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Especial | 9 de Janeiro, 2013 | 69 Sérgio Besserman Maria Helena Guimarães Castro Gustavo Franco Armando Castelar Armínio Fraga Edmar Bacha Joaquim Falcão André Medici Claudio Beato Jairo Nicolau Raul Velloso soluçõEs VEJA propôs a algumas das melhores cabeças do Brasil o desafio de pensar soluções radicais e eficientes para acelerar o ritmo de crescimento da economia e colocá-la em outro patamar Ronaldo FRança a lém da fortuna de 44 bilhões de dólares, o investidor Warren Buffett, que mora desde 1958 na mesma casa, comprada por 31 000 dólares, e almoça no mesmo restaurante simples, no centro de omaha, nos estados Unidos, é famo- so por seu bom-senso. Buffett tornou-se bilio- nário também por ter uma visão clara e simples sobre o funcionamento de coisas complexas. durante a campanha por sua reeleição, o presi- dente Barack obama foi um grande populariza- dor de um dos claros raios ordenadores que saem da mente sem ornamentos de Warren Buffett. aonde ia, obama reafirmava seu apoio à “re- gra Buffett” , segundo a qual “nenhum ameri- cano rico deveria pagar menos impostos do que sua secretária, proporcionalmente aos ganhos de cada um”. obama refraseou o enunciado dando-lhe um revestimento mais dramático de palanque: “nenhuma família que ganhe mais de 1 milhão de dólares por ano deve pagar um porcentual de impostos menor do que paga uma família de classe média”. Por mais enigmáticas que sejam, as distorções do sistema tributário tiveram na formulação Buffett-obama sua mais límpida e curta definição — aquela que ao fazer Economista e ex-presidente do Banco Central, é sócio-fundador da Gávea Investimentos Economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE, foi um dos criado- res do Plano Real Ex-diretor adjunto de Estatísti- cas Sociais e População do IBGE, foi consultor da Cepal, Unicef e OIT Professor titular do Departamento de Socio- logia da UFMG e coorde- nador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública Professor da escola de direito da FGV e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Cientista político e professor titular da UFRJ. Doutor em ciência política pelo Iuperj Economista, ex-secretário de assuntos eco- nômicos do Ministério do Planejamento e Ph.D. em economia pela Universidade Yale 68 | 9 de Janeiro, 2013 | Economista e ecologista, é professor do Departamento de Economia da PUC/RJ ExistEm. Basta usar Diretora executiva da Fundação Seade, ex-pre- sidente do Instituto Na- cional de Estudos e Pes- quisas Educacionais do MEC e ex-secretária de Educação de São Paulo Ex-presidente do Banco Central, professor do Departamento de Economia da PUC/RJ e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos Coordenador de Econo- mia Aplicada do Ibre/FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ. Ph.D. em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley arte soBre fotos ernani d’almeida; claUdio gatti; leandro Badalotti; cristiano mariz e claUdio Beato

Economista, B ExistEm. de Economia da PuCr dio Basta usar …direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/Veja JF.pdf · 2014-09-10 · guilherme de occam, ... que mostre os ganhos

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EspecialEspecial

≤ | 9 de Janeiro, 2013 | 69

Sérgio Besserman

Maria Helena Guimarães Castro

Gustavo Franco

Armando Castelar

Armínio Fraga Edmar Bacha

Joaquim Falcão

André Medici

Claudio Beato

Jairo Nicolau

Raul Velloso

soluçõEs

VEJA propôs a algumas das melhores cabeças do Brasil o desafio de pensar soluções radicais e eficientes para acelerar o ritmo de crescimento da economia e colocá-la em outro patamar

Ronaldo FRança

além da fortuna de 44 bilhões de dólares, o investidor Warren Buffett, que mora desde 1958 na mesma casa, comprada por 31 000 dólares, e almoça no mesmo restaurante simples, no

centro de omaha, nos estados Unidos, é famo-so por seu bom-senso. Buffett tornou-se bilio-nário também por ter uma visão clara e simples sobre o funcionamento de coisas complexas. durante a campanha por sua reeleição, o presi-dente Barack obama foi um grande populariza-dor de um dos claros raios ordenadores que saem da mente sem ornamentos de Warren Buffett. aonde ia, obama reafirmava seu apoio à “re-gra Buffett” , segundo a qual “nenhum ameri-cano rico deveria pagar menos impostos do que sua secretária, proporcionalmente aos ganhos de cada um”. obama refraseou o enunciado dando-lhe um revestimento mais dramático de palanque: “nenhuma família que ganhe mais de 1 milhão de dólares por ano deve pagar um porcentual de impostos menor do que paga uma família de classe média”. Por mais enigmáticas que sejam, as distorções do sistema tributário tiveram na formulação Buffett-obama sua mais límpida e curta definição — aquela que ao fazer

Economista e ex-presidente do Banco Central, é sócio-fundador da Gávea Investimentos

Economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE, foi um dos criado-res do Plano Real

Ex-diretor adjunto de Estatísti-cas Sociais e População do

IBGE, foi consultor da Cepal, Unicef e OIT

Professor titular do Departamento de Socio- logia da UFMG e coorde- nador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública

Professor da escola de direito da FGV e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça

Cientista político e professor titular da UFRJ. Doutor em ciência política pelo Iuperj

Economista, ex-secretário de assuntos eco-nômicos do Ministério do Planejamento e Ph.D. em economia pela Universidade Yale

68 | 9 de Janeiro, 2013 | ≤

Economista e ecologista, é professor do Departamento

de Economia da PUC/RJExistEm. Basta usar

Diretora executiva da Fundação Seade, ex-pre-sidente do Instituto Na-

cional de Estudos e Pes-quisas Educacionais do MEC e ex-secretária de

Educação de São Paulo

Ex-presidente do Banco Central, professor do Departamento de Economia da PUC/RJ e

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Coordenador de Econo-mia Aplicada do Ibre/FGV

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Toda atividade governamental terá de provar ter custo menor do que o benefício social proporcionado.

Fica entendido que são básicos os direitos à Previdência, saúde e educação garantidos pela Constituição. Quem quiser luxo e tratamentos complexos deverá recorrer a seguradoras privadas.

o diagnóstico do problema fornece tam-bém sua solução.

Há algum tempo, Buffett já dera em um outro problema complexo, o do défi-cit público, mais de suas “navalhadas de occam” — expressão derivada do cada dia mais citado e imprescindível ensina-mento do escolástico medieval inglês guilherme de occam, segundo quem, entre soluções equivalentes para um pro-blema, a mais simples é sempre a me-lhor. disse Buffett: “eu sei como elimi-nar o déficit público em cinco minutos. toda vez que o déficit ultrapassar 3% do produto interno bruto (PiB), todos os in-tegrantes do congresso ficam impedidos de candidatar-se à reeleição”.

VeJa convidou alguns dos melho-res pensadores do Brasil para exercita-

Que problema resolveriaO gasto social do governo brasileiro é de 20% do produto interno bruto (PIB). Mas qual é a medida do bene-fício que esse gasto proporciona? Ninguém sabe. Ninguém mediu. Quando não se mede algo, qualquer afirmação sobre seus resultados é um exercício de adivinhação. Bacha sustenta que, se o governo passar a aferir com rigor seus resultados, suas ações tenderão automaticamente a ser mais efetivas — e a custar muito menos para o bolso dos pagadores de impostos. Ele lembra que Austrá-lia e Inglaterra conseguiram reduzir drasticamente seus custos sociais e aumentar sua eficiência depois de introduzir mecanismos de avaliação a partir da década de 80. É hora de o Brasil fazer o mesmo.

Efeito positivo imediatoCom a aferição de resultados, os 11% do PIB que a Previdência Social leva anual-mente seriam mais do que suficientes para cumprir seu papel. Só com a Previdência, o Brasil economizaria de imediato cerca de 3,5% do PIB.

Quem é contraOs suspeitos de sempre. Primeiro, os buro-cratas cuja carreira independe do desempe-nho e que abominam a ideia de ser avalia-dos segundo um parâmetro absolutamente técnico. Os muitos políticos que gastam nosso dinheiro de acordo com seus interes-ses eleitorais, e não com os do Brasil.

Como convencer os incrédulosEncomendar ao Banco Mundial um estudo que mostre os ganhos comparativos obtidos por países que adotaram métodos objetivos de avaliação de gastos sociais. Contra da-dos não há argumentos.

�Edmar Bacha

Que problema resolveriaConserta-se imediatamente a lenta e segura distorção do preceito constitu-cional que fez dos serviços públicos brasileiros de educação, saúde e previ-dência privilégios das camadas mais ri-cas da população. Um exemplo: quem tem mais dinheiro consegue colocar seus filhos em melhores escolas priva-das e garantir-lhes universidades gra-tuitas. Outro: com dinheiro é possível contratar advogados e obrigar na Justi-ça que o governo pague tratamentos médicos caros, ainda em estágio expe-rimental, sem resultado positivo cienti-ficamente comprovado.

Edmar Bacha

FAzER MAiS CoM MENoS

GAStoS SoCiAiS pARA quEM pRECiSA

Efeitos positivos imediatosInvertem-se imediatamente realidades perversas como esta, registrada no cam-po da saúde pública: mais de 13% dos clientes de serviços médicos públicos pa-gam os próprios planos privados de saú-de — enquanto 30% das pessoas com renda menor do que um quarto de salário mínimo mensal não têm acesso aos ser-viços médicos públicos e gratuitos.

Quem é contraTodos os atuais privilegiados beneficiá-rios dos direitos nascidos da interpreta-ção distorcida do preceito constitucional da universalidade dos serviços públicos.

Como convencer os incrédulosQuando o beneficiário tiver de pagar do próprio bolso por luxo ou privilégios, as universidades públicas, os serviços de saúde e a Previdência consumirão muito menos recursos. É possível demonstrar isso por meio de estudos independentes, abrangentes, irrefutáveis, com quadros comparativos internacionais, que podem ser encomendados ao Banco Mundial.

ProPosta radiCal  Buffett: “Toda vez que o déficit público dos EUA ultrapassar 3% do PIB, todo 

o Congresso fica impedido de candidatar-se à reeleição”

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EspecialEspecial

Ficam proibidas as doações de empresas a candidatos e partidos. As doações de pessoas físicas não podem exceder de 15 000 reais.

Deixam de existir as emendas parlamentares individuais sobre o Orçamento.

A tarifa máxima de importação será de 10%, e fica proibida a exigência de conteúdo nacional nos financiamentos do BNDES e nas compras governamentais.

rem suas afiadas navalhas de occam sobre problemas nacionais que têm tei-mado em permanecer como pesos ex-tras, muitas vezes paralisantes, por pa-recer complexos demais para ser ata-cados de forma eficiente e imediata. as soluções propostas pelos economistas, sociólogos, educadores e estudiosos de outros campos do conhecimento ouvi-dos por VeJa têm todas o poder trans-formador imediato daquelas formula-das pelo americano Warren Buffett. além de serem expoentes acadêmicos, os estudiosos ouvidos pela revista já ocuparam posições estratégicas na má-quina governamental. Portanto, conhe-cem as questões em toda a sua comple-xidade. o conjunto é uma fabulosa contribuição, pois ilumina pontos es-senciais para impulsionar o desenvol-vimento e diminuir a desigualdade no país. o franciscano guilherme de occam, com toda a certeza, aplaudiria.

comecemos por uma dessas nava-lhadas, dada pelo sociólogo claudio Beato. ele vai ao cerne da questão da criminalidade urbana ao definir, como faz a medicina chinesa, o sintoma co-mo a doença — quando há queixa, há problema. aplicada ao combate do cri-me, a proposição de Beato é que as au-toridades passem a monitorar, além dos indicadores objetivos de assassinatos e roubos, o sentimento de insegurança das pessoas. Um “medômetro” parece abstração acadêmica? não é. Passar a medir também o grau de medo das pes-soas em relação ao crime modifica tam-bém a maneira como o delito é comba-tido pela polícia. diz Beato: “Haveria uma reorientação do trabalho policial. em vez de combater o crime como quem vai para uma guerra, em que vale tudo, as polícias seriam valorizadas por priorizar a integridade física e a tran-quilidade dos cidadãos”.

a navalhada de Joaquim falcão, professor da escola de direito da fun-dação getulio Vargas, tem outro alvo: a corrupção. seu enunciado: “os gover-nos serão obrigados a pagar em dia”. Parece uma medida inócua. mas quan-do destrinchada ela revela seu poder. como se sabe, os governos maus paga-dores abrem o flanco para todo tipo de venda de facilidades dentro da máquina pública emitindo os famosos precató-rios para rolar a dívida. os credores,

Que problema resolveriaTraria um aumento exponencial na ta-xa de produtividade, o único motor testado e capaz de garantir o cresci-mento sustentado e não inflacionário das economias. O Brasil tem uma das economias mais fechadas do mundo. Apresenta o menor coeficiente de im-portação (indicador que mede o valor das importações no consumo da

piBão

MENoS CoRRupção

Que problema resolveriaAs doações legais e ilegais pelas empre-sas estão na raiz dos dois maiores escândalos eleitorais do Brasil (o im-peachment de Fernando Collor e o escândalo do mensalão são dois exem-plos). A adoção de uma legislação eleito-ral mais simples, baseada na francesa, com proibição de doação de empresas, definição de um limite de gastos e puni-ções severas, reduziria os custos de cam-panha e diminuiria o apetite dos candi-datos por mais e mais recursos — o que os deixa reféns dos doadores depois de eleitos.

Efeito positivo imediatoNas eleições municipais de 2008, os candidatos declararam ter gastado cerca de 2,8 bilhões de reais, mas não é possí-vel estimar os valores não declarados. Com a nova lei, as campanhas ficariam mais baratas, mais equilibradas. O caixa dois diminuiria, caso se estabelecessem mecanismos eficientes de controle e fos-sem adotadas punições mais severas.

� Jairo Nicolau

Que problema resolveriaAcabaria de vez a resistente praga de usar dinheiro do contribuinte brasileiro para atender aos interesses locais dos deputados federais. Essa prática clientelista em geral se resume a dar a prefeitos dinheiro sem fiscalização para a execução de projetos inúteis e hiperfaturados.

Efeitos positivos imediatosA farra das emendas custa hoje 21 bilhões de reais por ano. Esses recursos passariam a ser canalizados para projetos nacionais prioritários e escolhidos com base em critérios transparentes.

Quem é contraOs deputados, prefeitos e toda a clientela desse dinheirão.

Como convencer os incrédulosEncomendar a uma auditoria ou um grupo delas um relatório tecnicamente irrefutável sobre o retorno econômico e social das emendas nos últimos vinte anos. A ineficácia do modelo ficaria tão óbvia que sua exposição ao público na internet seria uma arma eficaz para enterrar a atual prática clientelista.

� Sérgio Besserman

Quem é contraSegmentos da elite política acreditam que a melhor opção para o Brasil é a adoção do fi-nanciamento público, modelo que não foi ex-perimentado em nenhum país e que tem po-tencial de corrupção maior do que o propicia-do pelo atual modelo. A proposta de uma lei mais restritiva afetaria os interesses dos que utilizam os recursos de campanha para fins ilícitos e de doadores prontos a cobrar favores dos eleitos mais tarde.

Como convencer os incrédulosA França fornece um exemplo convincente. No começo de 2000 sua legislação proibiu as empresas de doarem, criou um teto para doa-ções de pessoas físicas e estabeleceu um li-mite de gastos por candidato em cada cam-panha. Como resultado, as campanhas eleito-rais na França ficaram mais baratas. As elei-ções presidenciais de 2007 custaram 54 mi-lhões de dólares, quase um terço do que foi gasto nas eleições presidenciais brasileiras de 2010, e a corrupção, embora não existam ain-da indicadores objetivos, deve ter diminuído na mesma proporção dos gastos eleitorais.

indústria) entre os países mem- bros da Organização Mundial do Comércio (OMC), amargando um 155º lugar. Sem se exporem à con-corrência internacional e sem se in-tegrarem às cadeias produtivas inter-nacionais, a indústria e as empre-sas brasileiras em geral não ganha-rão produtividade, serão ineficientes e só existirão sob o protecionismo.

Efeitos positivos imediatosÉ também através da importação que se introduz, na economia, o desenvolvi-mento tecnológico. O melhor exemplo é a Embraer, modelo empresarial bem-sucedido, que importa 70% das peças de um avião. Seus jatos, equipados com motores Rolls-Royce ingleses, competem em condições de igualdade com os melhores fabricantes mundiais.

Quem é contraOs setores industriais beneficiários da proteção contra as importações e os burocratas que derivam seu prestígio junto aos empresários do poder de determinar essa proteção.

Como convencer os incrédulosLembrar o exemplo mais dramático e definitivo dos ganhos sociais de abrir a economia: a China.

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�� Edmar Bacha

EspecialEspecial

É direito individual de cada trabalhador decidir como aplicar sua poupança.

Os contratos de trabalho passam a ser de natureza civil e inteiramente negociáveis entre as partes — com exceção dos casos em que o salário do trabalhador estiver na faixa de isenção do imposto de renda. Toda mãe terá direito a votar em cada

eleição tantas vezes quantos forem seus filhos menores de 16 anos.�

então, se atropelam para receber — o que pode levar muitos anos em alguns casos. entram em cena os funcionários dispostos a ajudar em troca de propina, e a corrupção abre um sorriso de orelha a orelha. outro subproduto devastador do fato de os governos atrasarem seus pagamentos: os prestadores de serviço embutem esses atrasos nos preços e as obras passam custar 30%, 40% e até 50% mais. obrigar os governos a pagar em dia, portanto, derrubaria todo esse esquema nocivo. de uma navalhada só. falcão calcula que, se os governos de todos os níveis fossem obrigados a sal-dar seus precatórios, cerca de 92 bi-lhões de reais seriam injetados na eco-nomia brasileira, um estímulo monetá-rio capaz, sozinho, de acrescentar al-guns pontos na taxa de crescimento do PiB. É um resultado grandioso para uma ação tão simples: governos que pagam em dia.

talvez o melhor exemplo de pro-blema considerado insolúvel no Brasil seja o déficit da Previdência social, uma bomba-relógio de 94 bilhões de reais programada para explodir daqui a algumas décadas e ceifar as chances de milhões de indivíduos das novas gera-ções de ter a aposentadoria assegurada na velhice.

o economista sérgio Besserman formula um elegante “gedankenexpe-riment”, expressão alemã que define um raciocínio lógico fácil de acompa-nhar: “Uma pessoa sabe que precisa emagrecer. ela confirma essa necessi-dade olhando-se todos os dias no espe-lho — durante décadas. mesmo assim nunca encontra forças para decidir fa-zer dieta. imagine agora a dificuldade de convencer não um indivíduo mas to-da uma coletividade da necessidade de agir sobre um problema, o déficit da Previdência, que as pessoas nem con-seguem enxergar”.

tão ou mais complexa do que o problema do déficit da Previdência era a fábrica de inflação que existia no Brasil antes do Plano real — cada es-tado gastava quanto queria e financia-va seu próprio déficit em um processo ardiloso feito pelos bancos estaduais estatais, que equivalia ao poder de emitir moeda. a navalhada veio com a lei de responsabilidade fiscal (lrf), promulgada em maio de 2000, durante

A FoRçA doS CoNtRAtoS

Que problema resolveriaA atual legislação tira do trabalhador o di-reito de decidir sobre sua poupança e lhe dá remuneração menor do que a média de mercado. O rendimento de 3% ao ano mais TR é muito inferior ao que o trabalha-dor obteria investindo em um fundo DI, que pode render 7,2% ao ano. O FGTS deixaria de ser um imposto disfarçado, co-brado compulsoriamente e usado para pa-gar despesas governamentais — tais como os investimentos em habitação — e se tor-naria um efetivo mecanismo de poupança, previdência e segurança do trabalhador. A poupança dos trabalhadores deixaria de abastecer o BNDES, que financia setores

que dão baixíssima contribuição para o desenvolvimento da economia brasileira.

Efeitos positivos imediatosMaior flexibilidade e capacidade de inves-timento da economia brasileira.

Quem é contraOs escolhidos pelo governo para receber recursos subsidiados custeados pela baixa remuneração da poupança dos trabalhadores.

Como convencer os incrédulosSão abundantes e convincentes os exem-plos de adoção desse modelo em países que resolveram o problema da pensão dos trabalhadores dando a eles o direito de decidir sobre ela.

MAiS diNHEiRo No BolSo� Gustavo Franco

� Gustavo Franco

Que problema resolveriaOs encargos sociais que incidem sobre a folha de pagamento dobram o valor dos salários e se tornam um peso para as empresas, sem que isso reverta em benefício do trabalhador. O FGTS é uma contribuição compulsória cujo rendi-mento anual, de TR mais 3% ao ano, é inferior à inflação e às piores aplicações financeiras do mercado.

Efeitos positivos imediatosA livre negociação dos contratos de tra-balho daria maiores ganhos aos traba-lhadores e novas possibilidades de redu-ção no peso da folha de pagamento pa-ra as empresas. Outras formas de prote-ção ao emprego poderiam ser utilizadas. Por exemplo, apólices de seguro privadas ou a garantia dada por fundos públicos específicos para esse fim. Às empresas o

novo modelo seria muito adequado, não por poderem demitir trabalhadores sem maiores custos, como se pensa, mas por poderem remunerar muito melhor os fun-cionários imprescindíveis.

Quem é contraAs centrais sindicais, a máquina da Jus-tiça do Trabalho, a parte da burocracia estatal que vive do uso dos recursos do FAT e do FGTS e um grande número de trabalhadores que não conseguem en-xergar os benefícios da livre negociação.

Como convencer os incrédulosCom a mobilização das empresas, que podem demonstrar na prática que o valor dos contratos negociados livre-mente é maior e gera mais responsabi-lidades mútuas do que toda a parafer-nália de sindicatos, Justiça do Trabalho e burocracia estatal.

Que problema resolveriaAs reformas vitais para o estado, como a da Previdência, pade-cem de uma crônica impopulari-dade porque, caso aprovadas, li-mitariam os benefícios das gera-ções atuais em favor da estabili-dade para as gerações futuras. Parte das dificuldades de tomar decisões cujos resultados virão a longo prazo ocorre simples-mente porque os eleitores mais velhos tendem a pensar em so-luções que os beneficiem. Uma mãe de muitos filhos menores é bem mais capaz de votar pen-sando no bem-estar das gera-ções futuras, mesmo que seja

obrigada a sacrificar agora a própria comodidade.

Efeitos positivos imediatosAo votarem levando em conta o interesse de seus filhos e netos, as mães vão ajudar a eleger po-líticos com visão responsável do futuro. A lógica vale tanto para a Previdência quanto para as leis de preservação ambiental ou de investimentos.

Quem é contraOs políticos que só pensam na próxima eleição e nunca na pró-xima geração.

Como convencer os incrédulosObter uma maioria que se preo-cupe com o longo prazo basta.

� Armínio�Fraga

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EspecialEspecial

o diretor de escola monta a própria equipe. se o desempenho dos alunos nas avaliações não atingir as metas, o diretor será afastado e substituído por um vice-diretor de escola da mesma região que atingiu ou superou as metas.

Todo processo tem de ser concluído em, no máximo, três anos. A promoção de magistrados dependerá da regularidade no cumprimento desse prazo.

o governo de fernando Henrique car-doso, como parte das reformas estru-turais que se seguiram ao Plano real. a lei conseguiu impedir que governa-dores e prefeitos gastem mais do que arrecadam. também impõe limites aos poderes Judiciário e legislativo dos estados.

Parecia impossível de ser aplicada. mas a lrf pegou e foi fundamental na redução do déficit público e da dívida pública, como reconheceu posterior-mente o próprio ministro da fazenda, guido mantega, como todo o Pt, críti-co inicial do plano.

outra solução radical e simples pa-ra um problema que parecia inaplicá-vel no Brasil acaba de ser desfechada com sucesso: é a lei da ficha limpa, segundo a qual políticos com proble-mas não resolvidos com a Justiça não podem se candidatar por oito anos. o mesmo vale para quem tiver o mandato cassado, ainda que renuncie antes, pa-ra tentar escapar da degola. ela foi aprovada para estas eleições depois de quinze anos de discussões e manobras de postergação. o que fez com que a lei finalmente saísse do papel para lim-par as urnas foi o manifesto popular com 1,3 milhão de assinaturas que cir-culou pela internet, nas redes sociais. a capacidade de pressão da internet sobre governos é uma força de mobili-zação transformadora cuja eficiência vem sendo testada com sucesso em to-das as partes do mundo — da Primave-ra Árabe no oriente médio aos protes-tos contra a recessão e o desemprego na europa.

as implicações do surgimento da internet se somam aos impactos de ou-tro fenômeno de massa recente: a as-censão vigorosa da classe média, que fez com que uma massa de 40 milhões de brasileiros passasse a conhecer no-vas possibilidades, incluindo seus direi-tos como cidadãos. com a experiência de quem já implementou dois planos econômicos — é o decano entre os fun-dadores do Plano real —, o economista edmar Bacha alerta para as consequên-cias — benéficas, ressalte-se — desse movimento de ascensão de uma larga parcela da população a um novo pata-mar. “as ambições e os interesses dessa parcela da sociedade serão fatores deci-sivos nas mudanças e na implementa-

Que problema resolveriaA baixa qualidade do ensino é um pro-blema persistente com o qual o Brasil ainda não sabe lidar. O país ocupa a 54ª posição no Programa Internacio-nal de Avaliação de Estudantes (Pisa). A mais recente edição da Prova Brasil, divulgada agora, mostra que o conhe-cimento dos alunos de nível médio nas escolas públicas é menor do que o dos alunos do último ano do ensino fundamental das escolas privadas. Melhorar a qualidade e a equidade do sistema educacional é o grande desa-fio do país.

Maria Helena Guimarães Castro

ESColAS quE ENSiNAMJuStiçA RápidA

Que problema resolveriaNo Brasil, o tempo médio de emissão de sentença para um processo civil era de mais de cinco anos em 2008. Há estados em que o tempo médio passa de dez anos. Nas causas contra o setor público, a situação é ainda pior, devido à dificuldade de receber os precatórios: ganha-se, mas não se leva. Entre os exemplos, estão as causas contra o INSS que duram mais de vinte anos.

Efeitos positivos imediatosHoje, a culpa da morosidade é de todos, mas não é de ninguém em especial. A responsabilização de magistrados e dos altos funcionários da Justiça vai es-timular quem mais tem condição de fa-

zer algo a respeito a buscar uma solu-ção, mesmo quando eles não forem os responsáveis diretos pelo problema.

Quem é contraOs Tesouros municipal, estadual e fede-ral, que não dão o dinheiro para pagar esses compromissos, e setores mais corporativistas da magistratura, que costumam se opor a todas as ações que impliquem avaliações mais rigoro-sas de desempenho.

Como convencer os incrédulosCom a adoção de metas de desempe-nho, a publicação frequente de indica-dores, o tratamento da questão de for-ma impessoal, o reconhecimento e a premiação dos juízes que mais avança-rem na redução da morosidade.

Efeitos positivos imediatosA avaliação dos diretores impede a acomodação e estimula os bons pro-fissionais a buscar seu espaço, tor-nando as redes de ensino mais efeti-vas. Nos países que se destacam no Pisa, como Finlândia e Canadá, os di-retores têm autonomia para nomear suas equipes e respondem pelo de-sempenho de suas unidades.

Quem é contraOs sindicatos e os profissionais de educação em situação de conforto com a falta de avaliação de metas objetivas.

Como convencer os incrédulosA adoção de políticas arrojadas de premiação aos melhores e a garantia de condições adequadas de funciona-mento das escolas fixariam nas pes-soas o conceito do mérito como for-ma de ser promovido na carreira.

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� Armando Castelar

EspecialEspecial

Os sistemas público e privado de saúde obedecerão às mesmas regras e vão competir por pacientes. �

O volume de investimento anual do governo em transporte não pode baixar de 1,4% do PIB. Os membros do Congresso e do Executivo com poder sobre o setor no ano em que o índice cair abaixo de 1,4% do PIB ficam inelegíveis por quatro anos.

Que problema resolveriaDaria um gás no crescimento do PIB. A poupança pública é negativa. Leia-se: o governo não tem dinheiro para investir na melhora da infraestrutura do país. A atração de investimentos de longo prazo para construir estra-das, portos e aeroportos tem sido de-sestimulada pela desvalorização da taxa de câmbio, medida protecionista para a indústria brasileira. Com uma regra forte como a proposta, obrigan-do o governo a investir, ele teria de cortar gastos de custeio para liberar recursos produtivos. Só isso já seria um grande passo na direção correta.

Efeitos positivos imediatosO investimento em transportes é vital para destravar o gargalo da infraes-trutura. O governo investe hoje so-mente um terço do que investia nos anos 70, em proporção ao PIB. Caso investisse o mesmo que os países de

renda média semelhante à brasileira, o impacto seria tão positivo que o PIB da América Latina inteira aumen-taria 2 pontos porcentuais por ano.

Quem é contraO próprio governo, que não vai gostar de ter uma espada sobre a cabeça num assunto em que ele vem mostran-do muita dificuldade para comandar, e o Congresso, que não se sente respon-sável por esse fracasso, embora seja.

Como convencer os incrédulosUma maneira de diminuir a resistên-cia no Congresso seria estabelecer, em um primeiro momento, uma regra que impusesse a perda de mandato aos membros da Comissão de Orça-mento. Assim, esses parlamentares, que têm responsabilidade direta em liberar verbas para o investimento em infraestrutura, seriam os maiores in-teressados em produzir resultados positivos para o Brasil. Raul Velloso

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ção de novas leis”, afir-ma. Bacha acredita que o marco da primeira manifestação desse gru-po foi o fim da contri-buição provisória sobre movimentações finan-ceiras (cPmf). “foi es-sa manifestação, ainda que incipiente naquele momento, que definiu o jogo em favor do fim da cPmf. outras virão. o governo será obrigado a repensar muitas polí-ticas públicas que hoje beneficiam principal-mente os mais ricos”, diz Bacha.

Um claro exemplo de privilégio que tende à obsolescência em fu-turo próximo é revela-do na proposta do eco-nomista andré medici, que aponta uma grave distorção nas contas do sistema único de saú-de. criado com um bom propósito — ga-rantir o acesso univer-sal dos brasileiros aos serviços de saúde —, o sistema foi distorcido. a classe média mais abas-tada, que pode pagar plano de saúde e consultas particulares, busca os recur-sos do sUs toda vez que o tratamento não é coberto pelo plano, através de ações judiciais. os recursos utilizados para pagar essa conta, que supera hoje os 8 bilhões de reais por ano, fazem falta no atendimento básico, utilizado pela grande maioria da população mais pobre. a contribuição de todos os brasileiros ajuda a pagar um siste-ma que, no fundo, beneficia mais uns do que outros. mudar essa situação é o dilema dos governantes. como alertou o filósofo inglês John stuart mill em seu clássico Sobre a Liberdade, mag-nífica obra fundadora das teses do li-beralismo: “Uma das questões mais difíceis e complicadas da arte de go-vernar é determinar o ponto em que começam os males (...) da aplicação coletiva da força da sociedade (...) para a remoção dos obstáculos que estão no caminho do seu bem-estar”. ß

Que problema resolveriaA fronteira que separa atualmente os setores de saúde público e privado é ilusória. Muitos dos recursos públicos para a área de saúde acabam sendo utilizados para complementar os custos de exames e tratamentos que deveriam estar sendo integralmente pagos pelos planos de saúde con-tratados pelos pacientes privados. Reconhecer es-sa ilusão e submeter os dois regimes, o público e o privado, a regras únicas traria imediata transpa-rência a respeito da origem dos recursos para a saúde e também sobre quem está realmente sen-do beneficiado pelo dinheiro público.

Efeitos positivos imediatosAbriria mesmo aos mais pobres a opção de con-tratar planos privados de saúde, cujos preços se-riam subsidiados para quem, efetivamente, não pode pagar. Assim os mais pobres entrariam no sistema privado em igualdade de condições com os que podem pagar. O efeito positivo mais notável viria do fato de que haveria uma saudável compe-tição por pacientes entre o sistema público de saúde e os planos privados. Aliando-se isso ao fato

de que o poder de decisão ficaria nas mãos dos pacientes, mesmo os mais pobres, é fácil a conclu-são de que haveria uma melhora dos serviços ofe-recidos tanto do lado estatal quanto do privado.

Quem é contraOs defensores mais radicais do SUS, que defen-dem a tese de que o sistema de saúde no Brasil tem de ser integralmente estatal e, em consequên-cia, sem regras de controle sobre a qualidade do trabalho médico. Alguns planos de saúde menos inovadores e, claro, usuários de planos de saúde temerosos de perda na qualidade assistencial a que têm acesso hoje.

Como convencer os incrédulosNão seria difícil convencer a grande maioria, dado que a possibilidade de ampliar a livre escolha pa-ra os que hoje só têm o SUS seria claramente uma vantagem. Os atuais usuários de planos de saúde teriam de se convencer de que a mudança não traria perda alguma de qualidade — basta ver a excelência do atendimento médico oferecido hoje por bons hospitais universitários, especial-mente os de São Paulo.

� André Medici

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