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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213 Pesquisa de Jurisprudência e Anotações – Perseu Gentil Negrão – 21/07/2003 OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça. Índices Ementas – ordem alfabética Ementas – ordem numérica Índice do “CD” Tese 213 HOMICÍDIO – QUALIFICADO – DOLO EVENTUAL E RECURSO QUE DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO – COMPATIBILIDADE O crime de homicídio pode ser praticado com dolo eventual e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (surpresa). (D.O.E., 22/06/2005, p. 38) Compilação: Perseu Gentil Negrão 1

dolo eventual e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

Pesquisa de Jurisprudência e Anotações – Perseu Gentil Negrão – 21/07/2003

OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça.

Índices

Ementas – ordem alfabética

Ementas – ordem numérica

Índice do “CD”

Tese 213HOMICÍDIO – QUALIFICADO – DOLO EVENTUAL E RECURSO QUE

DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO –

COMPATIBILIDADE

O crime de homicídio pode ser praticado com dolo eventual e recurso que

dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (surpresa).

(D.O.E., 22/06/2005, p. 38)

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MODELOEXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR 2º VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos do Recurso em Sentido Estrito nº 477.390-3/4-00, Comarca de Iguape, em que figura como recorrente

DANIEL FERNANDO DOS SANTOS, com fundamento no artigo

105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição da República e

artigos 26 e seguintes da Lei nº 8.038/90, vem interpor

RECURSO ESPECIAL para o Colendo Superior Tribunal de

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Justiça, contra o v. acórdão de fls. 284/288, pelos motivos

adiante deduzidos.

1- O RESUMO DOS AUTOS

DANIEL FERNANDO DOS SANTOS foi

denunciado por infração ao artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, do

Código Penal, porque no dia 15 de setembro de 2003, por volta

da 02h50min, na Rua Capitão Izidro de Oliveira, 265, na cidade

de Iguape, agindo com manifesta intenção homicida, mediante

recurso que dificultou a defesa da vítima, munido de arma de

fogo, matou a adolescente Ana Paula Ferreira de Aguiar,

disparando contra ela, provocando-lhe ferimentos que a levaram

à morte.

Segundo a inaugural acusatória, “o denunciado, portando arma de fogo, foi até o local dos fatos, onde se encontravam Ana Paula , Simone, Willian, Alais, Diego, Júlio César, Rodrigo e Alaor, os quais se reuniram para o consumo de bebidas alcoólicas. No horário acima narrado, o denunciado, Willian, Simone e Ana Paula foram para a cozinha, ocasião em que, quando Simone estava junto ao fogão preparando comida e a vítima estava ao seu lado fumando um cigarro, o denunciado, que estava atrás delas junto com Willian, sacou da arma de fogo que trazia consigo, e, após lubrificá-la, com evidente “animus necandi”, apontou-a para a vítima e efetuou um disparo, cujo projétil acertou sua cabeça, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico, que foram a causa eficiente de sua morte. Ato contínuo, o denunciado disse para a testemunha Simone: “aí Simone, só você que viu, e se falar alguma coisa, eu mato você” (fls. 06), empreendendo

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fuga após. O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, vez que foi atingida pelo disparo da arma de fogo quando se encontrava distraída fumando um cigarro, não tendo condições, assim, de apresentar qualquer defesa à conduta do denunciado”

Pela r. decisão de fls. 185/188, o acusado foi

pronunciado como incurso no artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV

do Código Penal.

Mercê de reclamo defensivo, os autos foram

encaminhados à Segunda Instância, onde a Colenda Primeira

Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação

unânime, deu parcial provimento ao recurso, para excluir da

pronúncia a qualificadora do inciso IV do parágrafo 2º do artigo

121, do Código Penal, de conformidade com o relatório e voto

do Relator (fls. 284/288).

Transcreve-se o v. acórdão:

"homicídio. Recurso em sentido estrito. Indícios de autoria e

materialidade que fundamentam o julgamento pelo Tribunal

do Júri. Qualificadora afastada, ausência de surpresa.

Qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal

afastada da pronúncia. Incompatibilidade com o dolo eventual

ou a conduta culposa. Recurso provido em parte."

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“Daniel Fernando dos Santos foi

pronunciado por eventual prática do artigo 121, § 2º, inciso IV

do Código Penal.

Irresignado recorreu em sentido estrito a fim

de que o crime seja desclassificado para homicídio culposo, ou,

caso contrário, que seja afastada a qualificadora da pronúncia.

Pleiteia também aguardar o julgamento em liberdade (fls.

212/25).

No juízo de retratação a decisão de

pronúncia, como juízo de admissibilidade, foi mantida por seus

próprios fundamentos (fls. 262).

A Procuradoria de Justiça é pelo não

provimento do recurso.

É o relatório.

O recorrente foi pronunciado porque,

segundo a denúncia, no dia 15 de setembro de 2003, por volta

de 02h50 min, na Rua Capitão Izidro de Oliveira, n.º 265, em

Iguape, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima,

efetuou disparo de arma de fogo, atingindo Ana Paula Ferreira

de Aguiar, causando-lhe a morte, conforme laudo necroscópico

de fls. 121 e v.º.

Diz a inicial acusatória que o recorrente,

portando arma de fogo, foi até local dos fatos, encontrando Ana

Paula (a vítima), Simone, Willian, Alais, Diego, Júlio César,

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Rodrigo e Alaor (tio de Simone e proprietário da casa). Os

jovens se reuniram a fim consumirem bebidas alcoólicas.

Em determinado momento, Simone dirigiu-

se à cozinha para preparar algo ao fogão. Foi acompanhada da

vítima e dos amigos Willian e Daniel. Este sacou a arma de fogo

que trazia consigo, lubrificou-a e, antes que a vítima pudesse

esboçar qualquer reação, atirou, atingindo-a na cabeça, enquanto

fumava um cigarro ao lado de sua amiga Simone, causando-lhe

os ferimentos descritos no exame necroscópico.

Importante se frisar que a pronúncia se

constitui em juízo de admissibilidade (ou não) da acusação

descrita na denúncia. É vedado o exame aprofundado no mérito

da causa, que é de competência do tribunal do Júri. Portanto

circunscreve-se este exame de admissibilidade à análise da

existência de prova da materialidade e indícios (ou

probabilidade) de autoria, o que fundamenta a decisão de

pronúncia.

No caso dos autos, ao contrário do afirmado

neste recurso pela defesa, estão presentes os pressupostos da

pronúncia. A materialidade está comprovada pelo exame

pericial constante dos autos (fls. 122/126). A autoria dos

disparos restou incontroversa pelo próprio interrogatório do

acusado (fls. 88 e v.º).

Por outro lado, a tese apresentada pelo

recorrente em seu interrogatório, no sentido de que efetuou o

disparo acidentalmente não é incontroversa no procedimento a

fim de que fosse permitido seu acolhimento de plano. Simone

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afirmou que estava de costas e não pode observar quem foi o

autor do disparo (fls. 102). Willian afirmou que a arma

encontrava-se com Daniel, e que este estava "brincando" com a

mesma (fls. 100). O policial militar Carlos Martins e o

investigador Manoel das Matas disseram em juízo que ouviram

de Simone e outras adolescentes que William brincavam de

"roleta russa" fls. 99 e 101).

Assim, por ora, não se pode alegar que o

recorrente não tenha agido com animus necandi, o que faz

inviável a impronúncia ou a absolvição sumária em razão de

eventual disparo acidental.

De bom alvitre, pois, que a tese da defesa

seja apreciada em plenário, onde a discussão é ampla e as

circunstâncias que rodearam o evento poderão ser melhor

analisadas.

Portanto, impõem-se pronúncia do

recorrente.

A qualificadora do artigo 121 § 2º, inciso IV,

do Código Penal deve ser afastada. Ela se caracteriza pela

surpresa, que aproxima-se da emboscada, da dissimulação e,

evidentemente, só existe quando se traduz num comportamento

insidioso em que se mascara a intenção agressiva de forma tal

que a vítima, em nenhum momento, teve qualquer razão para

suspeitar sequer do ataque, vindo a ser colhida de modo

desprevenido.1

1 RJTJSP 1/218

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No caso dos autos, as provas indicam duas

possibilidades: dolo eventual (fls. 187) ou crime culposo (fls.

157/158), que por sua vez não se harmonizam com a

qualificadora do homicídio cometido mediante emprego de

recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.

Em verdade, a sentença de pronúncia

constitui um juízo de suspeita e não um juízo de certeza que se

exige para o decreto condenatório. Daí a necessidade de se

pronunciar o réu quando houver indícios suficientes de autoria e

materialidade, salvo se desde logo for demonstrada a desvalia

dos mesmos, de maneira incontroversa, o que não ocorre neste

procedimento.

Nestes termos, dou parcial provimento ao

recurso para afastar a qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso

IV, do Código Penal da r. decisão de pronúncia.”

Assim decidindo, a douta Turma Julgadora recusou

vigência ao artigo 408 do Código de Processo Penal,

extravasando os limites do poder que lhe foi conferido, e

também dissentiu de anteriores julgados do E. Superior Tribunal

de Justiça, dois aspectos:

a) O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado (surpresa).

“EMENTA: PROCESSUAL E PENAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL E SURPRESA COEXISTÊNCIA.

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I - O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo o resultado morte, o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, dificultando ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que entremostra nos autos.

II - Recurso Especial conhecido e provido.” STJ – Recurso Especial nº 57.586-9 – PR, 5ª Turma, Rel. Min.

JESUS COSTA LIMA, j. 30/08/1995, D.J.U. de 25/09/1995,

documento anexo)

b) Salvo caso excepcionalíssimo, é defeso, ao Tribunal, afastar qualificadora na fase de pronúncia, subtraindo a questão do exame pelo juízo natural: o Tribunal do Júri.

“RESP. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E CRUELDADE. ACÓRDÃO QUE AFASTA AS QUALIFICADORAS – SUBTRAÇÃO DA MATÉRIA AO SEU JUÍZO NATURAL: O TRIBUNAL POPULAR – INVIABILIDADE, NÃO SE TRATANDO DE CASO EXCEPCIONALÍSSIMO, EM QUE, DE PRONTO, SE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE LEVAM A UM TRATAMENTO MAIS SEVERO DA AÇÃO DELITUOSA. PRECEDENTES DESTA CORTE.

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1. Não se deve, quer na pronúncia, quer no seio do

Tribunal de Justiça, afastar qualificadoras insertas na

denúncia vestibular, salvo casos excepcionalíssimos,

em que, de plano, se reconhece a sua

incompatibilidade.

2. No caso, as duas que restaram da pronúncia, são

viáveis e sua análise é de ser levada ao Júri, para

que ali sejam devidamente apreciadas e, se assim

entenderem os jurados, aplicadas, ou não.

3. Recurso conhecido” (STJ - Recurso Especial nº

138.802-GO, 6ª Turma, j. 02/06/1998, D.J.U. –

29/06/1998, p. 342 - documento em anexo)

2 – DA COMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E RECURSO QUE DIFICULTE OU IMPOSSIBILITE A DEFESA DA VÍTIMA – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar

o Recurso Especial nº 57.586-9 – PARANÁ, em que é recorrente

o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, sendo

recorrido JOSÉ FERNANDES, por sua 5ª Turma, com o relato

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do eminente Ministro JESUS COSTA LIMA, proferiu a seguinte

decisão – que ora se adota como paradigma - em 30 de

agosto de 1995, publicada no D.J.U. de 25 de setembro de 1995

(cópia autenticada em anexo):

EMENTA: PROCESSUAL E PENAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL E SURPRESA COEXISTÊNCIA.

I - O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo o resultado morte, o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, dificultando ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que entremostra nos autos.

II - Recurso Especial conhecido e provido.”

Transcrevem-se o relatório e o voto do ilustre

Ministro JESUS COSTA LIMA:

“O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

interpõe recurso especial com base na alínea a do permissivo

constitucional, alegando contrariedade aos artigos 18, inciso I,

segunda parte e 121, § 2º, inciso IV, ambos do Código Penal,

por parte do v. Aresto de fls. 157/166, proferido pela 2ª Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que manteve a

sentença de pronúncia ao entendimento de que a qualificadora

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da surpresa exige para a sua existência uma preordenação

delitiva. Como conseqüência, é incompatível com o dolo

eventual, tendo o réu sido pronunciado por homicídio simples.

Pretende o recorrente que seja restabelecida a

classificação contida na inicial acusatória, incluindo-se na

pronúncia a qualificadora de surpresa, eis que não vislumbra

qualquer incompatibilidade com o dolo eventual (fls. 182/200).

Dá parecer a Dra. JULIETA E. FAJARDO CAVALCANTI

DE ALBUQUERQUE, ilustrada Subprocuradora-Geral da

República, pelo provimento do recurso, a fim de que o Tribunal

a quo examine as circunstâncias de fato da alegada

qualificadora, afastada a incompatibilidade com o dolo eventual,

acolhendo os fundamentos exarados no apelo extremo (fls.

217/222).

Relatei”

“VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JESUS COSTA LIMA (RELATOR):

Entendeu o acórdão:

"O doutor Promotor de Justiça, como primeiro

recorrente, suplica, unicamente, o restabelecimento da

arredada qualificadora da surpresa, a integrar o modo de

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execução capaz de dificultar ou tornar impossível a defesa da

vítima, aludida na denúncia, com relação ao homicídio.

Impróprio seria, como assente na doutrina e na

jurisprudência, privar-se o juiz natural da lide, no caso, o

Tribunal do Júri, da faculdade de reconhecer a qualificação do

homicídio, quando não se possa afiançar sejam de manifesta

improcedência as circunstâncias qualificadoras do delito. Nesse

sentido é a doutrina (cf. José Frederico Marques, "Elementos

de Direito Processual Penal", vol. III, pág. 723; e a

Jurisprudência (cf. RT. 211/240, 560/323, Paraná Judiciário,

25/244).

Todavia, por outra face, forçoso é reconhecer que a

qualificadora arredada da surpresa, como modo de execução a

integrar o recurso que impossibilitou a defesa da vítima

Adenilson, data venia, foi bem afastada, na decisão

hostilizada, posto que, como se sabe, não se pode falar em

surpresa, sem cogitar do dolo premeditado, ou deliberado do

delinqüente.

Não havia como reconhecê-la, na hipótese

vertente, se as circunstâncias em que desenrolou o crime

(homicídio), somente foram revelados pelo próprio acusado,

não sendo dado presumi-la.

A qualificadora da surpresa exige para a

configuração uma preordenação delitiva. Não se pode,

efetivamente, falar em surpresa, sem que haja por parte do

agente, premeditação, falar em surpresa, sem que haja por

parte do agente, premeditação ou deliberação criminosa.

Notou bem o MM. Juiz processante, a

inconfiguração da surpresa, daí vir a excluí-la, como

Compilação: Perseu Gentil Negrão 13

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qualificadora, no caso vertente, onde ocorreu por parte do

agente, deliberação instantânea.

Portanto, nenhum reparo merece a r. decisão

recorrida, neste particular.

De resto, ao exame do recurso interposto pelo réu-

recorrente, verifica-se que dois temas são focalizados em

relação aos diferentes crimes lhe irrogados e reconhecidos na

decisão de pronúncia.

Com relação ao homicídio simples (art. 121, caput, do Código Penal), força é reconhecer que, efetivamente, a

prova coligida mostra, com segurança, de forma clara e

incontestável, que o acusado se houve com dolo eventual na

consecução deste crime. Pois, emerge do quadro probatório

que o réu-recorrente, sacou instantaneamente da arma que

trazia consigo, a apontou em direção a algumas pessoas ali

presentes, dentre as quais, se achava a vítima Adenilson,

fazendo, em seguida um disparo que atingiu, provocando-lhe

os ferimentos descritos no aludo de exame de necropsia

encartado às fls. 31 e verso, deste caderno criminal.

Denota-se ainda da prova colhida que o réu-

recorrente, logo a seguir, empunhando mesma arma,

novamente levando-a em direção às pessoas para detonar um

segundo disparo, teve a mão empurrada pela também vítima

Júlio Fontoura Faria, levantando-a, ocorrendo este segundo

disparo para o alto, sem outras conseqüências (fls. 15 e verso).

A reiteração dos disparos revela, sem dúvida que o

acontecimento não foi acidental e muito menos, por brincadeira.

Compilação: Perseu Gentil Negrão 14

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Ao contrário. A ação do réu-recorrente á típica,

como define com acerto a r. sentença combatida, de dolo

eventual e não de simples culpa.

Numa análise da conduta do réu-recorrente, à luz

da prova colhida e já expendida, claro é afastar-se, de logo o

dolo direto. O acusado não quis, como afirma, o resultado.

Sequer individualizou a vítima, pois, apontou a arma em

direção à várias pessoas, dentre estas, a vítima. Mas agiu com

dolo eventual, sem dúvida.

Pois, como se sabe, há dolo eventual quando o

agente assume o risco de produzir o resultado (art. 18, inciso I,

in fine, do Código Penal).

Assumir o risco significa prever o resultado como

provável e possível a aceitar ou consentir sua superveniência.

O dolo eventual muito se avizinha da culpa

consciente, como enfatizou o MM. Juiz processante, na r.

sentença recorrida, mas, nesta o agente, embora prevendo o

resultado com possível e provável, não aceita nem consente.

O réu-recorrente estava bêbado. Sacou da arma,

apontou em direção às pessoas ali presentes e disparou o

revólver. Para ele completamente indiferente viesse, ou não, a

atingir qualquer daquelas pessoas. Mas, inegavelmente,

assumia o risco do resultado.

Dolo, segundo melhor doutrina, é vontade

informada pela previsão do ato e do resultado. A isto se junta,

como complemento a teoria do consentimento, que Anibal

Bruno entende melhor chamá-la de teoria da anuência, esta

concluindo por dolo também quando o agente não quer

Compilação: Perseu Gentil Negrão 15

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propriamente o resultado, mas prevê e aceita que ele ocorra

com conseqüência possível ou provável de seu ato.

Enfim, no caso em exame, o réu-recorrente quando

se pôs àquele comportamento completamente desajuízado,

previa o resultado como possível e o admitia como

conseqüência de sua conduta.

Sua vontade, é certo, não se dirigia propriamente

ao resultado, mas, apenas, ao ato inicial que era ilícito, e o

resultado era representado como provável." (fls. 160/162).

O recurso especial aponta como vulnerado o art.

121. § 2º, IV, do Código Penal, além de relacionar precedentes

jurisprudenciais, inclusive desta Quinta Turma.

A excelência da argumentação expendida pelo Dr.

FELIZ FISCHER, ilustre Procurador de Justiça, vai dispensar-

me de outros fundamentos, como se verá a seguir:

"Permissa venia, não se vislumbra a incompatibilidade

divisada nos vv. acórdãos reprochados entre dolo eventual e a

surpresa, de modo a isentar o réu de responder por homicídio

qualificado perante o juiz natural da causa.

O dolo eventual e a circunstância da surpresa não se

confundem, são figuras independentes e plenamente

harmonizáveis na configuração do ilícito capitulado no art. 121,

§ 2º, inc. IV, do Código Penal.

Com efeito, consoante se sabe a farta, o crime de

homicídio pode restar qualificado, (com resposta penal mais

severa), seja em face dos motivos que o determinam (paga,

promessa de recompensa ou outro motivo torpe ou fútil - incs. I

e II do § 2º do art. 121, CP), seja pelos meios empregados

Compilação: Perseu Gentil Negrão 16

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(veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou meio insidioso ou

cruel, ou de que possa resultar perigo comum - inc. III), ou

ainda pela forma de execução (traição, emboscada, mediante

dissimulação ou outro do ofendido (inc. IV), ou, por fim, pela

circunstância da conexão com outro crime (praticado para

assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem

inc. V).

Pois bem, a surpresa encontra adequação no inc. IV

do § 2º do art. 121 do CP, sendo certo que ela se subsume, em

decorrência de interpretação analógica (admitida em relação

aos tipos incriminadores, ao revés da analogia), à formula

genérica "recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima". O que caracteriza essa qualificadora é o ataque

feito pelo réu de modo não previsível, e que colhe a vítima

desatenta e indefesa (cfme. RF 106/128 e 154/385). É o

procedimento inesperado do agressor, sem que haja razão

para a espera ou, pelo menos, suspeita da agressão por parte

da vítima (cfme. RT 596/3240).

De sua vez, não se pode falar em dolo eventual sem

que se invoque, para bem entendê-lo, a lição do mestre

Francisco de Assis Toledo, insigne integrante do C. Superior

Tribunal de Justiça, na sua consagrada obra "Princípios

Básicos de Direito Penal" (ed. Saraiva, 4ª ed. 1991, pág. 303,

n.º 266): "No dolo eventual, o agente não prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis. É como se pensasse: vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado".

Compilação: Perseu Gentil Negrão 17

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No mesmo sentido, o ensinamento de Jair Leonardo Lopes (in curso de Direito Penal", por parte geral, ed. RT, pág. 122) nos mostra que "ocorre o dolo eventual, na realização típica, quando o agente emprega meios que, em razão de sua natureza e das circunstâncias, poderá produzir, além do fim querido, outros concomitantes e não queridos, porém admitidos. Se ao empregar tais meios, o agente, apesar de prever os efeitos concomitantes, não recua e efetivamente, ocorrem aqueles efeitos, o agente por eles há de responder". E, mais adiante: "...como está no Código Penal (art. 18, I, considera-se realizada, dolosamente, a conduta típica, tanto quando o a agente quis o resultado como quando assumiu o risco de produzi-lo" (pág. 123).

Não é diferente, em sede do tema "dolo eventual" o

posicionamento do destacado mestre E.R. Zafforoni, sucessor

de Sebastian Soler, (in "Manual de Decreto Penal", ed. Ediar,

6º., 1991, pág. 419), para quem: "El dolo eventual, conceptuado em términos corrientes, es la conducta del que se dice "que se aguante", "que se fastidie", "si pasa, mala suerte", "que me importa". Obsérvese que aqui no hay una aceptacion del resultado como tal, sino su aceptación como posibilidad, como probabilidad".

Da mesma forma, o grande penalista H.H. Jescheck

(in "Tratado de Decrecho Penal", ed. Comares, vol. 1, pág. 404

e segts.) mostra que o dolo eventual "significa que el autor

considera seriamente como possible la realización del tipo legal

y se conforma com ella. El contenido de injusto del dolo

eventual es menor que el de las otras das clases de dolo, ua

Compilação: Perseu Gentil Negrão 18

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que em aquél ni si persigne el resultado ni es segura su

producción, sino que se abandona el curso de las cosas.

Constituyen el dolo eventual, de una parte, la conciência de que

concurre um peligro concreto de que se realice el tipo y, de

outra parte, que el autor tome en serio dicho peligro. Tomar em

serio el peligro significa que el autor juzga el riesgo de

realizacion del tipo relativamente elevado".

Pois bem, feitas estas considerações acerca da

qualificadora da surpresa e do dolo eventual, cumpre destacar

que predomina hoje em dia o entendimento de que o tipo de

injusto, nos delitos comissivos dolosos (excluídos, por sua

estrutura, os culposos e, pelas peculiaridades subjetivas, em

parte, os omissivos), se bifurca, de forma homogênea e

acentuada, em tipo objetivo, sendo que o primeiro, como

informa Heleno C. Fragoso (in "Lições de Direito Penal", pág.

7ª ed., ed., Forense, 1985, pág. 166), "correspondendo ao

aspecto exterior da ação, tem nesta o seu núcleo

fundamental". Ou, como prefere o extraordinário H. Wezel, o

tipo objetivo "compreende aquello del tipo que tiene que encontrarse objetivado en el mundo exterior" (in "Derecho

Penal Aleman", pág. 12ª ed., 3ª ed. cast, Editora Jurídica de

Chile, pág. 93). Em posição similar, E.R. Zaffaroni (in "Tratado

de Derecho Penal", vol. III, 1981, págs. (263/265), F. Muñoz Conde (in "Teoria General del Delito", 1984, pág. 53), E. Bacigalupo (in "Princípios de Derecho Penal Espanõl, vol. II,

1984, pág. 31, e in "Manual de Derecho Penal", pág. 90/92) e,

de certa forma, J. Wessels (in "Direito Penal", pg. Págs. 30/37),

bem assim, Maurach-Zipf (in "Strafrecht", AT., 1977, págs.

309/339). Já o tipo subjetivo, conforme Heleno C. Fragoso,

Compilação: Perseu Gentil Negrão 19

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

se compõe "necessariamente do dolo e, eventualmente, de outros elementos subjetivos do tipo (injusto)" (ob., cit., pág.

175). Neste mesmo diapasão, os autores acima citados,

ressalvada uma ou outra divergência ora e aqui irrelevantes. Nesta linha de pensamento, o dolo (dolus naturalis, na acepção esposada por Damásio E. de Jesus. In "Direito

Penal", pg. Saraiva, 1991, pág. 246) é "consciência e vontade na realização da conduta típica" (H.C. Fragoso, ob. cit. pág.

175) ou "el conecimento y voluntad de la realización del tipo objetivo" (E. Bacigalupo, in "Lineamentos de La Teoria del Delito", B. Aires, 1986, pág. 33) e, como tal, se apresenta como núcleo necessário do tipo subjetivo dos delitos comissivos dolosos. E, dentro do seu âmbito, podem ser elaboradas classificações ou graus. Desta maneira, a priori, ressalta a distinção entre dolo direto e o eventual ,

ocorrendo o primeiro quando o agente "se propõe à realização da conduta típica" (h. c. Fragoso, ob. cit., pág.

177). Já no segundo (dolo eventual), como restou asseverado

nos ensinamentos trazidos antes à colação, o agente, na forma

como se admitiu nos vv. Acórdãos recorridos, assume o risco,

prevendo resultado como provável ou possível e aceita ou

consente a sua superveniência. Tudo isso, vale dizer,

observando na perspectiva da vontade e não da representação,

conforme ensinança tecnicamente escrupulosa de Heleno C. Fragoso (ob. cit., pág. 178).

Portanto, data venia, colocada esta sistemática,

percebe-se que não é possível estabelecer o vínculo, in abstrato, tal qual nos vv. Acórdãos recorridos, entre o dolo e

qualquer dos demais elementos do tipo, sejam eles objetivos ou

Compilação: Perseu Gentil Negrão 20

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

subjetivos. se o modelo de conduta proibida admite, pela sua estrutura, o dolo eventual, então qualquer pretensa incompatibilidade só poderá ser reconhecida no plano concreto, pela própria forma de execução do tipo e nunca por conflito interno, apriorístico. Este suposto conflito interno, data venia, não existe!

Tanto é assim, que o próprio colendo Superior Tribunal de Justiça, apreciando tema até mais árduo do que o

retratado nestes autos, emitiu o seguinte v. Acórdão:

"Penal. Homicídio. Dolo eventual e motivo fútil.

Compatibilidade.

Não há, no crime de homicídio, incompatibilidade

entre dolo eventual e motivo fútil. É possível, por motivo fútil,

alguém assumir o risco de produzir o resultado. Afastado,

assim o óbice de tal incompatibilidade, cabe ao Tribunal a quo examinar, em conseqüência, a existência da qualificadora

referente ao motivo fútil.

Recurso especial conhecido e parcialmente provido".

(RSTJ 5/463)Ora, se o colendo STJ declinou que inexiste

qualquer incompatibilidade entre dolo eventual e motivo fútil (circunstância subjetiva), como se pode sustentar o raciocínio

de que, a priori, o dolo eventual e incompatível com a

qualificadora da surpresa (que tem caráter objetivo)?

O dolo, (seja direto ou eventual) consoante se sabe,

e está na mente do autor da conduta, é elemento psíquico. A

surpresa, por sua vez, indica certa forma que agente imprime à

ação criminosa para evitar defesa do ofendido, e qual se dá

Compilação: Perseu Gentil Negrão 21

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

com traição, é circunstância que se configura ainda mesmo no

caso de que o autor não a procure de propósito, e deve ser

verificada no momento da execução do crime e nos meios

empregados (nesse sentido: STF - RECr nº 73225 - Rel. Min.

Antonio Neder - DJU 09.11.73, pág. 8486).

Em se tratando, bem se vê, de elementos tão

diversos. O dolo de caráter nitidamente psíquico e a surpresa

pertinente ao meio de execução -, impõem-se concluir que não

há mínima incompatibilidade entre ambos.

Destarte, mostrando-se despiciendas maiores

ilações acerca da qualificadora da surpresa e, também , acerca

do dolo eventual, faz-se mister delinear perfeitamente o

episódio retratado nos autos para, ao depois, verificar se ele se

amolda aos conceitos antes fixados e, sobretudo, se, no caso

concreto, mostram-se compatíveis a aludida qualificadora com

o dolo eventual.

Extrai-se, pois dos autos que na data 30 de maio de

1991 o réu José Fernandes, armado de um revólver calibre 38,

encontrava-se no interior do estabelecimento "Bar do Mauro"

situado na Av. na Av. Paraná, cidade e comarca de Ibiporã, PR,

sendo certo que no aludido bar achavam-se ainda diversas

outras pessoas, inclusive porta a fora do dito estabelecimento.

A algazarra no local era, compreensivelmente, grande,

notadamente porque a maioria das pessoas que ali estavam

haviam ingerido considerável quantidade de bebidas alcoólicas.

Por volta de 3:00 hs da madrugada o réu, irritado

com o barulho existente no local, ou, segundo relatou em seu

interrogatório, supondo que ocorria uma desavença defronte ao

estabelecimento, pura e simplesmente sacou de seu revólver e

Compilação: Perseu Gentil Negrão 22

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

com ele desferiu um tiro em direção às pessoas que estavam

fora do bar, atingindo com ele a vítima Adenilson Gonçalves

Mendes que, ferida no pescoço, morreu dias depois em face

dessa agressão.

Na seqüência, ao ser obstado de efetuar o segundo

disparo, acabou lesionando de forma leve a vítima Júlio

Fontoura de Faria.

Não há, acerca desses fatos, a menor controvérsia.

Assim eles se deram. Assim restaram reconhecidos na r.

decisão de pronúncia e assim foram admitidos pelos vv.

Acórdãos objurgados". (fls. 191/199).

Além dos precedentes mencionados nos autos, os

que se seguem guardam pertinência com o tema do recurso

especial.

"PROCESSO PENAL. JÚRI. NULIDADES.Admite-se a figura do homicídio privilegiado-qualificado, sendo

fundamental, no particular, a natureza das circunstâncias. Não

há incompatibilidade entre circunstâncias subjetivas e objetivas,

pelo que o motivo de relevante valor moral não constitui

empeço a que inicia a qualificadora da surpresa.

O homicídio pode ser duplamente privilegiado.

Conseqüentemente, a não submissão aos jurados do quesito

relativo à prática do crime sob o domínio de violenta emoção,

logo em seguida a injusta provocação da vítima, tido como

prejudicado, em face da resposta afirmativa dos jurados ao

quesito atinente ao cometido do crime por motivo de relevante

valor , constitui causa do julgamento.

Alegação de que a defesa não só não sofreu nenhum prejuízo

como não argüiu a nulidade no momento processual oportuno."

Compilação: Perseu Gentil Negrão 23

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"RESP. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SURPRESA. A qualificadora surpresa representa a circunstância de que o

agente, dissimulado o propósito homicida, atacar a vítima, sem

que esta aguardasse a investida. A defesa, assim, é dificultada

ou se torna impossível. No recurso especial (não reexamina o

conjunto probatório), o fato é recebido conforme definição do

Tribunal de origem. Apenas em hipóteses teratológicas (sentido

jurídico do termo), reverenciando decisão justa,

excepcionalmente, promover-se-à a correção."2

Do que se vê nos autos o réu, sentindo-se

molestado, alta madrugada, com o barulho que, por certo,

pertuva-lhe o sono, o réu levantou-se, armou-se, indo em

direção as pessoas que estavam fora do bar, atirou de modo

inesperado, colhendo a vítima, com quem não discutira e que,

assim, desprevenida, foi atingida com uma bala no pescoço,

falecendo em consequência dos ferimentos recebidos. Com

essa atitude, sem a menor dúvida, ao acionar a arma, sabia o

que poderia acontecer, mas assim mesmo, acionou-a de forma

repentina sem razão para a espera daquela atitude por quem

se encontrava no local.

De todo o exposto, conheço do recurso, provendo-o

parcialmente, a fim de que o Egrégio Tribunal, afastada a

incompatibilidade que encontrou, a aprecie a existência da

qualificadora, no caso concreto.”

2 RESP Nº 1209-1/MG, Rel. Ministro VICENTE CERNICCHIARO

Compilação: Perseu Gentil Negrão 24

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

2a – CONFRONTO ANALÍTICO DOS JULGADOS

Perfeitamente nítida, como se vê, a similitude das

hipóteses confrontadas, cuidando ambas da incidência do dolo

eventual e da qualificadora da surpresa (recurso que dificulta ou

mesmo impossibilita a defesa da vítima).

Todavia, diversas as soluções encontradas.

Para o v. acórdão combatido:

“No caso dos autos, as provas indicam duas

possibilidades: dolo eventual (fls. 187) ou crime culposo (fls.

157/158), que por sua vez não se harmonizam com a

qualificadora do homicídio cometido mediante emprego de

recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.”

Já para o v. aresto paradigma:

"Permissa venia, não se vislumbra a

incompatibilidade divisada nos vv. acórdãos reprochados entre

dolo eventual e a surpresa, de modo a isentar o réu de

responder por homicídio qualificado perante o juiz natural da

causa.

Compilação: Perseu Gentil Negrão 25

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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213

O dolo eventual e a circunstância da surpresa não se

confundem, são figuras independentes e plenamente

harmonizáveis na configuração do ilícito capitulado no art. 121,

§ 2º, inc. IV, do Código Penal.”

Com o devido acatamento, melhor a solução alvitrada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.

3 – DA IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE

QUALIFICADORAS NA PRONÚNCIA, SALVO CASOS

EXCEPCIONALÍSSIMOS – NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI

FEDERAL

Segundo conhecida lição do saudoso Ministro

ALIOMAR BALEEIRO perfeitamente ajustável à hipótese em

exame, "denega-se vigência de lei não só quando se diz que

esta não está em vigor, mas também quando se decide em

sentido diametralmente oposto ao que nela está expresso e

claro" (RTJ 48/788).

Compilação: Perseu Gentil Negrão 26

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Nesse passo, a r. decisão emanada da Douta Turma

Julgadora, vênia máxima concessa, contrariou o que dispõe o

artigos 408 do Código de Processo Penal, afastando-se da

melhor doutrina quanto à exclusão da qualificativa na

oportunidade da decisão de pronúncia, tema que deve ser

submetido à apreciação dos jurados.

Reza o mencionado dispositivo da lei processual:

"Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento".

Pacificado é o entendimento, tanto na doutrina como

na jurisprudência, de que em sede de pronúncia é vedado ao

magistrado ou ao Tribunal Estadual em grau de recurso, subtrair

da apreciação do Tribunal do Júri, as qualificadoras indicadas na

denúncia, salvo quando irremediavelmente impertinentes, o

que não ocorre no caso em tela, eis que o próprio Colendo

Superior Tribunal de Justiça já admitiu a compatibilidade entre o

dolo eventual e a causa de aumento que dificulte ou impossibilite

a defesa da vítima (surpresa).

Compilação: Perseu Gentil Negrão 27

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Essa é, aliás, a orientação que, no tema, perfilham

nossos melhores processualistas. O emérito MAGALHÃES

NORONHA, após lembrar que, na pronúncia, em atenção ao

mandamento do artigo 416 do Código de Processo Penal, o juiz

deve explicitar as qualificativas cabíveis, aduz: "Mesmo na dúvida sobre elas, deve a sentença acolhê-las para não retirar do júri a possibilidade de apreciá-las, já que se as omitir, é vedado ao libelo articulá-las"("Curso de Direito

Processual Penal", ed. Saraiva, 1986, p.250). Igualmente, assim

se pronunciam ADRIANO MARREY, ALBERTO SILVA

FRANCO, ANTONIO LUIZ CHAVES CAMARGO e RUI STOCO,

lecionando que somente devem ser expungidas as

qualificadoras do delito em tal instante processual apenas

"quando manifestamente improcedentes e descabidas", de

acordo com inúmeros julgados dessa mesma Corte (RT

421:310, 424:357); unicamente quando "impertinentes devem ser subtraídas ao Júri, que é o juiz natural da causa (RT

366:119, 393:123, 438:386), lembrando com a autoridade de

FREDERICO MARQUES e ESPÍNOLA FILHO, que, na dúvida

razoável quanto ao reconhecimento das circunstâncias,

"preferível será deixar para o Tribunal do Júri a decisão sobre a matéria porque é este por força de mandamento constitucional, o juiz natural da lide", mesmo porque como

lembra o segundo jurista, na pronúncia não se cuida da fixação

da pena a cumprir, "assunto deixado à consideração do

Compilação: Perseu Gentil Negrão 28

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Presidente do Júri, mas por ocasião do julgamento final, após o veredicto do Conselho de Sentença"("Júri" ed. RT

1988, p. 114). Esse, igualmente, o pensamento de HERMÍNIO

MARQUES PORTO ao afirmar competir ao Júri a apreciação da

causa de aumento, "com melhores dados, em face da maior amplitude da acusação e da defesa em plenário (RT 211:140, 282:163, 290:134, 305:784, etc), justificando-se, porém a exclusão, quando evidente e manifesta a inocorrência de qualquer delas" ("Júri", ed. RT, 1973, p. 161). Mais

recentemente assim também se pronúncia o Professor JÚLIO

FABBRINI MIRABETE: "Tratando-se de pronúncia, ou seja juízo de admissibilidade, as qualificadoras só podem ser excluídas quando manifestamente improcedente, sem qualquer apoio nos autos, vigorando aqui também o "indubio pro societate"("Processo Penal", ed. Atlas, 1992, p.

466).

Força, portanto concluir, acatando-se o magistério

dos doutrinadores lembrados, que excluindo da pronúncia a

circunstância da surpresa na prática do delito os eminentes

julgadores contrariaram a letra do dispositivo processual, cuja

interpretação está pacificada no Colendo Superior Tribunal de

Justiça. E mais, coartaram a competência constitucional do

Tribunal Popular, impedindo os julgadores de fato de

apreciarem, por inteiro, a acusação deduzida contra o réu.

Compilação: Perseu Gentil Negrão 29

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3.1. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL

No julgamento do Recurso Especial nº 138.802-GO,

ocorrido em 02 de junho de 1998, do qual foi Relator o

MINISTRO ANSELMO SANTIAGO, cujo acórdão (cópia

autenticada anexa) adota-se como paradigma, assim se

pronunciou a SEXTA TURMA do Egrégio Superior Tribunal de

Justiça:

“RESP. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E CRUELDADE. ACÓRDÃO QUE AFASTA AS QUALIFICADORAS – SUBTRAÇÃO DA MATÉRIA AO SEU JUÍZO NATURAL: O TRIBUNAL POPULAR – INVIABILIDADE, NÃO SE TRATANDO DE CASO EXCEPCIONALÍSSIMO, EM QUE, DE PRONTO, SE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE LEVAM A UM TRATAMENTO MAIS SEVERO DA AÇÃO DELITUOSA. PRECEDENTES DESTA CORTE.4. Não se deve, quer na pronúncia, quer no seio do

Tribunal de Justiça, afastar qualificadoras insertas na

denúncia vestibular, salvo casos excepcionalíssimos,

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em que, de plano, se reconhece a sua

incompatibilidade.

5. No caso, as duas que restaram da pronúncia, são

viáveis e sua análise é de ser levada ao Júri, para

que ali sejam devidamente apreciadas e, se assim

entenderem os jurados, aplicadas, ou não.

6. Recurso conhecido” (destaque nosso).

Transcreve-se o voto do Eminente Relator, na parte

de interesse deste recurso:

“Tenho que procede o inconformismo do órgão

da acusação, pois as qualificadoras foram

indevidamente retiradas à apreciação do Júri, local

apropriado para o seu exame.

Só em casos excepcionalíssimos, como adverte

o Min. Adhemar Maciel no Resp nº 58.279/MG, é que se

deve afastar, na pronúncia, as qualificadoras insertas na

denúncia. Não é o caso dos autos.

De fato, pode-se acolher a futilidade da ação, se

se considerar que a hipotética abordagem da vítima à

amásia do agente teria se dado há uns três ou quatro

anos antes, período no qual réu e vítima

“constantemente se encontravam em bares e nas ruas

desta cidade, sem que seu amásio dissesse uma

Compilação: Perseu Gentil Negrão 31

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palavra sequer de ameaça ou de vingar a vítima;”

(depoimento de Ana Maria Fátima Santos, companheira

do criminoso, à fls. 33).

(...)

Também não se houve bem o Colegiado

recorrido, ao desconsiderar a qualificadora do meio

cruel, pois existem, da mesma forma, decisões em

sentido contrário àquele esposado pela Corte goiana, o

que se demonstra com os acórdãos adiante indicados...

(...)

Como se vê, não estamos diante de um caso

excepcionalíssimo, razão pela qual não haveria

motivos para se retirar, do Júri, a apreciação das

qualificadoras adotadas na primeira instância.

À vista do exposto, acolho o parecer do Parquet

Federal, e conheço do recurso, cassando a decisão

recorrida e restabelecendo, na íntegra, a sentença de

pronúncia.

É o meu voto”.

No mesmo rumo a orientação já pacificada no

Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MERO JUÍZO DE SUSPEITA. LEGALIDADE DO DECISUM.

Compilação: Perseu Gentil Negrão 32

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EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. ERRO MATERIAL. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA NA PRONÚNCIA. FUGA DO RÉU. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. APELO INCOMUM NÃO-ADMITIDO. INEXISTÊNCIA DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

I. A exposição, pelo Julgador monocrático, de consistente suspeita jurídica da existência do delito, assim como da possível participação do paciente no mesmo, com base nos indícios dos autos, já legitima a sentença de pronúncia.

II. As qualificadoras só podem ser excluídas em casos excepcionalíssimos, quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, sendo que o habeas corpus é meio impróprio para tal análise, eis que envolveria reexame do conjunto fático-probatório.

III. Omissão de referência à qualificadora constante da denúncia pelo Julgador monocrático prolator da sentença de pronúncia que consistiu em mero erro material.

IV. É impróprio o argumento de que a decisão que pronunciou o réu seria um simples despacho ou decreto de prisão preventiva, pois o Julgador foi claro ao referir-se à pronúncia do acusado, tendo decretado sua custódia cautelar em virtude da ocorrência de fuga – o que, por si só, demonstra a intenção de furtar-se à aplicação da lei penal.

V. Não transcorrido o lapso temporal exigido para a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição entre nenhum dos marcos interruptivos previstos em lei – in casu, data do fato, sentença de pronúncia, e acórdão que a confirmou –, em feito com máximo da pena em abstrato de 30 anos de reclusão, é

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imprópria a alegação de prescrição da pretensão punitiva.

VI. A ausência das alegações finais, nos processos de Competência do Tribunal do Júri, não enseja à declaração de nulidade, pois, na sentença de pronúncia, não há julgamento de mérito e, sim, um mero juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, da acusação formulada. Precedentes desta Corte.

VII. Recurso especial e extraordinário que não têm, de regra, efeito suspensivo.

VIII. O Tribunal ad quem não possui competência para a atribuição de efeito suspensivo a recurso que ainda não foi admitido pelo Tribunal a quo.

IX. Hipótese dos autos em que o apelo incomum sequer foi admitido pela Corte Estadual, não havendo notícias de que tenha sido interposto agravo de instrumento perante este STJ.

X. O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo a agravo de instrumento, recurso especial ou recurso extraordinário, pedido que normalmente é veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepcionalíssimos.

XI. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 26259 – PI, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 08/04/2003, D.J.U. de 02/06/2003, p. 317).

RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA.

Não há falar em exclusão de qualificadoras pela sentença de pronúncia – exceto quando manifestamente improcedentes – que não se confunde com a de mérito, pois examina os indícios da autoria, a existência do fato e a materialidade do delito, caracterizando o juízo da probabilidade, observando o princípio in dubio pro

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societate, enquanto aquela aplica o juízo de certeza, exigido à condenação.

"Cabe ao Tribunal do Júri, diante dos elementos probatórios a serem produzidos, julgar o réu culpado ou inocente e declarar a incidência ou não das qualificadoras." (Precedentes)

Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial nº 330059 – DF, 5ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, j. 01/04/2003, D.J.U. de 28/04/2003, p. 232).

PENAL. PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. SÚMULA N.º 7 DO STJ. INAPLICABILIDADE. PRONÚNCIA. QUALIFICADORAS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATIS. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O dissídio jurisprudencial restou demonstrado nos moldes exigidos pelo art. 541 do Código de Processo Civil e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Não se aplica, in casu, o enunciado da Súmula n.º 7 do STJ.

2. Não se reconhece a nulidade da sentença de pronúncia, pois motivou suficientemente a existência de indícios das circunstâncias qualificadoras do homicídio, abstendo-se, como não poderia deixar de ser, de um profundo exame do mérito, porquanto o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri.

3. Outrossim, a sentença de pronúncia, salvo em casos excepcionais, não pode afastar as circunstâncias qualificadoras propostas na denúncia, pois havendo indícios de sua existência e incerteza sobre as

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circunstâncias fáticas, deve prevalecer o princípio in dúbio pro societatis.

4. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 423237 – RS, 5ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 18/02/2003, D.J.U. de 31/03/2003, p. 249).

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MERO JUÍZO DE SUSPEITA. LEGALIDADE DO DECISUM. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. GRAVIDADE DO DELITO. DESNECESSIDADE DE NOVA FUNDAMENTAÇÃO. RÉU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. ORDEM DENEGADA.

I. A exposição, pelo Julgador monocrático, de consistente suspeita jurídica da existência do delito, assim como da possível participação do paciente no mesmo, com base nos indícios dos autos, já legitima a sentença de pronúncia. As qualificadoras só podem ser excluídas em casos excepcionalíssimos, quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, sendo que o habeas corpus é meio impróprio para tal análise, eis que envolveria reexame do conjunto fático-probatório. Não se vislumbra ilegalidade na decisão que decretou a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, sendo que a gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes. Inexistindo fato novo a ensejar a soltura do paciente,

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tem-se como desnecessária, quando da pronúncia, nova fundamentação para que seja mantida a custódia de réu que já se encontrava preso durante a instrução processual. Precedentes.

Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 21745 – SP, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 10/12/2002, D.J.U. de 10/03/2003, p. 259).

RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORAS. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO.

1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição daRepública, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

3. A motivação da pronúncia é condição de sua validade e, não, vício que lhe suprima a eficácia, limitando-a, contudo, em intensão e extensão, a sua natureza específica de juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri. É que, versando sobre o mesmo fato-crime e sobre o mesmo homem-autor, nos processos do júri, o judicium accusationis tem

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por objeto a admissibilidade da acusação perante o Tribunal Popular e o judicium causae o julgamento dessa acusação por esse Tribunal Popular, do que resulta caracterizar o excesso judicial na pronúncia, usurpação da competência do Tribunal do Júri, a quem compete, constitucionalmente, julgar os crimes dolosos contra a vida (Constituição da República, artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "d").

4. A observância, portanto, dos limites da pronúncia pelo magistrado, enquanto juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri, é elemento da condição de validade da pronúncia que se substancia na sua motivação.

5. O artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal, após citar fórmulas casuísticas tais como o homicídio mediante paga ou promessa de pagamento, exige, alternativamente, para que incida, por meio de fórmula genérica, que o agente se impulsione à prática delitiva por "outro motivo torpe", reclamando, assim, motivação tão vil, ignóbil e abjeta quanto aquelas retratadas nas hipóteses previamente determinadas. Trata-se, como se vê, de hipótese de interpretação analógica ou intra legem.

6. A exclusão das qualificadoras da sentença de pronúncia, quando manifestamente improcedentes, é medida que se impõe.

7. Recurso conhecido e improvido. (Recurso Especial nº 233797 – GO, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, j. 12/03/2002, D.J.U. de 19/12/2002, p. 455).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCLUSÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IMPROVIMENTO.

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As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, o que não é o caso dos autos.

Cabe ao Tribunal do Júri, que é o juiz natural para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dirimir a ocorrência ou não das qualificadoras.

Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial nº 317828 – ES, 5ª Turma,Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, j. 07/11/2002, D.J.U. de 02/12/2002, p. 333).

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SER CONTRA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I. As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes - o que não se vislumbra in casu, eis que o acórdão não se apóia em elementos aptos a excluírem, de plano, a indigitada traição.

II. Em caso de incerteza sobre a situação de fato - ocorrência ou não de qualificadora - a questão deverá ser dirimida pelo Tribunal do Júri, o juiz natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

III. Recurso conhecido e provido para restabelecer a inclusão da qualificadora do inc. IV do § 2º do art. 121 do CP na sentença de pronúncia. (RESP 184646 – DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 11/04/2000, D.J.U. de 15/05/2000, p. 00179).

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAl. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO

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ANALÍTICA DO DISSÍDIO - CASOS DIFERENTES. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. QUALIFICADORA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE.

"O conhecimento dos embargos de divergência pressupõe seja demonstrado analiticamente o dissídio entre os julgados, consistente na transcrição de seus trechos divergentes, bem como na prévia indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados". (Corte Especial, ERESP 53306 / DF, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 09.03.98, p. 02) Acórdão da Corte a quo - mantido pelo decisum embargado - que está em sintonia com o entendimento pacífico desta Corte, segundo o qual as qualificadoras propostas na denúncia não podem ser afastadas pelo juízo da pronúncia, salvo se forem elas manifestamente improcedentes.

Embargos de divergência não conhecidos. (ERSP 182769- DF, 3ª Seção, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 13/12/1999, D.J.U. de 13/03/2000, p. 00127).

PROCESSUAL PENAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TRAIÇÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ORDEM DENEGADA.

I. As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes - o que não se vislumbra in casu, eis que a impetração não se apóia em elementos aptos a excluírem, de plano, a indigitada traição.

II. Em caso de incerteza sobre a situação de fato - ocorrência ou não de qualificadora - a questão deverá ser

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dirimida pelo Tribunal do Júri, o juiz natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

III. Ordem denegada. (HC 11106 – SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 07/12/1999, D.J.U. de 14/02/2000, p. 00056).

PROCESSO PENAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. QUALIFICADORAS. CPP, ART. 408.

- Segundo a moldura legal do art. 408, do Código de Processo Penal, a sentença de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação, em que se exige apenas o convencimento da prova material do crime e da presença de indícios de autoria.

- Se a denúncia imputa ao réu crime de homicídio qualificado, na sentença de pronúncia o Juiz monocrático somente pode excluir circunstância qualificante se esta, a luz da prova condensada no sumário, for manifestamente improcedente, pois havendo incerteza sobre a situação de fato, deve o tema ser reservado ao Tribunal do Júri, que é o Juiz natural competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ex vi do art. 5º, XXXVIII, da Constituição.

- Não tem substância a alegação de nulidade de defesa pela ausência da reconstituição do crime e da realização de exame de corpo delito, se estas foram requeridas nas contrariedades e o libelo e deferidas pelo juiz.

- Recurso ordinário desprovido. (RHC 8269 –

RS, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, j. 18/05/1999, D.J.U.

de 11/10/1999, p. 00087).

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3.1.a - CONFRONTO ANALÍTICO DOS JULGADOS

É perfeita a identidade entre a situação dos autos e

aquela apreciada no v. aresto indicado como paradigma do

dissídio. Nas duas, devidamente materializada a análise sobre a

configuração de causas de aumento da pena na fase de

pronúncia; opostas, no entanto, as conclusões a que chegaram

o v. acórdão recorrido e a r. decisão confrontada.

Para o v. acórdão recorrido:

“A qualificadora do artigo 121 § 2º, inciso

IV, do Código Penal deve ser afastada. Ela se caracteriza pela

surpresa, que aproxima-se da emboscada, da dissimulação e,

evidentemente, só existe quando se traduz num comportamento

insidioso em que se mascara a intenção agressiva de forma tal

que a vítima, em nenhum momento, teve qualquer razão para

suspeitar sequer do ataque, vindo a ser colhida de modo

desprevenido.” (fls. 287/288)

Enquanto para o r. julgado colacionado:

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“Só em casos excepcionalíssimos, como adverte

o Min. Adhemar Maciel no Resp nº 58.279/MG, é que se

deve afastar, na pronúncia, as qualificadoras insertas na

denúncia.”

Em síntese, enquanto para a r. decisão recorrida é possível a exclusão das qualificadoras acolhidas na pronúncia, para o v. acórdão paradigma somente em casos excepcionalíssimos deve-se retirar da apreciação do Tribunal do Júri tais qualificadoras.

Assim, melhor a nosso ver, o entendimento

consagrado no Colendo Superior Tribunal de Justiça.

4 - O PEDIDO

Em face de todo o exposto, demonstrados os

dissensos jurisprudenciais quanto aos temas destacados e a

negativa de vigência de lei federal, aguarda o Ministério Público

do Estado de São Paulo que seja deferido o processamento do

presente recurso especial, a fim de que, subindo à elevada

consideração do Colendo Superior Tribunal de Justiça, mereça

provimento, cassando-se o acórdão recorrido, para que o

acusado seja submetido a julgamento perante o Tribunal

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Popular, nos exatos termos da r. decisão de pronúncia de

primeiro grau.

São Paulo, 15 de março de 2005.

LUIZ ANTONIO CARDOSO

Procurador de Justiça

ANDRÉ LUIZ RIERA NEVES

Promotor de Justiça Designado

Índices

Ementas – ordem alfabética

Ementas – ordem numérica

Índice do “CD”

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