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EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E LITERATURA: CONTRIBUIÇÕES DE DIÁLOGOS LITERÁRIOS EM CAFEZINHOS POÉTICOS, PARA A
CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA LIBERTADORA
PASINI, Carlos Giovani Delevati - CMSM
GRACIOLLI, Nilta de Fátima Hundertmark - UFSM [email protected]
MORAES, Ana Paula Colares Flores - UFSM [email protected]
PROCHNOW, Ana Lúcia Chelotti - CMSM [email protected]
Eixo Temático: Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: FIEX, da UFSM e CMSM
Resumo Esse trabalho traz um relato de experiência em torno da interculturalidade, com os preceitos lançados por diversos autores, principalmente Paulo Freire e Humberto Maturana. Tal pesquisa é integrante do projeto “Hora do Conto: Pedaços de vidas em palavras”, da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, que é coordenado pelo professor Doutor Celso Ilgo Henz. A relação entre literatura, interculturalidade, educação e cultura favorece aprendizagens importantíssimas para a formação de conceitos sociais. A Educação Intercultural auxilia no avanço das teorias científicas pedagógicas e, principalmente, no crescimento individual de cada envolvido. Os “cafezinhos poéticos” são encontros literários realizados por entidades culturais denominadas casas do poeta. Em nossa região existem inúmeras casas, das quais destacamos a Casa do Poeta de Santa Maria e a de Santiago. O trabalho realizado nestas duas entidades e os trabalhos no grupo de estudo “Hora do Conto” favoreceram um embasamento técnico-teórico para a criação de um projeto, que está sendo realizado com alunos do ensino-médio do Colégio Militar de Santa Maria (CMSM), no turno oposto, numa atividade denominada de “Cafezinhos Poéticos do CMSM”. Tais encontros influenciam no crescimento individual e coletivo dos participantes, com a interferência nos atributos afetivos e cognitivos dos envolvidos. Esse tipo de práxis educativa tem o objetivo de criar mecanismos que favoreçam a integração de sujeitos situados em contextos sociais e culturais distintos. Existe o diálogo de temáticas ligadas à construção das próprias identidades, à valorização das diferenças e à configuração de sociedades complexas (Fleuri 2010, a,b,c). Num plano pedagógico, podemosafirmar que essa educação intercultural proporciona uma interface de conhecimentos e de refletir educativo. Assim, nosso suporte teórico está embasado nos pressupostos da intercularidade e dahumanização cujas referências
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são Fleuri (1998, 2010), Freire (1980, 1982, 1983, 1999 e 2005), Maturana (2002, 2008 e 2009).
Palavras-chave: Educação Intercultural; Diversidades; Diálogos Culturais.
Introdução
A educação, como conhecemos na contemporaneidade, deve ser dinâmica e flexível.
Dentro dessa amplitude, a maior parcela das práxis educativas está alicerçada no diálogo,
mesmo que inconscientemente, como ferramenta de estruturação de ideias, de modos de ser e
viver. Na sociedade, os grupos humanos conversam, escrevem e educam-se. Aliada a todos os
códigos inventados, ainda existe a comunicação não-verbal, que é estabelecida,
principalmente, por intermédio do contato visual.
Paulo Freire (1983) explica que a educação é uma resposta da finitude à infinitude. Ele
acrescenta que a educação é possível para o homem, porque este é inacabado e tem
consciência disso. A Educação Libertadora, proposta por Paulo Freire, parte do princípio de
que educar(-se) é conhecer para “ser mais”.
Repensando os ensinamentos de Paulo Freire, percebemos que os alunos do CMSM
necessitavam de uma prática educativa que favorecesse a criação de uma conscientização
sobre a própria realidade. Essa necessidade de diálogos surgiu devido à interação que ocorria
dentro da sala de aula, com a estruturação tecnicista do CMSM, que propõe inúmeros
objetivos a serem atingidos na parte de conteúdos, que são essenciais à boa formação da
cidadania, mas que, naturalmente, deixam um pequeno déficit em relação ao espaço de tempo
para o aluno contrapor e opinar. Na verdade, isso ocorre na grande maioria das escolas
brasileiras, onde o aluno ainda não possui a abertura adequada para opinar, pois a sociedade
ocidental é conteudista.
A própria base do ensino militar, os conhecidos pilares da hierarquia e a disciplina,
torna o aluno, de maneira geral, mais responsável, com características que o destacam
positivamente nos concursos e nas atividades profissionais futuras. Contudo, como é comum
na sociedade ocidental, esse jovem chega à fase adulta com a falta de diálogos que favoreçam
a criação de uma opinião crítica sobre seu mundo, uma consciência dialógica da própria
existência.
O Colégio Militar se torna um estabelecimento de ensino pró-ativo, pois favorece a
realização de trabalhos pedagógicos no turno oposto, ou seja, como atividade de caráter
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voluntário para os alunos, mas que conta com relativa participação dos discentes. Nesse
sentido, a educação intercultural e humanizadora apresentam ferramentas essenciais para a
formação dialógica e conscientizadora do cidadão, com maior agilidade e em menos tempo.
Além disso, centram a sua base educadora no relacionamento social e no crescimento
individual, como pessoa, do ser humano.
Dentro da ótica de que um aluno do Ensino Médio é um “sujeito cognoscente” em
contato com o “objeto cognoscível”, a realização de diálogos literários, no turno oposto do
ensino-médio, com alunos voluntários, torna-se uma ferramenta educadora e humanizadora
de características interessantes, com resultados que reforçam a socialização do adolescente,
além de auxiliar na estrutura da personalidade do participante e, principalmente, elevar a sua
criticidade sócio-cultural.
O trabalho de pesquisa é justificado por favorecer aos alunos do Ensino Médio do
Colégio Militar de Santa Maria, o contato com o método gnoseológico freireano, que leva o
jovem ao conhecimento da própria situação e a tomada da consciência de estão no mundo e
para o mundo.A atividade se fundamenta, portanto, na grande proposta pedagógica de Paulo
Freire: a da educação para a libertação, por intermédio da consciência de sua realidade
histórica e da importância que possuem na modificação da sociedade. Essa reflexão ocorre na
forma de reuniões dialógicas, tendo como pano de fundo a literatura brasileira, sendo
realizada conforme está especificado no Desenvolvimento desse trabalho científico.
O projeto “Hora do Conto: Pedaços de vidas em palavras”1, da Universidade
Federal de Santa Maria, UFSM, que possui a coordenação do professor Doutor Celso Ilgo
Henz surgiu como uma fonte de orientação científica e dialógica, para um aprofundamento
didático-pedagógico na condução dessa atividade do CMSM, que passou a integrar “Hora do
Conto”, em 2011, auxiliando a justificar os objetivos de extensão do referido grupo de
pesquisa da UFSM.
Desenvolvimento
A cultura de um povo é o seu maior patrimônio material e imaterial. Ela é a soma de
toda produção, desaberes, fazeres e conhecimentos, não sendo uma ação-reflexão individual,
mas a construção de uma coletividade. Dentro da materialidade se encontram todas as obras
produzidas pela sociedade, das quais cabe citar os quadros, a literatura, as esculturas, entre 1 Ver a página do Grupo Dialogus – www.grupodialogus.com, que possui maiores informações do grupo de estudo.
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outros. A imaterialidade engloba as ideias presentes na produção e transmissão do
conhecimento, ou seja, toda a ciência adquirida por uma sociedade, por intermédio de sua
fonte de pesquisa.
A atualidade, permeada pelo virtual (internet), é composta de uma realidade de muitas
informações, sendo que, algumas vezes, existe a falta da assimilação do conhecimento, por
parte do usuário, independentemente da idade que ele possua. Os diálogos interculturais, em
cafezinhos literários, servem para que o aluno realize uma reflexão sobre a sua vida, como um
“liquidificador” de conhecimentos, ou seja, repensando sobre as suas certezas e incertezas, o
que causa um Abaporu2 educativo e a consequente antropofagia cultural de conceitos que
eram válidos e, que após repensar, caem por terra, devido a conscientização re/des/construída.
Essa consciência crítico-reflexiva-transformadora, contudo, não abandona a busca da
humanização, pois segundo Paulo Freire (1983, p. 28) “A sabedoria parte da ignorância”.
Portanto, buscar a educação deve confundir-se com a própria modificação de sua prática, pois
o humano é o sujeito e o objeto dessa interação cultural. Melhor ainda, como foi dito
anteriormente, devemos analisar o educando como um sujeito cognoscente, ou seja, um
humano conhecedor, que não se resume a ser um recebedor de um conhecimento. Freire
refere que o homem está no mundo e com o mundo; ele pode distinguir órbitas existenciais
distintas de si mesmo, que evoluem de formas distintas, com línguas diferentes e com
aprendizagens diversas.
Para que possamos entender a estrutura do trabalho científico, será abordado o
histórico dos “cafezinhos poéticos”, que surgiu em outras entidades culturais e não no
CMSM.
Um pouco dos cafezinhos poéticos
Os “cafezinhos poéticos” são encontros culturais realizados pelas casas do poeta,
entidades sem fins lucrativos, ligadas a Casa do Poeta Brasileiro, com sede em Porto Alegre,
RS, que possui, atualmente, 77 (setenta e sete) casas do poeta filiadas. Na nossa região, dentre
outros municípios, existem casas do poeta em Santa Maria, São Pedro do Sul, Santiago, São
Vicente do Sul, São Luís Gonzaga, Rosário do Sul e Bossoroca. O projeto de realização de
2 Abaporu – Quadro pintado por Tarcila do Amaral, artista modernista. A epistemologia aproximada da palavra é “Que come homem”. A autora participou de movimentos modernistas como a Antropofagia, que fazia a proposição de “deglutir” as influências estrangeiras e recriar a arte essencialmente brasileira. O quadro possui grande valor artístico e cultural para o nosso país.
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cafezinhos poéticos com alunos do ensino-médio, focando a educação intercultural e com
base humanizadora, surgiu com a participação em cafezinhos poéticos na Casa do Poeta de
Canoas, Casa do Poeta de Santiago (CPS) e na Casa do Poeta de Santa Maria (CAPOSM).
Figura1 – Cafezinho Poético em Santa Maria, RS. Em pé o escritor Auri Sudati Fonte: acervo pessoal de Carlos Giovani Delevati Pasini
Os cafezinhos poéticos ocorrem dentro de modo informal, o que aproxima os
participantes, tendo uma estrutura baseada na leitura de textos de pequena extensão e,
posteriormente, na realização de uma releitura, com a realização de debates focados no
conhecimento adquirido no senso comum pelos participantes.
Contexto do Colégio Militar de Santa Maria
O Colégio Militar de Santa Maria possui 17 anos, tendo sido fundado em 22 de março
de 1994. Atualmente, possui quase 800 alunos, distribuídos do 6º Ano do Ensino
Fundamental ao 3º Ano do Ensino Médio. A referida escola é uma instituição pública federal.
A missão do CMSM é ministrar a Educação Básica, em consonância com a Legislação
Federal, focando nos valores, costumes e tradições do Exército Brasileiro, com o objetivo de
assegura a formação do cidadão. O CMSM conseguiu o destaque regional e nacional, no ano
de 2010, por haver obtido o quarto lugar no Brasil e a melhor do Rio Grande do Sul, no Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do ano de 2010.
O projeto, que será explanado a seguir, no desenvolvimento do trabalho, está sendo
realizado no Colégio Militar de Santa Maria, com alunos voluntários. O ambiente escolar
serve como palco favorável à transferência dos conhecimentos e para uma interação dialógica.
O projeto “Hora do Conto: Pedaços de vidas em palavras”
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O projeto “Hora do Conto: Pedaços de vidas em palavras”3, da Universidade
Federal de Santa Maria, UFSM, é oriundo do projeto “A Hora do Conto” que iniciou em
2007, no Espaço Infantil da Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide, de Santa
Maria/RS, atendendo crianças que estudavam na rede municipal de ensino.
Nos anos de 2008 e 2009, as atividades aconteceram na GARE (Antiga Viação
Férrea), desenvolvendo atividades com crianças que moravam nas “invasões” da GARE e no
Lar de Mirian, envolvendo aproximadamente 120 crianças.
No início de 2010, um grupo de acadêmicos da UFSM e professores da rede privada e
pública de ensino, atuantes na cidade de Santa Maria, resolveu expandir o projeto e atender
três instituições: Lar das Vovozinhas, Escola de Ensino Fundamental João Hundertmarck e
Recanto da Esperança.
Em 2011, no primeiro semestre, o grupo adquiriu novos integrantes, sendo que está
realizando encontros de estudos, visitação às instituições, planejando possíveis atividades que
poderão ser realizadas no segundo semestre do corrente ano.
O projeto “Hora do Conto” serve de subsídio didático-pedagógico para ser
implementado nos cafezinhos poéticos, sendo que um dos autores4 realiza o contato direto
com os alunos do Colégio Militar. Além disso, alguns dos alunos do CMSM, que frequentam
os cafezinhos poéticos, estão participando como voluntários do grupo “Hora do Conto” que
atende o “Lar das Vovozinhas”, conforme figura 2 e auxiliam na pesquisa do projeto da
UFSM.
Figura 2 – Visita de alunas do CMSM ao Lar das Vovozinhas – 25 de agosto de 2011 Fonte: acervo do Grupo “Hora do Conto”
Alguns dos pressupostos da Educação Intercultural e Humanizadora
3 Conforme apresentado na introdução, o projeto possui a coordenação do professor Doutor Celso Ilgo Henz. 4 Carlos Giovani Delevati Pasini – Professor de Literatura do 1º Ano do Ensino Médio, do Colégio Militar de Santa Maria.
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Sabe-se que a educação de um indivíduo ocorre de duas maneiras: a formal (feita pela
escola) e a não–formal (efetuada pela vida). A primeira possui currículos, professores,
métodos, material, etapas e objetivos a serem atingidos. É a dos programas de disciplina
adotados pelos estabelecimentos de ensino, que contribuem acintosamente para a estruturação
da personalidade do cidadão. A outra é a educação constante, que se inicia com o nascimento
(ou mesmo antes dele) e só termina com a morte. Ela não se faz somente na escola, mas em
todos os ambientes a que o indivíduo tem contato (família, igreja, amigos etc).
Educar5 exige o reconhecimento e a assunção das identidades culturais do povo em que
se faz parte. Paulo Freire revisitou fundamentos significativos da educação, tornando-se um
dos educadores mais importantes da atualidade, sendo respeitado na comunidade científica.
“Andarilho do óbvio” – era como Paulo Freire se considerava, assim escrevia Fleuri (1998).
A experiência do novo só deve surgir quando um cidadão ensaiar uma experiência profunda
de assumir-se.
(...) Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. (...) A experiência histórica, política, cultural e social dos homens e das mulheres jamais pode se dar “virgem” do conflito entre as forças que obstaculizam a busca da assunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos e das foras que trabalham em favor daquela assunção. (FREIRE, 1999, p.46-47)
A propagação da educação proporciona a conservação da herança social, na medida
em que os valores e as tradições do povo transitam de uma pessoa para outra, por intermédio
da proliferação da cultura. Os encontros literários, baseados em debates, proporcionam a
difusão da herança cultural.
5 Nesse momento a palavra “educar” deve ser entendida no sentido amplo, dos currículos formais até a educação não-formal, fora da escola.
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Figura 3 – Alguns dos livros abordados num dos cafezinhos. Debates como forma de conservação da herança social.
Fonte: acervo do Grupo “Hora do Conto”
Além disso, a educação é uma ferramenta essencial para a ação e a mudança social,
por intermédio da interação social. Somente com o acesso ao conhecimento, enquanto
processo de conscientização, é que o homem poderá mudar e influenciar as atitudes de sua
época, de forma geral e global. Portanto, progredir dentro da cultura possui uma parte fixa e
outra mutável, ou seja, que não é estanque, mas que possui uma base.
Na verdade, porém, não é a educação que forma a sociedade de certa maneira, mas a sociedade que, formando-se de uma certa maneira, constitui a educação de acordo com os valores que a norteiam. Mas, como este não é um processo mecânico, a sociedade que estrutura a educação em função dos interesses de quem tem o poder, passa a ter nela um fator fundamental para a sua preservação. (FREIRE, 1982, p.146)
A preservação da cultura está ligada a sua mudança. As alterações vão ocorrendo,
geralmente, de forma lenta e imperceptível. Excetuando-se, obviamente, momentos históricos
de transformações sociais de forma radical, drástica. Esses períodos são caracterizados por
incertezas e revoluções (armadas ou não), também pela difusão de ideais de massa. Até que a
situação volta para a normalidade, com alterações quase imperceptíveis, a não ser que seja
um estudioso ou um bom observador.
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Figura 4 – Os cafezinhos proporcionam a interação social Fonte: acervo do Grupo “Hora do Conto”
A educação varia de acordo com o espaço e o tempo
Em relação ao espaço, a educação abrange a situação do local, do ambiente, da
comunidade, dos hábitos sócio-culturais de onde (e para onde) a aprendizagem das
habilidades é realizada cooperativa e dialogicamente. Por exemplo, a cultura do gaúcho é
diferente dos modos de ser e viver do carioca. Esta diferença aumenta ainda mais de um país
para outro, de um espaço para outro. Por exemplo, um texto com significado óbvio no Brasil,
poderia perder o significado se fosse traduzido para a França.
O tempo engloba a época em que a educação está sendo praticada. O romancista
Machado de Assis, um escritor clássico de nossa literatura, tinha uma visão de mundo
diferente do teólogo contemporâneo Rubem Alves. A evolução social e tecnológica é
diferente no tempo de um e de outro. Dentro de um grupo, conforme a época, a forma da
educação passa por transformações.
O atributo cultural, acrescido do restritivo de classe, não esgota a compreensão do termo “identidade”. No fundo, mulheres e homens nos tornamos seres especiais e singulares. Conseguimos, ao longo de uma longa história, deslocar da espécie o ponto de decisão de muito do que somos e do que fazemos para nós mesmos individualmente mas, na engrenagem social sem a qual não seríamos também o que estamos sendo. No fundo, nem somos só o que herdamos nem apenas o que adquirimos, mas a relação dinâmica, processual do que herdamos e do que adquirimos. (FREIRE, 1993, p.93)
Resultados e conclusões
O trabalho realizado – os cafezinhos poéticos literários, no CMSM, integrados ao
projeto “Hora do Conto”, da UFSM – é uma proposta de educação humanizadora, com foco
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na interculturalidade, baseado nos preceitos lançados por diversos autores, principalmente
Paulo Freire e Humberto Maturana. A seguir, alguns resultados importantes:
Resultados
Apesar de estar planejado para o turno oposto, como atividade extraclasse, os cafezinhos
poéticos devem possuir uma estrutura e um cronograma prévio a ser seguido, que será
apresentado a seguir:
- O local do encontro deverá ser silencioso: a sala de aula, por exemplo, é um lugar
onde a atividade poderá ser realizada. Além da sala, pode-se pensar em utilizar ginásios
fechados, bibliotecas (por causa dos livros) ou clube de leitura. No CMSM, os palcos das
reuniões são a sala de aula do próprio ensino médio ou a sala do Clube de Leitura da escola.
- Disposição das cadeiras: As cadeiras deverão ser colocadas num dispositivo em
círculo, pois facilita a interação e aproxima os participantes, favorecendo a aprendizagem
dialógica.
- Tema geral do encontro: O tema poderá ou não ser pré-definido pelo coordenador.
Caso ele não seja definido é importante que o local possua acesso a vários livros e textos. É
relevante solicitar aos participantes que tragam pequenos textos que apreciem, assim a
motivação será maior. Os temas definidos anteriormente, geralmente são de aspecto geral, tais
como: vida, morte, tempo, amor, aborto, entre outros.
Figura 5 - Local utilizado (sala de aula) e disposição em círculo Fonte: acervo pessoal de Carlos Giovani Delevati Pasini
- Sequência das atividades: Os textos são lidos, um por vez, pelo participante que o
levou e, além disso, o leitor apresenta a sua releitura sobre o que acabou de ser lido. Após
isso, ocorre uma roda de debate sobre o texto, de modo informal, mas com regras
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predefinidas. As leituras são rotativas, variando o participante. Os encontros são destinados (e
possuem relevância) para um grupo de, no máximo, 20 (vinte) participantes. Sugestiona-se
que a atividade dure em torno de duas horas. No final, cada participante apresenta a sua
opinião, se quiser, sobre o evento literário daquele dia. Geralmente, as declarações são
relevantes e motivam o organizador a continuar com o projeto.
- Regras básicas do Cafezinho: A fala só pode ser feita por um integrante do grupo de
cada vez, sendo que a reserva da ordem é feita com o levantar do braço e a indicação pela
posição dos dedos, ou seja, o primeiro que quiser se manifestar levanta um dedo, o seguinte
dois e assim por diante. Outra regra básica é que fica proibida a conversa lateral entre os
componentes do cafezinho. A atenção deve estar voltada para apenas um interlocutor por vez.
Conclusões
Esse tipo de práxis educativa tem o objetivo de criar mecanismos que favoreçam a
conscientização de sujeitos situados em contextos sociais e culturais distintos. Existe, na
verdade, a integração de temáticas ligadas à construção das próprias identidades, à
valorização das diferenças e à configuração de sociedades complexas (Fleuri 2010, a,b,c).
A “relação literária” de indivíduos de diversas faixas-etárias auxilia na socialização e
na interação de pluralidades e complexidades culturais. Num plano pedagógico, podemos
afirmar que esse trabalho realiza uma contribuição para a educação intercultural e
humanizadora, proporcionando uma interface de conhecimentos e de refletir educativo,
baseado no posicionamento científico do projeto “Hora do Conto: Pedaços de vidas em
palavras”, da Universidade Federal de Santa Maria.
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