corpo, possui os lobos frontais mais desenvolvidos, tanto em relação ao seu

tamanho quanto a qualidade das redes neurais. Essa região é a última a se

desenvolver nos humanos, consolidando suas conexões entre os 6 anos e 12

anos de idade, concluindo somente no início da fase adulta.

Para descrever as nuances que cercam o processo de aprendizagem,

geralmente o conceito das funções executivas torna-se um assunto pertinente.

As ditas funções mentais superiores que ajudam a controlar o pensamento,

aprendizagem e comportamentos são referidas como funções executivas. Um

exemplo seria a memória operacional, que influencia o controle de memórias

numa situação específica, como na resolução de problemas. Considere um

estudante que está resolvendo um problema complexo de multiplicação. Para

sua resolução, o estudante precisa manipular algumas informações ao mesmo

tempo que tenta resolver o problema. A habilidade de reter e manipular

30

informações temporárias na memória (também chamado de problem-solving)

caracteriza a memória operacional.

Para finalizar essa discussão, Kruszielski (s.d.) enfatiza o estudo das

unidades funcionais em conjunto:

Por mais que estudemos as unidades funcionais e mesmo as funções mentais isoladamente, sempre é necessário que fique claro que todas elas atuam sempre em conjunto. Uma função mental nunca é o resultado de apenas uma unidade funcional, mas das três. A percepção, por exemplo. É necessário que a primeira unidade forneça o tônus cortical necessário, a segunda realize a análise e a síntese das informações que chega e a terceira execute os movimentos de busca controlados que conferem à percepção o seu caráter ativo.

2.4 Implicações Educacionais

Algumas pesquisas científicas estão sendo dedicadas em saber a

relação da memória e da consolidação da aprendizagem na sala de aula.

Certamente, seria interessante que os professores soubessem o tempo

necessário para seus estudantes consolidarem determinado conteúdo, para

assim partirem para um próximo.

O que se sabe é que a consolidação de novas informações é

dependente do tempo e pode ser prejudicada de informações precocemente

transmitidas, antes mesmo de consolidar as anteriores, podem prejudicar a

aquisição de memória tanto anterior quanto a recente. Como não se sabe o

tempo necessário para consolidar um conteúdo específico, deve-se ter cuidado

no momento de introduzir novos conhecimentos nos alunos. Portanto, utilizar

dos conhecimentos neuropsicopedagógicos no planejamento das aulas é de

suma importância na consolidação da aprendizagem de conteúdos da

disciplina. Uma maneira de aprimorar essa consolidação seria incorporar as

novas informações de uma maneira gradual e repeti-las em intervalos

regulares.

As informações recentes são raramente consolidadas no cérebro se

conteúdos novos são introduzidos tão prontamente. A maioria das memórias

desaparecem em minutos, porém as informações que são relembradas

periodicamente conseguem ser consolidadas em memórias de longa duração,

por meses ou anos.

31

O professor precisa ter o conhecimento sobre como as memórias são

adquiridas no sistema nervoso, e como a aprendizagem de conteúdo pode

acontecer de uma maneira mais simples e duradoura, nos seus alunos.

Dominando esses aspectos, os educadores não irão encontrar dificuldades em

lidar com a transmissão de conteúdos escolares, os quais necessitam de ser

aplicados de maneira gradual e dinâmica, com o intuito de maximizar o

conhecimento de longa duração.

Resumo da Aula 02

A memória envolve o reconhecimento, lembrança e reflexão de

conteúdos que aconteceram no passado. São classificadas em memória

ultrarrápida ou imediata, memória de curta duração e memória de longa

duração quanto ao tempo de retenção, ou em memória explícita, implícita ou

operacional, quanto à sua natureza. A memória é passível de esquecimento, a

qual é chamado de amnésia, que podem ser de dois tipos: retrógrada ou

anterógrada. As três unidades funcionais criadas por Luria dividem o sistema

nervoso central em setores dedicados ao alerta e atenção; recepção,

integração, codificação e processamento sensorial; e execução motora,

planificação e avaliação.

Atividade de Aprendizagem

Na sua opinião, o ensino baseado nos princípios da neurociência tem a possibilidade de ressignificar o processo de ensino-aprendizagem na escola? A partir do conhecimento sobre os conceitos em neurociência, você estaria habilitado em iniciar um processo de ensino-aprendizagem baseado na repetição e transmissão fragmentada do conteúdo?

AULA 3 – FUNÇÕES EXECUTIVAS E IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS

32

Apresentação da Aula 03

O sucesso acadêmico na nova era digital não está ligado apenas a

facilidade com o que os estudantes lidam com a tecnologia, mas com seu

domínio na estipulação de metas, planejamento, prioridades, organização,

flexibilidade mental e o poder de manipular informações na sua memória

operacional. Todos esses processos juntos compõem as funções executivas.

3.1 O Caso de Phineas Gage, o Córtex Pré-Frontal e as Funções

Executivas

Apesar dos conceitos sobre funções executivas estarem consolidados

há algum tempo, relatos médicos anteriores sobre mudanças comportamentais

após lesão cerebral já indicavam relações entre danos na região frontal do

cérebro a alterações no funcionamento executivo. O caso de Phineas Gage é

registrado como o mais famoso fato clínico sobre modificações

comportamentais associadas a danos na região do córtex pré-frontal.

Gage, que trabalhava na construção de uma linha férrea na região da

Nova Inglaterra-EUA em 1848, tinha a função de detonar explosivos em

buracos para abrir caminho em uma linha férrea. Utilizava-se de uma barra de

ferro para empurrar a pólvora do explosivo para cavidades mais profundas da

terra. Em mais um dia de realização desse procedimento rotineiro, Gage

acidentalmente gerou uma faísca entre a barra e a pólvora, detonando todo o

explosivo. A barra de ferro entrou no seu crânio, de baixo para cima, destruindo

seu olho esquerdo, atravessando a parte frontal do encéfalo saindo pelo topo

do crânio. Apesar da gravidade do acidente, Gage sobreviveu devido à

cauterização que a barra de ferro quente causou na ferida. Fisicamente ele

recuperou-se muito bem, porém foram identificadas mudanças no seu

comportamento social e na tomada de decisões. John Hallow, o médico que

acompanhou o tratamento de Gage, havia especulado que a lesão no córtex

pré-frontal teria sido a causa do comprometimento na execução de

planejamentos mentais e comportamentos adequados. Utilizando-se de

ferramentas de neuroimagem, foi possível reconstituir a trajetória da barra de

ferro no crânio de Gage e concluíram que a lesão cerebral atingiu os córtices

33

pré-frontal direito e esquerdo. Mais tarde, foi elucidado com mais detalhes os

danos causados pela barra de ferro em Gage e constataram que as massas

cinzenta e branca do córtex pré-frontal esquerdo foram as mais afetadas,

sendo responsável pela desconexão neuronal entre áreas corticais e regiões

de codificação de memória emocional episódica, o que pode ter sido a principal

causa das flutuações emocionais presente após o acidente de Gage.

Figura 1 – Desenho esquemático sobre a trajetória da barra de ferro que atravessou o

crânio de Gage (a esquerda) e Phineas Gage, após o acidente, segurando a barra de ferro que se acidentou (a direita). Fonte: http://skeptikai.com/wp-content/uploads/2015/11/Phineas-Gage-with-skull-picture.png

3.2 Funções Executivas

No início da vida escolar os estudantes começam a ter maiores

responsabilidades pelo seu próprio processo de aprendizagem. Os professores

tendem a fornecer uma grande quantidade de atividades que envolvem

habilidades cognitivas de leitura e escrita, bem como trabalhos escolares de

longa duração, os quais dependem, para sua execução, de todos os processos

mentais que caracterizam as funções executivas. O sucesso acadêmico,

portanto, se origina na habilidade de planejar e priorizar seu tempo, organizar

materiais e informações, destacar as principais ideias e ter diferentes

abordagens de um texto, perceber e refletir seu próprio progresso. Portanto, é

de suma importância que os educadores ensinem estratégias voltadas ao

desenvolvimento das funções executivas com a finalidade de auxiliar seus

alunos a entenderem como eles pensam e porque eles aprendem.

34

As funções executivas constituem um conjunto de habilidades que

possibilitam uma reflexão atenta, isto é, deliberada e intencionada a alcançar

um objetivo. Um bom funcionamento executivo permite o indivíduo refletir antes

de agir, trabalhar diferentes ideias mentalmente, solucionar desafios

inesperados, pensar sob diferentes perspectivas, reconsiderar opiniões e evitar

distrações. Essas habilidades são fundamentais para tomar decisões, viver e

pensar com autonomia. Seu principal desenvolvimento ocorre de zero a seis

anos de idade, período que corresponde a primeira infância, e é fortemente

influenciado pela qualidade e quantidade de experiências que as crianças

podem ter, inclusive relacionadas aos aspectos biológico e emocional.

Diversas evidências apontam que o núcleo das funções executivas se

encontra nos córtex pré-frontal, a região mais anterior do lobo frontal. Essa

região expandiu-se ao longo da evolução das espécies, e no ser humano ela se

desenvolveu de uma maneira mais intensificada. A região pré-frontal demora a

amadurecer no desenvolvimento infantil, continuando a modificar-se até o final

da adolescência. Logo, as funções executivas não estão em perfeito

funcionamento até o início da fase adulta.

Fonte: Acervo do Autor.

Com relação às atividades cognitivas, as funções executivas podem ser

divididas em três extratos: inibição (ou controle inibitório), memória operacional

(ou memória de trabalho) e flexibilidade cognitiva. Esses extratos compõem as

chamadas funções executivas de alto-nível, as quais envolvem o raciocínio,

resolução de problemas e planejamento.

3.2.1 Controle Inibitório

35

Torna-se importante para o controle do comportamento, por exemplo, na

substituição de respostas habituais por ações que caracterizam autocontrole

(como no momento de resistir a tentações alimentares, como doces ou

salgados, ou simplesmente dar uma resposta mais branda e menos impulsiva

numa discussão calorosa). Outro comportamento típico que demanda controle

inibitório é exercer disciplina, ou seja, resistir a vontade de desistir de uma

tarefa. Portanto, o controle inibitório possibilita controlar e filtrar pensamentos,

ter o domínio sobre atenção e comportamento. Conseguir ler um texto, mesmo

na presença de barulhos incômodos, é um exemplo de uso dessa habilidade.

É possível destacar três aspectos relevantes do controle inibitório: o

controle inibitório da atenção, a inibição cognitiva e o autocontrole.

O controle inibitório da atenção é importante para manter o foco sem

ceder a estímulos exteriores que distraiam. Alguns estímulos visuais ou

auditivos mais proeminentes atraem voluntariamente a atenção, mas há certos

estímulos aos quais é possível escolher dar atenção ou não. Assim, por

exemplo, é possível manter uma conversa com alguém, mesmo em um

ambiente com som elevado.

Na inibição cognitiva, o controle inibitório fará o indivíduo resistir a

pensamentos e memórias não intencionais, capazes de tirar o foco. Essa

habilidade é necessária para o bom funcionamento da memória de trabalho.

Ela possibilita manter o foco nas informações desejadas, mesmo na presença

de algum pensamento involuntário.

Finalmente, o autocontrole é o aspecto que está relacionado a ter

domínio sobre o comportamento, apesar da presença de impulsos e emoções,

estimulando determinadas condutas. Ter autocontrole significa ter a

possibilidade de agir de forma diferente da desejada intimamente, como ter

disciplina para terminar atividades não prazerosas, mas necessárias para se

atingir um objetivo desejado. Além disso, ter autocontrole significa também

evitar cometer erros devido à impulsividade, como tirar conclusões

precipitadas, falar algo sem pensar antes, ou não calcular as consequências de

uma ação ou decisão.

3.2.2 Memória Operacional

36

A também chamada de memória de trabalho permite integrar memórias

atualizadas com as antigas, para conscientemente manipular todo tipo de

informação disponível. Dessa maneira, pode-se pensar que a memória de

trabalho é uma condutora fiel para as memórias de curta duração, contudo, a

maioria das informações que chegam até as pessoas é mantida

temporariamente ou descartada do cérebro. Alguns cientistas a tratam como

uma “área computacional do cérebro”, pois todas as informações recém-

chegadas podem ser mantidas ou manipuladas conscientemente. Um exemplo

disso é quando um aluno resolve uma conta de multiplicação rapidamente,

como 24 x 8 = 192. Portanto, essa função executiva de alto-nível nos permite

planejar e organizar ações.

Importante

A memória de trabalho é composta de dois conjuntos de habilidades: o de representações verbais, que possibilita reter informações e também relacioná-las e pensá-las no curto prazo. Com isso, podem-se armazenar distintos fatos e acontecimentos para, em seguida, manipulá-los. Dessa forma, essa habilidade permite armazenar durante um tempo diversas estratégias de prontidão a serem utilizadas como respostas a diferentes estímulos e circunstâncias (por exemplo, dizer obrigado após uma gentileza). O outro, de representações visuais, auditivas, táteis, olfativas e gustativas, que possibilita imaginar objetos, ações, acontecimentos não disponíveis de forma direta, ou seja, perceptiva. Tem-se, portanto, dois tipos distintos de memória de trabalho, de acordo com o conteúdo memorizado: a verbal e a não verbal (visual-espacial).

Conectar diferentes informações, relacionar acontecimentos que

ocorreram em momentos diferentes, reordenar itens mentalmente, considerar e

incorporar alternativas ao planejamento, todas essas ações dependem do

funcionamento da memória de trabalho. Essa habilidade é também essencial

para a criatividade, ao tornar possível que se separe um todo em partes e

reorganize as partes de uma nova sequência.

37

A memória de trabalho e o controle inibitório são mutuamente

dependentes e dificilmente funcionam separadamente. Ter em mente o objetivo

é indispensável para avaliar o que deve ser filtrado ou inibido. Mas, também,

para trabalhar com informações mentalmente, é preciso ter a capacidade de

resistir a distrações. E para manipular as ideias de forma criativa deve-se evitar

repetir padrões habituais.

3.2.3 Flexibilidade Cognitiva

Como terceira dimensão fundamental das funções executivas, ao lado

da memória de trabalho e do controle inibitório, a flexibilidade cognitiva está

relacionada à possibilidade de mudar de perspectiva no momento de pensar e

agir. Essa habilidade existe quando o indivíduo é capaz de analisar uma

mesma informação, considerando ângulos diferentes ou visões de outras

pessoas. O desenvolvimento da flexibilidade cognitiva depende da evolução

prévia da memória de trabalho e da inibição cognitiva, pois para mudar de

perspectiva é necessário inibir a forma de pensar utilizada anteriormente e

inserir na memória de trabalho uma nova forma de analisar a questão. Sem a

flexibilidade cognitiva, os indivíduos não conseguiriam tentar resolver um

problema de outra forma, ajustar-se a mudanças de prioridades, reconhecer

erros e aproveitar oportunidades inesperadas.

Durante a fase infantil, a flexibilidade cognitiva contribui para

compreender distintas formas de jogar um jogo ou para tentar diversas

estratégias na solução de conflitos com outras crianças ou adultos. Quanto à

aprendizagem escolar, a flexibilidade cognitiva importa por possibilitar à criança

experimentar diferentes ações até chegar a um resultado desejado de um

experimento de ciências ou um problema de matemática.

Considera-se que a partir dos três extratos que compõem as funções

executivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva),

são construídas as funções executivas de alto-nível, que envolvem a

capacidade de raciocínio, solução de problemas e planejamento. Além disso,

os três extratos são essenciais para a construção de diversas habilidades

fundamentais para a autonomia individual, como criatividade, perseverança,

cooperação, respeito mútuo, disciplina e flexibilidade.

38

Vídeo

Sobre a importância das funções cognitivas para o desenvolvimento da criança em adulto, assista ao vídeo Funções Executivas: Habilidades para a Vida e Aprendizagem,

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6gIY_X9IXH8

3.3 Testes Utilizados na Avaliação das Funções Executivas

Diante das observações sobre o comportamento em indivíduos com

lesões no córtex pré-frontal foram desenvolvidos testes que buscaram dissociar

os componentes cognitivos envolvidos no funcionamento executivo afetado

nessa condição. Dentre os vários testes empregados na atualidade, destacam-

se o Wisconsin Card Sort Task (WCST) e o Iowa Gambling Test (IGT) que

avaliam a tomada de decisões sobre os componentes de flexibilidade mental,

formação de conceitos abstratos e planejamento de ações. As principais áreas

do córtex pré-frontal afetadas e que consequentemente geram déficits

cognitivos estão situadas no córtex pré-frontal dorsomedial, córtex pré-frontal

ventromedial e córtex pré-frontal orbitofrontal, que, dependendo do local

específico da lesão pode comprometer um ou mais componentes cognitivos da

tomada de decisões do indivíduo. Estudos ainda destacam que lesões no

córtex pré-frontal ventromedial provocam um comportamento que induz os

indivíduos a fazerem escolhas de alto ganho monetário a curto prazo que

resultam em grandes perdas monetárias no montante final no IGT. Essa

estrutura provavelmente pode estar encarregada de perceber o risco de

determinadas tomadas de decisão integrando informações sobre memória de

trabalho, escolhas vantajosas da decisão e inibição de respostas negativas no

futuro.

Nas últimas décadas, têm-se destacado também a avaliação da função

executiva de inibição de respostas realizada pelos testes Stop Signal e Go/No-

Go os quais avaliam componentes cognitivos de atenção seletiva, flexibilidade

e velocidade de processamento de estímulos. Os indivíduos são submetidos a

39

responderem rapidamente a determinado estímulo que lhes é apresentado

(estímulo Go) e em intervalos irregulares, inibir sua resposta frente a uma

minoria de respostas inibitórias que surgem (estímulo No-Go). Geralmente,

pacientes com lesões no córtex pré-frontal ventrolateral, região

anatomicamente próxima do giro pré-frontal inferior, possuem um pobre

controle motor inibitório nesses testes. Considerando ainda um estudo que

envolveu a aplicação de uma modificação do teste Go/No-Go, no qual os

indivíduos recebiam recompensas negativas após cada erro, foi identificada

participação do córtex pré-frontal orbitofrontal na modulação da recompensa.

Indivíduos com lesões no córtex pré-frontal orbitofrontal não conseguiam

esboçar reação de autojulgamento frente as recompensas negativas recebidas

e continuaram a errar de uma maneira constante, por todo o teste.

Considerando outro teste que busca avaliar o controle inibitório pode-se

destacar a ampla utilização do teste Stroop. A inibição de estímulos não

relevantes nesse teste é exibida em representações conflitantes as quais é

necessária a inibição de uma resposta prepotente para resolver esses conflitos

“mentais”. As estruturas do córtex pré-frontal envolvidas nesse teste diferem

dos outros testes de controle inibitório, pois no momento que o indivíduo

procura resolver essa interferência mental, regiões do córtex pré-frontal dorso e

ventromediais são solicitadas. O indivíduo que possui lesão nessa região

específica tem uma grande dificuldade de resolver conflitos mentais e passam

a errar com mais frequência quando lhes é apresentado um estímulo não

inibitório associado a um inibitório.

Figura 2 – sub-regiões do córtex pré-frontal Fonte: Szczepanski; Knight (2014)

3.4 Por que o Estudo das Funções Executivas é Importante?

40

O sucesso acadêmico de todos estudantes, e particularmente o que

possui alguma dificuldade de aprendizagem, está intrinsecamente ligado com a

motivação, esforço, persistência e autoavaliação. Esses processos cognitivos e

motivacionais estão conectados ciclicamente com as funções executivas e

desempenho acadêmico dos estudantes. Quando os estudantes aprendem e

aplicam estratégias de aprendizagem com eficácia, eles se tornam mais

independentes na aquisição do conhecimento. Portanto, o sucesso acadêmico

depende da confiança em si próprio e no automonitoramento de seu próprio

desempenho, o que resulta num esforço a mais em tarefas que exigem

complexidade na escola.

O ambiente de aprendizagem e os materiais e métodos instrucionais

assumem importante responsabilidade em mediar essa relação cíclica. Para

todos os estudantes, e mais especificamente aos que possuem dificuldades de

atenção e aprendizagem, a inclusão de atividades pedagógicas voltadas a

criação de estratégias e manutenção do foco auxilia-os a obter habilidades

necessárias para suprir as demandas acadêmicas. De fato, o aluno com

dificuldade de aprendizagem precisa de mais horas para produzir algo, e

provavelmente a série escolar a que está inserido não reflete a sua capacidade

executiva. Quando esses estudantes utilizam estratégias de organização,

prioridades e checagem de ideias, frequentemente tornam-se capazes de

flexibilizar seu pensamento para entender uma ideia em diferentes abordagens.

Na busca de gerar motivação, persistência e ética nos estudantes, torna-

se necessário que os mesmos entendam seus pontos fortes e fracos. Isso os

permite determinar quais estratégias serão mais eficazes para resolver um

problema, bem como o porquê, onde, quando e como aplicar estratégias

específicas. Esse entendimento é conhecido como metacognição.

Saiba Mais

Metacognição é a habilidade de pensar sobre seu próprio pensamento e aprendizagem. A metacognição se refere ao próprio entendimento de como aprender algo, bem como a manipulação de estratégias que podem ser usadas para resolver determinada tarefa. Estudantes com consciência

41

metacognitiva conhecem e entendem seus próprios perfis de aprendizagem, além de relacionarem os extratos das funções executivas em seus pontos fortes e fracos, auxiliando-os na resolução das diversas tarefas escolares.

As habilidades que compõem as funções executivas são essenciais para

o controle consciente e deliberado sobre ações, pensamentos e emoções. Tais

capacidades possibilitam ao indivíduo gerenciar seu comportamento e suas

ideias de forma autônoma e independente. Sem um bom desenvolvimento das

funções executivas, os indivíduos podem apresentar dificuldade para se

lembrar de ideias e de fatos a fim de relacioná-los no curto prazo, ou para

evitar que pensamentos ou evento externos distraiam a atenção ou ainda, para

refletir sob diferentes ângulos. Dessa forma, o funcionamento executivo está

relacionado a diferentes dimensões da vida das pessoas.

Resumo da Aula 03

Nesta aula foram abordados aspectos relacionados ao córtex pré-frontal,

o papel das funções executivas na consciência e na aprendizagem, além de

ser parte primordial na formação social do ser humano. Ficou constatado que

as funções executivas podem ser decompostas em três extratos, e que cada

um deles podem ser cuidadosamente treinados na criança ou adolescente, no

ambiente escolar.

Atividade de Aprendizagem

As funções executivas dependem exclusivamente da mediatização do educador com o aluno? Na sua opinião, os pais podem assumir um papel no desenvolvimento das funções executivas dos seus filhos?

AULA 4 – ATENÇÃO E APRENDIZAGEM

42

Apresentação da Aula 04

Todos os estímulos que chegam ao sistema nervoso passam por um

filtro elaborado através de diversos mecanismos. Antes mesmo da informação

ser processada no cérebro, algumas redes neuronais que estão levando essa

informação podem ser bloqueadas, auxiliando esse filtro. Alguns centros

reguladores da atenção participam desse processo, e isso permite focar a

atenção em determinados estímulos, ao mesmo tempo que se ignora outros.

Portanto, a atenção se responsabiliza primariamente na aquisição de

informações e no processo de aprendizagem. Os aspectos neurobiológicos da

atenção merecem destaque quando se discute métodos de ensino-

aprendizagem eficazes no campo escolar.

4.1 Conceito de Atenção

A atenção é uma habilidade cognitiva que permite focar em determinada

informação ou estímulo. A partir da aquisição dos cinco sentidos, o ser humano

tornou-se capaz de processar mentalmente todas informações que o ambiente

tem a lhe fornecer, e grande parte desse montante informativo é filtrado no

cérebro sem ao menos percebermos.

A atenção é uma função cognitiva complexa que é essencial para o

comportamento humano. Reúne basicamente a seleção de informações

externas (sons, imagens, cheiros) com internas (pensamentos) que podem ser

mantidas no cérebro com certo grau de consciência. Ela não é estável, e,

portanto, pode sofrer flutuações, pelo fato de não ser facilmente sustentada e

frequentemente perdida inconscientemente durante uma tarefa.

4.2 Neurobiologia da Atenção

Com a finalidade de manter a função cognitiva da atenção no sistema

nervoso, é necessário que diversas áreas corticais e sub-corticais se

comuniquem. Estudos de neuroimagem cerebral têm evidenciado que o

43

fenômeno da atenção estimula diversas áreas corticais em várias porções do

cérebro.

No momento em que se presta atenção a algo, neurônios do lobo frontal

e do colículo superior (onde localizam-se um feixe de neurônios da visão) têm

sua atividade aumentada. O processamento visual e a associação, que

acontecem nos lobos occipitais e parietais, respectivamente, seguem o mesmo

padrão de aumento de disparos neuronais, sugerindo que a atenção tem o

poder de aguçar o processamento sensorial, facilitando as ações cotidianas de

tomada de decisão. Os lobos corticais que mais contribuem para o

processamento da atenção são o parietal, área pré-motora e córtex pré-frontal.

Considerando que essas áreas trabalham em sincronia, pode-se destacar que

o lobo frontal detecta o alvo e gera uma resposta adequada, ao mesmo tempo

que o lobo parietal orienta e foca nossa atenção.

Algumas áreas sub-corticais estão também envolvidas na atenção. A

formação reticular do tronco encefálico tem a função de definir qual estímulo

deve ser evidenciado, selecionando as informações que chegam, eliminando

ou diminuindo algumas e concentrando-se em outras, gerando o que é

chamado de atenção seletiva. A atuação do lobo frontal seleciona o que deve

ou não passar para o néocortex, caracterizando-o como um filtro primário. Esse

filtro atencional seleciona as informações mais relevantes ao indivíduo, os

quais teriam prioridade de serem processadas na região da formação

reticulada, permitindo o indivíduo focar e se concentrar com mais intensidade

nessa informação. Em alguns casos, determinadas informações podem furar

esse filtro e se tornarem “salientes” o suficiente para serem elevadas a

categoria de foco de atenção.

Como a capacidade atencional é limitada, esses estímulos salientes

facilmente atrapalham o foco em determinada atividade, como no caso de um

aluno que não consegue se concentrar em uma leitura (foco primário da

atenção) na sala de aula, a qual possui um ventilador barulhento desviando seu

foco (estímulo saliente).

A atenção pode ser regulada de duas formas: de “baixo para cima” e “de

cima para baixo”. No primeiro, os estímulos ambientais, bem como suas

características (se é um novo estímulo ou causa algum contraste) podem ser

tratadas como atenção reflexa, de cunho mais inconsciente. No segundo, a

44

consciência é mais evidente, o que permite ser regulada por processos

mentais, a qual será chamado de atenção voluntária. A todo tempo as

informações sensoriais trafegam do néocortex para regiões inferiores e vice-

versa, com o intuito de realizar a seleção final dos estímulos que realmente são

relevantes para o organismo.

Fonte: Elaborado pelo Autor.

Em uma típica situação do cotidiano para explicar o processamento

atencional, está no momento que, por exemplo, numa reunião, escutamos

nosso nome ser pronunciado num grupo de conversa próximo. Imediatamente,

mudamos o foco da atenção para àquele grupo que entoou nosso nome, com a

finalidade de captar informações que são de interesse. Alguns aspectos da

atenção podem ser destacados nesse caso. Um estímulo externo (ambiental)

de alta saliência surge e desvia o foco da nossa atenção; logo, ajustamos o

foco da atenção para essa nova direção com o intuito de captar a maior

quantidade de informação possível. A partir da observação desse padrão de

desvio atencional foram originados dois sistemas que regulam esses

processos.

O sistema orientador, localizado no córtex parietal, permite o desvio da

atenção de um ponto para outro, como também realizar ajustes para que os

estímulos sejam claramente recebidos. Permite também que o foco da atenção

seja dedicado a outros sistemas sensoriais, como na ação voluntária de aguçar

mais a audição do que a visão numa conversa distante.

O sistema executivo permite a manutenção da atenção por um período

maior de tempo, ao mesmo tempo que inibe estímulos que podem causar

45

distração. A área cerebral dedicada a essa função cognitiva localiza-se no giro

do cíngulo, localizada numa região mais interna do lobo frontal. A atenção

executiva está engajada em mecanismos de autorregulação que são capazes

de modular o comportamento de acordo com o contexto emocional e social da

situação. Ela torna-se importante na aquisição e manipulação da aprendizagem

consciente. Isso torna-se mais claro quando deparamos com alunos com

transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que possuem uma

grande dificuldade em focar e manipular a atenção, e consequentemente, a

aprendizagem.

4.3 Atenção e Alerta

Uma importante consideração sobre o pleno funcionamento das redes

neurais da atenção pode ser feita quando se diz que o nível de vigilância ou

alerta que o indivíduo se encontra é determinante para manter atenção em

algo. O cérebro passa por variações de atividade e repouso todos os dias

(vigília e sono) e o estado de vigilância provoca flutuações consideráveis na

atenção. Durante a sonolência ou o sono, a atenção é prejudicada, e, portanto,

o sono torna-se componente crucial para o desempenho atencional. A privação

de sono, a qual gera sonolência é muito frequente na sala de aula, gerando

uma diminuição generalizada da atenção e prejuízos na aprendizagem.

Ao contrário disso, o alto estado de alerta tende a ocasionar um quadro

de ansiedade que prejudica, além da atenção, outras diversas funções

cognitivas. Para o cérebro realizar o processamento da atenção, portanto,

torna-se essencial um nível adequado de vigília para preservação das

habilidades de foco e eliminação de distrações.

No cérebro há um grupo de neurônios dedicados em regular os níveis de

vigilância. O núcleo dessa rede neuronal possui um pigmento azulado, o qual

foi nomeado de locus ceruleus (local azul), localizado logo abaixo do cérebro.

O neurotransmissor dessa rede neuronal é a noradrenalina, importante na estimulação e regulação do estado de alerta do organismo.

46

4.4 Tipos de Atenção

Há dois tipos de atenção que são necessárias para se manter o foco em

uma determinada informação por vez: atenção sustentada e atenção seletiva.

Os outros dois tipos são necessários para manter o foco em múltiplas

informações ao mesmo tempo: atenção alternada e atenção dividida.

4.4.1 Atenção Sustentada

É a habilidade de focar em uma tarefa específica por uma longa duração

de tempo sem que nenhum fator de distração intervenha. A atenção sustentada

provavelmente reflete quando se escuta palavras de incentivo como: Atenção!

Foco! Concentre-se! Usa-se a atenção sustentada quando precisa-se manter o

foco em uma determinada tarefa ou se concentrar em uma atividade por um

período prolongado de tempo, as quais exigem distração mínima. Alguns

exemplos compreendem assistir uma aula, ler um livro ou assistir um vídeo.

É um tanto desafiador manter esse tipo de atenção por um período

extenso de tempo, considerando que a sociedade está cada vez mais saturada

de informações e situações frequentes que causam distração. Porém, o nível

de atenção sustentada pode variar, a partir do momento que se está

intensamente focados, e que, de repente, inicia-se um lapso (perda abrupta da

atenção). Contudo, uma grande vantagem da atenção sustentada é a sua

habilidade de retornar rapidamente ao foco após uma situação de lapso ou de

distração.

4.4.2 Atenção Seletiva

É a habilidade de selecionar e focar um dentre vários fatores ou

estímulos disponíveis. Todo dia se está exposto a um grande número de

estímulos ambientais, porém o cérebro realiza uma filtragem elaborada de

aspectos particulares que são relevantes para manter o foco. A atenção

seletiva basicamente permite ter a habilidade para selecionar o que necessita

realmente de atenção. Utiliza-se esse tipo de atenção quando, por exemplo, se

47

está em uma multidão e se deseja ouvir apenas a voz de uma pessoa, ou

quando se tenta estudar num ambiente barulhento.

Quando utiliza-se a atenção seletiva, está tentando evitar que distrações

externas (barulho) e internas (o próprio pensamento) venham a prejudicá-la.

Portanto, pessoas que conseguem utilizar com eficácia a atenção seletiva são

muito boas em ignorar distrações e focar com mais facilidade, além de

manterem um nível estável de desempenho e produção mesmo na presença

de estímulos que a distraiam.

Vídeo

Assista ao vídeo Selective Attention Test, e verifique como a atenção seletiva funciona no cérebro.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vJG698U2Mvo

4.4.3 Atenção Alternada

É a habilidade ligada à flexibilidade mental que permite mudar o foco da

atenção e transitar entre tarefas que exigem diferentes recursos cognitivos.

Nesse caso, torna-se possível alternar facilmente a atenção entre duas tarefas

que requisitam diferentes regiões cerebrais.

Utiliza-se a atenção alternada quase a todo momento. Frequentemente

se tem que fazer mudanças repentinas no cotidiano das atividades e ações, as

quais exigem mudanças no foco. Um exemplo disso é quando se está lendo

uma receita, ao mesmo tempo que cozinha o que está descrito (pois em um

momento o foco está na receita, e em outro, focado no cozimento dos

alimentos), ou quando se está alternando tarefas distintas, como cozinhar e

ajudar na tarefa do filho ao mesmo tempo.

4.4.4 Atenção Dividida

48

É a habilidade de processar duas ou mais respostas ao mesmo tempo,

dividindo a atenção entre duas ou mais tarefas. Frequentemente refere-se à

atenção dividida com a capacidade multitarefa. Um exemplo seria quando se lê

um e-mail e ouve pessoas numa reunião, quando se está conversando ao

mesmo tempo que se alimenta, ou quando fala ao telefone ao mesmo tempo

que se veste.

Diferente da atenção alternada, na atenção dividida não permite que se

mude o foco de uma tarefa para outra, completamente diferente. Nesse caso,

se tenta realizar todas ao mesmo tempo, fato que permite dizer que está

dividindo a atenção.

Apesar da atenção dividida ser pensada como a habilidade de focar em

duas ou mais atividades ao mesmo tempo, torna-se quase impossível se

concentrar em duas tarefas distintas simultaneamente. O cérebro tem a

capacidade de processar apenas uma tarefa por vez, portanto, é mais factível

aceitar que se consegue focar em apenas uma tarefa por vez, o que indica que

a todo momento se está alternando entre tarefas. Isso explica o porquê é tão

difícil e perigoso estar ao telefone e dirigir ao mesmo tempo.

4.4.5 Alterações da Atenção e Suas Consequências

Grande parte das alterações nos processos atencionais são oriundas de

quadros lesionais e disfuncionais orgânicas, as quais podem sofrer alterações

de intensidade, como: alterações simples, brandas, oscilatórias e flutuantes. As

alterações relacionadas aos aspectos quantitativos da atenção são

classificadas como distração, hiperprosexia, hipoprosexia e aprosexia:

A distração é a dificuldade para concentrar a atenção sobre um estímulo

mais significativo. Ela pode ser frequente em pessoas com alto grau de

ansiedade, pelo fato de exibirem excesso de concentração. Ocorre

também em situações de hipervigilância, as quais envolvem focos

emocionais, como assistir filmes de terror, no terror noturno, condições

paranoides, fobia e uso de cocaína. Nessas situações, há uma flutuação

da atenção com qualquer estímulo ambiental.

49

A hiperprosexia refere-se ao aumento significativo da atenção e

diminuição dos aspectos qualitativos da mesma. O indivíduo se

interessa por diversos estímulos sensoriais, possuindo dificuldade em

focar em um estímulo específico, sem conseguir processar com mais

complexidade os estímulos que realmente necessitam atenção. Nesse

estado torna-se comum quadros de excitação psicomotora, episódios

maníacos, transtorno hipercinético da infância e intoxicações por

cocaína ou estimulantes.

Na hipoprosexia ocorre o indivíduo é acometido de diminuição da

capacidade de atenção. Inclui quadros de depressão, embriaguez aguda

e patológica, autismo, demências, paralisias, esquizofrenia, transtorno

cognitivo leve, epilepsia, paralisia geral e deficiências mentais.

A aprosexia é caracterizada pela perda dos processos atencionais,

mesmo se os estímulos possuírem alto grau de intensidade. É

observada em quadros de deficiência mental, distúrbios metabólicos e

tóxicos, traumas cranioencefálicos subcorticais, inibição cortical e na

demência grave.

4.5 Atenção e Intervenções Pedagógicas

É importante frisar o fato de que o cérebro é especializado na detecção

de estímulos que possuem relevância para sobrevivência da espécie, pois o

mesmo está sempre pronto para o aprendizado. Essa informação é importante

para os professores, porém um grande desafio no meio escolar. O cérebro é

motivado a todo tempo para o aprendizado, mas apenas está disposto a isso

se reconhecer que o estímulo é significante. Logo, a principal estratégia de

atrair a atenção dos alunos é transmitir o conhecimento de maneira atrativa,

para que os alunos o julguem como importante.

Se o conhecimento em questão será significante ele precisa ter um certo

grau de ligação com o conhecimento já consolidado no aluno, que atenda suas

expectativas ou que seja estimulante e agradável. Uma boa estratégia para

atingir esse objetivo é apresentar previamente o conteúdo a ser abordado,

tentando sempre aplicá-lo ao cotidiano do aluno com a finalidade de criar

expectativas.

50

A busca por um ambiente estimulante e agradável é possível se o

educador se preocupar sempre em envolver seus alunos em atividades que

assumam papel ativo, não os limitando como meros expectadores. Atividades

centradas no papel do aluno, usando a interatividade, apresentação e

supervisão de metas a serem alcançadas são também recursos utilizados para

otimizar o foco e a concentração dos alunos.

O ambiente escolar tem importante contribuição na manutenção do foco

e da concentração do aluno. Minimizar elementos que causam distração e

flexibilizar os recursos didáticos, usando adequadamente a voz, postura, e até

o bom humor são essenciais. O conteúdo com elevado grau de novidade e

contraste tende a se destacar no momento de focar a atenção do aluno.

Para manter a atenção por tempo prolongado é necessária ativação de

redes nervosas específicas, as quais depois de um certo tempo, tendem a

facilmente desviar a atenção a qualquer outro estímulo ambiental (externo) ou

qualquer pensamento que venham a sua mente (interno). Aulas muito extensas

com conteúdos complexos tendem a desviar o foco e a concentração dos

alunos, tornando necessário dividi-las em intervalos. Isso pode ser feito por

meio de pausas para descanso, os quais provocam relaxamento, ou dividindo o

tempo para abordar os conteúdos em módulos. Nessa situação, os recursos

atencionais são direcionados com mais eficácia aos assuntos abordados na

sala de aula.

Importante

A grande parte do conhecimento abordado na sala de aula é gerado graças ao funcionamento normal do processo atencional. Portanto, a atenção é a função cognitiva de maior importância no processo de aprendizagem. Qualquer situação adversa que venha comprometer o processamento da atenção poderá refletir em consequências nos outros domínios cognitivos, como na memória, linguagem e nas funções executivas.

Resumo da Aula 04

51

A atenção é uma habilidade cognitiva que permite focar em determinada

informação ou estímulo. É uma função cognitiva complexa que é essencial para

o comportamento humano. Reúne basicamente a seleção de informações

externas (sons, imagens, cheiros) com internas (pensamentos) que podem ser

mantidas no cérebro com certo grau de consciência. Estudos de neuroimagem

cerebral têm evidenciado que o fenômeno da atenção estimula diversas áreas

corticais em várias porções do cérebro. Durante a sonolência ou o sono, a

atenção é prejudicada, e, portanto, o sono torna-se componente crucial para o

desempenho atencional.

Atividade de Aprendizagem

Na sua opinião, em uma aula de 50 minutos, os alunos conseguem permanecer em seu máximo estado de concentração por toda a aula? Por que algumas disciplinas conseguem manter os alunos focados por até 100 minutos e outras não conseguem nem em 30 minutos? Além disso, porque na mesma disciplina alguns professores conseguem manter o foco máximo dos alunos por longa duração de tempo, enquanto que outros não conseguem?

Resumo da Disciplina

52

O cérebro humano foi feito para a aprendizagem, e isso é claramente o

seu papel no organismo. Desde o início da vida, na aquisição da visão, audição

e tato, até o momento das adaptações ao meio ambiente, crescimento e vida

adulta, o cérebro sempre está mudando, num processo intenso de

reconstrução e aprendizagem. Quando dormimos, o cérebro é bem diferente do

cérebro do início do dia, e, portanto, toda aprendizagem adquirida nesse

período diurno é consolidada no sono, para que um novo dia de intensa

estimulação cognitiva venha a modificar constantemente nosso cérebro.

A neurociência tem descoberto como o cérebro adquire, armazena e usa

as informações adquiridas no dia a dia, e ajuda a entender quais fatores

intrínsecos e extrínsecos limitam a otimização da aprendizagem. O

conhecimento do educador sobre os principais benefícios da neurociência na

aprendizagem torna-se de suma importância para direcionar estratégias mais

eficazes para o desenvolvimento pleno do conhecimento de seus alunos.

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