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Disparidades na mortalidade por câncer do ovário no Brasil e suas distintas
regiões geográficas: análise do efeito da idade, período e coorte de nascimento.
Karina Cardoso Meira1, Juliano dos Santos2, Aline Alves Ferreira3, Cosme Marcelo Furtado Passos da Silva4, Raphael Mendonça Guimarães5 ,Pedro Gilson da Silva1, Taynãna César Simões6
Resumo
Introdução: O câncer do ovário é um câncer altamente associado as mudanças no comportamento reprodutivo das mulheres, constituindo-se no sétimo câncer mais incidente e a oitava causa de morte por câncer em mulheres. Objetivos: Analisar o efeito da idade-período e coorte de nascimento (APC) na evolução da mortalidade por câncer no Brasil, segundo regiões, no período de 1980 a 2014. Metodologia: Os registros de óbito foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/DATASUS), e os dados populacionais obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE). Corrigiram-se os óbitos por causa mal definida e diagnóstico incompleto de câncer. Posteriormente, calcularam-se taxas padronizadas pelo método direto, tendo como padrão a população proposta por Seigi. Modelos APC foram estimados sob o enfoque bayesiano, considerando os efeitos temporais e termos aleatórios não estruturados. O método determinístico INLA (Integrated Nested Laplace Approximations) foi utilizado na inferência dos parâmetros, através do software R. Resultados: No período de estudo a taxa de mortalidade média padronizada por 100.000 mulheres, após as etapas de correção, no Brasil foi de 4,91 óbitos, as maiores taxas foram observadas nas regiões Sudeste (5,66 óbitos) e Sul (5,70 óbitos) e a menor na Norte (3,13 óbitos). A tendência dos efeitos temporais (idade, período e coorte de nascimento) mostrou-se heterogênea entre as regiões geográficas brasileiras. Em geral, houve tendência crescente do óbito por câncer do ovário com o avançar da idade. Ainda as maiores taxas foram verificadas nas regiões Sul em todo o período do estudo. O risco de morte segundo período foi nulo nas regiões Norte e Sudeste, nas regiões Nordeste e Centro-Oeste foi positivo e significativo apenas no último período de estudo (2010-2014), e na região Sul foi positivo e crescente a partir de meados da década de 1990. As regiões Norte e Nordeste evidenciaram menor risco estimado de morte para as coortes mais velhas (até 1939), aumentando progressivamente o risco para as coortes mais jovens (a partir de 1940), e nas regiões Sul e Sudeste observou-se perfil inverso. Na região Centro-Oeste o risco estimado só foi significativo (Risco estimado <1) para as mulheres nascidas entre 1910 e 1920.Conclusão: As diferenças observadas nos efeitos temporais na mortalidade por câncer do ovário, podem ser explicadas pelos distintos processos de transição demográfica e epidemiológica que estas localidades vivenciaram. E assim, as mulheres residentes nestas regiões estão desigualmente expostas aos fatores de risco e proteção para o câncer do ovário, especialmente os relacionados a taxa de fecundidade, uso de anticoncepcional oral e prevalência amamentação.
Palavra–Chaves: Câncer de ovário. Modelos bayesianos idade-período-coorte de nascimento. Transição epidemiológica. 1Universidade Federal do Rio Grande do Norte,2 Instituto Nacional de Câncer,3Instituto de Nutrição Josué de Castro- UFRJ,4
Escola Politécnica Joaquim Venâncio-FIOCRUZ, 5Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca-FIOCRUZ,6 Instituto de Pesquisa René Rachou-FIOCRUZ
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Introdução
O Brasil apresentou nas últimas três décadas aumentos crescentes na
incidência e mortalidade por cânceres, ao mesmo tempo em que houve redução da
mortalidade por doenças transmissíveis. Acredita-se que esta realidade seja devido
às mudanças na estrutura etária da população, no comportamento reprodutivo das
mulheres (retardamento da primeira gestação, nuliparidade e uso de anticoncepcional
oral) e nos hábitos e estilo de vida, em especial o aumento da prevalência do
tabagismo, do consumo de carnes e gorduras em substituição de vegetais e fibras e,
redução na prática de atividade física. Neste cenário de transição da mortalidade
destacam-se os cânceres genitais feminino (mama, colo do útero, endométrio e
ovário), por estarem fortemente associados ao envelhecimento, fatores reprodutivos
e hábitos alimentares (FERLAY et al., 2015; AZEVEDO-SILVA et al., 2016).
O câncer do ovário representa o sétimo câncer mais incidente e a oitava causa
de morte por câncer em mulheres no mundo. Em 2012, estimaram-se 239.000 casos
novos (6,1 casos novos/100.000 mulheres) e 152.000 óbitos (3,8 óbitos/100.000
mulheres) (FERLAY et al., 2015). Disparidades na incidência e mortalidade por esta
neoplasia são verificadas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, as
maiores taxas ocorrem nos países Nórdicos, EUA e Canadá, e as menores taxas na
África e Sudoeste da Ásia (FERLAY et al., 2015).
Perfil semelhante é observado na incidência do câncer do ovário entre as
regiões geográficas brasileiras. Estimaram-se 6.150 casos novos de câncer do ovário
para o Brasil no ano de 2018 (5,79 casos/100.000 mulheres) com as maiores taxas
de incidência nas regiões Sul (7,2/100.000 mulheres) e Sudeste (6,40/100.000
mulheres), e a menor na região Norte (2,96/100.000 mulheres) (BRASIL, 2018).
Acredita-se que as diferenças na incidência e mortalidade entre estas
localidades possam ser explicadas pelos distintos processos de transição demográfica
e epidemiológica vivenciados por estas regiões, expondo-as desigualmente aos
fatores de risco e proteção para o câncer do ovário (FERLAY et al., 2015; AZEVEDO-
SILVA et al., 2016).
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Os principais fatores associados ao câncer do ovário podem ser classificados
como história familiar (alterações nos genes Brca1 e Brca2), fatores reprodutivos
(nuliparidade, lactação, uso de anticoncepcional oral, ligadura de trombas e
histerectomia), fatores relacionados aos hábitos e estilo de vida (tabagismo, aumento
do consumo de carnes e gorduras, e inatividade física) e exposição ocupacional
(asbestos) (CHIAFFARINO et al., 2007; JORDAN et al., 2015; LICAJ et al., 2016 ).
A magnitude do risco dos fatores associados à carcinogênese depende do tipo
histológico do câncer do ovário. Esta neoplasia tem três tipos histológicos mais
incidentes, câncer epitelial do ovário, câncer de células germinativas e os tumores de
células do cordão estromal sexual. Dentre estes o de maior importância é o epitelial,
responsável por 90% dos casos desta doença, sendo mais incidentes em mulheres
após a quarta década de vida (REID et al., 2017).
Os fatores reprodutivos apresentam papel de destaque entre os fatores de
risco. Estudo realizado na Coréia do Sul evidenciou que 82% dos casos de câncer do
ovário no ano de 2010 estiveram associados à mulher ser nulípara, nunca ter
amamentado, não ter realizado ligadura de trompas, e nunca ter usado
anticoncepcional oral (PARK et al., 2016). Ainda, estudo realizado no Reino Unido,
avaliando a mortalidade e a incidência por câncer do ovário, identificou maiores taxas
de incidência e mortalidade em mulheres nascidas entre 1900 e 1920, e redução
progressiva nestes indicadores em mulheres nascidas após a década de 1940. Os
autores encontraram no primeiro grupo de mulheres correlação entre a redução na
taxa de fecundidade e altas taxas de incidência e mortalidade por câncer do ovário,
devido às duas Grandes Guerras. Enquanto que, no segundo grupo de mulheres, dois
fatores podem ter contribuído para a redução destes indicadores de saúde, o aumento
da fecundidade após a Segunda Guerra Mundial (baby boom) e a ampliação do uso
de anticoncepcional oral, especialmente em mulheres nascidas na década de 1960
(SANTOS; SWERDLOW, 1995). Estes achados também foram confirmados em
pesquisas realizada em países da Europa, Canadá e Hong Kong (ZHANG et al., 1999;
GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000; WANG et al., 2014).
Os efeitos protetores da multiparidade, da amamentação e do uso de
contraceptivos orais, em relação ao desenvolvimento do câncer de ovário, também
foram corroborados em estudos observacionais e, essas associações permanecem
evidentes em estudos de revisão sistemática com metanálise. Supõe-se que
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alterações genéticas na superfície epitelial do ovário possam ocorrer como resposta
a uma incessante ovulação, por microtraumas ou injúrias de repetição. Sendo assim,
quanto maior for o período de permanência em anovulação em uma mulher, maior
será a proteção do epitélio ovariano a processos carcinogênicos. Os períodos de
anovulação correspondem à gravidez, à amamentação, ao uso de anticoncepcionais
orais, e ao pequeno período menstrual (menarca tardia e menopausa precoce) (LUAN
et al., 2013; GONG et al., 2013; HAVRILESKY et al., 2013). Além disso, pesquisas
têm demonstrado o efeito protetor da ligadura de trompas na redução da incidência
do câncer do ovário, pois este procedimento cirúrgico impediria a entrada de corpos
estranhos provenientes do canal vaginal, destaca-se que a magnitude do efeito de
proteção varia de acordo com o tipo histológico, sendo maior para o câncer do ovário
epitelial (RICE et al., 2013; MADSEN et al., 2015).
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi avaliar a tendência da
mortalidade por câncer do ovário no Brasil e grandes regiões, entre 1980 a 2014, por
meio de modelos Bayesianos Age-Period-Cohort (BAPC). A utilização da análise do
efeito da idade, período e coorte de nascimento, nos permite levantar hipóteses sobre
a evolução das taxas de mortalidade, avaliando como as mudanças na mortalidade
por esta neoplasia podem estar correlacionadas ás alterações no nível de exposição
populacional aos fatores de risco ou proteção (efeitos de coorte) ou a mudanças nos
métodos diagnósticos, tratamentos propostos, acesso aos serviços de saúde e
melhoria na certificação dos óbitos (efeitos de período) (HOLFORD, 1991; RIEBLER;
HELD, 2012).
Metodologia
Desenho do estudo e Fonte de Dados
Trata-se de um estudo ecológico de tendência temporal no qual se avaliou os
óbitos por câncer do ovário no Brasil, e suas regiões geográficas, no período de 1980
a 2014. Os dados oficiais de mortalidade por câncer do ovário foram obtidos junto ao
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/DATASUS), do Ministério da Saúde.
No período analisado estiveram em vigor duas revisões da Classificação Internacional
das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), a nona e a décima revisão
5
(CID-9 e CID-10). Assim, na extração dos registros de óbitos, foram utilizadas as
codificações 183 (CID-9) e C56 (CID10).
A população em estudo foi constituída por mulheres com idade de 20 anos e
mais, e os dados populacionais foram obtidos no DATASUS, com base nos censos
populacionais de 1980, 1991, 2000 e 2010. As populações referentes aos anos
intercensitários foram tomadas como as projeções estimadas pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
Sabe-se que as taxas de mortalidade sofrem a influência das alterações na
certificação dos registros de óbito e da qualidade dos sistemas de informação de
mortalidade (HOLFORD, 1991), além disso, a qualidade e a cobertura dos óbitos no
Brasil apresentam disparidades entre as regiões geográficas (SZWARCWALD et al.,
2011). Nesse sentido, o presente trabalho realizou a correção dos óbitos por câncer
do ovário em duas etapas: (1) redistribuição proporcional por ano e faixa etária dos
óbitos classificados como causas mal definidas, utilizando a metodologia proposta
pela Organização Mundial da Saúde (MATHERS et al., 2004); (2) redistribuição
proporcional por ano e faixa etária dos registros classificados como diagnóstico
incompleto de câncer geral (GUSTI et al., 2016).
Corrigidos os registros de óbitos para o Brasil e regiões geográficas, foram
calculadas taxas de mortalidade por câncer do ovário, segundo faixa etária e região
geográfica por 100.000 mulheres, e padronizadas pelo método direito, tendo como
população padrão a proposta por Seigi e modificada por Doll & Hill (1966).
Nas análises do efeito APC, optou-se por trabalhar com faixas etárias e
períodos de observação agrupados em intervalos de cinco anos, e assim avaliou-se
as faixas etárias a partir dos 20-24 anos, tendo em vista o excesso de zeros nas faixas
etárias menores, resultando em 𝐼 = 12 faixas etárias, 𝐽 = 7 períodos de tempo, e 𝐾 =
𝐼 + 𝐽 − 1 = 18 coortes de nascimento (1900 a 1990).
Procedimento de Modelagem
Os três fatores que influenciam a evolução das taxas de incidência e
mortalidade (idade, período e coorte de nascimento) estão fortemente
correlacionados, o que faz o modelo completo ser não identificável. Assim, várias
propostas metodológicas baseadas na estatística clássica têm sido desenvolvidas,
6
com vistas a solucionar o problema de identificabilidade. No entanto, não há consenso
na literatura sobre qual a melhor metodologia a ser aplicada, pois todas apresentam
limitações (HOLFORD, 1991; RIEBLER et al., 2012), e desta maneira o uso de
modelos APC com enfoque bayesianos têm se tornado muito populares nos últimos
anos (RIEBLER et al., 2012).
Inicialmente estimaram-se os efeitos temporais globais sobre o risco de óbito
por câncer do ovário no Brasil, por meio do modelo bayesiano univariado (KNORR-
HELD; RAINER, 2001). Em seguida, foram ajustados modelos multivariados, em que
𝑦𝑖𝑗𝑔 e 𝑛𝑖𝑗𝑔 são o número de óbitos e o número de pessoas em risco no grupo etário
𝑖 = 1, … ,12, período 𝑗 = 1, … ,7, e região 𝑔, respectivamente. Sendo os efeitos de
período constantes, tem-se como exemplo, o modelo (RIEBLER et al., 2012):
𝑦𝑖𝑗𝑔~𝑃𝑜𝑖𝑠𝑠𝑜𝑛 (𝑛𝑖𝑗𝑔𝑒𝑥𝑝(휀𝑖𝑗𝑔))
휀𝑖𝑗𝑔 = 𝜇𝑔 + 𝛼𝑖𝑔 + 𝛽𝑗 + 𝛾𝑘𝑔 + 𝑧𝑖𝑗
(1)
sendo 𝜇𝑔 ,a média global específica por região 𝑔, 𝛼𝑖𝑔, o efeito do grupo etário 𝑖 para
cada região 𝑔, 𝛽𝑗 o efeito de período, 𝛾𝑘𝑔 ,o efeito da coorte de nascimento 𝑘 pra cada
região 𝑔, e 𝑧𝑖𝑗~𝑁(0, 𝛿−1) os efeitos aleatórios para ajustar para superdispersão dos
dados (variabilidade extra). Estes termos foram adicionados, dado que a inclusão de
informação apropriada de covariáveis e termos de efeitos aleatórios no modelo APC
melhoram as predições (KNORR-HELD; RAINER, 2001). Os modelos propostos
neste trabalho são variações do modelo apresentado acima (1) e estão listados no
Quadro 1.
Para assegurar identificabilidade do intercepto 𝜇, tem-se a restrição
∑ 𝛼𝑖 = ∑ 𝛽𝑗 = ∑ 𝛾𝑘𝐾𝑘=1 = 0𝐽
𝑗=1𝐼𝑖=1 , para cada região. No entanto, devido ao
relacionamento linear entre as variáveis temporais, 𝐾 = 𝐼 − 𝑖 + 𝑗, os efeitos de idade,
período e coorte são ainda não identificáveis. Sob a abordagem bayesiana, prioris de
suavização gaussianas independentes são usadas para os efeitos principais
(primeiras diferenças) e uma priori uniforme é atribuída a 𝜇. A não identificabilidade
dos parâmetros latentes permanece, mas não requer restrições adicionais como nos
modelos clássicos. Os efeitos temporais têm como prioris, passeios aleatórios de
primeira (RW1) que penalizam desvios de um modelo no qual todos os parâmetros
são constantes (𝛼1 = ⋯ = 𝛼𝐼 , 𝑖 = 2, … , 𝐼):
7
𝑅𝑊1: 𝛼𝑖~𝑁(𝛼𝑖−1, 𝜅−1) (2)
sendo 𝜅 e os parâmetros de suavização (precisão) para os efeitos de idade, período
e coorte, respectivamente. Neste estudo foram atribuídas prioris não informativas aos
parâmetros de precisão (𝐺(1,0.00005)), e prioris uniformes independentes a 𝛼1 e 𝛼2.
Quadro1. Modelos multivariados propostos considerando os efeitos temporais, efeito aleatório para superdispersão e heterogeneidade por região geográfica.
Modelo APC Preditor linear
Modelo 1 Efeitos conjuntos para as cinco regiões Modelo 2 Efeitos de idade específicos por regiões Modelo 3 Efeitos de período específicos por regiões Modelo 4 Efeitos de coorte específicos por regiões Modelo 5 Efeitos de idade e período específicos por regiões Modelo 6 Efeitos de idade e coorte específicos por regiões Modelo 7 Efeitos de período e coorte específicos por regiões
Para inferência dos parâmetros, foi utilizado o método determinístico INLA
(Integrated Nested Laplace Approximations), uma alternativa ao MCMC (Monte Carlo
via Cadeias de Markov) para os modelos gaussianos latentes (RUE et al., 2009). O
Critério de Informação Deviance (DIC) e o logarítmico escore (log-score) foram
utilizados na comparação dos modelos. Ambos são negativamente orientados, no
sentido que quanto menores são os seus valores, melhor é o ajuste do modelo
(GNEITING; RAFTERY, 2007). As análises foram feitas no software estatístico R, com
os pacotes inla e bapc.
Resultados e Discussão
No Brasil, foram registrados 64.473 óbitos por câncer do ovário no período de
1980 a 2014. Após as etapas de correção dos óbitos, houve aumento de 15,74%
(74.619) correspondendo a uma taxa de mortalidade média ajustada de 4,91
óbitos/100.000 mulheres. As regiões geográficas que apresentaram maior magnitude
na mortalidade em todos os quinquênios em estudo foram às regiões Sul e Sudeste.
Em contrapartida, as menores magnitudes são observadas nas regiões Norte e
Nordeste (Tabela 1).
Os resultados do presente estudo sinalizam que as taxas de mortalidade do
Brasil e suas regiões geográficas mais desenvolvidas são semelhantes às observadas
8
em países desenvolvidos (5,0 óbitos/100.000 mulheres), enquanto que as regiões
Norte e Nordeste se aproximam das estimadas para os países em desenvolvimento
(3,0 óbitos/100.000 mulheres) (ALLEMANI et al., 2015). A evolução das taxas de
mortalidade quinquenais nas regiões geográficas menos desenvolvidas do Brasil e o
Centro-Oeste sinalizam tendência ascendente e na região Sudeste perfil
descendente, especialmente a partir dos anos 2000. A região Sul apresenta diferentes
padrões na evolução da mortalidade, até o quinquênio de 1995-1999 observou-se
aumento na mortalidade, momento a partir do qual há redução, voltando a crescer no
último período da série histórica (2010-2014) (Figura 1).
As disparidades observadas na magnitude e evolução das taxas de mortalidade
e incidência por doenças e agravos à saúde refletem mudanças na estrutura etária da
população, assim como alterações na exposição aos fatores de risco e proteção
estruturais e conjunturais aos quais as populações estão expostas (HOLFORD, 1991;
ROBERTSON et al., 1999).
Segundo Vasconcelos e Gomes (2012), a queda nos níveis de mortalidade,
natalidade, fecundidade, e envelhecimento populacional, não ocorreu
homogeneamente entre as grandes regiões brasileiras. No Sudeste, Sul e Centro-
Oeste este processo encontra-se mais adiantado em comparação às regiões Norte e
Nordeste em que a estrutura etária está menos envelhecida. Ainda, nas regiões Sul e
Sudeste o processo de industrialização, urbanização, e as mudança de hábitos e estilo
de vida, foram mais acentuadas, aumentando progressivamente as taxas de
incidência e mortalidade das doenças crônicas não transmissíveis, entre elas o câncer
(VASCONCELOS; GOMES, 2012; GUIMARÃES, et al., 2016). E assim, observa-se a
transição do câncer defendida por Bray et al., (2012), para estes pesquisadores as
localidades com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) apresentam maiores
taxas de incidência e mortalidade por cânceres associados à infecção (câncer do colo
do útero, fígado, linfoma não Hodgkin entre outros), e as regiões com alto IDH aos
cânceres associados aos hábitos e estilo de vida (câncer do pulmão, próstata, mama,
ovário, cólon-reto entre outros). Realidade confirmada por Guimarães et al., (2016),
pois nos municípios com maior vulnerabilidade socioeconômica, verificou-se maiores
taxas de mortalidade por câncer do colo do útero e menor mortalidade por câncer de
mama, o inverso foi apresentado nas cidades com maior desenvolvimento
socioeconômico.
9
Tabela 1.Taxas de mortalidade por câncer do ovário padronizado pela população mundial, segundo regiões geográficas e períodos quinquenais estudados
Legenda: TMPSC- Taxa de mortalidade padronizada sem a correção; TMPAC- Taxa de mortalidade padronizada após a correção.
Na avaliação das taxas médias de mortalidade segundo faixa etária, em todas
as regiões geográficas, verificou-se aumento da mortalidade com o avançar da idade,
confirmando os achados de outros estudos (ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO
et al., 2000; HIRABAYASHI; MARUGAME et al., 2009; WANG et al., 2014). Os
coeficientes de mortalidade nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste foram superiores
aos das regiões Norte e Nordeste em todas as faixas etárias (Figura 1a).
O aumento da mortalidade com o avançar da idade é um resultado esperado,
visto tratar-se de uma doença crônica, que se manifesta após a exposição de longa
duração aos fatores de risco, e assim mais de 50% dos casos novos são
diagnosticados em mulheres a partir dos 60 anos. Além disso, as mulheres idosas
apresentam condições clínicas menos favoráveis ao tratamento oncológico devido à
presença de comorbidades, aumentando o risco de complicações (HOWLADER et al.,
2015). Outra questão que favorece a maior mortalidade em mulheres idosas é a menor
procura do ginecologista por consultas de rotina, após o término do seu período
reprodutivo, aumentando o risco de diagnóstico da doença em estágios avançados,
contribuindo para a redução da sobrevida nas mulheres nessa fase da vida. (ZHANG
et al., 1999; DIEGO et al., 2000; HIRABAYASHI; MARUGAME et al., 2009;
GONZÁLEZ-WANG et al., 2014; HOWLADER et al., 2015). Neste sentido, estudo
realizado nos Estados Unidos identificou sobrevida em cinco anos de 76,8% em
mulheres com idade inferior aos 45 anos, com redução progressiva da sobrevida até
atingir 28,9% em mulheres com 65 anos ou mais, tendência que foi mantida
independente do estadiamento da doença (HOWLADER et al., 2015).
1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014 Total
TMPSC 3.49 3.67 3.69 4.25 4.46 4.48 4.68 4.24
TMPAC 4.37 4.46 4.48 5.16 5.07 4.95 5.19 4.91
TMPSC 1.93 2.22 1.92 2.09 2.21 2.79 3.37 2.55
TMPAC 2.47 2.83 2.50 2.63 3.13 3.29 3.82 3.13
TMPSC 1.79 1.88 2.00 1.93 2.75 3.52 3.91 3.13
TMPAC 2.85 3.34 2.85 3.34 3.14 3.69 4.40 3.45
TMPSC 4.05 4.27 4.17 5.06 5.55 5.08 5.51 4.99
TMPAC 4.78 4.97 4.84 6.72 6.12 5.57 5.96 5.70
TMPSC 4.45 4.67 4.71 4.45 5.31 4.95 4.91 3.61
TMPAC 5.20 5.46 6.58 6.03 6.06 5.58 5.47 5.66
TMPSC 3.41 3.40 3.20 3.72 4.33 4.45 5.12 4.24
TMPAC 4.23 4.18 3.88 4.11 4.87 4.86 5.49 5.16
Sudeste
Centro Oeste
Localidade
Período
Brasil
Norte
Nordeste
Sul
10
A análise da evolução das taxas médias padronizadas nos períodos
quinquenais estudados mostrou aumento ao longo dos períodos, sendo as menores
taxas apresentadas no início da série histórica (1980-1984) e as maiores no último
período (2010-2014), no Brasil e em todas as regiões geográficas, exceto nas regiões
Sul e Sudeste. Nestas regiões as maiores taxas foram observadas, respectivamente,
nos períodos 1995-1999 e 1990-1994 (Figura 1b). No entanto, em todas as
localidades estudadas houve aumento da mortalidade quando se comparou o primeiro
e o último quinquênio da série histórica, o aumento mais expressivo foi apresentado
nas regiões Norte (54,65%) e Nordeste (54,38%) e, menor nas regiões Sudeste
(29,78%) e Sul (19,24%).
A evolução das taxas médias quinquenais, segundo coorte de nascimento,
indica que na região Centro-Oeste houve redução progressiva das taxas de
mortalidade para as coortes mais jovens, a partir de 1905-1909. Enquanto que, nas
demais regiões geográficas a redução progressiva entre as coortes de nascimento, foi
verificada a partir dos anos 1940 (Figura 1c). Resultados semelhantes foram
observados em países Nórdicos, Canadá, Inglaterra, Hong Kong e Japão (SANTOS;
SWERDLOW, 1995; ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000;
TAMAKOSHI et al., 2001; WANG et al., 2014). No entanto, diferem do perfil de
mortalidade apresentado pela Espanha, Grécia e Portugal, nestes países houve
aumento progressivo da mortalidade para as coortes de nascimento a partir da década
de 1930 (GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000).
Segundo o modelo APC univariado estimado para a mortalidade por câncer do
ovário para o Brasil, verificou-se que o risco de morrer por essa patologia foi menor
do que 1 até os 44 anos, positivo e crescente a partir da faixa etária de 45-49 anos
(Risco estimado >1) (Figura 2a). O risco de óbito segundo o período de óbito não
apresentou efeito significativo em nenhum quinquênio analisado (Figura 2b). E o
efeito segundo as coortes de nascimento apontou um risco de morrer menor que 1
para as mulheres nascidas de 1905-1909 a 1920-1924, e não significativo para
mulheres nascidas na coorte de 1925-1929. No entanto, houve aumento crescente e
significativo do risco de morte para as gerações nascidas entre 1930 e 1964. Nas
coortes seguintes, verificou-se risco não significativo, porém com tendência a redução
para as mulheres nascidas a partir de 1965 (Figuras 2c).
11
Figura 1. Taxa de mortalidade média para câncer do ovário, segundo efeitos temporais (idade, período e coorte de nascimento), para as regiões geográficas do Brasil, no período de 1980 a 2014
12
Figura 2. Risco de mortalidade estimado para câncer do ovário e intervalos de credibilidade de 95% para o efeito da idade (a-b), período (c-d) e coorte de nascimento (e-f), Brasil, 1980 a 2014
O modelo multivariado que apresentou melhor ajuste aos dados foi o que
considerou os efeitos de período e coorte de nascimento variando por regiões
geográficas, conforme pode ser verificado na Tabela 2.
13
Tabela 2. Comparação dos modelos multivariados com os efeitos temporais, efeito aleatório para superdispersão e heterogeneidade por região geográfica (prioris RW1 para os efeitos temporais)
Avaliando Regiões Brasileiras (Modelo escolhido 7)
Modelo 1 2 3 4 5 6 7
Log Score
4,35 4,28 4,32 4,22 4,23 4,28 4,20
DIC 713,39 696,66 713,5 693,3 694,6 701,24 691,98
Na Figura 3, verificam-se as mudanças no risco de óbito por câncer do ovário
entre as regiões brasileiras, segundo períodos e coortes de nascimento, após o ajuste
do BAPC multivariado.
Ao longo dos últimos 35 anos, evidenciou-se padrão heterogêneo no risco de
óbito por câncer do ovário nas distintas regiões geográficas brasileiras nos períodos
ajustados pelas coortes de nascimento. Nas regiões Norte e Sudeste não foi
observado efeito de período significativo, com base no intervalo de credibilidade. No
Centro-Oeste e Nordeste verificou-se risco positivo e significativo, somente no último
quinquênio estudado (2010-2014), e na região Sul o risco de morrer por essa
neoplasia foi menor que 1 entre 1980 e 1994. A partir do período de 1995-1999 houve
aumento crescente e significativo do risco de óbito por câncer do ovário (Risco
estimado >1) (Figura 3).
A evolução da mortalidade por câncer do ovário de acordo com o período, no
Brasil e suas regiões, diferem dos observados no Canadá, Estados Unidos, França,
países Nórdicos e Japão, que apresentaram redução importante na mortalidade a
partir de meados da década de 1990 (ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO et al.,
2000; TAMAKOSHI et al., 2001; HIRABAYASHI; MARUGAME et al., 2009; WANG et
al., 2014; HOWLADER et al., 2015).
Os autores afirmam que a tendência descendente na mortalidade se deva às
melhorias no diagnóstico da doença, ampliação do acesso aos exames de imagem,
combinações mais efetivas de quimioterápicos, além de cirurgias mais agressivas que
diminuíram a taxa de recidiva da doença (ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO et
al., 2000; TAMAKOSHI et al., 2001; HIRABAYASHI; MARUGAME et al., 2009; WANG
et al., 2014; HOWLADER et al., 2015). Contudo, a sobrevida global em cinco anos,
ainda permanece baixa, pois somente 44% das mulheres sobrevivem por mais de
14
cinco anos, e 70% dos casos diagnosticados com doença avançada não ultrapassam
18 meses de sobrevida livre de doença (HUANG et al., 2008; COLOMBO et al.,
2014;SOPIK et al., 2015b).
O aumento do risco de morte por câncer do ovário observado na região Sul
desde meados da década de 1990, e no último período da série histórica nas regiões
Norte e Centro-Oeste, pode ser explicado em parte pela ampliação da atenção à
saúde após a implantação do SUS e ampliação do acesso aos exames de imagem,
em especial a ultrassonografia de abdomen, que permitiu aumentar o diagnóstico da
patologia, e melhorando a certificação dos óbitos. No entanto, mais de 70% das
mulheres são diagnosticadas em estágios avançados, com baixa taxa de sobrevida,
devido ao caráter insidioso e a inexistência de um exame diagnóstico de alta validade
para ser utilizado no rastraemento populacional (BRASIL, 2018).
A evolução do risco de morte nas coortes de nascimento no Centro-Oeste
apresentou efeito de coorte significativo em mulheres nascidas entre 1910 a 1929
(Risco estimado <1), nas demais coortes o risco não foi significativo quando se avalia
o intervalo de credibilidade. Nas regiões Norte e Nordeste, o risco de óbito por câncer
do ovário foi crescente e significativo nas coortes de nascimento mais jovens, e nas
coortes mais antigas nas regiões Sul e Sudeste. No Nordeste e Norte, o risco de óbito
foi menor do que 1 (Risco estimado <1) para mulheres nascidas em coortes mais
antigas, mantendo esse perfil em nascidas até a coorte de 1925-1929 no Nordeste, e
até 1935-1939 na região Norte. Inversamente, as regiões Sudeste e Sul, o risco de
óbito por esta neoplasia foi menor que 1 em mulheres nascidas a partir da geração de
1965-1969. Ainda, destaca-se que nas regiões Norte e Nordeste houve aumento
progressivo do risco de morte por câncer do ovário (Risco estimado >1),
respectivamente, para pessoas nascidas entre a geração de 1955 a 1989, e 1945 a
1979, e nas demais coortes o risco permaneceu positivo, porém não significativo. Nas
regiões Sul e Sudeste, o risco de morrer por câncer do ovário foi maior entre as
gerações mais antigas, sendo nesta ordem, de 1915 a 1944, e de 1920 a 1954 (Figura
3).
Os resultados apresentados pelo Brasil, o Centro Oeste, Norte e Nordeste são
semelhantes aos verificados na Espanha e Grécia (GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000),
e os das regiões Sul e Sudeste ao dos países Nórdicos, Reino Unido, Japão e Canadá
15
(SANTOS; SWERDLOW, 1995; ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000;
TAMAKOSHI et al., 2001; WONG et al., 2012).
Figura 3. Estimativas de risco de morte por câncer do ovário, segundo os efeitos de período e coorte de nascimento, entre as regiões geográficas brasileiras, no período de 1980 a 2014.
Nos países Nórdicos, Reino Unido, Canadá e Japão observaram-se maiores
riscos de óbito por esta neoplasia em mulheres nascidas na virada do século XX até
a década de 20. Os autores afirmam que esta realidade deve-se à queda da taxa de
fecundidade ocorrida no início do século XX, devido às duas grandes guerras
mundiais. Em sentido contrário, as menores taxas de mortalidade e risco de morte por
câncer do ovário, experenciado por mulheres nascidas após a década de 1920, são
atribuídos ao aumento da taxa de fecundidade, o chamado baby boom, ocorrido após
as duas grandes guerras mundiais. E também afirmam que associado ao aumento da
taxa de fecundidade, houve a introdução e amplliação da utilização de contraceptivos
orais, sobretudo, em mulheres nascidas a partir de 1940, reduzindo assim o risco de
incidência do câncer do ovário nestas gerações (SANTOS; SWERDLOW, 1995;
ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-DIEGO et al., 2000; TAMAKOSHI et al., 2001;
KJAERBYE-THYGESEN et al., 2005; WONG et al., 2012). No mesmo sentido, SOPIK
et al (2015a) demonstrou que a redução na mortalidade nas coortes mais jovens nos
Estados Unidos associou-se ao aumento progressivo do uso de anticoncepcional oral,
16
nas mulheres nascidas na década de 1940, atingindo o seu pico de uso em mulheres
nascidas na década de 1980.
O menor risco de morte observado nas coortes de nascimento mais jovens no
Brasil e regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, assim como ocorreu com as
gerações após a década de 1920 no Reino Unido, pode ser explicado em partes pela
alta taxa de natalidade e fecundidade observada nestas gerações. E o posterior
aumento do risco estimado de óbito por câncer do ovário nas coortes mais jovens,
pode correlacionar-se à redução nas taxas de fecundidade nas sucessivas gerações
até a década de 1990, que não foi acompanhado por aumento na prevalência de
consumo de anticoncepcional oral como método contraceptivo, suficiente para
compensar o risco de adoecimento gerado pela diminuição de período de anovulação,
promovidos pelas gestações (MARTINE,1996; TAVARES; LEITE, 2007; BRASIL,
2009). Associado a esta realidade, as coortes mais jovens de mulheres estiveram
mais expostas a importantes fatores de risco para o câncer do ovário, tais como às
mudanças nos hábitos alimentares, prática de atividade física e aumento da
prevalência do tabagismo (LEVY-COSTA et al., 2005; IBGE, 2011). Ainda, as
mulheres das gerações mais jovens (1940-1970) vivenciaram a introdução e aumento
progressivo da oferta de fórmulas lácteas e leites em pó artificiais pela indústria
alimentícia, e a redução da prevalência de amamentação a partir dos anos 1930 e
1940 (KUHLMANN; MAGALHAES, 2010). Somente a partir das décadas de 1990 e
2000, houve a instituição e a consolidação do Programa Nacional de Incentivo ao
Aleitamento Materno, contudo as prevalências de amamentação e o tempo destinado
a mesma, permanece aquém da recomendada pela Organização Mundial de Saúde,
e houve redução importante da taxa de fecundidade (OMS) (SENA et al., 2007).
O padrão diferenciado do risco de morte nas regiões Sul e Sudeste em relação
as outras regiões, tem como uma das possíveis explicações o melhor acesso aos
serviços de saúde no Sul e Sudeste, e assim, as mulheres residentes nestas regiões
em todas as coortes de nascimento, teriam maior possibilidade do diagnosticado
correto do câncer do ovário, gerando registros de óbito de melhor qualidade, haja vista
a menor proporção de óbitos classificados como câncer geral de diagnóstico
incompleto em comparação as demais regiões geográficas (OLIVEIRA, et
al.,2011;GUSTI et al.,2016). E assim, as mulheres destas regiões, mesmo nas coortes
mais velhas teriam, maior risco de morrerem por câncer do ovário, devido ao efeito do
17
período do acesso aos serviços de saúde, tendo em vista que mais de 50% dos
serviços especializados em atenção oncológica encontram-se no Sul e Sudeste do
Brasil (OLIVEIRA et al.,2011).
As diferenças no risco entre as gerações mais velhas e jovens nestas regiões
também pode ser explicada pelo fato das mulheres mais idosas terem maior
probabilidade de serem diagnosticadas em estágios avançados, e apresentarem
complicações durante o tratamento , reduzindo a sua sobrevida global e sobrevida
livre de doença, questões que foram melhor discutidas anteriormente neste trabalho.
Acredita-se que o menor risco de morte nas coortes de nascimento mais jovens
no Sul e Sudeste correlaciona-se à introdução e ampliação do uso do anticoncepcional
oral e aumento da prevalência de mulheres em idade fértil realizando cirurgia de
ligadura de trompas (SANTOS; SWERDLOW, 1995; ZHANG et al., 1999; GONZÁLEZ-
DIEGO et al., 2000; TAMAKOSHI et al., 2001; WONG et al., 2012;BRASIL,2009). E
assim, contribuiu para a redução da incidência e mortalidade por esta neoplasia , em
que pese o aumento da prevalência de outros fatores de risco associados ao câncer
do ovário, tais como hábitos alimentares não saudáveis, sedentarismo, redução na
prevalência da amamentação e aumento na do tabagismo (MARTINE,1996;
TAVARES; LEITE, 2007; SENA et al., 2007; KUHLMANN; MAGALHAES, 2014;
FARIAS et al., 2016;PARK et al.,2016). Tendo em vista que as questões reprodutivas
são os principais fatores associados ao câncer do ovário (SANTOS; SWERDLOW,
1995;SOPIK et al.,2015a, FERLAY et al.,2015;PARK et al.,2016).
Os resultados deste estudo devem ser analisados com cautela, pois estudos
ecológicos apresentam limitações conhecidas quanto à generalização de resultados,
além disso, no Brasil não dispomos de uma série histórica para avaliar a correlação
da mortalidade com os fatores associados ao câncer do ovário, para os períodos e
coortes de nascimento em análise. Além disso, este desenho de estudo sofre a
influência da qualidade da informação dos registros de mortalidade. No Brasil, a
qualidade dos registros tem apresentado melhora nas últimas décadas, devido a um
melhor preenchimento da declaração de óbito e aumento do acesso aos serviços de
saúde, o que têm reduzido a proporção de registros classificados com causa mal
definida. Contudo, considerando a grande variabilidade da qualidade destes registros
entre as regiões geográficas brasileiras, no presente trabalho realizou-se a correção
18
por causa mal definida e diagnóstico incompleto de câncer. Outra limitação, refere-se
a não especificação do tipo histológico do câncer do ovário, visto que há diferenças
nas faixas etárias acometidas de acordo com o tipo histológicos, (ZHANG et al.,
1999;REID et al., 2017).
Em relação ao método estatístico, destaca-se como limitação não ter sido
analisada a qualidade do ajuste dos modelos retrospectivamente, por meios de
validação cruzada. Em que pese às limitações, trata-se do primeiro estudo brasileiro
que a avaliou a evolução da mortalidade por câncer do ovário segundo os efeitos dos
eventos temporais (APC) por meio da estimação de modelos probabilísticos sob
enfoque bayesiano, identificando o risco estimado de morte segundo os termos
temporais, região geográfica, podendo assim, contribuir para a melhor compreensão
da mortalidade por câncer do ovário no Brasil.
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