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MARIANA TRENCHE DE OLIVEIRA ECOLALIA: QUEM FALA NESSA VOZ? Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2001

Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

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MARIANA TRENCHE DE OLIVEIRA

E C O L A L I A :

Q U E M F A L A N E S S A V O Z ?

Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2001

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ii

MARIANA TRENCHE DE OLIVEIRA

E C O L A L I A :

Q U E M F A L A N E S S A V O Z ?

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em Lingüística Aplicada

e Estudos da Linguagem sob orientação da

Profa. Dra. Maria Francisca Lier-De Vitto.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

2001

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iii

Comissão Julgadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

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iv

Para Jefferson

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v

“Se se morre por causa da repetição, é também ela que salva

e cura, e cura primeiramente, da outra repetição”.

Gilles Delleuze (1968: 28)

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A G R A D E C I M E N T O S

À Profa. Dra. Maria Francisca Lier-De Vitto, pela seriedade, cuidado,

rigor e vigor na orientação dessa dissertação, acompanhados de muito carinho.

Também, pela autonomia que pôde dar à minha escrita e às minhas questões, o

que foi de grande importância para meu amadurecimento. Agradeço ainda pelas

aulas e conversas descontraídas; pelos ensinamentos que, com toda certeza,

excederam o campo profissional.

À Profa. Dra. Cláudia De Lemos, pelas indicações de leituras e de direções

argumentativas no exame de qualificação, que foram muito proveitosas.

À Profa. Dra. Lucia Arantes, pelas contribuições preciosas ao

encaminhamento de questões deste trabalho no exame de qualificação. Também

pela disposição para a leitura e discussão dos dados.

À Dra. Ângela Vorcaro, pelo encaminhamento de um dos pacientes, cujas

falas estão neste trabalho. Por sua abertura à interlocução e pelas pontuações que

pôde fazer.

À Profa. Dra. Sandra Madureira, pela maneira calma e disposta com que

me recebeu e ajudou. Pelos esclarecimentos sobre prosódia e sugestões sobre o

modo de apresentação dos dados.

À Dra. Wilze Bruscato, pelo acolhimento na Santa Casa de Misericórdia

de São Paulo e pelo encaminhamento de minha pesquisa, ainda que esse objetivo

não tenha podido ser concretizado. Agradeço também à Adriana pela atenção.

Às equipes de Psiquiatria Infantil e Terapia Ocupacional e aos membros da

Comissão de Ética, que autorizaram a coleta de dados no Setor de Saúde Mental

da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Pelo incentivo da Érika, Luciana, Rejane, Rosana, Roseli, Suzana, Tati e

Viviane, companheiras de aulas, mesas redondas e no Projeto Integrado Aquisição

de Linguagem e Patologias de Linguagem, cuja produção é de inequívoca

qualidade e originalidade.

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vii

Ao Osvaldo De Vitto, pela descontração e pela rapidez das palavras

precisas, quando elas faltavam.

À Carô, Claudia e Gabriela, pela partilha de toda a inquietação gerada por

um atendimento iniciante e difícil e por apontarem os meus tropeços, fazendo-me

crescer. Pela intensidade da vivência de cada etapa de nossa grande amizade.

À Mariana, Milena, Miriam e Paula, também muito queridas, por terem se

envolvido neste e em muitos outros projetos acadêmicos e pessoais.

À Ruth, pela confiança e também pela amizade. Pelos ensinamentos e

discussões sobre a clínica que tiveram efeitos no meu fazer como terapeuta.

Ao Prof. Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), pela orientação sobre

questões relacionadas à ética em pesquisa.

À Valéria e Tereza; Marisa, Miriam e Clara, parceiras de consultório, que

acompanharam e apoiaram mais este passo. Também, um abraço para Leila e

Rosana.

Ao João, Graça e Marilei, pela competência e valiosa disposição na ajuda

do levantamento da literatura, na biblioteca da DERDIC.

À Dra. Cristina, por sua escuta e pela viabilização da abertura de novos

caminhos.

Aos meus pais, pelo amor e carinho; pelo incentivo à leitura desde tão

cedo e pela possibilidade constante de estudar. À minha mãe, Cecília, por ter me

apresentado o mundo científico; ao meu pai, Carlos, por me mostrar a importância

da formação de opinião.

Aos meus irmãos, Carlos, Daniel e Helô e ao (quase) cunhado Emerson,

pela torcida. Às famílias Bonini e Trenche, pelo estímulo.

À família Oliveira: Alécio e Esmeralda, Lene e Claudio, Valquíria e Cem,

pela consideração e pelos momentos de descontração.

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viii

Pelo carinho e doçura das crianças que me fazem tão feliz: Lucas, Marcela,

Guilherme, Gabriel e Bruno.

Um beijo, também, para a Cris Vieira, pela amizade antiga e preciosa.

Aos Professores e colegas do Curso de Especialização em Fonoaudiologia

(Linguagem) pelo COGEAE/PUC-SP, em especial, às amigas Alê, Carol, Ciça,

Ilza e Priscila.

Aos Professores do LAEL pelas aulas e pela apresentação de novos

campos e questões. Também aos colegas com que dividi momentos de alegria e de

aflição.

Enfim, ao Robson, meu marido, pelo amor, companheirismo e

encorajamento, que foram suportes importantes durante este percurso. Pela

paciência com minhas ausências e, também, pela impaciência, que sinalizava a

falta que eu fazia. Pelas palavras bonitas e pelas engraçadas. Seu senso de humor

equilibrava o meu mau humor nos momentos mais conflituosos.

Ao CNPq, pelo auxílio que viabilizou a realização desta dissertação.

Page 9: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

ix

R E S U M O

Este trabalho problematiza a ecolalia, um sintoma caracterizado como

repetição do enunciado do outro. Definições, caracterizações e classificações,

presentes na literatura, são discutidas. Com o objetivo de assinalar a natureza

patológica desses acontecimentos, pesquisadores agregam adjetivos ao termo

repetição. Ela é dita involuntária, automática, exata e literal, por exemplo. Quanto

à abordagem das falas ecolálicas propriamente ditas, vemos pesquisadores

tipificá-las para chegar a uma codificação que abrigue diferentes manifestações

ecolálicas, assumidas como: imediata, tardia e mitigada. Esvazia-se, desse modo,

o próprio sentido de eco contido no termo ecolalia, que remete à reverberação de

som produzido por uma fonte. Na tardia, a fonte não pode ser localizada e, na

mitigada, que diz de uma fala modificada, diferente, portanto, do enunciado do

outro, perde-se a própria noção de eco.

No que diz respeito à criança, nas investigações das ecolalias chega-se a

concluir que ela tem intenção comunicativa, o que estabelece uma situação

paradoxal porque não só intenção comunicativa opõe-se ao entendimento desse

sintoma como involuntário/automático, como também leva há diluição da

oposição normal versus patológico. Se questionável já é assumir que uma criança

em processo de aquisição de linguagem possa ter intenção comunicativa ou

controle sobre sua fala, que dirá sustentar tal suposição quando se trata de uma

criança cuja fala é sintomática.

Este trabalho, toma o conceito de especularidade, definido por De Lemos,

como norteador da distinção entre repetição na aquisição da linguagem e repetição

sintomática. Ao lado desse diálogo teórico, dados de dois pacientes são

interpretados e assentam o lugar a partir do qual é encaminhada a discussão com a

literatura. Proponho que as ecolalias sejam abordadas a partir da relação fala da

criança/fala do outro, relação que assumo como singular. Desse modo, afasto

classificações e suspeito da abrangência da aplicação do termo “ecolalia” a falas

tão heterogêneas.

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A B S T R A C T

The purpose of this study is to discuss echolalia, a symptom characterized

as repetition or echoing of speech just spoken by another person. Definitions,

descriptions and classifications, found in the literature, are approached and

discussed. It can be noticed that while some earlier investigators have aimed at

distinguishing between normal and pathological repetitions by adding adjectives

like involuntary, automatic, exact and literal to the term, other researchers have

tried to typify its heterogeneous manifestations in order to suggest a general

classification which comprises three basic categories: immediate, delayed and

mitigated. It is worth emphasizing that echo which, in fact, qualifies lalia, loses

its meaning since it recalls sound reverberation, that is, a reflection produced

immediately after its source. That being the case, in delayed echolalia, it is the

source which cannot be identified and in mitigated echolalia, a production

different for the other’s, it is the very meaning of echo which is lost.

As far as the child is concerned, some authors state that echolalic speech

may convey communicative intent, which seems to introduce a paradoxical

situation: if communicative intended, echolalia does not retain the characteristic of

being involuntary and automatic – a determinant feature of pathological repetition.

Moreover, one should keep in mind that the attribution of cognitive abilities to the

child is a highly controversial issue even in the area of Language Acquisition.

In this study, the concept of specularity, as it was defined by Cláudia De

Lemos, was contemplated and served as a theoretical parameter to approach the

distinction between normal and pathological repetition. I present and analyze

clinical data of two children. Both specularity and the analyzes were important

tools in the discussion of the literature. I claim that echolalic speech should be

approached on the basis of the relationship concerning patient - other speeches. In

this sense, I assume as singular every and each echolalic manifestation, that is

precisely why I avoid classifications and suspect of the application of the term

echolalia to such a wide range of heterogeneous children’s symptomatic speech.

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xi

Í N D I C E

INTRODUÇÃO .............................................................................. 01

CAPÍTULO 1 – ESPECULARIDADE: A REPETIÇÃO QUE

INAUGURA A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM .....................................

07

CAPÍTULO 2 – ECOLALIA: UMA REPETIÇÃO ESTRANHA .........

2.1 CASO 1 – UMA VOZ PAUTADA POR FALAS DE TELEVISÃO ......

2.2 CASO 2 – UMA FALA AOS SOLAVANCOS .......................................

14

14

37

CAPÍTULO 3 – O CENÁRIO DA ECOLALIA ......................................

3.1 ECOLALIA EM ÁREAS CLÍNICAS ......................................................

3.2 DEFINIÇÕES ...........................................................................................

3.2.1 ECOLALIA: FALA QUE NÃO COMUNICA ...................

3.2.2 ECOLALIA: REPETIÇÃO QUE COMUNICA .................

3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O NORMAL E O PATOLÓGICO ...........

63

64

68

68

74

80

CONCLUSÃO ............................................................................................. 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................... 95

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1

I N T R O D U Ç Ã O

O conceito de “especularidade”, definido por De Lemos (1981),

como “incorporação da fala do outro”, foi-me apresentado quase que

concomitantemente ao encontro, na clínica, com uma repetição estranha

da fala do outro pela criança. Foram acontecimentos que marcaram

presença no início do percurso de minha formação como terapeuta, ainda

na graduação. A primeira modalidade de repetição foi apresentada como

pressuposto teórico; a segunda, como fenômeno. Quero dizer que se

pude apreender algo sobre a primeira, isso se deu no espaço da sala de

aula. Diferentemente, o encontro com a segunda foi no espaço clínico da

sala de terapia.

Especularidade e ecolalia remetiam, respectivamente, a

repetições ditas normais e patológicas. Em comum, havia o fato de que

tais produções da criança eram dependentes da fala do outro. Entretanto,

mesmo retendo essa característica comum em relação à especularidade, a

ecolalia é uma repetição estranha1: repetição que intriga o clínico e,

principalmente, o clínico de linguagem – o que eleva a ecolalia ao

estatuto de questão a ser investigada. Não se deve esquecer também que

há, entre os acontecimentos a que esses termos se referem, diferenças

substanciais que não escapam ao reconhecimento do falante de uma

língua2.

1 “Estranho” no sentido explorado por Ma. Teresa Lemos (1994 e 1995), a partir de Freud, no que diz respeito à fala da criança. A extensão da noção de “estranho” que concerne à fala patológica, foi discutida por Lier-De Vitto (2000b e Lier-De Vitto & Arantes, 1998) e pelos demais membros do Projeto Integrado Aquisição da Linguagem e Patologias da Linguagem, de que faço parte. 2 Ver sobre isso Lier-De Vitto (1999b, 2001).

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2

Na especularidade, a criança incorpora fragmentos da fala do

outro – fragmentos que retornam para uma cadeia/texto – e antecipa-se

ali como falante. Esse movimento entre falas – entre todo e parte – é

decisivo no que diz respeito à aquisição da linguagem e,

conseqüentemente, ao processo de subjetivação. O outro/falante, ao

incorporar os fragmentos produzidos pela criança em seu dizer os

reconhece como fala e a criança como falante. Não é o que ocorre no

caso da repetição patológica em que, via de regra, o outro não acolhe as

produções da criança como falas e nem esta como falante. Como se vê,

há diferenças a considerar entre especularidade e ecolalia.

Inquietações relativas a esse sintoma na fala, como disse acima,

tiveram origem no Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP quando atendi,

no estágio de Avaliação de Linguagem3, uma criança cuja mãe, nas

entrevistas comigo, disse que seu filho tinha “egolalia... ecolalia?”4. Li o

prontuário desta criança e vi que diagnósticos médicos indicavam um

quadro com comprometimento orgânico e emocional bastante críticos5.

O “diagnóstico de linguagem” fornecido pela mãe, juntamente

com os diagnósticos médicos, como que anunciavam um caso difícil e

produziam agitação e preocupação na terapeuta iniciante. Apesar disso,

eu apostava, como fonoaudióloga, que deveria tentar conversar com a

criança. Tentativa frustrada pois, embora o paciente “falasse”

praticamente durante toda a sessão, suas produções e seu olhar não eram

dirigidos a mim. Eram insistentes reproduções, claras e bem articuladas,

de slogans de propagandas ou programas de televisão, que se revezavam

com murmúrios baixos, pouco articulados e guturais.

3 Este estágio foi realizado na DERDIC - Divisão de Ensino e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação. 4 A hesitação da mãe indica que ela repete um termo que foi falado por algum profissional (médico, fonoaudiólogo, etc) ou por professores de seu filho. 5 Pude ler no prontuário que essa criança tinha hidrocefalia controlada e uma hipótese diagnóstica de psicose infantil com características autísticas.

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3

Lembro-me que, na época, isso me deixou perplexa e paralisada.

Esse caso, após a avaliação de linguagem, foi encaminhado para outras

instituições. Entretanto, se essa criança partiu, restou para mim uma

inquietação. Sua fala produziu um desconforto e dela precisava saber

mais.

No ano seguinte ao atendimento desse paciente, ingressei no

Programa de Avaliação de Linguagem de Crianças Pequenas6, cuja

proposta era diagnosticar crianças de dois a cinco anos com alterações de

linguagem. A maior parte das crianças atendidas não falava (elas

gritavam, articulavam sem som ou permaneciam em silêncio). Uma delas

reproduzia a fala do outro. Embora eu não tenha atendido aquela

criança, acompanhei as discussões, em supervisão, sobre pacientes

atendidos por outras terapeutas do Programa. Assim, entre tantas outras

complicações (também obscuras), defrontei-me novamente com essas

repetições/ecolalias que continuaram a me afetar e exigir de mim algum

tipo de leitura, de entendimento.

Quando entrei para o curso de Especialização em Linguagem7, fui

solicitada a fazer uma apresentação sobre o tema “procedimentos

fonoaudiológicos para pacientes com autismo/psicose infantil”. Uma

indicação de leitura foi a dissertação de mestrado de Fernandes (1990).

Nela, o nome “ecolalia” aparece como um sintoma presente e freqüente

na fala de crianças com esses quadros clínicos – o que me fez lembrar do

sintoma pronunciado pela mãe do meu primeiro paciente. Decidi buscar

na literatura o que se dizia sobre ecolalia.

Em meio a esse encontro com a bibliografia, uma criança com fala

em eco foi encaminhada ao consultório. Diferente daquela primeira, essa

6 Programa realizado na DERDIC no período entre setembro de 1997 e setembro de 1998 e coordenado pela profa. Ruth Palladino. 7 Especialização em Fonoaudiologia pela COGEAE-PUC/SP.

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4

criança ecoava8 praticamente tudo o que eu dizia, olhava para mim e ria,

mesmo que sem motivo aparente. Ao lado disso, outras vezes ficava

parada, olhando com vagueza para lugar nenhum.

Eu disse que essas crianças repetiam falas e a fala do outro, o que

fazia lembrar a especularidade. Mas as repetições dos pacientes e, em

particular, o seu modo de produzi-las, eram nitidamente diferentes das de

crianças em aquisição da linguagem e, ainda, entre si: um falava todo o

tempo, o outro falava predominantemente depois da terapeuta. Pude

formular duas questões: 1) que diferenças haveria entre repetições

“constitutivas/estruturantes” e repetições sintomáticas?; 2) que

diferenças haveria entre essas repetições sintomáticas? Foi com elas que

dei início a este trabalho.

Minha dissertação parte, como se vê, de uma necessidade de

entender melhor a ecolalia, de “apreender o modo de presença de um

sujeito na linguagem” (Lier-De Vitto, 2000 d). Pretendo, como

fonoaudióloga, arregimentar um conjunto de discussões sobre a

linguagem elegendo, para isso, um corpo teórico em que a fala, o falante

e o erro sejam categorias problemáticas (Lier-De Vitto, 1994). Refiro-me

ao Interacionismo em Aquisição de Linguagem9, teoria com que procuro

estabelecer um diálogo teórico10.

Considero ser imprescindível e essencial à terapêutica essa

investigação da fala de pacientes, uma vez que a técnica de intervenção

fonoaudiológica deve necessariamente ser condizente com o diagnóstico

de patologia de linguagem e responder à singularidade de um quadro e

de um caso (ver Andrade, 1998 e Arantes, 2001a). A instância clínica é

8 Vou me deter na fala dos dois pacientes no Capítulo 2. 9 Faço menção explícita ao Interacionismo conforme proposto por De Lemos (1981, 1982 e outros), desenvolvido por ela e por pesquisadores do Projeto de Aquisição de Linguagem da UNICAMP como Rosa Attié Figueira (1986), Maria Fausta Pereira de Castro (1985/1992), Maria Cecília Perroni (1982), Esther Scarpa (1984) e as dissertações de Célia Carneiro de Toledo (1983), da PUCSP, Maria Francisca Lier (1983).

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5

espaço inequívoco em que a ecolalia emerge como questão de linguagem

a partir de que outras podem e devem ser levantadas: questões relativas à

fala, ao falante, e à intervenção/interpretação fonoaudiológica. Vou me

ater, prioritariamente, à primeira questão. Esclareço, nesta introdução,

que não abordarei aspectos clínicos e terapêuticos envolvidos nos

atendimentos desses casos. Considerei que o enfrentamento das falas

ecolálicas deveria ser um primeiro passo11. Deixo, portanto, para trabalho

posterior, a abordagem desses aspectos.

Dirigi-me tanto à literatura sobre ecolalia quanto a trabalhos de

Aquisição da Linguagem. Se o termo “ecolalia” tem, entre outras, a

função de cunhar uma repetição sintomática, presente em quadros

clínicos diferentes12, não se verá a presença desse termo na área de

Aquisição da Linguagem. Ali se fala em “repetição” (Ochs-Keenan,

1977), “imitação” (Ervin-Tripp, 1964; Ruth Clark, 1975 e 1976) e

“especularidade” (De Lemos, 1981, 1982, dentre outros). Quero

assinalar que a ecolalia vem como “um sintoma”, o que a coloca fora do

escopo da Lingüística e de suas subáreas. De acordo com Lier-De Vitto

& Arantes (1998) a oposição correto-incorreto, possível-impossível não

abrange o “patológico” e nem a dicotomia normal versus patológico é

abarcada pela Lingüística – essa última é uma oposição que diz respeito

à clínica (Lier-De Vitto, 1999 a, b; Fonseca & Rubino, inédito).

Esta dissertação segue mesmo a ordem dos acontecimentos, das

questões pelas quais fui tocada como pesquisadora e terapeuta. No

primeiro capítulo, discuto o conceito de especularidade conforme

postulado por De Lemos (1981, 1982, entre outros), conceito este, que

tem importância nas discussões que encaminho sobre os dados e sobre a

10 Diálogo teórico enquanto oposto à aplicação. Ver sobre isso, Landi (2000). 11 Esclareço que esta foi também uma direção seguida por Fonseca (1995). 12 Refiro-me ao fato de que a ecolalia pode ser um sinal em quadros como afasia, retardo mental, autismo infantil, esquizofrenia, por exemplo, sendo, porém, um sinal dispensável na caracterização

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6

literatura da ecolalia. No capítulo dois, apresento e discuto as falas de

dois pacientes com este sintoma – falas diferentes entre si e que,

entendo, não podem ser reduzidas ao conceito de especularidade.

Diferentemente do que se poderia supor, elas vêm no começo. Meu

objetivo foi expor os leitores à natureza dessas falas, antes de introduzir

os debates sobre elas na literatura, que ficaram para o terceiro capítulo.

Nele, problematizo definições, caracterizações e classificações da

ecolalia. Na conclusão, procuro tocar outras questões além daquelas

levantadas ao longo desta dissertação.

desses quadros.

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7

C A P Í T U L O 1

Especularidade: a repetição que inaugura

a aquisição da linguagem

Passo a abordar o conceito de especularidade, conforme postulado

por De Lemos (1981, 1982, entre outros), para assentar as bases das

discussões que encaminharei sobre a literatura da ecolalia e sobre as

falas de dois pacientes nas quais pude observar o retorno da fala do

outro: um retorno sintomático.

O termo especularidade13 é utilizado por De Lemos, sobretudo no

primeiro tempo do projeto Interacionista (1981 a 1992), criado no

Departamento de Lingüística IEL/UNICAMP, em 1976. A autora

enuncia que “a fala da criança não ocorre num vácuo lingüístico” (1985: 23), quer

dizer, essa fala não é geração espontânea, mas determinada pela fala do

outro. Tal afirmação remete à noção de “dependência dialógica”, que

subsidia a de “processos dialógicos”, assumidas como determinantes da

aquisição da linguagem, a saber: especularidade, complementaridade e

reciprocidade. Deve-se dizer que, deles, o de maior rendimento teórico e

empírico foi o de especularidade14.

O conceito de especularidade, indicador maior da dependência da

fala da criança em relação à fala do outro, tem sua especificidade em

13 O termo utilizado primeiramente por Camaioni (1979) para se referir a um processo constatado em interações sociais criança-adulto e criança-criança e redefinido por De Lemos, para quem especularidade não se refere à “interação social”, mas ao diálogo – locus da aquisição da linguagem. 14 Recomendo a leitura de M.T. Lemos (1994), sobre os processos dialógicos.

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8

relação à imitação no sentido de que remete ao diálogo (e não à

interação social ou à repetição de comportamento), o que justifica a

afirmação de que a aquisição da linguagem é conseqüência do “jogo da

linguagem sobre a própria linguagem”. Melhor dizendo, importa na

especularidade a noção de diálogo. Em “Interactional process in the

child’s construction of language” (De Lemos, 1981), lê-se que ela, a

especularidade, compreende um movimento de ‘incorporação de

fragmentos da fala do outro’. A pesquisadora nos diz que:

“a contribuição lingüística da criança ao diálogo consiste em responder por

meio de incorporações de diferentes partes do enunciado da mãe, o que

aponta para o processo de especularidade como constitutivo [do diálogo]”

(1985: 24) (ênfase minha).

Assim, a especularidade, que diz de uma repetição, pela criança,

da fala do outro, diz também e acima de tudo, de uma dependência

constitutiva, qual seja, a de que a criança só pode falar a partir da fala do

outro. Esse é o aspecto fundamental do conceito de especularidade. É por

meio dele que De Lemos afasta-se da tendência dominante na área da

Aquisição da Linguagem de explicar o desenvolvimento lingüístico por

meio da atribuição de capacidades/habilidades cognitivas à criança. O

argumento levantado por De Lemos, contra a atribuição de

conhecimento lingüístico à criança, é o seguinte: como dizer que num

tempo cronologicamente posterior, aquele em que erros aparecem na fala

da criança, esta venha a “desconhecer” o que “conhecia” antes?

De fato, como sustentar que a criança possa ter algum tipo de

controle sobre o que diz, e sobre a interação, se sua fala é dependente da

fala do outro? A autora afirma, por essa via, a indeterminação categorial

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9

da fala da criança. Do ponto de vista empírico, a hipótese de

indeterminação categorial da fala da criança, lembra-nos De Lemos,

apoia-se no fato de que sua fala corresponde a incorporações “diretas” e

não seletivas da fala do outro. Elas não refletem, portanto, um “saber

sobre” a linguagem15.

Se os erros, que sucedem essas falas especulares, conduzem De

Lemos a recusar a atribuição de conhecimento à criança, eles levaram

outros pesquisadores (Bowerman, 1982; Peters, 1983; e Karmiloff

Smith, 1986 e outros – apud De Lemos, 1992), a tomar direção oposta.

Como De Lemos, esses autores reconheceram que as repetições iniciais

da fala do outro eram “índices” de produções não analisadas – meras

extrações a que não se deveria atribuir estatuto categorial. Eles, contudo,

assumem que erros seriam sinais positivos porque “índices” de

processos reorganizacionais (cognitivos), em operação sobre

produções “não analisadas”.

As questões que De Lemos levanta são: 1) “Por que a criança

precisaria se distanciar da fala do adulto para depois analisá-la?” e 2) “O

que explicaria o surgimento do conhecimento, se antes ele era

inexistente?”. Para De Lemos, não há razão ou argumento forte o

suficiente que justifique a necessidade de um tempo de relação direta à

fala como anterior ou pré-requisito para que operações cognitivas

viessem depois a “oper[ar] sobre as unidades não analisadas em uso” (1992: 130).

Nada explicaria, do ponto de vista teórico, o porquê da necessidade de

uma relação direta à fala do outro, antes que operações

cognitivas/metalingüísticas entrassem em jogo.

Assim é que a concepção de sujeito epistêmico é abalada no

Interacionismo, o que levará esta proposta a recusar qualquer tipo de

15 Recomendo a leitura dos dados e sua análise em De Lemos (1982).

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10

atribuição de conhecimento sobre a linguagem à fala criança. A autora

afirma a indeterminação semântica, sintática e pragmática de suas

produções – tema central, aliás, de “Aquisição de Linguagem e seu

dilema (pecado) original” (1982). De fato, descrever a produção

especular da criança em termos de categorias seria um contra-senso. Se

essa fala é do outro, ela só pode ser, do ponto de vista da criança,

indeterminada.

Há, contudo, mais a considerar sobre a especularidade. Fato é que

se é pela incorporação da fala da mãe que a criança pode falar, a mãe,

por sua vez, só pode dar andamento ao diálogo a partir do fragmento

incorporado pela criança. Vê-se que o outro está implicado de uma

maneira bastante particular no conceito de especularidade. Vejamos o

que diz De Lemos:

“(...) o processo de especularidade remete não apenas aos enunciados da

criança, mas também aos do adulto: de fato, ambos os participantes

preenchem seus turnos no diálogo por meio da incorporação de pelo menos

parte do enunciado precendente do outro (...)” (op. cit: 25).

O termo especularidade, esclarece De Lemos (1985), encontra

sustentação na “imitação recíproca” de Baldwin (1899 apud De Lemos,

1985) que, numa interpretação de Piaget, corresponde à “(...) reflexão (em

sentido próprio) de si no outro e do outro em si” (1928: 168). A especularidade diz

dessa reflexão e, portanto, remete à noção de espelho, o que eleva a

imitação recíproca à categoria de processo constitutivo/estruturante de

um locus dialógico, como diz De Lemos.

Como se vê, a especularidade não está apenas do lado da criança,

não é um processo unilateral. De fato, De Lemos diz de uma

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11

incorporação mútua, condição mesma para o trânsito dialógico. Se a

criança, para falar, depende da fala do outro, a interpretação do outro é

também determinada pela especularidade – o adulto incorpora o

fragmento produzido pela criança ao seu enunciado. É, de fato, a

especularidade do lado do adulto que mostra que ele reconhece a

produção da criança como fala e ela como falante.

Importa dizer, ainda, que esse reconhecimento é fundamental na

medida em que o adulto, ao interpretar a fala da criança, incorpora o

fragmento produzido por ela numa cadeia – numa fala – e cria as

condições necessárias para que ela se antecipe, ali, como “falante”.

Assim, no espelho do outro, o fragmento-fala da criança vem enlaçado

no todo-fala do adulto. Como disse Carvalho: “antes de haver um diálogo

efetivo, ou melhor, na própria insuficiência deste, há uma antecipação de diálogo” (1995:

97). Desta forma, tanto a atribuição de valor de “fala” a uma produção,

quanto a de “falante” à criança, parecem estar relacionados ao

reconhecimento do outro.

Mesmo com o grande avanço teórico que o Interacionismo dá em

1992, a especularidade não é destituída de seu lugar central. De Lemos

(1992) escreve “Processos metafórico y metonímico como mecanismos

de cambio”, em que a especularidade fica subsumida naquilo que a

autora designará como primeira posição (De Lemos, 1999 b). Como se

pode ler no título deste artigo, ela invoca mecanismos lingüísticos para

dar conta das mudanças na fala da criança. Em outras palavras, De

Lemos traz a língua – la langue – para o coração de sua teoria sobre a

aquisição da linguagem.

Serão mecanismos lingüísticos que responderão, também, pela

subjetivação; o que quer dizer que é a língua, seu funcionamento (suas

leis de referência interna), que faz recuar definitivamente o argumento

de que a linguagem seja “instrumento acessório” da

Page 23: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

12

representação/cognição e da comunicação16. É a língua que responde

tanto pela possibilidade de haver fala, quanto pela de haver falante. Vem

daí a noção de “captura” do sujeito pela língua, noção que se opõe

decisivamente à de “apropriação” da linguagem pela criança (De

Lemos, 1992, entre outros).

Será, então, por efeito dos processos metafórico e metonímico que

a criança ocupará posição frente à fala do outro e à própria – efeitos que

refletem mudanças de posição do sujeito na estrutura (De Lemos, 1999).

A fala da criança, a língua e a fala do outro, compõem uma relação

estrutural triádica que determina, conforme propõe De Lemos (1998;

1999), três posições para o falante. Na primeira, diz ela, a criança é

falada pela fala do outro enquanto que, na segunda, ela é falada pela

língua e, na terceira, ela fica no intervalo entre o que diz e o que

escuta (ou seja, ela pode escutar o que diz).

Assim, na primeira posição, que remete à especularidade, a fala da

criança é parte da fala do outro, “outro” entendido como “instância de

funcionamento da língua/discurso”, quer dizer, como falante. De Lemos

assume que os fragmentos incorporados correspondem a deslizamentos

metonímicos da fala do outro para a da criança. Acrescenta-se que, ainda

que a especularidade predomine, há diferença: mesmo que os fragmentos

da fala da mãe façam presença na fala da criança, a diferença entre elas

logo se mostra na medida em que o significante pode ser o mesmo, mas

o significado, para a criança, é indeterminado. Especularidade é, então,

repetição com diferença: não há coincidência entre a fala da mãe e a

fala da criança.

Dessa forma, a especularidade é relacionada à primazia do

significante sobre o significado. O “significado” é efeito do jogo

16 Sobre isso ver também Lier-De Vitto (1998), em especial, o último capítulo de seu livro.

Page 24: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

13

significante e não de um estado cognitivo ou do estabelecimento de

referências externas/contextuais, o “texto” é espaço da articulação

significante. Não é o “contexto”, portanto, que determina “significados”.

A passagem para a segunda posição é determinada pela língua.

Nela, o processo metafórico passa a fazer pressão e, o que deveria estar

“em ausência”, acontece “em presença”, como mostrou Lier-De Vitto

(1994/98). Daí que cruzamentos entre fragmentos ocorrem e, muitas

vezes, sob a forma de produções insólitas. Nesta segunda posição, o pólo

dominante é a língua – a criança está no intervalo dos significantes

postos em relação, diz De Lemos (1999). De fato, a lei do significante é

“fazer relações” que, no caso da segunda posição, faz articulações à

revelia da criança. Isso quer dizer que a criança, embora fale, não tem

escuta para o que diz.

Será na terceira posição que o sujeito ficará sob efeito de sua fala,

o que é atestado nas correções e auto-correções, mesmo que o resultado

não seja um acerto. São nesses acontecimentos que se pode apreender,

precisamente, a divisão do sujeito entre sua fala e sua escuta. De Lemos

(op. cit.) diz que, na terceira posição, ele fica no intervalo entre essas

duas instâncias subjetivas.

Como se vê, De Lemos fez da repetição/imitação uma questão

teórica, mais precisamente, norteadora da reflexão sobre aquisição da

linguagem pela criança. Assim, a repetição, mais do que atestada, pôde

ser problematizada. Isso significa que, na proposta Interacionista, a

especularidade/primeira posição, enquanto repetição pela criança da fala

do outro, pôde ser elevada ao estatuto de questão teórica – assim como o

erro, a fala e o falante. Por esses motivos, o Interacionismo foi eleito,

neste trabalho, como espaço de diálogo: foi colocado em posição de

alteridade no que diz respeito à discussão das ecolalias.

Page 25: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

14

C A P Í T U L O 2

Ecolalia: uma repetição “estranha”

2.1. Caso 1: uma voz pautada por falas de televisão

Para abordar a ecolalia, essa repetição estranha, tomo como

exemplo um caso atendido por mim, no início da minha formação

terapêutica. Isso porque, como disse, meu contato com esse

acontecimento de fala ocorreu no âmbito da sala de terapia. Tratava-se

de uma criança, de sete anos, que parecia produzir incessantemente uma

‘fala que não era sua’.

Segundo os pais, a criança assistia muito à televisão e “dirigia sua

comunicação para ela”. Sem a televisão, dizia a mãe, o paciente poderia

até mesmo não falar. O mesmo, porém, não ocorria em relação às suas

solicitações: se quando ouvia a programação da televisão, corria para

assisti-la, não atendia, no entanto, ao chamado dos pais ou de outras

pessoas. A criança parecia ‘surda’ para o outro.

A queixa sobre a comunicação que emergia nesse relato era que,

embora a criança falasse, sua fala “não comunicava”: era pura

reprodução de falas e, sobretudo, de reclames de televisão (mesmo que

de semanas anteriores). Como se vê, essa fala que vem de outras não é,

entretanto, dirigida ao outro. Acresce-se a isso, o fato de ser reconhecida

como ‘sem sentido’ (não comunicativa). Mais ainda, para os pais, o

Page 26: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

15

‘falar’ dessa criança refletia um não pensar (“será que ele não pensa”),

era um dizer sem saber o que se diz (“não sei se ele tem noção”). Assim,

embora a criança falasse, ela não conversava e nem mesmo pedia coisas

(“água”, ou “para ir ao banheiro”), ou seja, ela nem interpelava, nem

parecia ter demanda para o outro.

De fato, de acordo com os pais, essa criança emitia “falas” (“falar

ele fala”), mas o que em sua voz surgia não era admitido como uma fala

propriamente dita (“e o pior é que ele fala”). Como entender declarações

como estas? Como entender que somente propagandas pudessem incitar

uma produção?

Durante a conversa com os pais, eu não podia mesmo imaginar

que ‘falas’ eram essas. De toda forma, na condição de aluna-estagiária

do curso de Fonoaudiologia, supus que se trataria de um paciente com

‘alterações de linguagem’ e que, apesar dos sintomas presentes nessa

fala, seria possível estabelecer um ‘diálogo’ ou um ‘contato’ com ele.

Suposição, devo dizer, frustrada frente às produções vocais e verbais do

paciente e mesmo à natureza de suas ações. A gravidade e complexidade

do caso desencadearam um impasse clínico uma vez que eu era impedida

de ocupar a posição de outro para a criança e, menos ainda, de outro-

terapeuta. O efeito produzido pelo paciente e pela suas produções foi, de

início, uma paralisação: elas como que confirmavam o que os pais

haviam dito.

De todo modo, a situação era bastante intrigante. A criança não

dirigia exatamente seu olhar para o outro, passava por ele de modo

breve, fugaz, sem fazer foco. Em geral, ela olhava em direção aos

objetos, pegava-os um a um, virava-os em diferentes posições, levava-os

à boca, lambia, passava pelo nariz e colocava-os de lado. Outras vezes,

sentava, andava e deitava sobre os objetos, como se não pudesse

percebê-los ou senti-los. Ao andar, esbarrava nas paredes. Grande parte

Page 27: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

16

das vezes, não respondia a um toque com grande pressão embora

reagisse a toques com pressões mínimas. Isso também valia para sua

sensibilidade auditiva: ao mesmo tempo em que não demonstrava

atenção à fala ou a ruídos de forte intensidade, podia direcionar sua

atenção para sons de baixa intensidade. Isso me levou a supor que,

apesar dos déficits orgânicos17, não havia problemas sensoriais que

justificassem essa conduta bastante específica.

O paciente também tendia, com freqüência, a reproduzir a mesma

ação, o mesmo gesto motor (acender e apagar a luz sucessivas vezes;

derrubar e levantar cadeiras) ou a reter um mesmo objeto. Eram atitudes

que se repetiam em seqüência, por um considerável período de tempo.

No entanto, quando um movimento na direção de um objeto era

interceptado ou quando a terapeuta procurava interromper essas

seqüências repetitivas de ações, o paciente passava a um estado de

grande agitação, apresentando uma vocalização grave e em volume forte,

com gestos bruscos, que podiam cessar repentinamente. Era quando

retornava à sua conduta habitual (lenta e repetitiva). Por vezes ainda, o

paciente abanava as mãos com os cotovelos em flexão, enquanto

produzia um esgar. Também, balançava a cabeça lentamente de um lado

para o outro. Esses movimentos eram bastante estranhos já que, à

semelhança de sua fala, eram também repetitivos. Pode-se dizer que nem

a fala, nem os gestos se desdobravam em diferenças. Corpo e fala que

“colam” em pedaços de gestos e de falas e que só se manifestam no

interior dessa prisão.

17 Como disse, de acordo com avaliações médicas (neurológica e psiquiátrica), o paciente apresentava um quadro bastante grave e complexo do ponto de vista neurológico e psíquico, embora esse seja um ponto que não será discutido aqui.

Page 28: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

17

Bizarra também era sua fala que alternava momentos de

reprodução clara e bem articulada com um ‘monólogo’18 pouco audível e

de difícil interpretação, produzido em um tom de voz baixo, gutural e

nasalizado. Era como se o paciente estivesse o tempo todo ‘narrando

algo’ num murmúrio em que era possível reconhecer a entonação do

português, que lembrava a fala de um locutor/apresentador de televisão.

Era, porém, um contínuo sem fim, sem pontuação. Vale dizer que essas

produções surgiam à revelia da fala e da presença do outro,

permanecendo imunes à fala da terapeuta. Parecia mesmo que o paciente

era invadido por falas alheias e que, só por isso, falava. Suas produções

não eram acompanhadas de gestos ou expressões faciais, a não ser, pelo

esgar. Enquanto falava, não dirigia o olhar para terapeuta. Ou seja, era

uma fala sem endereço, que não convocava interpretação – um impasse

para a terapia.

Algumas vezes emergiam, nesse contínuo, reproduções/cópias

claras e literais de falas de outros, mais especificamente, de slogans, de

propagandas e de programas de auditório (uma curva entoacional que

lembrava a típica de locutores). Ou seja, em meio ao murmúrio contínuo

era possível, por vezes, apreender pedaços de falas de televisão. Vale

dizer ainda que, durante a sessão, o paciente ‘interessava-se’ por

aparelhos que emitem falas (como uma televisão de brinquedo e um

rádio gravador) que, em geral, ‘assaltam’ o paciente.

Mais raras eram as repetições imediatas da fala da terapeuta.

Quando isso acontecia, era possível notar, do ponto de vista fenomênico,

dois tipos de ocorrências:

18 Utilizo “monólogo” entre aspas porque não desconheço a diferença entre aqueles discutidos por Lier-De Vitto 1994/8 e os dessa criança, em que, a palavra “monólogo” serve apenas para designar um isolamento/fechamento da criança para o outro e para o diálogo.

Page 29: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

18

(1) uma reprodução ipsis literis de partes da fala da terapeuta

seguida imediatamente ou por uma fala de televisão, ou por um

murmúrio cadenciado. No caso de ser sucedido pelo murmúrio, pode-se

dizer que esse era o destino do segmento incorporado: ele se tornava

inaudível, diluído num sussurro que barrava a interpretação/entrada do

outro. Quero dizer, com isso, que sendo esse o destino de uma

incorporação, tem-se o apagamento de um lugar/posição para o outro

falar. Esse acontecimento parece relacionado ao fato de que há um

“antes”, ou seja, um não reconhecimento do ponto de partida de um

enunciado: do outro como falante. Isso significa que um diálogo não se

estabelece nunca. Condição para isso seria que os participantes de um

diálogo pudessem se reconhecer em outro lugar, na fala do outro – como

está implicado no conceito de especularidade.

Esses comentários valem também para quando, ao segmento

idêntico incorporado, seguem-se pedaços dispersos de

propagandas/programas de televisão. Nesses casos, aparece com nitidez

a exclusão do outro – de sua condição de sujeito falante e a inutilidade

de sua fala.

(2) reproduções imediatas que, se do ponto de vista segmental

eram idênticas à fala da terapeuta, do ponto de vista suprassegmental o

segmento era como que ‘sugado’ pela entonação dos locutores de

televisão. Modo mais sutil, digamos, de um mesmo acontecimento. Isto

é, o destino dessa incorporação é sua redução a uma fala ‘descarnada’,

repetitiva, como são as inúmeras entradas de propagandas na televisão e

estereotipias estilísticas de apresentadores de programas. Nessas

ocasiões, sua qualidade de voz podia muitas vezes mudar radicalmente:

uma voz recoberta por outra aproximada da de um locutor/apresentador.

Era possível escutar sua voz somente em: a) no interior de

seqüências de fragmentos de textos de televisão, quando marcados por

Page 30: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

19

glotalizações (fechamento brusco de pregas vocais) em algumas

produções de consoantes ou b) em vocalizações. Desse modo, assistia-se

a uma situação estranha e paradoxal: quando a criança ‘falava’, falas

outras invadiam sua voz e, quando ‘não falava’/vocalizava, aparecia uma

criança sem palavras.

Também, não pude deixar de notar a diferença de uma sessão para

outra. Em algumas, ele estava calado e irritado, com movimentos

lentificados e restritos; em outras, ele estava agitado e ‘falava muito’: era

quando reproduzia as falas típicas de televisão, alternadas com

produções longas, murmuradas e ininterpretáveis. Chamava a atenção

que a criança podia oscilar entre calma e agitada numa mesma sessão.

Frente a acontecimentos como os referidos acima, considerei que:

(1) não olhar/responder à terapeuta (mesmo com condições sensoriais

para isso), (2), produzir seqüências ininterpretáveis com características

prosódicas típicas da fala de locutores, (3), reproduzir nitidamente

slogans, propagandas ou programas de televisão, (4) reproduzir

imediatamente a fala da terapeuta e emendá-las/transformá-las, ou em

falas de televisão, ou em murmúrios e (5) produzir vocalizações

estranhas, faziam questão e colocavam em xeque a terapia e a terapeuta.

Acima de tudo, chamava a atenção que todas as produções da criança –

ou quase todas –, traziam a marca de uma repetição. Repetições de uma

natureza singular: insistentes e estranhas.

Os pais falavam em ‘ecolalia’. Embora já tivesse ouvido o termo,

fiquei indiferente a ele e, naquele momento, não procurei saber mais.

Parecia um rótulo, que nem caracterizava um quadro e nem explicava

uma fala. Não é por acaso que, na tentativa de descrevê-la, lancei mão da

“especularidade” – apreendida em sala de aula – para abordar esses

acontecimentos em que a fala da criança era nitidamente a fala de um

Page 31: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

20

outro, sem levar em conta questões clínicas e a particularidade dessa

repetição.

Não quero dizer, com isso, que eu tenha ensurdecido para o

enigmático dessas produções. Entretanto, naquela época, não pude

enfrentá-las porque a elas atribuí, “apressadamente” (como diz Arantes,

2000 – no prelo) o rótulo de especularidade. De todo modo, reconheço

que não pude, então, fazer muito mais do que uma substituição de

rótulos. Entendo que com “especularidade” permaneci no campo da

aplicação. Como critica Arantes, nas aplicações, conceitos são reduzidos

a “instrumentos descritivos”, esvaziados de seu sentido original e

teórico. De fato, segundo De Lemos19, aplicações “ignora[m] a relação do dado

com a teoria”, posto que um dado só o é para uma teoria. Ou seja, é a partir

da formulação de proposições problemáticas (expressão de Milner,

1989), que um campo se delimita e delimita o que é dado para si (Lier-

De Vitto, 1999). Um fenômeno é inapreensível na sua totalidade e, nesta

medida, toda ciência se institui como um domínio que circunscreve um

conjunto de questões de que se ocupa, desconsiderando outras.

Se admite-se que é na Lingüística que a linguagem é elevada ao

estatuto de objeto, uma aproximação da Fonoaudiologia a essa área

parece incontornável. É preciso, porém, respeitar especificidades.

Justamente por essa razão, é que vale aqui o alerta de De Lemos de que

um saber instituído não deve ser visto “como disponível sob a forma de certezas e

respostas [mas como] um lugar onde o que se sabe serve, acima de tudo, para interrogar

[...]” (1998: 14) (ênfase minha). Foi exatamente isso que não pude

considerar naquele tempo.

A pressa em recobrir a interrogação (que diferença há?) era, de

certo, obrigatória e, naquele momento, tal interrogação era

19 Argüição à tese de Doutoramento de Rosana Benine – “‘Omideio’, o que é isso?”, em março de

Page 32: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

21

imperscrutável. O atendimento desse paciente se deu numa disciplina da

graduação, em que um relatório era exigido e reclamava um dizer sobre a

fala dessa criança. As questões, no entanto, ficavam como que acuadas

pela necessidade de responder por tal demanda. O aluno supunha e

cobrava do professor um saber sobre elas, ao mesmo tempo em que sabia

que o professor cobrava um dizer seu. Acuado, então, ficava o terapeuta

de linguagem que – quer aluno ou professor – supostamente deveria ter

uma resposta para elas. Circunstancialmente, o imperativo de responder

pela fala da criança se sobrepunha à inquietação suscitada pelo

acontecimento clínico. Penso que uma inquietação (afetação por um

acontecimento) é o que está na base tanto da delimitação de um

particular, quanto do levantamento de questões e que, de certa forma, o

‘ter que dizer’ pode encobri-las.

De toda forma, pude ficar sob efeito de uma diferença, qual seja, a

de que entre a especularidade e a fala de meu paciente, a repetição não

poderia ter o mesmo caráter. Tratava-se de uma repetição estranha, como

disse. Pretendo, neste trabalho, aproximar-me do ‘estranho’ dessas

repetições, deixando-as produzir interrogações.

Os dados que vou interpretar são apresentados de forma bem

diferente daquela que encontrei na literatura sobre ecolalia. Nela, em

geral, falas de crianças são mencionadas e comentadas, melhor dizendo,

aparecem isoladas, não relacionadas à fala do outro. Elas vêm, tão

somente, para ilustrar uma afirmação ou classificação dos pesquisadores.

Considerei importante a apresentação integral de longos segmentos de

sessão, para que o leitor pudesse, na medida do possível, ficar situado

frente a falas dessa natureza.

2001.

Page 33: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

22

Os dados foram dispostos da seguinte maneira: 1) na primeira

coluna numero as falas ocorridas na sessão; 2) na segunda, em vermelho,

está a fala da terapeuta20; 3) na terceira, a fala é do paciente, em três

cores diferentes (azul, vermelho e preto) para distinguir a entonação; 4)

na quarta coluna estão algumas observações. Vale dizer que, embora a

divisão seja feita por turnos, estes nem sempre são respeitados, pois ou o

paciente ‘atropela’ a terapeuta com suas (re)produções, ou a terapeuta

fala ‘em cima’ das produções da criança. A transcrição foi feita em

ortografia regular, a partir de gravações em áudio e vídeo.

Esclareço também que a variação de cores, na terceira coluna,

serve ao propósito de notação de mudanças de entonação, tom de voz e

velocidade de fala. Quando a fala está em vermelho, o paciente

reproduziu (de forma idêntica) a entonação da terapeuta, bem como sua

velocidade de fala. As falas em azul servem para marcar produções cuja

entonação e velocidade lembram a melodia típica utilizada em

slogans/comerciais ou programas de televisão. Falas em preto remetem a

produções que não são nem repetições imediatas da fala do outro, nem

de slogans e se apresentam com uma entonação típica do português.

Estas serão marcadas por flechas para indicar o movimento ascendente

da forma interrogativa. Ou ainda, as produções em preto remetem a

vocalizações.

Quando digo que a fala determinada pela cor azul lembra um tipo

de produção veiculada na mídia é porque tanto a entonação21 é toda

marcada por curvas ascendente-descendentes (como na exclamação),

como a articulação, em determinados momentos, é exagerada (ou

20 Esclareço que utilizarei a sigla (T) para a terapeuta e (T2) para outra terapeuta que entrou em sala quando a primeira estava paralisada frente às produções da criança. Esclareço, também que passarei a referir-me como terapeuta, ou seja, em terceira pessoa, para facilitar a leitura dos dados. 21 Agradeço à Profa. Sandra Madureira pelos esclarecimentos e sugestões para apresentação desses dados.

Page 34: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

23

hiperarticulada). Quando isso ocorre, a produção só não é ‘perfeita’ do

ponto de vista articulatório porque o que se ouve, no lugar de algumas

consoantes, é uma glotalização (ou seja, uma oclusão brusca das pregas

vocais). Estas glotalizações estão marcadas na transcrição com negrito.

Vale ressaltar que, no caso das produções hiperarticuladas, o volume é

mais forte e há mudança de tom de voz para mais grave ou agudo.

Por outro lado, embora em alguns momentos, a melodia típica da

televisão continuasse sendo produzida (ainda na letra azul), a articulação

e a voz ganhavam um outro aspecto. A voz ficava baixa e gutural:

algumas vezes, aproximava-se de um sussurro e, em outras, de um

murmúrio, em que não era mais possível identificar segmentos do

português. A fala ficava hipoarticulada, ainda que um contínuo melódico

pudesse ser ouvido, numa intensidade também muito baixa. Para esses

momentos, utilizei a sigla ‘SI’ (segmento ininteligível). A linha

descontínua, que muitas vezes acompanha tal sigla, remete aos longos

murmúrios, ou seja, a segmentos ininteligíveis submetidos à melodia

típica da televisão.

É justamente com esta fala, longa e murmurada, não dirigida a

ninguém, que a terapia é inaugurada. Apresento a seguir, fragmentos de

sessões de avaliação de linguagem.

No. TERAPEUTA

PACIENTE OBSERVAÇÕES

1 P:SI ------ ganhou dez reais ----- SI ------------ o carro. Estamos aqui no carro mais novo de todos os tempos. SI ---.

Enquanto T. liga o gravador, P. começa a falar andando em direção ao espelho.

2 T: Você gosta de carrinho?

T. puxa um carro do saco e põe no chão. P. vira-se e vai em direção ao carro.

3 P:Cê gosta de carrinho?

4 P:E você gosta de carrinho! SI ------ -

5 T. pega um carro rosa e dá para P., que se levanta

Page 35: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

24

T: Olha que carro bonito!

dá para P., que se levanta e estica seus braços para pegá-lo.

6 P:Oia o carro nito! Seiscentos e oitenta e cinco reais. SI

P. senta e fica mexendo no carrinho rosa.

7 T: Vamos brincar com o carro?

8 P:aiaidágdáááá (vocalizações).

9 P:Ao valor de dez mil reais. Deixe algum recado SI------- o telefone do seu Pager....

P. levanta e apóia-se na T., para pegar outros objetos na cadeira.

10

11 T: Ó a televisão!

12 P:Vamos assistir? P. está olhando em direção aos brinquedos que estão no chão.

13 T: Vamos assistir a televisão?

14 P:Vamos assistir

15 P:E você quer assitir....?

16 T: tem um boneco.

17 T: Pronto P:Os bonecos de fogo... P. segura o saco. T. retira uma bola e coloca no colo de T., mas ele não segura e a bola rola para o chão.

18 T: E uma bola?

19 P:SI ------------------------------------- P. pega o saco e retira uma moto, pondo o saco de lado.

20 T: E uma moto. Acabou.

21 (silêncio) P. pega a moto e leva até a boca.

22 T: Não, não pode morder, não. (silêncio) P. larga a moto e fica olhando para o saco.

23 T: Acabou ó, não tem mais nada aqui dentro.

(silêncio) P. pega os carrinhos.

24 P:SI -- a pergunta SI ----, uma pegunta muito especial -------------------------------------. São dez mil reais. SI --------------------------------------------- -au-au ih SI ----------------------------------------------------------.

P. fica olhando em direção ao carro, enquanto vai manuseando-o, virando-o de cada lado.

25 T: Gostou desse carro?

26 P:SI desse carro ----------------- o seu carro. Oo seu.

27 T: Ó!

28 P:SI --------

29 T: Vamos colocar este boneco no carro?

30 P:ááááaááááá (geme) P. pega a moto leva até a boca e grita e bate com a mão no chão de forma estereotipada

31 T: Quê que cê tá fazendo, Adriano22?

P. com a moto na boca, fica batendo a mão na moto.

32 P:ááááaááááá (geme)

33 T: Ó, esse não é de comer não.

34 T: O que você está fazendo? P. pega um brinquedo olha, põe no chão e pega outro.

35 P:ai dig da á! á! á!. P. vira a cabeça de um lado para outro de modo estereotipado.

22 Nome fictício.

Page 36: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

25

36 P:dig dig dig á! á! á!.

37 T: vira pra cá Adriano.

38 T: Adriano? (silêncio)

39 T: Vira pra cá um pouco. (silêncio)

40 T: Vira pra cá.

41 P:SI

42 T: Vira pra cá.

43 P:SI -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

44 T: Tó, fala aqui, P:SI --------------------------------------

---

45 T: No microfone. P:SI ----------------------------------------------

T. tenta dar a P. o microfone, mas P. segura o carro.

46 P:no microfone

47 T: Tó.

48 P:Tó o microfone desse carro o microfone SI --------esse carro na minha casa, tudo que você------------------------------------- taz mania ------------

49 T: Adriano, vira pra cá. P:SI ------------------------------------------- tan tanan tanan! SI ---------------------------------------------------------------------os bonecos--são dez mil reais----------dez mil reais----se você ------------------------------------------------ carros ------------------------------ (silêncio)

50 T: Você gostou dessa moto Adriano?

(silêncio) P. pega a moto e fica batendo ela no chão.

51 T: Ãhn? (silêncio) P. vira a cabeça de um lado para outro enquanto produz um esgar.

52 (silêncio)

53 P:Ai nhaaa ai. Aaaaa. Aaaaaaaaa P. larga a moto e pega o carro e vai trocando de objeto várias vezes.

54 P:SI --------------------------------------dez reais se você ------------------------------------------------------------------------------------------

55 T: Ó a moto. Uóóóó P:SI ----------------------------------------------------------------------------------

--------

56 T: Cê vai estacionar o carro?

57 Você vai estacionar o carro, são dez mil SI ------------------------------------------------------- o nome desses ----------------------------------------------------------------------------------------------

---------------------------------e você ganhou o carro-------------------------

------e SI e agora -------de segurança---------------------------------------------------------------------------

-------------

58 P:SI --------- aaa, aa aaaa

59 Vamos brincar com o carro P:aaaaaaa

Page 37: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

26

Adriano? 60 P:SI

61 T: Uóuó. Ó o trânsito, ó. Pum! Bateu no carro?

(silêncio) P. fica olhando em direção ao carro que T. empurra.

62 P:ateu no carro SI -------------------------------------------------------- esse carro ----------------------------------------------------------------- O carro ------------- pessoas ------------------ o seu carro --------------------------------------- Um carro, dez pessoas --------------------------------------o ca-ca-ca-ca-ga---------- o seu carro, que bonito o seu carro, se você não ------------------------------------------------------

P. pega o carro e vai girando ele na mão.

(...) 63 T2: Adriano ó P:SI --------------------------------------

---

Terapeuta 2 entra na sala.

64 T2: Vamos escrever aqui ó P. pega o giz que T2. dá e começa a rabiscar o papel.

65 P:Vamos escrever?

66 T2: vamos escrever.

67 P:Vamos escrever -------------------------------------------------------

68 T2: Não, vamos escrever.

69 P:Vamos escrever. SI ----------------

70 T2: vamos escrever P:SI --------------------------------------

---

71 T2: Olha, é dessa cor agora ó, P:SI --------------------------------------

---

72 P:SI --------------------------------------

---

P. larga o microfone e pega o carro.

(...) 73 T2: O carro P:SI --------------------------------------

---

T2. e P. rabiscam o papel

74 T2: Vamos fazer o carro P:SI --------------------------------------

---

75 P:O carro mais bonito do asil...

76 T2: é o carro...? (silêncio)

77 T2: Qual é o carro mais bonito do Brasil?

(silêncio)

78 P:o carro mais bonito... SI ---------------

79 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------

---

80 T2: Qual é? P:SI --------------------------------------

---

81 T2: Qual é o carro, hein? Adriano!

P:SI --------------------------------------

---

Page 38: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

27

(...) 82 T2: Olha lá em cima P:SI --------------------------------------

---

83 P:SI...ganhador P. levanta-se em direção ao espelho.

84 T2: Não tem ganhador nenhum

85 P:Não tem ganhador nenhum...

86 T2: Nenhum, P:SI --------------------------------------

---

87 T2: vamos pegar o carro? P:SI --------------------------------------

---

88 P:SI --------------------------------------

---

89 T2: Qual o carro mais bonito do mundo, Adriano?

P:SI --------------------------------------

---

90 P:O carro mais bonito SI

91 T2: Qual é o carro mais bonito do mundo? Hum?

(silêncio) P. olha para o carro enquanto mexe nele.

92 T2: Esse aqui é o carro mais bonito do mundo, não é?

(silêncio) P. continua olhando e manipulando o carro.

93 T2: ó carro mais bonito do mundo.

(silêncio)

94 P:O carro mais bonito do mundo

95 T2: É cor de rosa. (silêncio)

96 T: Ó o carro cor de rosa, (silêncio)

97 T2: Tá vendo? (silêncio)

98 P:São vinte e nove graus SI ----------------setenta e nove graus

P. pega o carro laranja e o levanta em direção o rosto e depois o coloca no chão.

(...) 99 T2: Cadê a bola? P: SI -------------------------------------

----

100 P:Mappin, o nosso Mappin P: Está olhando para a bola que está na mão de T.

101 T2: Ãhn? P: SI -----------------------------------------

102 T2: No nosso Mappin tem isso aqui ó,

P: SI -----------------------------------------

103 T2: tem bola.... P: SI -----------------------------------------

104 P:Tem bola 105 T2: Tem bola, vamos pegar a

bola? P: SI -----------------------------------------

106 T2: Tem tudo o que você precisa. Toma.

P: SI -----------------------------------------

107 P:Tem tudo o que você precisa saber, passe lá e compre

108 T2: ó! P: SI -----------------------------------------

(...) 109 T2: Adriano!

110 T2: Cadê o carro do Adriano?

111 T2: Hein?

112 T2: Adriano!

Page 39: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

28

113 T: fom fom.

114 T2: Cadê o carro do Adriano? P:SI -----------------------------------------

115 T: Põe na garagem

116 P:O carro na garagi. Na garagi.. Cinco e cinqüenta. O carro...

117 A terapeuta 2 sai da sala.

(...) 118 T: Segura o carro!

119 P:O carro mais louco do país P. se vira e vai em direção ao carro que está na mão da terapeuta e tenta tirá-lo.

120 T: Esse carro é o mais louco do país?

121 P:Louco do aís

122 T: é?

123 T: P: SI -----------------------------------------

124 T: Dá, esse é meu, meu carro P: SI -----------------------------------------

T. tenta tirar o carro rosa da mão de P.

125 T: Aquele lá é seu o laranja P: SI -----------------------------------------

T. mostra o carro laranja e continua tentando tirar o carro rosa. P. faz força puxando o carro.

126 T: Dá pra mim (silêncio) T. deixa P. ficar com o carro.

127 T: o meu carro? P: SI -----------------------------------------

128 T: dá? P: SI -----------------------------------------

129 T: o meu carro cor de rosa. P: SI -----------------------------------------

130 T: Ó, P: SI -----------------------------------------

T. coloca o boneco no carro e P. olha.

131 T: o nenê quer passear... P: SI -----------------------------------------

132 T: Quer passear no carro P: SI -----------------------------------------

133 T: Uóóóó, P: SI -----------------------------------------

P. vai em direção ao carro mas T. tira de seu alcance.

134 T: tchau Adriano! (silêncio)

135 T: Você quer vir comigo? (silêncio) P. tira o boneco no carro, joga no chão e pega o carro.

136 T: Ãhn? P:Ãhnnnn

137 P: SI -----------------------------------------

138 T: ó vamos limpar essa sala P: SI -----------------------------------------

139 T: ta muito sujo, ó

140 T: ó, ó, tó Adriano

141 T: Lava o carro Adriano P: SI -----------------------------------------

T. passa a vassoura no carro e P. pega o giz que está dentro do carro.

142 T: Vamos lavar esse carro está sujo.

(silêncio)

143 T: Vamos desenhar? Vamos desenhar o carro?

(silêncio) T. pega o giz e o papel e mosta para P. P. levanta e pega os dois carros e leva a té a cadeira.

144 T: aqui ó Tó Tó (silêncio)

Page 40: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

29

145 T: Vamos desenhar o carro aqui. (silêncio)

146 T: Aqui Adriano (silêncio)

147 T: Olha este carro rosa, é bonito, né?

P: SI -----------------------------------------

148 Colocou em cima? P: SI -----------------------------------------

149 P:Colocou em cima? P. está tentando colocar um carro ao lado do outro sobre a cadeira, não percebendo que os dois não caberiam naquele espaço.

150 T: Não vai caber...

151 P:Não vai caber.... SI--------------------

152 T: dá o rosa pra mim, dá. P: SI -----------------------------------------

153 Me dá o rosa? P: SI -----------------------------------------

154 Me dá o rosa, P: SI -----------------------------------------

155 que é meu. P: SI -----------------------------------------

156 Dá esse pra mim? P: SI -----------------------------------------

157 T: Este carro aqui é meu, P: SI -----------------------------------------

158 aquele lá é o seu, P: SI -----------------------------------------

159 o laranja... P: SI -----------------------------------------

160 P:Agora dez reais é o perfume_____SI.. Agora você ganhou duzentos mil reais.

P. fica com o carro rosa na mão.

161 T: Ganhou duzentos mil reais?

162 M: Ganhou duzentos mil reais P. fica olhando em direção ao carro rosa que está em sua mão.

163 T: Você ganhou? (silêncio)

164 Você está rico? (silêncio)

165 Ganhou duzentos mil reais? (silêncio)

166 M: Duzentos mil reais por série no segundo sorteio do papa-tudo mês da criança

P. se vira de costas para T. e mexe no carrinho.

167 T: Você ganhou no papa tudo? P: SI -----------------------------------------

168 P:Duzentos mil reais

169 T: Agora você pode comprar este carro,

(silêncio)

170 T: Custa dez mil reais, né? (silêncio)

171 P:SI mil----------

172 T: O carro custa dez mil reais, (silêncio) P. mexe nos carros.

173 T: você ganhou duzentos mil reais

(silêncio)

174 T: , já pode comprar já. (silêncio)

175 T: O carro mais bonito do mundo.

(silêncio)

176 T: Esse rosa aqui, ou é o laranja? (silêncio)

177 T: Hein, Adriano, (silêncio) T. passa a vassoura no carro e P. retira o carro.

178 T: vamos lavar este carro,. (silêncio)

Page 41: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

30

179 T: que ele está sujo (silêncio)

180 T: Vamos limpar o carro? (silêncio)

181 T: Desenha aqui, ó Adriano (silêncio) T. mostra o papel para P., que continua mexendo nos carros.

182 T: Tó o amarelo, (silêncio) P. pega o giz ma larga e volta a pegar o carro.

183 T: vamos desenhar, (silêncio)

184 T: vamos desenhar aqui, vamos (silêncio)

185 T: Aqui ó, vamos desenhar aqui ó

(silêncio)

186 P:(começa a cantarolar)

187 T: Eu sei que você sabe (silêncio)

188 T: E esse carro laranja, P: SI -----------------------------------------

189 T: É seu? P: SI -----------------------------------------

190 P: SI -----------------------------------------

191 T: É seu este porshe? Este porshe aí é seu, o laranja, bonito esse carro hein? Ele corre bastante?

(silêncio)

192 T: Este porshe aí é seu, o laranja, (silêncio)

193 T: bonito esse carro hein? (silêncio)

194 T: Ele corre bastante? (silêncio)

195 P:Ele corre bastante...SI

196 T: Adriano, pega pra mim o carro rosa...

(silêncio) P. está brincando com o carro laranja.

197 P: SI -----------------------------------------

198 T: Pega pra mim?

199 P:São dez mil reais -----------------------

200 T: Você ganhou dez mil reais?

201 P:O melhor carro do país e SI

202 T: Qual é o melhor carro do mundo?

203 T: O laranja, ou o rosa?

Tão logo entrou na sala, o paciente começou a falar, produzindo

segmentos do português, claros e bem pronunciados, que se alternavam

com seqüências baixas e pouco articuladas. Inteligíveis ou não, elas

surgiam sempre com a entonação semelhante àquela utilizada pelos

locutores/apresentadores de televisão. Surpresa, ouvi essa fala, mas

reconheci que ela não era para mim. A criança parecia mesmo, ‘falar

sozinha’, embora reproduzisse ora a fala da terapeuta, ora falas de

televisão.

Page 42: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

31

Assim, em meio a sua ‘verborragia’, era possível ouvir a

reprodução de blocos inteiros, literais, bem articulados, como “Estamos

aqui no carro mais novo de todos os tempos” (1), “Seiscentos e oitenta e

cinco reais” (6), “Mappin, o nosso Mappin” (100), “O carro mais louco

do país” (119), e “Duzentos mil reais por série no segundo sorteio do

papa-tudo mês da criança” (166), entre outros. Blocos bem

articulados/pronunciados, de extensão variável e que, geralmente, eram

justapostos a outros. Parecia que pedaços de segmentos ou segmentos

inteiros/extensos eram colocados um ao lado do outro e ritmados numa

mesma sinfonia (típica da televisão).

Em geral, suas produções não chegavam a compor nem mesmo

um ‘texto’ de televisão. Pedaços de blocos eram separados por

segmentos ininteligíveis, numa seqüência entrecortada como em (48):

“tó o microfone desse carro o microfone SI ----- esse carro na minha

casa, tudo o que você –---- taz mania ----- SI ----- tan tanan tanan --------

------ os bonecos –-- são dez mil reais –--- dez mil reais –-- se você –---

carros ---------”.

Mesmo que ritmo e melodia como que alinhavassem essa

produção e que os segmentos fossem compostos de palavras

reconhecíveis, formava-se um arranjo disperso sem que um segmento

restringisse a presença de outros23.

Ainda que segmentos venham de textos, eles se depositam como

restos cristalizados encaixados num fio melódico. Essas seqüências mais

longas são circulares, aprisionadas numa melodia repetitiva,

estereotipada, que abriga segmentos recorrentes numa seqüência pausada

e descosturada.

23 Ver exemplos 24; 26; 48/49; 57; 62, entre outros

Page 43: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

32

Assim, segmentos de ‘textos’ de televisão são recorrentes e a

‘fala’ da criança é encoberta por uma ‘fala descarnada’, quer dizer, uma

fala pronta, um texto emitido por alguém que não responde por ele24.

Alguém que o lê ou simplesmente o reproduz. Mesmo se a fala é de um

outro presente, a criança não é propriamente afetada porque fica

aprisionada nos textos e melodias típicos da televisão: ela permanece

falando, mas não responde, olha ou atende ao outro – fica como se não

houvesse ninguém ali.

Em alguns momentos mais raros, entretanto, a fala da terapeuta

parece ter efeito. Interessa para mim, sublinhar aqui o “parece” porque é

preciso indagar sobre a natureza desse efeito. Veja, a criança reproduz a

fala da terapeuta e isso ocorre de duas formas. Tratam-se de:

a) reproduções imediatas, literais e com a mesma entonação,

velocidade da fala do outro. Depois de reproduzidas, são, em geral,

‘sugadas’ pela entonação da televisão, como se pode ver em (4) e (15):

(2) T: Você gosta de carrinho?

(3) P: Cê gosta de carrinho?

(4) P: E você gosta de carrinho! SI ------

As reproduções podem ser integrais, como na seqüência acima, ou

de partes do enunciados da terapeuta.

(13) T: Vamos assistir a televisão?

24 Ou seja, aquele que fala um texto de televisão, em geral, é mais um “ator” do que “autor”. É nesta

Page 44: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

33

(14) P: Vamos assistir

(15) P: E você quer assitir....?

Note-se, também, que uma palavra produzida/reproduzida é que

desencadeia, nos casos acima, uma fala de televisão. Estabelecem-se, ao

que parece, relações entre falas reproduzidas.

b) reproduções de segmentos que são imediatamente

‘sugados’ pela entonação das propagandas/programas de televisão25:

(83) P: SI...ganhador

(84) T2: Não tem ganhador nenhum

(85) P: Não tem ganhador nenhum...

Assim, não se pode deixar de admitir que a reprodução oculte o

fato de que algum efeito foi produzido, afinal, há migração de fala de

uma voz para outra. O ‘estranho’ é que pouco muda nessa passagem, já

que, mesmo que do ponto de vista suprassegmental haja diferenças em

relação à fala da terapeuta, o segmento é como que ‘sugado’ por uma

melodia cristalizada – e sempre a mesma – o que remete a uma relação

bastante pertubadora da criança em relação a falas. Então, a pequena

diferença que surge diz, na verdade, de uma confluência de mesmos, de

reproduções. Daí que, nessa confluência, a criança não aparece e nem,

fala que a criança “cola”. 25 A esse respeito, ver também (67), (69), (94), (107).

Page 45: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

34

tampouco, o outro que estranha essa fala. A ecolalia parece mostrar que

uma fala pode fazer um corpo falar sem, no entanto, implicar falantes.

Ainda sobre o efeito da fala da terapeuta, é plausível dizer que ela

pode provocar uma ‘fala pronta de televisão’ no paciente. Mais uma vez,

há que se indagar sobre esse efeito porque a fala do paciente ignora o

acontecimento presente e a aquele de que parte. Vê-se que se a criança

não é surda para a fala: ela o é para aquele que fala e para o texto em que

fala. É isso o que ocorre nitidamente em (16/17), (74/75), (118, 119),

(165/166). Assim, “tem um boneco” (16), que aparece na fala da

terapeuta provoca o retorno de “os bonecos de fogo” (17) e “carro” –

como em “Vamos fazer o carro” (74) e outras (56, 61 e 93, por exemplo)

–, uma proliferação de fórmulas prontas de televisão. Entre elas, aliás,

estão muitas que não são provocadas pela fala da terapeuta:

(01) O carro mais novo de todos os tempos

(75) O carro mais bonito do asil

(78) O carro mais bonito

(94) O carro mais bonito do mundo

(119) O carro mais louco do país

(201) O melhor carro do país

Vale dizer que os segmentos acima não ocorrem em seqüência,

mas, note-se, eles são cristalizados, como disse, recorrentes e circulares.

Numa primeira visada sobre o material, pode-se ter a impressão de que a

criança é especular em relação à fala do outro. Mas, um olhar mais

Page 46: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

35

cuidadoso faz ver que é o outro quem fala uma parte da produção

anterior da criança. O fracasso disso aparece, em seguida, quando a fala

da criança se mostra refratária à fala da terapeuta e permanece

circunscrita ao mesmo da televisão. Ou seja, a fala da terapeuta não

chega propriamente a afetar o que a criança diz.

Na mesma sessão de terapia, a seqüência (11–15) comporta uma

‘reprodução rara’, porque a fala da criança nem fica colada na da

terapeuta, nem na de locutores. No entanto, é ainda reprodução da fala de

um outro, de uma cena outra. Quando a terapeuta diz: “ó a televisão”

(11), oferecendo o objeto para a criança, esta, sem olhar para a terapeuta,

emite um “Vamos assistir?” (12). A terapeuta se aproxima da fala da

criança e diz: “Vamos assistir televisão? (13)”. Na seqüência temos uma

reprodução ecolálica, imediata: “vamos assistir? (14)”, que é seguida por

“E você quer assisitr SI...” (15) – fala submetida à entonação mecânica

da televisão. Não parece ser diferente o que ocorre em (64–69), em que a

terapeuta 2 diz “vamos escrever aqui ó” (64) e a criança, “vamos

escrever?” (65), a que a primeira responde afirmativamente “vamos

escrever” (66). O destino dessa fala é o mesmo: ela é ‘sugada’ pela

entonação de locutores. Nessas produções não há indícios de fala

endereçada para o outro. Essas reproduções “não voltam” (para o outro),

mas vão para um mesmo lugar (fala da televisão). Dessa forma, as

reproduções de segmentos, sejam eles ou não da fala da terapeuta, voz,

entonação e velocidade são aspectos que, em sua mesmice, não podem

apresentar o falante que as produziu.

Em que lugar podemos escutar a voz dessa criança? O paciente

parece só poder se mostrar em vocalizações (8), (30), (32), (35), (36),

(53), (58), (59), em glotalizações (marcadas em negrito), e numa única

fala em que a voz sai trêmula, gutural e crepitante:

Page 47: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

36

(115) T.: Põe na garagem

(116) P.: o carro na garagi. Na garassi. Cinco e cinqüenta. O

carro...

Observe-se que ao dessonorizar e anteriorizar o /�/, “garagem”

soa como “garassi”, que emenda em “cinco e cinqüenta” e desemenda a

seqüência. Ou seja, [si] aproxima um segmento de outro. Nessa

aproximação, a mudança de voz de um segmento para outro é radical,

passando de gutural e trêmula para mais articulada, com ressonância

equilibrada e voz mais aguda. Chamo a atenção para o fato de que, no

que pode ser compreendido como especularidade, aparece uma voz

hesitante, gutural, glotalizada: uma fala sofrida. Especularidade porque

esta é a única produção que vem da fala do outro e que não é ecolálica –

é hesitante como se a cada passo uma diferença pudesse aparecer. De

fato, ela aparece: assistimos à transformação/substituição de /�/ por /s/ e

a convocação, a partir daí, de segmentos outros, mesmo que de televisão.

Se a interpretação que ofereço é plausível, ou não, é uma questão a

aprofundar. De todo modo, certo é que essa fala da criança é única no

conjunto das produções que ocorreram nas sessões. Quero dizer que a

entonação é diferente da da terapeuta e da televisão, o segmento é

submetido à transformação, a voz não é ‘impostada’ mas entrecortada.

Eu disse, no início da apresentação desse caso, que tentaria me

aproximar ou me deixar tocar pelo ‘estranho’ dessas repetições. Foi o

que procurei fazer: discernir produções ditas ecolálicas, refletir sobre

elas e levantar questões. Enfim, tratei de circunscrever o quê nessas falas

produz efeito de patologia. Efeito que impede a entrada do outro, que

aprisiona uma fala e um corpo numa reprodução sem fim e sem direção.

Dito de outro modo, empenhei-me em preservar o quê nessas falas as

Page 48: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

37

especifica e as distancia da especularidade enquanto processo

estruturante da aquisição da linguagem pela criança.

Cabe, nesse momento, então, assinalar diferenças entre a repetição

que aparece na ‘sala de terapia’ e a especularidade como conceito, como

“lugar que serve para interrogar” e não para “responder” ao particular do

acontecimento ‘ecolalia’.

Se entendermos que especularidade remete à dependência da fala

do outro, como condição para o diálogo, locus da aquisição da

linguagem, podemos dizer que em causa fica a noção de dependência da

fala do outro. É certo que na ‘ecolalia’ a criança reproduz falas. Nesse

sentido, sua fala é dependente, mas não do mesmo modo que na

especularidade. Parece tratar-se de uma ‘incorporação’ que se cristaliza,

que não se submete ao jogo de referências internas da linguagem e que

não se deixa afetar por textos outros. Incorporação de uma só via que

não pode ser dita dialógica – ela não faz laço com o texto do outro e se

revolve sobre si mesma sem sequer abrir espaço para um sujeito falar aí.

Essa incorporação/dependência ‘estranha’, de difícil

caracterização, não é dialógica e, portanto, não pode ser dita

“constitutiva” ou “estruturante” da linguagem e do sujeito. De fato, ela

não se ajusta ao conceito de especularidade. Não há diálogo: a dialética

dos turnos não acontece. A fala da criança é, na maior parte das vezes,

contínua. Quando não é, continua a ignorar a presença do outro e sua

fala. A rigor, é mesmo fala de televisão, que nem indica a quem se

dirige, nem espera resposta. É fala que não abre lugar para um sujeito

falar. Nela, esse paciente parece ficar aprisionado, condenado a

reproduzir.

Isso é muito diferente da especularidade em que, como postula De

Lemos (1992), fragmentos circulam entre falas e se articulam, enlaçam-

Page 49: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

38

se em cadeias/textos, implicando trânsito, “incorporação mútua”, via de

mão dupla em que textos são plurais. Incorporação mútua, que envolve

circulação de fragmentos em textos plurais e que, por isso, são

submetidas às “restrições lingüístico-discursivas”. Não são efetivamente

acontecimentos dessa ordem que se observam nas produções dessa

criança: elas não transitam.

Eu disse também que, em se tratando de uma clínica voltada para

problemas na linguagem, pensei deparar-me com alterações na fala, ou

seja, com uma fala em que o patológico seria reconhecível no erro. Parte

da minha surpresa pode ser relacionada ao fato de que o sintomático nas

‘ecolalias’ é o ‘acerto’. Um acerto também bem diferente daquele

suposto na aquisição de linguagem, porque produções longas ou não,

bem articuladas, que em muito se distanciam daquilo que se designaria

por ‘fala da criança’. De fato, essas falas não são ‘falas da criança’,

muito embora emitidas por uma criança.

Como se viu, procurei caracterizar e distinguir ecolalia e

“especularidade”, procurei mostrar que essas são repetições cujo caráter

não se deve confundir. Se especularidade é condição para o diálogo e

para aquisição da linguagem, o mesmo não se pode dizer da ecolalia.

Difícil é até dizer que a fala da criança é um enunciado, já que num

enunciado sempre se espera reconhecer um falante. Por aí também, como

falar em texto da criança se falas invadem sua voz, nela se justapõem

blocos cristalizados compondo uma seqüência em que, caso se possa

notar algum movimento da língua, não se pode notar ali a criança?

Ocorre, porém, que o “estranho” na ecolalia não se esgota (e nem

poderia) com a apresentação de falas de um único caso. Vejamos, a esse

respeito, um segundo paciente, e suas repetições reconhecíveis como

ecolálicas.

Page 50: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

39

2.2. Caso 2: Uma fala aos solavancos

Jefferson, uma criança de cinco anos de idade, foi-me

encaminhado pelo Serviço de Psicologia da DERDIC, na medida em que

era do conhecimento da profissional o trabalho26 que vinha realizando

sobre ecolalia. Na avaliação psicológica que me foi entregue, a

psicanalista disse que a criança não apresentava, de início, nenhuma

manifestação de singularidade, e que era facilmente conduzida pelo

outro. Além disso, constava da avaliação que sua fala era a reprodução

em eco de falas dirigidas ou referidas a ele. Esse paciente também

apresentava repetições estranhas.

No relato da mãe, o problema da repetição aparecia. Ela dizia que

a criança repetia e, por isso, nada podia comunicar: “então ele não tem

aquela comunicação. Assim, ele repete, fica só repetindo coisas, não tem

aquela comunicação, dele chegar e falar: ‘olha, eu vi tal coisa’”. As

repetições eram totais e literais do enunciado do outro (com a mesma

entonação), o que, para ela, não tinha valor de resposta, de

reconhecimento desse outro: “(...) ele fica repetindo o que a pessoa fala.

‘Como é seu nome?’. Ele fala: ‘Como é seu nome?’ Fica repetindo (...)

ele repete o que a pessoa falou (...) ele não tem resposta assim”. A

queixa comportava menção à falta de sentido e de destino de uma fala e,

nesse ponto, não se afastava muito daquela referida pelos pais do

primeiro paciente.

26 Monografia da especialização e início do mestrado.

Page 51: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

40

Mesmo assertiva quanto ao fato de que a criança reproduzia a fala

do outro, por vezes a mãe parecia indecisa sobre a criança: “Mas eu

percebo que ele é, assim, bem inteligente. Só que, às vezes, ele não fala

coisa com coisa...”. Indagada sobre isso, a mãe diz: “Às vezes canta

música da TV, às vezes a gente não esperava que ele saiba aquilo. Ele

começa a cantar comerciais, música; ele canta, sem ninguém ter

ensinado. Ele ouviu, né?!. Então, às vezes, ele me surpreende. Às vezes,

eu penso que ele não entende as coisas e, às vezes, ele canta comercial.

Fala palavra do comercial”. Parece que o que chama a atenção da mãe

em relação ao filho é sua ‘facilidade de aprender’ e de reter falas

‘difíceis e extensas’, fato que se contrapõe à impotência de comunicar

suas necessidades. Ora a criança é ‘inteligente’ demais - porque “canta

comerciais”, “sem ninguém ter ensinado” -, ora ela é alguém incapaz de

se ‘comunicar’, de responder ao outro27.

Para o pai, o filho entende, mas é criança com a qual não se pode

conversar. Como se ela fosse alguém cuja capacidade de compreender e

impossibilidade de comunicar convivessem de forma pertubadora: “Eu

acho que ele está muito atrasado assim, na fala, no entendimento. Ele

entende, né? Às vezes você fala para ele as coisas ele sabe o quê que é

(...) só que não é bem aquela criança que dá pra você conversar (...)”28.

Enfim, à sua maneira, o pai diz a mesma coisa que a mãe: apesar de

inteligente, a criança não se comunica.

A queixa sobre a fala, no caso deste paciente, vai além da

repetição. A mãe afirma que a criança “fala rápido” e “tudo errado, a

27 Kanner (1943), um psiquiatra que estudou crianças com falas ecolálicas, diz que os pais, de fato, ficam nessa situação conflituosa: orgulhosos, porque seus filhos decoram falas extensas e complexas e, também, perplexos porque eles não conversam com o outro. Não é diferente, como se vê, o que se pode apreender no relato dessa mãe. 28 Segundo observação da psicanalista que me encaminhou o caso o “ele entende, né” do pai corresponderia a situações em que a criança parecia responder a uma ordem do tipo “pega X”, “traz X para mim”. Situações, portanto, em que a criança não fala e que, quando fala, segundo o pai, “não dá

Page 52: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

41

gente não entende (...)”. Esses “falar rápido” e “falar tudo errado”

remetiam a produções que, embora criassem algum impedimento ao

diálogo, não podiam ser caracterizadas como ecolálicas já que, como

vimos no caso anterior, a ecolalia é sintoma que se diferencia de outros

exatamente por não apresentar erro – o sintomático estaria justamente no

acerto, que denunciaria uma reprodução, uma fala sem autoria. Observe-

se que, nesse relato, a mãe faz menção a erro e não à ecolalia: “Uma vez

fui (...) para cortar o cabelinho dele, que ele fala assim: ‘Nossa, ai, tô

todo sujo (...)’. Ele fala: ‘que gagunça esse cabelo’; mas tudo rápido

assim”.

Como se pode notar, tanto as produções ‘erradas’ como as

‘ecolálicas’ não eram admitidas como ‘fala significativa’, ou melhor,

como ‘fala’, na medida em que as produções verbais dessa criança não

pareciam ser material passível de interpretação, de ser posto em

circulação para fazer sentido em outro lugar. Assim, nem fragmentos

ecolálicos, nem ‘errados’ adquirem valor de fala. Eles parecem

ensurdecer a escuta dos pais.

De todo modo, é preciso dizer que a criança que encontrei não

reproduzia sequer uma propaganda de televisão e as reproduções da fala

do outro eram aproximadas no que diz respeito à pronúncia, mas não

exatamente idênticas. Quer dizer, mesmo que reproduções, elas soavam

como ‘fala de criança’ (“segúa” por “segura”; “coita” por “corta”). Era,

mesmo, um paciente muito diferente do primeiro abordado neste

trabalho.

A primeira criança não olhava para a terapeuta e muito menos

sorria; aliás, não olhava ou sorria para ninguém. Jefferson, ao contrário,

parecia olhar e sorrir para a terapeuta. Porém, olhar e sorriso que se

para você conversar”.

Page 53: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

42

repetiam para todas as pessoas, indiferentemente. Pude notar, com o

tempo, que esses eram gestos estereotipados, que não implicavam o

reconhecimento do outro como um. Então, se o primeiro paciente era

indiferente ao outro porque não olhava para ninguém, o segundo também

era indiferente ao outro porque olhava e sorria para qualquer um, não

fazia ‘escolha’. Duas faces de uma mesma moeda? Esses pacientes

pareciam encontrar-se nessa indiferença, mas não se encontravam no que

esse olhar/não olhar poderia significar para o outro. Para a terapeuta o

olhar e sorrir da segunda criança foram, de início, assumidos como

dirigidos para ela.

A criança olhava para objetos, pegava-os e os movimentava num

gesto aparentemente significativo. Ou seja, o hambúrguer e o frango de

brinquedo eram levados à boca, assim como o copo, com o qual ela

simulava beber algo. Com uma pequena faca, cortava o bolo e cantava

“parabéns”. Objetos, então, pareciam invocar gestos, relacionados a um

texto. Ao lado disso, usava os brinquedos em seus acessos de fúria,

jogando-os para o alto, no chão, contra a parede ou na direção da

terapeuta, quando fixava o olhar nela e tentava bater ou beliscar (rindo

em seguida). Os gritos eram ensurdecedores e as tosses, provocadas e

forçadas.

No primeiro acontecimento, vemos um corpo aprisionado num

gesto repetitivo que não se enlaça a outros e nem migra para outro

lugar29. Gestos cristalizados, que vinham ‘em blocos’, sempre os

29 Devo dizer que presenciei uma situação bem diferente das descritas acima, em que o pai, a criança e a terapeuta estavam na sala de atendimento. A criança pega uma árvore “dentada” de brinquedo, leva à cabeça e começa pentear o cabelo. O pai, volta-se para a criança, e a repreende, dizendo: “isso não é pente, isso é árvore”. Esse acontecimento chamou minha atenção porque, do meu ponto de vista, essa ‘inadequação’ da criança parecia algo positivo: um gesto que saía da prisão de uma mesmice. Já para o pai, essa inadequação era um sinal negativo: mostrava que a criança ‘não aprendia’. O pai interdita uma ação da criança e, penso, sua relação com a linguagem.

Page 54: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

43

mesmos, sem fazer série30. No segundo, os objetos são utilizados para

atacar o outro. Frente a isso, concordei com a psicanalista que observou

que a criança ficava surpresa quando aparentemente notava o efeito dos

gritos, beliscos, tosses e lançamento de objetos no outro. Para ela, esses

comportamentos representavam a possibilidade, única e singular, da

criança interditar o outro, o que ela não podia fazer pela fala. Eu também

pude observar que essa criança, frente às minhas tentativas de fazê-la

parar de atirar objetos em mim, ria e reiniciava seus ataques (ou chorava

estridentemente). Riso ou choro que pareciam vir, respectivamente,

como efeitos do efeito de interditar o outro ou de ser interditado por ele

(efeito da contenção do efeito de interdição, que seu comportamento

produzia na terapeuta).

Todos os comportamentos e gestos da criança eram repetitivos.

Havia, dentre eles, condutas ritualizadas. A criança acendia e apagava a

luz constantemente ou corria repentinamente para diferentes pontos da

sala. Por exemplo, corria e sentava em uma cadeira giratória e, enquanto

virava de um lado para outro, cantarolava “segúa assim, segúa assim” ou

“oda, oda, oda”. Bloco também cristalizado que se repetia numa só

sessão e em sessões subseqüentes.

Já no que diz respeito à fala, pode-se talvez dizer que, no caso do

primeiro paciente, o outro e sua fala não chegavam mesmo a afetá-lo.

Ela parecia tomada pelo anonimato das falas de televisão, por uma fala

‘descorporificada’. A segunda criança, como veremos, reproduzia

incessantemente fragmentos de sua fala, assim como alguns gestos31.

A fala dessa criança alternava entre composições insólitas e

reproduções imediatas de fragmentos da fala da terapeuta ou reproduções

30 Esses acontecimentos são diferentes daqueles discutidos por Arantes (2001). Ao abordar “crianças que não falam” mas que põem em ato (por gestos) uma cena, a autora fala de uma discursividade motora. Foi isso que não pude observar nas crianças atendidas.

Page 55: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

44

de segmentos inteiros de outras falas, assim como, por exemplo, quando

gritava e dizia na seqüência: “não pode guitá não”, em tom grave e

autoritário. Grito e reprovação do grito vinham amalgamados. Algumas

vezes, também, o paciente chorava quando era tocado. Choro seguido de

“Tem medo, tem medo! (...) Não precisa ter medo!”, ou então, “Ponto,

ponto. Chega, já passou!”. Deve-se dizer que essas falas como que

invadem a voz da criança, sem intervalo de tempo entre choro e fala e

entre falas, no prolongamento do choro ou do grito. De fato, não só

choro e grito trazem falas, como fragmentos da fala da terapeuta

provocam essas ‘falas prontas’.

Quanto às repetições imediatas, tratam-se, na grande parte da

vezes, de pedaços finais da fala do outro que aparecem sem intervalo de

tempo entre fala e reprodução, o que dá a impressão de reverberação.

Menos freqüentes, ocorriam reproduções de enunciados inteiros, com a

mesma entonação da fala imediatamente reproduzida. A fala da criança

vinha, muitas vezes, entrecortada, hesitante – interrupções sincopadas,

pautadas por um ritmo respiratório abdominal e vocal, que se

apresentava “aos solavancos” (expressão da psicanalista).

Notáveis eram certas produções em que se combinavam

reproduções imediatas com não imediatas, numa justaposição de

fragmentos de falas da terapeuta, que ocorreram em diferentes momentos

da sessão ou de outras. Produções que, na maior parte das vezes,

resultavam numa seqüência ‘bem montada’. Entre estas, havia produções

em que cada elemento era separado do outro por uma pausa. Nesses

intervalos a criança parecia estar, de alguma forma, sob efeito do que

dizia.

31 Itard (1825) nomeou de ecopraxia essas reproduções imediatas de gestos pela criança.

Page 56: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

45

A fala dessa criança é, como se vê, bastante diferente da do

primeiro caso apresentado. Não só no que diz respeito à fonte das

reproduções (falas que reproduz) e às incorporações fragmentárias, mas,

também, no que concerne às seqüências mescladas e hesitantes. Nessa

fala pausada, entrecortada, há silêncio no interior de suas produções

assim como pode haver também silêncio entre a fala do outro e a da

criança, nesses casos.

A apresentação do material das sessões será em formato muito

semelhante ao do primeiro paciente. As falas da terapeuta encontram-se

em vermelho, na segunda coluna; na terceira coluna, encontram-se as do

paciente, que podem estar em vermelho ou em preto, dependendo da

entonação32; a última coluna traz algumas observações.

Quando as falas do paciente estão em vermelho é porque a

entonação é idêntica a da terapeuta. A entonação não-idêntica será

indicada pela cor preta, acompanhada de flechas ou de uma observação

entre parênteses sobre o ritmo. Como disse, o final do eco era, por vezes,

prolongado. Esses prolongamentos foram anotados pela repetição de

uma mesma letra. O ritmo abdominal/vocal que sugere “falar em

solavancos” foi marcado por traços. Ainda, (/) serve para indicar um

espaço de tempo maior entre ao enunciado da terapeuta e da criança.

Quando esta barra não aparece, é porque a criança repete em seguida, às

vezes, antes mesmo da terapeuta concluir sua falar. Já (//), serve para

anotar um espaço de tempo maior ainda em relação à fala da terapeuta.

Também aqui, a transcrição foi feita em ortografia regular, a partir de

uma gravação em fita cassete e as observações correspondem a

anotações da terapeuta.

32 A cor azul está dispensada, uma vez que não se observam reposições de suprassegmentos dos locutores de propagandas/slogans de televisão.

Page 57: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

46

No. TERAPEUTA

PACIENTE OBSERVAÇÕES

1 T: escondi a caneta dele. Onde tá? / Onde tá?

P: (risos) P. ri enquanto T esconde a caneta na mão e põe a mão atrás do corpo

2 T: Onde tá? P: Onde tá?

3 T: Onde tá? Onde tá a caneta? Cadê a caneta? / Ai, não, meu quadro! / Não, não pode mexer no meu quadro!

P. senta no banco e levanta as mãos e alcança um espelho que estava pendurado na parede. Com as mãos leva o espelho para frente, arrancando-o da parede.

4 P: Ai, ai, ai mi caaaa-do!.

5 T: Não, não vou dar esse não, esse não é para dar. Ó quem tá lá...

T. aponta para a imagem de P. no espelho e P. Olha.

6 T: Quem é? P: / Ó...

7 P: Quim ééééééééé...

8 T: Quem é esse aí? É o Jefferson?

P: ééééé....’

9 P: Éfersooon...?

10 T: É o Jefferson, meu amigo, meu amigão.

11 P: ão, / ao

12 T: É, é o espelho, tá vendo? P: é,

13 P: Não go↑ta↓ do vi↑do↓

14 T: Não gosta do vidro? Por que você não gosta do vidro? O quê que o vidro tem? / O vidro corta?

15 P: / Cooo-itaaa?

16 T: Corta?

17 P: Cooii....

18 T: O vidro corta e machuca? O vidro?

19 P: Achuca? O viduuu?

20 T: O vidro corta, machuca o Jefferson?

21 P: é - on?

22 T: Corta?

23 P: / Coitaaaaa?

24 T: Machuca você Jefferson?, o vidro... É?

25 P: / É?

26 T: Machucou?

27 P: Ô?

28 T: Sai sangue?

29 P: Aaan-guiiii? (risos)

30 T: Sai sangue?!

31 P: Angui?!

32 T: Cadê? Deixa eu ver o sangue. Deixa eu ver. Deixa eu ver. Ah, machucou, o vidro machucou o Jefferson. / Ãhn? Cadê a mamãe?

33 P: ããe?

34 T: Cadê a mamãe?

35 P: / ããee?

36 T: Cadê?

Page 58: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

47

37 P: / ê ãe?

38 T: Onde ela tá?

39 T: Onde a mamãe tá? Onde a mamãe tá?

40 P: / Tá?

41 T: Ficou lá embaixo?

42 P: Aaaxo?

43 T: Ela ficou lá embaixo? Ãhn? P: (risos)

44 T: O quê que você tá rindo? Que cê tá rindo? Quero saber. Me conta?

45 P: / Tá rindo? O que cê tá rindo?

46 T: Não, eu quero saber!

47 T: Não é assim, sou eu que quero saber...

48 T: Quê que cê tá rindo? P: (risos)

49 T: Quem tá rindo é você, não sou eu que estou rindo...

50 T: Eu não estou rindo, você está rindo.

51 P: Rin-do.

52 T: Eu não estou rindo você tá rindo. Ô sofá legal para o Jefferson descansar, né? / Não é verdade? / Hein Jefferson? / Pra você descansar? Hum?

P: (risos)

J. se senta no sofá

53 T: Quê que cê tá rindo? O quê que é engraçado?

P: (risos)

54 T: O que que é: “Rá, rá”, engraçado? / Nossa tem uma moça gritando..., ih, vamos ver só...

T. ouve uma pessoa gritar fora da sala

55 P: / Quim tá guitando↑? P. fala logo em seguida da T., como um eco, embora não haja reprodução.

56 T: Quem tá gritando? / Quem é que tá gritando?

57 P: / Quem é – que tá – guitando? (demora alguns segundos para produzir essa fala)

58 T: Eu que estou te perguntando: Quem está gritando? / Ah eu vou pegar você... / Olha o que eu tenho aqui. Vamos pegar um brinquedo pra gente jogar?

J. sai correndo em direção a porta. T. abre um armário com brinquedos.

59 P: á?

60 T: Um brinquedo... esse aqui, peguei aqui ó, vamos pôr pra cá... Deixa eu ver, / ó, esse tem pizzaaa...

T. pega uma caixa com brinquedos que imitam comidas.

61 P: / Izzaaa....

62 T: Olha, você gosta de pizza? SI Cê gosta? Cê gosta de pizza?

63 P: / Izza?

64 T: Gosta?

65 P: Gosta di pizzaaa?

66 T: Quero saber se você gosta de pizza, é gostoso, é bom?

67 P: Õm?

68 T: É bom? Eu gosto.

69 P: Gotu.

70 T: A pizza é uma delícia, muito

Page 59: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

48

boa! 71 P: oa!

72 T: Eu gosto de pizza de mussarela e você?

73 P: ê?

74 T: Do que cê gosta?

75 P: Ótaaa?.

76 T: Do quê? Aqui, vem pegar... A pizza ó. Hummmm,

P. sai correndo

77 P: / a pizza ó...

78 T: Qué um pedaço?

79 P: pedaço de pizza?

80 T: Quer um pedaço de pizza? Mnham, mnham, mnham.

81 P: Mnham, mnham, mnham.

82 T: Boooom! Muito boa esta pizza. É de queijo? / É de queijo? É? Ah, você quer mais um pedaço? Vou dar mais um pedaço para o Jefferson. / Mnham, mnham, mnham. / Pra mim? / Pra mim? Vai cortar? / Você vai cortar a pizza? Nossaaa!

P. estende a mão para T. P. estica a mão para T. com um pedaço de pizza. P. pega uma faca e começa a cortar a pizza

83 P: Aaaaaaa!

84 T: Mnham, mnham, mnham. / Boa? Tem azeitona? A minha pizza tem azeitona, olha, olha aqui, tem azeitona na sua pizza?

85 P: Pizzaaaa?

86 T: A sua tem?

87 P: / é pizzaa?

88 T: É pizza, a pizza é gostosa. A sua pizza tem azeitona assim verde?

89 P: ediii?

90 T: Tem azeitona?

91 P: Onaaaaa?

92 T: Não tem não? A minha tem azeitona, tomate, pimentão... / Ãhn, meu Deus, que mais?

93 P: (risos)

94 T: Aonde você vai? Cê não vai comer mais pizza? Não? / Deixa eu ver então o que tem aqui. / Vamos ver se a gente tem uma outra coisa para comer. // Hum! Sucrilhos, você gosta? // E coca cola? Cê gosta?

(P. sai correndo)

95 P: Cê gota? e cocacoiaa?

96 T: É bom? É, assim de tomar? / Você toma coca cola?

97 P: / Cê toma cocacóiaaaaa?

98 T: É bom?

99 P: Toma coca cóia?

100 T: É muito gostoso coca cola! / Quem vai cair no chão, quem vai cair no chão agora? É o Jefferson.... // Ó o quê que tem aqui. Pra gente cantar parabéns.

J. se pendura na cadeira e quase cai enquanto T. o segura.

Page 60: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

49

Quantos anos você tem? 101 P: SI... Paia - béns.... (cantando) Ao cantar, P. grita, com

voz muito aguda. 102 T: Parabéns pra você, nesta data

querida, muitas felicidades, muitos anos de vida! Você não quer comer bolo, você quer comer sorvete?

103 P: / êti?

104 T: Você não quer comer bolo não? / Sorvete não, o sorvete tá gelado. Não vai comer o sorvete não!

105 P: Êti- nããão!

106 T: tá gelado. Vamos guardar. Não, sorvete não, sorvete não, o sorvete tá gelado, vamos guardar, não pode./ Que cê quer? / Olha a pizza. / Não, pra cá, já pegamos aqui. / Olha a pizza pequena. Esta pizza é pequena e essa é a pizza grande.

107 T: Qual você gosta? P: SI

(...) 108 T: Você pegou minha colher, né

moço? Devolve aqui. / Dá a minha colher, né moço, não pode não, minha colher, dá. Vem, vem, vem Jefferson, dá, aqui, vem aqui vem. / Está boa está pizza hein? Muito boa?

P: (Risos)

Pega a colher de T. e corre em direção à porta

109 P: // Tómi SI Volta e estende as mãos para T. entregando-lhe a colher.

110 T: Brigada! Esse é pra eu guardar?

111 T: Eu posso? P: / Á?

112 P: / Toma – pá – guai-dá! Toma – pá – guai-dá!

113 T: Toma pra guardar esse. Legal. Ei, onde você vai levar meu bolo? E ele jogou para o alto o meu bolo de chocolate. Não pode. E agora? Ninguém come bolo?!

Pega a bolo, corre e o atira para o alto

114 P: / Booiiio?!

115 T: Ninguém come bolo mais?

116 P: Bóio mai?

117 T: O bolo de chocolate é gostoso! / Ó, é bolo de chocolate com morango. Pega lá. Pega lá.

P. joga um pedaço de bolo de brinquedo para longe, e tenta pegar outro com a T.

(...) 118 T: Aqui ó, ó pra dormir!

Gostoso! Ó! T. Senta no sofá

119 P: / Ó pá dumi!

120 T: Ó pra dormir que gostoso. / Você gosta de dormir? / Vem aqui!

J. sai correndo em direção à porta

121 P: / Ó vem aqui não↑↓!

122 T: Vem aqui sim!

Page 61: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

50

123 P: Vem aqui...

124 T: Eu estou chamando, vem aqui, eu estou chamando você, para você vir perto de mim. Vem aqui neste sofá. Jefferson...

125 T: O quê que você está olhando, hein? Psiu? / Jefferson? O que você está olhando? / Vem aqui! / Vem aqui! Vem aqui do meu lado, vem sentar aqui, vem? / Vamos?

.P. está encostado na porta, com olhar vago

126 P: Não vamo nãooo↑↓!

127 T: Não vamos não?

(...) 128 T: Não, não passa a língua aí no

pão não, que esse é sujo.

P. fica passando a língua no pão de brinquedo.

129 P: / De ba-o↓

130 T: é, esse não é de verdade, esse é sujo.

131 (risos)

132 T: Mas olha....

133 T: Han!, Jefferson, você tem 5 dedos, deixa eu ver, deixa eu ver? Dá um pedaço pra mim? Dá pra mim...

T. segura na mão de P e ele sai correndo.

134 P: / Tá muito - su-ujo de bauô↑↓!

135 T: tá muito sujo de barro?

136 T: Quem sujou o pão de barro? / Deixaram o pão cair no barro? Na lama? / Porcaria... vamos limpar o pão, então. / Vamos! Põe o pão aqui no papel que nós vamos limpar o pão, que está sujo de barro

137 P: / Baaôô!

138 T: Vamos limpar o pão. Pronto? Limpou? / Está bom? / Não está sujo? / Não está mais sujo? // Dá um pedaço pra mim!

139 P: / Dá um pedaço pá mim!

140 T: Não! É pra mim, não pra você...

J. Põe o pão na boca

141 T: Nhact! É bom, hein? Esse pão é bom! / Quem derrubou o pão na lama? Quem derrubou no barro? Quem derrubou o pão no barro? / Quem que foi?

P: (Risos)

J. oferece o pão à T.

(...) 142 T: Está na hora de... P: É pá dormir↑? P. começa a falar quando

T. está falando “hora de” 143 P: / É pá dormir↑? P. repete a própria fala.

144 T: É para dormir? Não sei, está na hora de dormir? Está de dia..., / não está de noite.

145 P: É pá do-omir↑ não não não não↑↓

146 T: Não, não pode dormir não! Não está na hora de dormir! Não está de noite!

Page 62: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

51

147 P: / Não! dormir não! não tá di noite di umi! (gritando e enfatizando cada palavra)

148 T: É isso mesmo, não pode dormir porque não está de noite. A gente só dorme de noite, de dia não dorme não...

149 P: i-não... ão..

150 T: Não quero saber de ver o Jefferson fechando o olho para dormir. Não pode! / Não pode... / Vamos levantar / tomar café! / Vamos? Tomar café?

151 P: /Vamu-u? tomar café?

152 T: Você gosta de café?

153 P: éé? (suspirando)

154 T: Com leite? Com leite ou sem leite?

155 P: Eiti?

156 T: Com leite? Eu também gosto de café com leite.

157 P: Eiti?

158 T: Café com leite é bom, é gostoso. Com açúcar ou com adoçante?

159 P: Aaaaaaante!!

160 T: Adoçante?

161 T: Você gosta de adoçante? Não acredito?! / Eu não gosto de adoçante não, eu gosto é com açúcar. / O meu é com açúcar Jefferson. / Você já achou uma bagunça a mais pra você fazer, né? Hum? // Quero saber se você faz toda essa bagunça lá na sua casa... com a sua mãe e com o seu pai? / Faz? Faz bagunça assim? Hein? Eu que vou deitar nesse sofá! / Ah, que gostoso. É bom esse pra dormir, hein?

P. sai correndo em direção à porta

162 P: // É-é pizza di-é-di-ó-di ócoiáteeee↑↓?! (disfluência)

163 T: O quê? não entendi...

164 P: / É pizza – é di- é pi - é di ... (disfluência)

165 T: É pizza, essa? / Está suja... Está suja esta pizza, não come não. Jefferson!!! A minha pizza está melhor ó.

166 P: / Tá sujo↑ minha pizza ↑↓ de barro↑↓?!

167 T: A sua pizza está suja, caiu no barro...

168 P:/ arro...

169 P: // é tá sujo essa↑↓!

170 T: Está tudo sujo?

171 P: tá sujo essa↑↓!

172 T: Essa também?

173 P: tá sujo ... Ai ai essa tamém?

174 T: Nossa, quanta coisa suja!

Page 63: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

52

Sujou toda a comida? 175 P: / Toma comida ai de baio↑↓ Tá

muito su-ujo de baiô↑↓

176 T: Está muito sujo de barro? De lama? // Tô comendo milho!!

177 P: Segua assim, segua assim (cantarolando)

178 T: Não segura nada! Não vem com esta história que segura assim, segura assado!

179 P: Segua assim (cantarolando)

180 T: Olha aqui, vou comer o milho, quer um pedaço?

181 P: / A-ço? / tá muito sujo esse pedaaaaço↑↓!

182 T: Não está muito sujo este pedaço de milho não. Esse pedaço de milho está limpo porque eu lavei agora. // Você lavou este? Vamos lavar? / Vamos lavar todas as comidas, pra ficar limpo, e não “sujo de barro”? Ahn? Dá o ketchup aí para mim. / Dá o ketchup. Olha o hambúrguer...

183 P: / burguer....

184 T: É do Mc Donald’s.

185 P: / donolds.

186 T: Gosta?

187 P: / Óta?

188 T: É o Mc lanche feliz? Não, está sujo este também.

P. põe brinquedo na boca.

189 P: Segua assim, segua assim, segua assim, segua assim (cantarolando)

P. balança-se na cadeira

190 T: Não, não, não segura nada! Vem! Nada de segurar, vem aqui! Você gosta de balançar? / Você gosta?

191 P: Óta di balançá?

192 T: Eu não gosto de balançar eu fico tonta!

193 P: Onta!

194 T: Você fica tonto? / Você gosta de ficar assim ó, Segura assim, segura assim, balançando pra lá e pra cá

195 P: / Tá muito sujo↑?

196 T: SI

197 P: / Di bauôôôô↑↓!

198 T: Muito barro, tem esse?

199 P: Muito barro tem esse?

200 T: Está marrom de barro. // O que você quer?

201 P: Toma↑↓! P. estende a mão com o hambúrguer para T.

202 T: Toma o quê?

203 P: Mec tini↑↓

204 T: É para eu segurar?

205 P: Toma mec tini tini↑↓

206 T: Ahn?

Page 64: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

53

207 T: Um Mc lanche feliz?!

P: / Toma um mec tini↑↓ J. estende a mão com o pão para T.

208 P: Lanche fêíz?!

209 T: É para eu pegar o Mc lanche feliz? É para eu comer?

210 P: ê?

211 T: O que eu faço com esse? Que faz com esse?

212 P: // SI

213 T: // Vamos balançar pra lá e pra cá? Pra lá e pra cá. Pra lá e pra cá. (cantarolando)

P: Pra lá e pra cá (cantarolando)

P. canta junto com T.

214

215 T: Vamos pra esquerda e pra direita... esquerda e pra direita... (cantarolando) / Ahn? Gostou desse?

216 P: / Pá esqueida pá dieita, esqueida e pá dieeeeita (cantarolando)

217 T: Pra esquerda e pra direita (cantarolando). Qual é a sua direita? tá aqui ó, a sua direita. / Pá, pode parar! / Vai prender o dedo, vai chorar, vai pro hospital de tanto chorar porque vai prender o dedo.

P. tenta abrir o armário

218 P: Ó! vai prendê

219 T: É, vai prender o dedo mesmo. E dói, viu, e dói muito. / Não está de noite não, levanta daí. Não está na hora de dormir, não! Tó, quer milho?

220 P: / ó qué mio?

221 T: Você gosta? Ih, ele gosta desse milho mesmo... Gostou?

(põe milho na boca)

222 P: // tá muito sujo↓ E tá muito muito sujo di mio u u barro↑↓ de mio↑↓ (disfluência)

223 T: O barro de milho não. Não está sujo di mi...

224 P:de mio

225 T: de barro o milho.

226 P: mio

227 T: Não está não, esse eu lavei, eu limpei, está limpinho. / Está limpinho esse... Jefferson, / pode comer esse, esse está limpinho. Não vem me dizer que tem barro neste milho. Não tem lama nenhuma, nenhum barro. Eu comprei na feira, e lavei.

228 P: // su-ujo de barro↑↓ esse miô↑↓ (fala gritando)

(Passa um automóvel na rua, e a gravação fica com muito chiado)

229 T: É para eu segurar o seu milho?

230 P: / De baio↑↓! o miô↑↓!

231 T: Não está de barro não este milho.

232 P: mi-ô.

233 T: Eu lavei, ele não tem barro,

Page 65: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

54

está limpinho. / Tá limpo, limpo, limpo. / Mas é de mentira, não é para por na boca. Só põe na boca comida de verdade..., né?

234 P: di↓ miô↑↓

(...) 235 T: O Mc lanche, você está

comendo? Vai quebrar o dente, ai... Vai ter que ir ao dentista depois... Hum, quebrou o dente... Deixa eu ver se quebrou o dente... : Deixa eu ver. Dá um sorrisão! Não, não quebrou o dente não. Estão todos em ordem. Estão todos os dentinhos lá. Cadê a boca do Jefferson? Aqui a boca?

P. sai correndo e pega o hambúrguer P. prende o lanche entre os dentes com uma força exagerada. P. sai correndo.

236 P: // SI toma↓, a mec tiiineeem↑↓

237 T: A Mc chicken?

238 P: / tá muito↑↓ sujo↑↓ de ióc↑↓ tiinem↑↓

239 T: Não, não está sujo não, o Mc chicken está limpinho. Está lavado.

240 P: / tá sujo↑↓ di...

241 T: Não está sujo não! Não tem barro nenhum aí! Tá limpo!

242 P: Tá sujo↑↓ ....

243 T: Não, se está sujo eu não quero. Eu não quero coisa suja... Eu não vou comer coisa suja...

Começo discutindo as ditas reproduções imediatas e literais da

fala do outro. Como se pode ver no material apresentado, elas remetem,

acima de tudo, a reproduções de segmentos finais do enunciado do outro.

Nesses casos, eram tão instantâneas que podiam se iniciar mal a

terapeuta terminasse de falar. A fala da criança prolongava a da

terapeuta, sem intervalo, soando efetivamente como um eco:

(70) T: A pizza é uma delícia, muito boa!

(71) P: oa!

(72) T: Eu gosto de pizza de mussarela e você?

(73) P: ê?

Page 66: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

55

Chama atenção que muitos desses prolongamentos em eco

correspondem a alongamentos vocálicos, ou seja, a fala do paciente

emenda numa vogal da fala da terapeuta, como se esse som penetrasse na

voz da criança até ser interditada por uma fala da terapeuta. A criança

pára, e às vezes, reproduz parte do enunciado seguinte da terapeuta:

(6) T: Quem é?

(7) P: Quim ééééééééé... (vocalização contínua até 9, concomitante a 8)

(8) T: Quem é esse aí? É o Jefferson?

P: ééééé....

(9) P: Éfersooon...?

Ou, reproduz um enunciado completo33:

(138) T: Vamos limpar o pão. Pronto? Limpou? / Está bom? / Não

está sujo? / Não está mais sujo? // Dá um pedaço pra

mim!

(139) P: / Dá um pedaço pá mim!

De todo modo, nenhuma das produções da criança trazia a

totalidade da fala da terapeuta: eram sempre reproduções de parte.

Também, a fala da criança mantinha a entonação idêntica à da terapeuta,

embora não soasse como prolongamento, como em (6-9) e (70-73).

Há que se acrescentar que certas reproduções eram sincopadas e

apresentavam diferenças, no que diz respeito ao ritmo e à entonação. Isso

Page 67: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

56

a tornava bastante diferente ainda daquela que se apresentava como um

prolongamento da fala do outro.

(56) T: Quem tá gritando? / Quem é que tá gritando?

(57) P: / Quem é – que tá – guitando?

Talvez se possa dizer que esses acontecimentos estejam de alguma

forma relacionados a outros presentes na fala dessa criança, outros que

envolvem aspectos segmentais. Essa fala sincopada, pausada, parece

prenunciar a possibilidade do aparecimento de diferenças nos intervalos

entre uma palavra e a seguinte. Ou seja, esses são lugares para que outra

coisa, uma diferença, apareça, como por exemplo:

(108) T: Você pegou minha colher, né moço? Devolve aqui. / Dá a

minha colher (...) Está boa está pizza hein? Muito boa?

(109) P: // Tómi SI

(110) T: Brigada! Esse é pra eu guardar?

(111) P: / Á?

T: Eu posso?

(112) P: / Toma – pá – guai-dá! Toma – pá – guai-dá!

Note-se, a produção da criança (112) articula duas falaT2: uma sua

(109) e parte da da terapeuta (110). Isso é bem diferente de reproduções,

de ecolalia.

33 Ver 2, 7, 45, 57, 97 e outros.

Page 68: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

57

Também, em situações outras vemos que a criança não reproduz,

mas que metonimicamente produz um fragmento que se articula a outro

presente no enunciado da terapeuta. Fragmentos articulados que, na

verdade, parecem remeter a uma fala cristalizada, instituída em outro

espaço que não o terapêutico, como a seqüência abaixo:

(128) T: Não, não passa a língua aí no pão não, que esse é sujo.

(129) P: / De ba-o↓

(...)

(133) T: (...) Dá um pedaço pra mim? Dá pra mim...

(134) P: / Tá muito - su-ujo de bauô↑↓!

Note-se que “tá sujo”, na fala da terapeuta, faz aparecer “de ba-o”

na da criança. Dois elementos que aparentemente compõem uma

seqüência relativamente rígida: “tá sujo de barro”, que perpassará as

falas dessa criança na sessão. É uma seqüência ao mesmo tempo

recorrente e articuladora de novas possibilidades. Recorrente, no sentido

de que insiste, embora não movimente textos, nem se insira em

textualidades outras. Articuladora, porque abre espaço para a presença de

outros elementos entre “sujo” e “barro” [sujo ---- barro], elementos que

vêm, agora, para instaurar diferença. De fato, é segmentada que essa

seqüência acontece pela primeira vez na sessão – dividida entre duas

vozes (128/129) – para depois insistir como uma composição até certo

ponto maleável e ‘maleabilidade’ é expressão da quebra de rigidez de

uma fórmula cristalizada:

(166) P: / Tá sujo↑ minha pizza ↑↓ de barro↑↓?!

Page 69: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

58

(222) P: // tá muito sujo↓ E tá muito muito sujo di mio u u barro↑↓ de

mio↑↓

Não se pode, ao meu ver, dizer que o “minha pizza” tenha o

estatuto de uma reprodução, embora venha da fala do outro. Parece

dizer mais de uma incorporação, já que aparece como diferença numa

seqüência que é inédita, movimentada num dizer. Não parece mais

plausível afirmar que, porque já esteve na fala do outro, esse segmento é

ecolálico.

Como se vê, entre “sujo” e “barro” outros elementos são

inseridos. Também uma ou outra de suas partes constituintes pode

aparecer, precedida ou sucedida por outros elementos [---sujo---] e [---

de barro---]:

(175) P: Toma comida ai de baio↑↓!

(181) P: /A-ço? / Tá muito sujo esse pedaaaço ↑↓!

(230) P: / De baio↑↓! o miô↑↓!

(238) P: tá muito↑↓ sujo↑↓ de ióc↑↓ tinem↑↓

Em torno de “tá sujo” e “de barro” há possibilidade de

movimento. Essa fórmula relativamente maleável – “tá sujo de barro” –

se estende, se comprime e se segmenta (ver, por exemplo, as seqüências

164-175, 222-234 e 236-242) sem, contudo, penetrar um texto, muito

embora elementos de textos diferentes se entrecruzem no seu interior.

Page 70: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

59

Assim é que elementos imediatamente incorporados – ou não –

emergem nessa ‘fórmula’. Por exemplo, “pizza” que é palavra que

circula nos dizeres da terapeuta, em diferentes momentos da sessão, vai

aparecer aí, nesses vãos.

Esse acontecimento não se restringe unicamente a essa palavra e

nem a essa fórmula. Vemos também uma mobilidade restrita em outras

produções da criança (ver por exemplo 112, 162, e 164). Quero dizer

que composições como estas deixam apreender um movimento em que

palavras podem se substituir numa posição, podem suceder ou preceder

outra, num jogo de “quebra-cabeças” (expressão de Jerusalinsky34) sem,

contudo, produzirem um texto. De todo modo, nesse jogo, estruturas se

espelham, o que pode ser entendido como esboço de uma arquitetura

que pode abrir uma posição-sujeito para a criança, que pode deixá-la no

intervalo entre significantes, lembrando o que De Lemos (1999)

designou por segunda posição.

Na mesma direção do segmento de sessão comentado acima,

temos outros como, por exemplo, “Está na hora de...” (142), uma fala da

terapeuta invoca “é pá dumi?”, e instaura uma seqüência com

movimentos, como o anterior (ver de 142 – 149).

Mas, mesmo essas produções eram estranhas, pois elas apareciam

com uma marcação entoacional ascendente-descente, cristalizada, quer

numa produção mais extensa, quer palavra a palavra – isso, quando a

seqüência é entrecortada. Ou seja, apesar da diferença que aparecia, a

melodia remetia a uma mesmice – o que fazia de uma produção, uma

fala estranha. Quero dizer que, mesmo quando não eram ecolálicas, elas

guardavam algum traço do eco (ou vinham num formato de eco). Esse é

um aspecto que uma transcrição não pode propriamente registrar. Como

34 Seminário realizado na Derdic em 20.08.01.

Page 71: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

60

disse De Lemos (inédito)35, nela perde-se o corpo – gesto, olhar, voz e,

acrescento, a melodia de uma fala. De toda forma, não posso deixar de

indicar que há, na fala dessa criança, algo estranho que remete aos

aspectos apagados na transcrição.

Gostaria de levantar uma indagação, antes de concluir. Como

veremos na literatura sobre o assunto, mesmo essas fórmulas

relativamente maleáveis são qualificadas como ecolálicas. Suspeito,

entretanto, que esse não é o caso, mesmo se considerarmos sua

estranheza. Parece haver nelas movimento, quer dizer, substituição numa

posição. Nesse caso, não se deveria supor que a língua opera, ainda que

de um modo muito particular, na fala da criança, e que isso exprima um

certo distanciamento no que diz respeito à relação estrita fala da criança

versus fala do outro, como acontece no caso das produções ecolálicas?

Não me soa pertinente, também no caso do segundo paciente,

confundir ou assimilar ecolalia e especularidade, embora as produções

dessa criança sejam reproduções da fala de um outro (e não da televisão).

Elas, como no primeiro caso não se submetem ao diálogo. O que migra

para a fala da criança ou vem, como disse, amalgamado à fala da

terapeuta – um resto sonoro, um eco verdadeiro –, ou como reproduções

de partes daquela fala em que a criança fica presa – presa, sem escuta

para sua fala ou para os efeitos que ela possa produzir no outro. Dessa

forma, o diálogo, locus da aquisição da linguagem, não se instaura a

partir dessas reproduções. Parece mesmo que a ecolalia é uma barreira à

estruturação do diálogo e, conseqüentemente, à da linguagem.

Embora as falas dos dois pacientes apresentados neste trabalho

tragam a marca da ecolalia, elas são diferentes. Heterogênea é, portanto,

35 Comunicação apresentada no Simpósio Corpo e Linguagem – IEL/UNICAMP – sob o título de Corpo e Corpus.

Page 72: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

61

sua manifestação – a primeira criança reproduzia basicamente uma ‘fala

de televisão’; a segunda, a fala do outro (terapeuta). A fala da primeira

criança era fundamentalmente uma reprodução, a da segunda, mescla

entre reproduções e seqüências com certo movimento. Isso parece

sugerir então, que a relação criança-língua-fala é diferente num caso e no

outro, como singular é sempre a de um falante.

Não menos particulares parecem ter sido os efeitos dessas falas na

terapeuta. O primeiro paciente, como disse, calou a terapeuta ao passo

que o segundo não impediu que ela falasse. Não vou entrar aqui no

mérito da natureza desses dois efeitos. Isso requereria um trabalho de

caráter clínico, que colocasse em questão o jogo fala da terapeuta versus

fala da criança e exigiria discutir a ‘interpretação fonoaudiológica’.

Contento-me, por hora, em assinalar que essas falas produziram efeitos

diferentes na mesma terapeuta.

Vale dizer, ainda, que se a seqüência deste trabalho põe falas

ecolálicas precedendo a discussão da literatura, isso se assenta em pelo

menos dois motivos. Primeiramente, porque considerei que o leitor

ficaria mais familiarizado com as falas – que são questão neste trabalho

–, e que poderia situar-se melhor nas discussões. Em segundo lugar,

porque, como veremos, o estudo da ecolalia predomina e é circunscrito,

inicialmente, em campos clínicos outros que não o da Fonoaudiologia.

Quero dizer que pretendi apresentar a ecolalia ‘antes’, a partir de seu

efeito numa terapeuta de linguagem –, evitando recobrir minhas questões

com intuições e discussões advindas de outras áreas de conhecimento.

Nesta medida, pretendi circunscrevê-las como espaços de interlocução.

Passo, a seguir, a apresentar um cenário de debates em que a ecolalia é

abordada.

Page 73: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

62

C A P Í T U L O 3

O Cenário da Ecolalia

Os estudos sobre ecolalia, a que tive acesso, aparecem sob uma

forma bastante peculiar que vale a pena ser comentada. Em primeiro

lugar, eles se apresentam, sobretudo, sob a forma de artigos publicados

em revistas científicas36 de várias disciplinas, o que confere à bibliografia

sobre o assunto um caráter disperso e heterogêneo. É possível dizer que,

em geral, esses artigos foram produzidos principalmente entre as décadas

de 60 e 90, fora do Brasil, por profissionais de diferentes campos37. É

certo que neles a ecolalia ocupa lugar de destaque, ou melhor, ela é o

assunto principal ou o que motiva tais estudos. Apesar disso, esses

trabalhos têm pouca relação entre si. Há os que se atêm às questões sobre

etiologia, tipologia, nosografia38, descrição sintomática, e comparação

entre normalidade e patologia, por exemplo. Cada aspecto é focalizado

de acordo com a área clínica em que se insere a pesquisa. Poucos são os

trabalhos que tentam algum tipo de aproximação à Lingüística.

Vale também comentar que os trabalhos encontrados em revistas

de “Distúrbios da Comunicação”39, são restritos se comparados com

36 Vale lembrar também, que a ecolalia comparece como sintoma ligado a quadros específicos em subitens ou capítulos de livros, e também como verbete em Dicionários de Distúrbios da Comunicação. 37 Fonoaudiólogos, Psiquiatras, Pediatras, Neurologistas e Psicólogos, por exemplo. 38 Ou seja, relação entre sintomas e quadros clínicos. 39 Foram consideradas revistas como "Journal of Speech and Hearing Disorders"; "Journal of Speech and Hearing Research"; "S Afr J Commun Disorders" e "J commun disord'', entre outras.

Page 74: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

63

aqueles encontrados em revistas de outros campos40. Dessa forma, é

possível dizer que na bibliografia falta a contribuição de especialistas em

patologia de linguagem. No Brasil, fonoaudiólogas como Fernandes

(1996), Palladino (1999) e Arantes (2000)41, voltaram-se para o assunto.

Mas esses, sem dúvida, são casos excepcionais.

Importa dizer que a ecolalia é acontecimento que remete à infância

e, em geral, relacionado a crianças autistas42. Neles se estabelece, de

alguma forma, uma correlação entre a criança e sua fala. Deixo claro que

não será meu objetivo penetrar discussões sobre autismo infantil ou

outros quadros sintomatológicos. Importa-me, por ora, como terapeuta

de linguagem, essa fala e o modo singular em que se apresenta.

3.1 Ecolalia em áreas clínicas

Como disse, a ecolalia é notada como sintoma em diversas áreas

clínicas. Nessa literatura, o médico Itard (1825)43, é mencionado como

40 Aqui se incluem revistas como "Journal of autism dev disord"; "J Appl Behav Anal"; "Cortex"; "Am J Ment Retard"; "J. Child Psychol Psychiatry"; "neuropsychiatr Enfance Adolesc; J Autism Child Schizophr"; "J mtnt defic", entre outras. 41 “Ecolalia em Psicoses Infantis”, de Fernandes, “Palavras da Dor”, de Palladino e “As múltiplas faces da especularidade”, de Arantes. 42 É certo que existem pesquisadores que estendem esse termo para repetições estranhas que ocorrem em outros quadros envolvendo adultos (afasias, por exemplo). Schuler (1979), (uma fonoaudióloga, membro Departamento de Educação Especial, da Universidade Estadual de São Francisco) afirma, que a maior parte dos estudos sobre ecolalia são relacionados a “indivíduos com autismo infantil” e que pouca atenção tem sido dada à presença desse acontecimento em outras patologias. 43 Não pude ter acesso ao artigo “Memoires sur quelques fonctions des appareils de la locomotion, de

Page 75: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

64

quem primeiramente definiu o termo ecolalia: “eco na fala”; e também,

ecopraxia: “eco no comportamento” (Roberts, 1989 e Schuler, 1979).

Autores, como Barr (1898) e Bouvet et alli (1981), apontam Romberg

(1853) como precursor no uso do termo, mas parece haver consenso em

torno de Itard.

Interessa que já nesse tempo a ecolalia divide pesquisadores entre

aqueles, como Romberg (apud Barr, 1898) que considerava o sintoma

como uma “evidência de amolecimento cerebral”, e como Echeverria44,

que apostava na ecolalia como “um sinal de perversão da vontade ou inibição

patológica (defective ou impaired)” (1898: 20), portanto, de natureza, digamos,

emocional. Ou seja, em um ou em outro caso, essa espécie de fala é um

sinal de problema cerebral/emocional que interessou médicos.

Essa tendência perdura até nossos dias. Assim é que a ecolalia será

mencionada nesse tipo de literatura como presente nas afasias

decorrentes de lesões “no lobo temporal esquerdo, lobo frontal e gânglio basal”

(Carluccio et alli, 1964: 624), respectivamente descobertas por Pick

(1924), Goldstein (1917) e Kleist (1922-1934); no retardo mental, por

Noir (1893); na insanidade, por Tuke; na esquizofrenia, por Kraepelin

(1919); na psicose por Mershede; e no autismo infantil, por Kanner

(1943). A essa variedade de quadros nos quais a ecolalia é sintoma,

Schuler (1979), ainda acrescenta quadros degenerativos cerebrais,

epilepsia e estados confusionais, entre outros. Como se vê, o termo

ecolalia recobre repetições de falas nos mais diferentes quadros clínicos.

Porém, desde o artigo de Kanner (1943), referências à ecolalia são feitas,

sobretudo, em trabalhos sobre psicose/autismo infantil. De fato, a

regularidade com que ela ocorre na fala de pacientes com esse

la prehension et de la voix” de Itard, em que ele discorre sobre a ecolalia. 44 Dictionary of Psychological Medicine, vol I, p 424

Page 76: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

65

diagnóstico chama a atenção, o que, de qualquer forma, coloca uma

questão sobre o sujeito e sua fala.

Entretanto, a fala é incluída no rol de sintomas

neurológicos/emocionais, mas, em geral, não é propriamente elevada ao

estatuto de indagação. Ou seja, raramente se vê nesses trabalhos uma

discussão especialmente dedicada a tal acontecimento lingüístico e nem

estudos sobre a linguagem são consultados.

Na verdade, as indagações médicas sobre a ecolalia concentram-

se, como não poderia deixar de ser, em discussões de cunho nosográfico

(ecolalia � quadro) ou etiológico (causa � ecolalia). Mesmo assim, a

ecolalia permanece suscitando questões. Para Matheny,

“não está claro (...) que relações funcionais estão presentes ou são

necessárias quando excessivas respostas ecóicas são encontradas em

crianças mais velhas ou em adultos. Sabe-se que formas patológicas de

ecolalia são encontradas em condições tais como esquizofrenia infantil,

Latah, deficiência mental severa, e desordens de comunicação. Porém, a

ecolalia não é sempre observada nessas condições e um excesso de

respostas ecóicas não é considerada geralmente como um sinal

patognômico de nenhuma destas condições” (1968: 624).

Esta afirmação corrobora as observações de Schuler de que a

ecolalia “não serve para identificar uma doença subjacente” (1979: 427) e que “o

comportamento ecolálico não está ligado a patologias particulares e não pode ser facilmente

explicada por um simples fator (...)” (1979: 419). Ou seja, mesmo que os autores

reconheçam que pode haver lesão cerebral ou problema emocional, a

ecolalia é sintoma possível, mas não necessário para identificar um

quadro. É, portanto, sintoma dispensável na caracterização de quadros

clínicos.

Page 77: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

66

Como disse, há poucos trabalhos que apelam para questões

relativas à linguagem. Existem, contudo, autores como Roberts (1989)45,

com Stengel (1964 apud Roberts), um médico, que designam ecolalias

como “atípicas”,

“pensada[s] como o resultado da dificuldade na comunicação devido a um

impedimento ou falta de compreensão e um esforço para vencer essa

dificuldade pela identificação com o interlocutor” (1989: 272).

Interessa dizer que a fonoaudióloga Schuler, discorda dessa

classificação, e pergunta: “Por que a ecolalia ocorreria em alguns casos e não em

outros em que a compreensão também é mínima?” (1979: 419). O que inquieta a

autora é que crianças possam repetir com precisão os sons da fala sem

compreender o que ouvem. De fato, há mistérios aí. Acrescento ao que

disse Schuler, em oposição a Roberts que, nos casos apresentados neste

trabalho, não pude identificar qualquer esforço por parte dos pacientes

em se comunicar nem um indício forte de identificação dessas crianças

com o interlocutor. Parece-me que, no que se refere à ecolalia, não há

reconhecimento do outro – há unicamente reprodução de falas.

Parece-me impertinente levantar, portanto, uma questão sobre

compreensão. No fundo da reflexão de Roberts está uma concepção de

linguagem como ‘função’, no caso, comunicativa. Ele não se indaga

sobre aspectos discursivos/textuais ou estruturais da fala dessas crianças,

nem sobre os efeitos da fala do outro na fala da criança ou, da relação da

criança à própria fala. Desse modo, mesmo em trabalhos dessa natureza,

a linguagem permanece naturalizada.

45 J. Roberts foi membro de um projeto desenvolvido no Departamento de Lingüística da Universidade Macquarie, em Sydnei na Australia e voltou-se para essas falas ecolálicas.

Page 78: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

67

Assim, nem na literatura médica a ecolalia ultrapassa o estatuto de

sinal de problema orgânico ou emocional, nem em trabalhos de

lingüistas (Roberts, por exemplo) e até mesmo de fonoaudiológos

(Schuler, 1979; Fay, 1967; Fernandes, 1996; entre outros), como

veremos adiante, ela deslancha para além de problemas comunicativos

ou expressivos46. Parece que questões sobre a língua e a fala, ou, a

relação falante–língua–fala não foram propriamente contempladas.

Muito embora, entendo, que elas interessam especialmente a

fonoaudiólogos. Interessam ou deveriam interessar. Surpreendente é

também que, na Fonoaudiologia, justamente a área que se propõe à

investigação e ao tratamento das patologias de linguagem, a ecolalia –

esse acontecimento de fala – tem ocupado espaço reduzido nas

pesquisas, como disse.

3.2 Ecolalia e suas definições

Pude, na leitura da bibliografia sobre ecolalia, vislumbrar que ela

não se apresenta sob uma única e consensual forma, embora ela se

afigure sempre como uma repetição e/ou imitação da fala de outros. Para

além disso, há uma grande heterogeneidade no que diz respeito a sua

caracterização e definição. Vale ressaltar que a necessidade de definir

ecolalia é, em alguns textos, simplesmente descartada. Neles, ela tem

estatuto de evidência.

46 Vale dizer que a necessidade de “dispensar estudo e atenção [à ecolalia] como fato em si” foi indicada por Palladino (2000), e sua diferença em relação à especularidade, tratada por Arantes (2000), mas uma atenção mais focal e uma discussão mais detalhada sobre a ecolalia como problema

Page 79: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

68

3. 2.1 Ecolalia: fala que não comunica

Não há divergência entre pesquisadores quanto ao fato da ecolalia

ser “tendência para repetir palavras ou frases faladas por outros (...)”, como disse Barr

(1898: 20) ou “repetição de enunciados produzidos por outros”, como afirmaram

Prizant & Rydell (1984: 183). Tendo-se em vista que a natureza dessa

fala é ser “reprodução da fala do outro”, compreende-se porque ela é

vista, também, como “não comunicativa”, uma vez que não é

reconhecida como resposta/réplica a um enunciado. Mas é preciso

lembrar que, no campo da Aquisição de Linguagem, “repetir a fala do

outro”, como vimos, é uma das características da fala da criança a que

De Lemos conceituou como especularidade.

Que singularidade, então, a ecolalia imporia aí? É o que outros

autores pretendem mostrar atribuindo a esta repetição uma certa

qualificação, na tentativa de separar normal de patológico e fazer valer o

reconhecimento de que a ecolalia é “repetição estranha”. Será nessa

tentativa que uma atenção maior à fala vai aparecer.

Kanner, pioneiro na discussão sobre autismo, afirma que a ecolalia

é "repetição de frases completas" (1946: 242). Shapiro e Lucy, por sua vez,

sustentam que a ecolalia em crianças autistas corresponde a “uma repetição

exata de uma parte do enunciado modelo” (1977: 373). Note-se que a extensão do

enunciado reproduzido chamou atenção desses pesquisadores e que a

ecolalia, para um, é identificada à reprodução integral e, para outro,

parcial. Em ambos os casos, trata-se de repetição exata. Reduplicação

que M. Rutter (1993) qualifica como “estereotipia”.

lingüístico não me parece ter sido ainda desenvolvida seja por lingüistas seja por fonoaudiólogos.

Page 80: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

69

Daí que a “precisão/exatidão” e a “automaticidade” dessas falas as

aproximaria de “fala de papagaio”, de um não-humano. De fato, Kanner

em seu livro “Psiquiatria infantil”, remeterá a ecolalia a um transtorno de

simbolização, definindo-a como “uma repetição automática, como a de um

papagaio” (1966: 532). Estranho parece ser um “humano” falando como

um papagaio. Essa fala automática sugere uma emissão sonora que se faz

“sem pensar”, como disseram os pais das crianças atendidas por mim, ou

seja, “sem controlar”. Falas que não deixam ver um falante.

“Falta de controle” é o que dizem Campbell & Grieve acerca da

ecolalia. Para eles trata-se de “repetição involuntária ou eco da fala produzida por

outra pessoa” (1978: 414). “Involuntária” porque acontece à revelia da

criança e da sua vontade. “Automaticidade” e “falta de controle”

articulam-se num sintoma que soa como “fala artificial” que se apresenta

em uma voz “mecânica”. Não é outra coisa que notou Simon nessas

falaT2: “falta espontaneidade natural e (...) raramente compatível com o contexto”

(1975: 1440). Será esse distanciamento do contexto que levará

pesquisadores a acrescentarem uma outra qualidade à ecolalia, qual seja,

a de ser “tardia”. Eles reconhecem que essas “falas prontas”, em que o

sujeito não se implica, vêm de um outro lugar e outro tempo. Assim,

vimos que, dependendo daquilo que mais afeta o pesquisador ou clínico

a ecolalia vai sendo adjetivada: integral ou parcial; exata/estereotipada;

automática e involuntária; desadaptada e tardia.

Todas as características acrescentadas ao termo ecolalia alinham-

se ao que Mc Evoy et alli propõem: “uma repetição sem significado das palavras

do outro” (1988: 658). “Falta de significado” pode ser correlacionada à

“inadequação ao contexto”, “automaticidade”, e assim por diante. Em

última instância, “sem significado” é também fala “sem intenção

comunicativa”, como pensa Perelló (1977), que inclui outra qualidade a

essa fala: ela é “monótona”, seja reprodução “de palavras ou de frases”.

Page 81: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

70

Monotonia relacionável também à entonação como, por exemplo,

chamou a atenção Simon (1975) e Hirsh (1967), que comentaram o

aspecto melódico das produções ecolálicas. Simon diz que: “a criança

ecolálica parece ser incapaz de modificar características expressivo-entoacionais e, por isso,

a acentuação e o pitch são geralmente impróprios ao contexto” (1975: 1440).

Monotonia, que se exprime também nos murmúrios, como no caso do

primeiro paciente. Essa autora pontua que a criança “resmunga como se

estivesse ou conversando consigo mesma ou pensando alto” (1975: 1441). Bouvet et

alli (1981), fazem menção a um “falar” ou “tagarelar” em eco;

nitidamente “sem intenção comunicativa” (Bouvet et alli, 1981; Bernard-

Optiz, 1982; Ford, 1989).

Assim, essas falas tocam esses autores, como se pôde ver. Ainda

que se fale de uma forma geral em repetição, atribui-se a ela uma

determinada qualidade ou adjetivação: ora ela é “estereotipada/exata”,

ora “involuntária/não intencional”, “automática/como a de um

papagaio”, “monótona”, “descontextualizada/sem significado” e, por

tudo isso, “sem caráter comunicativo”. Ao tentar dar conta do que não é

uma simples ou mera repetição, a qualificação vem para configurar como

patológica uma repetição “estranha” que se quer diferenciar daquela

presente na aquisição de linguagem (Ochs-Keenan, 1977; De Lemos,

1981, 1982, entre outros)47.

Se nos trabalhos, acima comentados, o cerne da questão é tratar de

circunscrever uma repetição que é patológica a partir dos efeitos dessa

fala no clínico, veremos que a ecolalia vai chamar a atenção dos

pesquisadores também para o tempo de reprodução e para aspectos

relativos a ‘modalidade’ em que se apresenta essa fala.

47 Em dicionários de Distúrbios da Comunicação, ecolalia vem também desdobrada em “ecologia”, “ecofrasia”, “ecofasia”, termos que buscam relacionar essas repetições “estranhas” à quadros neurológicos ou a perturbações emocionais. Ver, por exemplo, Terminology of Communication Disorders (1996), e A Dictionary of Speech Pathology and Therapy (1963).

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71

Ela será dita, então, imediata ou tardia; literal ou mitigada (Kanner,

1943; Rimland, 1964; Ricks & Wing, 1976; Schuler, 1979; Prizant &

Rydell, 1984; e Roberts, 1989; entre outros). Quanto ao par

imediata/tardia, ele diz respeito à imediaticidade, ou não, de uma

reprodução. Para os autores, em ambos os casos a repetição é dita literal.

Assim, toda diferença entre ecolalia imediata e tardia estaria centrada na

duração do intervalo de tempo entre o enunciado prévio e a produção

ecolálica. No primeiro caso, o intervalo seria mínimo, enquanto que, no

segundo, necessariamente maior48 (minutos, horas, dias, etc.).

Simon (1975), prefere tratar a imediata e a tardia de modos

diferentes, ou seja, reservando a designação “ecolalia verdadeira” à

imediata, que guardaria uma relação em eco frente a fala de um outro. A

ecolalia tardia, por sua vez, deve ser lida como ‘não verdadeira’. Se ‘não

verdadeira’, seria falsa? Como, então, reter a designação ecolalia para

reproduções não imediatas? A definição de dicionário para “eco” é:

“fenômeno físico devido à reflexão de uma onda acústica por um obstáculo, e observado

como a repetição de um som emitido por uma fonte” (Buarque de Holanda, 1975).

Sendo assim, entende-se porque Simon quer reter a noção de “eco” para

as reproduções imediatas. Nas tardias não se pode identificar a relação

entre uma fala reproduzida e sua fonte.

Reproduções literais se ajustam com mais precisão à expressão

ecolalia. Fay (1967), que as nomeia ecolalia pura, diz que elas têm

“parasitic fidelity” (fidelidade parasitária) (1980). Há outras produções,

porém, em que ainda se reconhecem características de eco, mas que não

48 Não vou tratar neste trabalho de casos que levantam a questão: “como assegurar que uma fala não repetida imediatamente é, de fato, ecolálica, ou seja, reprodução de uma fala outra?”. Essa indagação parece ter tocado Prizant & Rydell (1984) que sugeriram dois critérios: 1) medida de complexidade gramatical e 2) relação entre essas falas e rotinas vividas (na clínica ou escola), que a criança teria, segundo eles, memorizado. Penso não ser este um ponto simples, já que envolveria discutir critérios como “complexidade gramatical” de falas e identificação empírica da origem/fonte de uma fala e,

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72

são propriamente exatas. Tratam-se de “ecolalias mitigadas” para Fay

(1967) e Baltaxe & Simmons (1975) ou “imitações reestruturadas” para

Shapiro, et alli (1970). Elas se apresentariam com modificações, quais

sejam supressões ou adições de elementos ou, ainda, modificações

entoacionais. Resta dizer que essas três formas de modificação podem

ser concomitantes. Via de regra, diz-se que a criança parece ter ‘intenção

comunicativa’. Como se vê, essas falas enigmáticas trazem

imediatamente uma suposição de sujeito epistêmico.

Se o eco pressupõe imediaticidade e literalidade, há problemas em

se classificar uma repetição tardia ou uma repetição com modificações

sob o nome de ecolalia. Enquanto a noção de ecolalia, no caso da

imediata, parece apropriada, para a tardia e para a mitigada o termo

parece inadequado. De fato, Roberts (1989) dirá que manifestações

ecolálicas com mitigação correspondem a uma “forma estrutural

singular”, quer dizer, com diferenças em relação ao enunciado do outro,

embora continue usando o termo ecolalia.

A autora assinala que o termo foi cunhado por Pick (1924), para

designar respostas ecóicas “levemente modificadas”, em casos de afasia.

Note-se que nem se está falando mais em criança, nem a palavra

“levemente” parece explicitar a natureza dessa modificação. Vale dizer

ainda que o termo “mitigada” migra para fora do espaço teórico e

empírico em que foi cunhado e passa conviver nos trabalhos sobre

ecolalia em crianças, o que deveria introduzir questões particulares. Por

exemplo, a de se seria plausível falar ainda em ecolalia quando um

enunciado não é idêntico (mesmo que parcial) à fala de um outro. Dessa

forma, “mitigada” parece adjetivar uma fala não mais ecolálica em

ainda, ao meu ver, a questão problemática da escuta do outro/investigador, o que implicaria uma outra direção argumentativa, diferente da que encaminho aqui.

Page 84: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

73

sentido estrito. Pode-se pensar que o termo vem para reter ainda o

estranho em certas produções de crianças.

Além disso, como diferenciar a “ecolalia mitigada”, uma fala

sintomática, daquelas produzidas por crianças em processo “normal” de

aquisição de linguagem? Que tipo de composição ou seqüência seria essa

que reteria características ecolálicas e em que os pesquisadores parecem

reconhecer algo da natureza de uma reestruturação? Embora façam uma

suposição, eles parecem não se deter nessa questão. Numa

reestruturação, de fato, há que se supor a singularidade de uma fala,

como disse Roberts (1989). A autora, contudo, não se volta para a fala.

Será Schuler, quem irá apontar para problemas concernentes tanto

à definição/terminologia quanto aos métodos das pesquisas que

investigam o fenômeno, enfatizando que o termo ‘ecolalia’ tem sido

utilizado de maneira ampla e indiscriminada49. A imprecisão

terminológica e a falta de descrição detalhada das manifestações

ecolálicas são apontadas por Schuler como um dos fatores responsáveis

pela dificuldade em se esclarecer o fenômeno. Ela diz: “Uma vez que a

ecolalia emerge em situações diferentes e parece variar tanto em sua forma como em relação

à fonte, deve-se indagar se o termo ecolalia é, no final das contas, significativo” (1979:

427). Ela quer dizer, com isso, que a aplicação do termo a

acontecimentos tão diferentes, ultrapassa o limite de um uso significativo

para ecolalia. De fato, seria um uso que não se ajustaria à definição de

dicionário.

49 Fernandes, uma fonoaudióloga, aponta para a falta de preocupação dos pesquisadores tanto em definir a ecolalia, como definir os termos “ecolalia tardia, ecolalia imediata e ecolalia mitigada” (1996: 143). Prizant & Rydell consideram que há muitos problemas relativos aos critérios de definição da ecolalia, principalmente, quando o que está em pauta é: "a exatidão da repetição, o grau de

Page 85: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

74

3.2.2 Ecolalia: repetição que comunica

Como disse, são essas “ecolalias mitigadas” que levarão a

considerações sobre o estatuto comunicativo das ecolalias. Pesquisadores

sugerirão que, quer imediatas ou tardias, quer literais ou mitigadas, elas

sempre exprimem algum grau de “intenção comunicativa”. Prizant &

Rydell (1984), por exemplo, propõem que a ecolalia deva ser

considerada em termos de um contínuo no que concerne à exatidão, ao

grau de compreensão e à intenção comunicativa. Assim, menor precisão,

incompreensão, e pouca “intenção comunicativa” opõem-se à mitigação,

maior compreensão e mais “intenção comunicativa”.

Essa abordagem outra sobre a ecolalia – em que a ela se supõe

alguma intencionalidade e valor comunicativo – parece também partir de

uma leitura particular que certos pesquisadores fizeram do trabalho de

Leo Kanner (1943 e 1946).

Roberts (1989), por exemplo, ao tratar da ecolalia mitigada, afirma

ter Kanner notado que crianças podiam alterar aspectos do enunciado

ecoado. Traz como exemplo o caso da “reversão pronominal” implicada

no diálogo. Kanner diz que:

“pronomes pessoais são repetidos como ouvidos, sem mudança pronominal

adequada. A criança, a partir de uma fala da mãe, ‘Agora eu vou dar para

você o seu leite’, expressará desde então seu desejo de beber leite com

exatamente essas mesmas palavras. Portanto, ela fala de si sempre como

“você” e da pessoa a quem se dirige como “eu”. Não apenas as palavras

mas também a entonação é mantida (1943: 244) (ênfase do autor).

compreensão de enunciados repetidos, e a presença ou ausência de intenção comunicativa subjacente aos enunciados ecóicos" (1984: 183).

Page 86: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

75

Diferentemente de Kanner, Roberts parece incorporar à ecolalia

mitigada a possibilidade de reversão pronominal pela criança. Note-se

que, para Kanner, ecolalia supõe exatidão na reprodução e o fato de

haver uma modificação para “uso correto do pronome” significa que

aquela fala nem mais ecolálica é. Ele dirá: “entre as idades de cinco e seis anos

[crianças ecolálicas] abandonam gradualmente a ecolalia e aprendem a usar pronomes

pessoais com referência adequada” (1943: 249) (ênfase minha). Chamo a

atenção para um distanciamento de Roberts e outros pesquisadores,

influenciados pela Pragmática, relativamente à discussão de Kanner.

Ainda sobre a ecolalia mitigada, que implica modificações na

reprodução da criança, Roberts diz apoiar-se em Kanner que, segundo

ele, afirma que a criança “repete o que ouve acrescentando a essa repetição uma

afirmação ou negação” (1989: 273). Não parece ter sido precisamente isso o

que se lê em Kanner (1943). Este autor assinala, por exemplo, que uma

criança reproduz o seguinte enunciado do pai: “Quer subir nos meus

ombros?”. Frente a isso, o pai fala: “Se você quer, diga sim, se não quer,

diga não”, ao que a criança diz: “Sim”. A conclusão a que chega Kanner

é a de que a criança dizia “sim” sempre que essa pergunta do pai fosse

feita.

Na opinião desse autor, esses acontecimentos seriam expressões

de um desejo da criança, desejo que ela é incapaz de transmitir ao outro

espontaneamente. De toda forma, ele lembra que a criança demorou

muito tempo para “destacar” a palavra dessa situação e a “usá[-la] como um

termo geral de afirmação” (1943: 244). Ou seja, “sim” ficou colado àquela

situação. Se, para Roberts, trata-se de uma intenção

(afirmação/confirmação) e, portanto, de uma resposta da criança; para

Kanner, não se trata do mesmo: “em nenhuma [...] das crianças falantes a

linguagem tem servido para transmitir significado aos outros” (1943: 243). O que a

criança diz, torna-se ligado à situação original em que ocorreu, podendo

Page 87: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

76

ser transferidas para outras situações. Kanner, portanto, não fala em

intenção, mas apenas de uma produção rígida, aderida ao contexto

original.

Note-se que quem infere, ou não, um sentido a essas produções

recorrentes e cristalizadas é o próprio pesquisador/clínico, ou seja, é o

outro. Nessa medida, como atribuir intenção comunicativa à criança?

Mesmo que Kanner fale em desejo, não se pode afirmar que desejo e

intenção sejam sinônimos. É ele mesmo que insiste na ausência de

“funções comunicativas da fala” em crianças “ecolálicas”: “no que concerne

às funções comunicativas da fala não há diferença fundamental entre as oito crianças falantes

e as três mudas” (1943: 243). O que o autor sublinha é que não falar (como

as “mudas”) ou falar “sem sentido” (como as “ecolálicas”) daria no

mesmo.

Kanner foi afetado por essas ocorrências e será em artigo de 1946,

que esclarecerá o sentido de “desejo” versus incapacidade de

comunicação. Ele dirá que, embora falas ecolálicas pareçam “tolas,

impertinentes e desadaptadas ao contexto”, elas podem ter algum

significado para a criança. Ele designará essas “ecolalias” – essas

expressões que se repetem – como “falas metafóricas”, na medida em

que portam um significado, mesmo desadaptadas, não comunicativas.

Para ele, o termo “metafórica” corresponderia à repetição de uma

expressão no lugar de outra pertinente à situação mas que mantém, com

ela, alguma relação enigmática de significado. Relação, segundo ele,

regida seja por analogia, seja por generalização (todo pela parte), ou por

restrição (parte pelo todo) 50.

50 Os exemplos de Kanner (1943) são os seguintes: 1) analogia: “cesta de pão” por “padaria de casa”; 2) generalização: “não atire o cachorro para fora da varanda” adquire o significado de auto-repreensão em toda situação de auto-punição; 3) restrição: “55” para tudo que pudesse ser referido à avó de 55 anos de idade.

Page 88: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

77

Como se vê, essas crianças com falas estranhas teriam uma

linguagem própria, com significado obscuro para o outro, e não se

preocupariam, portanto, com sua aceitação pela comunidade ou com a

pertinência comunicativa dessas produções. Nesse sentido, deve-se

preservar distância entre os pesquisadores que, mesmo fazendo menção a

Kanner, apostam em “intenção comunicativa”. Este autor, ao contrário,

recusa qualquer movimento da criança em direção a sociabilização ou

qualquer vontade em se comunicar.

Não é questão neste trabalho discutir o trabalho de Kanner e o uso

que faz do termo ‘metáfora’ ou ‘metafórico’. Talvez baste sinalizar que

sua questão diz respeito ao significado e não a mecanismos lingüísticos

que me interessam mais de perto, e que podem ser referidos a uma fala

em que a reprodução/forma se paralisa, se cristaliza, não se deixa

substituir. Repetição que diz de uma rigidez. Para Maria Teresa Lemos,

“essa rigidez no uso é o que caracteriza, de fato, a relação do autista com a linguagem”.

Diferente da repetição que leva à aquisição da linguagem, na fala da

criança autista, “(...) a linguagem encontra-se em prejuízo, pois o próprio da linguagem é

a substituição, ou seja, poder colocar uma coisa no lugar da outra”51. Esse seria um

outro modo de abordagem de falas ecolálicas. Interessa-me, neste

momento, dizer que muitos trabalhos parecem ter encontrado – ao meu

ver, de forma equivocada – em certas considerações tecidas por Kanner,

seus motivos para abordar as ecolalias em termos de “valor

comunicativo”.

Schuler (1979), por exemplo, afirma ser possível apreender, na

ecolalia, intenções comunicativas, a não ser em certos tipos de ecolalia

tardia em que falas não são sensíveis ao contexto em que ocorrem, por

exemplo, “quando comerciais de televisão são repetidos de modo mecânico sem nenhuma

51 Texto inédito, sem título (xerox). Nele a pesquisadora se propõe a discutir o papel da especularidade

Page 89: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

78

intenção comunicativa” (1979: 413). Estas seriam denominadas “auto-

estimulatórias” porque não parecem servir a qualquer propósito.

Excluídos casos como esses, segundo ela, toda ecolalia será “sensível ao

contexto” em graus variados – sugerindo que a criança teria sempre

algum tipo de habilidade expressiva, mesmo que seja difícil para o

pesquisador/clínico determinar se há ou não sensibilidade ao contexto.

Schuler utiliza o termo “fala metafórica”, cunhado por Kanner, para

rotular tais ecolalias. É nesse ambiente que autores de trabalhos na

Aquisição de Linguagem, como os de Bates (1976), Dore, (1975),

Halliday (1975) e Bruner (1975), de alguma forma inspirados na

Pragmática Lingüística, serão consultados por pesquisadores da ecolalia

(Fernandes, 1996; Prizant & Duchan52, 1981, entre outros).

Nesses trabalhos, mesmo a ecolalia “verdadeira” (“não–mitigada”)

teria “valor comunicativo” e seria vista como "tentativa primitiva” de

manter o contato social. Daí, busca-se nesses trabalhos, associar a

ecolalia a determinadas funções interacionais. Inferências são feitas a

partir de aspectos como relevância ao contexto situacional, evidência de

interatividade e/ou compreensão, assim como presença de olhares e

gestos significativos, relacionáveis ao outro ou à atividade. Com base

nessas inferências, autores dirão, por exemplo, que as produções

ecolálicas podem ter o valor de invocação, afirmação, solicitação,

protesto ou ordem (Prizant & Rydell53, 1984; Dyer & Radden54, 1981; e

outros). Ao lado disso, autores conferem à criança o poder de “controlar

na aquisição da linguagem. 52 Barry Prizant é filiado ao Departamento de Patologia da Fala e da Audição da Universidade de Illinois (Carbondale) e Judith Duchan é filiada à Universidade de Nova York (Buffalo). 53 Patrick Rydell é filiada à Agência de Educação de Iowa. 54 Christopher Dyer e Ângela Hadden são filiados à Whitefield School em Londres.

Page 90: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

79

o ambiente” (Fernandes, 1996), de “prolongar a interação” (Fay55, 1973)

e, também, de “bloquear a comunicação” (Shapiro & Lucy56, 1977).

De toda forma, em todos os casos acima, essas crianças são

apontadas como sujeitos com capacidades cognitivas para agir sobre o

outro e sobre o ambiente através de suas produções ecolálicas. Assim,

ela estaria vinculada a uma vontade própria ou intencional da criança, o

que contrasta com trabalhos mencionados acima, em que a fala ecolálica

é referida como automática e involuntária. Mas, a impressão que se fica

após a leitura desses trabalhos é a de um desarranjo no que se supõe

sobre essa fala ecolálica e a criança que a produz, ou seja, parece que o

investigador usa a criança como “tela para projeção de seu imaginário”,

como disse De Lemos (1999) a respeito da aquisição da linguagem e

Arantes (2001) sobre crianças que não falam.

Na verdade, parece que a aproximação à Pragmática situa a

posição do investigador frente às ecolalias e ele vai projetar nelas

categorias pragmáticas, cujo resultado parece-me ser um obscurecimento

do sintomático dessas falas. Nesse particular faz sentido o que disse De

Lemos que “seria [então,] o ponto de vista do investigador que serviria de argumento

para justificar a proliferação de apreensões parciais” (1999: 41), no caso, um ponto

de vista que parece se impor e impor distância do acontecimento

patológico. Quero dizer, com isso, que os pesquisadores parecem ter ido

longe de mais na atribuição de intenções à fala e de capacidades

cognitivas à criança, mascarando assim, a diferença entre falas ditas

patológicas e normais.

Não resta dúvida de que essas repetições em eco do enunciado do

outro leva-nos a indagar sobre quem é este falante. Mas se não nos

55 Warren Fay é filiado à Crippled Children’s Division, University of Oregon Health Sciences Center. 56 Theodore Shapiro é Professor de Psiquiatria da Corneel University Medical College e Peter Lucy é estudante de medicina da New York Universitu Medical Center.

Page 91: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

80

esquecermos de que são reproduções, que são sintomáticas porque

involuntárias, soa implausível supor a elas a qualidade de falas

intencionais e/ou comunicativas. Parece que a aproximação à Aquisição

da Linguagem produz um efeito nos estudos sobre a ecolalia que recobre

exatamente o que é perturbador nessas falas, mais especificamente, o de

serem falas que colocam em questão a problemática da “autoria” de uma

fala. Tal aproximação torna tênue, como disse, a distinção entre normal e

patológico.

3.3 Considerações sobre o normal e o patológico

Schuler (1979), com Prizant & Rydell (1984) chegam mesmo a

supor um contínuo entre normal e patológico. Para eles, quanto mais

modificada, maior o grau de intenção comunicativa e mais próxima da

normalidade estará a fala da criança; inversamente, quanto mais rígida e

literal, menos intenção comunicativa e mais patológica. Se a oposição

normalidade versus patologia, neste caso, é vista numa relação de

continuidade ou de homogeneidade, como diz Canguilhem (1995),

necessário seria traduzir qualquer diferença entre esses estados em

termos de quantidade. Mas a questão está, insisto, na impossibilidade de

determinação dessas quantidades – o que, aliás, é atestado pela própria

Schuler.

Vale dizer que a entrada na Aquisição da Linguagem não ocorre

somente pelo viés da Pragmática. Tendências comportamentalistas e

inatistas podem ser reconhecidas – e são mencionadas – nos trabalhos

sobre ecolalia. Assim, veremos expressões como “desempenho”,

“competência”, “capacidades lingüísticas humanas”, “uso criativo”, ao

Page 92: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

81

lado de outras como “imitação”, “extração e expansão de enunciados

pela criança”, em trabalhos diferentes, ou num mesmo. Também nesses

trabalhos, a questão normal versus patológico não deixa de ser tratada

como diferença num contínuo, mesmo porque inabalada fica a idéia de

“intenção comunicativa” da criança.

Na opinião de Schuler (1979), as ecolalias mitigadas seriam

semelhantes a produções que ocorrem durante a aquisição da linguagem,

mas, segundo a autora, no último caso essas falas sinalizariam

emergência da produtividade gramatical enquanto que, nas ecolálicas,

isso não ocorreria. Assim, por exemplo, na fala de crianças com ecolalia,

não aconteceriam reversões pronominais, indícios de uma falta de

“habilidade lingüística” fundamental. O mistério estaria, então, em dizer

porquê elas “não fazem uso de processos criativos”, diz a autora.

Mistério que, uma vez enunciado, deveria efetivamente ser enfrentado.

A resposta de Ford57, Shapiro & Lucy, Schuler e outros, para a

oposição normalidade versus patologia é a de associar graus de intenção

comunicativa a faixa etária – a uma linha de desenvolvimento. A

persistência da ecolalia, para além dos três anos de idade configuraria

uma repetição anormal. A explicação que se oferece para tal persistência

é a de que a ecolalia seria determinada por uma patologia subjacente

(orgânica), que produziria um desvio em relação às funções lingüísticas e

cognitivas encontradas na criança “normal”. No que diz respeito à

repetição patológica, à ecolalia, Palladino discorda de abordagens como

as acima. Ela diz que:

“a repetição denominada ecolalia é tratada [em trabalhos como os acima]

como sinal de algum problema outro que não da linguagem propriamente dita

57 R. Ford é filiado ao Departamento de Medicina Psicológica, King’s College Hospital em Londres.

Page 93: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

82

(...), é cronificada (por algum motivo estranho à linguagem) e vira sinal de

conduta patológica” (2000: 92-3).

Simon58 (1975), diferentemente de Ford, Shapiro e Schuler, opõe-

se a essa linha de explicação de cunho desenvolvimentista. Ela afirma

que o “eco” não é característico de nenhum dos estágios do

desenvolvimento da linguagem. Deve-se dizer, então, que a ecolalia seria

um acontecimento em si ou, então, seria expressão de um

desenvolvimento anormal de início. Ou seja, o patológico não pode ser

comparado e definido em relação à normalidade porque não seria desvio

de rota em um desenvolvimento. Surpreendente, no entanto, é que ela

diga que “falta à criança autista a estrutura profunda” (1975: 1441), já que ela

“utiliza” somente as estruturas superficiais da fala do outro. Note-se que

a pesquisadora faz uso de expressões chomskyanas, mas não sem

desvirtuar o cerne do pensamento de Chomsky. Não me estenderei numa

crítica, apenas gostaria de pontuar que, se a linguagem é inata, por

necessidade, “inata” seria a “estrutura profunda” (A respeito dessa

discussão, ver Landi, 2000).

Vê-se que esse modo de aproximação e de leitura de trabalhos de

aquisição de linguagem conduz a problemas no que diz respeito à

distinção entre normal e patológico. A ecolalia, enquanto sintoma,

parece resistir bravamente à aplicação de conceitos e de aparatos

descritivos da Lingüística e suas subáreas. A tentativa de aplicação não

serve ao propósito a que se destina, nem atende aos objetivos dos

pesquisadores, que chegam mesmo a declarar que seus resultados são

inconclusivos.

58 Nicole Simon é filiada à Divisão de Ciências do Comportamento em Cambrigde (MA).

Page 94: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

83

No âmbito da escassa literatura brasileira, merece destaque o

trabalho de Arantes no que tange à problemática normal versus

patológico. Esta fonoaudióloga tem se ocupado desse problema (Arantes,

1998 e 2000). Interessa-me mais de perto o artigo em que ela questiona o

uso indiscriminado do conceito de “especularidade” na Fonoaudiologia.

A pesquisadora recusa tanto explicações de repetições estranhas pela via

de um desvio de rota no desenvolvimento normal, quanto por negação ou

adjetivação ao termo “especularidade”. Admirável é que ela não tenha

uma resposta fácil e pronta para um problema ou mistério tão complexo.

Segundo a autora, a inadequação da aplicação de “especularidade”

a casos de patologia decorre antes de tudo, da sua própria definição que,

como vimos é constitutiva/estruturante da aquisição da linguagem e

também responsável pela subjetivação. Como, pergunta ela, frente a isso,

aplicar esse termo a casos sintomáticos em que o que se nota é que nem a

linguagem se estrutura, nem se reconhece um sujeito nessas falas? Ainda

que tenham um aspecto de mesmo, repetições produzem efeitos

diferentes que acabam tão encobertos quanto esvaziado é o termo

ecolalia.

Page 95: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

84

C O N C L U S Ã O

Esse trabalho parte dos efeitos que as “ecolalias” produziram em

mim como fonoaudióloga, como terapeuta de linguagem. Foram esses

efeitos que me desafiaram e me fizeram pensar sobre essas falas

sintomáticas. Eu disse que o primeiro encontro com essas reproduções

estranhas pediram leitura. Se num primeiro momento a especularidade,

processo definido por De Lemos, como que aplacou a exigência

acadêmica de produzir um relatório, espero que este trabalho tenha

podido mostrar que essa exigência não aplacou os efeitos produzidos em

mim por essas falas, ditas ecolálicas. Efeitos que não calaram mas, de

fato, alavancaram este trabalho.

Digamos que a primeira convicção resultante dessa inquietação foi

a de que “repetições” podem “salvar” ou “matar” uma fala, utilizando-

me aqui da metáfora de Delleuze, que amplio neste momento. É ele

quem diz que a repetição remete a “perdição e salvação”, ao “jogo da

doença e da saúde” (1968: 28). O efeito primeiro e essencial foi o de que

a repetição pode ser de natureza “positiva”, reflexo de um processo de

estruturação da linguagem e do sujeito, e “negativa”, patológica – uma

repetição refratária no que diz respeito a tal processo.

Foi por isto que nesta dissertação a especularidade serviu para

pensar essa diferença. Daí que uma questão pôde ser formulada: o que

faz de uma repetição algo que a qualifique como patológica? Para pensá-

la, voltei-me para essas falas no sentido de procurar apreender nelas o

“estranho”, para o quê, nelas, causava esse efeito de patologia. Disposta

Page 96: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

85

a investigar essa questão, aproximei-me de uma linhagem de

pesquisadores das ecolalias, que também se deixaram afetar por esta fala

e por esta questão.

Pude ler, no trabalho de alguns pesquisadores/clínicos, que

“ecolalias” eram repetições parciais ou totais da fala do outro, exatas,

automáticas, involuntárias; sem sentido e intenção comunicativa. Cada

uma – e todas – essas qualificações pareceram pertinentes. Concordei

com as intuições desses clínicos. Ocorre, porém, que se essas

caracterizações procuravam marcar diferenças entre normal e patológico,

elas não tinham, ao meu ver, a força de sinalizar diferenças notáveis

entre manifestações ditas ecolálicas, ou seja, não podiam abrigar a

heterogeneidade dessas manifestações.

De fato, pesquisadores procuraram ir além e voltaram, então, o

olhar para essas falas de crianças. Daí que apareceram expressões tais

como “imediata”, “tardia” e “mitigada” agregadas ao termo “ecolalia”.

Sob o efeito de “estranho” de uma repetição abrigavam-se

acontecimentos diferentes. “Tardia” fazendo oposição à “imediata”,

vinha para dizer de uma mesmice que remetia ao par presença/ausência

do outro - “fonte” da fala reproduzida (falas cristalizadas e/ou de

televisão). “Ecolalia tardia” passa, então, a designar menos uma “fala em

eco” no sentido estrito e mais uma produção que não pode ser admitida

como da criança.

Para mim, “ecolalia imediata” parecia redundante, ao passo que

“ecolalia tardia” inadequada. Eco é reverberação que pressupõe

presença da fonte de um dizer. Nesse caso, todo eco só pode ser

“imediato”, o que exclui a possibilidade de se falar, por outro lado, em

“eco tardio”, que seria uma fala indiferente à empiria de uma situação

dialógica, cujo reconhecimento de mesmice, é assumida como fala de

um outro e não da criança. A questão é se, do ponto de vista da criança,

Page 97: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

86

faz diferença falar em ecolalia “imediata” ou “tardia”, se o cerne da

questão é que ela não pode ter uma “fala própria” num caso e no outro,

que sua fala é sempre uma cola; se sua possibilidade de falar é reproduzir

o outro.

Interessa dizer que foi, também, esse voltar-se para a fala que

levou ao reconhecimento de que o “estranho” dessa mesmice podia

comportar “reestruturação” e “ modificação”, o que não deixa de soar

paradoxal, uma vez que ou bem se está falando de mesmice, ou bem de

diferença. É fato que esses autores foram movidos pelo “estranho”

dessas falas mas não me pareceu que a explicação que ofereceram tenha

sido apropriada. Importa que é frente às ditas ecolalias mitigadas que

veremos pesquisadores aproximando-se da Aquisição da Linguagem.

Mas, se o olhar aguça para certos aspectos da fala, se uma

heterogeneidade pôde ser inicialmente reconhecida, pesquisadores

parecem ter ficado mais “surdos” para as primeiras intuições clínicas.

Por exemplo, dizia-se que a ecolalia era repetição exata, automática,

involuntária, sem sentido e não-comunicativa. O que se verá é uma

recusa explícita a tais considerações. Influenciados por pesquisas em

Aquisição da Linguagem, eles dirão que nas ecolalias mitigadas há

intenção comunicativa e que as ecolalias, em geral, podem ser

categorizadas relativamente ao valor comunicativo das produções da

criança.

Assistimos, na leitura desses trabalhos, a uma proliferação de

categorias funcionais sendo aplicadas a falas da criança, sem que os

pesquisadores se dessem conta que com isso diluíam, em grande medida,

a distinção entre o normal e o patológico – que as primeiras

caracterizações buscavam delimitar. Entram, para se falar desta

reprodução que diz de uma condição patológica, categorias ligadas a

uma suposição de sujeito epistêmico, da consciência. Ora, se o erro já

Page 98: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

87

coloca questões para aportes cognitivistas (Lemos, 2000; Lier-De Vitto,

2000 a), que dirá uma fala sintomática. Que natureza de cognição se

poderia sustentar nesses casos?

Por outro lado, se esses estudos foram também alimentados por

certas considerações de Kanner (1943, 1946), parece-me que essa

aproximação foi equivocada na medida em que o autor faz menção a um

desejo da criança, que não eqüivale à intenção para se comunicar.

Kanner não admite qualquer esforço da criança para se aproximar do

outro. Ao contrário, ele fala em isolamento, em pacientes refratários à

sociabilização. A insistência de Kanner sobre o isolamento da criança me

parece mais apropriada para dizer de falas que, embora venham do outro,

não voltam para ele – uma fala que não liga, mas desliga a criança do

outro, que a deixa só.

Que todos os pesquisadores se deixaram tocar pelo “estranho” da

fala da criança, não resta dúvida, afinal, é ela que movimenta suas

buscas. No entanto, entre o estranhar e o tomá-la como foco de

observação, os pesquisadores parecem abandonar suas intuições,

colocando-se a tarefa de descrever essa fala. Procuram “codificá-la”,

classificá-la. Estabelecem-se “identidades patológicas”, em expressão de

Vorcaro (1997), que compõem um quadro nosográfico a que todo novo

caso possa ser referido.

Mas, a proliferação de “identidades patológicas” faz mais uma vez

lembrar o que diz Vorcaro: “quando não se encontra eqüivalência [entre o novo

sintoma e as identidades patológicas] acrescenta-se um sinal a um nome ou um nome à lista,

conduzindo a uma futura reclassificação de quadros patológicos” (1997: 40). Se esse é

o procedimento, não parece haver restrição a reclassificações, que

surgem na tentativa de dar conta do que fica de fora de um determinado

quadro nosográfico. Acontece que, de caso para caso, diferenças são

notáveis e notadas, mesmo que semelhanças possam ser reconhecidaT2:

Page 99: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

88

e é exatamente isso que sempre deixa um resto como inapreensível a

qualquer observação codificadora.

De fato, não há convergência entre os pesquisadores quanto a

valoração da intenção comunicativa ou quanto a determinação do

significado das produções da criança. Daí que sempre se pode

acrescentar um significado ou uma intenção a mais, o que faz aparecer,

acima de tudo, a subjetividade do pesquisador/clínico, ou seja, uma

projeção imaginária sobre a fala da criança.

Como disse, minha aproximação à Aquisição da Linguagem, ao

Interacionismo, mais especificamente, e à implicação do conceito de

especularidade foi outra: para pensar diferenças, sustentar

especificidades, que implicam a distinção entre normal e patológico e

também entre essas falas “estranhas” de crianças. Quero dizer que meu

movimento não foi de aplicação; foi um que decorre mesmo de uma

lição do Interacionismo, qual seja, a da preservação do heterogêneo.

Se há uma heterogeneidade indefinível e, portanto, ‘não

classificável’ de falas ditas ecolálicas, não se pode dizer que uma criança

é ecolálica, como aparece em muitos trabalhos, precisamente porque a

ecolalia pode não ser o todo de uma fala, mas um acontecimento

possível, que participa daquilo que produz efeito de patologia. Mesmo

que reconhecidas como patológicas, há sempre diferenças a considerar e

são essas diferenças que devem interrogar o investigador sobre a criança.

Ao trazer o conceito de especularidade para discutir as

reproduções, procurei mantê-lo em posição de alteridade, evitando

identificar uma à outra. Penso ter podido como disse, De Lemos,

“não (...) servir[-me] da teoria lingüística nem para descrever a fala da

criança, nem para representação de seu conhecimento, mas tomar [a

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89

especularidade] como um saber, que nos oferece restrições às respostas que

podem ser dadas ao que, da criança, nos interroga” (1999: 49).

Assim, procurei sustentar o reconhecimento de singularidades sob

o rótulo ecolalia e procurei sustentar o fato de que essa fala não coincide

com a de crianças em processo de aquisição da linguagem. Se ao lado

disso, a especularidade é “incorporação da fala do outro”, para dizer do

efeito patológico de uma coincidência entre fala da criança e fala do

adulto, parece que o mito de Narciso59 se presta a essa finalidade.

Diz-se que Eco foi amaldiçoada por Juno por tê-la distraído

com sua conversa, quando a deusa procurava surpreender seu marido

se divertindo com outras ninfas. Diante disso, Juno teria proferido as

seguintes palavras:

- Só falarás essa língua com a qual me iludiste, para uma coisa de

que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas

não poderás falar em primeiro lugar.

Ou seja, Eco foi condenada a reproduzir a última palavra que

ouvisse, sem poder dizer o que pretendesse. Nessa época, Eco ainda

tinha forma, não era apenas uma voz. A ninfa apaixonou-se por Narciso,

que caçava nas montanhas, e seguiu seus passos. Mas, condena que

estava a não poder dirigir-lhe palavras para conquistar seu afeto, esperou

que ele falasse primeiro. Certo dia, Narciso gritou procurando por seus

companheiroT2: “Há alguém aqui?” e ouviu “aqui”. Olhou em torno e

não viu ninguém. Gritou novamente: “Vem”, e ouviu mais uma vez:

“Vem”. Inquieto, replicou: “por que foges de mim?”. Essas palavras se

reproduziram e ele propôT2: “Vamos nos juntar”. Novamente, ouve o

que ele próprio disse. Eco aceita a proposta de Narciso, e corre na sua

59 Apresento acima a versão de Bulfinch e Ovídio.

Page 101: Ecolalia - Quem Fala Nessa Voz

90

direção pronta para se lançar em seus braços. Ao se aproximar,

entretanto, Narciso lhe diz: “Afasta-te, prefiro morrer a deixar que me

possuas”. Narciso foge. Rejeitada, desprezada e envergonhada, Eco

passou a viver em cavernas vazias, seu corpo definhou, suas carnes

desapareceram e dela só restou a voz. Sua presença/existência, só era

notada quando e toda vez que ecoava a última palavra proferida por

alguém.

Note-se que o sintomático da fala de Eco corre por conta “da

coincidência” com a fala do outro, de um “acerto” exagerado, de uma

mesmice pertubadora que, para Narciso, era equivalente à própria morte,

morte em vida. Mas o quê, nessa fala de Eco, produz esse efeito em

Narciso?

Vimos que a fala de Eco era uma condenação feita por Juno: a de

nunca falar em primeiro lugar, ou seja, a de não falar em primeira pessoa

– falar sem se enunciar como sujeito. Fala, portanto, vazia, desabitada.

Note-se que, diferentemente, as falas de Narciso eram perguntas

dirigidas ao outro e que esperavam respostas. Se assumirmos que toda

fala é uma demanda para o outro, podemos dizer que é o outro quem

legitima essa fala, quem reconhece nela uma posição e uma demanda.

Para isso, é preciso que o outro assuma uma posição diferente em relação

aquele que ‘falou primeiro’. Uma posição só pode ser definida em

relação à outra. Sem isso, há diluição de ambas as posições, o que é

aterrorizador. Narciso preferia morrer a ser possuído por Eco, ou seja,

ser ‘des-possuído’ de si, de sua fala. “Possuir”, nesse caso, é fazer duas

vozes virarem uma só. É ‘engolir’, ‘sugar’ esse falante outro, é não

reconhecer a alteridade, a diferença.

Pode-se chegar, então, mais perto de um entendimento das falas

dos pais de meus pacientes, que não reconhecem, no que seus filhos

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91

dizem, uma “fala”: “falar ele fala (...) e o pior é que ele fala”; ou então,

“não é aquela criança que dá para conversar (...) ele fica repetindo (...)

não tem resposta”. Falas que não respondem, mas reproduzem. “Pior”

que não falar é, portanto, falar deste modo.

Mas, e quanto Narciso frente a essa fala que só “responde”, ou

melhor, reproduz? Responder, na fala condenação de Juno, tem o sentido

de reproduzir. O que seria uma fala? Sempre uma demanda para o outro,

um pedido de legitimação do outro como falante. O que é preciso, então,

para reconhecer uma fala como tal? Não basta pronunciar palavras de

uma língua. Não basta, também, para o outro, que ele apenas reconheça

que as palavras pronunciadas sejam de sua língua (ver Novaes, 1995).

Parece que no caso da ecolalia o outro não pode reconhecer essa fala

como fala de criança, não pode, portanto, legitimá-la como fala.

Diferença notável em relação ao outro implicado na “especularidade”,

que legitima as produções da criança como fala.

Nas ecolalias o “falar a mesma língua” é obturado pelo “falar a

mesma coisa”, o que significa a não legitimação nem da criança, nem do

outro como falantes, uma vez que o outro não é sancionado em seu dizer

pela criança (e vice-versa). Na reprodução não há demanda para o outro,

e a fala se perde numa voz.

Acredito mesmo que o termo “re-petição”60, enquanto pedido,

demanda, seja inadequado para designar ecolalias. Como procurei

mostrar, meus pacientes pareciam não ter demanda para o outro, suas

falas não reclamavam resposta. Reprodução é recolocação do mesmo,

sem diferença. A rigor, diferença pode haver se considerarmos casos, em

que, empiricamente a criança não repete o todo da fala do outro, apenas

parte. Intrigante é que, mesmo essa diferença entre falas é obscurecida

60 Agradeço á Dora Ângela Vorcaro por esta pontuação.

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92

nas ecolalias. Talvez porque a reprodução de fragmento venha como

uma reverberação, um prolongamento da fala da terapeuta que não faz

distinção entre falas e cria obstáculo a instituição de um diálogo.

O impacto maior desta dissertação sobre mim remete a questões

relacionadas à clínica de linguagem, à minha posição como terapeuta e à

necessidade de discussão sobre a “interpretação”. Se, como disse, minha

direção neste trabalho foi outra, admito que permaneço indagada por

essas falas que agora passam a interrogar minha atuação como terapeuta.

Se essas falas produzem o efeito de não serem reconhecidas como

falas, não me parece possível e plausível sustentar o mesmo para um

clínico de linguagem. Entendo que ele não pode fazer como Narciso, que

ele deve enfrentar a condenação de uma fala de não ser admitida como

tal. Não vou me precipitar e correr o risco de recobrir estas questões com

explicações apressadas. Para o próximo passo fica, então, a questão: o

que legitimaria o outro na posição de terapeuta frente a essas falas?

Trata-se de uma questão clínica.

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