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Do Calundu ao Candomblé Presentes no Brasil durante todo período colonial, os rituais de fé africanos ganharam seu primeiro templo no início do século XIX, erguido nos fundos de uma igreja em Salvador Renato da Silveira 19/9/2007 Dossiê Candomblé Desde o século XVII se tem notícias de cultos africanos em terras brasileiras. De fato, há cerca de vinte anos uma imensa massa de informações sobre o que se convencionou chamar “calundu colonial” começou a ser revelada por historiadores e antropólogos brasileiros, que, investigando nos arquivos públicos e da Santa Inquisição, se depararam não apenas com novos dados mas também com novas interpretações sobre um tema até então mal conhecido. Os animadores desses misteriosos cultos de origem africana começaram então a ocupar a cena historiográfica. Figuras como o congolês Domingos Umbata, flagrado em 1646 pelos visitadores da Inquisição na capitania de Ilhéus; a angolana Branca, ativa na cidade baiana de Rio Real nos primeiríssimos anos do século XVIII; outra angolana, Luzia Pinta, muito bem sucedida na freguesia de Sabará, nas Minas Gerais, entre 1720 e 1740; a courana Josefa Maria ou Josefa Courá com sua “dança de Tunda”, estabelecida em 1747 no arraial de Paracatu, Minas Gerais; o daomeano Sebastião, estabelecido em 1785 na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano; e enfim Joaquim Baptista, ogan (uma espécie de líder de terreiro) do “culto ao deus Vodum”, no Accu de Brotas, freguesia periférica da cidade da Bahia, em 1829. A esta lista poderia ser acrescentada uma significativa aquarela de Zacharias Wagener, artista que viveu no Pernambuco holandês de 1634 a 1641, representando uma festa de africanos e trazendo preciosas informações visuais sobre a variedade e a disposição dos atores, figurinos e instrumentos musicais. Os adeptos dos calundus organizavam suas festas públicas na residência de uma pessoa importante da comunidade, ou então em casas também destinadas a outras ocupações. Não tinham templos propriamente ditos, mas também não se tratava de simples cultos domésticos, uma vez que tinham um calendário de festas, iniciavam vários fiéis em diferentes funções e eram freqüentados por um número razoavelmente grande de pessoas, inclusive brancos, vindos de diversos arraiais. Ademais, o sacerdote principal tinha condições de ganhar bem a vida com o atendimento individual e se tornar financeiramente independente ao prestar à população serviços essenciais que o Estado colonial não assegurava satisfatoriamente. A documentação da época permite identificar três tipos de sacerdócio, às vezes reunidos numa mesma pessoa, como Luzia Pinta, que era “calunduzeira,

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    Do Calundu ao CandomblPresentes no Brasil durante todo perodo colonial, os rituais de f africanosganharam seu primeiro templo no incio do sculo XIX, erguido nos fundos deuma igreja em Salvador

    Renato da Silveira19/9/2007

    Dossi Candombl

    Desde o sculo XVII se temnotcias de cultos africanos emterras brasileiras. De fato, hcerca de vinte anos uma imensamassa de informaes sobre oque se convencionou chamarcalundu colonial comeou a serrevelada por historiadores eantroplogos brasileiros, que,investigando nos arquivospblicos e da Santa Inquisio, sedepararam no apenas com novosdados mas tambm com novasinterpretaes sobre um temaat ento mal conhecido. Osanimadores desses misteriososcultos de origem africanacomearam ento a ocupar acena historiogrfica. Figuras como o congols Domingos Umbata, flagrado em 1646 pelosvisitadores da Inquisio na capitania de Ilhus; a angolana Branca, ativa na cidade baiana de RioReal nos primeirssimos anos do sculo XVIII; outra angolana, Luzia Pinta, muito bem sucedida nafreguesia de Sabar, nas Minas Gerais, entre 1720 e 1740; a courana Josefa Maria ou JosefaCour com sua dana de Tunda, estabelecida em 1747 no arraial de Paracatu, Minas Gerais; odaomeano Sebastio, estabelecido em 1785 na cidade de Cachoeira, no Recncavo Baiano; eenfim Joaquim Baptista, ogan (uma espcie de lder de terreiro) do culto ao deus Vodum, noAccu de Brotas, freguesia perifrica da cidade da Bahia, em 1829. A esta lista poderia seracrescentada uma significativa aquarela de Zacharias Wagener, artista que viveu no Pernambucoholands de 1634 a 1641, representando uma festa de africanos e trazendo preciosasinformaes visuais sobre a variedade e a disposio dos atores, figurinos e instrumentosmusicais.

    Os adeptos dos calundus organizavam suas festas pblicas na residncia de uma pessoaimportante da comunidade, ou ento em casas tambm destinadas a outras ocupaes. Notinham templos propriamente ditos, mas tambm no se tratava de simples cultos domsticos,uma vez que tinham um calendrio de festas, iniciavam vrios fiis em diferentes funes e eramfreqentados por um nmero razoavelmente grande de pessoas, inclusive brancos, vindos dediversos arraiais. Ademais, o sacerdote principal tinha condies de ganhar bem a vida com oatendimento individual e se tornar financeiramente independente ao prestar populao serviosessenciais que o Estado colonial no assegurava satisfatoriamente.

    A documentao da poca permite identificar trstipos de sacerdcio, s vezes reunidos numa mesmapessoa, como Luzia Pinta, que era calunduzeira,

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    Bahia de todas as fricas

    Orixs, foras de Olodum

    Ax carioca

    O arsenal da macumba

    Antes dos orixs

    curandeira e adivinhadeira. Isso significa que, almde oficiantes religiosos, esses personagens sabiampreparar tisanas, cataplasmas e ungentos quealiviavam os males corriqueiros dos habitantes dacolnia, eram tambm capazes de curar doenasmais graves como a tuberculose, a varola e a lepra,usando os recursos da farmacopia tradicional,participaram inclusive do combate s epidemias queassolaram a Bahia em meados do sculo XIX; tambmsabiam curar distrbios mentais ou espirituais,

    usando tratamentos combinados e complexos. Na cidade de Rio Real, no interior baiano, o SantoOfcio identificou o caso de um senhor empresrio que pagou caro por pelo menos duas escravascurandeiras afamadas, montando com elas uma espcie de clnica onde se praticavam vrios tiposde cura, e dividindo com elas todos os lucros. Desses registros, surgiram notcias de curandeirose adivinhadores sendo recebidos em monastrios, nos meios ricos, onde eram bem pagos, e atagraciados pelo rei de Portugal por bons servios prestados. A eficincia dos saberes africanosera pblica e notria, mas na prtica sua existncia questionava o monoplio da cura atribudo Igreja e mesmo medicina oficial.Como o escravismo se configurava como um regime de opresso, sempre se pensou que oscalundus tivessem sido duramente perseguidos. Mas, de fato, se isso fosse realidade, seus lderesjamais poderiam ter se estabelecido estavelmente, como, por exemplo, Luzia Pinta, que semanteve atuante durante vinte anos na cidade mineira de Sabar. Na verdade, existia no seio daclasse governante um debate constante a respeito da melhor maneira de controlar a massaescrava e liberta. Se a poltica tirnica parece ter predominado nos perodos de crise, em grandeparte do tempo foi a poltica moderada que predominou.

    Assim, desde o sculo XVII os calundus funcionavam normalmente no Brasil, pelo menos at queseus lderes se tornassem muito visveis, angariassem clientela branca ou se envolvessem emrevoltas. Faziam parte da paisagem social porque eram funcionais, respondiam a vriasnecessidades de uma populao carente e no pretendiam ser seitas secretas. Sua vocao era setornar, como na frica, instituies pblicas reconhecidas.

    Desse lado do Atlntico, os calundus de diversas origens africanas, como a banta (das regies aoSul da frica, como Angola, Congo, Moambique) e jeje (da frica Ocidental, atual Repblica deBenin), por exemplo, acabaram aderindo ao Catolicismo. J o sincretismo com os cultosamerndios deuse apenas com os bantos. Alguns, como o de Luzia Pinta, misturaram tradiesafricanas, catlicas e indgenas no mesmo ritual, dando origem ao que se convencionou chamarumbanda.

    Ao contrrio dos anteriores, o calundu jeje do Pasto de Cachoeira era uma organizaotipicamente urbana, e o primeiro a ter como endereo uma rua, embora de periferia. J ocandombl do Accu um dos vrios cultos jejes que comearam a funcionar no Recncavo Baianoem meados do sculo XIX, situados em freguesias urbanas apenas no nomes eram, na verdade,chcaras cercadas de mata atlntica.

    Esses cultos jejes eram mais marcadamente comunitrios e com fortes tradies litrgicas, asque foram implantadas na Bahia. Nesse processo, receberam apoio dos calundus bantosexistentes, que detinham um saber ritual acumulado, bem adaptado ao meio. O prximo passo,ousado, nessa trajetria de constituio da religio afrobrasileira, seria precisamente organizaro culto na cidade, exibilo como instituio urbana legtima, buscar sua oficializao. Foi emSalvador, no bairro da Barroquinha, que essa transio foi tentada com relativo sucesso.Segundo as tradies orais dos nags (africanos iorubas, originrios de regies da Nigria, Benine Togo) baianos, o primeiro candombl de sua linhagem foi fundado em terras situadas atrs da

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    capela de Nossa Senhora da Barroquinha, no centro histrico de Salvador. Segundo se conta,existia uma irmandade de negros ali funcionando, cujos associados teriam sido os fundadoresafricanos. Hoje, esse candombl um dos maiores e mais respeitados do Brasil, chamaseoficialmente Il Ax Iy Nass Ok, em homenagem sua fundadora principal, mas popularmente conhecido como Casa Branca do Engenho Velho da Federao.

    No h nas tradies orais referncias data de fundao do candombl da Barroquinha. Mas setem conhecimento de trs momentos importantes do local: a fundao inicial de um pequenoculto na casa de uma sacerdotisa filiada irmandade e residente em uma das ruas do bairro; oarrendamento de um terreno situado atrs da igreja, onde foi fundado o candomblpropriamente dito; e um momento de perseguio policial, invaso do templo e expulso dobairro.

    A investigao sobre a data inaugural motivou antroplogos ligados ao Ax Op Afonj, filial docandombl da Barroquinha, os quais fizeram estimativas que vo do final do sculo XVIII a 1830.Em 1943, por ocasio do I Primeiro Congresso AfroBaiano, teve lugar na Casa Branca umaexposio comemorativa dos 154 anos de sua fundao, segundo a qual o candombl teria entosido fundado em 1789. Essa data coincide com a chegada Bahia dos primeiros escravos nagsdo reino de Ketu (cujo territrio foi cortado em dois pela fronteira NigriaBenin), de ondeteriam vindo os fundadores, bem como com a oficializao da irmandade do Senhor Bom Jesusdos Martrios, em 1788.

    Entre os primeiros escravos provenientes do reino de Ketu vieram parar na Bahia alguns membrosda famlia real Ar, capturadas na cidade de Iwoy, saqueada em janeiro de 1789 pelo exrcitodo reino Daom (atual Repblica de Benin). A me do Alketu Akibiorru, o rei ento entronado,era natural daquela cidade, que tinha relaes rituais muito estreitas com a capital. Tudo indicaque a primeira das fundadoras do candombl da Barroquinha, Iy Adet, veio nessa leva deescravos provenientes de Iwoy. Aps cerca de nove anos de cativeiro, Iy Adet teriaconquistado a alforria e ido morar na Barroquinha, onde fundou, no finalzinho do sculo XVIII,um culto domstico a Oxssi na sua casa, semelhante a alguns dos calundus colonias passados emrevista.

    Ora, no princpio do sculo XIX comea a crescer a populao escrava baiana proveniente daregio jejenag, aumentando o contingente de freqentadores do calundu de tia Adet edespertando o desejo, naquele grupo desenraizado, de possuir um espao apropriado fundaode um verdadeiro terreiro. Esta possibilidade existia no prprio bairro, pois as terras devolutasatrs da igreja se prolongavam em uma rea arborizada e um pntano que confinava com ashortas do mosteiro de So Bento. O terreno contguo capela pertencia a um casal filiado irmandade branca de Nossa Senhora da Barroquinha, que dividia com a irmandade negra dosenhor dos Martrios a administrao da igrejinha. O arrendamento comeou a ser negociado em1804 e foi concludo em 1807, e nesse momento que se concretizou a possibilidade de passarde culto domstico a terreiro.

    A virada do sculo XVIII para o XIX foi na Bahia uma poca de prosperidade e descontraopoltica, porm, de 1805 a 1809, o governo tirnico do Conde da Ponte se lana em implacvelperseguio de africanos, criando um clima de tenso na capitania, inadequado aos vos daimaginao. Em 1810 comearia, contudo, o governo reformista e liberal do Conde dos Arcos,enviado pela famlia real para modernizar a Bahia. O novo governador tornouse irmo honorrioda irmandade dos Martrios logo em 1811, era partidrio da corrente moderada da ideologiacolonialista, cuja estratgia era encorajar as manifestaes culturais das diversas naesafricanas, pequena liberdade que estimularia a diferena entre elas pensava ele impedindoasassim de se unir contra a ordem colonial.

    Nessa conjuntura, o projeto de fundao do terreiro da Barroquinha ganhou novo flego. Em1812 um requerimento assinado pelos diretores dos Martrios pediu licena Cmara de

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    Vereadores para construir um salo nobre, anexo igreja, obtendo assim o consentimento oficialpara manter um espao para as suas reunies. A comunidade jejenag, que estava crescendo naBahia e provavelmente ganhando importncia na irmandade dos Martrios, deve ter, se nocomandado, pelo menos se associado a este esforo. Nesse momento de prosperidade o terreirodeve ter sido ampliado, ganhando mais equipamentos, mais espao e mais confiana. Eis ocenrio que viu surgir na Barroquinha o Iy Omi Ax Air Intile, dirigido por Iy Akal, a segundadas fundadoras apontadas pela tradio.

    Segundo as tradies orais da Casa Branca, a grande novidade introduzida pelo terreiro daBarroquinha foi ter organizado, pela primeira vez, o candombl como sociedade. Que poderiasignificar isso? Vamos dar uma voltinha na frica, para ter uma viso mais abrangente dessahistria. Em meados da dcada de 1830 a capital do maior dos Estados nagiorubs, o impriode Oy, foi saqueada pelas tropas fundamentalistas do califado de Sokot e do emirado de Ilrin.Comearia ento um grande xodo da populao dessa regio, fundando uma nova capital ereorganizando as foras do imprio em um territrio mais ao sul.

    De fato, a queda da capital de Oy provocou uma guerra civil destruidora, que se prolongaria ato final do sculo. Verdadeiras multides de prisioneiros dessa guerra vieram parar na Bahia comoescravos, de modo que, em meados do sculo XIX, mais da metade da populao escrava baianaj era nagiorub. Subgrupos tnicos de todas as regies ocupadas pelos iorubs na fricaOcidental, a chamada Iorubalndia, como oys, ijexs, ketos, efans, dentre vrios outros,trouxeram suas divindades para o exlio, as quais foram sendo assentadas no terreiro daBarroquinha. Ao mesmo tempo algumas associaes urbanas daquela origem, chamadas egbs,foram sendo organizadas clandestinamente na Bahia, desde as primeiras dcadas do sculo XIX. Amaioria desapareceu com o tempo, deixando, entretanto, alguns traos visveis, ttulos,mscaras, cantigas ou objetos de culto, associaes femininas cvicoreligiosas. Alm do bemsucedido culto dos orixs, tambm ficou pra contar a histria o culto dos Eguns (almas demortos), que mantm apenas alguns terreiros, mas d ainda hoje mostras de vitalidade.Por causa desse grande contingente nagiorub, a Bahia foi levada em considerao pelosestrategistas da reorganizao do Imprio. As tradies contam que vieram pessoas dos escalessuperiores dos estados iorubs, em misso secreta, para organizar os cultos assentados naBarroquinha e articullos aos egbs baianos. A mais importante delas foi Iy Nass,personalidade do primeiro escalo do cerimonial do palcio de Oy. Essas pessoas criaram umanova forma de organizao, ao estruturar o grande candombl de Ketu tal qual conhecidohoje.

    O candombl da Barroquinha foi o espao que abrigou um grande acordo poltico reunindo osnagiorubs da Bahia, sob a liderana dos partidrios das divindades Oxssi de Ketu e Xang deOy. Lembremos das duas festas principais do calendrio da Casa Branca que comemoram suafundao: a principal, dedicada a Oxssi, no dia de Corpus Christi, e a segunda, dedicada aXang, no dia de So Pedro. O compromisso da elite dirigente foi firmado na estrutura espacialbsica do candombl: o terreiro, no seu conjunto, pertence a Oxssi, o onil, o senhor da terra,enquanto que o barraco central, lugar da festa pblica, pertence a Xang, o onil, o senhor dopalcio. O acordo entretanto contou com vrios outros subgrupos iorubanos aliados.

    Do ponto de vista ritual, o carter fundamentalmente inovador do candombl da Barroquinha foique, pela primeira vez na histria da religio africana, o culto de todos os orixs foi reunido nomesmo templo, o que pressupe uma ordem unificada das hierarquias dos diversos cultos, sob ocomando da iyalorix, a sacerdotisa suprema. Alm do mais, as lideranas dos egbs iorubanosda Bahia foram convocadas, recebendo ttulos no culto dos principais orixs. Essas lideranaseram eventualmente dirigentes de organizaes oficiais, como a irmandade do Senhor dosMartrios ou a devoo feminina da Senhora da Boa Morte, fundada na igreja da Barroquinha. Ocandombl deixou portanto de ser apenas uma casa de culto para tornarse uma organizaopolticosocialreligiosa complexa.

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    Na composio do candombl da Bahia, as diferentes etnias da Iorubalndia, como os ijexs eefans, numericamente mais expressivos do lado de c, no poderiam ser ignoradas. Assim, nobarraco da festa pblica, foram plantados quatro pilares centrais representando os quatrocantos do pas iorub, cada pilar dedicado a um dos regentes da casa, ao Oxssi de Ketu, aoXang de Oy, Oxum de Ijex e ao Oxal de Efan. Essas so as quatro tradies mantidas naCasa Branca: os candombls de Ketu na Bahia no seguem apenas a tradio jejenag, mastambm as tradies de outras etnias: oy (ou iorubtap), ijex e aon efan. (mesma coisa?)

    A memria oral relata que, a uma certa altura, o terreiro da Barroquinha foi invadido pelasforas policiais da provncia, sendo o candombl obrigado a abandonar o local, mas ningum tema menor idia de quando se deu a mudana. Sabemos que, em 1855, a Casa Branca j funcionavano lugar onde atualmente se encontra, no bairro da Federao. A dcada de 1850 foi depredomnio do grupo conservador liderado por Francisco Gonalves Martins, um homem da linhadura que havia sido chefe de Polcia durante o grande levante dos mals, em 1835. 1851 foi oano de chegada da ideologia do progresso ao Brasil, quando ento as elites sociais tentaramesquecer o passado colonial e adotar um modelo moderno de sociedade, no rastro da Europa e daAmrica. Nesse novo contexto, era preciso provar ao mundo que ramos ocidentais civilizadose para tanto incrementamos a imigrao europia visando limpar nossa raa, o que, segundodoutrinas cientficas ento prestigiosas, era a nica maneira de nos habilitarmos ao progresso.

    A perseguio ao candombl da Barroquinha foi parte dessa poltica, que o obrigou a procurar oseu lugar. A tirania colonial, mantida mesmo depois da independncia poltica, no poderiajamais permitir que uma organizao africana se tornasse centro. Por isso o candombl daBarroquinha foi obrigado a recuar para a periferia, para o engenho Velho da Federao, ondeat hoje gloriosamente se encontra, dividindo espao na cidade de Salvador com outrosterreiros, como o Gantois e o Ax Op Afonj, que mantm viva a f que atravessou o oceano.

    Renato da Silveira professor da Universidade Federal da Bahia (UFBa), doutor em antropologiapela cole de Hautes tudes em Sciences Sociales de Paris.