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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A NEUROCIÊNCIA E A DIMENSÃO AFETIVA DA INTELIGÊNCIA
Adriana Silva Ricci
ORIENTADOR: Profa. Marta Pires Relvas
Rio de Janeiro
2018
DOCUMENTO
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IREITO
AUTO
RAL
Rio de Janeiro
2018
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociência Pedagógica
Por: Adriana Silva Ricci
A NEUROCIÊNCIA E A DIMENSÃO AFETIVA DA INTELIGÊNCIA
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me ensina a cada dia que na
simplicidade está a perfeição e que para vencermos
precisamos nos unir.
Walter e Marlene, queridos pais, que me deram a vida e me ensinaram a vivê-la com dignidade. Duda,
amado esposo, pelo carinho, incentivo e compreensão.
Gabriel, presente divino, por ser meu companheiro e a razão do meu viver. André, querido irmão, que com seu exemplo e força,
atenuou minhas dificuldades, incertezas e angústias. Aos colegas de turma e professores, que me
ajudaram, muitas vezes, a levantar e continuar lutando, minha profunda gratidão.
DEDICATÓRIA
A minha família que sempre contribuiu para meu
crescimento e minha vitória. Duda, companheiro
desde a primeira hora, que com seu amor e
entusiasmo, levou-me a transformar sonho em
realidade. Gabriel, amor maior , que possa viver em
um mundo melhor. Amo vocês !
RESUMO
Esse projeto tem como objetivo fundamentar-se em estudos teóricos de forma
que apresentam uma visão integrada do ser humano pautada em uma relação
não dicotômica entre razão-emoção, cognição-afetividade, defender a relação
entre inteligência e afetividade, o pensar e o sentir sem dicotomia entre eles e,
compreender o funcionamento não dicotômico entre razão e emoção voltado
para as diversas áreas humanas e sociais.
Com base em estudos filosóficos, psicológicos e da neurociência a proposta de
trabalho apresentada visa corroborar com a alegação de que existe vida
inteligente nas emoções.
Palavras-chave: razão, emoção, cognição, afetividade, neurociência.
METODOLOGIA
O presente trabalho será orientado através de pesquisas
bibliográficas dos referidos autores: António Damásio, Marta Relvas, Daniel
Goleman, Joseph Ledoux, Roberto Lent, Jean Piaget, Lev S. Vygotsky, Henri
Walllon.
Fundamenta-se na importância da dimensão afetiva da inteligência
pautado em autores e estudos teóricos que apresentam uma visão integrada
do ser humano e que tratam da emoção e da razão nos diversos campos, a
saber: Psicologia, Filosofia, Neurociência e Educação entre outros.
Esta visão embasa a relação aqui defendida entre inteligência e
afetividade, entre o pensar e o sentir, conectados, sem que possa haver
dicotomia entre corpo e mente, entre razão e emoção. Assim, quanto ao fato de
a emoção ser desorganizadora ou organizadora no ser humano, com base em
estudos filosóficos, psicológicos e da neurociência, corrobora-se a hipótese de
que a emoção é organizadora, quando possibilita-se um exercício intelectual
nas emoções, ao lutar e substituir uma emoção negativa por uma emoção
positiva com força mais intensa, numa busca pela homeostasia. Observa-se
assim, a importância da compreensão do funcionamento não dicotômico entre
razão e emoção no trabalho voltado para as diversas áreas humanas e sociais.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Organização afetiva humana: distinção entre emoção e sentimento 09
CAPÍTULO II
Visão integrada do ser humano sob a ótica da Neurociência 17
CAPÍTULO III
A relação entre a inteligência e a afetividade, o pensar e o sentir 26
CAPÍTULO IV
Funcionamento não dicotômico entre razão e emoção voltado para
as diversas áreas humanas e sociais 34
CONCLUSÃO 42
BIBLIOGRAFIA 43
ÍNDICE 44
8
INTRODUÇÃO
Com base em estudos da neurociência, filosóficos e psicológicos,
corrobora-se a hipótese de que a emoção é organizadora, quando possibilita
um exercício intelectual nas emoções, ao lutar e substituir uma emoção
negativa por uma positiva com força mais intensa, numa busca pela
homeostasia. Observa-se assim, a importância da compreensão do
funcionamento não dicotômico entre razão e emoção nas diversas áreas
humanas e sociais.
O Capítulo I, abordará a distinção existente entre as emoções e os
sentimentos. No campo das neurociências, Damásio (2011) faz uma distinção
entre a essência da emoção e a essência do sentimento. Enquanto as
emoções são relacionadas com programas de ações complexas, os
sentimentos referem-se às percepções, diante de uma emoção que, ao ser
examinada, faz-se refletir sobre as questões da vida e de nossos valores,
sendo de grande importância nos processos reguladores do ser humano.
Os seguintes capítulos, fundamentar-se-ão em estudos teóricos que
apresentam uma visão integrada do ser humano, pautada em uma relação não
dicotômica entre razão e emoção, cognição e afetividade. Esta visão embasa a
relação entre inteligência e a afetividade, entre o pensar e o sentir, conectados,
sem que possa haver dicotomia entre corpo e mente, entre razão e emoção.
Introduzir as emoções no domínio da inteligência, em vez de ver “emoção” e
inteligência como uma inerente contradição terminológica.
A importância da dimensão afetiva da inteligência será
fundamentada em autores e estudos que tratam da emoção e da razão nos
diversos campos, a saber: Psicologia, Filosofia, Neurociência e Educação entre
outros. Ressalta-se que muitas são as discussões e reflexões sobre a natureza
da emoção, sendo esta fisiológica, adaptativa, excitações físicas com
explicações cognitivas. O que não pode-se deixar de considerar é a
importância da emoção e da sua natureza nos processos reguladores da vida.
9
CAPÍTULO I
ORGANIZAÇÃO AFETIVA HUMANA: DISTINÇÃO ENTRE
EMOÇÃO E SENTIMENTO
A “natureza” das emoções é um dos temas arcaicos do pensamento
ocidental, sendo tematizada em diferentes manifestações da cultura como a
arte, a religião, a filosofia e a ciência, desde tempos imemoriais. Nos últimos
anos, o avanço das neurociências possibilitou a construção de hipóteses para a
explicação das emoções, especialmente a partir dos estudos envolvendo o
sistema límbico.
Há muito tempo a humanidade se preocupa com as bases biológicas
das emoções. Apesar de estar longe um quadro bem definido, cada vez mais
as neurociências obtêm dados indicando o envolvimento de determinadas
estruturas cerebrais na gênese das emoções (LeDoux, 1994). O considerável
conhecimento da organização neural e da fisiologia do cérebro alcançado na
atualidade tem permitido aos investigadores um maior aprofundamento neste
misterioso e intrincado terreno. O estudo da base neural das emoções, além de
colaborar para a compreensão e tratamento dos distúrbios emocionais,
oferece a possibilidade de comprovar, cada vez mais, a participação do cérebro
em aspectos antes considerados como desvinculados da atividade cerebral.
No final do século XIX, começaram a surgir estudos mais
aprofundados e sistemáticos dos processos cerebrais envolvidos nas emoções.
Até então, a ênfase era dada aos processos de raciocínio, pensamento e
intelecto, ou seja, aos aspectos perceptivos e cognitivos do comportamento.
Pesquisadores como William James (1884), Walter Cannon e Philip Bard
(1929), James Papez (1937) e Paul MacLean (1949), com base em dados da
clínica ou pesquisa com animais, começaram a elaborar teorias apontando
determinadas estruturas cerebrais como participantes dos processos
emocionais. Estas teorias buscaram traçar conexões entre diversas áreas do
10
cérebro delineando sistemas neurais capazes de gerar e controlar as respostas
emocionais.
É verdade que o uso habitual da palavra “emoção” tende a incluir a
noção de sentimento. Mas na tentativa de compreender a cadeia complexa de
acontecimentos que começa na emoção e termina no sentimento, separar a
parte do processo que se torna pública da que sempre se mantém privada
ajuda a clarificar as ideias. À parte pública do processo é a emoção e à parte
privada, o sentimento.
As emoções são ações ou movimentos, muitos deles públicos, que
ocorrem no rosto, na voz ou em comportamentos específicos. Alguns
comportamentos da emoção não são perceptíveis a olho nu, mas podem se
tornar “visíveis” com sondas científicas modernas, tais como a determinação de
níveis hormonais sanguíneos ou de padrões de ondas eletrofisiológicas.
Os sentimentos, pelo contrário, são necessariamente invisíveis para
o público, como é o caso com todas as outras imagens mentais, escondidas de
quem quer que seja exceto do seu devido proprietário, a propriedade mais
privada do organismo em cujo cérebro ocorrem.
As emoções ocorrem no teatro do corpo. Os sentimentos ocorrem no
teatro da mente. As emoções e as várias reações que as constituem fazem
parte dos mecanismos básicos da regulação da vida. Os sentimentos também
contribuem para a regulação da vida, mas em um nível mais alto. As emoções
e as reações a elas relacionadas parecem preceder os sentimentos na história
da vida e constituir o alicerce dos sentimentos. Os sentimentos, por outro lado,
constituem o pano de fundo da mente. As emoções e os sentimentos estão tão
intimamente relacionados ao longo de um processo contínuo que a tendência é
vê-los, compreensivelmente, como uma entidade simples. No entanto, é
possível entrever setores diferentes nesse processo contínuo e, com a ajuda
do microscópio da neurociência cognitiva, é possível e legítimo dissociar esses
setores. Com a ajuda dos métodos científicos modernos, um observador pode
examinar objetivamente os comportamentos que perfazem uma emoção e,
desse modo, estudar o prelúdio dos processos do sentimento. Transformar
11
emoção e sentimento em objetos separados de pesquisa ajuda a descobrir
como se sente.
Discute-se a precedência da emoção sobre os sentimentos por
acreditar que aquilo que está escondido é a origem daquilo que se exprime e,
no que diz respeito à mente, o sentimento é aquilo que conta. Mas “principal”
não significa “que veio primeiro” e, ainda menos, “causativo”. A grande
importância dos sentimentos não deixa entrever facilmente a forma como os
sentimentos surgem, e pode levar à falsa ideia de que os sentimentos ocorrem
primeiro e, em seguida, se exprimem em emoções. Esse ponto de vista é
incorreto e é uma das causas do atraso no estudo neurobiológico dos
sentimentos. Na realidade são os sentimentos que constituem sombras das
manifestações emocionais.
Tem-se as emoções primeiro e sentimentos depois porque na
evolução biológica as emoções vieram primeiro e os sentimentos depois. As
emoções foram construídas a partir de reações simples que promovem a
sobrevida de um organismo e que foram facilmente adotadas pela evolução.
As pesquisas sobre a origem cerebral das emoções continuam
avançando. O sistema límbico ainda hoje é amplamente aceito como o sistema
responsável pela regulação dos processos emocionais. Não há, porém,
completo acordo entre os autores quanto às estruturas que deveriam fazer
parte do mesmo. Uma das bases atuais da teoria do sistema límbico considera
que ele é uma rede de estruturas que faz a interface entre o neocórtex e o
hipotálamo, sendo este o responsável pelo controle das reações autonômicas
características das emoções.
As emoções propriamente ditas como o medo, a felicidade, a
tristeza, a simpatia e a vergonha visam à regulação da vida, direta ou
indiretamente. Não quer isso dizer que cada vez que o indivíduo se emociona
esteja contribuindo imediatamente para a sua sobrevida e bem-estar. Nem
todas as emoções são iguais no que diz respeito à sua capacidade de
promover sobrevida e bem-estar, e tanto o contexto em que a emoção ocorre
como a sua intensidade têm muito a ver com os possíveis benefícios da
12
emoção. Mas o fato de que certas emoções acabam por ser pouco ou nada
adaptativas, em certas circunstâncias humanas atuais, não nega de forma
nenhuma o papel adaptativo que essas funções desempenharam na regulação
da vida em fases bem diferentes da evolução. Numa sociedade moderna a
zanga é contraproducente, assim como a tristeza. As fobias são um enorme
obstáculo. E no entanto, é evidente que a raiva e o medo salvaram numerosas
vidas ao longo da evolução. Essas reações prevaleceram na evolução
exatamente porque levaram à sobrevida, direta e automaticamente, e ainda
estão conosco porque continuam a desempenhar um papel valioso, em certas
circunstâncias. Compreender a biologia das emoções e o fato de que o valor
das diferentes emoções depende das circunstâncias atuais oferece
oportunidades novas para a compreensão moderna do comportamento
humano. Ao compreender, por exemplo, que certas emoções são más
conselheiras e procurar modos de suprimir ou reduzir as consequências desses
maus conselhos, pensa-se nas reações que levam a preconceitos raciais e
culturais e que se baseiam em emoções sociais cujo valor evolucionário residia
em detectar diferenças em outros indivíduos porque essas diferenças eram
indicadoras de perigos possíveis e promover agressão ou retraimento. Esse
tipo de reação deverá ter produzido resultados extremamente úteis numa
sociedade tribal, mas não é nem útil nem aceitável no mundo atual. É evidente
que é importante saber que os nossos cérebros continuam equipados com a
maquinaria biológica que leva o ser humano a reagir de um modo ancestral,
ineficaz e inaceitável, em certas circunstâncias. É preciso estar alerta para
esse fato e aprender a controlar essas reações individualmente na sociedade
atual.
Segundo Damásio, as emoções de fundo não são especialmente
proeminentes, embora sejam notavelmente importantes. O diagnóstico das
emoções de fundo depende de manifestações sutis, como o perfil dos
movimentos dos membros ou do corpo inteiro a força desses movimentos, a
sua precisão, a sua frequência e amplitude -, bem como de expressões faciais.
Quanto à linguagem, aquilo que mais conta para as emoções de fundo não são
as palavras propriamente ditas nem o seu significado, mas sim a música da
13
voz, as cadências do discurso, a prosódia. As emoções de fundo distinguem-se
do humor (mood), que se refere a emoções mantidas durante longos períodos,
medidos em horas ou dias.
As emoções primárias (ou básicas) são mais fáceis de definir porque
há uma tradição bem estabelecida em relação às emoções que devem fazer
parte desse grupo. A lista inclui o medo, a raiva, o nojo, a surpresa, a tristeza e
a felicidade, aquelas emoções em suma que primeiro vêm à ideia quando se
pronuncia a palavra “emoção”. A facilidade da definição provém também da
forma como essas emoções são rapidamente identificadas em seres humanos
das mais diversas culturas e também em seres não humanos. As
circunstâncias que causam as emoções primárias e os comportamentos que as
definem são igualmente consistentes em diversas culturas e espécies. A maior
parte daquilo que sabemos sobre a neurobiologia da emoção provém do
estudo das emoções primárias.
As emoções sociais incluem a simpatia, a compaixão, o embaraço, a
vergonha, a culpa, o orgulho, o ciúme, a inveja, a gratidão, a admiração e o
espanto, a indignação e o desprezo. Numerosas reações regulatórias, bem
como componentes das emoções primárias, são parte integrante, em diversas
combinações, das emoções sociais. O encaixamento de componentes mais
simples é observável, por exemplo, quando o desprezo utiliza as expressões
faciais do nojo, uma emoção primária, que evoluiu em associação com a
rejeição automática e benéfica de alimentos potencialmente tóxicos. Até
mesmo as palavras utilizadas para descrever situações de desprezo e
indignação moral confessa-se enojados ou desgostosos em relação a certas
situações sociais giram à volta desse princípio de encaixamento e
incorporação. Ingredientes de dor e de prazer são igualmente bem evidentes
na profundidade das emoções sociais.
O termo “sentimento” e a ideia de que o sentimento é diferente de
qualquer outro tipo de pensamento, é a representação mental do corpo
funcionando de uma certa maneira. O sentimento de uma emoção, no seu mais
puro e estreito significado, é a ideia do corpo funcionando de uma certa
14
maneira. Nessa definição a palavra “ideia” pode ser substituída pelas palavras
“pensamento” ou “percepção”. Ao considerar o sentimento na sua essência,
separado do objeto que o causava e dos pensamentos e modo de pensar que
lhe eram consequentes, o conteúdo do sentimento aparece claramente como a
representação de um estado muito particular do corpo.
Os sentimentos, emergem das mais variadas reações
homeostáticas, não somente das reações chamadas de emoções no sentido
restrito do termo. De um modo geral, os sentimentos traduzem o estado da vida
na linguagem do espírito. O que propõe-se é que as diversas reações
homeostáticas, das mais simples às mais complexas, sejam acompanhadas
necessariamente de estados do corpo que são bem distintos.
Os objetos mais variados de toda experiência do dia a dia, desde
aqueles que são prescritos pela evolução biológica àqueles que aprende-se na
história individual, têm a capacidade de produzir certos padrões de reação
homeostática, no seu papel de objetos emocionalmente competentes, e é
também verdade que certas maneiras de estar do corpo estão fortemente
associadas a certos temas de pensamento e a certos modos de pensar. A
tristeza, por exemplo, é acompanhada de uma produção reduzida de imagens
mentais e de uma atenção excessiva para essas poucas imagens. Por outro
lado, nos estados de felicidade as imagens mudam rapidamente, e a atenção
que lhes é dada é reduzida. Em essência, os sentimentos são percepções, e
aquilo que é proposto, é que o apoio fundamental dessas percepções dizem
respeito aos mapas cerebrais do estado do corpo (por razões que ficarão
claras no decorrer deste capítulo, ao notar que refere-se à percepção do
conteúdo de mapas cerebrais do corpo e não, necessariamente, à percepção
direta do estado do corpo). Na construção de um sentimento, a percepção do
estado do corpo é, assim, acompanhada pela percepção de temas
consonantes com esse estado e pela percepção de um certo modo de pensar.
O que leva ao não uso indistintamente dos termos “emoção” e
“sentimento”? Uma das razões é que, apesar de alguns sentimentos estarem
relacionados com as emoções, existem muitos que não estão: todas as
15
emoções originam sentimentos, se se estiver desperto e atento, mas nem
todos os sentimentos provêm de emoções.
Se uma emoção é um conjunto das alterações no estado do corpo
associadas a certas imagens mentais que ativaram um sistema cerebral
específico, a essência do sentir de uma emoção é a experiência dessas
alterações em justaposição com as imagens mentais que iniciaram o ciclo. Em
outras palavras, um sentimento depende da justaposição de uma imagem do
corpo propriamente dito com uma imagem de alguma outra coisa, tal como a
imagem visual de um rosto ou a auditiva de uma melodia. O substrato de um
sentimento completa-se com as alterações nos processos cognitivos que são
induzidos simultaneamente por substâncias neuroquímicas (por exemplo, pelos
neurotransmissores numa série de pontos neurais, em resultado da ativação
dos núcleos neurotransmissores que faziam parte da resposta emocional
inicial).
Segundo William James, é muito difícil, se não mesmo impossível,
pensar que espécie de emoção de medo restaria se não se verificasse a
sensação de aceleração do ritmo cardíaco, de respiração suspensa, de tremura
dos lábios e de pernas enfraquecidas, de pele arrepiada e de aperto no
estômago. Poderá alguém imaginar o estado de raiva e não ver o peito em
ebulição, o rosto congestionado, as narinas dilatadas, os dentes cerrados e o
impulso para a ação vigorosa, mas, ao contrário, músculos flácidos, respiração
calma e um rosto plácido? (JAMES, W. [1890]. The principles of psychology.
Vols. Nova York, Dover Publications, 1950.)
James conseguiu captar com essas palavras, bastante avançadas
tanto para a sua como para a época atual, o mecanismo essencial para a
compreensão das emoções e dos sentimentos.
O conteúdo essencial dos sentimentos é um estado corporal
mapeado num sistema de regiões cerebrais a partir do qual uma certa imagem
mental do corpo pode emergir. Na sua essência, um sentimento é uma ideia,
uma ideia do corpo, uma ideia de um certo aspecto do corpo quando o
organismo é levado a reagir a um certo objeto ou situação. Um sentimento de
16
emoção é uma ideia do corpo quando este é perturbado pelo processo
emocional, ou seja, quando um estímulo emocionalmente competente
desencadeia uma emoção.
A despeito desses conhecimentos já construídos – os quais
permitem a proposição de diferentes, mas integrados, sistemas das emoções –
um longo percurso ainda há de ser trilhado, para que se adquira melhor
compreensão dos mecanismos neurobiológicos fundamentais relacionados às
– quiçá determinantes das – emoções, vereda que, pressupõe-se, poderá ser
capaz de aproximar o homem da compreensão de sua própria condição de
homem.
17
CAPÍTULO II
VISÃO INTEGRADA DO SER HUMANO SOB A ÓTICA
DA NEUROCIÊNCIA
Segundo António Damásio (2004), para que servem os sentimentos?
Poder-se-ia argumentar que as emoções sem sentimentos seriam mais do que
suficientes para a regulação da vida e para a promoção da sobrevivência.
Porém, não é esse o caso. Na orquestração da sobrevivência é extremamente
valioso ter sentimentos. As emoções são úteis em si mesmas, mas é o
processo de sentir que alerta o organismo para o problema que a emoção
começou a resolver. O processo simples de sentir começa por dar ao
organismo o incentivo para se ocupar dos resultados da emoção (o sofrimento
começa pelos sentimentos, embora seja realçado pelo conhecer, e o mesmo se
pode dizer sobre a alegria). O sentir constitui, também, pedra angular para a
etapa seguinte – o sentimento de conhecer que sentimos. Por sua vez, o
conhecer é pedra angular para o processo de planeamento de respostas
específicas e não estereotipadas que podem, quer complementar uma emoção,
quer garantir que os ganhos imediatos obtidos pela emoção possam ser
mantidos ao longo do tempo. Por outras palavras «sentir» os sentimentos
prolonga o alcance da emoção, ao facilitar o planeamento de formas de
respostas adaptativas, originais e feitas à medida da situação.
Qualquer que seja a questão que possa-se levantar sobre quem
somos e por que somos como somos, uma coisa é certa: somos organismos
vivos complexos, com um corpo propriamente dito a (“corpo”, para abreviar) e
com um sistema nervoso (“cérebro”, para abreviar).
O cérebro e o corpo encontram-se indissociavelmente integrados por
circuitos bioquímicos e neurais recíprocos dirigidos um para o outro. Existem
duas vias principais de interconexão. A via em que normalmente se pensa
primeiro é a constituída por nervos motores e sensoriais periféricos que
transportam sinais de todas as partes do corpo para o cérebro, e do cérebro
18
para todas as partes do corpo. A outra via, que vem menos facilmente à mente,
embora seja bastante mais antiga em termos evolutivos, é a corrente
sanguínea; ela transporta sinais químicos, como os hormônios, os
neurotransmissores e os neuromoduladores.
Pode-se observar a complexidade as relações: cada músculo,
articulação ou órgão interno — podem enviar sinais para o cérebro através dos
nervos periféricos. Esses sinais entram no cérebro no nível da medula espinal
ou do tronco cerebral e são transportados para seu interior, de estação neural
em estação neural, até os córtices somatossensoriais no lobo parietal e na
região insular; as substâncias químicas que surgem da atividade do corpo
podem alcançar o cérebro por meio da corrente sanguínea e influenciar seu
funcionamento, diretamente ou pela estimulação de locais cerebrais especiais
(exemplo: o órgão subfórnix); na direção oposta, o cérebro pode atuar, por
intermédio dos nervos, em todas as partes do corpo. Os agentes dessas ações
são o sistema nervoso autônomo (ou visceral) e o sistema nervoso músculo-
esquelético (ou voluntário). Os sinais para o sistema nervoso autônomo têm
origem nas regiões evolutivamente mais antigas (a amígdala, o cíngulo, o
hipotálamo e o tronco cerebral), enquanto os sinais para o sistema músculo-
esquelético têm origem em vários córtices motores e núcleos motores
subcorticais; o cérebro atua também no corpo por meio da produção (ou da
ordem para se produzir) de substâncias químicas que são liberadas na corrente
sanguínea, como hormônios, transmissores e moduladores.
O cérebro recebe sinais não apenas do corpo mas, em alguns de
seus setores, de partes de sua própria estrutura, as quais recebem sinais do
corpo! O organismo constituído pela parceria cérebro-corpo interage com o
ambiente como um conjunto, não sendo a interação só do corpo ou só do
cérebro. Porém, organismos complexos como os humanos fazem mais do que
interagir, fazem mais do que gerar respostas externas espontâneas ou reativas
que no seu conjunto são conhecidas como comportamento. Eles geram
também respostas internas, algumas das quais constituem imagens (visuais,
auditivas, somatossensoriais) que postulei como sendo a base para a mente.
19
Nem todas as ações comandadas por um cérebro são causadas por
deliberação. Pelo contrário, é correto supor que a maior parte das ações
causadas pelo cérebro e que estão ocorrendo neste preciso momento não são
de todo deliberadas. Constituem respostas simples, das quais o movimento
reflexo é um exemplo: um estímulo transmitido por um neurônio que leva outro
neurônio a agir. À medida que os organismos adquiriram maior complexidade,
as ações “causadas pelo cérebro” necessitaram de um maior processamento
intermediário. Outros neurônios foram interpolados entre o neurônio do
estímulo e o neurônio da resposta, e variados circuitos paralelos assim se
estabeleceram, mas isso não quer dizer que o organismo com esse cérebro
mais complexo tivesse necessariamente uma mente. Os cérebros podem
apresentar muitos passos que intervêm nos circuitos que fazem a mediação
entre o estímulo e a resposta, e ainda assim não possuírem uma mente, caso
não satisfaçam uma condição essencial: possuir a capacidade de exibir
imagens internamente e de ordenar essas imagens num processo chamado
pensamento.
O fato de um dado organismo possuir uma mente significa que ele
forma representações neurais que se podem tornar imagens manipuláveis num
processo chamado pensamento, o qual acaba por influenciar o comportamento
em virtude do auxílio que confere em termos de previsão do futuro, de
planejamento desse de acordo com essa previsão e da escolha da próxima
ação. Reside aqui o centro da neurobiologia: o processo por meio do qual as
representações neurais, que são modificações biológicas criadas por
aprendizagem num circuito de neurônios, se transformam em imagens nas
nossas mentes; os processos que permitem que modificações microestruturais
invisíveis nos circuitos de neurônios (em corpos celulares, dendritos e axônios,
e sinapses) se tornem uma representação neural, a qual por sua vez se
transforma numa imagem que cada um de nós experiência como sendo sua.
Numa primeira aproximação, a função global do cérebro é estar bem informado
sobre o que se passa no resto do corpo (o corpo propriamente dito); sobre o
que se passa em si próprio; e sobre o meio ambiente que rodeia o organismo,
de modo que se obtenha acomodações de sobrevivência adequadas entre o
20
organismo e o ambiente. De uma perspectiva evolutiva, nada está em
contradição com isso. Se não tivesse havido o corpo, não teria surgido o
cérebro. Os organismos simples que possuem apenas corpo e comportamento,
mas estão desprovidos de cérebro ou de mente, ainda existem e são, de fato,
bastante mais numerosos que os seres humanos em várias ordens de
grandeza.
Se o corpo e o cérebro interagem intensamente entre si, o
organismo que eles formam interage de forma não menos intensa com o
ambiente que o rodeia. Suas relações são mediadas pelo movimento do
organismo e pelos aparelhos sensoriais.
Desde os anos 1950 e 60, pesquisas em neurociências já
evidenciavam problemas incontornáveis em modelos variantes do dualismo
substancialista (isto é, de uma substância pensante, racional, em oposição a
uma substância corpórea, material, animada pela alma) e vários outros
surgiram nas décadas seguintes, com propostas alternativas, mas que apenas
reformulavam o dualismo ou reduziam os processos mentais a padrões de
comportamento condicionado (behaviorismo), a uma teoria da identidade (entre
mente e cérebro), aos estados físicos do cérebro (fisicalismo) ou aos papéis
causais e funcionais numa economia complexa de estados internos, mediando
entradas (inputs) de dados sensoriais e saídas (outputs) comportamentais
(funcionalismo), assim como os reducionismos materialistas que propunham
eliminar as explicações que aludem aos estados psicológicos (materialismo
eliminacionista).
Sobre a perspectiva neurofilosófica, as neurociências e ciências
cognitivas se prestam ao estudo interdisciplinar dos processos mentais, ou, em
termos neurocientíficos, dos processos cerebrais e redes neurais nas
complexas dimensões interativas do cérebro e da mente com o meio físico,
social e cultural.
Os problemas metafísicos do dualismo e do self ("eu") são destarte
explorados e revisitados à luz das ciências cognitivas e neurociências,
delimitando o estado da arte relativo ao problema da normatividade como uma
21
de suas principais linhas de pesquisa, contrapondo modelos naturalistas e
culturalistas, na medida em que lidam com questões de neurociência, biologia
evolucionista, evolução social e progresso moral.
Segundo Damásio (2005, p. 282), a compreensão cabal da mente
humana requer a adoção de uma perspectiva do organismo...não só a mente
tem de passar de um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico,
como deve também ser relacionada com todo o organismo que possui cérebro
e corpo integrados e que se encontra plenamente interativo com um meio
ambiente físico e social.
Pesquisas multidisciplinares e transdisciplinares da neurociência e
da neurofilosofia nessas décadas acabariam por favorecer a convergência em
sua dimensão social e pluralista, para além dos reducionismos naturalistas e
fisicalistas das primeiras décadas, com a investigação interdisciplinar de
processos decisórios à luz da correlação neurocognitiva entre razão, emoção e
consciência.
Ao articular processos sociais, intersubjetivos, e processos
neurobiológicos, que explicam a evolução do cérebro humano e a emergência
da consciência, do "eu", da memória, da linguagem, da subjetividade e suas
representações e construções criativas e portadoras de significado. Para
Damásio (2011), se a consciência não se desenvolvesse no decorrer da
evolução e não se expandisse em sua versão humana, a humanidade que hoje
conhecemos, com todas as suas fragilidades e forças, nunca teria se
desenvolvido também.
Trata-se de evitar, por um lado, as idealizações a priori do dualismo
cartesiano que persistem em modelos tradicionais da teoria da escolha racional
(rational choice), e por outro lado, o relativismo, o niilismo e o decisionismo
morais de posturas culturalistas que rechaçam qualquer possibilidade de
embasamento racional ou normativo em processos decisórios.
Segundo a concepção integrada de emoções e valores normativos
em Damásio, um naturalismo mitigado equivale a reconhecer que, embora
22
sejam socialmente construídos, valores morais, práticas, dispositivos e
instituições como família, dinheiro, sociedade e governo, não podem ser
reduzidos a propriedades físicas ou naturais, mas também, por outro lado,
prescindem das mesmas na própria constituição de seus elementos
intersubjetivos de autocompreensão – daí o adjetivo "mitigado" (weak) para
diferenciá-lo de um naturalismo reducionista (fisicalismo) e de um
construcionismo subjetivista, relativista ou pós-moderno.
Uma teoria emocionalista-sentimentalista da moral logra articular
razão, emoção e processos de tomada de decisão em termos empírico-
filosóficos, na medida em que sentimentos cognitivos prescindem de um nível
reflexivo, que nem sempre se encontra nas emoções, particularmente, nas
"emoções primárias". (Damásio, 1999).
Segundo Damásio, o sentimento emocional é a percepção, no
neocórtex, das respostas corporais aos estímulos imediatos, através dos
centros cerebrais inferiores. As emoções têm função social e papel decisivo no
processo de interação e integração sociais. As emoções são adaptações
singulares que integram o mecanismo com o qual os organismos regulam sua
sobrevivência orgânica e social. Damásio faz uma distinção entre sentimento
(experiência mental da emoção) e emoção (conjunto de reações orgânicas), de
forma a estabelecer os fundamentos biológicos que ligam sentimento e
consciência. Em um nível básico, as emoções são parte da regulação
homeostática e constituem-se como um poderoso mecanismo de
aprendizagem. Ao longo do desenvolvimento, se a consciência não se
desenvolvesse no decorrer da evolução e não se expandisse em sua versão
humana, a humanidade que hoje conhecemos, com todas as suas fragilidades
e forças, nunca teria se desenvolvido também. (Damásio, 2011)
Tudo indica que a aprendizagem está intimamente ligada à
afetividade, ao desejo. Para cada ato motor, tem-se um esquema: para andar,
correr, corrigir a postura. Nesta combinação dos neurônios motores medulares
com a musculatura periférica, há uma garantia de uma sequência do
movimento adequada ao peso do corpo. Os neurônios aprendem então junto
23
com as unidades motoras da musculatura o ajustamento necessário para que o
sistema seja mais econômico e eficiente possível.
A emoção fazer parte do movimento é algo que não se pode
separar, porque está dentro do feixe neural, do organismo neural que funciona
no movimento. O movimento tem sempre um “peso” de sentimento, de
emoção.
De acordo com Damásio (2000), as emoções acabam por ajudar a ligar
a regulação homeostática e os 'valores' de sobrevivência a muitos eventos e
objetos de nossa experiência autobiográfica.
As emoções fornecem aos indivíduos comportamentos voltados para
a sobrevivência e são inseparáveis de nossas ideias e sentimentos
relacionados com a recompensa ou punição, prazer ou dor, aproximação ou
afastamento, vantagem ou desvantagem pessoal etc. na medida em que a
base neural desses eventos nos permite distinguir três etapas de
processamento que fazem parte de um contínuo.
Para Damásio (2000), um estado de emoção, que pode ser
desencadeado e executado inconscientemente; um estado de sentimento, que
pode ser representado inconscientemente, e um estado de sentimento tornado
consciente, isto é, que é conhecido pelo organismo que está tendo emoção e
sentimento.
A emoção desencadeada por determinado estímulo dá origem a
"programa de ações", diferentes conforme o tipo de emoção, que provocam
alterações no rosto, no corpo ou no sistema endócrino (estratégias ativas). O
corar de um rosto, a tensão muscular, o aumento do ritmo cardíaco, ou o
aumento da secreção de determinado hormônio são exemplos dessas
alterações fisiológicas.
Damásio destaca o valor adaptativo das emoções e de sua função
na interação social, e propõe uma classificação em termos de três tipos de
emoções: de fundo (emoções mais vagas, como o entusiasmo e o
24
desencorajamento), primárias (mais pontuais, como a tristeza, o medo, a raiva
ou a alegria) e sociais (resultantes de um contexto sociocultural – como a
empatia, a compaixão, a vergonha ou o orgulho).
As emoções básicas (alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa,
repugnância) são consideradas universais pelo reconhecimento através da
expressão facial e são geradas por situações extremas, sendo o seu contágio
entre os membros de um grupo social um potencial catalizador de
comportamentos coletivos.
O ser humano é capaz de se situar no mundo, refletir sobre o
mesmo e criar sua história. O homem faz sua história, é produto e produz seu
mundo e esta é talvez, a grandiosidade do ser humano, que deve ter
consciência do seu papel no mundo. Para tanto, se faz necessário saber julgar
o seu papel dentro de uma perspectiva global, em suas relações afetivas e
sociais. Assim, ressalta-se a importância de refletir a relação entre inteligência,
afetividade, julgamento moral e ética.
É possível considerar que a tomada de decisões torna-se
diretamente dependente da associação emocional realizada pelo indivíduo ao
vivenciar determinadas situações cotidianas.
Com o desenvolvimento das neurociências, postula-se que, como a
percepção e a ação, a emoção é relacionada a circuitos cerebrais distintos.
Ademais, as emoções estão geralmente acompanhadas por respostas
autonômicas, endócrinas e motoras esqueléticas – que dependem de áreas
subcorticais do sistema nervoso –, as quais preparam o corpo para a ação.
Com efeito, acredita-se que a ciência será capaz de explicar os aspectos
biológicos relacionados à emoção, mas não o que é a emoção: esta
permanece como uma questão prevalentemente filosófica.
Diante das reflexões apresentadas, baseadas nos autores
elencados, observa-se a importância da interação entre inteligência, emoção e
afeto no dinamismo do funcionamento da inteligência. Portanto inteligência,
emoção e afeto, da mesma forma, não apresentam hierarquia de um sobre o
25
outro, devendo ser compreendidos de modo indissociável nas ações do ser
humano, mesmo quando um se põe em maior evidência que o outro em
determinado momento para atender as demandas impostas pelo ambiente ou
situação.
26
CAPÍTULO III
A RELAÇÃO ENTRE A INTELIGÊNCIA E A
AFETIVIDADE, O PENSAR E O SENTIR
Vários foram os pensadores e filósofos que, desde a Grécia Antiga,
postularam uma suposta dicotomia entre razão e emoção, pensar e sentir.
Quando Platão definiu como virtude a liberação e troca de todas as paixões,
prazeres e valores individuais pelo pensamento, considerado, por ele, um valor
universal e ligado à imutabilidade das formas eternas (Silva, 2002), e quando
Descartes criou a tão conhecida e famosa afirmação na história da filosofia -
"Penso, logo existo"-, sugeriam a possibilidade de separação entre razão e
emoção ou, o que seria mais adequado, assumiram implicitamente uma
hierarquia entre tais instâncias do raciocínio humano, em que o pensamento
tem valor de excelência.
Por influência evidente da filosofia, de onde surgiram, durante muitas
décadas as teorias psicológicas estudaram separadamente os processos
cognitivos e afetivos. Seja por dificuldade em estudá-los de forma integrada,
seja por crença dos psicólogos e cientistas que se debruçaram sobre a
temática.
Observa-se ainda, na atualidade, posições antagônicas presentes,
em diversos relatos de estudos e pesquisa, sobre a discussão entre a base
genética da inteligência, o potencial inato e do que é aprendido, o que depende
da aprendizagem, das habilidades no ser humano. A fundamentação teórica,
que segue os pressupostos do empirismo, coloca a experiência como fator
fundamental para o estudo da inteligência. Por outro lado, ao acreditar na base
genética da inteligência, a fundamentação teórica passa a ser pautada no
modelo inatista. Entretanto, é importante mencionar a ideia mediadora, que
acredita na base genética da inteligência sem descartar a importância da
experiência e da dimensão afetiva.
27
Estudos apontam a importância do reconhecimento de uma base
genética no estudo da Inteligência, porém é importante também considerar as
experiências vivenciadas, as relações com o outro, suas emoções, sua
afetividade. Nenhum ser humano é pronto e acabado ao nascer e a sua relação
com o mundo que o cerca e com o outro é de extrema importância. À medida
que aprende, este aprendizado é incorporado, passando a fazer parte da sua
visão de mundo.
Os “sistemas das emoções” – ao menos como vêm sendo
entendidos recentemente – parecem estar organizados em rede; nestas não
existem componentes morfofuncionalmente regulatórios mais pronunciados, ou
seja, todos os elementos exercem papéis regulatórios semelhantes entre si.
Pode-se, então, compreender que tais sistemas dependem da integração de
seus componentes de uma forma complexa, não-hierárquica.
Embora não se tenha uma definição precisa dos circuitos neuronais
envolvidos no complexo “sistema das emoções”, podem ser descritas, de modo
didático, algumas vias neuronais, sem perder de vista que elas estão, em
última análise, integradas funcionalmente.
As emoções mais “primitivas” e bem estudadas pelos
neurofisiologistas – com a finalidade de estabelecer suas relações com o
funcionamento cerebral – são a sensação de recompensa (prazer, satisfação) e
de punição (desgosto, aversão), tendo sido caracterizado, para cada uma
delas, um circuito encefálico específico. O “centro de recompensa” está
relacionado, principalmente, ao feixe prosencefálico medial – nos núcleos
lateral e ventromedial do hipotálamo –, havendo conexões com o septo, a
amígdala, algumas áreas do tálamo e os gânglios da base. Já o “centro de
punição” é descrito com localização na área cinzenta central que rodeia o
aqueduto cerebral de Sylvius, no mesencéfalo, estendendo-se às zonas
periventriculares do hipotálamo e tálamo, estando relacionado à amígdala e ao
hipocampo e, também, às porções mediais do hipotálamo e às porções laterais
da área tegmental do mesencéfalo.
28
Quanto à afetividade, ressalta-se que ao apontar o item afetividade
separado da inteligência foi apenas para atender a um fim didático de
definição, uma vez que, este estudo defende a ideia de indissociabilidade
destes dois construtos.
A afetividade costuma ser definida como um conjunto de
sentimentos e emoções, porém deve-se salientar que as emoções são
fenômenos afetivos internos que podem, na maioria das vezes, surgir de forma
brusca, assim como desaparecer ou perder a importância. Já os sentimentos
são tratados pelos referidos autores como fenômenos afetivos estáveis,
resultantes da intelectualização das emoções. Percebe-se, nesta afirmativa a
presença indissociável da emoção e da inteligência, no sentido de buscar
compreender as emoções, dando-lhe sentido e tornando-a sentimento.
Tanto no campo da psicologia quanto no campo da neurologia e da
neurociência, algumas perspectivas teóricas e científicas questionaram os
tradicionais dualismos do pensamento ocidental, apontando caminhos e
hipóteses que prometem inovar as teorias sobre o funcionamento psíquico
humano, na direção de integrar dialeticamente cognição e afetividade, razão e
emoções. Introduzir as emoções, no domínio da inteligência, em vez de ver
“emoção” e “inteligência” como uma inerente contradição terminológica.
É incontestável que o afeto desempenha um papel essencial no
funcionamento da inteligência. Sem afeto não haveria interesse, nem
necessidade, nem motivação; e consequentemente, perguntas ou problemas
nunca seriam colocados e não haveria inteligência. A afetividade é uma
condição necessária na constituição da inteligência mas, não é suficiente.
Ao considerar algumas maneiras diferentes as relações entre
afetividade e inteligência, a verdadeira essência da inteligência é a formação
progressiva das estruturas operacionais e pré-operacionais. Na relação entre
inteligência e afeto, postula-se que o afeto faz ou pode causar a formação de
estruturas cognitivas. Muitos autores têm apresentado tal tese, por exemplo,
Charles Odier em seu estudo das relações entre psicanálise, sustentou que o
esquema do objeto permanente – as descobertas que o bebê faz sobre a
29
permanência do objeto quando ele desaparece do seu campo visual – é
causado por sentimento, por relações objetais. Ou seja, isto é devido às
relações afetivas da criança com o objeto ou pessoa envolvida. Em outras
palavras, as relações afetivas da criança com o objeto-mãe, ou outras pessoas,
são responsáveis pela formação da estrutura cognitiva. O psicólogo francês
Wallon acha que a emoção é a fonte do conhecimento. Um estudioso de
Wallon, Malrieux, chega até a dizer que a estimativa de distância, ou a
percepção de distância, é devida ao desejo de alcançar objetos distantes, e
não à própria distância dos objetos. O afeto explica a aceleração ou
retardamento da formação das estruturas; aceleração no caso de interesse e
necessidade, retardamento quando a situação afetiva é obstáculo para o
desenvolvimento intelectual.
As emoções e os sentimentos fazem parte de nossas vivências e
são importantes na solução de problemas, no raciocínio e no funcionamento
inteligente, em relação às questões que o ser humano se depara em sua vida,
num constante equilíbrio/desequilíbrio em busca de uma homeostasia.
Para Damásio (2013), a ligação do corpo com a emoção se
relaciona com o que chamou de homeostasia, que seria uma maquinaria que
regulariza a vida e que, neste processo, também pode-se incluir as relações
sociais e culturais os quais o ser humano está inserido, provocando um
movimento no sujeito capaz de influenciar o grupo social e a cultura deste
grupo. O ser humano reage à detecção de um desequilíbrio no processo de
vida e, ao perceber este desequilíbrio, procura corrigi-lo, no sentido de adaptar-
se, dento dos limites da biologia humana e do ambiente físico e social.
Jean Piaget foi um dos pioneiros a questionar as teorias que
tratavam a afetividade e a cognição como aspectos funcionais separados. Em
um trabalho publicado a partir de um curso que ministrou na Universidade de
Sorbonne (Paris) no ano acadêmico de 1953-54, "Les relations entre
l'intelligence et l'affectivité dans le développement de l'enfant", o autor discursa
sobre o fato de que, apesar de diferentes em sua natureza, a afetividade e a
cognição são inseparáveis, indissociadas em todas as ações simbólicas e
30
sensório-motoras. Postulou que toda ação e pensamento comportam um
aspecto cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo,
representado por uma energética, que é a afetividade.
Segundo Piaget, não existem estados afetivos sem elementos
cognitivos, assim como não existem comportamentos puramente cognitivos.
Quando discute os papéis da assimilação e da acomodação cognitiva, afirma
que esses processos da adaptação também possuem um lado afetivo: na
assimilação, o aspecto afetivo é o interesse em assimilar o objeto ao self (o
aspecto cognitivo é a compreensão); enquanto na acomodação a afetividade
está presente no interesse pelo objeto novo (o aspecto cognitivo está no ajuste
dos esquemas de pensamento ao fenômeno).
Nessa perspectiva, o papel da afetividade para Piaget é funcional na
inteligência. Ela é a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu
funcionamento, Segundo Piaget (1954-1980), afetividade seria como a
gasolina, que ativa o motor de um carro mas não modifica sua estrutura.
Existe uma relação intrínseca entre a gasolina e o motor (ou entre a
afetividade e a cognição) porque o funcionamento do motor, comparado com
as estruturas mentais, não é possível sem o combustível, que é a afetividade.
Na relação do sujeito com os objetos, com as pessoas e consigo
mesmo, existe uma energia que direciona seu interesse para uma situação ou
outra, e a essa energética corresponde uma ação cognitiva que organiza o
funcionamento mental. Para Piaget (1954-1980), é o interesse e, assim, a
afetividade que fazem com que uma criança decida seriar objetos e quais
objetos seriar.
Todos os objetos de conhecimento são simultaneamente cognitivos
e afetivos, e as pessoas, ao mesmo tempo que são objeto de conhecimento,
são também de afeto.
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) também tematizou as
relações entre afeto e cognição, postulando que as emoções integram-se ao
31
funcionamento mental geral, tendo uma participação ativa em sua
configuração.
Reconhecendo as bases orgânicas sobre as quais as emoções
humanas se desenvolvem, Vygotsky buscou no desenvolvimento da linguagem
- sistema simbólico básico de todos os grupos humanos -, os elementos
fundamentais para compreender as origens do psiquismo.
Produto e expressão da cultura, a linguagem configura-se, na teoria
de Vygotsky, como um lugar de constituição e expressão dos modos de vida
culturalmente elaborados. A linguagem forneceria, pois, os conceitos e as
formas de organização do real.
Vigotsky (1993) aponta que há uma deficiência na psicologia
tradicional ao tentar separar as dimensões afetivas e cognitivas, enquanto
objetos de estudos, uma vez que ambas estão relacionadas dialogicamente
com as necessidades, inclinações e interesses daquele que pensa. Assim,
emoção e inteligência não podem ser pensadas “dissociados da plenitude da
vida” (Vigotsky, 1993). Explicita claramente sua abordagem unificadora entre
as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento psicológico. Segundo
Vygotsky (1996), a forma de pensar, que junto com o sistema de conceito nos
foi imposta pelo meio que nos rodeia, inclui também nossos sentimentos. Não
sentimos simplesmente: o sentimento é percebido por nós sob a forma de
ciúme, cólera, ultraje, ofensa. Se dizemos que desprezamos alguém, o fato de
nomear os sentimentos faz com que estes variem, já que mantêm uma certa
relação com nossos pensamentos.
Damásio (1996), postula a existência de uma forte interação entre a
razão e as emoções, defendendo a ideia de que os sentimentos e as emoções
são uma percepção direta dos estados corporais e constituem um elo essencial
entre o corpo e a consciência. Identificou, no acompanhamento de pacientes
com lesões cerebrais - especialmente pré-frontais -, características comuns.
Dentre elas, uma significativa redução das atividades emocionais. Isso o levou
a estabelecer relações entre áreas cerebrais, raciocínio e tomada de decisões
e emoções.
32
De acordo com Damásio (1996), parece existir um conjunto de
sistemas no cérebro humano consistentemente dedicados ao processo de
pensamento orientado para um determinado fim, ao qual chamamos raciocínio,
e à seleção de uma resposta, a que chamamos tomada de decisão, com uma
ênfase especial no domínio pessoal e social. Esse mesmo conjunto de
sistemas está também envolvido nas emoções e nos sentimentos e dedica-se
em parte ao processamento dos sinais do corpo.
Damásio (2009) aponta que a emoção e o sentimento
desempenham um papel no raciocínio e cita Espinoza: “recomendava que
lutássemos contra as emoções negativas com emoções ainda mais fortes, mas
positivas, conseguidas por meio do raciocínio e do esforço intelectual”.
Desta afirmação, pode-se observar a importância do exercício, do
raciocínio e do esforço intelectual no controle emocional. Ressalta-se a
importância desta recomendação, pois se é possível lutar contra uma emoção
negativa por meio de uma emoção positiva mais forte pode-se observar o
caráter homeostático e organizador da emoção. Este exercício emocional pode
ser realizado em diversas áreas de estudo e atuação como a psicologia,
sociologia, medicina, educação e outros.
Pode-se entender como emoção negativa desorganizadora como
aquela que leva a um desequilíbrio físico / emocional / cognitivo no sujeito, sem
possibilidade de reagir a esta emoção. A reflexão (ato inteligente) sobre esta
emoção e o exercício emocional para compreendê-la e inferir uma resposta
positiva a esta emoção trata de uma tentativa de reorganização diante das
diferentes situações onde o equilíbrio deve ser retomado, ou seja, a retomada
da homeostasia. Pode-se exemplificar tal fato diante das situações de medo
onde o sujeito pode ser tomado por uma paralisia diante da situação e, a partir
da necessidade de enfrentar tal situação, é colocado a reagir diante do perigo
eminente, ou fugindo, ou escondendo-se, ou enfrentando a situação causadora
do sentimento “medo”. Esta escolha de decisão diante desta emoção negativa
desorganizadora é a busca inteligente por uma resposta positiva, apontada por
Espinoza, para a retomada do equilíbrio.
33
Para Damásio (2009), a emoção e o sentimento assentam-se em
dois processos básicos, que funcionam em paralelo, o primeiro, a imagem de
um determinado estado do corpo justaposto ao conjunto de imagens
desencadeadoras e avaliativas que o causaram; e o segundo, um determinado
estilo e nível de eficácia do processo cognitivo que acompanha os
acontecimentos descritos no primeiro.
Estabelecendo uma intrínseca relação entre os sentimentos e os
modos cognitivos, postula ainda que: essência da tristeza ou da felicidade é a
percepção combinada de determinados estados corporais e de pensamentos
que estejam justapostos, complementados por uma alteração no estilo e na
eficiência do processo de pensamento.
A importância da dimensão afetiva da inteligência está aqui
fundamentada em autores e estudos que tratam da emoção e da razão nos
diversos campos, a saber: Psicologia, Filosofia, Neurociência e Educação entre
outros, embasados na relação aqui defendida entre inteligência e afetividade,
entre o pensar e o sentir, conectados, sem que possa haver dicotomia entre
corpo e mente, entre razão e emoção.
Quanto a importância da dimensão afetiva no funcionamento
inteligente, este capítulo corrobora-se com os estudos que apresentaram uma
visão integrada do ser humano, apontando a relação entre a afetividade e a
inteligência sem hierarquia e sem priorizar uma ou outra, tanto no processo de
desenvolvimento humano como no funcionamento da inteligência.
34
CAPÍTULO IV
FUNCIONAMENTO NÃO DICOTÔMICO ENTRE RAZÃO
E EMOÇÃO VOLTADO PARA AS DIVERSAS ÁREAS
HUMANAS E SOCIAIS
A arte de viver perpassa pelo grande desafio humano, que é
conduzir a inteligência cognitiva junto com as reações das emoções. Pode-se
acrescentar que a capacidade de aprender a lidar com as emoções e de ser
inteligente está ligada à compreensão existente entre a relação cognitiva e
emocional. E quando o humano entende e desenvolve essa capacidade
interligada, provoca o equilíbrio nesse processo de aprendizagem,
principalmente quando esse é percebido pelo próprio indivíduo por meio de
suas experiências e maturidade neurobiopsicológica. O que leva a supor que o
sentimento dado à emoção no momento do aprender interfere no resultado final
no processo de uma aprendizagem significativa.
De acordo com Relvas (2014), aprendemos com a cognição, mas,
sem dúvida alguma, aprendemos pela emoção. O desafio é unir conteúdos
coerentes, desejos, curiosidades e afetos para uma prazerosa aprendizagem.
Os processos psíquicos formam-se a partir de relações de
interdependência entre aspectos sociais, cognitivos, afetivos e do âmbito.
As emoções e os sentimentos são aspectos das interações aos quais não tem
sido dada suficiente ênfase, apesar todos reconhecerem a importância das
emoções na interação social.
Segundo Damásio, as emoções têm função social e papel decisivo
no processo da interação. As emoções são adaptações singulares que
integram o mecanismo com o qual os organismos regulam sua sobrevivência
orgânica e social.
Em um nível básico, as emoções são partes da regulação
homeostática e constituem-se como um poderoso mecanismo de
35
aprendizagem. Ao longo do desenvolvimento, segundo Damásio (2000), as
emoções acabam por ajudar a ligar a regulação homeostática e os ‘valores’ de
sobrevivência a muitos eventos e objetos de nossa experiência autobiográfica.
As emoções fornecem aos indivíduos comportamentos voltados
para a sobrevivência e são inseparáveis de nossas ideias e sentimentos
relacionados a recompensa ou punição, prazer ou dor, aproximação ou
afastamento, vantagem ou desvantagem pessoal etc.
No entanto, definir o que são as emoções não é uma tarefa simples.
As dificuldades nascem da diversidade dos tipos de manifestações emocionais
e da diversidade de teorias divergentes nos vários domínios da pesquisa
psicológica que, a partir de estudos experimentais, enfocam o tema das
emoções.
Nas últimas décadas o estudo das emoções vem sendo intensificado
por profissionais das diversas áreas do conhecimento científico, configurando-
se como um fator relevante para o processo de desenvolvimento humano.
Desse modo, buscar-se nos fundamentos de Goleman (1995),
argumentos para tentar entender o sentido do termo emoção. Todas as
emoções são, em essência, impulsos para lidar com a vida que a evolução nos
infundiu. A partir dessa proposição, julga-se que as emoções funcionam como
um sinalizador interno de que algo importante está acontecendo.
Procurando reforçar o argumento anterior concebe-se que as emoções, numa
perspectiva cognitiva, surgem como elementos da cognição; como mecanismos
mentais presentes na percepção, no pensamento, na atenção, na memória, de
cada indivíduo; a serem utilizados sempre que necessário para dar respostas
apropriadas aos acontecimentos a que sejam submetidos,
Busca-se identificação das emoções nas áreas distintas a seguir:
As primárias (inatas): medo, alegria, raiva; são identificadas desde o
nascimento e, podem estar relacionadas às necessidades naturais de
sobrevivência do ser humano. Por conseguinte, outras emoções podem surgir
36
ao longo da vida, mediante situações vivenciadas - as secundárias (sociais);
são elas: a vergonha, paixão, tristeza, desprezo, surpresa, amor.
A emoção humana, como um processo complexo que emerge
historicamente na obra de Vygotsky, tem um estatuto diferenciado no
psiquismo, podendo ser compreendida como: “processo complexo que emerge
historicamente” (Vigotski, 1930/1999); “organizador interno de nosso
comportamento” (Vygotsky, 1933/2004); fortes motivações que influem em nosso
comportamento” (Vygotsky, 1933/2004); “função da personalidade” (Vygotsky,
1933/2004).
Compreender a questão das emoções na obra de Vygotsky implica
em pensar no processo de constituição da personalidade e do sistema
interfuncional e dinâmico, que caracteriza o psiquismo humano, na história e na
cultura.
Vygotsky ressalta o caráter dinâmico e dramático inerente ao
processo de construção da personalidade humana, que se faz num processo
dialético de interconstituição entre o individual e o social, o racional e o
emociona.
Para Vygotsky (1929/2000), o drama realmente está repleto de luta
interna impossível nos sistemas orgânicos: a dinâmica da personalidade é o
drama. Nesse sentido, Vygotsky levanta a hipótese de uma “organização
dramática do psiquismo humano” e busca explicar essa organização como
resultante da dinâmica das relações sociais vivenciadas pelos indivíduos.
De acordo com Vigotsky ( 1929-2000), por trás de todas as funções
superiores e suas relações encontram-se relações geneticamente sociais,
relações reais das pessoas (Homo duplex) Daí o princípio e método da
personificação na pesquisa do desenvolvimento cultural, isto é, a divisão das
funções entre as pessoas, personificação das funções. ...Psicologia em termos
de drama.
37
A forma como as pessoas expressam seus sentimentos constitui-se
numa competência social muito importante, ao enviar sinais emocionais
sempre que interagem, esses sinais afetam aqueles com quem estão.
Quanto mais hábeis nas relações com o outro, melhor controla-se
sinais enviados: forma reservada com que se comporta a sociedade bem-
educada é, enfim, apenas um meio de assegurar que nenhum vazamento
emocional perturbador vai prejudicar os relacionamentos.
Os hábeis em inteligência social ligam-se facilmente com as
pessoas, são exímios na interpretação de suas reações e sentimentos,
conduzem e organizam e controlam as disputas que eclodem em qualquer
atividade humana. São os líderes naturais, pessoas que expressam o tácito
sentimento coletivo e o articulam de modo a orientar o grupo para suas metas.
São aquelas pessoas com as quais os outros gostam de estar porque são
emocionalmente animadoras. Essas aptidões interpessoais se alimentam de
outras inteligências emocionais. As pessoas que causam uma excelente
impressão social, por exemplo, são hábeis no controle de suas expressões de
emoção, finamente sintonizadas com a maneira como os outros reagem e,
assim, capazes de continuamente sintonizar sua atuação social, ajustando-a
para assegurar-se de que estão obtendo o efeito desejado.
Para compreender o modo como as emoções significam nas
relações sociais e no processo dramático de constituição do sujeito é
necessário compreender essa intrincada relação da emoção com as demais
funções psicológicas na consciência que, emerge na/ pelas relações sociais e
indagar sobre as posições sociais ocupadas pelos sujeitos e pelos sujeitos que
se emocionam na dinâmica das interações.
Nesse sentido, a emoção não é algo de que não se tem consciência,
apenas uma descarga de energia, uma perturbação fisiológica, um sinal
endógeno e expressivo, de caráter unívoco, que pode sempre ser interpretado
da mesma forma. Ao fazer parte do mundo dos sujeitos, a emoção significa na
relação de alteridade e no contexto enunciativo em que emerge e se
(re)produz.
38
Desse modo, segundo Damásio (2000), as emoções estão ligadas à
vida de um organismo, ao seu corpo, para ser exato, e seu papel é auxiliar o
organismo a conservar a vida. A emoção está sempre impregnada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.
O aprendizado e a cultura alteram a expressão das emoções e lhes
conferem novos significados. Assim há, por um lado, os processos biológicos
determinantes das emoções e, por outro, os aspectos sócio-culturais. Existem
reações emocionais universais que são o resultado da evolução biológica, mas
em pessoas adultas elas são subsumidas às reações mais complexas que
refletem a cultura e o desenvolvimento individual. Nessa abordagem
heterogênea (Griffithis, 1997, p. 132-136) existe a conjugação dos aspectos
individuais e dos aspectos sócio-culturais das emoções.
No século XIX, Darwin (1872/1965) propôs um poderoso modelo de
explicação “histórico-adaptativa” para a emoção ao estabelecer uma descrição
anatômica da expressão facial humana. Suas investigações produziram a
descrição dos detalhes da expressão facial e muscular que acompanham
várias emoções. Ele sugeriu homologias para reações em diferentes espécies
e possíveis funções da expressão, hoje e no passado evolucionário. Assim, a
expressão da emoção seria um vestígio das reações em espécies ancestrais.
De acordo com Damásio (2005), a compreensão cabal da mente humana
requer a adoção de uma perspectiva do organismo... não só a mente tem de passar de
um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico, como deve também ser
relacionada com todo o organismo que possui cérebro e corpo integrados e que se
encontra plenamente interativo com um meio ambiente físico e social.
As emoções são coordenadas: vários elementos ocorrem
conjuntamente em padrões ou sequências reconhecíveis. Frequentemente, as
emoções envolvem estados qualitativos de consciência, mas esses estados
não são mais centrais para a identificação das emoções do que as
características das expressões faciais. A teoria da evolução das emoções é
concebida como um modelo de respostas envolvendo a atividade de vários
sistemas corporais e cognitivos. As emoções consistem em reações
39
automáticas. O fluxo da informação perceptual para os mecanismos
controladores das reações emocionais está separado do fluxo de informação e
percepção para os processos cognitivos superiores, responsáveis pela ação
intencional.
O ser humano é único. Somos um todo, um inteiro, composto de
diversas partes que se conectam e relacionam numa teia muito complexa. Em
cada um de nós há perfis diferentes, há tipos de inteligência diferentes, há
estilos de liderança diferentes e, sobretudo, há razão e emoção.
Segundo Relvas (2014), por meio das nossas emoções, pensamentos
e sentimentos que somos capazes de conduzir nossa inteligência cognitiva
(capacidade de compreensão e apreensão de informações) ao melhor para
nossas vidas e para a humanidade.
A etimologia da palavra inteligência vem do latim intelligentia, ae,
(Houaiss & Villar, 2009, p 1094) que significa entendimento, conhecimento.
Assim, segundo a etimologia inteligência, esta palavra está relacionada a
entender e conhecer, mas para um bom funcionamento da inteligência nas
soluções de problemas, nas respostas às situações que o ser humano se
depara em seu cotidiano, nas grandes inovações e criações, nas respostas
inéditas.
A fundamentação teórica, que segue os pressupostos do
empirismo, coloca a experiência como fator fundamental para o estudo da
inteligência. Por outro lado, ao acreditar na base genética da inteligência, a
fundamentação teórica passa a ser pautada no modelo inatista. Entretanto, é
importante mencionar a ideia mediadora, que acredita na base genética da
inteligência sem descartar a importância da experiência e da dimensão afetiva.
Para Damásio (2004), o que se passa é que alma e o espírito, em
toda a sua dignidade e dimensão humana, são os estados complexos e únicos
de um organismo. Talvez a coisa que se torna mais indispensável fazermos,
enquanto seres humanos, seja a de recordar a nós próprios e aos outros a
complexidade, a fragilidade, a finitude e a singularidade que nos caracterizam.
40
A abordagem holística do ser humano, contrapõe-se ao dualismo
corpo e mente. O homem está inserido em um contexto sociocultural e sua
relação com este contexto é dinâmica: ele cria, recria e transforma o mundo
que o cerca. A partir do momento em que o sujeito cria, recria e transforma sua
realidade, está influenciando e sofrendo as influências, mesmo que num
microcosmo, da cultura que o cerca. As ações do meio externo provocam
reações no sujeito e, da mesma forma, suas reações são sentidas neste
ambiente onde está se relacionando.
Este estudo defende a interação entre razão e emoção no processo
de desenvolvimento do ser humano, nas resoluções de problemas, bem como
na relação do ser humano com o outro e no mundo que o cerca. Buscou-se
embasamento em estudos da filosofia, psicologia e da neurociência, que tratam
de uma perspectiva não dicotômica entre corpo e mente, afetividade e
inteligência.
Desta forma, ressalta a ideia mediadora, ou seja, a inteligência
apresenta uma base genética, mas, não se descarta a importância da
experiência, da relação do ser humano com o mundo que o cerca e com o
outro.
Ressalta-se ainda a importância da dimensão afetiva na
inteligência, praticada no meio social e nas diferentes situações vivenciadas e
sentidas pelo sujeito, a partir do seu olhar sobre o mundo e as pessoas. Dar
sentido ao mundo que o cerca, possibilitando compreendê-lo e transformá-lo.
O ser humano é capaz de se situar no mundo, refletir sobre o
mesmo e criar sua história. O homem faz sua história, é produto e produz seu
mundo e esta é talvez, a grandiosidade do ser humano, que deve ter
consciência do seu papel no mundo. Para tanto, se faz necessário saber julgar
o seu papel dentro de uma perspectiva global, em suas relações afetivas e
sociais. Assim, ressalta-se a importância de refletir a relação entre inteligência,
afetividade, julgamento moral e ética.
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Ao descrever o funcionamento da inteligência como um processo
dinâmico, sem hierarquia, chamando a atenção para a importância das
diferentes expressões da inteligência no ser humano: o criar (criação), o sentir
(emoção) e o conhecer (cognição), esse estudo corrobora com a importância
da dimensão afetiva no funcionamento inteligente ao apresentar uma visão
integrada do ser humano, apontando a relação entre a afetividade e a
inteligência sem hierarquia e sem priorizar uma ou outra, tanto no processo de
desenvolvimento humano como no funcionamento da inteligência.
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CONCLUSÃO
O presente trabalho de conclusão de curso em Neurociência
Pedagógica fundamentou-se em estudos teóricos que apresentaram uma visão
integrada do ser humano, pautada em uma relação não dicotômica entre razão
e emoção, cognição e afetividade. Visão que embasa a relação defendida entre
inteligência e afetividade, entre o pensar e o sentir, conectados, sem que possa
haver dicotomia entre corpo e mente, entre razão e emoção.
A importância da dimensão afetiva da inteligência foi fundamentada
em autores e estudos que tratam da emoção e da razão nos diversos campos,
a saber: Psicologia, Filosofia, Educação e em especial, Neurociência.
Objetivando apontar as ênfases de cada abordagem para os
aspectos afetivos e cognitivos e seu papel no desenvolvimento
neuropsicológico, esta pesquisa propôs uma visão dialógica entre emoção e
razão, afetividade e inteligência, onde sujeito e grupo social agem e interagem
num contínuo, quando buscam compreender os sentidos dados a ele, num
sistema simbólico de inter-relação.
Neste sentido, buscou-se as contribuições teóricas de Jean Piaget,
Vygotsky, Wallon, Relvas, Damásio entre outros, no intuito de compreender a
dimensão afetiva da inteligência no desenvolvimento e aprendizagem do sujeito
e, na intenção de procurar alternativas à dicotomia historicamente posta entre a
cognição e a afetividade, o pensar e o sentir.
Ao enfocar a dimensão afetiva do ser humano, buscando
compreender de que forma este aspecto influencia e atua no funcionamento
psíquico, no processo de desenvolvimento e aprendizagem, partiu-se do
princípio de que afetividade e cognição devem ser vistas de maneira
indissociadas, de modo que afetividade e inteligência se misturam,
dependendo uma da outra.
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BIBLIOGRAFIA
ABNT. Referências Bibliográficas. Rio de Janeiro, 2018.
ABNT. Apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, 2018.
DAMÁSIO, António (1995). O erro de Déscartes: emoção, razão e cérebro
humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
LEDOUX, Joseph. O cérebro emocional- alicerces da vida emocional. 2 ed. Rio
de Janeiro: Objetiva, 1998.
LENT, Roberto. Cem Bilhões de Neurônios. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2011.
RELVAS, Marta P. Fundamentos Biológicos da Educação: Despertando
inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wap
Editora, 2005.
_____ Sob o Comando do Cérebro – entenda como a Neurociência está no seu
dia a dia. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.
_____ A neurobiologia da Aprendizagem para uma escola humanizadora:
observar, investigar e escutar. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2017.
PIAGET, Jean. Relações entre a afetividade e a inteligência no
desenvolvimento mental da criança. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.
LENT, Roberto Teorias psicogenéticas em discussão / Yves de La Taille, Marta
Kohl de Oliveira, Heloysa Dantas. São Paulo: Summus, 1992.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 01 AGRADECIMENTOS 03
DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05
METODOLOGIA 06 SUMÁRIO 07 INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Organização afetiva humana: distinção entre emoção e sentimento 09
CAPÍTULO II
Visão integrada do ser humano sob a ótica da Neurociência 17
CAPÍTULO III
A relação entre a inteligência e a afetividade, o pensar e o sentir 26
CAPÍTULO IV
Funcionamento não dicotômico entre razão e emoção voltado para
as diversas áreas humanas e sociais 34
CONCLUSÃO 42 BIBLIOGRAFIA 43