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83 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NOS CURSOS NA ÁREA DE SAÚDE DA UEL: UMA ANÁLISE DAS EMENTAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS DO CURSO DE ODONTOLOGIA Yvi Striquer Bisotto UEL/Londrina/PR [email protected] Silmara Sartoreto de Oliveira UEL/Londrina/PR [email protected] RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo analisar as ementas e Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (Odontologia, Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia) para verificar a conformidade ou não com as recomendações expressas nas políticas públicas quanto à educação inclusiva e formação profissional, em particular a Portaria nº 1.793 de 27 de dezembro de 1994, a diretriz sobre a capacitação de recursos humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência e o Decreto 5.626 de 22 de dez. de 2005, que regulamenta sobre LIBRAS. Neste trabalho optou-se em apresentar somente os dados sobre o curso de odontologia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa analisando cada documento referente a cada curso, partindo da procura por descritores que remetessem a conteúdos sobre pessoas com deficiência, acessibilidade, prevenção, proteção à saúde e reabilitação de PCD e inclusão social nos referidos documentos. A análise dos dados coletados permitiu a conclusão de que houve conformidade explícita ou implícita dos documentos com a diretriz sobre a capacitação de recursos humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência e com o Decreto 5.626, de 22 de dez. de 2005. No entanto, não houve conformidade explícita nos documentos com relação à recomendação da Portaria nº 1.793 de 27 de dezembro de 1994. Com isso, foi possível identificar o paradigma de serviços como sendo o que mais influenciou a elaboração dos documentos pesquisados. Palavras-chave: Educação Inclusiva; Pessoas com Deficiência; Curriculo; Formação Profissional; Saúde INTRODUÇÃO Ao observar-se o contingente de pessoas com deficiência existentes, percebe-se que, no Brasil, essa marca pode ultrapassar 45,5 milhões de pessoas, segundo dados apresentados no Censo Demográfico Brasileiro de 2010 realizado pelo IBGE (BRASIL, 2010). Assim, infere-se que: esses indivíduos representam uma parcela significativa da população distribuída em todo o território nacional, em todas as faixas etárias, em ambos os gêneros, em várias classes sociais e em diferentes afazeres ou ocupações, ou seja, fazem parte da sociedade, embora muitas vezes tenham sido excluídas ou negligenciadas por ela. São pessoas com diferentes tipos de deficiências: visuais, auditivas, motoras ou mentais, que encontram variados graus de dificuldades para realizarem suas atividades diárias e

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NOS … · 27 de dezembro de 1994, a diretriz sobre a capacitação de recursos humanos da Política ... mesma pode se constituir em

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NOS CURSOS NA ÁREA DE SAÚDE DA UEL: UMA ANÁLISE DAS EMENTAS E PROJETOS

PEDAGÓGICOS DO CURSO DE ODONTOLOGIA

Yvi Striquer Bisotto UEL/Londrina/PR

[email protected]

Silmara Sartoreto de Oliveira UEL/Londrina/PR

[email protected]

RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo analisar as ementas e Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (Odontologia, Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia) para verificar a conformidade ou não com as recomendações expressas nas políticas públicas quanto à educação inclusiva e formação profissional, em particular a Portaria nº 1.793 de 27 de dezembro de 1994, a diretriz sobre a capacitação de recursos humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência e o Decreto 5.626 de 22 de dez. de 2005, que regulamenta sobre LIBRAS. Neste trabalho optou-se em apresentar somente os dados sobre o curso de odontologia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa analisando cada documento referente a cada curso, partindo da procura por descritores que remetessem a conteúdos sobre pessoas com deficiência, acessibilidade, prevenção, proteção à saúde e reabilitação de PCD e inclusão social nos referidos documentos. A análise dos dados coletados permitiu a conclusão de que houve conformidade explícita ou implícita dos documentos com a diretriz sobre a capacitação de recursos humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência e com o Decreto 5.626, de 22 de dez. de 2005. No entanto, não houve conformidade explícita nos documentos com relação à recomendação da Portaria nº 1.793 de 27 de dezembro de 1994. Com isso, foi possível identificar o paradigma de serviços como sendo o que mais influenciou a elaboração dos documentos pesquisados.

Palavras-chave: Educação Inclusiva; Pessoas com Deficiência; Curriculo; Formação Profissional; Saúde

INTRODUÇÃO Ao observar-se o contingente de pessoas com deficiência existentes,

percebe-se que, no Brasil, essa marca pode ultrapassar 45,5 milhões de pessoas,

segundo dados apresentados no Censo Demográfico Brasileiro de 2010 realizado

pelo IBGE (BRASIL, 2010). Assim, infere-se que: esses indivíduos representam

uma parcela significativa da população distribuída em todo o território nacional, em

todas as faixas etárias, em ambos os gêneros, em várias classes sociais e em

diferentes afazeres ou ocupações, ou seja, fazem parte da sociedade, embora

muitas vezes tenham sido excluídas ou negligenciadas por ela. São pessoas com

diferentes tipos de deficiências: visuais, auditivas, motoras ou mentais, que

encontram variados graus de dificuldades para realizarem suas atividades diárias e

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terem sua dignidade enquanto pessoas, reconhecida, enfrentando sofrimentos

físicos e morais em função disso (BRASIL, 2010).

Na História da humanidade, pessoas com deficiências foram com- preendidas

segundo as concepções ideológicas e sociais vigentes em cada época, observando-

se uma evolução positiva na forma como são consideradas e tratadas. Em tempos

bastante remotos, as explicações para as deficiências foram consideradas segundo

concepções religiosas e místicas em que eram concebidas como decorrentes de

ações divinas ou frutos de maldições e magias. Posteriormente, as explicações

passaram a ter uma abordagem mais patológica, passando a ser objeto de estudo

das ciências médicas, na época do advento do Renascimento (PEREIRA, 2009).

Nos tempos atuais, vigora uma compreensão mais social das deficiências, que

considera as desigualdades sofridas pelas pessoas que as possuem, não apenas

como sendo frutos de suas lesões, mas devido às restrições físicas e

comportamentais impostas pela sociedade em que vivem (SANTOS, 2008).

A sensibilização e a conscientização dessas pessoas a cerca de seu valor

enquanto seres humanos e cidadãos pertencentes a uma comunidade, assim como

de seus familiares e profissionais que com elas conviviam e trabalhavam, ori-

ginaram movimentos sociais ocorridos a partir da década de 60, protagonizados por

estes mesmos agentes, e que foram de fundamental importância na reivindicação

de direitos civis, igualdade de oportunidades com as pessoas consideradas

normais e no combate às discriminações negativas por elas sofridas (ROSTELATO,

2010).

Atualmente, há uma série de leis e políticas públicas voltadas à defesa dos

direitos das pessoas com deficiências, tanto no âmbito nacional como no

internacional, por ser considerada uma categoria que sofre vulnerabilidade e

exclusão social, necessitando de discriminações ditas positivas a seu favor, a fim de

se promover uma sociedade inclusiva, a qual deve adaptar-se para acolher

igualitariamente todos os seus membros, removendo barreiras físicas e de atitudes

que possam causar exclusão (ROSTELATO, 2010; DWORKIN, 2005 apud SANTOS,

2008).

Algumas dessas leis estão presentes em políticas públicas nacionais

expressas em documentos oficiais como: a Portaria N.º 1.793 de dezembro de 1994

do Ministério da Educação que, em seu Art. 2º, recomenda a “inclusão de conteúdos

relativos aos aspectos Ético-Político-Educacionais da Normalização e Integração da

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Pessoa Portadora de Necessidades Especiais nos cursos do grupo de Ciências da

Saúde...” (BRASIL, 1994); e a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiên-

cia, instituída através da Portaria do Ministério da Saúde N.º 1.060 em 2002 que

contempla, entre suas principais diretrizes, a capacitação de recursos humanos,

uma vez que as relações em saúde são basicamente relações humanas, e busca,

em parceria com o Ministério da Educação, a inclusão de disciplinas e conteúdos a

respeito de prevenção, atenção e reabilitação para as pessoas com deficiência nos

currículos de graduação dos cursos da área da saúde e também incentivo a projetos

de pesquisa e extensão sobre este tema (BRASIL, 2008). Também está evidente no

Decreto 5.626, de 22 de dez. de 2005 que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de

abril de 2002 e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dez. de 2000, ambas sobre a

LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais, que dispõe, em seu capítulo II e § 2º, que a

mesma pode se constituir em disciplina curricular optativa em cursos de educação

superior ou formação profissional não voltados para o magistério/licenciaturas ou

fonoaudiologia, nos quais é obrigatória (BRASIL, 2005).

Conhecer aspectos socioculturais e legais envolvidos com as questões de

saúde da pessoa com deficiência é uma necessidade reconhecida por tais políticas

e, neste sentido, os profissionais da área precisam ter essa consciência inclusiva

que pode ser sensivelmente construída nos anos de formação profissional

juntamente com os conhecimentos específicos necessários ao exercício de cada

profissão. Os conhecimentos técnicos e científicos adquiridos durante a formação,

vistos de uma perspectiva inclusiva, podem promover uma melhor qualidade dos

serviços a serem prestados futuramente, uma vez que sensibilizam o olhar do futuro

profissional para as diferentes necessidades existentes na sociedade (MORAES et.

al., 2006).

Por vezes, tais profissionais apresentam uma visão tradicional das

deficiências, baseada no modelo médico, biológico, individualista, visão que ainda

prevalece no campo da assistência em saúde (BERNARDES et. al., 2009; ROCHA,

2006; ALMEIDA, TISSI, OLIVER, 2000 apud OTHERO, AYRES, 2012) e até podem

ter concepções distorcidas por estereótipos e preconceitos presentes culturalmente

na sociedade da qual fazem parte (PEREIRA, 2008 apud OTHERO, AYRES, 2012),

apresentando limitações para lidar com as questões que envolvem a

integralidade do cuidado a estas pessoas.

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Focalizando essa problemática relativa à formação dos profissionais de

saúde, em particular nos cursos de graduação do Centro de Ciências da Saúde da

Universidade Estadual de Londrina (Medicina, Odontologia, Enfermagem,

Fisioterapia e Farmácia), o presente trabalho ocupou-se em pesquisar a

conformidade ou não das ementas e Projetos Pedagógicos dos referidos cursos

com as recomenda- ções expressas nas supracitadas políticas. Para tal fim, foram

utilizados descritores que remetem a conteúdos sobre os temas: inclusão social,

acessibilidade, preven- ção, proteção à saúde e reabilitação da pessoa com

deficiência, identificados nos respectivos documentos pesquisados e posteriormente

analisados.

Educação profissional inclusiva: conceituação das deficiências e

contextualização social

A definição de um conceito é importante na medida em que há a necessidade

de sua aplicabilidade em diferentes contextos, como o político, social, científico e

assistencial. Sabendo-se da importância da linguagem como orientadora do

pensamento, influenciando na sua criação, na sua construção e modificação

(PEREIRA, 2009), conceituar as deficiências no que se refere às pessoas que com

elas convivem não é uma tarefa fácil, na medida em que o termo passa a identificar

um grupo de pessoas e contribuir para a sua representação social com todo

simbolismo que isso possa significar. Nos dicionários de língua portuguesa, a

definição de deficiência abrange os termos falho, imperfeito, carente, incompleto,

insuficiente, contemplando a ideia de privação de algo. Até recentemente, no Brasil,

era comum o uso de termos com significação negativa ou até mesmo pejorativa

como “deficientes”, “inválidos”, “incapazes”, “aleijados”, refletindo a ideia de “menos

valia” destas pessoas na forma como eram vistas pela sociedade (BERNARDES,

2012, p. 2436). Com o empenho de movimentos sociais para mudar essa ideia,

houve mudanças nas denominações, sendo que o termo: „pessoas com deficiência‟,

tem sido utilizado atualmente para se referir a este grupo social e foi

consagrado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da

Organização das Nações Unidas em 2006 (BRASIL, 2008 apud BERNARDES,

2012, p. 2436).

Nas conceituações atuais deste segmento populacional, estão presentes as

mutações nas concepções advindas de paradigmas construídos nas relações entre

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a sociedade e as pessoas com deficiência e as tentativas de diminuir a carga

preconceituosa e estigmatizadora sobre elas (CEZAR, 2010). Tais concepções

serviram de parâmetro para identificação e classificação dessas pessoas

segundo características naturais, biológicas e sociais.

A concepção biomédica de deficiência diz respeito aos aspectos biológicos

de diferenciação corporal, envolvendo comprometimentos nos campos: físico,

sensorial, orgânico ou intelectual (CANGUILHEM, 1978 apud PEREIRA, 2009, p.

716; SAMPAIO, 2009). Essa abordagem médica é focada na disfunção corporal : o

indivíduo, vítima, necessita dos cuidados de especialistas para tentar recuperar a

normalidade. É ele e sua família que se esforçam pelo retorno à

normalidade perante os olhos da sociedade (ROSTELATO, 2010; SAMPAIO, 2009).

Tal perspectiva apresenta-se focada na patologia física como origem da

incapacidade e serviu, durante muito tempo, como influência na elaboração de leis

e políticas para este segmento populacional no mundo (ROSTELATO, 2010).

Criticando o modelo médico como insuficiente para atender aspectos diversos

de sofrimentos enfrentados pelas pessoas com deficiências relacionados,

principalmente, com a forma com que a sociedade lida com as limitações de cada

indivíduo, surge o modelo social da deficiência. Nele, a deficiência seria resultado

das barreiras físicas, econômicas, sociais e atitudinais da sociedade frente ao

indivíduo que apresenta alguma limitação, sendo portanto, uma construção social

(DAVIS, 2000 apud BERNARDES, 2012; ROSTELATO, 2010; SAMPAIO, 2009).

Diante desta polarização conceitual, a Organização Mundial da Saúde, em

sua publicação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e

Saúde (CIF) em 2001, propõe uma abordagem biopsicossocial, buscando uma

integração das várias dimensões da saúde. A CIF apresenta um sistema de

classificação em que a funcionalidade e incapacidade humanas decorrem de

interações dinâmicas entre condições de saúde (doença, trauma, lesão,

distúrbio) e fatores do contexto (fatores ambientais físicos e sociais e fatores

pessoais ou individuais). Usa cinco critérios: “funcionalidade, estrutura morfológica,

participação na sociedade, atividades na vida diária e o ambiente social de cada

indivíduo” (BRASIL, 2008, p.10). Tem como objetivo, “fornecer uma linguagem

padronizada e um referencial teórico para descrever todos os aspectos da saúde

humana” (SAMPAIO, 2009, p. 477), ser um guia de orientação para organização

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das informações sobre a funcionalidade das pessoas com deficiência segundo a

sua capacidade (BRASIL, 2008).

Em que pesem todos os questionamentos sobre o alcance universal da CIF,

dadas as diferenças relevantes em aspectos culturais, subjetivos e ambientais tão

diversos ao redor do mundo, a referência conceitual da OMS permite a produção

do conhecimento sobre o processo da funcionalidade humana (SAMPAIO,

2009). A investigação do tema: „Pessoas com deficiência - PCD‟ pelo IBGE, em

2010, pautou-se por este referencial conceitual, levando em conta a percepção da

população sobre suas dificuldades em relação às limitações visuais, auditivas,

motoras ou intelectuais que possuem. Os resultados do Censo Demográfico de

2010 apresentaram 45 606 048 milhões de pessoas que declararam possuir ao

menos uma das deficiências investigadas, representando 23,9% da população

brasileira. Destas, 7,5% com idade entre 0 a 14 anos; 24,9%, entre 15 a 64

anos; e 67,7%, com 65 anos ou mais (BRASIL, 2010, p. 73-74).

Os números apontados no Censo, nos permite perceber que estas pessoas

representam uma parcela significativa da população que compõe a sociedade

brasileira. Se faz parte da sociedade, qual o significado do termo “inclusão social”

deste segmento populacional?

O setor da saúde em relação ao contexto social inclusivo contemporâneo

A inclusão social parte do pressuposto de que a sociedade deve ser capaz de

responder adequadamente às demandas apresentadas por todos os seus membros,

incluindo as PCD - Pessoas com Deficiência. Deve possibilitar-lhes a eliminação de

barreiras físicas e morais e garantir-lhes acesso aos serviços públicos, nos quais se

encontram incluídos os serviços públicos de saúde.

Antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988, a assistência

na saúde pública para as PCD era voltada somente à área de prevenção de

doenças infectocontagiosas, ficando a reabilitação a cargo das instituições

filantrópicas e de associações beneficentes financiadas pelos repasses de

recursos de políticas públicas. A assistência era precária devido a: escassos

recursos, concen- tração dos serviços em regiões de maior importância econômica,

baixa cobertura na assistência, baixa resolubilidade e distanciamento da realidade

sociocultural da po- pulação (BRASIL, 1993 apud OTHERO, DALMASO, 2009).

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Com as manifestações sociais e políticas sobre as questões das PCD

nas décadas de 1970 e 1980, houve uma pressão sobre o Estado que passou então

a propor políticas e programas relativos à saúde voltados para esta população

(ROCHA, 2006 apud OTHERO, DALMASO, 2009). A Lei n.º 7.853/89em seu art. 2º,

inciso II (BRASIL, 2008, p. 5), dispõe sobre o apoio às PCD e a sua integração

social, no que se refere à saúde,atribuindo ao setor:

(1) a promoção de ações preventivas; (2) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; (3) a garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde e do adequado tratamento no seu interior, segundo normas técnicas e padrões apropriados; (4) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; e (5) o desenvolvimento de programas de saúde vol- tados para as pessoas portadoras de deficiências e desenvolvidos com a participação da sociedade.

Sob a regência do SUS, houve vários marcos importantes em relação a

políticas e programas de saúde para as PCD, dentre as quais se destaca a mais

recente Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, (Brasil,

2008, p. 27) que tem como propósitos:

reabilitar a pessoa portadora de deficiência na sua capacidade fun- cional e no seu desempenho humano – de modo a contribuir para a sua inclusão plena em todas as esferas da vida social – e proteger a saúde do citado segmento populacional, bem como prevenir agravos que determinem o aparecimento de deficiências.

Para o alcance de tais propósitos, foram estabelecidas diretrizes orientadoras

das ações voltadas à operacionalização da citada Política (BRASIL, 2008, p. 29):

• promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de defi- ciência; • assistência integral à saúde da pessoa portadora de deficiência; • prevenção de deficiências; • ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; • organização e funcionamento dos serviços de atenção à pessoa portadora de

deficiência; • capacitação de recursos humanos.

Sendo assim, as PCD devem ser acolhidas e atendidas em suas

necessidades de saúde pelos serviços públicos em todos os seus níveis de

complexidade, garantindo-lhes assistência adequada dentro do sistema assim como

é garantida aos demais cidadãos sem deficiência, sem necessidade de

atendimento em instituições segregadas. Depreende-se daí a importância da

capacitação e qualifica- ção profissional para lidar com as complexidades

envolvidas no atendimento a essa população, o que engloba, além dos

conhecimentos técnicos e científicos sobre as deficiências, condições de saúde e de

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doenças e seus respectivos tratamentos, as questões relativas à vida quotidiana

das PCD em seu relacionamento com a socie- dade (REBOUÇAS et.al., 2001).

Tecendo sobre a pesquisa: Investigando os cursos do centro de ciências da

saúde da uel

A Universidade Estadual de Londrina oferece cinco cursos perten- centes ao

Centro de Ciências da Saúde: Odontologia, Medicina, Enfermagem, Fisio- terapia e

Farmácia, formando, todos os anos, profissionais para atuarem nos setores privado

e público, oferecendo conhecimentos e práticas a respeito do Sistema Único de

Saúde (SUS), público, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais.

Procurando conhecer os conteúdos trabalhados sobre os temas: PCD,

acessibilidade, prevenção, proteção à saúde e reabilitação de PCD e inclusão

social, foi feita uma pesquisa qualitativa sobre presença dos mesmos nas ementas e

Projetos Pedagógicos dos referidos cursos e pesquisada a conformidade ou não da-

queles com as recomendações das Políticas Públicas, em particular da Portaria

nº1.793 de 27/12/94 que, em seu Art. 2º, recomenda a inclusão de conteúdos

relativos aos Aspectos Ético-Político-Educacionais da Normalização e Integração da

pessoa portadora de Necessidades Especiais nos Cursos de Ciências da Saúde

(BRASIL, 1994) e da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência (MS,

2002).

Entre suas diretrizes, prevê a capacitação de recursos humanos e a busca de

parcerias com o Ministério da Educação, “a inclusão de disciplinas e conteúdos de

prevenção, atenção e reabilitação às pessoas com deficiências nos currículos de

graduação das profissões da área da saúde, bem como o fomento de projetos de

pesquisa e exte n- são nessa área do saber” (BRASIL, 2008, p.43-44). Procurou-se,

também, verificar o seguimento ou não da recomendação do Decreto 5.626, de 22

de dez. de 2005 que regulamenta o assunto LIBRAS e dispõe, em seu capítulo II e

§ 2º, que a mesma pode se constituir em disciplina curricular optativa em cursos de

educação superior ou formação profissional não voltados para o

magistério/licenciaturas ou fonoaudi o- logia, nos quais é obrigatória (BRASIL, 2005).

Após uma análise dos dados, procedeu-se a uma avaliação qualitativa,

buscando localizá-los dentro do espectro que vai dos paradigmas da institucio-

nalização, passando pelo de serviços e até o de suporte, para melhor

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compreensão do significado que se dá ao aspecto da inclusão social das PCD nos

referidos docu- mentos, de cada curso pesquisado.

Os documentos escolhidos para serem analisados foram as ementas e

Projetos Político-Pedagógicos dos cinco cursos pertencentes ao Centro de Ciên-

cias da Saúde da Universidade Estadual de Londrina: Odontologia, Medicina, En-

fermagem, Fisioterapia e Farmácia. Os Projetos Pedagógicos e ementas dos

respec- tivos cursos foram obtidos por meio eletrônico através do site da UEL na

internet, disponível em <www.uel.br/>, por meio do acesso ao portal referente aos

cursos de graduação (PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação), no menu Projetos

Pedagógicos dos Cursos de Graduação.

Procedeu-se à coleta dos dados partindo-se da procura por descrito- res que

remetessem a conteúdos sobre os temas que fossem objetos de análise, como:

PCD, acessibilidade, prevenção, proteção à saúde e reabilitação de PCD e inclusão

social, nos referidos documentos.

O curso de Odontologia

O Projeto Político Pedagógico do curso de Odontologia de 2014 foi o

documento selecionado para realização da pesquisa em relação à conformidade ou

não com a Portaria nº 1.793 de 27/12/94; com a Diretriz relativa à capacitação de

recursos humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência (MS,

2002); e com Decreto 5.626, de 22 de dez. de 2005 que regulamenta o assunto

LIBRAS.

Ao se efetuar a leitura do documento, os termos que foram encon- trados

referindo-se às PCD foram: pacientes especiais, pessoas com necessidades

especiais e crianças e adolescentes especiais. A menção explícita a estas

pessoas foi encontrada apenas nos módulos denominados “Introdução à

Odontologia Infantil A”, da quarta série, e “Clínica Integrada Infantil”, da quinta série.

O módulo “Introdução à Odontologia Infantil A”, p. 68, apresenta os seguintes

dizeres em relação ao tema em sua ementa:

Odontologia para pacientes especiais: conceito e classificação de pessoas com necessidades especiais; relacionamento entre profissional, pais e pacientes na atenção odontológica a pessoas com ne- cessidades especiais; diagnóstico das alterações crâniofaciais mais frequentes; riscos do tratamento odontológico em pacientes especiais; tratamento ambulatorial das necessidades primárias e secundárias, preferencialmente, de crianças e adolescentes especiais.

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E como objetivos dos alunos em relação ao tema, apresenta os seguintes

itens nas p. 69-70:

Demonstrar atitudes de tolerância paciência, compreensão, sere- nidade, perseverança e respeito para com a criança especial e seus respectivos pais/responsáveis.

Desenvolver habilidade de diagnóstico e execução de prevenção e promoção de saúde ao paciente e paciente com necessidades especiais, no planejamento e domínio das técnicas indicadas para a clínica de odontopediatria.

No módulo “Clínica Integrada Infantil”, não foram encontradas quais- quer

referências específicas relacionadas às PCD na descrição da ementa, sendo estas

encontradas apenas nos seguintes itens relativos aos objetivos dos alunos nas

p. 79, 80 e 81:

Demonstrar atitudes de tolerância paciência, compreensão, sere- nidade, perseverança e respeito para com a criança especial e seus respectivos pais/responsáveis.

Desenvolver habilidade de diagnóstico e execução de prevenção e promoção de saúde ao paciente e paciente com necessidades especiais, no planejamento e domínio das técnicas indicadas para a clínica de odontopediatria.

Observa-se que houve preocupação em relação aos aspectos relativos à

prevenção, atenção e reabilitação em saúde em relação às PCD, preferencialmente

a crianças e adolescentes, indicando conformidade com a diretriz relativa à

capacitação profissional da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência

(MS, 2002). Entretanto, em relação à Portaria nº 1.793 de 27/12/94, não foi

encontrada nenhuma menção acerca de conteúdos relativos aos Aspectos Ético-

Político-Educacionais da Normalização e Integração da pessoa portadora de

Necessidades Especiais, entendida como resposta à problemática da inclusão social

das PCD no sentido de esclarecimento e conscientização sobre as mudanças de

paradigmas ocorridas nos anos mais recentes e as suas implicações em termos

legais, sociais e culturais.

Sobre o Decreto 5.626, de 22 de dez. de 2005, a respeito da LIBRAS, em 19

de ago. de 2014, a Câmara de Graduação aprovou a inclusão de LIBRAS – Língua

Brasileira de Sinais - como disciplina especial no Projeto Pedagógi- co do Curso de

Odontologia como atividade acadêmica complementar, entrando em vigor a partir

daquela data.

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Ao serem analisadas as Diretrizes do Projeto Pedagógico pesquisado,

observa-se a preocupação com a formação de um profissional com perfil generalista

que favoreça a atenção integral em saúde e esteja em contato com a realidade

social em que atuará e, também, possua espírito crítico e abertura para atuar e

produzir mudanças. A prática em saúde coletiva é “entendida como área macro que

envolve conteúdos das ciências exatas, humanas e da saúde, perpassando todos

os anos do curso e em diversos cenários” (p. 9) e, como tal, pode abordar os

conteúdos propostos na Portaria nº 1.793 de 27/12/94. O módulo “Gestão de

Serviços Públicos de Odontologia I”, pertencente à terceira série, apresenta o item:

Organização de serviços para clientelas específicas, sem, no entanto, fazer

qualquer menção específica às PCD.

No decorrer de todo o Projeto pesquisado, muito foi falado a respeito de

comunicação: a necessidade de uma comunicação adequada entre profissionais da

saúde, entre os alunos, e de ambos com funcionários e pacientes, respeitando os

aspectos relativos às variabilidades sociais e culturais encontradas sem, entretanto

qualquer referência específica a adequações às deficiências que interferem nas

habilidades de comunicação, salvo a Deliberação da Câmara de Graduação

No018/2014 que regulamenta a disciplina especial de LIBRAS.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A interpretação dos dados permitiu a construção de algumas considerações

em relação aos paradigmas sociais em relação às PCD sobre os quais foram

elaboradas as ementas e Projetos Pedagógicos dos Cursos pesquisados.

Foram encontradas maiores conformidades explícitas ou implícitas nos

dizeres dos documentos em relação à Diretriz relativa à capacitação de recursos

humanos da Política Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência (MS, 2002), em

relação à “inclusão de disciplinas e conteúdos de prevenção, atenção e reabilitação

às pessoas com deficiências nos currículos de graduação das profissões da área da

saúde...”, o que demonstra uma clara preocupação com as questões biológicas ou

médicas envolvendo as deficiências, sendo isto já esperado por serem cursos

da area da saúde.

Com relação particular à Portaria nº 1.793 de 27/12/94 que, em seu Art. 2º,

recomenda a inclusão de conteúdos relativos aos Aspectos Ético-Político-

Educacionais da Normalização e Integração da pessoa portadora de Necessidades

94

Educacionais Especiais nos Cursos de Ciências da Saúde (BRASIL, 1994), embora

muito tenha sido encontrado sobre as questões sociais brasileiras, principalmente

envolvendo as desigualdades sociais, os aspectos culturais, econômicos e políticos

presentes, não houve menções específicas a respeito da problemática acerca da

inclusão social das PCD.

A questão da acessibilidade das PCD também foi pouco encontrada nos

documentos, ficando mais restrita a aspectos relacionados à comunicação, em

especial pela inclusão recente da LIBRAS como disciplina especial optativa em

todos os cursos a partir de 2014.

Considerando esses achados, observa-se que os documentos pesquisados

foram elaborados mais voltados para o paradigma de serviços, com poucas

alusões ao paradigma de suporte, dentro do espectro que vai dos paradigmas da

institucionalização, passando pelo de serviços e até o de suporte. Percebe-se,

ainda, a presença de uma mentalidade focada principalmente nos aspectos

biológicos ou médicos das deficiências, pouco enfocando as questões relativas aos

impedimentos e barreiras encontradas pelas PCD que interferem significativamente

em sua qualidade de vida e que permeiam as questões de saúde destas pessoas.

Essa conclusão foi obtida devido à quase nula presença de menções encontradas

sobre “conteúdos relativos aos Aspectos Ético-Político-Educacionais da

Normalização e Integração da pessoa portadora de Necessidades Especiais”,

embora a inclusão da LIBRAS represente um avanço significativo na atenção à

questão da inclusão social das PCD.

De um modo geral, nos documentos pesquisados, espera-se, como perfil dos

concluintes dos cursos, que sejam formados profissionais generalistas, com uma

visão humanista e crítica da sociedade, sendo capazes de interferir na mesma de

forma a melhorá-la através de suas ações. Tais ações, por vezes, extrapolam os

limites técnico-científicos das profissões e alcançam as particularidades que

envolvem a vida em sociedade das pessoas por meio da disseminação de valores e

conceitos. Todavia, para que se construa uma verdadeira inclusão social, os valores

e conceitos que permeiam essa sociedade devem ser conhecidos e propagados por

pessoas que compreendam seus significados e importância através de uma

adequada educação inclusiva. Seria interessante conhecer quais conceitos e

significados envolvendo as PCD estão presentes nas concepções dos egressos dos

cursos do CCS da UEL e que podem influenciar suas atividades profissionais.

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REFERÊNCIAS

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