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E-folio A Finanças Internacionais, Luz Gomes 802428 Conservas Ramirez: memórias de cinco gerações A actual conjuntura económica internacional é caracterizada pela tendência para a interdependência entre os países, a formação de blocos regionais, as emergentes economias asiáticas e latinoamericanas e os avanços tecnológicos, ou seja, pelo dinamismo e pela globalização. Em consequência destes fenómenos as empresas devem ampliar a sua visão nacional para uma internacional, repensando os conceitos e as estratégias económicas. Num ambiente com estas características a internacionalização aparece como uma necessidade vital. No entanto, deve-se ter em conta que este processo é difícil, complexo e caro, que inclusive pode prejudicar a empresa que o inicie. A meta de uma empresa ao internacionalizar-se deve ser a de obter vantagens comparativas que permitam superar a concorrência. A decisão sobre quais e quantos mercados abordar, como entrar neles, que tipo de organização adoptar são decisões fundamentais que requerem uma análise rigorosa de índole estratégica. As formas de internacionalização podem dar-se através da exportação, do franchising, da joint ventures, do investimento directo e da aquisição de empresas no estrangeiro. As exportações podem ser feitas directamente (distribuidores, representantes comissionados, filiais...) ou indirectamente (trading companies, brokers...). O franchising implica uma transferência somente de know-how e não de produtos. A joint ventures refere- se à associação entre duas ou mais empresas com o objectivo de realizar um negócio comum. E finalmente, o investimento directo implica a entrada em determinado mercado já quer seja por deslocalização da produção, quer por investimento comercial ou ainda por expansão comercial. As opções estratégicas para aceder aos mercados internacionais podem ser de liderança pelo preço (concorrer com base em preços mais baixos graças a custos de produção mais baixos); de diferenciação (oferecendo um produto

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Conservas Ramirez: memórias de cinco gerações

A actual conjuntura económica internacional é caracterizada pela tendência para a interdependência

entre os países, a formação de blocos regionais, as emergentes economias asiáticas e latinoamericanas e os

avanços tecnológicos, ou seja, pelo dinamismo e pela globalização. Em consequência destes fenómenos as

empresas devem ampliar a sua visão nacional para uma internacional, repensando os conceitos e as

estratégias económicas. Num ambiente com estas características a internacionalização aparece como uma

necessidade vital. No entanto, deve-se ter em conta que este processo é difícil, complexo e caro, que

inclusive pode prejudicar a empresa que o inicie. A meta de uma empresa ao internacionalizar-se deve ser a

de obter vantagens comparativas que permitam superar a concorrência. A decisão sobre quais e quantos

mercados abordar, como entrar neles, que tipo de organização adoptar são decisões fundamentais que

requerem uma análise rigorosa de índole estratégica.

As formas de internacionalização podem dar-se através da exportação, do franchising, da joint

ventures, do investimento directo e da aquisição de empresas no estrangeiro. As exportações podem ser feitas

directamente (distribuidores, representantes comissionados, filiais...) ou indirectamente (trading companies,

brokers...). O franchising implica uma transferência somente de know-how e não de produtos. A joint

ventures refere-se à associação entre duas ou mais empresas com o objectivo de realizar um negócio comum.

E finalmente, o investimento directo implica a entrada em determinado mercado já quer seja por

deslocalização da produção, quer por investimento comercial ou ainda por expansão comercial. As opções

estratégicas para aceder aos mercados internacionais podem ser de liderança pelo preço (concorrer com base

em preços mais baixos graças a custos de produção mais baixos); de diferenciação (oferecendo um produto

diferenciado e com um valor único) e de focalização (centra a sua acção num pequeno número de segmentos

e a abordagem poder fazer-se através de diferenciação ou de custos).

Neste trabalho faço uma breve análise da empresa de Conservas Ramirez,1 recorrendo essencialmente

à informação disponibilizada pela empresa na sua página web e à entrevista dada por Manuel Guerreiro

Ramirez no livro Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas.

A Ramirez surgiu em 1853 e as primeiras fábricas localizaram-se em Vila Real de Santo António,

Olhão, Albufeira e Setúbal. Tornou-se na mais antiga produtora e exportadora de conservas em Portugal. A

sua internacionalização remonta aos finais do século XIX, tendo sido Itália o primeiro país a importar os seus

produtos, seguindo-se o Brasil. Nos 158 anos de experiência e história que a definem, a Ramirez foi capaz de

“revolucionar os conceitos de conservação” 2 inicialmente com processo de salgação e actualmente com o

acesso às mais sofisticadas tecnologias. Caracteriza-se pelo compromisso, tradição, qualidade e inovação em

1 Foi distinguida como empresa de sucesso pela Associação Industrial Portuguesa (AIP) sendo uma empresa de referência em processo de internacionalização. A

Ramirez foi classificada como um dos 30 casos de empresas portuguesas de sucesso na internacionalização.2 RAMIREZ - Empresa [Em linha]. [consult. 29/03/2011]. Disponível na Internet <URL: http://www.ramirez.pt/?nav=empresa&s=2&ss=6>

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conservas, os quais permitiram que a empresa se sustentasse ao longo dos anos e fosse capaz de responder às

exigências do mercado. Conta com modernas fábricas em Matosinhos e Peniche, as quais produzem e

comercializam mais de 40 produtos, destacando-se as sardinhas, o atum, a cavala, o polvo, as lulas, têm

diferentes apresentações, especializadas e pratos pré-cozinhados, capazes de satisfazer os requisitos actuais

do mercado, e com laboratórios próprios de controlo de qualidade direccionados para a satisfação os mais

exigentes clientes. É reconhecida por várias entidades a nível mundial e por muitas e importantes cadeias de

distribuição mundial, mas, distingue-se, sobretudo pela alta qualidade dos seus produtos. É pioneira mundial

na introdução de novos métodos e materiais de embalagem e empacotamento (como a passagem da abertura

fácil em folha de alumínio para folha de Flandres).

Os produtos desta empresa encontram-se distribuídos pelos cinco continentes através das várias

marcas que a representam. A Ramirez que surgiu em 1865 em Portugal (latas de atum em conversa). A

Pescador presente nos países lusófonos (atum e sardinhas picantes). A Magalhães está nos mercados

americanos e das comunidades portuguesas no mundo. A Gabriel encontra-se nos EUA e África do Sul,

exporta-se desde 1890, e foi uma das primeiras marcas a internacionalizar-se no século XIX. A Mistral

exporta-se para os países Mediterrânicos e América do Sul. A KID distribui-se em vários países europeus e

está dirigida às camadas mais jovens. A Derthona encontra-se em França, Reino Unido, Canadá, EUA, entre

outros. A Tomé está no mercado Filipino desde 1925, tal como nos países com forte presença migratória

filipina. A Cocagne, introduzida em 1906, é líder em qualidade e imagem, na Bélgica, mas também, está

noutros países europeus, estas conservas foram distinguidas por cinco anos consecutivos pela “Monde

Selection” com medalha de ouro. A Teddy está comercializa-se na Rússia, Grécia e Alemanha (sardinha). Al

Fares apresenta-se no mundo árabe, especialmente no Líbano (produtos com azeite). A Renommée tem como

destino o mundo francófono e está fortemente fidelizada em França, Suíça e Canadá (sardinhas, cavalinhas e

atum). A Kulla encontra-se em África há várias décadas (sardinhas). The Queen Of The Coast exporta-se

para os EUA, Canadá, Reino Unido e França (sardinhas, atum, refeições prontas e latas de abertura fácil).

Segundo Manuel Guerreiro Ramirez, o processo de internacionalização da Ramirez passou pela

adopção duma “política própria de dispersão de mercados3”, pela fidelização das marcas, trabalho iniciado

pelo seu avô Manuel Ramirez, e pela criação de outras marcas para além da Ramirez, ou seja, uma aposta

“numa forte política de marca própria4”, este facto permite-lhes “um posicionamento no mercado,

dependente do cliente com marca própria” apesar das “mutações e dos ataques exteriores, por parte dos

países que fazem conservas pelo mundo fora5”.

A própria Ramirez caracteriza-se por ter um processo de internacionalização diferente daquele que

hoje em dia estudamos (“pré-fabricado”), isto devido à sua longa experiência no mercado. Definem a sua

3 Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas.Pág. 93

4 Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas.Pág. 94

5 Idem

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aposta internacional como sendo “baseada na qualidade e sobretudo num controlo da qualidade

eficientíssimo”6.

Como forma de divulgar a sua marca e reduzir custos nas apresentações, a empresa participa em feiras

internacionais – as quais são actualmente um excelente meio de negócios, muitas vezes por iniciativa própria

(sem contar com a presença do AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal ).

Antes de 1989 era a empresa líder no mercado soviético, apesar de não contarem com nenhum tipo de

apoio e do díficil que era entrar nesse mercado, hoje em dia trata-se de um mercado com muito potencial. A

Ramirez conta também com algumas experiências menos positivas em pelo menos dois mercados em África

(Nigéria e Angola), devido a duas fraudes com empresas e bancos fictícios, estes são apenas alguns dos

problemas normalmente associados à internacionalização.

Mencionando a falta de apoio, esta empresa frisa “a falta de dinamismo, [...], sensibilidade, realismo

e empenhamento da administração portuguesa (diplomacia e do ICEP)7” e os entraves arancelários após a

entra na União Europeia8. E chega mesmo a fazer uma comparação com Espanha: “Eles estão respaldados

com a sua Administração, com Bruxelas, com os seus lobbies feitos, com os bancos, com o seu poder, com o

seu nacionalismo, muitas vezes exacerbado9”. Aliada a esta falta de apoio temos também a desvalorização do

produto nacional face ao importado.

Para a Ramirez a chave do sucesso é “fazer produtos com boa relação qualidade-preço, e que tenham

efectivamente diferenciação face aos estrangeiros, criatividade e melhor qualidade!”, mas também contar

com a“seriedade, confiança e a sorte de ter tido à frente várias gerações de gente preparada, muitas delas à

frente do seu tempo. E é claro, colaboradores dedicados, que eficientemente envergaram a camisola da

empresa, que é a casa de trabalho de todos nós.10”

A Ramirez é um verdadeiro caso de sucesso tanto no que é o seu processo de internacionalização,

como na forma como foi acompanhando a evolução do comércio e das exigências. E apesar da Ramirez achar

o contrário considero que este é o exemplo típico de uma estratégia por diversificação.

A Ramirez é e será sem lugar a dúvidas as “memórias de” mais do que “cinco gerações”.

Bibliografia

6 Idem

7 Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas. Pág. 97

8 “Portugal tinha acordos bilaterais com certos países, como os EUA, que nos permitiam ter taxas de direitos muito baixas. Essas taxas, aquando da nossa entrada

na União Europeia, subiram e nunca mais foram revistas”, Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas. Pág.979 Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas. Pág. 98

10 Experiências de Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas. Pág. 99

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QUELHAS BRITO, Pedro; ALVES, José Augusto e SILVA, Libório Manuel (Coord.) - Experiências de

Internacionalização, A globalização das empresas portuguesas. 1ª ed. Vila Nova de Famalicão: Centro

Atlântico, Nov. 2002. ISBN: 972-8426-59-3

PORFÍRIO, José António Ferreira – Finanças Internacionais. 1ª ed. Lisboa: Universidade Aberta, Abril

2001. ISBN: 972-674-292-7

RAMIREZ - Empresa [Em linha]. [consult. 29/03/2011]. Disponível na Internet <URL:

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RAMIREZ – História [Em linha]. [consult. 29/03/2011]. Disponível na Internet <URL:

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RAMIREZ – Estratégia [Em linha]. [consult. 29/03/2011]. Disponível na Internet <URL:

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RAMIREZ – Marcas [Em linha]. [consult. 29/03/2011]. Disponível na Internet

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