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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM - PPGEL ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA LIÉDJA LIRA DA SILVA CUNHA AUTORIA E ESCRITA: Uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras de alunos de 9º ano do Ensino Fundamental NATAL 2011

DISSERTACAO LIÉDJA LIRA DA SILVA CUNHA 2012 · Cunha, Liédja Lira da Silva. Autoria e escrita: uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras de alunos de 9º ano do ensino

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA

DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM - PPGEL

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA APLICADA

LIÉDJA LIRA DA SILVA CUNHA

AUTORIA E ESCRITA: Uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras

de alunos de 9º ano do Ensino Fundamental

NATAL 2011

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LIÉDJA LIRA DA SILVA CUNHA

AUTORIA E ESCRITA: Uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras

de alunos de 9º ano do Ensino Fundamental Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguística Aplicada. ORIENTADORA: Profª Drª Maria Bernadete Fernandes de Oliveira.

NATAL 2011

 

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Cunha, Liédja Lira da Silva. Autoria e escrita: uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras

de alunos de 9º ano do ensino fundamental / Liédja Lira da Silva Cunha. – 2011.

107 f.: il. - Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Universidade

Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Natal, 2011.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Bernadete Fernandes de Oliveira. 1. Linguística aplicada. 2. Autoria. 3. Leitura. I. Oliveira, Maria

Bernadete Fernandes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 81’33

 

3

 

LIÉDJA LIRA DA SILVA CUNHA

AUTORIA E ESCRITA: Uma reflexão acerca do autorar em memórias de leituras

de alunos de 9º ano do Ensino Fundamental Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguística Aplicada.

Aprovado em: ____/____/________.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Profª Drª Maria Bernadete Fernandes de Oliveira

Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_____________________________________________________ Profª Drª Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa

Examinador externo Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

______________________________________________________ Profª Drª Marília Varella Bezerra de Faria

Examinador interno Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

 

 

4

 

Dedico este trabalho a Deus, o responsável pela minha existência. À minha mãe, companheira e inspiradora de minhas conquistas.

 

 

5

 

AGRADECIMENTOS

A Deus, responsável pela minha existência, sem Ele nada seria possível.

A minha maravilhosa família, que sempre participou de minhas conquistas, me

incentivando a ir muito mais além do que já fui.

A meu pai Aurino (in memorian), que mesmo estando longe fisicamente sempre

esteve do meu lado me dando impulso nas horas mais difíceis.

A minha filha Lara, razão de minha vida, que soube entender a minha ausência mesmo

nos momentos em que tanto desejava a minha presença a seu lado.

A meu esposo Manoel, que compreendeu as inúmeras vezes em que me ausentei de

sua vida, e sempre me incentivou a ir cada vez mais adiante nos meus objetivos profissionais,

pessoais, acadêmicos, me dando força e me estimulando a nunca desistir de meus sonhos.

À Professora Doutora Maria Bernadete Fernandes de Oliveira, pela paciência,

serenidade e comprometimento na condução desta pesquisa.

A todos os professores do PPgEL que, direta ou indiretamente, contribuíram no

enriquecimento dos conhecimentos adquiridos durante toda a trajetória de um dos maiores

sonhos de minha vida: o MESTRADO.

À professora Maria da Penha Casado Alves, que sempre esteve presente no início de

minhas conquistas, a quem eu devo uma imensa gratidão pela dedicação oferecida a mim

durante as Especializações cursadas anteriormente ao Mestrado, com as quais pude adquirir

experiência intelectual que me ajudou na conquista do Mestrado.

A todas as minhas amigas, em especial as mais próximas: Cátia (catita), Bruna, Beatriz

(Bia) e, especialmente, à Klébia (Klebita), a quem eu agradeço carinhosamente pela riqueza

de seus conhecimentos e a disposição em me ajudar nos momentos mais complicados de

minha pesquisa.

A todos os colegas de curso, com quem me encontrei nas disciplinas, com os quais

tive oportunidade de construir novos conhecimentos.

Aos meus alunos e minhas alunas, por entenderem meus momentos de estresses, meus

atrasos na entrega dos trabalhos, notas, entre outros, pois compreenderam o momento

assoberbado pelo qual estava passando.

Aos meus alunos e minhas alunas do ano de 2007, meus sujeitos de pesquisa que,

mesmo sem ter consciência, me ajudaram a construir novos conhecimentos e a percebê-los

como sujeitos fazedores de sentido.

 

 

 

6

 

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto.

 

7

 

RESUMO

O presente trabalho traz resultados acerca dos estudos realizados durante a pesquisa de mestrado, na área da Linguística Aplicada, do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem - PPgEL, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Abordamos nesta pesquisa a questão da autoria, que tem ganhado espaço cada vez mais relevante nas pesquisas acadêmicas, pois o ato de autorar, tendo em vista a quantidade de discursos que circulam socialmente, torna-se cada dia mais questionável. Entendemos autoria como relacionada a um posicionamento do sujeito que ao assumir responsabilidade, no sentido bakhtiniano, por seu texto, deixa nele seus pontos de vista, ideologias, crenças e valores, a partir de apropriação e reestruturação do discurso alheio. Esta investigação está metodologicamente inserida numa abordagem qualitativa, de caráter interpretativista e tem como corpus de análise dez produções escritas do gênero discursivo memórias de leituras, produzidas por alunos de 9º ano do ensino fundamental. Objetivamos na pesquisa analisar as produções escritas dos alunos realizadas em ambiente escolar, visando identificar nesses textos as marcas ou indícios de autoria e investigar como se dá a apropriação e reestruturação de vozes alheias no processo de autorar. Adotamos um conceito de linguagem a partir de concepções bakhitinianas e entendemos o texto numa visão Geraldiana. As análises realizadas no presente trabalho mostraram que na grande maioria dos textos há a presença marcante de vozes alheias, seja de forma implícita e/ou explícita. Ou seja, os alunos, para construir seus dizeres, se abarcaram de vozes alheias em formatos diversos, em estilos particulares, quais sejam, por meio do que Bakhtin nomeia como estilo linear e estilo pictórico. Alguns comprovaram seus dizeres evidenciando seus posicionamentos por meio de citações diretas de autores de livros, familiares, professores, nos mostrando que suas vozes estão repletas de vozes alheias, com as quais aprovam, refutam, analisam, julgam e refletem. Concluímos, portanto, que os alunos se constituíram como sujeitos-autores de seus textos, pois deixaram marcadas as vozes dos outros de forma presentificada e reestruturada, vozes alheias que não soaram como vozes realmente alheias, mas como vozes presentes a partir de uma reestruturação discursiva do produtor. Palavras-chave: Autoria. Produção Escrita. Memórias de Leituras.

 

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ABSTRACT

This paper presents results concerning studies conducted during the master's research in the area of Applied Linguistics of the Graduate Program in Language Studies - PPgEL, linked to the Federal University of Rio Grande do Norte. We approached this study the question of authorship, which has gained ground increasingly important in academic research, because the act of authoring, in view of the amount of circulating discourses socially, becomes increasingly questionable. We understand authorship as related to a positioning of the subject than to take responsibility, in the Bakhtinian sense, by its text, it makes their views, ideologies, beliefs and values, from ownership and restructuring of the speech of others. This research is methodologically inserted in a qualitative, interpretive in nature and has a corpus analysis of the ten productions written memoir genre of readings produced by students in 9th grade in elementary school. Research aimed to analyze the students' written productions held in the school environment, to identify these texts marks or evidence of authorship and investigate how the restructuring of ownership and voices of others in the process of authoring. We adopt a concept of language from bakhitinianas concepts and understand the text in a vision Geraldiana. The analyzes in this study showed that in most texts there is the strong presence of voices of others, either implicitly and/or explicit. That is, students, to build their sayings, if embraced the voices of others in various formats, in particular styles, namely, by what Bakhtin names as linear style and pictorial style. Some proved his statement highlighting their positions through direct quotes from authors of books, family, teachers, showing us that their voices are filled with voices of others with whom they approve, deny, analyze, think and reflect. We therefore conclude that students were constituted as subjects of their texts, authors, since they leave marked the voices of others so presentified and restructured voices of others who do not actually sounded like voices of others, but as present voices from a discursive restructuring producer. Key words: Authorship. Written Production. Memories of Reading.

 

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 102 CONTEXTUALIZANDO O OBJETO DA PESQUISA............................................. 172.1 ESCRITA E AUTORIA EM TEXTOS ESCOLARES................................................. 182.2 A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA EM SALA DE AULA: CARACTERÍSTICAS E DIRECIONAMENTOS.............................................................

182.3 A AUTORIA EM PRODUÇÕES ESCOLARES: O QUE DIZEM AS TEORIAS E AS PESQUISAS..................................................................................................................

222.3.1 Autoria: discussões e conceitos................................................................................. 232.3.2 Autoria: o que dizem as pesquisas........................................................................... 273 LINGUAGEM E VOZES SOCIAIS: MODOS DIALÓGICOS DE ENUNCIAR UM DIZER..........................................................................................................................

343. 1 LINGUAGEM COMO ESPAÇO DE INTERAÇÃO................................................. 353. 2 AS VOZES SOCIAIS E A AUTORIA........................................................................ 403.2.1 O discurso do outro, as vozes alheias, sua apropriação e reconfiguração............ 404 METODOLOGIA........................................................................................................... 464.1 DA ABORDAGEM METODOLÓGICA..................................................................... 464.2 NATUREZA DA PESQUISA...................................................................................... 464.3 DOS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA................................................................. 484.3.1 Caracterização da pesquisa....................................................................................... 484.3.2 Contextualização do corpus da pesquisa.................................................................. 495 INDÍCIOS DE AUTORIA EM 10 MEMÓRIAS DE LEITURAS DE ALUNOS(AS) DO ENSINO FUNDAMENTAL............................................................

535.1 CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANÁLISES........................................................................ 545.2 MEMÓRIAS DE LEITURAS E INDÍCIOS DE AUTORIA...................................... 545.2.1 A construção de um novo dizer a partir da apropriação e reestruturação de vozes alheias.........................................................................................................................

575.2.2 O posicionamento no processo do autorar............................................................... 696 CONSIDERAÇÕES (LONGE DE SEREM) FINAIS ................................................ 78REFERÊNCIAS................................................................................................................. 83ANEXOS.............................................................................................................................. 88

 

 

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1 INTRODUÇÃO

Um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania. (BRASIL, 1998, p. 19)

A pesquisa de que trata a presente dissertação vem discutir sobre a questão da autoria

em textos produzidos por alunos de 9º ano do Ensino Fundamental, atividade de extrema

necessidade nos dias atuais. Temos evidenciado a necessidade de colocar essa temática em

pauta por percebermos que a atividade de produzir textos, na escola, ainda é uma questão que

precisa ser debatida cada vez com mais ênfase, visto que é a partir dessa atividade de

linguagem que é possível estabelecer um elo entre cada sujeito e a comunidade em que vive.

E, à escola cabe, portanto, favorecer um ambiente propício para que os alunos possam

desenvolver-se intelectualmente na sociedade para que possam exercer com mais consciência

suas atitudes perante à sociedade em que vive. À escola cabe preparar os alunos para que estes

aprendam a enfrentar os desafios com que diariamente se deparam no cotidiano, entre eles, o

desafio de saber agir a partir da linguagem, dominar a linguagem de modo que com ela possa

interagir, obter informações, adquirir pontos de vista, opinar, partilhar situações de vida,

construir visões de mundo, assumir uma ideologia, entre outros.

É preciso que aos alunos sejam dadas as condições de, por meio de textos, interpretar

diferentes situações do cotidiano, diferentes gêneros textuais que circulam no âmbito social,

de assumir posicionamentos que demonstrem que os alunos são sujeitos capazes de atuar de

forma eficiente em diferentes contextos sociais. Aos alunos é preciso favorecer a participação

nas práticas discursivas tão presentes no ambiente em que eles estão envolvidos. E é a escola

que tem esse papel. É ela que deve estabelecer um clima de envolvimento com a escrita de

textos que favoreça a autoria dos alunos em suas produções, pois, com o domínio de sua

escrita, enquanto produção, o aluno sente facilidade de participar, de fato, de práticas sociais

de leitura e escrita e garantir sua posição na cultura em que está inserido, conseguindo, dessa

forma, concordar com a mesma, refutá-la, ou até mesmo, reconstruí-la.

Sendo assim, temos vivenciado, nos últimos anos, uma preocupação constante por

parte de professores e pesquisadores em formar produtores de textos que sejam também

autores de seus textos. Pois temos visto, com grande preocupação, que as salas de aula estão

repletas de alunos que só conseguem copiar ideias alheias, não conseguem reestruturar seu

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discurso, assumindo um posicionamento; alunos que são impedidos de usar a palavra para

expressar o que pensam, o que desejam, o que querem dizer.

Temos visto inúmeros resultados de instrumentos avaliativos que demonstram o

quanto os alunos estão distantes de serem produtores de seus próprios textos. A afirmativa se

constata nas inúmeras avaliações como no Programa Internacional para Avaliação de Alunos

(PISA), no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no Exame Nacional

do Ensino Médio (ENEM), entre outros, que mostram, a partir de levantamentos obtidos, o

fracasso com que os alunos, em especial os de escolas públicas, vêm obtendo nestas

avaliações. Essas avaliações deixam evidentes também o quanto a educação pública tem

deixado a desejar no que diz respeito à sua responsabilidade como espaço de aquisição,

construção e constituição de conhecimentos.

A escola parece não ter consciência de sua responsabilidade ou simplesmente tem e

não sabe como agir diante desta responsabilidade. Parece que a escola não vê a linguagem

como instrumento de interação, como diálogo entre interlocutores ativos e críticos, por isso,

quando propõe um trabalho de produção escrita, acaba utilizando metodologias que em nada

ajudam os alunos a se posicionarem, fazendo com estes passem a escrever de forma mecânica

e desenvolvendo um trabalho de mera reprodução de ideias alheias.

Partindo de tais situações, temos visto, em contraposição ao que foi evidenciado

acima, que já são muitas as preocupações com esses índices baixos apresentados pelos

programas de avaliação. Assim, com o objetivo de sanar esse problema, algo já está sendo

realizado na formação continuada de professores de Língua Portuguesa como, por exemplo, a

discussão acerca da implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), acontecida

em 1998, com a qual é possóvel analisar uma nova proposta de trabalho de linguagem. Essa

proposta curricular, orientadora do ensino fundamental, constitui uma das opções que visa

nortear o trabalho do professor no que se refere à produção escrita como atividade de

linguagem.

Em conjunto com alguns programas de capacitação de professores, os PCN têm

procurado levar para os professores teorias relevantes sobre como trabalhar a linguagem

escrita em sala de aula, entendendo-a como produtora de sentido e não apenas como estrutura

composicional. Dessa forma, podemos perceber que algo já está sendo proposto para resolver

os problemas de escrita, porém, ainda há muito o que se fazer, visto que ainda temos

presenciado uma grande avalanche de fracasso linguístico de alguns alunos no que diz

respeito a produzir textos assumindo-os, ou seja, autorando-os.

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Diante de tal preocupação, surge a motivação em desenvolver uma pesquisa acerca de

situações de escrita em sala de aula, uma vez que muito nos incomodava saber que nem todo

trabalho com produção escrita levava a uma autoria, que para nós é a porta de entrada para a

inserção dos alunos na sociedade, tendo em vista que autorar é se posicionar, é se colocar

diante das situações de escrita com o intuito de participar ativamente da sociedade em que

estamos inseridos. Sendo assim, partindo de estudos acerca de teorias que embasavam nosso

trabalho pedagógico sobre produção escrita, teorias estas adquiridas nos cursos de pós-

graduação lato sensu, quando da conclusão da graduação, nos interessamos pela temática em

questão e resolvemos pesquisar sobre o assunto.

Pensar na construção de um objeto de pesquisa é sempre um desafio quando se trata de

pesquisar algo dentro dos marcos da Linguística Aplicada. Essa área de conhecimento, no seu

início, era entendida a partir de concepções que a relacionavam apenas ao ensino-

aprendizagem de línguas a partir de uma ideia de consumo e não de produção de teorias.

Assim, a Linguística Aplicada (doravante nomeada como LA) por muito tempo foi

interpretada como uma área cuja produção científica limitava-se à aplicação da linguística em

diferentes situações de aprendizagem de uma língua materna e/ou estrangeira.

Com o passar dos anos e com o amadurecimento intelectual da área, a LA vem se

constituindo como uma área em constante redefinição, com objetos de estudos diversificados,

para além dos limites da sala de aula, enfatizando o trabalho com a linguagem a partir do

conceito de língua como semiotização do pensamento; a língua sendo entendida no seu uso

real e concreto.

A LA preocupa-se atualmente com a linguagem em vários aspectos, privilegiando o

estudo da linguagem como ferramenta para uma prática social em esferas as mais diversas,

bem como em diferentes contextos, focando a diversidade como a essência da pesquisa em

LA.

Entendemos que o trabalho com a linguagem deve favorecer o aluno no que diz

respeito à compreensão desta como uma ferramenta com a qual o sujeito atua, vivencia

experiências concretas da realidade, compreende a própria linguagem e a utiliza como prática

discursiva, portanto, precisa ser vista como um instrumento concreto, real, que é vivido pelo

falante de uma língua e deve ser encarada como uma prática social, com função social e não

meramente como algo que precisa ser analisado apenas no campo da estrutura, do sistema, da

norma.

Dessa forma é que nossa pesquisa resulta de experiências vivenciadas por mim

enquanto educadora, enquanto professora de Língua Materna das séries finais do Ensino

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Fundamental, que tem se preocupado constantemente em formar sujeitos-autores de seus

próprios textos. Os estudos aqui contemplados visam discorrer sobre o trabalho com a

produção escrita em sala de aula, trabalho visto como atividade de linguagem, com a qual é

possível o sujeito se fazer presente na sociedade. Nossas discussões são resultados de análises

realizadas em produções escritas de alunos de 9o ano, do Ensino Fundamental, produções que

se caracterizam como narrativas de memórias, produzidas no ano de 2007.

A realização da pesquisa nos ajudou a repensar a produção de texto nos levando a

questionar situações de produções que orientam a prática dessa atividade de ensino-

aprendizagem em sala de aula. No percurso da pesquisa, baseando-nos em algumas

concepções de linguagem e do ensino desta no ambiente escolar, entendemos que formar

produtores de texto é extremamente relevante, pois acreditamos que a sala de aula é um

espaço de interação constante em que inúmeros discursos se entrecruzam e se estabelecem; é

um espaço constante de interlocução de várias vozes.

Obviamente, orientando-nos nessa perspectiva, pensamos a produção escrita, mais

precisamente em sala de aula, a partir de concepções que a entendam como um instrumento

de exercício para a instauração da autoria, que, na visão bakhtiniana, pressupõe um

posicionamento diante do que está exposto nos mais diversos discursos presentes na

sociedade.

Sob esse viés, nos ancoramos no dizer de Moita Lopes (2008, p. 247), quando esse

afirma que “a construção do discurso em sala de aula é orientada pelo fato de ser socialmente

justificável como um evento de ensino-aprendizagem”. Dessa forma, acreditamos ser

importante deixar evidente que a sala de aula é um espaço muito rico (ou deveria ser) para a

construção de produtores-autores de seus próprios textos, com os quais os alunos têm

oportunidade de usar a escrita em um contexto funcional, utilizando-a com fins reais,

concretos para a interação entre os sujeitos envolvidos na comunicação e não usar a escrita

como um fim em si mesmo. Ou seja, a escrita não deveria ser considerada apenas como uma

atividade metalinguística, pelo fato de que assim sendo contribui pouco para o desempenho

discursivo dos alunos. O ensino da escrita deveria ser pensado em sua função social, na sua

relação com a vida.

A produção de texto, por muitas décadas, foi usada com a finalidade de desenvolver a

capacidade linguística dos alunos no que tange à norma culta, deixando de lado a escrita

enquanto instrumento de reflexão e ação, como instrumento de representação de valores

sociais, culturais, ideológicos e de ideias.

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Acreditamos que seria necessário entender o processo de ensino e aprendizagem da

língua escrita como um instrumento de constituição de sujeitos. Para isso, a produção escrita

deveria ser entendida como um conjunto de enunciados concretos, como unidade de

comunicação discursiva. Respaldamos nosso dizer sobre a produção escrita nos apoiando no

que afirmam Serafim e Oliveira ao se posicionarem a respeito da produção escrita.

Dessa forma, acreditamos que escrever é um ato de comunicação. Escrever, nesse sentido, significa instaurar uma forma de relação dialógica que ultrapassa as meras relações linguísticas, sendo um processo significativo da comunicação discursiva que tem articulações com outras esferas de valores, nos quais o discurso se estrutura em função do outro. (SERAFIM; OLIVEIRA, 2010, p. 588).

Na inquietude de analisar a prática de produção escrita no ambiente escolar e atuando,

na época, como professora de Língua Portuguesa de alunos de Ensino Fundamental,

dedicamo-nos a pesquisar o trabalho de produção escrita em sala de aula com a perspectiva de

investigar se aos alunos são oferecidas as ferramenta para que estes possam se constituir

autores de seus próprios textos, pois acreditamos que, dependendo da concepção de

linguagem que o professor de língua materna adote, é possível fazer com que os alunos se

tornem (ou não) produtores-autores de seus próprios textos.

Dessa forma, a nossa pesquisa ancora-se nas ideias bakhtinianas no que diz respeito a

compreender o sujeito como um ser falante. Compartilhamos com Bakhtin a afirmativa de

que,

O objeto de estudo das Ciências é o homem ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado. [...] O ser que se auto-revela não pode ser forçado e tolhido. (BAKHTIN, 1992, p. 395).

Sendo assim, dedicando-nos a olhar minuciosamente para o corpus em questão,

procuramos entender como ocorre a relação entre os produtores de textos com seus textos, no

sentido de buscar respostas para os seguintes questionamentos:

a) Há indícios de autoria em textos produzidos por alunos em situações de sala de

aula regular?

b) Que mecanismos são utilizados pelos alunos para deixar essas marcas de autoria?

Na perspectiva de encontrar respostas para nossos questionamentos, traçamos como

objetivo central da pesquisa analisar as produções escritas dos alunos realizadas em ambiente

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escolar visando identificar, nesses textos, as marcas ou indícios de autoria e investigar como

se dá a apropriação e reestruturação de vozes alheias no processo de autorar.

A nossa preocupação parte do fato da importância do que seja autorar, no processo de

ensino-aprendizagem da língua escrita, entendendo que produzir textos é uma tarefa

necessária no mundo moderno; compreendendo que a questão da autoria adentra no domínio

discursivo e, como diz Moita Lopes (2008, p. 249), “é através do discurso/da interação, então,

que construímos significados através dos quais agimos no mundo”. Pensando autoria a partir

da interação, do diálogo, com o qual o sujeito interage e abre espaço para as singularidades

que dessa interação podem ser reveladas, concordamos com Faraco, quando este afirma que:

Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico [...] tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder [...], isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a palavra de outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é, relações que geram significação responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas. (FARACO, 2009, p. 66).

Entendemos que a escola se constitui em um espaço para as interações entre os

sujeitos, num espaço em que uma grande variedade de interlocução favorece a relação

dialógica entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, dessa forma,

entendemos a importância do aluno se constituir como autor.

A presente dissertação foi organizada da seguinte forma:

No primeiro capítulo, que constitui a introdução, apresentamos o nosso objeto de

pesquisa e sua relevância na Linguística Aplicada.

No segundo capítulo, que constitui o estado da arte, apresentamos algumas concepções

sobre a produção textual escrita em sala de aula, bem como discutimos alguns conceitos de

autoria e explicitamos algumas pesquisas desenvolvidas acerca dessa temática. Evidenciamos

o que se diz da escrita e o que se diz sobre o ensino desta em sala de aula. Tratamos acerca do

que as pesquisas apontam sobre a produção escrita em sala de aula nos dias atuais e o que se

evidencia sobre a autoria nessas produções.

No terceiro capítulo, abordamos nosso referencial teórico, com o qual nos ancoramos

para nos situar acerca do conceito de linguagem a partir de concepções bakhtinianas.

Discutimos também, neste capítulo, pressupostos acerca dos conceitos de enunciado e de

estilo, além de fazermos uma breve explanação acerca das vozes sociais, do discurso e o

16

 

processo de transmissão, apropriação e reestruturação das vozes alheias no que tange ao

processo de autorar.

O quarto capítulo, a metodologia da pesquisa, abordamos a teoria metodológica que

ancora a pesquisa, bem como explicitamos os procedimentos adotados para a constituição do

corpus da pesquisa. Enfatizamos, neste capítulo, a nossa intervenção pedagógica como

professora de Língua Portuguesa no trabalho com a produção escrita em sala de aula, com o

intuito de mudar a situação negativa do trabalho com a produção de texto que

problematizamos no início desta dissertação.

No quinto capítulo, cujo objetivo é fazer a análise dos dados da pesquisa, buscamos

subsídios em Bakhtin para, dessa forma, traçar uma análise condizente com o que estamos

evidenciando desde o começo sobre o que entendemos acerca da autoria em produções

escritas em ambiente escolar. Analisamos, no mesmo, as formas de apropriação e

reestruturação de vozes alheias presentes nas narrativas dos alunos, bem como os

posicionamentos destes diante do que está escrevendo. Explicitamos, também, o porquê de

nossa escolha, dentre tantos gêneros, em analisar textos de memórias, cuja predominância é a

narrativa.

Para finalizar, nas considerações (longe de serem) finais explicitamos nossas

conclusões acerca do que encontramos nos textos dos alunos e que entendemos como indícios

de autoria e, logo depois, apresentamos a bibliografia.

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Capítulo II

CONTEXTUALIZANDO O OBJETO DA PESQUISA

A autoria é a arte de gerir a palavra, gerir nesse caso não significa dominar, mas sim, explorar os sentidos que fluem da palavra.

(Osmar de Souza)

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2 .1 ESCRITA E AUTORIA EM TEXTOS ESCOLARES

A questão da produção textual no contexto escolar já desencadeou diversos estudos

que tratam tanto das problemáticas que emergem dessa prática como apontam caminhos para

o desenvolvimento da escrita dos alunos.

Neste capítulo discorreremos sobre alguns estudos acerca da produção escrita em sala

de aula, bem como discutiremos acerca da autoria nessas produções, uma vez que nosso

objeto de estudo são as marcas de autoria em produções escritas em ambiente escolar. Assim,

faremos um breve percurso sobre o ensino da língua escrita e os estudos que ancoram as

pesquisas sobre a produção escrita em sala de aula e o conceito de autoria segundo alguns

pesquisadores e teóricos.

2.2 A PRODUÇÃO TEXTUAL ESCRITA EM SALA DE AULA: CARACTERÍSTICAS E

DIRECIONAMENTOS

Refletindo sobre o processo de ensino da língua materna no Brasil, constatamos que

por muitas décadas prevaleceu o ensino de língua baseado no conceito de escrita enquanto

representação gráfica da língua que, por sua vez, é entendida como conjunto de signos que se

combinam seguindo regras. Com essa concepção, as aulas de produção de texto se

embasavam em metodologias não muito eficientes, uma vez que ao aluno era imposta uma

situação de produção escrita a partir de propostas de produção que levavam os alunos a

produzir um texto falando de um determinado tema específico escolhido pelo professor.

Conforme Oliveira (2001, p. 162),

O ensino da produção textual, no âmbito da instituição escolar formal, historicamente, tem seus fundamentos em uma pedagogia centrada no ensino de gramática, limitando-se, de uma forma geral, a exigir dos alunos a tarefa de elaboração de um texto sobre determinado tema.

Por muitas décadas presenciamos um trabalho de produção de texto como um trabalho

de cansativos exercícios mecânicos em que os alunos eram obrigados a produzir um texto

qualquer, de um tema qualquer (tema livre), para um único leitor (professor). Este, por sua

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vez, tinha como critério avaliativo corrigir erros de ortografia, pontuação, regência,

concordância, entre outros aspectos estabelecidos.

Ainda rastreando algumas outras considerações acerca da temática, encontramos em

Rojo (2003) a afirmação de que a sala de aula nem sempre era entendida como um espaço em

que o ensino-aprendizagem, em especial o de língua materna, era, de fato, efetivado. Ela

afirma que os estudos sobre a sala de aula em sua maioria ora centravam-se em explorar as

atividades didáticas realizadas nesse espaço, ora exploravam a interação face a face ou a

conversação, à luz dos pressupostos da análise da conversação. Ou seja, as aulas não eram

percebidas como meio de colocar em evidência a língua em uso, como discurso interativo,

visto que, na maioria das vezes, as aulas não serviam como forma de manter o diálogo entre

professores e alunos sobre o reconhecimento em si ou mesmo sobre atitudes e ações.

Para Rojo (2001), o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa pouco enfatizava a

importância de formar cidadãos capazes de interagir criticamente com os discursos alheios e

com o próprio discurso. Ela afirma que a produção escrita no ambiente escolar ainda era

entendida como ferramenta para formar analistas de textos ou revisores gramaticais, visto que

o ensino de língua materna só se pautava em metodologias que trabalhavam questões

gramaticais no nível textual, em detrimento do discurso.

Em Oliveira (2001), no que se refere à prática de produção de texto, encontramos

afirmações de que o ensino de produção textual se baseava em concepções adotadas a partir

de uma prática de ensino pautada na pedagogia centrada no ensino de gramática; os alunos

produziam textos apenas para aperfeiçoar a língua escrita, vista como sistema de signos,

enquanto norma culta, padrão.

Essa tarefa, realizada em sala de aula, vai na contramão ao que Oliveira (2003)

entende como uma prática adequada de ensino-aprendizagem de língua, em que, segundo ela,

a questão de construir sujeitos críticos, atuantes e participativos na sociedade pressupõe criar

espaço na sala de aula em que aos alunos são oferecidas situações de ensino-aprendizagem

que levem os mesmos a se constituírem como ser pensante. No entanto, segundo a autora, os

currículos e suas grades não estão organizados de forma a garantir um efetivo conhecimento

de concepções de linguagem que proporcionam uma eficácia na atuação desses sujeitos frente

às práticas cidadãs.

Geraldi (1999), por sua vez, corrobora com as afirmativas das autoras acima quando

observa que o ensino de língua materna praticado nas escolas possibilita uma má atuação dos

sujeitos frente ao desafio de produzir enunciados concretos e reais. Ele afirma que “o ensino e

a aprendizagem da ‘gramática’ têm sido tradicionalmente entendidos como caminho de

20

 

correção da expressão linguística dos educandos [...]” (GERALDI, 1999, p. 123), o que

impede que haja um trabalho mais concreto com questões de ensino de língua que possibilite

oferecer condições de produção escrita. Afirma, ainda, que o trabalho com a produção escrita

em sala de aula é realizado de forma tradicional e que os textos dos alunos se caracterizam

como textos de autores sem leitores, visto que os professores, na grande maioria, não

conseguem enxergar os textos dos alunos além da norma.

Destacamos também, ao analisarmos pesquisas acerca da produção textual em sala de

aula, reflexões de alguns autores, em especial Geraldi (2006, p. 90), ao afirmar que na prática

escolar a linguagem é trabalhada de forma artificial, uma vez que, afirma ele:

Na escola não se escreve textos, produzem-se redações. E estas nada mais são do que a simulação do uso da língua escrita; Na escola não se leem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos. E isso nada mais é do que simular leituras; Por fim, na escola não se faz análise linguística, aplicam-se a dados análises preexistentes. E isso é simular a prática científica da análise linguística.

Além desses problemas, Geraldi pontua outro bem constante na prática das aulas de

produção escrita, a repetição de temas. Essa prática se tornou muito corriqueira em sala de

aula e nada contribui para o aperfeiçoamento da escrita enquanto produção de sentido, são as

redações temáticas, em que os professores solicitam, de forma pouco produtiva, a produção de

um texto sem que haja um trabalho sistemático em torno dessa produção. São as famosas

redações sobre “dia das mães”, “dia da Pátria”, “minhas férias”, entre outras, solicita-se aos

alunos a produção de textos sem que estes possibilitem uma reflexão acerca do objetivo de

sua produção, levando os alunos a não enxergarem suas produções como uma atividade de

linguagem, mas vendo-as apenas como uma produção artificial, sem nenhum vínculo com o

uso efetivo da linguagem.

Para Antunes (2003), pesquisas mostram que ainda há, em aulas de língua portuguesa,

uma persistência em adotar práticas pedagógicas que contemplam um ensino de língua que

prioriza aspectos que consideram apenas a palavra e a frase de forma descontextualizada,

apesar de haver inúmeras ações institucionais que objetivam motivar e fundamentar uma

reorientação dessa prática.

Segundo esta autora, “as experiências de renovação, infelizmente, ainda não

ultrapassam o domínio de iniciativas assistemáticas, eventuais e isoladas” (ANTUNES, 2003,

p. 20). Por isso, ela constata que o insucesso escolar acontece devido às práticas não

adequadas adotadas no trabalho com a língua materna, causando, dessa forma, um desânimo

21

 

por parte dos alunos no que diz respeito à aprendizagem efetiva da língua.

Afirma também que os alunos se veem diante de situações de ensino de língua materna

que em nada contribuem para a eficiência linguística, o que provoca, assim, uma frustração

também no desenvolvimento intelectual em outras disciplinas, motivando, portanto, tantas

repetições e evasões escolares.

No entanto, percebe-se que apesar das inúmeras frustrações que a educação brasileira

vem sofrendo durante décadas, constatamos que há um certo esforço por parte das instituições

governamentais em favorecer condições para que a escola possa ser mais eficiente no que se

refere à sua responsabilidade para com os cidadãos. Essas ações acontecem mediante um

esforço em formar e capacitar professores para garantir uma maior eficiência no trabalho com

a língua materna.

Nos anos 1980 começa a surgir, de fato, um novo posicionamento face ao ensino de

Língua Portuguesa, colocando-se em evidência a necessidade de se considerar outros

referenciais teóricos que viessem a contribuir com as exigências que o mundo moderno exigia

e que contribuíssem para o bom desempenho linguístico dos alunos, de forma que os saberes

linguísticos trabalhados em sala de aula fossem colocados a serviço do exercício da cidadania.

Foi assim que o ensino de Língua Portuguesa começou a priorizar a linguagem como

formas variadas de comunicação, de acesso à informação, de expressão e de defesa de pontos

de vista, de posicionamentos de sujeitos, entre outros. A linguagem passou a ser entendida

como uma ferramenta importante para as relações sociais, tendo em vista que, como afirma

Voloshinov (2004), a linguagem permeia a maioria das atividades humanas.

Surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e sob sua influência o trabalho

com a produção escrita em sala de aula vem ganhando novas dimensões, novos contornos,

configurando-se assim, ainda que timidamente, uma nova abordagem de ensino-aprendizagem

de língua. Os textos dos alunos passam a ser considerados como eventos comunicativos que

estão a serviço de situações reais de usos da linguagem. É a partir da concepção de

linguagem, presente nos PCN, que o trabalho com a produção escrita em sala de aula vem

assumindo uma nova dimensão, caminhando do nível da frase para o enunciado1.

Segundo os PCN, a escola precisa trabalhar com textos verdadeiros, com escritores

verdadeiros para que seja possível adotar uma postura de ensino de produção textual pautada

                                                            1 Enunciado entendido aqui como a unidade real da comunicação discursiva, precisamente delimitada pela alternância dos sujeitos do discurso (BAKHTIN, 2003, p. 275). Entendemos o enunciado como marca de individualidade do sujeito-autor, pois, por meio do enunciado, o sujeito evidencia que sua obra se difere de outras obras por ele lidas, uma vez que tem particularidades específicas suas e, assim, se constitui como de sua autoria.

22

 

em situações reais de uso. Defendem os PCN que a produção escrita precisa se ancorar em

concepções de linguagem como interação verbal entre sujeitos históricos e socialmente

situados.

Na verdade, essa nova orientação para o ensino da língua e, mais especificamente com

relação à produção textual, pressupõe que a linguagem seja entendida como uma prática

discursiva, possibilitando a realização de ações mediadas pela linguagem. Nesse sentido é que

se pode dizer que é a partir da linguagem, entendida como uma prática discursiva, que o

sujeito se constitui e constitui a sua identidade, por meio de processos interativos, de natureza

intersubjetiva.

Evidentemente, constatamos que o trabalho com a língua portuguesa precisa estar

pautado numa prática que considere, de antemão, algumas concepções importantes para um

bom funcionamento efetivo de ensino-aprendizagem da língua materna. Ou seja, como afirma

Antunes,

A complexidade do processo pedagógico impõe, na verdade, o cuidado em se prever e se avaliar, reiteradamente, concepções (O que é linguagem? O que é uma língua?), objetivos (Para que ensinamos? Com que finalidade?), procedimentos (Como ensinamos?) e resultados (O que temos conseguido?), de forma que todas as ações se orientem para um ponto comum e relevante: conseguir ampliar as competências comunicativo-interacionais dos alunos. (ANTUNES, 2003, p. 34)

Para ela, “só os textos podem constituir o objeto relevante de estudo da língua”.

(ANTUNES, 2003, p. 44). Portanto, nossa pesquisa se pauta numa concepção de linguagem

que visa o trabalho com textos reais, concretos, em que a língua é entendida como “um

processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos

locutores” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2004, p. 127).

2.3 A AUTORIA EM PRODUÇÕES ESCOLARES: O QUE DIZEM AS TEORIAS E AS

PESQUISAS

Uma revisão da literatura sobre as pesquisas realizadas acerca da autoria em textos

produzidos no âmbito escolar nos aponta a grande necessidade de investigar com mais detalhe

como vem se configurando o trabalho com a linguagem em sala de aula. A problemática que

gira em torno do como melhorar as competências linguística, comunicativa e discursiva dos

23

 

alunos ainda é um foco no qual não se pode deixar à margem, tendo em vista que é urgente,

no contexto social em que estamos inseridos, oferecer condições para que os alunos possam

construir ideias, argumentos, pontos de vista, possam criticar, sugerir, se manifestar e agir

sobre as práticas sociais. Diante disso, refletiremos um pouco acerca de alguns conceitos e de

algumas pesquisas realizadas sobre a questão da autoria.

2.3.1 Autoria: discussões e conceitos

A temática sobre autoria está em pauta nos últimos anos, tendo em vista que a

necessidade de possibilitar meios para que os alunos possam inserir em seus textos marcas

que evidenciam uma posição axiológica é fundamental.

Refletindo acerca do conceito de autoria, podemos constatar que a partir do que

propõe Bakhtin (2003), o autor, ao se constituir como tal, assume uma particularidade, um

posicionamento acerca dos eventos da vida. Dessa forma, ele responde axiologicamente a

cada manifestação da vida.

É na esfera literária que Bakhtin começa a construir um conceito de autoria baseado na

compreensão de que o autor não pode ser percebido como uma pessoa física, mas como uma

representação desta. Nesse momento, ele considera importante atentar para a distinção entre o

autor-criador e o autor-pessoa. Este entendido como “elemento do acontecimento ético e

social da vida; aquele como elemento da obra” (BAKHTIN, 2003, p. 09). O autor-criador,

para Bakhtin, enxerga além do mundo representado, a partir de seu excedente de visão.

É nessa perspectiva que o autor-criador dialoga com outros dizeres, estabelecendo uma

conexão entre o mundo real e o representado, conexão que é possibilitada pela refração de seu

posicionamento diante da relação que estabelece com outros discursos, outros

posicionamentos. Ser autor é, na visão bakhtiniana, dar acabamento ao texto, que só é

possível a partir de uma posição exotópica, com a qual estabelecerá um excedente de visão e,

assim, poder ver o todo da obra e imprimir seu posicionamento, seu estilo, realizando uma

atividade estética.

O conceito de autoria formulado por Bakhtin é encontrado em diversas obras por ele

produzidas, dentre elas, citamos os ensaios O autor e a personagem na atividade estética, que

foi escrito na década de 1920 (BAKHTIN, 2003) e O problema do conteúdo, do material e da

forma na criação literária, escrito em 1924 (BAKHTIN, 2002); bem como em seu estudo da

24

 

obra de Dostoievski (BAKHTIN, 2005, p. 184) e, posteriormente, em suas notas de 1959-

1961, quando cita questões relativas ao texto. (BAKHTIN, 2003, p. 321-322).

Em Bakhtin (2003), no seu texto O problema do texto na Linguística, na Filologia e

em outras Ciências Humanas, o conceito de autoria é baseado “nas relações entre os

enunciados e nas relações dos enunciados com a realidade e com a pessoa falante (o autor)”

(BAKHTIN, 2003, p. 324). Portanto, ser autor é, para Bakhtin, deixar emergir a voz criativa

do autor-pessoa, na qual o discurso do autor é um “ato de apropriação refratada de uma voz

social qualquer de modo a poder ordenar um todo estético” (FARACO, 2008, p. 40).

Em Faraco (2008), na obra em que ele faz uma releitura das ideias bakhtianas acerca

da autoria, este autor nos evidencia que o autor-criador, aquele que dá forma ao conteúdo,

recorta e reorganiza o conteúdo de sua obra a partir de uma posição axiológica que assume,

com a qual tem plenas condições de refratar seu posicionamento valorativo diante de uma

dada obra. Ou seja, por assumir uma posição refratada e refratante em sua obra, o autor-

criador vivencia um ato estético em que cria novos valores a partir de valores já estagnados,

porém, refratados.

É no ensaio de Bakhtin, “O discurso no romance”, que, segundo Faraco (2008),

encontramos a posição verbo-axiológica assumida pelo autor-criador, posição esta que garante

a materialização da refração de uma certa voz social com a qual reflete e refrata a

heteroglassia - não aquela em que as vozes sociais são reproduzidas mecanicamente, - mas

aquelas em que há um trabalho estético em prol de um todo estilístico, de um modo de

perceber essas vozes, experimentando-as e valorando-as.

Autorar é instaurar uma situação de produção de um exaustivo acabamento de ideias,

de novos sentidos, de novos valores e de novas ideologias. Por meio da autoria, o produtor de

texto evidencia cada particularidade de suas vivências, de seus ideais, de seu estilo próprio, de

seus traços; permite que os acontecimentos de sua vida perpassem os acontecimentos dos

outros, deixando claro que tudo que sabe foi mediado pelo contexto social e histórico em que

está inserido.

Faraco (2008) aponta para a noção de autor a partir de dois lugares de autoria. Ele

afirma que o autor-criador constitui uma posição axiológica frente à posição do autor-pessoa,

aquele que consideramos como o escritor, o artista, o sujeito real que, diante de um trabalho

estético, assume uma nova posição que garante seu distanciamento do texto produzido,

assumindo, portanto, uma posição valorativa frente ao evento da produção. Em outras

palavras, interpretando as ideias de Bakhtin, Faraco (2008) assume um conceito de autoria em

25

 

que, segundo ele, o autor-pessoa se constitui autor de sua obra a partir de um trabalho que este

faz com a linguagem no qual estabelece um jogo de deslocamento entre as vozes sociais.

No trabalho artístico, em que o autor-pessoa desenvolve suas habilidades de autor-

criador, a voz criativa não constitui a voz do escritor, mas a voz como ato de apropriação

refratada de uma voz social.

Retomando as ideias bakhtinianas acerca do processo de autorar, entendemos que para

ser autor é necessário que o sujeito mantenha um distanciamento da produção textual, ou seja,

em acordo com o que propõe Bakhtin, autorar requer adotar uma postura diferente, assumir

um distanciamento do texto produzido para ser possível olhar de fora e perceber o que não se

percebe no momento da produção, assumir um papel de leitor, de revisor, de analisador,

assumindo o papel do “outro”, cujo papel favorece um olhar diferenciado.

Exercer um distanciamento do texto produzido significa trabalhar com o aluno de

forma que o mesmo consiga se distanciar de sua produção a fim de organizá-la melhor, seja

do ponto de vista da estrutura composicional do texto quanto da norma gramatical, bem como

à adequação ao gênero. Concordamos com Oliveira (2006) quando afirma que em sala de aula

é preciso atentar para um trabalho com produção escrita em que

A nosso ver, deveriam ser levados em consideração os aspectos que incorporam tanto aspectos de organização estrutural da língua, respeitando a norma culta e o gênero do discurso, assim como as propriedades enuciativas e discursivas da língua, entre as quais seriam deixar os indícios, como propõe Possenti (2002), das vozes e de suas posições de sujeito. (OLIVEIRA, 2006, p. 152).

Em Bakhtin, constituir-se como autor requer a compreensão de que a palavra precisa

ser vista como socializada, ideológica, e que subsidiará o dizer de quem escreve. Em outras

palavras, autorar requer uma tecitura de palavras a partir de outras já ditas, com as quais o

sujeito-autor se posicionará e assumirá seu papel de construtor de sentidos. Como diz

Voloshinov (2004, p. 41), “As palavras são tecidas pelos fios ideológicos e servem de trama a

todas as relações sociais em todos os domínios”. Dessas e nessas palavras, o sujeito se

constitui e constitui a linguagem, o que significa dizer que por meio da relação do sujeito com

a palavra há a constituição da autoria.

Assumimos em nossa pesquisa uma postura histórico-social, de visão bakhtiniana, por

meio da qual compartilhamos com o conceito de autoria como construir texto a partir de um

distanciar-se da produção, estabelecendo uma postura de sujeito capaz de exercer um

excedente de visão, com o qual é possível ver no texto elementos que não foram possíveis de

ser enxergados no momento da produção. Ou seja,

26

 

Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, contemplar o horizonte dele com o excedente de visão que desse lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento. (BAKHTIN, 2003, p. 23).

Assumimos, portanto, uma visão sócio-axiológica em que entendemos autoria como

uma relação exotópica do autor diante de seu texto. Relação essa entendida como o espaço

ocupado pelo sujeito para assumir um posicionamento diante do que está produzindo.

Entendemos autoria como deixar evidente uma posição axiológica diante do que se

está produzindo, pois é na obra dada que é possível manter uma relação de inter-relação entre

o já vivido e o que está sendo colocado em campo. Ou seja, o autor, em sua obra, evidencia

seus julgamentos de valor a partir do que já foi posto, ele dá uma versão particular e ao

mesmo tempo coletiva do que se está propondo em sua obra, uma vez que em todo discurso

há um interdiscurso marcado pela fala do outro a partir da fala de outros.

Saber manter um diálogo com o discurso do outro é uma estratégia de conceber a

autoria como uma ferramenta de controle do seu discurso, bem como registrar suas

habilidades para com o uso do discurso do outro, discurso que está impregnado de marcas

autorais com as quais não poderá assumir como suas. O discurso do outro é fundamental

porque um constitui o outro e é constituído pelo outro, semioticamente.

Na verdade, assumir uma posição de autor é assumir uma determinada posição

axiológica frente a um evento discursivo com o qual o autor, por meio de uma obra, registra

eventos da vida de maneira refratada, reorganizada esteticamente. É a partir desse trabalho de

refração e reorganização que é permitido ao autor assumir uma apropriação refratada de uma

voz social. E essa voz social contribui na construção da autoria, uma vez que para se

constituir autor a voz do outro é fundamental.

Por isso entendemos que a produção em sala de aula deve estar a serviço da linguagem

enquanto interação. Os textos dos alunos seriam melhor produzidos e interpretados se os

mesmos fossem instrumentos de leitura para os mais variados leitores, desde os seus simples

colegas de sala de aula até o mais atencioso professor, ambos exercendo o papel de leitores

ativos dessas produções, estabelecendo, assim, o dialogismo.

Dessa forma, as produções dos alunos estariam assumindo um caráter dialógico de

enunciados, caráter este permeado por vários dizeres, várias vozes alheias, assumindo uma

função polifônica de enunciado, o que explica Bakhtin (2003) como um segundo momento da

27

 

dialogia, pois o primeiro momento consiste justamente quando as produções são dirigidas

para alguém, leitor ativo no processo de construção de sentido.

Ser autor é assumir-se como sujeito que diz algo para deixar evidente que sua voz

produz conhecimento e, portanto, é perceptível quanto à importância no mundo da vida; é

pensar, construir sentido a partir de outros sentidos (interação). Não podemos deixar de

reafirmar a posição autor como aquele que deixa em suas produções, escritas ou orais, marcas

de sua subjetividade, de seu querer dizer diante das possibilidades de ser ouvido e de assumir

uma postura crítica diante do que lhe é posto. O texto é a forma de comunicação, no sentido

geral da palavra, com o qual o sujeito interage e atua no mundo.

Esse jogo dialógico, pelo qual se estabelece a comunicação, a interação da linguagem,

é característica fundamental da autoria, visto que é na interação que o sujeito se constitui

como um ser de linguagem e, portanto, como um ser de interação, como um ser que se

constitui autor de seu próprio texto.

O sentido se constrói no encontro e no confronto, na consonância e na dissonância entre as vozes que se manifestam no ato dialógico. E o acesso a esse sentido requer considerarmos os enunciados dos sujeitos e as contrapalavras que tais enunciados suscitam em outros sujeitos. O sujeito é um ser de resposta (ARAÚJO, 2009, p. 2).

Ao concebermos o conceito de autoria a partir, principalmente, das concepções de

Bakhtin (2003), sob a ótica do enunciado enquanto realidade concreta, viva, em seu uso real,

portanto, dialógica, e que o mesmo (enunciado) não existe fora das relações dialógicas,

estamos evidenciando, portanto, que o enunciado participa de um diálogo com outros

discursos, ou seja, o sujeito, ao produzir discurso, ele emite enunciados a partir de apropriação

e/ou reestruturação de vozes alheias.

2.3.2 Autoria: o que dizem as pesquisas

No que se refere especificamente à questão da autoria, pesquisas têm mostrado que

essa temática tem estado, nos últimos anos, em pauta nas diversas abordagens que

contemplam o trabalho com produção textual escrita em ambiente escolar. A consulta a

determinadas obras para efeito de conhecimento mais detalhado acerca da autoria tem

evidenciado que essa temática tem sido de grande relevância para o ensino-aprendizagem da

28

 

língua materna, uma vez que a mesma (a autoria) coloca em pauta uma questão importante no

trabalho com o discurso, qual seja a busca em compreender a relação do sujeito-escritor com a

linguagem.

Dentre muitas pesquisas analisadas durante o processo de construção da presente

pesquisa, destacamos algumas com as quais dialogaremos no sentido de trazer subsídios para

a justificativa de nosso trabalho e, consequentemente, para nossas reflexões. Abordaremos,

principalmente, aquelas pesquisas que se aproximam da relação entre autoria e sala de aula.

Entre esses trabalhos, encontramos em Possenti (2002) uma discussão acerca das

produções escolares. Ele coloca em evidência a noção de que a produção de textos, em geral,

tem sido entendida apenas no campo da forma, em que o que mais interessava era o quê do

texto, ou seja, o conteúdo desse texto, tornando-se assim a autoria uma questão sem

relevância no trabalho de produção textual.

Possenti (2002) afirma que ser autor requer um domínio de escrita além do domínio de

elementos gramaticais, “as verdadeiras marcas de autoria são da ordem do discurso, não do

texto ou da gramática” (POSSENTI, 2002, p. 7). Para ele, autoria se constitui como um

indício de dar voz a outros enunciados, mantendo distância em relação a seu próprio texto, no

qual vai inserir suas marcas de autoria.

Diz ainda Possenti (2002) que a autoria, apesar de não ser um conceito ainda bem

definido, constitui uma noção de grande importância para a realização de práticas discursivas

em sala de aula. Ao adotar a análise de textos escolares para discutir a noção de autoria,

Possenti (2002, p. 4) postula que “um texto só pode ser avaliado em termos discursivos”.

Sendo assim, ele argumenta que a problemática da subjetividade e o seu enquadramento em

um dado contexto histórico determinam a qualidade de um texto, contribuindo para que o

professor tenha as possibilidades de avaliar os textos dos alunos, não apenas nos planos

relativos à coerência e à coesão textuais, mas também avaliar o discurso como produtor de

sentido, permitindo a interpretação de sua singularidade e de seu posicionamento.

Tentando resumir seu pensamento, ao tratar da autoria nos discursos, achamos

relevante considerar sua concordância com Bakhtin quando afirma que “um dos índicios de

autoria é [...] como dar voz aos outros” (POSSENTI, 2002, p. 11). Ou seja, para Possenti

(2002), os indícios de autoria são constituídos a partir dos recursos da língua em conjunto

com o agenciamento desses recursos a partir de condicionantes históricos.

Dialogando com mais autores que se propuseram analisar a questão da autoria em

produções escolares, encontramos em Ribeiro (2006) a noção de autoria a partir de

pressupostos que evidenciam que para se constituir autor o sujeito tem que manter um

29

 

trabalho de empreendimento discursivo. Em outras palavras, o sujeito precisa agenciar os

recursos expressivos a partir de uma atividade de construção realizada pelo enunciador.

Para Ribeiro, a noção de autoria é contemplada no domínio da atividade discursiva

dentro de um certo gênero. “O autor se constitui na medida em que faz incursões sobre seu

texto - oral ou escrito -, em função de uma proposta de encaminhamento de sentidos em

relação ao outro” (RIBEIRO, 2006, p. 83-84).

Ao analisar três recortes produzidos em ambiente acadêmico, a partir de três gêneros

discursivos, a saber, aula, seminário e reunião, Ribeiro (2006) adota como conceito de autoria

a noção de que esta “é uma atividade do sujeito em relação ao seu discurso. [...] a partir de um

projeto e de uma maneira específica” (RIBEIRO, 2006, p. 91-92).

Ribeiro (2006) mostra que seu conceito de autoria perpassa a noção de uma atividade

praticada por um sujeito dentro de um dado gênero discursivo para assumir um ponto de vista

e evidenciar o seu querer-dizer.

Fazendo uma relação com a presente pesquisa, na qual o corpus é constituído de

narrativas produzidas em ambiente escolar, encontramos algumas pesquisas realizadas

tomando também, como empirias, narrativas acadêmicas. É com Gomes (2009) que

dialogamos a partir de análises de textos narrativos.

Sua concepção de autoria remete às concepções explicitadas anteriormente, ou seja,

percebemos de forma bem sucinta que Gomes (2009) adota a mesma noção de autoria adotada

por Ribeiro (2006), a de que “o texto como produto de uma atividade discursiva de um sujeito

que, em determinado momento, tendo em vista um interlocutor, assume a palavra para dizer

da melhor maneira possível, algo significativo” (GOMES, 2009, p. 69). Resumindo, para ela,

autorar depende de uma atividade discursiva para assumir um posicionamento a partir de um

determinado modo particular que escolheu para dizer.

Ainda caminhando em pesquisas que analisam situações pedagógicas que contemplam

o trabalho de produção de texto em busca da inserção da autoria, tomamos conhecimento de

um trabalho desenvolvido por Assolini (2008) acerca da temática da autoria. Ao tratar de

autoria em produções escolares, a autora evidencia em sua pesquisa a importância dos alunos

perceberem e ocuparem diferentes lugares de interpretação, bem como o caminhar por esses

lugares para serem capazes de interpretar adequadamente os enunciados proferidos por outros

para, dessa forma, serem capazes de produzir textos criativos e autorais. Ela alega que é a

partir da maneira como a interpretação é administrada pelo produtor de texto no ambiente

escolar que a autoria é afetada.

30

 

Em sua pesquisa, na qual analisava textos dos gêneros discursivos diário de campo,

aulas, propostas de produção escrita dos livros didáticos e produções escritas de alunos, a

autora, após realizar os recortes de todo esse material, concluiu que os professores nem

sempre estabelecem uma situação de diálogo com os alunos, visto que, na maioria das vezes,

suas propostas de atividades de produções escritas partem somente de reproduções das

propostas dos livros didáticos, o que impede o conhecimento, por parte dos professores, de

reconhecerem e considerarem os saberes discursivos dos alunos sobre o tema da produção.

Sendo assim, a autora constata que o discurso pedagógico escolar tradicional adotado

pelos professores em nada contribui para a instauração da autoria, visto que esses

procedimentos de ensino não favorecem a construção de redes de formações discursivas por

parte dos alunos.

Assolini (2008) argumenta que é devido a essas condições de produção que é vetada a

posição-intérprete que os alunos poderiam desenvolver no trabalho com a produção de textos,

o que permitiria a estes “o direito de posicionarem-se como sujeitos capazes de arriscar a

atribuir e construir sentidos, discordar daqueles já produzidos e legitimados, bem como

migrar para outras formações discursivas” (ASSOLINI, 2008, p. 83-84).

Entendemos, portanto, que na visão de Assolini (2008), autoria pressupõe, por parte do

produtor de texto, adquirir uma posição de intérprete dos discursos dos outros para, assim, ser

possível autorar em suas produções. Para ela, as condições de produção de texto a partir de

um trabalho regido pela multiplicidade de sentidos são raramente consideradas.

Somadas às pesquisas já apresentadas acima, explicitaremos agora outra pesquisa que

também trata da inserção da autoria em textos produzidos em ambiente escolar. Em Fiad

(2008) encontramos informações relevantes para nossa pesquisa acerca da autoria. Antes de

dar início a seu conceito de autoria, a autora faz uma longa revisão bibliográfica de autores

que contemplam autoria em situações de produções de textos escolares. Cita autores como

Possenti (1988, 2001, 2002), Barros (2004), Vieira (2005), Maciel (2005) e Costa Val (2006).

Só depois, a autora evidencia sua concepção de autoria. Para Fiad (2008), a constituição da

autoria se dá a partir da possibilidade de deixar marcado o estilo individual do produtor de

texto em suas produções. Ela argumenta que para que haja essa marca é essencial levar em

consideração tanto o processo de aquisição da escrita quanto o processo de ensino da escrita,

ambos estando em perfeita associação.

Notamos em sua pesquisa que seu conceito de autoria parte das concepções de autoria

adotadas pelos autores que a mesma contempla durante todo o seu processo de escrita de seu

trabalho sobre a temática da autoria e que foram aqui citados.

31

 

Outro trabalho muito instigante, no que diz respeito à temática da constituição de

sujeitos-autores de seus próprios textos, está no livro “Autoria: uma questão de pesquisa em

gêneros (além de) escolares”, um trabalho realizado por seis autores, “seis mãos” (SOUZA,

2008, p. 15), cujos autores pertencem a um grupo de pesquisa intitulado “Discurso e Práticas

Educativas”, vinculado ao eixo temático “Educação, cultura e sociedade”, do Programa de

Pós-Graduação em Educação, stricto sensu, da Universidade Regional de Blumenal (UFRB).

Na referida obra, os autores explicitam suas análises à procura de compreender a

relação do sujeito-escritor com a linguagem. Os conceitos de autoria concebidos pelos autores

desta obra partem da concordância dos conceitos de autoria defendidos por vários autores que

contemplam essa temática. Dentre os muitos, destacam-se, na obra, autores como: Bakhtin

(1997, 2004), Faraco (2003), Tfouni e Assolini (2006), Orlandi (1993, 1996, 2005) e Coracini

(1999, 2002).

Encontramos na referente obra o conceito de autoria semelhante ao conceito adotado

principalmente por Bakhtin e Faraco. Para os autores desta obra, autoria constitui um lugar

demarcado pelo posicionamento do autor. Este, entendido como aquele que se responsabiliza

pelo que diz, pois para esses autores, “o sujeito se mostra a partir das palavras que diz, pois

ela é o instrumento da consciência” (SOUZA, 2008, p. 21).

Segundo esses pesquisadores, autoria constitui um saber lidar com os diálogos

estabelecidos entre os sujeitos, pois é tomando consciência das regras do que eles chamam de

jogo dialógico que a autoria é constituída, ou seja, ser autor requer saber jogar com os

diversos diálogos existentes na sociedade, tendo em vista que só se constitui autor aquele que

consegue conduzir esses diálogos.

Para se constituir autor, seria interessante conhecer os conflitos discursivos que se desenvolvem no momento da produção textual, responsabilizar-se pelas escolhas discursivas e, portanto, ideológicas quando se utilizam palavras para produção do texto e perceber que todo discurso só se realiza na relação com outro (SOUZA, 2008, p. 44).

Ao refletir sobre as ideias discutidas nesta obra, propomo-nos afirmar que para os

autores deste livro, a escrita na escola deveria ser uma atividade com a qual o aluno refletisse

em sua escrita e inserisse nesta uma marca autoral que permitisse perceber a sua palavra como

um gesto de interpretação, ou seja, que, por meio do texto, o professor pudesse conhecer seu

aluno, sua forma de pensar, saber como o aluno conhece um determinado tema e, assim,

conhecer sua historicidade e o contexto em que este aluno está inserido. É entender autoria

32

 

como uma posição de produtor de sentido por meio do qual fosse possível encontrar uma voz

que fala, que sente, que pensa.

Ainda discutindo acerca dos estudos sobre a constituição do autor, mais

especificamente no que diz respeito à autoria em produções escritas em ambientes escolares, e

percebendo que a questão da autoria tem sido fruto de muitas discussões na academia,

traçaremos ainda alguns outros diálogos com outros autores acerca dessa temática e, dessa

forma, tentaremos contribuir ainda mais com a discussão em pauta, visando trazer

contribuições para possíveis ações a serem realizadas no espaço da sala de aula.

Recuperamos agora as palavras de Orlandi (2003, p. 43). Segundo a autora, “as

palavras falam em outras palavras. Toda palavra é sempre parte de um discurso”. Ou seja,

para constituição da autoria, é fundamental a incorporação de várias vozes, de vários

discursos, visto que ninguém consegue produzir discurso sem que antes não tenha se abarcado

de situações discursivas que contribuíram para a formação de seus dizeres. Afinal, “as

palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as

relações sociais em todos os domínios” (VOLOSHINOV/ BAKHTIN, 2004, p. 41).

Ainda nos ancorando em Orlandi (1996, p. 80.), segundo ela, “Ou seja, a autoria

pressupõe assumir posicionamentos, defender pontos de vista, adquirir um estilo2 próprio e

saber quais recursos linguísticos são mais ou menos apropriados em determinados momentos.

Estilo aqui entendido como a forma de expressão de um determinado enunciado, pois,

segundo Bakhtin (2003, p. 289), “o estilo individual do enunciado é determinado

principalmente pelo seu aspecto expressivo”.

Essa postura dupla na produção de texto, ou seja, o domínio dos processos discursivo e

textual nos permite afirmar que, como bem postula Orlandi, não basta apenas saber com quais

recursos é possível estabelecer uma coerência entre o que se quer dizer e o que, de fato, se

disse, mas saber como dizer o que se quer dizer. Assim, é imprescindível não esquecer que no

processo de autorar “o sujeito só se faz autor se o que ele produz for interpretável. Ele

inscreve sua formulação no interdiscurso3, ele historiciza seu dizer” (ORLANDI, 1996, p. 70).

Os estudos apresentados anteriormente, bem como as pesquisas aqui referenciadas,

nos apontam que é na produção escrita em sala de aula a partir dos pressupostos que postulam

                                                            2 Nossa compreensão sobre estilo próprio advém do que Bakhtin propõe em “Gêneros do discurso”, a de que o estilo depende do modo que o locutor percebe e compreende seu destinatário, e do modo que ele presume uma compreensão responsiva ativa. 3 Entendemos interdiscurso como entende Orlandi, que afirma que a interdiscursividade é mediada por nossas vivências, por nossas experiências simbólicas. O interdiscurso é esse saber que não temos controle de onde vem, mas que determina nossos dizeres e explicita nossa posição. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como significamos em determinada situação discursiva (ORLANDI, 2005, p. 31).

33

 

a questão da autoria como uma questão determinante para evidenciar um dizer no âmbito

escolar que podemos constatar que nossa pesquisa tem uma grande relevância na busca por

melhorias no trabalho da e com a linguagem em sala de aula.

Buscamos em nossa pesquisa traçar um perfil de como a linguagem é trabalhada em

ambiente escolar e a importância das teorias acerca da autoria para que esse trabalho com a

linguagem seja colocado em pauta na perspectiva de possibilitar um ato comunicativo por

meio de palavras contidas no texto dos alunos.

Apresentaremos agora nosso referencial teórico que norteia tanto nosso fazer

pedagógico como também a presente pesquisa, tendo em vista que o conhecimento deste

referencial permitirá compreender nossos posicionamentos acerca do trabalho com a produção

escrita em ambiente escolar, bem como compreender também como se desencadearão nossas

análises e como acontece nosso fazer pedagógico.

34

 

Capítulo III

LINGUAGEM E VOZES SOCIAIS: MODOS DIALÓGICOS DE ENUNCIAR UM DIZER

 

Na relação criadora com a língua não existem palavras sem voz, palavras de ninguém. Em cada palavra há vozes às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais (as vozes dos matizes lexicais, dos estilos etc.), quase imperceptíveis, e vozes próximas, que soam concomitantemente.

Bakhtin

35

 

Neste capítulo explicitaremos o referencial teórico que embasa a presente pesquisa.

Adotamos como principais suportes teóricos as ideias bakhtinianas acerca dos conceitos de

linguagem e vozes sociais, estas entendidas aqui como a heteroglossia dialogizada em que a

realidade da linguagem é caracterizada; aquela vista como processo de interação humana por

meio do qual o sujeito se constitui e produz conhecimento, levando em consideração uma

situação comunicativa e um determinado contexto sócio-histórico e ideológico e com os

quais o sujeito se posiciona no mundo.

3.1 LINGUAGEM COMO ESPAÇO DE INTERAÇÃO

Ao referir-se ao ensino da língua, mais especificamente no que diz respeito ao trabalho

com textos, Geraldi (2006, p. 41) afirma que, seja no âmbito da leitura, no processo de

compreensão ou de interpretação, seja no processo de produção textual, podemos antever, a

grosso modo, três grandes afirmações que apontam para concepções de linguagem:

A linguagem é a expressão do pensamento: esta concepção ilumina,

basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal,

somos levados a afirmações – correntes – de que as pessoas que não conseguem

se expressar não pensam;

A linguagem é instrumento de comunicação: esta concepção está ligada à

teoria da comunicação e vê a língua como código (conjunto de signos que se

combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptador certa mensagem.

Em livros didáticos, esta é a concepção confessada nas instruções ao professor,

nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios

gramaticais;

A linguagem é uma forma de inter-ação: mais do que possibilitar uma

transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista

como um lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica ações

que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o falante age sobre o

ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não pré-existiam antes da

fala.

36

 

É nesta última abordagem que nossa pesquisa se ancora. Corroboramos com

Voloshinov (2004) quando este afirma que a “palavra está sempre carregada de conteúdo ou

de um sentido ideológico ou vivencial” (2004, p. 95) e, que é na interação pela linguagem que

o sujeito tanto é constituído como constitui sua enunciação, na medida em que “[...] a

enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos

seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com

o meio extraverbal e verbal (isto é, as outras enunciações)” (VOLOSHINOV, 2004, p. 125).

Nesse sentido, Geraldi (1997, p. 58), refletindo acerca do trabalho com a linguagem

em sala de aula, sugere que esse trabalho poderia, em acordo com a proposta apresentada por

Voloshinov (no Marxismo e Filosofia da Linguagem), obedecer a seguinte ordem:

1. As formas e os tipos de interação verbal têm ligação com as condições concretas em que se realiza; 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal; 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual (VOLOSHINOV, 2004, p. 124).

Diante disso, concordamos com Geraldi quando este afirma que

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados em sala de aula. (GERALDI, 2006, p. 40).

Ou seja, ao adotar uma concepção de linguagem em sala de aula, o professor precisa

ter clareza de qual sua opção em relação a uma concepção de linguagem compatível com as

orientações que pretende seguir em sala de aula para atingir seu objetivo de

ensino/aprendizagem. E, nesse processo, seria interessante atentar para o cuidado sugerido por

Geraldi (1997, p. 60) de que “não se pode ficar restrito a um dos itens da proposta

bakhtiniana, sob pena de produzirmos uma análise do discurso sem discurso, uma análise

linguística sem língua e assim por diante”.

No caso específico da língua escrita, entendemos também com Voloshinov (2004, p.

123) que “o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica

em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e

objeções potenciais, procura apoio etc.”, ou seja, essa modalidade de língua obedece aos

37

 

mesmos princípios dialógicos da linguagem como um todo.

Em outras palavras, no dizer daquele autor, o sujeito não utiliza a linguagem como

mera função da formação do pensamento, como pregava Humbold; nem somente como um

instrumento de função expressiva, como acreditavam os partidários de Vossler; e muito

menos a considera como algo pertencente exclusivamente ao falante, sem levar em

consideração o ouvinte.

A concepção dialógica sempre se direciona para alguém e vem de alguém. É como diz

Voloshinov:

[...] toda palavra comporta duas faces: ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação a outro. (VOLOSHINOV/ BAKHTIN, 2004, p. 113).

Assim, entendemos a linguagem como uma atividade indispensável à/na vida do ser

humano, não podendo ser vista como algo isolado da realidade viva e concreta do sujeito. A

linguagem em sua dimensão enunciativa é, portanto, um diálogo, que pressupõe a existência

de um sujeito que antecedeu a ele, bem como um sujeito que ainda irá suceder ao sujeito do

enunciado presente.

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. (VOLOSHINOV, 2004, p. 123).

Isto é, a linguagem tem como essência a interação verbal, esta, por sua vez, é

engendrada numa relação constitutiva com o mundo da vida, sendo assim, a linguagem

enquanto discurso constitui o ser humano como um ser de linguagem.

Por meio da linguagem é garantido um espaço de manifestação da subjetividade do

enunciador, bem como a evidência de sua posição frente aos acontecimentos da vida. Sem a

palavra, ou seja, sem a linguagem, não seria possível transmitir uma enunciação com a qual

podemos interagir e compartilhar nossos ideais, nossas experiências, nossas culturas e nossas

posições diante do que estamos percebendo e vivendo.

Ao criticar o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato, ambas as correntes que

defendiam a linguagem enquanto fenômeno linguístico de criação individualista e sistema

abstrato de formas, respectivamente, Voloshinov (2004) ressalta que a linguagem como

discurso é algo inseparável do sujeito enquanto ser histórico, social e ideológico por natureza.

38

 

A linguagem, para ele, tem uma relação intrínseca com a realidade em que o sujeito atua, não

é simplesmente uma relação entre signos, mas uma relação entre os signos e a realidade

refletida e refratada pelo sujeito que utiliza a linguagem em seu contexto histórico e social.

Ao considerar a linguagem dessa forma, ou seja, inseparável do fluxo da comunicação

verbal, a linguagem não pode ser vista como algo acabado, pronto, uma vez que está em

constante evolução, pois o sujeito se transforma, evolui, cresce e a linguagem é por ele

também transformada. Assim sendo é que, na esfera das práticas escolares, os textos

produzidos pelos alunos, ao serem entendidos como enunciados, não se podem ser separados

de sua historicidade, o que fortifica a noção de texto enquanto produção de sentido de um

sujeito social, histórico e ideológico.

É por assim pensar que concordamos com Voloshinov (2004) ao ver a linguagem

como uma atividade, um projeto sempre caminhando em busca de novas percepções de

mundo; como uma ferramenta com a qual o sujeito dialoga com quem o antecedeu e continua

esse processo de dialogia com os que estão por vir, visto que o nosso dizer é sempre a

reformulação de um dizer já-dito e um dizer que ainda irá ser dito, reformulado também. E

cabe à escola servir de agenciadora para um caminhar com a linguagem na concepção

dialógica e não simplesmente transformar a atividade de linguagem em um enigma para o

aluno, enigma que ele nunca consegue desvendar ou, quando acha que desvendou, pensa ser

essa atividade uma ferramenta apenas para aperfeiçoamento do código linguístico.

Assim sendo, é que assumir uma perspectiva de ensino da língua escrita pautada em

uma concepção de linguagem como uma prática discursiva significa trabalhar o texto como

um enunciado no sentido proposto por Bakhtin (2003). Para esse teórico, é imprescindível um

estudo da linguagem como atividade sociointeracional e somente estudando o enunciado

como unidade da comunicação socioverbal é que será possível ter, de fato, um estudo real da

língua.

É em Bakhtin (2003) que encontramos uma nova visão de estudar a realidade

linguística enquanto interação social; uma nova forma de ver a linguagem enquanto prática

social e não meramente como um sistema imanente, enquanto estrutura linguística. Pensamos

o enunciado como um princípio que possibilita entender a linguagem como um diálogo vivo

entre os sujeitos da enunciação.

Isto porque o enunciado permite que percebamos dois princípios básicos na

comunicação discursiva: a alternância dos sujeitos do discurso, na qual “a obra, como réplica

do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos outros), para sua ativa compreensão

responsiva” (BAKHTIN, 2003, p. 279); e a conclusibilidade do enunciado, princípio que nos

39

 

evidencia o momento em que podemos responder ao enunciado dito, tendo em vista que é

nesse momento que percebemos que “o falante disse (ou escreveu) tudo o que quis dizer em

dado momento ou sob dadas condições”. (BAKHTIN, 2003, p. 280). Tais princípios são

fundamentais para evidenciar o caráter dialógico da linguagem.

É assim que entendemos os textos de nossos alunos. São enunciados concretos e

repletos de dizeres, com os quais serão analisados a partir de sua existência nos gêneros

discursivos, uma vez que é por meio dos gêneros discursivos que a intenção discursiva do

falante é realizada. Como afirma Bakhtin,

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes etc. (BAKHTIN, 2003, p. 282).

É corroborando com Bakhtin (2003) que afirmamos que nossa pesquisa se constituirá

embasada em análises de enunciados, tendo em vista que como afirma Bakhtin (2003, p. 269),

“o estudo do enunciado como unidade real da comunicação discursiva permitirá compreender

de modo mais correto também a natureza das unidades da língua (enquanto sistema) – as

palavras e orações”.

Assim, entendemos os textos de nossos alunos como discurso, pois, ao analisarmos os

textos sob a ótica de enunciados estamos analisando os discursos proferidos, uma vez que o

discurso só é percebido pelo enunciado concreto, pois “o discurso sempre está fundido em

forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não

pode existir”. (BAKHTIN, 2003, p. 274).

É assim que pretendemos analisar as memórias de leituras de nossos sujeitos de

pesquisa, como enunciados capazes de nos mostrar situações típicas da comunicação

discursiva, enunciados que são determinados pelo contexto sócio-histórico em que esses

sujeitos estão inseridos. E isso só é possível quando analisamos os enunciados do ponto de

vista do discurso, do gênero discursivo em que estão enquadrados.

Mas ressaltamos que esses enunciados não surgem do nada, mas das relações entre os

sujeitos participantes da enunciação. É o que Bakhtin (2003, p. 293) nos alerta quando trata da

construção dos enunciados, para ele, “as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de

enunciações individuais alheias, mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos dessas

enunciações individuais”.

São as vozes sociais presentes em nossos dizeres.

40

 

3.2 AS VOZES SOCIAIS E A AUTORIA

Como entendemos que os enunciados proferidos são discursos que surgem nas

relações sociais, não podemos deixar de mencionar aqui a importância das vozes sociais na

construção da autoria. Corroboramos com Bakhtin (2003) quando este afirma que o discurso

individual se forma e se desenvolve a partir de uma interação assídua com os enunciados

individuais de outrem, por meio de assimilação. Essa assimilação é resultado da expressão, do

tom valorativo que as palavras carregam. E é com esse tom valorativo que os sujeitos do

discurso reelaboram e reacentuam seus dizeres.

É a concepção dialógica de linguagem que Bakhtin tanto enfatiza. “O enunciado é

pleno de totalidades dialógicas” (BAKHTIN, 2003, p. 298).

3.2.1 O discurso do outro, as vozes alheias, sua apropriação e reconfiguração

Nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são respostas explícitas ou implícitas às palavras do outro, elas só se iluminam no poderoso pano de fundo das mil vozes que nos rodeiam (TEZZA, 1988, p. 55).

Um dos elementos-chave na teoria de Voloshinov diz respeito à palavra do outro. Para

Voloshinov (2004), o diálogo, elemento constitutivo da enunciação, é a comunicação verbal

entre os sujeitos, portanto, constitui uma parte da comunicação verbal de um grupo social,

sendo assim, o sujeito, ao expressar seu enunciado, deixa marcas nítidas das características de

sua sociedade, de sua família, de seu ponto de vista, de seus valores; evidencia também suas

experiências de mundo.

Isso acontece mediante a interação social existente entre os sujeitos, a partir da

assimilação de vozes sociais, assimilação por meio das relações de força que atravessam um

discurso. São essas relações dialógicas que estabelecem a interação social, com a qual os

sujeitos se abarcam de dizeres alheios para constituírem seus discursos, se abarcam de vozes

sociais presentes nas relações dialógicas.

Encontramos em Voloshinov (2004) a concepção de que as vozes sociais são

responsáveis pela construção de nossos enunciados, tendo em vista que segundo esse autor, “a

41

 

situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por

assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (VOLOSHINOV,

2004, p. 113).

Logo, sempre que enunciamos algo fazemos isso mediante uma relação dialógica a

partir da assimilação de dizeres alheios que podem aparecer de diferentes formatos. Quais

sejam: por meio do discurso a partir do estilo linear ou por meio do estilo pictórico.

Ambos os discursos são, segundo Voloshinov (2004), duas orientações nas quais se

movem o dinamismo da interorientação entre o discurso narrativo e o discurso citado. Ou

seja, são formas de transmissão e apropriação do discurso alheio, porém, com características

diferentes. O primeiro diz respeito a uma apropriação nítida em volta do discurso do

enunciador, de modo que ambos os discursos assumam seu caráter particular, mas se

estabeleçam a partir de um dinamismo interiorizado; o segundo se caracteriza por uma

atenuação do discurso exterior. Nesse estilo, o produtor do enunciado se abarca

linguisticamente da voz do outro de maneira que há um apagamento das fronteiras de cada

discurso com o intuito de assumir o discurso do outro a partir de um toque especial do

produtor, de seu estilo próprio, de suas entoações.

Vejamos como entendemos tais fenômenos. O estilo linear corresponde à incorporação

de vozes alheias por meio de uma citação aberta, é totalmente separada do discurso citante. Já

o estilo pictórico perpassa por uma forma bem diferente de citar a voz alheia, o discurso

apresenta uma bivocalidade, pois os discursos citado e citante entram num jogo dialógico

interno, a separação não é evidenciada nitidamente.

Para Voloshinov (2004), por meio da incorporação de vozes alheias o sujeito constrói

seu discurso, tendo em vista que a linguagem é entendida a partir de relações dialógicas. Ao

tratar das formas de incorporação de vozes alheias no discurso do sujeito enunciador,

Voloshinov (2004, p. 144) afirma que “o discurso de outrem constitui mais do que o tema do

discurso; ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, ‘em

pessoa’, como uma unidade integral da construção”. Assim, encontramos em Voloshinov, em

seu escrito O discurso de outrem uma visão enunciativa e discursiva das formas de citação, ou

seja, para ele, as vozes alheias são fundamentais na construção dos enunciados, tendo em vista

que “quando passa a unidade estrutural do discurso narrativo, no qual se integra por si, a

enunciação citada passa a constituir ao mesmo tempo um tema do discurso narrativo”

(Voloshinov, 2004, p. 144).

É trabalhando com a noção de estilo que Voloshinov nos evidencia a forma utilizada

pelos sujeitos enunciadores para estabelecer as relações dialógicas existentes na elaboração

42

 

dos enunciados. Quando ele pontua os estilos linear e pictórico para teorizar acerca da

transmissão de vozes alheias presentes em nossos dizeres, ele nos fornece pistas de como essa

transmissão e apropriação de vozes alheias caracterizam o que ele atribui como estratégia de

apreensão ativa do discurso.

Segundo Bakhtin (1988), as vozes alheias não são incorporadas em nosso discurso

apenas como transmissão de informações, mas como ideologias que vamos assumindo a partir

dessa incorporação. Essa incorporação pode se dá ou pela palavra autoritária ou pela palavra

persuasiva. A primeira diz respeito à palavra que se impõe, à palavra que direta ou

indiretamente exige um reconhecimento, é o caso da palavra proferida nas esferas religiosa,

política, educacional, entre outras. Essa palavra constitui a base ideológica do comportamento

do homem, bem como a relação deste com o mundo; a segunda se caracteriza pela

assimilação a partir do entrelace entre o discurso do sujeito que está proferindo seu dizer e o

discurso alheio. Ela se constitui a partir da compreensão do sujeito que assimila a voz alheia,

que imprime sua apreciação, estabelecendo seu lugar de interpretante por meio da

responsabilidade e de uma certa distância.

Em contraposição às concepções de língua enquanto estrutura, Voloshinov (2004) nos

apresenta uma discussão coerente acerca do que sejam as vozes sociais presentes nos

discursos proferidos, pois ele nos evidencia uma noção de linguagem em que o dialogismo é

fundamental, noção esta que a gramática não nos apresenta, uma vez que quando nos fornece

informações acerca das vozes alheias, nos fornece apenas no campo da forma, da estrutura,

não enfatiza a questão do sentido que está presente na incorporação dessas vozes. Vemos isso

na maneira como a gramática discute essa questão quando cita as vozes alheias apenas

apresentando estas como discurso direto, indireto, indireto livre, sem atentar para a

importância desses discursos como sendo parte integrante da construção de novos dizeres.

A gramática se preocupa apenas em relatar o como, a forma como as vozes alheias se

estruturam no discurso, priorizando a discussão nas diferenças existentes entre as formas de

disposição dessas vozes. Enquanto Voloshinov (2004) nos apresenta essa disposição a partir

de o como, mas nos atentando para o diálogo existente entre o discurso novo e as vozes

alheias. Por isso ele deixa bem claro que

É preciso levar em conta todas essas características da situação de transmissão. Mas isso não altera em nada a essência do problema. As condições de transmissão e suas finalidades apenas contribuem para a realização daquilo que já está inscrito nas tendências da apreensão ativa, no quadro do discurso interior; ora, estas últimas só podem desenvolver-se, por sua vez, dentro dos limites das formas existentes numa língua para transmitir o discurso (VOLOSHINOV/ BAKHTIN, 2004, p. 146-147).

43

 

Outra informação bem pertinente acerca da incorporação de discurso de outrem

apresentada por este teórico é a questão da importância de uma terceira pessoa nesse jogo

dialógico. Segundo Voloshinov (2004, p. 146), “ela (a terceira pessoa) reforça a influência das

forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso”. Ou seja, a terceira pessoa

influencia, de algum modo, na forma como o enunciador vai incorporar os outros dizeres.

Entendemos, ao tratarmos das produções escritas, que elas são frutos de um constante

diálogo entre variados discursos nos quais os sujeitos vivenciaram em sua trajetória de vida.

Concordamos com Voloshinov (2004, p. 123) quando este defende a proposição que diz que

“o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande

escala”. Ou seja, adotamos a concepção de que por meio do discurso produzido pelos sujeitos

somos levados a identificar que tais discursos só se realizaram mediante uma interação com

outros dizeres.

Quando produzimos enunciados estamos evidenciando um conjunto de enunciados

proferidos anteriormente e que nos permitiram dialogar com eles com o objetivo de

adquirirmos embasamento suficiente para emitirmos nossos posicionamentos.

Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma ocorrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política etc.). (VOLOSHINOV, 2004, p. 123).

Segundo Voloshinov (2004), ao tratar do enunciado, tudo que produzimos enquanto

discurso faz parte de uma cadeia de enunciados, portanto, os textos produzidos em ambiente

escolar estão repletos de enunciados de outrem, com os quais os alunos se abarcaram para

pronunciarem seus discursos. E esses discursos estão representados a partir de construções

escolhidas pelos sujeitos mediante um estilo próprio, caracterizando a individualidade do

enunciado, mas que evidenciam um caráter dialógico da linguagem.

Abarcados num referencial teórico que adota concepções de ensino da escrita baseado

em abordagens histórico-sociais, entendemos que à escrita cabe o papel de produção de

sentidos, de conhecimento, de valores e culturas, que são expressos por meio da linguagem,

com a qual os sujeitos representam dizeres.

No constante relacionamento interativo entre os enunciadores, no processo de dialogia,

o falante endereça-se para um ouvinte, que está presente em seu dizer e de algum modo

constitui esse dizer, pois no momento em que se diz algo, o sujeito está respondendo a algo já

dito e preparando o terreno que será habitado por outro, um respondente futuro.

44

 

“A língua não é reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, ela resulta das relações

sociais que se realizam entre falantes.” (VOLOSHINOV, 2004, p. 147). Ou seja, a partir da

língua o sujeito se faz ser ativo na sociedade, ativo porque por meio da linguagem ele age no

mundo, com ela o sujeito reage às emoções, responde ao que foi dito pelo outro, questiona o

dizer do outro, interfere nas falas do outro, troca experiências com o outro, “apreende a

enunciação do outro” (VOLOSHINOV, 2004, p.147), aprecia, ou seja, toma uma atitude

valorativa, assume uma responsividade diante do outro, relaciona-se, posicionando-se diante

das posições dos outros.

A língua é um fenômeno social através do qual o sujeito se situa como ser pensante,

ideológico, histórico e social e é mediadora da consciência. Com ela o sujeito estabelece uma

relação dialógica, uma vez que a palavra orienta-se para alguém. Diante disso, entendemos a

linguagem como Bakhtin, quando este afirma que

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, 1990, p. 88).

Ao operar a língua como um sistema de enunciação, o sujeito passa a se posicionar, a

evidenciar valores sociais, a interpretar relações de poder, ativando a língua e enxergando-a

como algo vivo, algo concreto, com o qual o sujeito manifesta seu dizer de modo a se fazer

presente na sociedade em que atua, estabelecendo um vínculo histórico.

Se compreendermos a língua como um fenômeno cultural, histórico e social, conceber

o texto do aluno apenas como um objeto estruturado fonológico, sintático e lexicalmente é

negar a função social da língua; é negar a discursividade do dizer de um sujeito; é,

simplesmente, apagar as marcas de autoria representadas pelos posicionamentos, pela

reestruturação das vozes alheias presentes nos enunciados dos produtores de textos.

Com o objetivo de deixar claro como esses conceitos serão considerados na análise

deste estudo, apresentaremos, a seguir, a configuração metodológica desta pesquisa. 

45

 

Capítulo IV

METODOLOGIA

Tudo que tenho a lhes dizer vem de conversas que tive.

Theodoro Zeldin

 

46

 

4.1 DA ABORDAGEM METODOLÓGICA

No presente capítulo trataremos de evidenciar dois momentos que norteiam a

pesquisa: primeiro evidenciaremos a abordagem metodológica, apresentando o

posicionamento que irá justificar os dizeres, com os quais esclarecemos o nosso olhar para o

objeto de pesquisa.

Num outro momento, detalharemos o percurso realizado para obter o corpus da

pesquisa.

4.2 NATUREZA DA PESQUISA

Nossa pesquisa está inserida numa abordagem metodológica de natureza sócio-

histórica, uma vez que nossa preocupação está em estudar o sujeito que tem voz e vez na

sociedade em que vive e, como tal, é coparticipante do processo da pesquisa sendo, portanto,

capaz de produzir conhecimento; um sujeito que deixa marcada sua posição social, suas

ideologias, suas relações de poder, por meio da linguagem. A referida pesquisa está calcada

nos conceitos de linguagem como discurso, como instrumento de interação, de dialogismo, ou

seja, concebemos a linguagem numa abordagem dialógica e de alternância, como Bakhtin

(2003) a concebe, uma alternância de vozes, como acontecimentos entre sujeitos, por isso,

reafirmamos que nossa visão de sujeito está pautada na concepção de sujeito como ser falante,

pensante, atuante.

Com base nessas afirmativas, esclarecemos que nossa pesquisa é de caráter

interpretativista, de cunho qualitativo, visto que entendemos a construção de conhecimento a

partir de relações dialógicas entre sujeitos e, portanto, nossa intenção é compreender e

interpretar os dizeres de nossos sujeitos de pesquisa.

Para melhor esclarecer os pressupostos metodológicos que orientam nossa pesquisa,

achamos conveniente elencar aqui alguns apontamentos que caracterizam nossa pesquisa

como uma pesquisa de abordagem sócio-histórica, visto que pesquisamos nossos sujeitos

levando em consideração alguns aportes teóricos como:

a) Nossos dados, constituídos de textos produzidos em ambiente escolar, pertencentes ao

47

 

gênero discursivo memórias de leituras, são textos que nos levam a perceber a

realidade concreta em que nossos sujeitos estão inseridos. “O texto é a realidade

imediata (realidade do pensamento e das vivências) [...]. Onde não há texto, não há

objeto de pesquisa e pensamento” (BAKHTIN, 2003, p. 307);

b) Nossas questões de pesquisa contemplam questões relevantes à sociedade

contemporânea, surgem a partir de questionamentos adquiridos durante nossas

experiências, que traduzem a junção de nossos conhecimentos e os valores que damos

a eles. Nossas questões representam o compromisso que a LA assume diante da

sociedade: responder questões de interesse da sociedade. “Qualquer ciência tem

obrigação de dar um retorno à sociedade. A Linguística Aplicada dá esse retorno de

duas maneiras: através da prestação de serviços e pela pesquisa” (LEFFA, 2001, p. 6);

c) O pesquisador, sujeito fundamental na atividade de pesquisa, sujeito que, no caso

desta pesquisa, contribui com a LA no que diz respeito ao compromisso desta com as

respostas à sociedade. “Sua inserção no campo da investigação significa de fato sua

penetração numa outra realidade, para dela fazer parte, levando para esta situação tudo

aquilo que o constitui como um ser concreto em diálogo com o mundo em que vive”.

(FREITAS, 2003, p. 289);

d) Outro ponto importante da pesquisa, de caráter sócio-histórico, diz respeito aos

critérios adotados. Estes, por sua vez, devem servir como elemento norteador para que

o objeto de estudo seja pesquisado seguindo a característica principal da pesquisa. São

os critérios de pesquisa que ajudam o pesquisador a interpretar seus dados à luz da

teoria que adotou. Por isso, nossos dados serão avaliados visando à compreensão

destes a partir do que Bakhtin (2003, p. 317) entende como compreensão, ou seja,

“para a compreensão é ainda necessário, sobretudo, estabelecer limites essenciais e

precisos do enunciado. A alternância dos sujeitos do discurso”.

É dessa forma que a pesquisa em questão pretende colocar em prática o que propõe a

LA no que diz respeito ao papel da pesquisa: pesquisar para resolver um problema, e não

apenas dar uma explicação teórica sobre o problema da pesquisa.

Entendemos que a pesquisa em questão, em que o pesquisador e o pesquisado estão

em diálogo constante, ajudará a construir o conhecimento, uma vez que nossos dados serão

interpretados a partir de pressupostos teóricos que consideram o pesquisado como um sujeito

que produz texto tendo em vista seus conhecimentos adquiridos a partir de suas experiências

vivenciadas dentro e fora da escola.

48

 

4.3 DOS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

4.3.1 Caracterização da pesquisa

Os Parâmetros Curriculares Nacionais já apontam para a necessidade de uma

reformulação no ensino de Língua Portuguesa. O documento considera que o ensino de

Língua Materna deve partir essencialmente de práticas de ensino que levem em consideração

o uso da linguagem. “As práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a

conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões

da escrita”. (BRASIL, 1998, p. 18).

Diante dessa assertiva, entendemos que o trabalho com os gênero discursivo4 precisa

estar mais ativo em sala de aula, mas não entendendo este como um conjunto de propriedades

formais a serviço da língua, mas como a produção de texto a serviço de uma metodologia que

leve o aluno a produzir enunciados concretos, reais e que representam um dizer do sujeito que

profere seu posicionamento.

A escolha em analisar a autoria a partir de textos de memórias, visto que nesse gênero

discursivo predomina a narração, surgiu porque acreditamos ser a narrativa um tipo textual

que melhor se aproxima às práticas de produção escrita em ambiente escolar. Segundo

Gomes, ao tratar desse tipo textual,

A narração, por sua similaridade com atividades cotidianas de linguagem oral – contar fatos, contar piadas, contar histórias, relatar memórias – poderia parecer uma forma mais familiar de uso da linguagem escrita. (GOMES, 2009, p. 67).

Sendo assim, optamos por analisar memórias de leituras, tendo em vista que esse

gênero possibilita aos alunos uma facilidade em expressar suas histórias de vida, mais

precisamente de leitores, uma vez que temos o entendimento de que o gênero em questão

possibilita evidenciar as vozes que se dispõem a narrar os modos como a leitura e as práticas

de letramento foram e ainda são presentes nas vidas desses estudantes.

                                                            4 Compreendemos que só por meio do gênero discursivo é possível realizar um trabalho investigativo como propõe Bakhtin (2003). Para esse teórico, “todo trabalho investigativo de um material linguístico concreto [...] opera inevitavelmente com enunciados concretos relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação de onde os pesquisadores haurem os fatos linguísticos de que necessitam” (BAKHTIN, 2003, p. 264).

49

 

Esse gênero discursivo consiste no relato das experiências de leituras dos alunos ao

longo da sua vida, ou seja, é o relato de situações de leitura vivenciadas pelo autor das

memórias para registro de momentos que propiciaram o contato com as mais variadas formas

de leitura.

Levando em consideração que nossa pesquisa é de caráter qualitativo, enfatizamos

aqui que nosso intuito na pesquisa é perceber o sujeito de pesquisa como ser falante, pois os

dados coletados serão analisados a partir de pressupostos interpretativistas. Ao escolhermos as

narrativas de memórias, com as quais os alunos tinham como principal objetivo relatar o

processo de aquisição da leitura e escrita, acreditamos que favorecemos a expressão da

subjetividade, ou seja, aos alunos foram oferecidas oportunidades para evidenciarem, por

meio de suas produções, suas experiências ao longo da vida no que diz respeito à leitura e à

escrita.

4.3.2 Contextualização do corpus da pesquisa

A constituição de nosso corpus, textos produzidos por alunos de 9o ano do Ensino

Fundamental, no ano de 2007, em uma escola pública da zona norte de Natal, processou-se a

partir do desenvolvimento, na escola onde lecionávamos, de um projeto interdisciplinar

intitulado: Educação cidadã: nos caminhos da leitura e da ética. O referido projeto foi

elaborado pelas equipes pedagógica e administrativa e pelos professores. Após longos

encontros e inúmeras discussões acerca do projeto da escola, a equipe pedagógica sugeriu que

cada professor pensasse e elaborasse um miniprojeto, em sua área de conhecimento, para

articular com o projeto da escola. Assim, cada professor tinha a tarefa de elaborar um

miniprojeto que fosse complemento do projeto maior, que tivesse como referência principal o

projeto da escola.

Foi assim que elaboramos um miniprojeto intitulado: O lugar da leitura em minha

vida: lendo e aprendendo a ser cidadão. Ambos os projetos tinham como principais objetivos

incentivar os alunos a praticar a leitura e a escrita nas diversas áreas, por entendermos que

ambas são atividades de produção de sentido e de conhecimento.

O nosso projeto foi elaborado no momento em que passamos a tomar contato com

novas teorias acerca de produções textuais escritas, mais precisamente as teorias bakhtinianas

50

 

dos gêneros discursivos, tomando como aporte teórico as noções de linguagem como

discurso. O projeto durou dois bimestres e foi executado a partir das seguintes etapas:

1a Apresentação do projeto à turma;

2a Discussão com a turma sobre a execução do projeto;

3a Discussão sobre o tema do projeto e a culminância;

4a Execução do projeto:

a. Leituras de textos do gênero memórias de leituras;

b. Discussão sobre as características do gênero;

c. Produção das memórias - produção inicial;

d. Primeira correção dos textos, em sala de aula – apontamentos acerca dos ajustes

que os alunos deveriam fazer (correção oral/individual);

e. Reescrita dos textos, após orientações;

f. Segunda correção dos textos;

g. Preparação para a publicação dos textos – escolha do nome do livro e da capa,

foto para o livro, digitação, edição, data da apresentação do livro à comunidade

escolar (exposição do livro).

A ideia era que os alunos colocassem em prática a produção escrita, relatando

momentos marcantes de suas trajetórias de leitura e escrita e, assim, perceber a importância da

leitura na vida de cada sujeito. As produções foram lidas e analisadas uma a uma, passadas

por diversas etapas, dentre as quais a de revisão e reformulação, quando necessárias, a partir

de uma perspectiva discursiva, atentando, ainda, ao domínio das regras gramaticais e da

ortografia.

Durante o desenvolvimento do projeto, nós que, na época, estávamos cursando uma

pós-graduação em Língua Portuguesa: Leitura, Gramática e Produção de Texto, e adquirindo

conhecimentos mais específicos acerca das teorias bakhtinianas sobre os gêneros discursivos,

resolvemos colocar em prática conhecimentos acerca dos gêneros discursivos e a produção de

texto como instrumento fundamental no processo de ensino-aprendizagem da língua materna.

Começamos a produção escrita em sala de aula partindo de orientações de teóricos

como Bakhtin e Geraldi, ancorada a partir dos gêneros discursivos e de uma determinada

metodologia. Assim, procuramos a trabalhar a produção escrita a partir de dois grandes

pressupostos: o primeiro acenando para um trabalho com produção de texto que leva em

consideração não a língua enquanto estrutura, mas a língua como forma de enunciações

51

 

concretas (BAKHTIN, 2003, p. 265); o segundo percebendo que o trabalho com produção de

texto precisa ser visto como a produção de texto na escola e não a produção de texto para a

escola (GERALDI, 1997, p. 136), ou seja, procuramos enfatizar as mudanças que estavam

ocorrendo com o trabalho de produção de texto em sala de aula, em que não mais se concebe

o trabalho de meras reproduções alheias, mas o trabalho com produções em que os alunos têm

oportunidade de serem autores de seus próprios textos.

Os textos foram selecionados a partir dessas produções, num total de 60, sendo um dos

critérios de escolha as 10 produções que obtiveram as melhores notas, levando em

consideração que a nota máxima era seis (6,0).

Nossos sujeitos de pesquisa são alunos na faixa etária entre 13 e 15 anos, oriundos de

famílias de baixa renda, moradores de um bairro da Zona Norte de Natal. Esses alunos

trabalham com produções escritas há 2 anos, pois são nossos alunos desde o ano de 2005,

portanto, estão acostumados à rotina de produzir textos constantemente em sala de aula.

Tomando como base a proposta de Sequências Didáticas, de Schneuwly e Dolz

(2004), utilizamos, durante dois bimestres, várias oficinas acerca do gênero textual memórias.

Essas oficinas faziam parte de atividades desenvolvidas a partir de sequências didáticas, com

as quais a turma passou a conhecer ou, pelo menos, ter uma ideia de como se organizava e se

estruturava esse gênero textual.

Segundo Schneuwly e Dolz (2004, p. 97), “uma sequência didática é um conjunto de

atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral

ou escrito”. Para os autores, trabalhar a sequência didática em sala de aula é garantir uma

melhor atuação em produção de textos, por parte dos alunos, uma vez que seguindo

adequadamente os passos de cada etapa das sequências é possível perceber com mais

especificidade as características de cada gênero discursivo e, assim, poder melhor produzi-los.

Adotamos trabalhar a produção escrita a partir do trabalho com as Sequências

Didáticas (SD) porque acreditamos ser uma metodologia adequada para favorecer a

aprendizagem de um determinado gênero, pois elas (as SDs) contribuem para que os alunos

adquiram mais habilidades e competências na produção escrita. Segundo Gonçalves (2007, p.

15), os objetivos das Sequências Didáticas são:

a. Proporcionar situações efetivas de comunicação; b. Favorecer a planificação dos textos; c. Favorecer a produção/leitura/escuta de atividades diversas em relação aos gêneros em estudo e; d. Desenvolver capacidades acionais, discursivas e linguístico-discursivas.

52

 

Assim, entendemos que as Sequências Didáticas são a melhor forma de colocar em

prática a produção escrita enquanto produção de textos concretos e reais.

A escolha pela análise das produções escritas em sala de aula, sob a forma de

pequenas narrativas, surgiu porque entendemos que os gêneros discursivos narrativos são

instrumentos de maior afinidade para os alunos, visto que as narrativas estão presentes desde a

infância, seja de forma oral ou escrita. A narração é um tipo textual de fácil produção e por

meio do qual entendemos que alunos de 9o ano conseguem de forma mais criativa expressar

seus sentimentos, experiências e/ou opiniões. As memórias relatadas por meio de narrativas

facilitaram o manejo com a escrita e, aparentemente, ajudam a demonstrar uma melhor

performance em evidenciar a autoria, visto que com as narrativas os alunos expõem suas

histórias de vida.

Foi a partir desse trabalho com o gênero em questão que tentamos fazer uma

intervenção pedagógica no trabalho com produção escrita. A intenção era tentar levar os

alunos a serem, de fato, autores de seus próprios textos.

   

53

 

Capítulo V

INDÍCIOS DE AUTORIA EM 10 MEMÓRIAS DE LEITURAS DE ALUNOS(AS) DO ENSINO FUNDAMENTAL

 Figura 1- Capa do livro pesquisado

O objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante.

Bakhtin

 

54

 

5.1 CONSIDERAÇÕES PRÉ-ANÁLISES

 

As análises que vamos apresentar sobre o trabalho de produção escrita em sala de aula,

nessa pesquisa, fundamenta-se no pensamento bakhtiniano, conforme discorremos nos

capítulos anteriores. Com base no pensamento bakhtiniano, procuramos compreender as

relações dialógicas travadas entre as várias vozes materializadas nos textos, geradores dos

dados dessa pesquisa.

A perspectiva de autoria que se pretende evidenciar nesta pesquisa se relaciona com a

escrita de alguém que está no mundo, que se relaciona com outros sujeitos, estabelecendo

uma relação dialógica, na qual “o eu se esconde no outro e nos outros, quer ser apenas outro

para os outros, entrar até o fim no mundo dos outros como outro, livrar-se do fardo de eu

único (eu-para-si) no mundo”. (BAKHTIN, 2003, p. 383).

5.2 MEMÓRIAS DE LEITURAS E INDÍCIOS DE AUTORIA

A análise dos dados objetiva responder nossas questões de pesquisa apresentadas no

capítulo da Introdução. Reafirmamos que para nós os textos dos alunos não são meramente

treinos para aperfeiçoar a escrita enquanto regras gramaticais. Eles são produtos de expressão

de ideias, posicionamentos, ideologias, entre outros. Os enunciados são fontes de alimentação

da história da sociedade e da história da linguagem, ambas fundamentais para a constituição

do sujeito enquanto ser pensante, atuante e crítico.

Como já enfatizamos anteriormente, nossa pesquisa objetiva analisar textos

produzidos por alunos de 9º ano do Ensino Fundamental, visando encontrar pistas de autoria.

Pistas que nos ajudarão a compreender o processo de construção da autoria nessas produções.

Elencamos como categorias de análise a apropriação e reestruturação de vozes alheias, bem

como os posicionamentos nos dizeres dos sujeitos pesquisados.

Os dados serão analisados em dois momentos: primeiro, consideraremos os indícios de

autoria a partir da inserção de vozes alheias, com as quais o autor vai construindo seu dizer

por meio da apropriação e reestruturação dos discursos alheios, com os quais os sujeitos

travam uma intensa luta dialógica em que “todas as palavras (enunciados, produções de

55

 

discurso e literárias), além das minhas próprias, são palavras do outro” (BAKHTIN, 2003, p.

379); em seguida, investigaremos os posicionamentos, com os quais os autores vão

evidenciando suas ideologias, suas crenças, seus sentimentos.

Lembramos que pretendemos responder às seguintes perguntas:

a) Há indícios de autoria em textos produzidos por alunos em situações de sala de

aula regular?

b) Que mecanismos são utilizados pelos alunos para deixar essas marcas de autoria?

Nosso olhar para o texto do aluno será à luz de uma abordagem discursiva da

linguagem. Uma abordagem que considera “a compreensão responsiva do conjunto discursivo

como sempre de índole dialógica” (BAKHTIN, 2003, p. 332). Os enunciados serão

compreendidos como “uma unidade da comunicação discursiva, que não tem significado, mas

sentido” (BAKHTIN, 2003, p. 332). Assim, nos tornamos “participante do diálogo ainda que

seja em um nível especial (em função da tendência da interpretação e da pesquisa)”

(BAKHTIN, 2003, p. 332).

Nossa análise partirá de concepções de linguagem que veem os enunciados na

perspectiva de representação de visões de mundo, de pontos de vista, a partir da inserção de

vozes sociais, visto que tomando as produções dos alunos numa concepção dialógica da

linguagem levamos em consideração que não existem enunciados primeiros, mas enunciados

proferidos a partir de apropriação e/ou reestruturação de outros enunciados.

Olharemos os textos dos alunos sob o viés de suas formas concretas e nas condições

concretas de suas produções, percebendo suas inter-relações, bem como suas interações.

Analisaremos o “texto como reflexo subjetivo do mundo objetivo, como expressão da

consciência que reflete algo” (BAKHTIN, 2003, p. 318), entendendo o texto como “produto

de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém” (GERALDI, 1997, p. 98).

Nossa análise atém-se nos itens que escolhemos como categorias: a apropriação e

reestruturação de vozes alheias e os posicionamentos dos sujeitos pesquisados, visto que

entendemos esses elementos como indícios de autoria, corroborando com o que afirma

Bakhtin ao dizer que,

O discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas, as objeções potenciais, procura apoio, etc. (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2004, p. 123).

56

 

Olharemos os textos a partir da compreensão de que os enunciados se constituem por

meio do processo de apropriação das palavras do outro, “palavras alheias”, e não palavras da

língua enquanto estrutura. Evidentemente, isso implica um olhar interpretativo na medida em

que, conforme já nos referimos anteriormente, entendemos a linguagem como uma cadeia

enunciativa, de forma que “[...] o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o

discurso de outrem, que está presente no seu” (FIORIN, 2008, p. 19).

Objetivamos compreender como os discursos de outrem são ideologicamente

incorporados nos discursos de nossos sujeitos de pesquisa, ou seja, como, a partir da inserção

de outras vozes, os alunos se apropriam e reestruturam os discursos de outrem como forma de

manifestar sua autoria diante do que está produzindo e como esses sujeitos se posicionam.

A partir da inserção de vozes alheias por meio de citações diretas e/ou indiretas, de

aspas, de negações, por meio de paráfrases, pela estilização, entre outros, os alunos

constituem-se como sujeitos-autores de seus próprios textos.

A partir de agora, orientar-nos-emos para as análises propriamente ditas, centrando-

nos em uma coletânea composta pelos 10 melhores textos a partir das 10 melhores notas

atribuídas aos mesmos, retirados de uma coletânea de 60 textos, conforme explicitado em

outro momento, representando, portanto, cerca de dezoito por cento dos textos da coletânea

em questão. Os textos foram escolhidos a partir da classificação do aluno em termos de nota

recebida pela produção que, na época da produção, tinha como nota máxima seis (6,0).

No discorrer das análises trataremos nossos sujeitos de pesquisa a partir das seguintes

terminologias: A1 para autor um, A2 para autor dois e, assim, sucesivamente, até A10 para

autor dez.

Ressaltamos, no entanto, que não temos a pretensão e, portanto, não faremos aqui a

análise referente ao domínio da norma, visto que essa análise não se enquadra como objetivo

desta pesquisa.

Outro ponto que consideramos relevante evidenciarmos aqui é a justificativa de como

dividimos nossas análises. A divisão dos textos a partir de nossas categorias de análises se deu

aleatoriamente, ou seja, não definimos exatamente quais textos fariam parte do tópico da

categoria que analisa as marcas de autoria a partir da inserção de vozes alheias nem quais

textos fariam parte da categoria que analisa as marcas de autoria a partir de posicionamentos.

Entendemos que nossa escolha aleatória na divisão dos textos por categoria não seria

impecilho para o bom entendiento das análises.

57

 

5.2.1 A construção de um novo dizer a partir da apropriação e reestruturação de vozes

alheias

Segundo Voloshinov/Bakhtin (2004, p. 145), “a unidade real da língua que é realizada

na fala não é a enunciação monológica individual e isolada, mas a interação de pelo menos

duas enunciações, isto é, o diálogo”.

Entendemos que a inserção de outras vozes constitui um recurso de instauração da

autoria, visto que segundo Voloshinov,

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra. (Voloshinov, 2004, p.147).

A voz (discurso) do sujeito enunciador se constitui a partir de palavras múltiplas de

outros, com as quais o enunciador incorpora, transforma, recusa, rebate, estabelece

confrontos, faz modificações, assimila, enfim, reestrutura para, desse modo, estabelecer um

dialogismo que contribui para efetivação de um novo dizer.

Se abarcar da voz alheia pressupõe um trabalho ativo de quem cita, pois este, ao

incorporar a voz de outrem, pensa, julga, pesa e avalia o discurso do outro, o que para nós

constitui uma tarefa de quem autora. Ou seja, a partir dessa atividade o sujeito que produz

insere um posicionamento no seu dizer.

É, nesse caso, usar a “palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados”

(BAKHTIN, 2003, p. 294), mas, ao mesmo tempo, usar como “minha palavra, porque, uma

vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva

determinada, ela já está penetrada da minha expressão” (BAKHTIN, 2003, p. 294).

Portanto, ao citar o discurso de outrem, o autor tenta fazer-se entender mediante uma

confirmação ou refutação de algo, evidenciando, portanto, a relação dialógica entre os

discursos, o que comprova que o sujeito se constitui na inter-relação com o outro, visto que,

como afirma Bakhtin (2003), o outro desempenha papel fundamental na constituição do

sujeito.

Entendemos que por meio de vozes alheias marcadas e/ou não demarcadas o autor se

posiciona, evidencia seus pontos de vista, deixa claro o grau de distância e/ou adesão aos

58

 

discursos dos enunciadores citados, determinando, portanto, os lugares ocupados por eles (os

autores).

Iniciaremos nossa análise com o texto produzido por A1 (ANEXO 1), no qual

percebemos que a autora adota em seu discurso uma estratégia de incorporação da voz alheia

a partir da inserção da letra de uma música. Essa incorporação não acontece de forma

aleatória, mas a partir do conhecimento de que o trecho escolhido representa ou enfatiza o que

quer enunciar. É como se quisesse, com a citação, tornar mais válido o seu dizer.

Ela transcreve um trecho de uma música para deixar evidente seu pensamento com

relação ao gosto pela leitura que, na visão da autora, era preciso adquirir. Mas esse gosto, para

a autora, só seria possível a partir do momento em que a mesma demonstrasse ter

sensibilidade.

Fragmento do texto de A1:

No começo eu não tinha muito acesso à leitura e achava que não tinha muita importância, por isso não dava muito valor. Eu não queria enxergar, mas aprendi que tinha que observar e deixar o meu olhar sentir e penetrar em mim a sensibilidade, para poder fluir o gosto pelo belo. É preciso aprender a olhar para poder vê-las assim mesmo.

Discurso citado por A1:

Depende de nós, Quem já foi ou ainda é criança, Que acredita ou tem esperança, Que faz tudo pra o mundo melhor, Depende de nós, Que o circo esteja armado, Que o palhaço esteja engraçado, Que o riso esteja no ar, Sem que a gente precise sonhar. (Sérgio Mendes. Depende de nós. Festa da criança).

Ao analisarmos o fragmento da autora, percebemos que para deixar melhor enfática

sua afirmação, A1 escolhe o trecho de uma música que considera ideal para ratificar seu

pensamento. Ela faz uma escolha semântica para que fique evidente o que ela deveria adquirir

para se tornar uma leitora, visto que tinha clareza da importância da leitura em sua vida.

Segundo a autora, o que estava faltando para que ela adquirisse o gosto pela leitura era

a sensibilidade e adquirir isso só seria possível quando a mesma deixasse o olhar sentir, ou

seja, para a autora, era preciso sentir a leitura para poder adquirir o gosto por ela.

Quando escolhe a letra de uma música para se fazer presente em seu discurso, A1

resgata de sua memória discursos proferidos anteriormente para fortalecer seu dizer, “Toda

59

 

palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia é na relação com outros

dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória” (ORLANDI, 2003b, p. 43).

Ao exprimir sua subjetividade quando afirma que tinha que observar e deixar o meu

olhar sentir e penetrar em mim a sensibilidade, A1 dá um acabamento ao seu texto a partir de

uma estratégia de gerenciamento de vozes, uma vez que ala consegue fazer com que sua voz e

a voz alheia dialoguem entre si. A escolha pela letra da música permite tal afirmação, tendo

em vista que a música escolhida já começa com a expressão depende de nós, que remete à

compreensão de que A1 tem a convicção de que para conseguir algo, ela precisa fazer a parte

dela, ou seja, ela está ciente de que só depende dela adquirir o gosto pela leitura.

Por meio da citação de um discurso já proferido, A1 instaura sua autoria,

estabelecendo um sentido entre o que disse e o que se apropriou da palavra alheia como

palavra sua, a partir de um movimento interdiscursivo em relação a outros enunciados já-

ditos. Estabelece, portanto, uma retomada de sentido por meio da reestruturação, em que o

“repetível” foi deslocado de seu contexto original e inserido num novo contexto com um novo

sentido.

Outra estratégia usada por A1 para demarcar sua autoria é a utilização de uma figura

de linguagem, um recurso muito usado em textos literários. Vejamos o trecho: Eu não queria

enxergar, mas aprendi que tinha que observar e deixar o meu olhar sentir. (Fragmento do

texto de A1, grifo nosso).

Ao expressar que passou a enxergar a leitura como algo importante, a autora se utiliza

da expressão deixar o meu olhar sentir para evidenciar sua autoria. A escolha dessa figura de

linguagem (em negrito), a personificação, demonstra um conhecimento enciclopédico e

linguístico acerca do seu uso, portanto, um domínio discursivo, um indício de autoria.

A autora tem um certo controle com relação ao seu discurso, uma vez que sua escolha

por essa figura de linguagem evidencia seu conhecimento acerca de estratégias discursivas,

como, por exemplo, o uso da linguagem figurada. Assim, ela estiliza seu dizer para causar

uma boa impressão de seu texto, uma vez que tem conhecimento que os textos literários (é o

caso do texto em questão) costumam se abarcar de um estilo específico de linguagem.

Para Orlandi (1996), ter controle sobre o processo textual, bem como ter controle

sobre o processo discursivo constitui um indício de autoria. Sendo assim, podemos afirmar

que o texto em questão contempla marcas autorais.

Outras marcas de autoria podem ser encontradas nesse mesmo texto, quando a autora

evidencia sua gratidão pela professora que a ensinou a ler. A1 utiliza-se de outro discurso

alheio, trecho de um dos livros que leu, como recurso para colocar em destaque o que esse

60

 

despertar pela leitura causou. Segundo ela, ao ser apresentada à leitura, fato que ocorreu de

forma prazerosa e isso me fazia flutuar levemente pelas linhas do texto, sua vida tornou-se

mais alegre, pois, com esse despertar, começou a enxergar melhor a vida, tendo em vista que

proferindo ou não as palavras passou a ter certo domínio sobre elas. Dito de outro modo,

segundo a autora, para ser feliz na vida e enxergá-la melhor é preciso conhecer as palavras, é

preciso dominá-las.

Ela marca explicitamente seu gosto pela leitura no momento que escolhe a expressão

flutuar levemente pelas linhas dos textos para designar uma ação de prazer; não se contenta

apenas com o verbo “flutuar”, que já denota leveza, mas acrescenta a ele o advérbio levemente

para exprimir, de forma mais acentuada, seu prazer pela leitura. A autora não se incomoda

com a redundância flutuar levemente estabelecida em seu discurso, muito pelo contrário, a

utiliza para evidenciar que a atividade de leitura é realizada de maneira prazerosa.

Se apropriando do discurso alheio, retirado de uma obra lida de Clarice Lispector, O

primeiro beijo, A1 deixou evidente que só passou a viver a partir do aprendizado da leitura,

pois a mesma a transformou, visto que agora a leitura lhe proporciona um estado permanente

de leveza. Vejamos o seguinte fragmento: “[...] Ela fez com que despertasse em mim essa

ânsia de ler, e isso me fazia flutuar levemente pelas linhas dos textos, proferindo ou não

as palavras, mas conhecendo-as” (grifo nosso).

Discurso citado por A1: “Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da

alegria: eu não vivia, eu nadava num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.” (Clarice

Lispector. O primeiro beijo e outros contos. São Paulo: Ática, 1995).

Ainda tratando da questão da apropriação da voz alheia, passamos agora para o texto

de A3 (ANEXO 3), no qual podemos encontrar pistas de autoria nesse mesmo formato,

quando a mesma inicia seu texto tomando posse de um dizer alheio para ratificar o que pensa

a respeito da leitura.

Observemos o seguinte fragmento: “Se você é um bom leitor, ler representa um

sistema de apoio à vida sem o qual não pode passar, e nem deve. Leia diariamente”.

(Fragmento do texto de A3, grifo nosso).

Discurso citado por A3: “A leitura é boa para o coração, a alma, a saúde e o corpo”.

A3 incorpora a voz da autora de uma obra que leu por meio de uma citação aspeada em que

fica claro que o conceito de leitura adotado pela autora da obra lida tem uma relação

condizente com o que a A3 pensa acerca da leitura na vida do ser humano.

A3 cita integralmente a voz alheia, mas a reestrutura para marcar sua autoria ler

representa um sistema de apoio à vida sem o qual não pode passar, e nem deve. Essa

61

 

reestruturação acontece quando a autora copia o que já foi dito, mas o recria na tentativa de

moldar seu discurso aos/as seus/suas interlocutores/as e ao contexto em que está interagindo.

"Essas 'palavras alheias' são reelaboradas dialogicamente em 'minhas alheias palavras' com o

auxílio de outras 'palavras alheias' [...] e em seguida [nas] minhas palavras [...], já de índole

criadora" (BAKHTIN, 2003, p. 402).

Para instaurar sua autoria, A3 apropria-se do discurso da escritora Danielle Steel, uma

escritora renomada; em seguida, estabelece um rearranjo dos significados (reestrutura),

determinando um lugar para sua subjetividade, para sua singularidade, em meio à pluralidade

de vozes interiorizadas, e revela seu posicionamento acerca do que pensa sobre leitura.

Com esse recurso, coloca no mesmo plano seu discurso e o discurso de uma

autoridade, estabelecendo, portanto, que seu posicionamento é tão válido quanto o discurso

alheio citado, tendo em vista que, ao colocá-los em pé de igualdade, mas reestruturando o

discurso alheio, a autora estabelece um indício de autoria a partir de uma apreensão desse

discurso alheio estabelecendo uma tomada de posição.

Ao referir-se ao fato de que a leitura representa um sistema de apoio à vida

(reestruturação do discurso alheio) a autora deixa claro que assim como o indivíduo precisa

do coração, da alma, da mente, da saúde e do corpo para viver, o sujeito precisa da leitura

para manter-se presente no mundo, por isso ela (a leitura) representa um sistema de apoio. A

palavra sistema fica entendida aqui como um conjunto de elementos interconectados, de modo

a formar um todo organizado. Vimos, portanto, o emprego do “caráter criativamente

produtivo do autor” (BAKHTIN, 2003, p. 6), que se abarca de um termo que contempla um

significado coerente com o trecho escolhido para iniciar seu discurso, tendo em vista que o

coração, por exemplo, pertence a um dos sistemas importantes para o ser humano, que tem a

alma, a saúde e o corpo.

Assim, a autora deixa pistas de autoria a partir do que Bakhtin (2002) afirma quando

trata da apreensão do discurso de outrem, ela faz uso ideológico da palavra, ou seja, assimila o

discurso alheio definindo sua atitude ideológica em relação ao mundo.

Uma outra estratégia utilizada por A3 para continuar mantendo sua autoria, baseada na

apropriação do discurso alheio, está no trecho destacado, a seguir, no qual fica registrado a

incorporação de uma voz alheia a partir do estilo pictórico5 empregado pela autora.

                                                            5 O conceito do que vem a ser esse estilo está explicitado no Estado da Arte desta dissertação, mais precisamente na página 30.

62

 

Diz meu pai que a importância do livro além de ser uma fonte de conhecimento é uma fonte de lazer. Ele diz também que o bom leitor, além de absorver o conteúdo do livro ele tem que se tornar um personagem da leitura analisando o seu ponto de vista, compreendendo o que está sendo lido para tomar como lição de vida, pois o livro pode ser o melhor companheiro nas suas horas de solidão. (Fragmento do texto de A3, grifo nosso).

Ao se abarcar das palavras de seu pai acerca da leitura e da importância do livro na

vida das pessoas, a autora optou por se apropriar dessa voz alheia, nos moldes do estilo

pictórico. Nesse caso, A3 individualiza seu dizer, evidencia sua subjetividade, assim como

seu posicionamento acerca da importância do livro.

Ao escolher registrar o discurso de outra voz por meio desse estilo, a autora faz uso da

estratégia apontada por Volochinov/Bakhtin (2004, p. 151),

[...] a dominante do discurso é deslocada para o discurso citado; esse torna-se, por isso, mais forte e mais ativo que o contexto narrativo que o enquadra. Dessa maneira, o discurso citado é que começa a dissolver, por assim dizer, o contexto narrativo. Esse último perde a grande objetividade que lhe é normalmente inerente em relação ao discurso citado; nessas condições, o contexto narrativo começa a ser percebido – e mesmo a reconhecer-se – como subjetivo, como fala de “outra pessoa”.

Ao utilizar o estilo pictórico para evidenciar seu discurso, A3 deixa transparecer seu

ponto de vista ideológico sobre a importância do livro na vida de uma pessoa, nos permitindo

afirmar que, quando emitimos um discurso alheio de forma interiorizada, a palavra implícita

passa a ser metade nossa e metade de outrem, deixando claro que nossos dizeres nascem das

relações sociais, dos diferentes pontos de vista verbais e ideológicos.

É o que acontece também no discurso de A2 (ANEXO 2). Vejamos então o trecho:

“Ainda tenho muito a aprender sobre os livros e o poder que a leitura exerce sobre nós,

espero ter a oportunidade de desfrutar ainda mais dessa arte tão fascinante que é ler”

(Fragmento do texto de A2, grifo nosso).

Percebemos que ao se posicionar afirmando que Ainda tenho muito a aprender sobre

os livros e o poder que a leitura exerce sobre nós A2 incorpora outros dizeres, vozes sociais,

para externalizar seu valor pela leitura. Ela evidencia, portanto, que a leitura ensina muito e,

por isso, exerce poder sobre as pessoas. Fica claro nesse posicionamento de A2 que a mesma

escolhe a palavra poder para marcar sua autoria, refrata esteticamente uma voz social, ou seja,

assume uma posição socioaxiológica que poderíamos caracterizar como a de um sujeito leitor

que vê na leitura a possibilidade de desfrutar da arte tão fascinante que é ler.

63

 

O uso do verbo desfrutar, também um indício de autoria, nos evidencia que para A2

ler é como uma atividade que se faz com carinho, é aproveitar algo com prazer.

Retomando o texto de A3, percebemos que, ainda na tentativa de mostrar sua autoria,

ao concluir seu texto, produz um enunciado que nos remete à lembrança do enunciado alheio

(de seu pai), ou seja, ela mais uma vez se apropria de um discurso alheio, porém faz uma nova

reestruturação a partir de um acréscimo de um elemento novo na tentativa de modificar o

texto original, pois um livro pode ser um dos maiores companheiros de que alguém poderá

ter. Assim, podemos concluir que a adição de um elemento novo de que alguém poderá ter

foi uma tentativa de deixar registrado um indício de autoria, tendo em vista que há uma

vontade de criar um novo modo de dizer a mesma coisa, porém, de maneira diferente.

Passando para o texto de A4 (ANEXO 4), podemos encontrar passagens com indícios

de autoria em suas escolhas lexicais. No quarto parágrafo do texto, a autora relata que quando

passou de ano escolar, saindo da primeira para a segunda série, ela decolou na leitura, ou seja,

ao usar o verbo decolar ela denota um avanço significativo no desenvolvimento de suas

habilidades na leitura e ratifica essa passagem quando escolhe um discurso alheio em que há a

presença de uma expressão que condiz com o significado de seu avanço na leitura. Eis o

discurso alheio escolhido para enfatizar seu sentimento de prazer pela leitura, após ter

adquirido uma desenvoltura: “Fazer poesia era uma brincadeira gostosa e o prazer de acertar

um verso bonito trazia uma sensação ou alegria de voar em direção de uma bola e defender

um pênalti.”

Ou seja, escolhendo uma passagem em que aparece o verbo voar, a autora faz um

enquadramento de enunciados com sentidos equivalentes semanticamente, porém denotando

avanço semântico, se referindo às mesmas situações: voar, que requer, antes, a ação de

decolar, que significa, nesta situação, subir, progredir numa ação, neste caso a ação de ler,

que aos poucos foi sendo possível a partir de um constante exercício com a leitura.

No discurso alheio analisado, podemos inferir que o autor da obra lida por A4, quando

trata do fazer poesia, afirma que este fazer lhe proporcionava uma sensação agradável de

voar, uma sensação tão maravilhosa quanto a que sente um goleiro quando consegue fazer

uma boa defesa, então, podemos perceber a analogia entre voar em direção de uma bola e

defender um pênalti e decolar na leitura, ou seja, decolar para agarrar as letras de maneira que

seja possível percebê-las significativamente, decolar que pode ser entendido aqui como a

aquisição fluente na leitura.

A autora reforça isso no parágrafo seguinte ao discurso alheio, quando ela reafirma

que, por ter aprendido a ler, conseguiu avançar de série e por isso avançaria também na

64

 

leitura, tendo em vista que numa série mais avançada poderia ampliar seu repertório de

leituras.

Ainda tratando do prazer que a autora sente no seu progresso com a leitura, podemos

identificar isso numa outra passagem em que a autora se apropria de um discurso alheio,

reestrutura-o. Ao expressar e sim um prazer que devemos curtir a todo instante, como se fosse

a última coisa da nossa vida, a autora se utiliza de uma voz alheia (discurso popular) para

deixar mais nítida ainda sua força de vontade em aprender a ler e o prazer que a leitura lhe

proporciona.

Faz isso para marcar sua autoria por meio de uma incorporação de vozes alheias,

assumindo-as como suas, mas reestruturando-as, uma vez que apropria-se dessa voz alheia,

mas de forma reelaborada, evidenciando o que Bakhtin (2003) chama de consciência

monologizada, em que a palavra do outro é absorvida, é infiltrada pela assimilação desta

palavra alheia. Segundo Bakhtin (2003, p. 403), “ao monologizar-se, a consciência criadora é

completada com palavras anônimas”. Esse processo de monologização da consciência é, para

Bakhtin, muito importante, pois, essa consciência monologizada passa a assumir “um todo

único e singular em um novo diálogo” (BAKHTIN, 2003, p. 403).

Assim, esse novo formato de dizer o já dito constitui-se um indício de autoria, tendo

em vista que assume um caráter particular de dizer algo já dito de maneira nova. É, portanto,

estabelecer um diálogo, mas assumir-se como autor,

Trata-se de fazer o meio material, que atua mecanicamente sobre o indivíduo, começar a falar, isto é, descobrir nesse meio a palavra em potencial e o tom, de transformá-lo no contexto semântico do indivíduo pensante, falante e atuante (e também criador) (BAKHTIN, 2003, p. 404).

Eis o trecho: “Hoje posso dizer que ler não é uma coisa qualquer, e sim um prazer

que devemos curtir a todo instante, como se fosse a última coisa da nossa vida”

(Fragmento do texto de A4, grifo nosso).

Outro indício de autoria é evidenciado na seguinte passagem do discurso citado:

“Hoje, com muita simplicidade eu aprendi a dizer: Quem diria! Então no final das contas, o

menino Queiroz era mesmo poeta!”. Para finalizar seu texto, a autora escolhe essa passagem

em função do que esta representa para ela. A4 entende que esta passagem representa o que ela

sente por si: orgulho. Afinal, ser poeta requer um trabalho tão árduo quanto aprender a

escrever. Assim, ela demonstra que assim como o autor da obra percebeu que era poeta, ela

percebeu que é uma leitora eficiente.

65

 

Então, concluímos que ambos os discurso dialogam efetivamente, o que nos permite

afirmar que a autora tem um domínio particular em seu dizer, pois pronuncia um discurso

relacionando-o dialogicamente com outros discursos, evidencia uma reflexão acerca de sua

autoridade com sua palavra, ela tem poder sobre seu discurso e, assim, consegue estabelecer

uma relação de sentido entre o seu dizer e o dizer alheio, fazendo-nos reafirmar que por meio

do diálogo as palavras transitam e produzem sentido.

No texto de A6 (ANEXO 6), podemos constatar um trecho que nos remete a um

discurso por nós já muito conhecido: leia tudo que cair em suas mãos.

Com esse discurso alheio, a autora demarca um indício de autoria a partir de um

enquadramento da palavra interiormente persuasiva, com a qual a autora se deixa influenciar

para evidenciar que se considera leitora porque lê tudo que vê à sua frente, nos fazendo

lembrar os já ditos muito comuns no meio escolar quando o assunto é a aquisição da escrita, a

alfabetização. Sabemos que um dos discursos mais frequentes no meio escolar é que quando a

criança aprende a ler, ela passa a ser uma leitora assídua e voraz, lê tudo que vê. É o que

podemos constatar quando a autora cita fragmentos da poesia de Drummond, na tentativa de

demonstra um repertório de leitura. A6 se abarca de fragmentos de obras lidas para comprovar

suas leituras, ela utiliza trechos da poesia “E agora José?”, de Carlos Drummond de Andrade

e ilustra seu texto, comprovando que lê de tudo, “de palfletos a...”, inclusive poesia.

Outro indício de autoria presente no texto de A6 está no trecho citado: “As tarefas

diárias, jamais impediram de alguém seguir seus sonhos”. Com essa incorporação da voz

alheia A6 confirma seus agradecimentos às pessos que confiaram nela, que acreditaram que

ela seria capaz, apesar das dificuldades e tribulações da vida. Demonstra que, assim como diz

o autor Paulo Coelho, ela sabe que quando se quer algo, se consegue, desde que seja

pesistente, que confie em si mesmo, pois dessa forma nada será impecilho, é o que

constatamos na citação escolhida por A6.

E A6 retoma esse discurso a fim de introduzi-lo num novo contexto, porém, com o

objetivo de que este possa ratificar o seu dizer, deixar transparecer sua ideologia, seu ponto de

vista, enfim, se fazer ouvir.

Assim, podemos identificar esse indício de autoria a partir do que Orlandi (1998, p.

18) afirma: “[...] todo discurso nasce em outro (sua matéria-prima) e aponta para outro (seu

futuro discurso). Ao citar um trecho de um discurso alheio, a autora demonstra que

compreende o discurso alheio, uma vez que essa compreensão depende da historicidade de

vida dos sujeitos, dos conhecimentos acumulados, das leituras realizadas, da compreensão

positiva ou negativa que tem das coisas da vida.

66

 

Ainda constatamos indícios de autoria quando a autora expressa, de forma bem

particular, o enunciado aspeado “castelo de letras” para exaltar sua felicidade na aquisição da

leitura.

Eis o fragmento do texto de A6: “Só sei que o “castelo de letras” é maravilhoso, não

me arrependo de ter aprendido a ler, pelo contrário, tenho pena de quem não teve e nem tem

essa oportunidade, espero que um dia todo mundo tenha oportunidade a esse maravilhoso

universo das letras”.

A escolha pelo substantivo “castelo”, nessa expressão, denota seu conhecimento de

mundo acerca do significado de castelo: “estrutura arquitetônica de fortificação, de tipo

permanente, geralmente erguido em posição dominante no terreno”6. Ou seja, parece que,

para a autora, aprender a ler significa viver no mundo das letras, com as quais ela passaria a

ter uma estrutura intelectual forte, que seria permanente e, por isso, ela o considera

“maravilhoso”.

Quando escolhe o adjetivo maravilhoso para se referir ao “castelo”, A6 denota ter um

certo conhecimento, a partir da bagagem de leitura literária que tem, acerca de um castelo,

com o qual adejtiva como um lugar maravilhoso, pois é um lugar bonito, grande, em que

moram princesas, príncipes, rainhas, ente outros personagens da literatura, o que nos leva a

perceber que essa adjetivação não ocorreu por acaso, mas devido ao conhecimento literário

que adquiriu ao ler tudo que caía em suas mãos, como expressa em um dos discursos alheios

citados em seu texto.

Ao usar a expressão castelo de letras para se referir ao mundo da leitura, A6 coloca

em evidência o que afirma Volochinov/Bakhtin (2011, p. 6),

O individual e o subjetivo têm por trás, aqui, o social e o objetivo. O que eu conheço, vejo, quero, amo, etc. não pode ser presumido. Apenas o que todos nós falantes sabemos, vemos, amamos, reconhecemos – apenas estes pontos nos quais estamos todos unidos podem se tornar a parte presumida de um enunciado.

Assim, A6 evidencia um indício de autoria, tendo em vista que a escolha do uso dessa

expressão baseou-se no sentido que o substantivo castelo tem para ela e para seu leitor. Ela

escolhe esta expressão sabendo que haverá uma instauração comunicativa entre os

interlocutores, ou seja, ela tem pleno domínio discursivo, o que a fez escolher castelo e não

uma outra, como mansão, por exemplo, uma vez que a primeira indica um lugar de

encantamento, a segunda, não.

                                                            6 Fonte: http: <www.wikipedia.org/wiki/Castelo>. Acesso em: 22 jul. 2011.

67

 

Refletindo nesse momento no texto de A8 (ANEXO 8), podemos perceber a presença

marcante do que Bakhtin atribuiu como fundamental na constituição da autoria: o excedente

de visão. Ao fazer uma analogia, a autora evidencia, portanto, sua posição exotópica diante da

sua construção narrativa. A autora, para se constituir como tal, estabelece um excedente de

visão que a ajuda a manter uma posição mais favorável de autoria.

Discurso citado por A8: “Caminhando com os meninos, o galinho não aguentou e

desabafou: - Sou comprado em diversos materiais, sirvo apenas como objeto de decoração.

Aonde vou, me vejo em toda a parte, ninguém conversa comigo, só me acham bonito. E o

galinho começou a chorar”.

Por meio do discurso citado, a autora do texto incorpora a voz do outro ao seu texto - o

discurso narrativo. Para tanto, faz uso de um enquadramento que apresenta uma relação de

“semelhança” entre sua própria vida e a história de vida do protagonista do livro. Esse

enquadramento faz-nos perceber que por meio dessa estratégia a autora marca sua autoria a

partir da compreensão de que o contexto narrativo e o discurso citado constituem uma relação

de força para ambos os enunciados.

Com relação à obra citada, A8 afirma: “Eu gostei muito dessa história porque eu me

identifiquei muito com ela, no tempo que eu li essa história eu me sentia exatamente assim

como esse galo, sozinha e sem amigos e por isso esse livro marcou muito a minha vida”

(Fragmento do texto de A8, grifo nosso).

Percebemos que a autora justifica sua preferência pela obra afirmando que seu gosto

pelo livro em questão se deu pelo fato de se identificar com o protagonista da história do

livro. Ao fazer isso, ela se utiliza da palavra de forma expressiva, mas de uma expressão que,

segundo Bakhtin (2003), não é própria da palavra, mas uma expressão surgida por meio de

um contato entre a palavra e a realidade concreta e nas condições de uma situação real,

realizada pelo enunciado individual, porém, repleto de autoridade, que dá o tom, e com o qual

a autora se baseia e cita.

É como Bakhtin propõe quando trata do herói autobiográfico. Ele afirma que, nesse

caso, o autor “deve tornar-se outro relativamente a si mesmo, ver-se pelos olhos de outro”

(BAKHTIN, 2003, p. 13).

No fragmento destacado, podemos verificar que ao fazer referência a uma história lida

na infância, a autora se posiciona acerca de sua vida particular assumindo uma analogia entre

sua vida e a vida do protagonista da história que leu. Ao tratar dessa passagem, ela se utiliza

da citação direta; cita a voz de outrem para se revestir de vozes alheias para enunciar seu

dizer, em outras palavras, se apropria de outras vozes, mas essa apropriação se dá por meio de

68

 

estratégias que caracterizam uma apropriação que tem como elemento a sua expressão, o seu

tom valorativo que a autora assimila, reelabora e reacentua, à medida que compara seu estilo

de vida com o estilo de vida do protagonista citado.

Esse reacentuamento se dá mediante a expressão exatamente assim, um advérbio de

afirmação e um advérbio de modo, este empregado deiticamente para representar uma

situação vivida pelo personagem que a autora cita. Com essa expressão, a autora deixa pistas

de autoria que marcam a analogia entre as duas situações de vida - a sua e a do protagonista

da história lida.

Portanto, a escolha lexical não se deu aleatoriamente, mas pelo fato de a autora ter

conhecimento de que essa locução, expressada dentro de um conjunto de seu enunciado, teve

um significado expressivo que naquele contexto só o adquiriu porque correspondeu ao

objetivo expressivo desejado naquele momento. Situamos o fato no que Bakhtin (2003, p.

292) afirma: “O colorido expressivo só se obtém no enunciado”.

Ao se utilizar desse discurso citado, a autora assume uma responsividade diante do que

está interpretando, se abarca do conteúdo do discurso citado para estabelecer a réplica a partir

do comentário no discurso narrativo, estabelecendo ao mesmo tempo uma distância nítida e

estrita entre suas palavras e as palavras citadas, caracterizando, portanto, o que Bakhtin chama

de estilo linear. Com a citação, a autora demarca nitidamente seu posicionamento acerca do

porquê do gosto pelo livro, demonstrando claramente que o gosto se deu em função da

identificação com os fatos narrados na história.

Nesse momento, a autora passa a assumir uma ativa posição responsiva em relação ao

discurso do outro, ela completa seu discurso interligando-o com o do outro, compreende a fala

do outro, toma uma posição valorativa diante dessa fala e a assume como comprovação do seu

dizer. Assim, fica evidenciado o que entendemos acerca de enunciado concreto. A expressão

exatamente assim só pode ser compreendida a partir de uma situação real e concreta de

enunciação, que só pode acontecer quando o enunciado é um discurso, que, por sua vez, só

pode ser discurso quando é reconhecido como uma unidade real da comunicação.

Ao fazer essas escolhas lexicais, no produzir o texto, a autora evidenciou sua

autonomia diante de uma situação de escrita. Elaborou seu enunciado a partir de um

posicionamento, reestruturando outro dizer, reorganizando a voz alheia, comprovando que

para ser autor também se faz necessário inter-relacionar o seu dizer com o dizer do outro.

69

 

5.2.2 O posicionamento no processo do autorar

Assumir um posicionamento sobre os enunciados alheios e seus próprios enunciados

significa tornar-se um sujeito ativo, um sujeito repleto de palavras interiores que, um sujeito

que tem voz e que a explicita.

Quando tratamos mais precisamente sobre os indícios de autoria, estamos colocando

em pauta as variadas formas de estabelecer um movimento de autorar, no qual o

posicionamento assume lugar de destaque.

É no movimento em direção aos discursos dos já-ditos e em sua ressignificação,

através de posicionamentos, os mais diversos, com relação às vozes alheias, que o sujeito se

faz autor. O fato de que o discurso constrói-se a partir do outro, ao mesmo tempo que implica

na responsabilidade com o que está sendo dito, também consiste em um dos aspectos do

autorar. Isso porque, na perspectiva bakhtiniana, todo texto dialoga com outros textos, em um

movimento contínuo da cadeia enunciativa dos dizeres sociais e históricos.

A análise que vamos realizar nesse item diz respeito a buscar compreender, nos textos

produzidos pelos alunos, pistas de indícios de autoria a partir do posicionamento assumido.

Comecemos por A1 (ANEXO 1), quando esta se posiciona sobre a falta de condições

de seus pais em comprar livros Mas para mim isso não importava, a autora se utiliza logo em

seguida de uma citação direta retirada da obra lida por ela, como forma de deixar evidente seu

posicionamento.

Fragmento do texto de A1: “Meus pais não tinham condições de comprar livros. Mas

para mim isso não importava, porque eu me conformava e gostava muito de ler os livros

didáticos da escola” (grifo nosso).

Citação direta: “Tudo está certo no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto

completamente feliz.” (Cecília Meireles. Escolha o seu sonho. São Paulo: Record, 1998). A

escolha desta citação demonstra que a autora tem uma postura de aceitação de sua condição,

pois, pelo fato de não se importar com a situação financeira de sua família, o que impossibilita

a compra de livros, a autora deixa em evidência o princípio de que as pessoas precisam se

conformar com a vida que tem. Ou seja, em seu posicionamento, A1 deixa transparecer que

sua ideologia está impregnada de aceitação das dificuldades, demonstrando, assim, que ainda

não desenvolveu o senso crítico, que, apesar de estar estudando, ainda falta-lhe uma

consciência crítica diante dos fatos da vida.

70

 

No texto de A5 (ANEXO 5), percebemos que, ao se referir sobre a importância da

leitura e, ao mesmo tempo, de sua falta de compromisso com esta, A5 tenta justificar e

retificar suas atitudes enquanto não leitora quando se apropria do discurso do outro para tentar

se “desculpar” pela sua falta de interesse por algo que considera importante na vida do sujeito.

Assume um dizer baseado em concepções que adotou a partir de leituras adquiridas ao longo

de sua vida. Percebemos, por meio de seu discurso, que são as condições estabelecidas pelas

relações sociais que determinam os discursos produzidos pelos sujeitos. Eis os fragmentos:.

Citação direta: “O verdadeiro analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê”. Fragmento do

texto de A5: “Esta frase me tocou muito, porque eu já sabia ler e não lia, por isso era

comparada a um analfabeto”.

Dessa forma, percebe-se que seu discurso materializa-se a partir de uma natureza ativa

responsiva. “Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativa

responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso)” (BAKHTIN, 2003, p. 271).

Percebemos na passagem destacada que a autora tenta dar a sua opinião sobre o que pensa da

leitura a partir da aceitação de um conceito de leitura já existente na sociedade, estabelecendo,

portanto, um entrecruzamento de vozes sociais, com o qual entendemos ser um recurso

dialógico que visa estabelecer um posicionamento axiológico, evidenciando a instauração de

autoria.

Em A5, o enunciado esta frase me tocou muito só se reveste de sentido a partir de seu

enquadramento no discurso. As expressões das palavras não estão nas propriedades da própria

palavra, mas na expressão de um “eco de uma expressão individual alheia, que torna a palavra

uma espécie de representante de plenitude do enunciado do outro como posição valorativa

determinada” (BAKHTIN, 2003, p. 295). Seria impossível compreender a expressão esta

frase, por exemplo, sem que a mesma não estivesse interligada com a citação do outro.

Ao escolher iniciar sua frase com um pronome demonstrativo na posição de elemento

anafórico, a autora demonstra ter um conhecimento adequado deste recurso para retomar o

discurso alheio e assegurar que este pode estar em acordo com o que a autora quer enunciar.

Ou seja, adotando este recurso A5 mostra nitidamente a apropriação da voz alheia, mas, ao

mesmo tempo, a assimilação desta, uma vez que assume uma posição valorativa diante do que

pensa acerca da leitura, evidenciando, portanto, que seu discurso individual provém de uma

consciência social, visto que a consciência constrói-se na comunicação social.

Ao escolher um discurso que podemos chamar de voz de autoridade, A5 assume um

posicionamento baseado na apropriação da voz alheia a partir de uma relação determinada

pela força da consciência ideológica. Ou seja, deixa evidente um indício de autoria por meio

71

 

da assimilação de um conceito já estabelecido como verdadeiro pela comunidade a qual

pertence.

Em A7 (ANEXO 7), no fragmento a seguir, a autora se abarca de vozes alheias bem

presentes na esfera escolar, quando trata da questão do poder da leitura. Ela evidencia um

posicionamento acerca da leitura a partir de uma seleção de palavras com as quais demarca

seu dizer. Nessa seleção, a autora escolhe palavras a partir do “contexto da vida onde as

palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor”

(VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2011, p. 11). Emite um valor sobre a leitura a partir de valores

construídos em suas relações dialógicos com os outros que participaram de sua formação

leitora. Fragmento do texto de A7: “A leitura para mim é muito especial, pois com ela posso

está onde quiser, através da leitura sei exatamente onde estou” (grifo nosso).

É o caso da expressão em negrito no trecho destacado acima. A autora se apropria de

vozes sociais para evidenciar o que pensa acerca da leitura; essas vozes nos remetem a

discursos escolares muito presentes em nossas vidas, discursos que apontam que a leitura nos

faz viajar.

Em outra passagem do texto de A7, encontramos um indício de autoria que evidencia

um posicionamento, passível de ser interpretado a partir da escolha de um adjetivo com valor

semântico muito forte para caracterizar um livro que leu. Fragmento do texto de A7: “Agora o

livro que tem histórias verdadeiras é a Bíblia, eu aprendi muito com a Bíblia, como por

exemplo, o tamanho do amor de Deus por nós. Ele deu seu filho único para morrer por nós

na cruz do calvário” (grifo nosso)

Ao usar a palavra verdadeiras A7 torna viva a palavra; expressa, por meio desta, uma

entoação particular com a qual dialoga com outros, com os valores de uma determinada

sociedade e expressa seu ponto de vista em relação a esses valores, mais precisamente,

religiosos. E reafirma esse ponto de vista quando utiliza a expressão Ele deu seu filho único

para morrer por nós na cruz do calvário.

Ao citar uma passagem bíblica para comprovar sua afirmação de que a Bíblia é o livro

que tem histórias verdadeiras, a autora se apropria de um produto semiótico para demarcar

seu posicionamento diante dos fatos da vida. Fica evidente sua valoração pelas crenças

religiosas.

No trecho abaixo, ainda em A7, a autora do enunciado completa seu posicionamento

quando demonstra orgulho de sua ascensão escolar que, segundo ela, se deu a partir de suas

leituras. Fragmento do texto de A7: “É como você viu, nós necessitamos da leitura, sem ela

72

 

não podemos ter uma vida melhor. E hoje estou no 9o ano e no próximo ano vou para o

Ensino Médio e me orgulho disso”.

Nesse trecho, a expressão necessitamos da leitura demarca bem seu posicionamento,

sua autoria, ela tenta persuadir o leitor, manter um diálogo com o mesmo, estabelecendo uma

possível reflexão acerca da importância da leitura, e da aquisição de uma vida melhor por

meio dela.

Então, a escolha por esse verbo não foi somente aleatória, mas acima de tudo, a

expressão de um dizer. Como bem afirma Orlandi (1996), para o enunciador se constituir

autor é preciso que aquele tenha um controle e conheça os mecanismos para concretizar-se

como autor, quais sejam: domínio do processo discursivo e domínio dos processos textuais.

Ainda entendendo autoria como um posicionar-se frente aos eventos da vida, mas um

posicionamento em que o autor tece as palavras a partir dos já-ditos e com estes faz um

trabalho de reorganização, reestruturação desses já ditos de maneira que fique evidente sua

subjetividade, encontramos em A8 enunciados que partem de posicionamentos de outros

interlocutores.

O fragmento abaixo aponta, como afirmam Voloshinov (2004, p. 147), que “toda a

essência da apreensão ativa da enunciação de outrem, tudo o que pode ser ideologicamente

significativo tem sua expressão no discurso interior”. A8 incorpora em seu discurso, discursos

já então existentes no mundo da vida e os assume como seus, nos fornecendo como pistas o

enfoque que já colocamos anteriormente de que para ser autor é preciso apreender, de forma

apreciativa, a enunciação do outro. Fragmento do texto de A8: “Tem tantas pessoas no mundo

virando mendigo porque não sabe ler, e tantos jovens que têm oportunidade de estudar, mas

não dá valor. Eu quero estudar pra no futuro eu ter emprego bom, e ser alguém na vida”.

Assumir um posicionamento se apropriando do posicionamento do outro é se tornar

um sujeito ativo, um sujeito repleto de palavras interiores na medida em que os dizeres

alheios vão sendo ressignificados e reposicionados.

A8 assume um dizer do outro evidenciando o que para ela também é pertinente.

Quando exprime o que considera fundamental para ser alguém na vida eu quero estudar pra

no futuro eu ter emprego bom, ela demarca o que certamente sempre ouviu de seus familiares,

amigos e, com certeza, de seus professores, ou seja, de outras vozes sociais. Por outro lado,

esse posicionamento talvez traga implicações para a própria situação de sala de aula, na

medida em que sua produção textual será submetida ao olhar alheio, provavelmente de um

professor e, portanto, ao assumir esse posicionamento talvez abra espaço para garantir, dessa

forma, uma avaliação mais condizente com o que ele aluno/autor espera.

73

 

Podemos ilustrar com Voloshinov/Bakhtin o que achamos muito pertinente acerca

dessa estratégia de demarcação da autoria por meio dos discursos exteriores. Para ele,

[...] nas formas pelas quais a língua registra as impressões do discurso de outrem e da personalidade do locutor, os tipos de comunicação sócio-ideológica em transformação no curso da história manifestam-se com um relevo especial. (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 2004, p. 154).

Para reforçar o discurso que assumiu com relação ao que ela considera fundamental

para o ser humano, A8 deixa precisamente enfático o discurso que todos já estão acostumados

a escutar e que já virou jargão nos meios educacional, familiar e entre amigos. Fragmento do

texto de A8: “A leitura é algo fundamental na vida do ser humano, pois hoje em dia, sem

leitura ninguém tem um emprego de futuro”.

Ou seja, para se constituir autor de seu texto, A8 se utiliza de discursos das vozes

sociais, do imaginário da sociedade, para deixar bem argumentado o seu ponto de vista acerca

da leitura. Em outro trecho ela afirma,

Quando eu fui fazer a primeira série eu não tinha feito nem o pré, nem a alfabetização, então ficaria mais complicado para eu aprender a ler, mas graças a Deus que eu sempre tive facilidade de aprender as coisas mais rápido e sempre fui interessada nos meus estudos e nunca fui reprovada (Fragmento do texto de A8).

A8 deixou bem demarcada sua autoria em seu discurso quando enfatizou que nem

sempre é preciso seguir uma regra determinada por uma instituição para atingir seus objetivos

e que cada sujeito é um ser particular e, portanto, tem características próprias que o

diferenciam dos demais.

Ao escolher usar a forma verbal ficaria que está presumindo noções de hipótese,

incerteza e irrealidade, A8 deixa bem marcado que aprender a ler e a escrever não deve ser

visto como uma competência adquirida somente na condição de seguir categoricamente uma

sistematização de seriado escolar, mas, para ela, tal competência está associada ao sujeito com

uma postura de estudante que se esforça para aprender o que quer, independente de cursar

linearmente ou não o que rege o sistema brasileiro de educação.

Opinião também compartilhada por A9 (ANEXO 9), quando afirma que aprendeu a ler

com sua mãe. A escola, para ele, não foi a principal participante nesse processo de

alfabetização, mas a mãe, que sempre estava presente e incentivando-o a superar as

dificuldades. Eis os trechos em que ficam evidentes as informações:

74

 

A professora logo no primeiro dia começou a juntar sílaba, ai eu voltei a me interessar pelo assunto (Fragmento do texto de A9, grifo nosso); Mas a pessoa que me ensinou a ler foi a minha mãe, ela foi essencial no meu processo de aquisição da leitura, ela me incentivava a ler mais e mais, ela dizia: “– Vamos não para, é só juntar essa letra com outra letra que você consegue formar palavras”. (Fragmento do texto de A9, grifo nosso).

A escolha por começar essa afirmativa com a conjunção adversativa mas demarca uma

escolha para se contrapor ao que era esperado por todos, que ele tivesse sido alfabetizado pela

escola, tendo em vista que isso é regra geral e que no parágrafo anterior A9 parece atentar

para esse discurso. Essa conjunção demonstra, portanto, que para A9 aprender a ler requer um

esforço pessoal e ajuda de pessoas que nem sempre são os professores da escola, ou seja, a

instituição, de forma geral.

Quando usa o adjetivo essencial para caracterizar o papel da mãe nesse processo de

alfabetização, A9 faz escolha por uma palavra que representa quem realmente contribuiu

nessa sua trajetória de aquisição da leitura e reforça isso se utilizando da fala que a mãe

sempre dizia quando estava ajudando ele a aprender a ler. A9 faz questão de colocar

explicitamente a fala da mãe, pois tem interesse em mostrar que foi justamente o incentivo da

mãe que ajudou A9 a conseguir ler.

Ao escolher se utilizar do estilo linear para relatar como agia a mãe quando o ensinava

a ler, A9 se utiliza de uma estratégia de autoria, o discurso citado, que segundo

Volochinov/Bakhtin “[...] destaca-se sobre um fundo perceptivo que pertence metade ao autor

e metade ao herói” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 2004, p. 166). Vejamos o trecho (citação

direta): “- Vamos filho, não para, é só juntar essa letra com outra letra que você consegue

formar palavras.”

Assim, ele marca explicitamente a participação da mãe em sua alfabetização.

Demonstra que quando tem alguém para ajudar a alcançar os objetivos desejados, que nesse

caso é aprender a ler, a escola é apenas mais uma nesse processo de aquisição da leitura.

Um outro modo de evidenciar autoria podemos encontrar nas memórias de A10

(ANEXO 10). Este escolhe uma maneira diferente, comparada às outras memórias, de relatar

sua trajetória de leituras. Ao produzir seu texto, A10 evidencia uma preocupação constante

em deixar registrado que realmente gosta de ler. Quando faz a opção de escolher o adjetivo

fascinado para caracterizar seu gosto pela leitura, o autor do texto opta por fazer toda uma

demonstração de seu repertório de leituras.

75

 

Eis o trecho: “Para começar minhas memórias de leitura, quero dizer que eu sempre

fui fascinado pela leitura, ou seja, tenho o hábito de ler. Quando eu tenho um tempinho vago

eu pego um livro e começo a ler” (Fragmento do texto de A10, grifo nosso).

Percebemos que nas memórias de A10 há pouca narrativa de sua história de como

aprendeu a ler e a escrever, porém, constata-se que há muitas narrativas em que o autor

resume a história das obras lidas. É como se quisesse comprovar o tempo todo que leu muito

durante sua vida.

Para justificar esse fascínio pela leitura, o autor faz questão de citar algumas obras que

leu, os autores destas obras, o gênero a que elas pertencem e conclui produzindo a sinopse de

cada obra.

O mais interessante é que ao produzir as sinopses, o autor estiliza esse gênero

atribuindo a ele uma característica que costuma aparecer em outro gênero textual: a fábula.

Sabemos que são as fábulas que costumam terminar com uma moral, porém, podemos

comprovar que A10 incorpora uma característica própria da fábula – a moral da história – e a

incorpora em seu texto, logo após suas sinopses.

Se utilizando desse formato diferente de produzir suas memórias, A10 nos remete ao

que Bakhtin em O problema do texto na Linguística, na Filologia e em outras ciências

humanas (2003) nos informa acerca dos possíveis tipos, modalidades e formas de autoria.

Ao tratar da autoria, Bakhtin afirma que “todo texto tem um sujeito, um autor” (p.

308), e realça ainda:

Aqui, manifestam-se em toda parte tipos especiais de autores, inventores de exemplos, experimentadores com sua peculiar responsabilidade autoral (aqui existe também um segundo sujeito: quem poderia dizer desta maneira) (BAKHTIN, 2003, p. 308).

É com essa peculiaridade autoral que A10 evidencia sua autoria. Ele se utiliza de uma

característica própria do gênero fábula – a moral da história – para marcar seu

posicionamento, uma vez que é justamente nesse momento que deixa nítido o que pensa da

temática da obra lida. Ou seja, nos parágrafos em que intitula “A moral da história”, A10

comprova seu posicionamento por meio de verbos imperativos (em negrito), se utilizando de

sequências injuntivas para evidenciar que tem opiniões acerca do que leu, de que sua leitura

não foi uma leitura apenas para saborear o texto, mas uma leitura profunda acerca da temática

tratada, na qual precisa ter um posicionamento acerca dos eventos da vida.

Eis os trechos:

76

 

A moral da história: não devemos julgar as pessoas sem conhecê-las (Fragmento de A10, grifo nosso). A moral da história é: Temos que pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa (Fragmento de A10, grifo nosso). A moral da história: algumas novas experiências podem ser ruins, mas algumas podem ser boas, temos que nos acostumar com elas (Fragmento de A10, grifo nosso).

De maneira geral, percebemos que os alunos, por meio de seus textos, se constituem

autores a partir da relação que estabelecem entre seu discurso e o discurso do outro, ou seja,

ao introduzir sua fala o aluno sente a emergência de configurá-la sob o aspecto da

comprovação, se utilizando da fala do outro e também se posicionando frente aos

acontecimentos da vida

Assim, podemos inferir que propor a produção escrita em sala de aula, a partir de uma

proposta de produção que leve em consideração o que o aluno tem a dizer e como este aluno

diz permite que haja um trabalho significativo com a escrita, garantindo o aperfeiçoamento

desta, visto que os alunos, a cada nova situação de atividade com a linguagem, começam a

criar coragem de ousar nas palavras, passam a assumir uma postura mais autoral de escrita, se

preocupando detalhadamente com as artimanhas que a escrita pode proporcionar.

Observamos, portanto, que os alunos deixam bem evidente a necessidade de se

constituírem sujeitos autônomos, que poderão refletir sobre a sua escrita e a escrita dos outros,

elementos importantes na constituição da autoria. Na verdade, eles já fazem esse processo de

reflexão desde a hora em que começam a pensar seu estilo de escrita, suas colocações frasais,

quando escolhem a estrutura composicional do seu texto, mesmo sabendo as características de

cada gênero discursivo, pois são os alunos que decidem de que maneira vão dispor seus

posicionamentos, se direta ou indiretamente, se com vozes alheias com estilo pictórico ou

linear.

Ao fazer essas escolhas, no produzir o texto, os alunos parecem evidenciar o quanto

são autônimos diante de situações de escrita. Os mesmos elaboram enunciados que se

concretizam por meio de posicionamentos, de reestruturação de outros dizeres, da

reorganização de vozes que permeiam a interlocução existente na esfera em que esses

interlocutores ativos estão inseridos, comprovando que para ser autor também se faz

necessário inter-relacionar o seu dizer com o dizer do outro.

Não se pode negar que os alunos são autênticos quando se trata de colocar em

evidência as vozes de outros na elaboração de suas vozes, pois ao fazer isso eles revelam um

conhecimento de mundo que possibilita que sua responsividade seja colocada em ação.

77

 

Sendo assim, afirmamos, portanto, que são várias as estratégias utilizadas para um

enunciador constituir-se autor. E que compete a nós, enquanto analista de discurso,

identificar, perceber e descrever as sutilezas na constituição do autor e, à escola, enquanto

instituição responsável pela formação do cidadão, compete oferecer subsídios para essa

construção autoral. Quanto ao professor, em especial o de língua materna, compete a este a

preparação para saber lidar com as ferramentas adequadas no trabalho com a produção textual

escrita no ambiente escolar.

78

 

Capítulo VI

CONSIDERAÇÕES (LONGE DE SEREM) FINAIS

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).

Bakhtin

 

79

 

Fazer parte do processo de ensino-aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental

nos fez perceber a importância de entender como ocorre a construção da autoria em produções

textuais escritas em ambiente escolar. Foram as inquietações e os questionamentos para

descobrir como ocorre o processo dessa construção autoral que nos fizeram ir além das

práticas pedagógicas, nos fizeram tomar atitudes de pesquisadora para desvendar, ou pelo

menos tentar desvendar os sentidos construídos para a realização da autoria nessas produções,

como afirma Voloshinov (2004, p.147), “é preciso fazer uma análise profunda e aguda da

palavra como signo social para compreender seu funcionamento como instrumento de

consciência.”

Por isso, ao longo da pesquisa realizada e discutida durante esta dissertação,

procuramos analisar e compreender como alunos de nono ano de Ensino Fundamental

evidenciaram em seus textos a autoria, como deixam presentes em suas produções os indícios

de autoria, com os quais conseguem deixar registradas marcas de sua subjetividade perante

seu entendimento acerca dos eventos da vida.

Para evidenciarmos nosso objeto de pesquisa, traçamos como objetivos principais da

pesquisa identificar indícios de autoria em textos produzidos por alunos em situações de sala

de aula regular e investigar que mecanismos são utilizados pelos alunos para deixar essas

marcas de autoria. Assim, a partir de análises realizadas em textos de memórias, mais

precisamente memórias de leituras, buscamos encontrar pistas que apontassem para uma

comprovação de que é possível perceber autoria em textos produzidos em ambiente escolar.

Pensando sempre em tentar responder nossas questões de pesquisa, quais sejam, saber

se há indícios de autoria em textos produzidos por alunos em situações de sala de aula regular

e que mecanismos são utilizados pelos alunos para deixarem essas marcas de autoria, levamos

em consideração uma análise de dados que partisse da concepção de que os alunos são

sujeitos históricos e sociais e, portanto, são seres que se revelam por meio da linguagem, o

que significa entendê-los como seres que se expressam e, dessa forma, corroboramos com

Bakhtin (2003, p. 395) quando este afirma que “o ser que se auto-revela não pode ser forçado

e tolhido”.

Assim, procuramos encontrar nos textos dos alunos evidências que denotassem sua

subjetividade e, a partir de um olhar investigativo de pesquisadora, procuramos exercer um

papel de uma investigadora capaz de perceber nos textos as expressões de ideias,

subjetividades, opiniões, experiências, entre outros, sabendo que para isso era preciso realizar

uma análise estabelecendo uma compreensão de dados baseada no que Bakhtin nos orienta,

uma “compreensão como visão de sentido, não uma visão fenomênica e sim uma visão de

80

 

sentido vivo da vivência na expressão, [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 396). Nesse caso, seria o

que Bakhtin (2003, p. 396) chama de “expressão como campo de encontro de duas

consciências. A configuração dialógica da compreensão”.

Ou seja, procuramos estabelecer um diálogo com os textos dos alunos de forma que

esses textos pudessem, implícita e/ou explicitamente, conversar conosco e mostrar-nos que

são frutos de expressões que denotam compreensão. Nosso diálogo com os textos esclareceu-

nos que nossos dados estão repletos de dizeres próprios, mas construídos a partir de um

diálogo realizado por meio de experiências vividas e vivenciadas a partir de vozes alheias, as

quais apontam para a concepção de que os textos dos alunos são enunciados concretos, tendo

em vista que surgem a partir de uma interpretação como entende Bakhtin, a de que “toda

interpretação é o correlacionamento de dado texto com outros textos. O comentário. A índole

dialógica desse correlacionamento”. (BAKHTIN, 2003, p. 400).

Assim, assumindo um caráter de pesquisa interpretativista, buscamos analisar nossos

dados, seguindo uma metodologia de análise como propõe Bakhtin (2003, p. 398), em seu

escrito Metodologia das ciências humanas7, no qual ele expõe seu conceito de compreensão e

nos alerta para a concepção de compreensão a partir de:

1. A percepção psicofisiológica do signo físico (palavra, cor, forma espacial);

2. Seu reconhecimento (como conhecido ou desconhecido); a compreensão de seu

significado reprodutível (geral na língua);

3. A compreensão de seu significado em dado contexto (mais próximo e mais

distante);

4. A compreensão ativo-dialógica (discussão-concordância). A inserção no contexto

dialógico.

Em outras palavras, procuramos entender nossos dados partindo do pressuposto de

concepções de linguagem que contemplam os enunciados como produtos de um dizer

concreto, real, em que a palavra é entendida como um signo ideológico; reconhecendo os

textos como enunciados, representados por uma linguagem e que por trás deles está o sistema

da língua; compreendendo os textos como uma situação de comunicação, expressividade

ideológica, valorativa, a partir do entendimento destes dentro de um contexto específico de

                                                            7 Texto que na 4ª edição, feita pela editora Martins Fontes, 2003, introduzida e traduzida por Paulo Bezerra,

ganhou seu título original, uma vez que o texto fora publicado como artigo em 1974 pela revista Kontekst com o título “Para uma metodologia dos estudos literários”, preparado por V. Kojínov com anuência de Bakhtin.

81

 

produção; bem como compreendendo que os textos dos alunos são frutos de uma

compreensão de sentido baseada numa atividade de linguagem que surge por meio da

compreensão ativa de outras vozes.

Conforme pudemos observar, a partir das análises feitas nas dez memórias de leituras,

cada texto produzido assumiu um caráter autoral de forma particular, tendo em vista que

encontramos marcas de autoria a partir de mecanismos linguísticos-discursivos escolhidos a

partir da individualidade de cada sujeito. Constatamos que para se constituir autores de seus

próprios textos, os alunos optaram por assumir também uma postura de sujeitos-autores de

seus próprios textos levando em consideração que precisavam se posicionar diante dos

fenômenos da vida.

Encontramos, na grande maioria dos textos, a presença marcante de vozes alheias, seja

de forma implícita e/ou explícita. Os alunos, para construir seus dizeres, se abarcaram de

vozes alheias em formatos diversos, em estilos particulares, quais sejam, por meio do que

Bakhtin nomeia como estilo linear e estilo pictórico. Alguns tentam comprovar seus dizeres,

ou seja, evidenciar seus posicionamentos por meio de citações diretas de autores de livros,

familiares, professores, nos mostrando que suas vozes estão repletas de vozes alheias, com as

quais aprovam, refutam, analisam, julgam, refletem, entre outros.

Nesse sentido, pudemos afirmar que a autoria pode ser evidenciada por meio da

palavra semi-alheia, ou seja, quando o sujeito que a proferiu a torna sua, delineando-a com

sua intenção, seu estilo próprio, demonstrando seu domínio discursivo sobre a mesma,

acentuando com seu estilo, inserindo traços particulares no momento da reestruturação dessas

vozes alheias.

Assim, entendemos que os alunos puderam se constituir sujeitos-autores de seus

próprios textos quando deixaram marcadas, em suas produções, as vozes dos outros de forma

presentificada, reestruturada, povoada de suas intenções, mas reorganizada linguística,

estilística e discursivamente. Dessa forma, as vozes alheias não soaram como vozes realmente

alheias, mas como vozes presentes a partir de uma reestruturação discursiva do produtor,

vozes permeadas de vários dizeres em consonância com o dizer do sujeito produtor, com o

qual ele evidenciou sua ideologia presente na apropriação da voz do outro, no assumir do

outro, com traços característicos seus, sem deixar que parecesse que é a voz de outrem e não a

sua.

Essa reestruturação do discurso do outro foi evidenciada a partir de uma interação e

apreensão ativa do produtor do texto, que se apropriou do dizer do outro, reestruturando,

reorganizando este dizer. Percebemos, portanto, que os alunos indiciaram sua autoria a partir

82

 

da visão bakhtiniana de que autorar é dar um acabamento estético, estilístico e composicional

ao discurso do outro, articular as vozes sociais e tomar posicionamentos acerca da temática

em questão; é assumir ideologicamente uma postura de sujeito que sabe o que diz, e como diz,

se abarcando de uma retextualização responsável pela organização linguística e discursiva de

seu dizer.

Como afirma Voloshinov (2004, p. 150), “a língua elabora meios mais sutis e mais

versáteis para permitir ao autor infiltrar suas réplicas e seus comentários no discurso de

outrem”. Assim, a presente dissertação evidenciou como a autoria apareceu nas produções dos

alunos, se os estilos tanto linear como pictóricos apareceram nas produções e se os

posicionamentos foram evidenciados e como foram valorados.

Sendo assim, esperamos que o olhar que objetivamos nesta pesquisa tenha, de fato, se

concretizado, uma vez que temos a pretensão de contribuir para futuros estudos acerca da

produção escrita em ambiente escolar, estudos que contemplam essa temática de forma

inovadora e a partir de aspectos diferentes, porém, relevantes para uma possível intervenção

metodológica em prol de uma melhoria no ensino-aprendizagem da língua escrita em suas

variadas nuances.

Afinal, o sujeito nunca está acabado e a cada situação de produção há sempre um novo

olhar para contemplar a linguagem, há sempre a necessidade de enxergar as formas de

comunicação discursiva, o enunciado de verdade e as relações dialógicas entre esses

enunciados.

Sabemos o quanto é importante evidenciar que o ensino de língua materna precisa,

ainda, passar por uma nova metodologia que contemple uma sistemática de ensino baseada

em concepções de linguagem que vejam as produções de alunos não meramente como

reproduções de ideias alheias, mas como produtos de expressão de subjetividades. Esperamos

que essa dissertação possa auxiliar outras pesquisas relacionadas com esta temática, na busca

de respostas para a vida contemporânea.

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REFERÊNCIAS

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87

 

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88

 

ANEXOS

89

 

ANEXO 1 – TEXTO DE A1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

A1

A minha infância foi muito diferente da realidade em que vivemos hoje. Meus

pais não sabiam ler para me incentivarem a ler e isso me fazia com que eu ficasse mais

distante da leitura.

Meus pais não tinham condições de comprar livros. Mas para mim isso não

importava, porque eu me conformava e gostava muito de ler os livros didáticos da

escola.

Tudo está certo no seu lugar, cumprindo o seu

destino. E eu me sinto completamente feliz. (Cecília

Meireles. Escolha o seu sonho. São Paulo: Record,

1998).

Morávamos numa casa que só tinha um compartimeto e, às vezes, faltava comida

na mesa porque o dinheiro que o meu pai ganhava só dava para fazer umas pequenas

compras. Mas meus pais sempre foram trabalhadores, e isso para mim é o que importava,

sermos uma família himilde e trabalhadora.

E meu coração ficava completamente feliz. (Texto A

arte de ser feliz. Escolha seu sonho. São Paulo:

Record, 1998).

A primeira vez em que eu peguei um livro para ler foi na casa de minha tia, aos

nove anos de idade, uns livros de contos de fadas, de princesas e até de aventuras. Só

assim pude ter acesso à leitura, mas de forma mais integrada. Esses livros despertaram

em mim um sentimnto de praze.

No começo eu não tinha muito acesso à leitura e achava que não tinha muita

importância, por isso não dava muito valor. Eu não queria enxergar, mas aprendi que

tinha que observar e deixar o meu olhar sentir e penetrar em mim a sensibilidade,

para poder fluir o gosto para o belo. É preciso aprender a olhar para poder vê-las

assim mesmo.

90

 

 

 

 

 

Anexo 2

Depende de nós,

Quem já foi ou ainda é criança,

Que acredita ou tem esperança,

Que faz tudo pra o mundo melhor,

Depende de nós,

Que o circo esteja armado,

Que o palhaço esteja engraçado,

Que o riso esteja no ar,

Sem que a gente precise sonhar.

(Sérgio Mendes. Depende de nós. Festa da criança).

Na escola a professora Ivaneide, com quem eu estudava na primeira série,

incentivou eu e meus colegas a ler textos e principalmente comprar livros.

Mas quem me ensinou a ler foi a professora Fátima, por quem senti muito carinho

pelo modo dela ser. Hoje sou grata a ela, por ter dado essa oportunidade a mim. Ela fez

com que despertasse em mim essa ânsia de ler, e isso me fazia flutuar levemente

pelas linhas dos textos, proferindo ou não as palavras, mas conhecendo-as.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu

nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. (Clarice Lispecto. O

primeiro beijo e outros contos. São Paulo: Ática, 1995).

Nos textos que li dos livros didáticos da escola, há vários especiais, entre eles um

mais ainda, o texto A arte de ser feliz, de Cecília Meireles, ele me desperta uma realidade

muito especial, outro doi o poema Um sonho, de Ana Cristina de Lucena Fihueiredo.

Depois de conhecer melhor esses textos e de outros autores de poemas, contos,

memórias, tudo para mim servia, porque a vontade de ler era tão grande que nem eu sabia

como explicar o que eu senti, quando pegava um livro na biblioteca da escola ou da

minha prima.

Além de livros da escola, passei também a ler livros das Testemunhas de Jeová,

livros de histórias bíblicas. Li também outro livro das Testemunhas de Jeová, o que eu

mais gostei de ler, O maior homem que já viveu. Este livro fala da história de JESUS.

Assim continuou um amor eterno pela leitura, uma vontade enorme cada vez

aumentava aquela coisa em mim.

91

 

ANEXO 2 – TEXTO DE A2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

A2

Meu processo de aquisição da leitura se deu por volta dos 6 a 7 anos de idade,

antes disso gostava muito de admirar as figuras de contos de fadas já que não sabia ler.

Pedia para minha irmã mais velha ler para mim para porque ela sabia ler, eu

entendia o que se passava ali, mas não via a hora de aprender a ler para que eu mesma

pudesse decifrar aquelas letras que pareciam ser tão complicadas.

Com essa idade aprendi a ler na Escola Crescendo com Deus, que fica no bairro

das Quintas, o nome da minha professora lé era Marilene, foi com ela que eu aprendi a

ler, estudei com ela dois anos, ela era um ótima professora, eu gostava muito do seu

modo de ensinar, falar o alfabeto cantando e, com o passar do tempo vogais,

consoantes, formar sílabas, não demorei muito e eu já estava lendo. Não podia ver um

cartaz na rua que já parava pra ler, tenho muito a agradecer a professora Matilene, foi

por causa dela e de mim mesma que realizaei meu primeiro sonho como leitora, li um

livro sozinha sem pedir ajuda de ninguém, era um livro infantil, porém um belo contos

de fadas, muito conhecido, A branca de Neve e os sete Anões, era um livro grande, de

capa dura, folhas iluminadas e ilustradas, com belos desenhos, e a cada folha que

passava eu me sentia mais capaz e o amor que eu tinha ao abrir cada página daquele

livro crescia mais e mais não por ser um livro próprio para uma garota de sete anos e

sim por ser o primeiro livro da minha vida.

O tempo foi passando e eu continuava gostando das histórias de contos de fadas,

cheguei a conhecer muitas delas como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Rapunzel, A

Bela Adormecida e etc. outro livro que eu adorei foi a Bela e a Fera. Mas não era só

conto de fadas que eu gostava de ler enquanto criança, também adorava as histórias da

turma da Mônica tinha um monte delas.

Ao passar do tempo eu passei a mudar meu gosto sobre os livros e me interessei

a ler poemas, amo os poemas de Fernando Pessoa, sendo que o que mais gostei de

todos, que tive a oportunidade de ler até hoje foi o poema Intervalo . Mas não é só os

poemas de Fernando Pessoa que me fazem transpirar, também me identifico muito com

o poema de Nei Rosa Amor da minha vida,os de Olavo Bilac, Talvez sonhasse quando

92

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ainda tenho muito a aprender sobre os livro e o poder que a leitura exerce sobre

nós, espero ter a oportunidade de desfrutar ainda mais dessa arte tão fascinante que é

ler.

93

 

ANEXO 3 - TEXTO DE A3

A3

Como dizia a autora Danielle Stell: “A leitura é boa para o coração, a alma, a saúde

e o corpo”. Se você é um bom leitor, ler representa um sistema de apoio à vida sem o qual

não pode passar, e nem deve. Leia diariamente.

Aprender a ler foi bem fáci porque eu sempre gostei de aprender.

Aprendi a ler com 7 anos de idade na escola do Mario Dedine, que ficava em São

Paulo, com a professora Maria Zizí, que foi uma ótima professora e me ensinou muitas

coisas.

Diz minha mãe que eu aprendi a gostar de ler com meu pai, porque muitas vezes eu

o vi enfiado no mundo da leitura. E com base no gosto dele, despertou o meu interesse em

aprender a ler. Por isso que digo que ele foi muito importante no meu processo de

aquisição da leitura.

Ainda me lembro, quando pequena, à noite, quendo eu pedia, meu pai contava

algumas histórias para eu e meu irmão dormirmos.

Meu pai gosta muito de ler, e é por acusa dele que posso dizer que tenho acesso à

leitura, lá em casa existem muitos livros, a maioria, clássicos da literatura.

Diz meu pai que a importância do livro além de ser uma fonte de conhecimento é

uma fonte de lazer. Ele diz também que o bom leitor, além de absorver o conteúdo do livro

ele tem que se tornar um personagem da leitura analisando o seu ponto de vista,

compreendendo o que está sendo lido para tomar como lição de vida, pois o livro pode ser

o melhor companheiro nas suas horas de solidão.

Meu processo de aquisição da leitura se deu quando comecei a ler essas histórias

infantis que geralmente toda criança lê, depois passei para os gibis até aí nunca tinha lido

um livro mais avançado, mas foi aos 12 anos de idade que li o primeiro livro de romance

da autora Danielle Stell, foi quando me apaixonei pelo seu livro, com nome Um longo

caminho para casa. Conta a história de uma bela garotinha chamada Gabriela, esta menina

era muito doce e meiga, um amor de criança que sofre tanto na história, é tão comovente

que você sente que está vivenciando as cenas do livro. Esta autora consegue prender você

da primeira à última página. 

94

 

 

Até hoje não parei de ler, sempre estou lendo alguma coisa. Só não tive ainda a

curiosidade de ler livros clássicos da literatura, como Machado de Assis, José de Alencar e

vários outros autores famosos, porque as palavras são muito complicadas de entender, ou

seja, algumas até nem são usadas mais hoje em dia.

Já li muitos livros, todos com boas histórias, mas tenho que admitir não guardo o

nome dos autores e as vezes esqueço até o nome dos livros.

Uma vez li um livro literário, mas não gostei muito, or causa das palavras

complicadas, seu nome era Clara dos Anjos, do autor Lima Barreto.

Na verdade existem autores geniais que conseguem prender o leitor em seus

romances. Mas, outros romances se tornam cansativos e quem está lendo não sente prazer

em ler.

Todo romance que leio tem uma história interessante. Vou citar alguns bons livros

que eu já li e gostei muito: o diário de Laura Palmer, Love store, O romance Proibido,

Kramer versus Kramer, O pequeno príncipe, O coronel e o Lobisomem, Clara dos Anjos,

Um amor para recordar, Um longo caminho para casa, Histórias bíblicas e alguns pequenos

livros que não lembro.

Todos esses romances foram muito importantes para mim, porque aprendi muito

com eles e eles foram muito importantes em minha vida pois um livro pode ser um dos

maiores companheiros de que alguém poderá ter.

95

 

ANEXO 4 – TEXTO DE A4

 

A4

Quando eu comecei a ler, os meus pais não eram muito presentes, por que meu pai

sempre trabalhou muito, e ele não tinha muito tempo para me ajudar na escola, ele saia

muito cedo e chegava tarde, quando ele chegava cedo estava cansado, e com isso ele não

fez muita parte da minha vida escolar. Já a minha mãe, era completamente diferente, ela

passava o dia todo em casa e tinha todas as oportunidades para me ajudar, mas não era isso

que acontecia, porque ela não tinha como me ajudar, pois ela fez atá a quarta série, é

alfabetizada, sabe ler, mas não entende muito dessas coisas de escola. Mesmo assim eles

dois sempre me incentivaram muito a estudar, mesmo sem poder me ajudar, sempre me

perguntavam como foi o meu dia na escola e o que tinha acontecido.

Bem, eu comecei a estudar em uma creche que fica por trás da biblioteca pública do

Santarém, hoje esta creche é uma faculdade ou coisa parecida. Lá eu estudei um ano com a

professora chamada Elizabete, mas eu não gostava dela, porque ela era chata. Na creche os

alunos sá faziam brincar e dormir, ela não ensinava muitos coisas de gramática. Quando eu

saí de lá, fui para a escola municipal professor José do Patrocínio, onde estudei do pré-

escolar à quarta série, eu estudei com a professora Joana, ela me ensinou muito bem, eu

acho que foi por isso que eu gostei de estudar com ela. Ela me ensinou as vogais com

canções, como essa: A de amor, B de baixinho..., entre outras.

Ela também brincava com jogos educativos, a gente se divertia muito, depois que

eu fiz a minha formatura, fui para primeira série, minha professora chamava-se Conceição

Melo, ela também era legal, brincava nas horas certas, mas também sabia ser rígida quando

queria. Na primeira série aprendi a soletrar, eu gostava muito de soletrar, eu brincava de

soletrar com minhas irmãs, mas como a minha irmã mais velha fazia a terceira série, ela

sabia soletrar melhor que eu, e eu sabia mais que minhas irmãs mais novas, a gente

competia, eu já sabendo soletrar, eu ficava muito feliz e orgulhosa de mim mesma e

quando eu soletrava eu ficava muito alegre porque eu sabia que cada vez estava mais perto

do meu sonho de ler corretamente.

96

 

O que me deu uma boa ajuda também foi a minha força de vontade de pegar um

bom livro e passar um longo tempo me deliciando nas páginas dele. Eu com esse

pensamento queria muito passar de ano, e quando passei para a segunda série foi onde eu

decolei na leitura, e decolei na leitura a partir de um livro que eu tinha que se chamava:

Vergonha de ser poeta.

Naquela época eu ainda era um garoto, tinha três

saudáveis anos e uma fome de vida que incluía e

misturava tudo: saber, amar, jogar futebol e... criar

versos.

Fazer poesia era uma brincadeira gostosa e o prazer de

acertar um verso bonito trazia uma sensação ou alegria

de voar em direção de uma bola e defender um pênalti.

(CARLOS QUEIRÓS TELLES. São Paulo: Moderna,

1992).

Quando eu li esse livro, queria ler mais e mais, como eu já sabia ler, fui para a

terceira série e foi muito bom para mim porque eu ia começar outras leituras como: Os

bichos da Minha casa, A viagem pelo jardim, entre outros.

Na quarta série me aperfeiçoei na leitura e quem me ajudou foi a professora

Francisca, ela também me ensinou na terceira série.

A quinta série eu já fiz aqui na Escola Dom José Adelino Dantas, com muitos

professores e fiz a sexta, a sétima e hoje estou no 9º 1 e pretendo continuar a ser uma boa

ou até melhor leitora que sou hoje.

Hoje posso dizer que ler não é uma coisa qualquer, e sim um prazer que

devemos curtir a todo instante, como se fosse a última coisa da nossa vida.

Hoje com muita simplicidade eu aprendi a dizer:

Quem diria! Então no final das contas, o menino

Queiróz era mesmo um poeta! [...] (CARLOS

QUEIRÓS TELLES. São Paulo: Moderna, 1992).

97

 

ANEXO 5 – TEXTO DE A5 

A5

Tudo começou quando eu era bem pequenina. Eu via meus pais e meus irmãos

lerem, só que, devo confessar, dava preguiça de ler. Nas horas vagas eu tentava ler, mas

quando via aqueles livros eu desistia completamente.

O exemplo dos meus pais me ajudou. Todo os dias, antes de dormir, eles liam de

cinco a dez parágrafos, apesar de chegarem cansados do trabalho.

O verdadeiro analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê. (Mário Quintana).

Esta frase me tocou muito, porque eu já sabia ler e não lia, por isso era comparada

e um analfabeto.

Quando eu cheguei aqui em Natal, fiquei muito alegre em saber que tinha uma

biblioteca perto de onde eu iria morar, pois nunca tinha ido a uma biblioteca.

Lá o primeiro livro que eu li foi Chapeuzinho Vermelho, parece besta, mas era

muito boa, na época.

Com o passar do tempo, fui crescendo e os livros foram mudando e passando a

fazer parte da minha vida. Não eram mais histórias infantis, e sim mais sérias. Por

exemplo, livros de romance, de poemas lindos, que quando estamos apaixonados

recitamos com maior prazer, mas não é só quando estamos apaixonados não, mas quando

estamos apaixonados as palavras vêm do coração, sem ninguém chama-las, ela vêm para

dizer o que estamos sentindo, lá dentro.

Poesia, uma maneira de se expressar ou falar sozinho o que sentimos.

Mário Quintana.

É essa definição que eu tenho para poesia, uma palavra tão pequena, mas com

grande significado.

Voltando para o começo do texto, meus pais se envolveram muito no meu

processo de aquisição de leitura. Eu via painho chegar muito cansado do trabalho. Ele

tinha muita paciência em me ensinar a ler. Minha mãe trabalhando em casa, de noite,

claro que estava cansada, mas também tinha paciência de me ensinar, então eu só tenho a

agradecer a eles, e tenho muito orgulho de dizer que meus pais me ensinaram a ler.

Calminha gente, ainda não terminou. Não só foram eles que fizeram parte desse

papel tão importante, existem muitas pessoas, como os professores,alguns não, mas outros

sim, e eu agradeço a eles também.

98

 

Calminha gente, ainda não terminou. Não só foram eles que fizeram parte

desse papel tão importante, existem muitas pessoas, como os professores,alguns não,

mas outros sim, e eu agradeço a eles também.

99

 

ANEXO 6 – TEXTOS DE A6

 

 

 

A6

Minha infância não foi totalmente boa, mas no início sim, desde pequena meus pais

me incentivaram a ler, minha mãe, mesmo não tendo terminado seus estudos, sabia ler

como meu pai, sabia e adorava ler.

Meus pais foram de grande importância, apesar de meu pai não está mais comigo,

só sei que foi uma pessoa que me influenciou muito durante as primeiras leituras da minha

vida, mas minha mãe até hoje tem me influenciado muito.

Na minha casa sempre foi cheia do maravilhoso universo das letras, aprendi cedo a

ler. Na alfabetização mesmo fui incentivada pelas professoras Karla e Sheila a ler

pequenos livros como de Chapeuzinho Vermelho.

Já na 1ª série, em escola pública, decidi pegar um livro na biblioteca da escola,

demorei muito para ler a primeira história que falava sobre o sofrimento de uma

adolesceste por ter engravidado.

Aos 9 anos ganhei um livro na roda da leitura, na 3ª série, esse livro era do grande

autor “Jorge Miguel Marinho”, o livro se chama A visitação do Amor, esse livro fala do

encontro do amor de duas pessoas que se apaixonaram à primeira vista e quiseram viver

esse amor.

Nesse livro aprendi uma lição que se diz “leia tudo que cair em suas mãos”,

desde que aprendi essa lição, leio de tudo, de panfletos até... Vou deixar vocês

adivinharem, foi lendo que conheci uma grande paixão: poesia, foi assim que conheci a

minha predileta, de Carlos Drummond de Andrade, no estilo contemporâneo, entre outras.

Vou escrever alguns versos da poesia “E Agora José?”.

E agora José? A festa acabou, O povo sumiu A noite esfriou E agora José?

100

 

 

 

Só sei que o “castelo de letras” é maravilhoso, não me arrependo de ter aprendido a

ler, pelo contrário, tenho pena de quem não teve e nem tem essa oportunidade, espero que

um dia todo mundo tenha essa oportunidade a esse maravilhoso universo das letras.

Vou falar um pouco da primeira poesia que escrevi, na 5ª série, essa poesia foi um

trabalho em grupo de cinco pessoas e me escolheram para falar sobre o tema água, que foi

escolhido pela escola, então, foi assim que escrevi essa poesia. Ouro do RN

A água é nossa fonte de vida, Vida ela pode nos dá, Ela mata a sede da humanidade, E ela devemos preservar, No Rio Grande do Norte a água É ouro, diamante valioso E ninguém pode negar. Ela é o tesouro do mundo todo, E ela, devemos preservar, Orientando a cidade, nós só temos a ganhar Diminuir a poluição nos rios e bordões Que na cidade está, Pelo jeito é muito gostoso, Mas a sujeira se esconde lá. Para terminar, vou falar mais sobre algumas pessoas que me influenciaram, além

das professoras Karla e Sheila, foi outra pessoa que me ensinou o amor pela leitura, a

professora Maria Elizabeth, minha professora da 3ª série.

Agradeço a todas as pessoas que tiveram paciência de me ensinar a ler e a

compreender, a entender o que eram as vogais, consoantes. Enfim agradeço a todos os

professores e todas as professoras, que confiaram em mim e claro, me fizeram ter

confiança em mim mesma.

Como diz Paulo Coelho: “As tarefas diárias, jamais impediram de alguém seguir

seus sonhos”.

Por isso, não é bom misturar a escola com seus objetivos, acho que para aprender é

preciso querer sempre mais conhecimento, concentração, e claro, vontade de querer saber

sempre mais.

101

 

ANEXO 7 – TEXTO DE A7

A7

Olá caro leitor, vou contar para você como era a minha memória de leitura. Eu

lembro da primeira vez que fui à escola. Chegando lá eu vi a minha mãe e meu pai indo

embora, me deu um calafrio tão grande que eu comecei a imaginar que nunca mais iria vê-

los. Nesse momento comecei a chorar desesperadamente pela minha mãe, aí a professora

veio e me acalmou.

Foram passando os dias e comecei a gostar da escola. Descobri a importância da

escola. Eu estava na alfabetização. Lá conhecer as letras, fiquei muito encantada com elas,

elas tinham significado quando se juntavam, formavam sílabas e através das junções das

sílabas vinham palavras.

A primeira vez que eu escrevi sozinha foi na pré-escola, no quadro da escola. A

primeira palavra foi o meu nome, daí minha mente começou a lembrar como se escrevia o

resto do meu nome. Nessa época eu estudava no Jardim Floresta Encantada, aqui no

Santarém.

Quando descobri as letras, percebi que tinha capacidade de ler. Com o

desenvolvimento das palavras em minha mente. Comecei a ler no pré, tinha 6 anos de

idade, não lia perfeitamente, mas dava para entender um pouco quando eu lia para minha

mãe, é... acho que sim.

Minha mãe disse que eu era muito interessada em aprender a ler, eu pegava os

livros, revistas, jornais, qualquer coisa para ler, para aprender rapidamente. Quando não

sabia ler pegava um texto, era como se eu estivesse pegando um texto em Inglês, não sabia

nado do que tinha na minha frente.

Olha, querido leitor, eu aprendi a ler como todo mundo, com ajuda dos meus

professores e com ajuda do meu pai. Eu me sentava toda noite com meu pai, ele trazia

texto para melhorar a minha leitura, era muito legal, pois eu estava cada vez mais

agradecendo a meu pai por ele está me ajudando, ele me incentivava muito, era fantástico

tudo.

102

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando eu aprendi a ler perfeitamente, lia muito qualquer coisa, gostava das

histórias de conto de fadas como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Gato de botas, A Bela

e a Fera, entre outros. Agora o livro que tem o livro que tem histórias verdadeiras é a

Bíblia, eu aprendi muito com a Bíblia, como por exemplo, o tamanho do amor de Deus por

nós, Ele deu seu filho único para morrer por nós na cruz do calvário.

Os livros me ajudaram muito a conhecer as letras. A leitura para mim é muito

especial, pois com ela posso está onde quiser, através da leitura sei exatamente onde

estou. É como você viu, nós necessitamos da leitura, sem ela não podemos ter uma vida

melhor. E hoje sei ler e estou no 9º ano e no próximo ano vou para o Ensino Médio e me

orgulho disso.

103

 

ANEXO 8 – TEXTO DE A8

 

A8

Quando eu tinha seis anos e estava perto de completar 7 anos, minha mãe fez

minha matrícula no Adelino Dantas para eu fazer a primeira série.

Quando foi o primeiro dia de aula, minha mãe foi me deixar na escola, eu fiquei

com um pouco de medo, pois era meu primeiro dia de aula naquela escola, fiquei também

ansiosa pra conhecer minha professora e conhecer novas pessoas. Com o passar do tempo,

eu fui me habituando nesta escola.

Meus pais sempre foram atenciosos comigo, eles me ajudaram a aprender a ler, e

sempre me ajudaram nas tarefas de casa.

Eu estudava de manhã coma professora Conceição, que era uma pessoa muito

legal, e de tarde eu fazia aula de reforço com uma professora ótima, mas que pena que eu

não lembro o nome dela, mas foi com ela que eu aprendi a ler. Quando eu fui fazer a

primeira série eu tinha feito nem pré, nem alfabetização, então ficaria mais complicado

para eu poder aprender a ler, mas graças a Deus que eu sempre tive facilidade de aprender

as coisas mais rápido e sempre fui interessada nos meus estudos e nunca fui reprovada.

Eu nunca fui de estar lendo livros, mas um certo dia meu pai chegou do trabalho

trazendo uns livros que um cliente tinha dado a ele e foi a partir daí que comecei a ler

livros.

Um dos primeiros livros que li foi o do “Galo mais famoso do mundo”. Esse galo

era muito famoso e já tinha viajado pelo mundo inteiro e em toda a loja que passava via

galos iguais a ele, só que eram galos de gesso, de barro, louça fina e madeira. Ele não

tinha privacidade, os fotógrafos viviam atrás dele, as pessoas o achavam bonito, mas não

conversavam com ele e ele já estava saco cheio disso.

O galo se sentia sozinho, pois não tinha nenhum amigo a quem pudesse confiar,

desabafar e expressar seus sentimentos.

Certo dia ele estava passeando e duas crianças chegaram perto dele e ele ficou

muito assustado, pois as pessoas não conversavam com ele, só que essas crianças eram

diferentes, elas viram que ele estava muito triste e perguntaram o que tinha acontecido.

Ele percebeu que aquelas crianças eram de confiança e começaram a conter a vida dele.

104

 

 

 

 

 

 

 

Caminhando com os meninos, o galinho não

agüentou e desabafou: - Sou comprado em

diversos materiais, sirvo apenas como objeto

de decoração. Aonde vou, me vejo em toda a

parte, ninguém conversa comigo, só me

acham bonito. E o galinho começou a chorar.

A partir daí essas crianças começaram a ser amigas dele e ele não se sentia mais

sozinho.

Eu gostei muito dessa história porque eu me identifiquei muito com ela, no tempo

que eu li essa história eu me sentia exatamente assim como esse galo, sozinha e sem

amigos e por isso esse livro marcou muito a minha vida.

Mas não foi só essa história que eu li, já li outros livros como “Eutric, o roboz”,

ele era um robô muito inteligente, podia até saber a previsão do tempo. Essa história é

muito legal.

A leitura é algo fundamental na vida do ser humano, pois hoje em dia, sem leitura

ninguém tem um emprego de futuro.

Tem tantas pessoas no mundo virando mendigo porque não sabe ler, e tantos

jovens que têm oportunidades de estudar, mas não dá valor. Eu quero estudar para no

futuro eu ter um emprego bom e ser alguém na vida.

Ler livros é uma coisa maravilhosa, além de adquirir conhecimento, você

mergulha naquela história e fica imaginando o que você ta lendo, você fica lendo, lendo e

quer saber o que vai acontecer, como aquela história vai acabar...

É uma coisa extraordinária, sem explicação!

105

 

ANEXO 9 – TEXTO DE A9

 

 

 

 

 

 

A9

A leitura foi muito importante para mim. Iniciou-se quando eu tinha 14 anos, via

meus pais lendo e queria saber o que eles liam, imaginavam por ler aquele livro. Eles riam,

choravam, se emocionavam e mostravam que a leitura era prazerosa. Queria saber que

sensação e sentimentos eles estavam tendo em ler aqueles livros, jornais, livros e etc...

Queria que eles me ensinassem a ler, a descobrir o que havia naqueles livros.

Mas eles não me ensinavam, diziam que um dia iria chegar a hora. Assim, fui me

desinteressando do assunto, mas um dia essa hora chegou, quando pela primeira vez fui à

escola. A professora logo no primeiro dia começou a juntar sílaba, ai eu voltei a me

interessar pelo assunto.

Mas a pessoa que me ensinou a ler foi a minha mãe, ela foi essencial no meu

processo de aquisição da leitura, ela me incentivava a ler mais e mais, ele dizia: “ – Vamos

não para, é só juntar essa letra com outra letra que você consegue formar palavras.”

Ai, eu vendo que minha própria mãe me incentivava, eu não ia parar até conseguir.

Minha mãe estudou até a 6ª série, mesmo assim ela gostava muito de ler, ela lia os livros

de romance, de histórias para mim e meus irmãos. Foi assim que a leitura se tornou

importante para minha vida.

Aos 6 anos eu já lia Chapeuzinho Vermelho e vários tipos de livros, mas o principal

deles foi um de romance, aconteceu aos dez anos, comecei a gostar de ler esses livros e fui

aprendendo o que é amor, gostei muito de Romeu e Julieta, do autor Sheksper, me

emocionei muito, e lembrei de quando era pequeno e queria saber das emoções e

sentimentos que meus pais sentiam, e agora eu senti na pele o sentimento, relembrei isso e

estou aqui dizendo, afinal, quem esqueceria duma coisa dessas: a leitura.

106

 

ANEXO 10 – TEXTO DE A10

 

 

 

 

A10

Para começar minhas memórias de leitura, quero dizer que eu sempre fui

fascinado pela leitura, ou seja, tenho o hábito de ler. Quando eu tenho um tempinho vago

eu pego um livro e começo a ler.

Quando eu não sabia ler, eu sempre pedia ajuda da minha mãe para me ajudar a

soletrar uma palavra que eu estivesse com dificuldade. Minha mãe foi carinhosa comigo

na hora de ler, ela nunca se estressava comigo. Quando eu errava qualquer palavra na

leitura, ela me ajudava muito. Meu pai não tinha muito tempo para me ajudar, pois

trabalhava muito.

Minha vontade de ler era tão grande que, eu aprendi a ler na 1ª série.

Quando aprendi a ler, eu pegava livros infantis. Meu primeiro livro de conto de fadas que

eu li foi a Cinderela, depois li Chapeuzinho Vermelho, Cachinhos de ouro, Os três

porquinhos e muitos outros. Mas é claro que eu pedia ajuda da minha mãe para me

ajudar um pouco.

Meus primeiros livros de literatura

Até a metade da 4ª série, eu não estava lendo bem. Mas apareceu uns livros de

literatura para serem entregues a gente. Eu os adorei, porque me ajudaram muito a

melhorar minha leitura.

As minhas leituras

Livro: O fantasma no porão.

Autor: Elias José, ano de publicação: 2002

Gênero: novela.

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Um livro muito engraçado que conta a história de dois meninos (Alex e Samir)

que acreditavam que no porão de sua casa existia um fantasma. Os motivos freqüentes

da confirmação dos meninos são: muitos barulhos de coisas enormes, porque quebrava

tudo de lá de dentro. Toda a sua família e vizinhança sabia desse assunto. A melhor

parte eras as mentiras dos meninos (Alex, Samir, Luciana).

A moral da história: não devemos julgar as pessoas sem conhecê-las.

Livro: A grande fuga

Autor: Sylvio Pereira, ano de publicação: 2004

Gênero: romance

A aventura conta a história de três jovens (Cat, Paulino e Júlio) que estavam

caminhando numa praia e de repente viram um homem caído numa cratera formada pela

chuva. Eles levaram para a casa do homem. Mas os meninos nem sabiam que estavam

metidos com um criminoso. Para escapar de tamnho apuro, só tentando uma grande

fuga. A parte que eu mais gostei foi aquela que eles fogem da casa usando um aeróstalo

(um tipo de balão).

A moral da história: Temos que pensar duas vezes antes de fazer qualuer coisa.

Livro: Miguel e a quinta séire

Autor: Olavo Bilac, ano de publicação: 2004

Gênero: aventura escolar

Conta a história de um menino que vai fazer a quinta série e não estava

satisfeito. O problema do menino (Miguel) era porque ele nao estava acostumado com

novas experiências, mas no final de tudo, se acostumava.

A moral da história: algumas novas experiências podem ser ruins, mas algumas

podem ser boas, temos que nos acostumar com elas.

Tem outros livros que eu já li. Mas meu sonho é ler todas as literaturas

brasileiras.