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Indexada em:• BBE: Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, INP)• Latindex: Sistema Regional de Información em Línea para Revistas Científicas de America Latina, el Caribe, España Portugal.Qualis: B2 - Educação

Educação em FocoAno 13, n.16 – dezembro de 2010

ISSN 1519-3322

Publicação do Centro de Comunicação da Faculdade de Educação - UEMGCampus Belo Horizonte

[email protected]

Conselho Científico

Almerindo Janela (Universidade do Minho – Portugal), Antônio Carrilo Avelar (Universidade do México), Eneida Maria Chaves (Universidade Federal de São João del-Rey – UFSJ), Francisco Antônio Loyola (Montreal), José Augusto Cardoso Bernardes (Universidade de Coimbra), Adilson Xavier da Silva (UNA/BH), José Carlos Libâneo (Universidade Católica de Goiás – UCG), Júlio César Furtado (Centro Universitário da Associação Brasileira de Ensino Universitário – UNIABEU), Maria Aparecida da Silva (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG), Maria da Consolação Rocha (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), Maria Teresa Machado Duran (Universidade de Camaguey – Cuba), Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Max Haetinger (Inteligência Educacional e Sistema de Ensino – IESDE), Mírian Paura Sabrosa Zippin Grispun (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ), Patrícia Sadovsky (Villa Dominico – Universidade de Buenos Aires - Argentina), Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito (Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG).

Conselho Editorial

Ana Teresa Drumond Rodrigues (Centro Universitário Newton Paiva), Belkiss Alves Nogueira da Fonseca (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), Maria Odília Figueiredo De Simoni (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), Santuza Abras (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG).

Educação em Foco – ano 13, n. 16 (dezembro/2010)Belo Horizonte: Faculdade de Educação/Campus BH/UEMG,1995

v. : il.; 21 x 15 cmSemestralISSN: 1519-3322

Educação – Brasil – periódicos 2 - Educação – América LatinaPeriódicos: I – Faculdade de Educação/CBH/UEMG

COD - 370

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ISSN 1519-3322

Belo Horizonte2010

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Universidade do Estado de Minas Gerais

ReitorDijon Moraes Júnior

Vice-ReitoraSantuza Abras

Chefe de GabineteEduardo Andrade Santa Cecília

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e FinançasAntônio Dianese

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-GraduaçãoLuzia Gontijo Rodrigues

Pró-Reitora de Ensino e ExtensãoRenata Nunes Vasconcelos

EdUEMG – Editora da Universidade doEstado de Minas Gerais

Avenida Coronel José Máximo - 200 - Bairro São SebastiãoCEP: 36.202-284 - Barbacena - MG

Tel.: (32) 3362-7385 - Fax: (32) [email protected]

CapaCentro Design - ED/UEMG

RevisãoTomaz de Andrade Nogueira

CoordenaçãoDaniele Alves Ribeiro

Projeto gráfico e diagramaçãoMarco Aurélio Costa Santiago

Revisão final de língua portuguesa e normalizaçãoRegina Maria Boratto Cunningham

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Faculdade de Educação – Campus Belo Horizonte(FaE/CBH) – UEMG

Diretor do Campus Belo HorizonteRogério Bianchi Brasil

Diretora da FaEDolores Maria Borges de Amorim

Vice-Diretora da FaELélia Lombardo Vieira Alves

Revista Educação em Foco

Centro de Comunicação (Cenc) da FaECBH/UEMG

Rua Paraíba - 29 - sala 704Belo Horizonte - MG - Cep: 30.130-140

Tel.: (31) 3239-5912

Coordenadora do CencMaria da Consolação Rocha

Editor responsávelTomaz de Andrade Nogueira

SecretáriaMyriam Claudino

Linha editorial

A revista Educação em Foco é editada semestralmente pelo Centro de Comunicação da Faculdade de Educação (FaE) - Campus Belo Horizonte - UEMG - e destina-se à divulgação de trabalhos relacionados a assuntos educacionais, sobretudo aqueles ligados à escola pública.As opiniões emitidas nos artigos são de responsabilidade dos autores. Permite-se a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte.

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Sumário

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Editorial

Influência da formação na prática de professores deEducação Física que atuam com alunos com deficiência:um estudo no sistema de ensino especialInfluence of training in the practice of Physical Educationteachers who work with students with disabilities: a studyin the special education systemMarcelo de Melo MendesKarla Cunha Pádua

Ensino rural primário em Minas Gerais no início do séculoXX: fundamentos e representações da escolaRural primary education in Minas Gerais at the beginningof the twentieth century: the school grounds and representationsJosemir Almeida Barros

Análise da condição de ingresso e evolução na carreiradocente nas redes estadual de ensino do Paranáe municipal de ensino de Curitiba Analysis of the condition of ingress and evolution in the teaching career in the nets of state teaching of Paraná and municipalnets of teaching of CuritibaDiana Cristina de Abreu

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Sumário

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Importância da Filosofia na educação crítica: a utilidadeda técnica no processo inclusivo de pessoas comnecessidades especiaisImportance of critical Education Philosophy: the usefulnessof the technique in the process inclusive of people with special needsSaulo Sebastião de Souza

Experiência com parceiros mais velhos edesenvolvimento de crianças na crechePlaying with older peers and child developmentat the child care centerCássia Cristina Barreto SantosAna Rosa Costa Picanço MoreiraVera Maria Ramos de Vasconcellos

A ação humana nos caminhos de Max Webere Hannah ArendtHuman action in the way of Max Weberand Hannah ArendtLúcio Alves de Barros

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Editorial

O compromisso político e a responsabilidade social das Instituições de Ensino Superior frente às políticas públicas, definidoras em grande parte dos rumos da educação no país, tornam-se, nesta 16ª edição da revista Educação em Foco, objetos de análise e reflexão, em especial no que tange aos processos de formação e atuação docente, ingresso, permanência e progressão na carreira docente. Mais uma vez, a prática docente - objeto de investigações dos pesquisadores/autores - é confrontada com a formação oferecida nas faculdades de Educação, lócus por excelência da formação docente. O distanciamento entre os campos de formação e de atuação é reafirmado. O preparo, ainda não suficiente, do docente para atuar em diferentes contextos, níveis e modalidades de ensino é denunciado, seja no relato de pesquisadores, seja nos depoimentos dos “atores” participantes de pesquisas ou de processos de formação continuada e de formação em serviço. Tais questionamentos, mais que evidenciar distância, instigam e buscam mais proximidade das instituições formadoras com as Unidades de Educação Básica.

A Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Campus de Belo Horizonte, e seu Centro de Comunicação objetivam, em suas produções, disseminar princípios e convicções sobre Educação, homem e sociedade, estabelecer diálogo com formadores e formandos, Instituições de Ensino Superior e Secretarias Municipais e Estadual de Educação, pesquisadores e promotores de políticas públicas e, em suas interlocuções, avaliar seus próprios projetos pedagógicos.

Nesta 16ª edição da revista Educação em Foco, a Faculdade de Educação contou mais uma vez com a parceria da Prefeitura Municipal de Caeté, para a qual registra seu agradecimento, reafirmando o significado para a Universidade da proximidade com municípios mineiros.

Aos autores e colaboradores desta edição, o reconhecido

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agradecimento, na certeza da contribuição de suas produções para a qualidade da educação pretendida.

O papel da Educação Física na escola e a ação educativa do professor tornam-se objetos de reflexões resultantes da pesquisa realizada por Marcelo de Melo Mendes e Karla Cunha Pádua no artigo “Influência da formação na prática de professores de Educação Física que atuam com alunos com deficiência: um estudo no sistema de ensino especial”, em que buscam identificar, no quotidiano do trabalho de quatro professores de Educação Física, em classes de alunos com deficiência, a qualidade da formação inicial frente à complexidade da prática docente em escolas especiais, suas ações, dificuldades e alternativas de práticas construídas a partir do experenciar da docência.

No artigo de Josemir Almeida Barros, “Ensino rural primário em Minas Gerais no início do século XX: fundamentos e representações da escola”, questionamentos sobre o contexto sociopolítico, econômico, cultural e educacional/institucional em Minas Gerais e sua interdependência de ações e determinações do Governo Federal oportunizam reflexões sobre a educação/instrução ministrada nos grupos escolares urbanos e a realidade educacional no meio rural. A instrução primária em Minas Gerais, por volta de 1906, tanto contribuiu para ‘moldar as crianças’ como ‘agenciou’ ou ‘controlou’ professores, por meio de modelos preestabelecidos de instrução primária. Símbolos culturais marcantes daquela época foram determinantes do distanciamento cultural do homem do campo, não só pela precariedade da instrução primária rural como pela intenção política de manutenção e fixação do homem do campo ao meio rural.

Diana Cristina de Abreu, em “Análise da condição de ingresso e evolução na carreira docente nas redes estadual de ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba” apresenta ao leitor, em um recorte da pesquisa “Remuneração dos professores das escolas públicas da educação básica - configurações, impactos, impasses e perspectivas”, uma análise detalhada dos critérios e condições

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estabelecidas pelas redes estadual de ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba para o ingresso e a progressão na carreira docente, os quais, ainda que fundamentados no aparato legal, revelam distorções que devem se transformar em “esforço a ser enfrentado pelas entidades representativas de professores”. O artigo a todos desafia: “contribuir para a valorização do magistério”. Exige a implicação de todos os educadores com as questões ali analisadas.

“Importância da Filosofia na educação crítica: a utilidade da técnica no processo inclusivo de pessoas com necessidades especiais” - nesse artigo, Saulo Sebastião de Souza coloca em evidência vários questionamentos sobre “trabalhar a educação”, ao afirmar que é preciso garantir a ela qualidade, gratuidade, criticidade e dúvida como elementos propiciadores da construção do conhecimento e da reflexão crítica. Para tanto, apresenta os significados e as contribuições da Filosofia para os processos de ensino - aprendizagem. Elementos como o lugar da técnica e das tecnologias nos processos de inclusão educativa e os benefícios daí decorrentes para os deficientes, sobretudo os visuais, também são ressaltados no texto.

Em “Experiência com parceiros mais velhos e desenvolvimento de crianças na creche”, Cássia Cristina Barreto Santos, Ana Rosa Costa Picanço Moreira e Vera Maria Ramos de Vasconcellos, fundamentadas em Vygotsky e em participantes de uma experiência pedagógica de interação com crianças de diferentes idades de uma creche do Rio de Janeiro, apresentam argumentos em favor de uma prática em educação infantil que explore as possibilidades e as riquezas das interações de crianças de diferentes idades como contribuição à criação de zonas de desenvolvimento proximal. Apostam numa prática pedagógica comprometida com o “criançar” como possibilidade de que a criança viva a infância com dignidade e respeito.

“A ação humana nos caminhos de Max Weber e Hannah Arendt” - “[...] é na vida pública - diferentemente da esfera privada - que os seres humanos encontram a alteridade, produzindo conflitos e

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consentimentos, ao mesmo tempo em que encontram campo aberto para a revelação dos interesses e descoberta da ação das aspirações do outro ou através de atos e falas vivas’’. Lúcio Alves de Barros, em seu provocativo e instigante artigo, apresenta uma categoria de análise resultante de estudos dos clássicos da ciência social - Weber e Arendt - e a pertinência dessa categoria para análises no contexto atual brasileiro.

Dolores Maria Borges de Amorim Diretora da Faculdade de Educação

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Influência da formação na prática de professores de Educação

Física que atuam com alunos com deficiência: um estudo no sistema

de ensino especial1

Marcelo de Melo Mendes2

[email protected]

Karla Cunha Pádua3 [email protected]

Resumo

Neste artigo sintetiza-se parte dos resultados de uma pesquisa para identificar influências da formação na prática de professores de Educação Física que atuam com alunos com deficiência no ensino especial. A pesquisa contou com a participação de quatro professores de Educação Física de três escolas públicas do ensino especial, administradas pelo Estado de Minas Gerais e localizadas em Belo Horizonte. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, observação participante das práticas docentes e análise de documentos. Pelos resultados verificou-se que, apesar dos avanços conquistados, ainda há muito a se fazer para a melhoria da formação inicial e continuada de professores, tendo em vista uma educação comprometida com a diversidade e com a inclusão de todos, em especial, dos alunos com deficiência.

1 Este trabalho é parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentado na Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações, sob a orientação do segundo autor.2 Mestre em Educação, analista de Políticas Públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Esportes, professor da Universidade FUMEC e Faculdade Pitágoras/Betim. 3 Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais.

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Nessa direção, no estudo foram indicadas potencialidades formativas dos saberes adquiridos nas experiências diretas com alunos deficientes e nas redes de troca e de apoio com profissionais mais experientes.

Palavras-chave: Educação Física; formação de professores; alunos com deficiência; ensino especial.

Introdução

O trabalho dos professores de Educação Física com alunos com deficiência se insere hoje num contexto mundial de conquistas legislativas que garantiram uma série de direitos às pessoas com deficiência, principalmente nas instâncias da profissão, saúde, educação, lazer, moradia e acessibilidade.

No Brasil, o marco dessas conquistas foi a Constituição Federal de 1988 e outros decretos e diretrizes de leis que surgiram a partir de recomendações de importantes conferências internacionais. Entre tais conferências internacionais, as mais significativas foram a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990), aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990; a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), firmada na Espanha em 1994; a Convenção interamericana voltada para a eliminação de toda forma de discriminação contra a pessoa com deficiência, na Guatemala, em 1999 e a Declaração Internacional de Montreal sobre a inclusão, em 2001, que marcaram pontos favoráveis e determinantes como políticas de inclusão da pessoa com deficiência na educação.

Para Mantoan (2006), o termo inclusão é uma provocação. Provocação que tem a intenção de melhorar a qualidade do ensino das escolas. O objetivo da inclusão é possibilitar o acesso, a permanência na escola e o sucesso acadêmico de todos os alunos. Para esse acesso à escola, no Brasil coexistem dois sistemas: o ensino regular comum e o ensino especial. De acordo com perspectivas

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de parâmetros legais e autores como Mantoan (2006, 2008), Batista (2004), Carvalho (1998, 2007), Sassaki (2007) e Werneck (1993, 1999), o sistema de ensino regular comum deveria ser transformado de tal forma que, a partir do momento em que a escola fosse inclusiva, todos os alunos, independentemente de suas condições peculiares, estivessem inseridos juntos num mesmo estabelecimento de ensino. Nesses pressupostos, propõe-se o fim do ensino especial.

Entretanto, apesar de movimentos contrários, a escola de ensino especial persiste em existir. Isso se dá em função de diversos fatores, tais como a necessidade de atendimentos especializados a determinados alunos com deficiência, a presença de alunos com dificuldades de aprendizagem no ensino regular que utilizam das salas de recursos em escolas especiais e a presença de professores especialistas que se capacitam e se formam para atuar com determinado tipo de público. Nesse sentido, Muller e Glat (2007, p. 17) defendem que,

[...] é nossa firme convicção que a classe especial tem sua função e clientela específica e que, pelo menos em nosso país, ainda perdurará como modalidade de ensino por muito tempo. Em outras palavras, consideramos que a classe especial é para muitos alunos a melhor opção de aprendizagem, principalmente para aqueles que ainda não têm (ou que provavelmente não terão jamais) condições de freqüentar (sic) com aproveitamento acadêmico a classe regular. Mas, certamente, para que possa atender às demandas sócio-educacionais (sic) atuais, ela necessita urgentemente de uma transformação.

Na perspectiva dessas autoras, assim como no sistema de ensino comum regular, a escola especial também necessita ser transformada para melhor qualificação do ensino. Mas essa transformação das práticas pedagógicas da classe especial não pode ocorrer por intermédio de um modelo externo, determinado de fora para dentro, mas pelos próprios professores.

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No entanto, apesar das legislações e propostas relativas à inclusão das pessoas com deficiência, inúmeras barreiras dificultam o estabelecimento de políticas na prática cotidiana das escolas brasileiras. Entre essas barreiras, destacamos o despreparo dos profissionais da área de educação para atuar com alunos “problemas”, entre eles os deficientes (BUENO, 2004). Partimos do pressuposto de que esse despreparo, ou “necessidade de capacitação”, termo bastante utilizado por profissionais da educação quando apresentam dificuldades em atuar com alunos com deficiências, poderia ser minimizado com investimentos nas formações iniciais e continuadas do professor. Além disso, acreditamos que há outras influências de caráter pessoal e da história de vida do profissional, assim como elementos da trajetória de formação inicial e continuada, que interferem na configuração das concepções e práticas de atuação dos professores de Educação Física com alunos com deficiência.

É preciso considerar que os percursos formativos dos professores estão em constante construção e são constituídos por diversas dimensões, sejam pessoais, profissionais, acadêmicas, sociais, culturais e históricas. Essa construção formativa não acontece de forma solitária e nem descontextualizada de aspectos culturais e sócio-históricos, mas por meio de uma reflexão do próprio profissional, com trocas de experiências entre seus pares e conhecimentos adquiridos nas práticas sociais, docentes e de formação. O processo de formação é carregado de sonhos, intenções, valores e contradições relacionados a sentidos e experiências que tocam o sujeito (LARROSA, 2002).

A partir da atribuição da Educação Física de desenvolver trabalhos com deficientes, pelo Conselho Federal de Educação em 1987, as escolas de ensino superior inseriram no curso de Educação Física disciplinas que abordam a atividade física para pessoas com deficiência (PEDRINELLI, 2005). Passou a ser uma preocupação e um questionamento das instituições de ensino superior a questão de como formar o profissional de Educação Física, na graduação,

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para atuar com alunos com deficiência. Na prática, antes mesmo da inserção de disciplinas que

abordassem atividade física para pessoas com deficiência, o profissional já atuava com esses alunos. Para isso, utilizava conhecimentos adquiridos na própria prática ou vindos da formação continuada, o que dependia do interesse e da motivação do docente. Atualmente é uma determinação da própria Constituição Federal e da Leis de Diretrizes e Bases da Educação que os profissionais de licenciatura tenham em seu currículo disciplinas que discutam e abordem o tema “pessoas portadoras de necessidades especiais” ou “pessoas com deficiência”.

Portanto, não é mais uma escolha do profissional a questão de se trabalhar com o deficiente ou não; a “escola para todos” obriga o profissional a se capacitar. As políticas de inclusão exigem que os futuros profissionais se formem para atuar com alunos diferentes e com condições peculiares, independentemente de seu desejo. Nessa perspectiva, propusemos estudar as influências da formação nas práticas dos profissionais de Educação Física que atuam com deficientes, seja essa formação de caráter pessoal, inicial ou continuada.

Para compreender os resultados desse estudo, serão apresentadas, a seguir, uma contextualização da pesquisa realizada e a metodologia utilizada.

Contextualizando a pesquisa

Com o propósito de analisar a influência da formação pessoal, inicial e continuada na prática de professores de Educação Física com alunos com deficiência, buscamos traçar um itinerário de pesquisa baseado em pressupostos que norteiam a pesquisa qualitativa. Além disso, buscou-se uma fundamentação teórica, realizada a partir de uma revisão de bibliografia sobre a temática estudada, que teve o papel de ajudar a situar e compreender o campo da pesquisa, isto é, conhecer o movimento de construção

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histórica das políticas de Educação Física no Brasil e das propostas educacionais voltadas às pessoas com deficiência.

Quanto ao trabalho de campo, selecionamos quatro professores formados em licenciatura em Educação Física que atuam em escolas estaduais do sistema de ensino especial, localizadas em Belo Horizonte. A escolha das escolas se deu durante a fase exploratória da pesquisa, na qual foram realizadas visitas às oito escolas estaduais do sistema de ensino especial do estado de Minas Gerais existentes em Belo Horizonte e pela observação de aulas de professores de Educação Física.

Essa fase exploratória norteou a seleção de três escolas que atuam com públicos diferenciados: uma que trabalha com alunos com deficiência visual e múltipla, outra que atua com alunos com deficiência auditiva e múltipla e uma escola que lida com alunos com deficiência intelectual e múltipla. Nessas escolas selecionamos quatro professores com até seis anos de formação em licenciatura em Educação Física e que haviam estudado em diferentes instituições de ensino superior para a realização das entrevistas semiestruturadas.

Todas as entrevistas foram realizadas nas próprias escolas onde os professores trabalhavam, em locais disponíveis no momento da coleta de informações, como sala da diretora, pátio, área externa e sala dos professores. Em todos esses ambientes não ocorreram interferências que atrapalhassem a condução das entrevistas, que foram gravadas e armazenadas em um equipamento de gravador-reprodutor “Sony MP3” e posteriormente transcritas.

Após a transcrição, os dados coletados nas entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo e complementados com a análise de documentos e das anotações da observação participante de aulas de Educação Física, realizadas uma vez por semana com cada um dos professores no decorrer do primeiro semestre de 2010. Conforme Bardin (1977) e Franco (2008), a análise de conteúdo aplica-se a discursos e baseia-se na dedução ou inferência sistemática, de forma objetiva, identificando algumas

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características da mensagem por meio da construção de categorias, reunidas por temas de significação.

Assim, de posse de leituras das entrevistas transcritas, das observações das aulas e de referencial teórico foram estabelecidas categorias relacionadas às práticas profissionais e à formação do professor. Em relação às práticas profissionais, foram construídas as categorias “concepções de Educação Física”, “dificuldades encontradas na prática”, “trajetória de encontro da prática profissional com deficientes” e “o professor de Educação Física e a inclusão de deficientes”. No caso da formação profissional, foram construídas as categorias “experiências com deficientes”, “formação inicial” e “formação continuada”.

Foi realizada a análise de cada uma dessas categorias por professor e, depois, dos quatro professores participantes da pesquisa. O entrecruzamento das informações possibilitou estabelecer as influências da formação nas práticas dos professores de Educação Física que atuam com alunos com deficiência. É preciso ainda mencionar que a pesquisa bibliográfica e documental permitiu montar uma lente interpretativa, fundamental para a compreensão dos dados empíricos coletados, tanto por meio das entrevistas quanto pelas observações da prática desses profissionais nas escolas.

Para resguardar os professores pesquisados, optamos por não divulgar os seus nomes reais e utilizar os seguintes nomes fictícios: Deanne, Lúcia, Daniele e Tenório, em homenagem aos atletas de judô, deficientes visuais, medalhistas na paraolimpíada de Pequim.

Apresentamos a seguir os principais dados coletados na pesquisa, tecendo a análise a partir de referenciais teóricos que tratam do tema da formação de educadores. Para fins desta apresentação, os resultados do estudo foram separados em três temas: a trajetória de encontro com a prática profissional com deficientes, as concepções e práticas de Educação Física no ensino especial e o olhar dos profissionais sobre a inclusão.

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Trajetória de encontro com a práticaprofissional com deficientes

Partindo da formação pessoal, os professores pesquisados não relataram nenhuma influência pessoal significativa, antes da graduação em Educação Física, que tivesse interferido no direcionamento do trabalho com pessoas com deficiência. Esse dado encontra-se em desacordo com autores como Mantoan (2006, 2008), Pedrinelli (2005) e Muller e Glat (2007), que citam influências pessoais e familiares para a escolha de se trabalhar com o público formado por pessoas com deficiência.

Além disso, para esses professores, a influência da vida escolar, referindo-se ao ensino fundamental e médio, não auxiliou em suas produções do saber docente para atuar com deficientes, como é defendido por Tardif (2002). Esse fato pode estar relacionado ao contexto social e político da época em que frequentaram tais níveis de ensino, período em que havia pequena presença de alunos deficientes nas escolas, raros debates na sociedade a respeito da inclusão e pouca discussão sobre a potencialidade da prática de Educação Física para alunos com deficiência.

A professora Lúcia comenta que o único contato que teve na infância com deficientes foi com alunos com Síndrome de Down; no entanto, esses contatos teriam se dado de forma bastante superficial, tendo em vista que, como relata, “não era comum ver alunos com deficiência frequentando a sociedade; os próprios familiares escondiam os deficientes em suas casas”. Tal questionamento, semelhante ao que relataram os demais professores desse estudo, corrobora afirmações de Mantoan (2006, 2008), Sassaki (1997), Muller e Glat (2007) e Batista (2004) de que até a década de 80, época em que a professora Lúcia cursava o ensino fundamental e médio, não era comum ver pessoas com deficiência incluídas na sociedade; a própria família não lhes oferecia oportunidades de interagir com o meio social.

Na história de vida dos professores entrevistados, as crenças, os

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valores e as representações construídas da aula de Educação Física foram adquiridos sem a presença marcante de pessoas diferentes e com condições peculiares. Em suas vidas de estudantes nos ensinos fundamental e médio, não contaram com a presença de pessoas com deficiência que pudessem contribuir para a construção de seus saberes docentes. Tais saberes relacionados aos deficientes não teriam sido adquiridos em experiências familiares nem nas experiências escolares como estudantes.

Os primeiros contatos com o tema e com a possibilidade de atuação profissional com esse público ocorreram em disciplinas relacionadas às pessoas com deficiência na formação inicial desses profissionais, em cursos de curta duração e em estágios da área de Educação Física. Os professores desse estudo não pensavam em atuar com alunos com deficiência antes de cursar Educação Física e nem imaginavam que o curso tinha como perspectiva formar profissionais para trabalhar com atividades físicas para pessoas com deficiência. Isso acontece com muitos outros profissionais, conforme destacou Winnick (2004, p. 4):

as pessoas que seguem a carreira do ensino da educação física e do treinamento esportivo normalmente apreciam a atividade física e participam ativamente da educação física e do esporte. Entretanto, muitas vezes não tomam conhecimento da educação física e esportes adaptados até o momento em que se preparam para a carreira. Com uma consciência mais ampla, percebem que a habilidade de pessoas com necessidades especiais pode variar entre muito baixa e extremamente alta [...]. Os alunos começam a considerar que há indivíduos com diversas necessidades especiais envolvidos na educação física e esportes adaptados e aprendem também que entre pessoas com necessidades especiais há tanto portadores de deficiência como não portadores de deficiência.

Entretanto, em relação à formação inicial, apesar de ter possibilitado aos profissionais o reconhecimento da possibilidade

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de atuação com alunos com deficiência, apenas a professora Deanne, com a experiência da formação inicial, foi tocada no sentido de escolher atuar com esse público específico. Os demais professores afirmam não terem sido influenciados pela experiência da formação inicial para trabalhar com pessoas com deficiência. Eles começaram a trabalhar no ensino especial a partir de oportunidades que surgiram após a formação em Educação Física. De acordo com a professora Deanne,

Na escola não tive, não me lembro de ter nenhum colega deficiente na escola. Tem algumas pessoas da minha família, são parentes de 2° grau que são deficientes, né? Bom! Na faculdade, a pessoa que incentivava a gente a trabalhar com o deficiente foi o professor da disciplina de Educação Física para pessoas com deficiência. E é até hoje, né, pela questão da amizade que a gente tem. Gostei muito de como as disciplinas foram trabalhadas, principalmente em relação ao estágio. Aqui na escola é a supervisora, né? Pelo trabalho que ela realiza, além de todos os colegas que a gente acaba fazendo na faculdade... O Cássio, né? Que já lida com deficientes há bastante tempo, que está sempre trocando experiência. Você vê, quando acontece algum problema, a gente vai conversando, colocando algumas coisas, né, em prática. O que dá certo, o que não dá certo, é fazendo essa troca de experiência do dia-a-dia.

A partir de disciplinas cursadas na graduação em Educação Física, a professora Deanne teve oportunidade de conhecer entidades e escolas que atuam com diferentes tipos de deficiências, de participar de eventos esportivos e promocionais específicos para o público de deficientes e, por intermédio de um professor universitário, iniciou um estágio voluntário no Programa Superar4. Além disso, colegas de profissão mais experientes auxiliaram em

4 Programa da Secretaria Municipal Adjunta de Esportes que atua com políticas públicas de esporte destinadas às pessoas com deficiência.

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seus primeiros passos no contexto das práticas de Educação Física no ensino especial.

Já os demais professores questionam a influência de seus cursos de formação inicial. Os professores Tenório, Daniele e Lúcia afirmaram que não receberam influências positivas para a escolha de atuar com o público de pessoas com deficiência, que as teorias desenvolvidas nas disciplinas eram totalmente desarticuladas da prática e que muitos dos professores universitários não proporcionavam vivências e contatos diretos com pessoas diferentes e com condições peculiares. Além disso, alguns desses professores não tinham interesse em atuar nessa área, como é relatado pelo professor Tenório:

Não tive muito rendimento com esta disciplina, porque na época eu não trabalhava com este público e não tinha muito interesse em trabalhar com deficiência... Na época, também, a disciplina trabalhava com várias deficiências, o conteúdo era bastante misturado. [...] Eu não tinha interesse por esta prática. A professora desenvolvia bem a teoria, dava pra entender o processo pela teoria, no entanto a questão prática ficava a desejar. As práticas eram feitas conosco mesmo, com os próprios alunos da sala; neste ponto, eu tinha dificuldade de me ver atuando com deficientes.

Como podemos ver, três professores desse estudo não se sentiram influenciados a atuar com pessoas com deficiência durante a graduação em licenciatura em Educação Física e vieram a atuar nessa área a partir de oportunidades que surgiram após a graduação. A formação continuada para atuar com públicos específicos ocorreu por intermédio de cursos obrigatórios realizados pela Secretaria Estadual de Educação, experiências e contatos com os próprios alunos com deficiência no dia-a-dia e, principalmente, com o apoio de profissionais mais experientes, como professores de diversas áreas, diretores e supervisores de escolas. É o que mostra o relato da professora Daniele:

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Estava dando aula no ensino regular no turno da manhã, vi um cartaz informando sobre uma designação em uma escola e me interessei; na hora que cheguei aqui, foi que fiquei sabendo que era para trabalhar com deficientes auditivos. Eu não tinha nenhuma prática, não sabia nada de Libras e, apesar da exigência de se saber Libras, eu consegui entrar na designação. Eu era a única professora formada em licenciatura em Educação Física; então a diretora sugeriu que eu assumisse a designação e fizesse paralelamente o curso de Libras. Tudo que eu aprendi foi fazendo, foi na prática. E aí eu falo que nós aprendemos somente quando praticamos.

Tal comentário nos remete às análises de Tardif (2002) e Nóvoa (2009), que ressaltam que os professores necessitam de conhecimentos específicos de sua profissão e de teorias desenvolvidas a partir da prática dessas profissões e que, portanto, a formação inicial dos professores deveria basear-se em tais conhecimentos. Os autores defendem os conhecimentos práticos e as vivências da profissão na formação inicial dos professores, além de uma reflexão do profissional que entrelace a teoria e a prática. No entanto, o que se percebe é que muitas das teorias ministradas nesses cursos são dominadas por conteúdos e lógicas disciplinares, não tendo relação com as realidades cotidianas do ofício dos professores que atuam com alunos com deficiência.

Além da necessidade de se analisar os cursos de formação inicial, os dados obtidos nos mostram a importância do conceito de formação em serviço utilizado por Mantoan (2006). A autora acredita que a formação dos profissionais não se dá apenas na graduação, mas também no convívio com alunos diferentes e com condições peculiares, em encontros de profissionais e em cursos. Portanto, é importante que se considere a formação que acontece no dia-a-dia e no trabalho direto com alunos com deficiência, o que propicia o desenvolvimento de uma série de habilidades. Grupos de discussões, encontros e debates, nessa perspectiva, são vistos

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como capazes de incentivar reflexões sobre as possibilidades de atuação em determinadas condições peculiares. Como podemos ver, Mantoan (2006 e 2008) e Tardif (2002) não consideram como formação permanente apenas os cursos práticos, mas o cotidiano escolar, as relações entre os professores, as reflexões das práticas e o convívio com os próprios alunos como elementos formativos do saber docente.

Larrosa (2002) enriquece esse debate, afirmando que o sujeito da formação é o sujeito da experiência e não da aprendizagem. O autor enfatiza que os saberes da experiência são o que fazem o que somos e não o que sabemos. Pelo relato da professora Deanne, as teorias das disciplinas relacionadas com deficiência no curso de graduação lhe apresentaram saberes que auxiliam sua prática, no entanto, o que lhe proporcionou formação para a prática docente foram suas experiências nos estágios das disciplinas, estágios voluntários e principalmente sua convivência com outros profissionais e pessoas com deficiência no dia-a-dia de sua atuação docente.

No estudo realizado, como vimos, os conhecimentos relacionados à prática da Educação Física escolar, adquiridos no entrelaçamento das experiências pessoais com aquelas adquiridas na formação inicial e continuada, tornam-se ferramentas fundamentais para o dia-a-dia do profissional de Educação Física que trabalha com deficientes.

Concepções e práticas de Educação Físicano ensino especial

Atualmente, a formação do professor de Educação Física está pautada nos “Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN), publicados a partir de 1997. Esses parâmetros tiveram como principais referências em sua formulação as abordagens da psicomotricidade crítico-superadora, desenvolvimentista e construtivista que influenciaram a elaboração de conteúdos da “cultura corporal do movimento” a serem desenvolvidos nas

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aulas de Educação Física.A professora Deanne parece se orientar por tais concepções, já que

acredita que os conteúdos da Educação Física a serem trabalhados na escola estão relacionados com as práticas culturais que envolvem o movimento corporal - práticas constituídas pelos esportes, danças e expressões corporais. Em relação aos esportes, a professora enfatiza a importância de se trabalhar as habilidades e as regras das modalidades e de se estimular os alunos a participar das atividades de forma autônoma, com o mínimo de dependência possível.

Para que os alunos com deficiência consigam realizar as atividades de forma autônoma, de acordo com Deanne, um dos objetivos principais do trabalho da Educação Física é desenvolver a coordenação motora. Os conteúdos observados em suas aulas, bem como os objetivos da Educação Física, estavam de acordo com as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais e com os elementos da cultura corporal do movimento (SOARES et al., 1992). Em relação aos objetivos propostos pela Educação Física escolar, a professora afirma:

[...] pelo público que a gente atende aqui na escola, pra mim, a prioridade é a coordenação motora, porque os meninos chegam muito limitados mesmo, não sabem pular uma linha, uma corda. A prioridade para eles... eu acredito que seja a coordenação motora, para depois se iniciar um esporte, ser iniciado... A gente tem alguns alunos aqui na escola que não conseguem se deslocar se não tiverem um auxílio, né? Sem este auxílio pra andar fica muito difícil pra ele realizar o movimento do corpo mesmo.

Concepções e posturas diferentes foram observadas nas falas da professora Daniele, que acredita que a única diferença da Educação Física em relação ao ensino regular comum é o número reduzido de alunos. No caso de turmas em que tenham alunos com deficiências múltiplas, ela afirma trabalhar basicamente com a coordenação motora. Interessante que esse discurso é recorrente

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a todos os professores desse estudo, que sempre enfatizam a importância da coordenação motora e da psicomotricidade no trabalho com turmas com alunos deficientes mais comprometidos.

O professor Tenório destaca como conteúdos que devem ser trabalhados com alunos com deficiência visual a expressão corporal, a psicomotricidade, a lateralidade, os movimentos corporais a partir da música e os movimentos fundamentais. Além disso, em sua perspectiva de atuação com deficientes visuais, o professor deve utilizar vários materiais, principalmente para o reconhecimento dos alunos, tais como pneus, bambolês, cordas e bolas de diferentes tamanhos. Durante as observações das aulas, pôde-se perceber muitas dificuldades desse professor em desenvolver certos conteúdos; entre eles, a de demonstrar movimentos novos aos alunos e realizar estímulos como, por exemplo, o uso de sons, tato e práticas guiadas pela informação verbal e pelos movimentos cinestésicos, isto é, movimentos realizados pelos alunos com o auxílio do professor. O conteúdo que Tenório mais trabalhava com os alunos eram os movimentos fundamentais básicos, isto é, andar, correr, agachar, segurar em algo e saltar, além de atividades culturais em roda. Ele relatou, durante as observações das aulas, sua dificuldade de trabalhar esportes com os alunos, em função de desconhecer os praticados por pessoas com deficiência visual.

Atualmente, os deficientes visuais praticam várias modalidades esportivas; entre as principais estão o goalball, futebol de cinco, judô, natação, atletismo e xadrez. Existe em Belo Horizonte uma associação de deficientes visuais que fomenta esportes para esse público. O relato do professor nos mostra uma lacuna na formação dos profissionais que atuam com deficientes, que reflete sobretudo naqueles que estão em início de carreira.

Em relação aos conteúdos desenvolvidos com os alunos, a professora Lúcia dá ênfase aos esportes e aos pequenos jogos, atividades que envolvem o lúdico, pois, segundo ela, oferecem mais possibilidades de execução por parte dos alunos. Nesse sentido, afirma:

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Trabalho todas as modalidades, movimentos básicos, o lúdico, nada com muita exigência, mas com muitas brincadeiras e sempre incentivando os alunos a fazerem a aula... apesar da escola não ter uma estrutura que me permita desenvolver muitas modalidades... Agora, tem que ver também o que os alunos dão conta de fazer, o que eles conseguem fazer em razão da memória deles.

Podemos perceber nos discursos dos professores pesquisados um conhecimento sobre os conteúdos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Física. No decorrer das aulas, foram observados conteúdos relacionados aos esportes, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas e pequenos jogos. No entanto, apesar de aparecerem no discurso de alguns professores, não foram observadas propostas de interdisciplinaridade e nem reflexões voltadas aos temas transversais, que estão previstas nos PCN.

Para a consecução dos objetivos propostos nas aulas de Educação Física, a professora Deanne afirma que utiliza como avaliação as observações e anotações dos desempenhos dos alunos nas aulas. Informa que essas anotações são da ordem quantitativa, com obtenções de tempos, participações em jogos e registros de desempenhos, e qualitativa, com observações sobre a participação e o envolvimento dos alunos com a Educação Física e os demais colegas. Deanne ressalta que as observações sobre o comportamento dos alunos, além dos objetivos inerentes à Educação Física, são necessárias em função de medicamentos que os alunos utilizam e que modificam a forma como interagem com o meio social. De acordo com a professora, em função dessa avaliação qualitativa, ela estabelece um diálogo com a direção e com os familiares. Esses comportamentos diferenciados se manifestam muito na aula de Educação Física, em função de ser um espaço mais aberto e livre para as expressões comportamentais dos alunos. Segundo Deanne, a avaliação é realizada de forma processual, sem uma perspectiva hierárquica entre os próprios alunos e com uma proposta de que cada um tenha seu ritmo de aprendizado.

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Em relação a esse aspecto, os professores Tenório, Lúcia e Daniele informaram que não existe uma avaliação sistematizada do aluno na aula de Educação Física. Segundo eles, a avaliação é realizada por meio de observações individuais ou do comportamento do aluno na turma. Parece haver, no discurso dos professores entrevistados, indícios de dificuldades em se avaliar as potencialidades dos alunos.

Mantoan (2006), ao discutir sobre o processo de avaliação, enfatiza sobre a importância de explorar talentos, atualizar possibilidades e desenvolver predisposições naturais de cada um dos alunos. Nesse sentido, a avaliação sistematizada, processual, individualizada, não hierárquica e a perspectiva de detectar as possibilidades do aluno ganha importância no trabalho com alunos com deficiência. Inclusive, para se estruturar um planejamento, a avaliação das potencialidades dos alunos deveria estar estabelecida.

Tanto durante as observações das aulas quanto nas entrevistas não foram mencionados pelos professores dificuldades inerentes aos alunos. Apesar de serem alunos com deficiências múltiplas, de estarem em turmas heterogêneas e apresentarem quadros de mudanças de comportamento, em nenhum momento isso apareceu como dificuldade nos relatos. No entanto, de acordo com Aguiar (2005), Araújo (1999), Bueno (2004), Carvalho (1998, 2007), Glat (2007), Mantoan (2006, 2008) e Sassaki (1997), para os professores do ensino comum regular, questões referentes aos alunos com deficiência apresentam-se como dificuldades, tais como a falta de formação para atuar com deficientes, a heterogeneidade das turmas e o desinteresse em atuar com o público de deficientes.

Tendo em vista que o ambiente educacional pode propiciar meios para viabilizar e facilitar o processo de inclusão, os aspectos citados acima nos levam a refletir sobre o papel da Educação Física na escola, bem como sobre a ação educativa do professor. Pode-se considerar que a participação efetiva e a ação do professor parecem influenciar diretamente a função pedagógica que a Educação Física deve assumir na escola, o que implica um novo

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olhar para a inclusão.

Olhar dos profissionais sobre a inclusão

A inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de ensino e, consequentemente, a formação dos professores para atuar com tal público têm sido, sem dúvida, as questões referentes à educação mais discutidas em nosso país nas últimas décadas. Atualmente, além de estarem presentes em congressos, cursos de capacitação e textos da literatura especializada, são objetos de propostas de intervenção em legislações e em políticas públicas educacionais em níveis federal, estadual e municipal.

O papel da Educação Física no processo de inclusão dos alunos com deficiência, de acordo com a professora Deanne, é o de “dar oportunidade para todos pra experimentar de tudo”. De acordo com a professora, na Educação Física os alunos têm a possibilidade de vivenciar atividades que não são vivenciadas no seu dia-a-dia, tais como dançar, jogar futebol, praticar atletismo, jogar bocha, fazer ginástica e participar, por exemplo, de uma aula cujo conteúdo seja o circo. Em relação a essa questão, a professora comenta:

[...] tento proporcionar a maior diversidade de temas para que esse aluno possa participar de tudo, né? Porque, muitas vezes, lá fora, num outro espaço, ele não vai ter essa oportunidade! Vivenciar um pouquinho de cada coisa... de cada coisa. Por exemplo: se tiver um dia aí que o tema da aula seja circo, vai ter aquele momento, porque a gente não sabe se a família vai ter condições, por exemplo, de levá-lo pro circo, né? Então, é vivenciar todos os temas dentro da escola, porque a gente não sabe se ele vai vivenciar isso fora.

Para Deanne e Tenório, além de propiciar vivências aos alunos de atividades que não realizariam fora do ambiente escolar, a Educação Física permite a socialização entre eles próprios, entre seus familiares e pessoas que não estão inseridas no contexto da

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escola especial. Segundo Tenório, o principal papel do professor de Educação

Física no processo de inclusão na aula de Educação Física é estimular os alunos a fazerem atividades físicas. De acordo com ele, uma das grandes dificuldades dos alunos fora do ambiente escolar diz respeito à socialização; por isso acredita que é importante estimular, desenvolver condutas que facilitem a socialização e proporcionar autonomia e independência dos alunos com deficiência visual, principalmente no sentido da orientação espacial e da mobilidade. Para Tenório, esses seriam os principais objetivos da Educação Física no trabalho com esse público específico.

De acordo com o relato de Daniele, “não é difícil incluir a pessoa com deficiência auditiva na sociedade”. A professora afirma que eles já estão sendo incluídos na sociedade e mesmo no trabalho, com a contratação de deficientes em empresas, ou mesmo no ambiente escolar, por intermédio da política de “escola para todos”. No entanto, segundo Daniele, o grupo de pessoas com deficiência auditiva é fechado, prefere estar junto e gosta de se comunicar apenas por Libras: “Se existe um ouvinte que não sabe a Libras, os deficientes auditivos não se aproximam, não tentam se comunicar por outra maneira”. Por isso considera o conhecimento de Libras por parte dos professores, funcionários e mesmo dos alunos como de fundamental importância para a inclusão dos alunos com deficiência auditiva na escola.

Em relação às aulas de Educação Física, a professora considera muito fácil incluir o deficiente auditivo, pois “as crianças com deficiência auditiva já brincam com as crianças ouvintes no seu dia-a-dia e a única dificuldade realmente é a audição, já que elas são capazes de realizar tudo que envolva o movimento”. Para Daniele, em relação às outras disciplinas, os alunos com deficiência auditiva têm muitas dificuldades em estar inseridos na “escola para todos”. Nas “escolas para todos”, segundo Daniele, os professores não sabem Libras, têm dificuldades de ensinar conceitos abstratos aos alunos e, apesar da obrigatoriedade do intérprete na sala de

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aula, muitos alunos com deficiência auditiva não dão conta de acompanhar o ensino, param de estudar ou retornam ao ensino especial. Segundo ela, tais problemas representam uma barreira para a inclusão e para a conquista de uma “escola para todos”.

De acordo com Lúcia, apesar de ser obrigação dos professores atenderem a todos os alunos, independentemente de suas diferenças, não são todos que aceitam trabalhar com alunos com deficiência. Por não receberem formação adequada para atuar com esse público específico, afirma que, muitas vezes, de forma velada, os professores prejudicam ainda mais o desenvolvimento desses alunos. Em seu discurso, a professora critica as políticas públicas de educação, que não oferecem condições de formação para os docentes e nem preparam a escola regular comum para receber alunos com deficiência: “Os alunos estão indo para o ensino regular sem uma preparação da escola”.

Considerando as abordagens aqui apresentadas, podemos observar que a Educação Física no ambiente escolar vem buscando uma transformação e melhor compreensão de seu papel na perspectiva de ampliar a participação da população escolar nas atividades desenvolvidas pela disciplina. Nesse sentido, a Educação Física, num processo histórico, vem se transformando para atender a todos, independentemente das necessidades especiais do aluno.

Considerações finais

Nas últimas décadas tem-se observado um grande número de documentos, leis, políticas públicas e planos estratégicos com a perspectiva de melhorar a qualidade do ensino, em consonância com práticas educativas comprometidas com a diversidade cultural e com a construção de uma sociedade justa, inclusiva e democrática. No entanto, sabemos que as transformações no ensino passam pelos professores e que é preciso ouvi-los para avaliar em que medida as intenções das políticas públicas estão

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sendo realmente implementadas na prática cotidiana das escolas. É preciso, pois, conforme destacaram Tardif (2002), Nóvoa (1992, 1995 e 2009), Muller e Glat (2007), analisar as práticas docentes e ouvir os professores atuantes no cotidiano escolar, especialmente no que diz respeito aos novos desafios colocados pelas políticas públicas de formação de professores para o ensino com deficientes.

A respeito da formação inicial, embora essa experiência tenha se destacado apenas em uma das entrevistas realizadas, chama a atenção o fato de que uma das professoras afirma ter sido influenciada a trabalhar com alunos com deficiência a partir do conhecimento de disciplinas que abordavam o tema “Educação Física e atividade física para pessoas com deficiência” no curso de graduação. Apesar de entender que seu saber docente vem sendo adquirido diariamente com sua prática, considerou importante, para dar início à sua profissão, o conhecimento teórico e prático adquirido no curso de Educação Física. A professora enfatiza que, por intermédio de vivências teóricas e práticas, relacionamentos positivos com o professor universitário, bem como interferências de professores de Educação Física mais experientes, sentiu-se tocada a atuar com esse público. Além disso, seu curso de licenciatura em Educação Física oferecia uma boa carga horária em relação a esse conteúdo específico; havia também vivências e estágios em práticas esportivas para pessoas com deficiência e a teoria apresentava relação direta com a prática docente. Estas experiências auxiliaram sua escolha em trabalhar com pessoas com deficiência, influenciando também sua constante busca por cursos de capacitação profissional e envolvimento na área do público de deficientes.

Por outro lado, os demais professores entrevistados não especificaram influências significativas da formação inicial para a escolha de atuar com o público de pessoas com deficiência. Eles relataram que os conhecimentos adquiridos na graduação para atuar com o referido público não foram suficientes, mencionando a carga horária reduzida e as dificuldades de relacionar teoria e

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prática. Foi citada também a dificuldade de alguns professores universitários em ministrarem conteúdos práticos relacionados a alunos deficientes. No entanto, a experiência positiva de uma das professoras no curso de graduação, como citado anteriormente, mostra-nos que os cursos de licenciatura em Educação Física poderiam contribuir para a formação de professores mais sensibilizados com os temas da inclusão e da deficiência.

Os professores entrevistados ressaltaram que, ao iniciarem suas carreiras como docentes, não estavam confiantes quanto às suas capacidades para atuar com deficientes. Apesar dos conhecimentos adquiridos na formação inicial, muitas demandas em relação aos saberes docentes surgiram a partir da prática e do convívio com os alunos no cotidiano escolar. Para enfrentar tais desafios, recorreram à ajuda de colegas mais experientes em busca de apoio, muitos deles não vinculados à área da Educação Física, e à aquisição de conhecimentos a partir das suas próprias experiências. Entretanto, na maioria das vezes, a colaboração dos colegas mais experientes se dá informalmente, sendo que poderia ser uma política de formação continuada.

Vimos nas entrevistas e nas observações da prática dos professores desse estudo, provavelmente pelo fato de estarem situados em ambientes que atuam diretamente com alunos com deficiência, que estão realizando investimentos pessoais e profissionais em formação para atender a esse público. Vêm buscando participar, muitas vezes por conta própria, de cursos diversos de formação continuada: Libras, Braille, cursos obrigatórios da Secretaria Estadual da Educação e cursos práticos de curto prazo e de especialização. Dessa forma, procuram aprimorar sua prática docente, com retorno visível para os alunos no sentido de auxiliar sua convivência social e propiciar benefícios físicos. De acordo com Mantoan (2006, 2008), Batista (2004), Carvalho (1998, 2007), Rodrigues (2006), Pedrinelli (2005), Sassaki (1997), entre outros autores, isso não acontece com pessoas que estão se formando em licenciaturas e atuando no ensino regular comum.

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Entretanto, em relação à inclusão escolar de todos e ao respeito às diferenças e diversidades, ainda há muito a ser transformado nas escolas, tanto do sistema de ensino especial quanto do sistema regular comum. Transformações que dependem de políticas públicas de educação voltadas para a melhoria da formação inicial e continuada dos professores e da estrutura física e pedagógica das escolas, assim como de novas atitudes dos profissionais, no sentido de entenderem e considerarem as diversidades.

Por fim, a pesquisa realizada não teve como pretensão ser conclusiva, mas trazer à tona questões que envolvem a formação e a prática de professores de Educação Física em trabalhos com alunos com deficiência. Os desafios para superar e conviver com as diferenças são muitos e, por mais adversas que se apresentem as condições de trabalho, torna-se importante refletir sobre as possibilidades de formação do saber docente, bem como de melhorias para uma prática de qualidade. Portanto, novos nichos de pesquisa apontam para dar continuidade a estudos sobre essa temática, com novas possibilidades de investigação e amostra de professores.

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Referências

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Influência da formação na prática de professores de Educação Física que atuam comalunos com deficiência: um estudo no sistema de ensino especial

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Influence of training in the practice of Physical Education teachers who work with

students with disabilities: a study in the special education system

Abstract

This article synthesizes some results from a survey that aimed to identify the influences of training in the practice of physical education teachers who work with disabled students in special education. The research included the participation of four physical education teachers from three public schools special education, administered by the state of Minas Gerais, located in Belo Horizonte. Data were collected through semi-structured interviews, participant observation of teaching practices and document analysis. The results showed that despite the progress made, much remains to be done towards the improvement of initial and continuing training of teachers, with a view to education committed to diversity and inclusion for all, especially students with disabilities. In this direction, the study indicated the potential formation of knowledge acquired in the direct experience with disabled students and networks of exchange and support with more experienced professionals.

Keywords: Physical Education; teacher training; students with disabilities; special education.

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Ensino rural primário em Minas Gerais no início do século XX: fundamentos e representações

da escola

Josemir Almeida Barros1

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Resumo

No presente artigo objetivamos analisar as representações da educação, do ensino e da instrução rural para crianças em Minas Gerais, no período da República Velha. Ao tratarmos de tal época, recorreremos também às teorias contemporâneas da educação para subsidiar nossas reflexões. Entendemos que os fundamentos modernos da educação escolar e as novas tecnologias de aprendizagem são fundantes para o repensar de processos educacionais com vistas na história da educação; são paradigmas importantes, são reconfigurações epistemológicas das ciências da educação. Destacamos uma das indagações: quais formas de representações de práticas educativas nos/dos processos de educação/instrução das crianças no meio rural são expressas nos documentos pesquisados? Em termos metodológicos, recorremos às fontes primárias a exemplo das Mensagens Presidenciais disponíveis no site do Centro de Pesquisa dos Recursos Globais da Rede de Bibliotecas sediado em Chicago,

1 Doutorando em Educação na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Bolsista FAPEMIG, integrante do Grupo de Pesquisas em História do Ensino Rural (GPHER/UFU). Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/UEMG) e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (NEPEJA/FaE/UEMG).

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Estados Unidos, e de fotografias encontradas no site do Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Palavras-chave: educação rural; instrução primária; República; fundamentos; história da educação.

Introdução

Nenhum grande entardecer fará surgir o Espaço do saber, mas muitas pequenas manhãs. Pierre Lévy (2010, p. 123)

No presente texto versa-se sobre a educação/instrução pública destinada aos rurícolas ao longo da República Velha no Brasil e em específico no Estado de Minas Gerais. No subtítulo “A República brasileira: novidade ou recorrência?” apresenta-se um breve histórico sobre projetos que tangenciaram a passagem do regime imperial para o republicano, além de se demonstrar alguns tipos de escolas a exemplo das isoladas, das reunidas e das ambulantes em tal contexto. No item “Educação/instrução em Minas Gerais: a nascente república” enfatizam-se alguns aspectos sobre os propósitos de fixação do homem do campo no meio rural utilizando-se da “educação”. Apontam-se os baixos investimentos na educação.

No último subtítulo “Reconfigurações epistemológicas das ciências da educação: instrução primária em Minas Gerais” são apresentadas algumas análises sobre a instrução pública primária na 1ª República a partir das fontes pesquisadas, seus fundamentos e suas divergências frente às necessidades de reconfigurar formas de pensar a educação. Assim, o projeto educacional presente nas administrações públicas era precário e com tendências políticas estabelecidas para favorecer a elite agrária. Os Presidentes/Governadores de Minas Gerais promoveram uma educação excludente para os rurícolas, externaram uma epistemologia “fechada” e inadequada às necessidades da população rural.

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A República brasileira: novidade ou recorrência?

Uma das características do final do século XIX e início do XX foi o aumento populacional nas cidades. Por um lado, esse intenso aumento do contingente nos demonstra parte das transformações de um país com sua nascente República e, por outro lado, nos revela a precariedade dos “serviços públicos” no meio rural. Sair do campo era e ainda é um desejo de muitos rurícolas. A Res publica, em seu significado de coisa pública, de todos os povos, ou seja, a esfera dos interesses comuns, do bem comum, acentuou-se talvez mais para a tendência do direito e do bem comum do que da boa organização das magistraturas ou do melhor regime.

Os republicanos tinham a tarefa de substituir o governo do Império e também de constituir uma nação, porém cada grupo participante desse processo de implementação da República possuía interesses diferentes. Segundo Carvalho (1999), havia esquematicamente três posições sobre a construção da República: o primeiro grupo era composto por proprietários rurais paulistas, aqueles que compunham o Partido Republicano mais organizado do país. Esse grupo conceituou o público como a soma dos interesses individuais. Já a segunda posição dizia ser o regime imperial limitador das oportunidades de trabalho; tal princípio era defendido pela população urbana (pequenos proprietários, profissionais liberais, professores, jornalistas e estudantes). O último grupo era composto por militares que possuíam teses positivistas.

Com a exceção dos poucos radicais, os vários grupos que buscavam em modelos republicanos uma saída para a monarquia acabavam dando ênfase ao Estado, mesmo os que partiram de premissas liberais. Levava a isto, em parte, a longa tradição estatista do País, herança portuguesa reforçada pela elite imperial. A sociedade escravocrata abria também poucos espaços ocupacionais, fazendo com que os deslocados acabassem por recorrer diretamente ao emprego público ou à intervenção do Estado para

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abrir perspectivas de carreira. Bacharéis desempregados, militares insatisfeitos com os baixos salários e com minguados orçamentos, operários do Estado em busca de uma legislação social, migrantes urbanos em busca de emprego, todos acabavam olhando para o Estado como porto de salvação. A inserção de todos eles na política se dava mais pela porta do Estado do que pela afirmação dos direitos de cidadão. Era uma inserção que se chamaria com maior precisão de estadania (CARVALHO, 1999, p. 96-97).

Carvalho (1999) nos ajuda a melhor entender que o processo de mudança de regime político no Brasil carregou interesses diversos; talvez o princípio da Res publica tenha ficado de lado devido a tamanha divergência dos grupos. A estadania citada por Carvalho (1999) nos remete à cidadania ao avesso; assim, quais os direitos e quais os deveres assinalavam as agendas políticas da época? Se participar do Estado na condição de funcionário era ter garantias de atendimentos de serviços públicos, a nascente República brasileira se distanciava dos princípios regulamentadores do regime que se dizia ser para todos.

A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, foi tarefa que persistiu a geração intelectual da Primeira República (1889-1930). Tratava-se, na realidade, de uma busca das bases para a redefinição da República, para o estabelecimento de um governo republicano que não fosse uma caricatura de si mesmo. Porque foi geral o desencanto com a obra de 1889. Os propagandistas e os principais participantes do movimento republicano rapidamente perceberam que não se tratava da república de seus sonhos. Em 1901, quando seu irmão exercia a Presidência da República, Alberto Sales publicou um ataque virulento contra o novo regime, que considerava corrupto e mais despótico do que o governo monárquico. A formulação mais forte do

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desencanto talvez tenha vindo de Alberto Torres, já na segunda década do século: ‘Este Estado não é uma nacionalidade; este país não é uma sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos’ (CARVALHO, 1999, p. 101-102).

Diante das formulações de Carvalho (1999), a “construção” da República brasileira não foi a solução para os problemas enfrentados ao longo do regime imperial; foi antes de tudo a satisfação dos desejos particulares das elites em detrimento das camadas populares. Aristides Lobo2, que foi um dos propagandistas da República, disse que o povo assistiu a tudo bestializado. “A República, ou os vitoriosos da República, fizeram muito pouco em termos de expansão de direitos civis e políticos. O que foi feito já era demanda do liberalismo imperial. Pode-se dizer que houve até retrocesso no que se refere a direitos sociais” (CARVALHO, 1987, p. 45). A República brasileira inicialmente foi restritiva em se tratando da participação política, assim segregava a “sociedade política” da “sociedade civil”; esse é um dos exemplos que confirmam as permanências e/ou retrocessos de um nascente regime político que prometia a “modernidade”. Ressaltamos que a educação como uma das responsabilidades do Estado também ficou relegada. Segundo Leite (1999, p. 17), “Entre altos e baixos, a educação é uma constante em todas as culturas e sociedades e, de certa forma, reflete as intenções – ideologia – dos dirigentes político-administrativos, quer em tendências totalitárias, quer em tendências abertas à vivência democrática.” O novo regime político brasileiro instaurado em 1889 não apresentou diferenças marcantes diante do termo Res publica, de origem latina, que significa coisa pública; ao contrário, estabeleceu critérios particulares ou Privatus.

Embora a implantação da República nos demonstre mais recorrências a novidades, na educação/instrução observamos diversas “manobras” políticas como forma de manter a população

2 Ver carta de Aristides Lobo ao Diário Popular de São Paulo, em 18 de nov. 1889. In: BASBAUM, L. História sincera da República de 1889 a 1930. São Paulo: Fulgor, 1968. p. 18.

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rural no campo frente às possibilidades de migração.

Educação/instrução em Minas Gerais:a nascente República

A educação/instrução primária em Minas Gerais seguiu os preceitos nacionais. Os Presidentes de Estados3, em muitos casos, eram dependentes das decisões “centrais”, ora sobre o orçamento financeiro, ora sobre os princípios filosóficos e políticos dos diversos “projetos” a exemplo do educacional.

De certa forma, a educação sempre teve seu planejamento vinculado a um plano geral político-administrativo em que a escolaridade, como sistema de ensino e desenvolvimento de capacidades, fixa-se em estreita conexão aos objetivos nacionais de segurança, vivência política, de bem-estar e desenvolvimento produtivo (LEITE, 1999, p. 19).

Os processos de educação e/ou instrução em Minas, de acordo com o autor acima mencionado, não se apresentavam de formas isoladas; eram, antes de tudo, “teias” de ligações com os propósitos nacionais. Porém, de bem-estar social deixava muito a desejar em sua prática, mesmo que a legislação do governo provisório apontasse as responsabilidades dos Estados. “O Decreto n. 7 (20/11/1889) ao fixar as atribuições dos Estados diz que a instrução pública, em todos os seus graus, é competência das unidades federadas” (CURY, 2001, p. 72). As atribuições sobre instrução pública das federações apresentavam-se de forma “autônoma”, mas as políticas de conciliação entre os Presidentes de Estados com o Governo Federal determinavam em parte a continuidade das dependências. Esse é um dos pontos problemáticos ao tratarmos da instrução pública no início do período republicano, porém não nos ateremos a tal questão. O nosso entendimento é de que

3 A denominação Presidentes de Estados era utilizada para os cargos/mandatos políticos que atualmente conhecemos como Governadores de Estados.

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havia problemas sobre a autonomia dos Presidentes de Estados; dessa forma, a educação/instrução pública primária contava com investimentos financeiros parcos.

Vê-se, pois, que se o Governo Provisório avançou no terreno educacional a partir dos direitos civis e de uma proposta federativa, ele praticamente se omitiu em entender a educação primária, pelo menos, como terreno explícito de um dever de Estado. Esta questão ou ficaria por conta dos Estados, ou seria vista pelo Congresso Constituinte (CURY, 2001, p. 73).

A transferência da educação/instrução primária de responsabilidade até então da federação foi para os Estados e está vinculada a diversos motivos; talvez os que mais nos interessem neste momento sejam a redução dos gastos públicos com tal educação/instrução pelo Governo Federal e as dificuldades para “controlar professores” e “processos pedagógicos” frente à extensão territorial do país.

Sobre os tipos de escolas, existiam as isoladas, ou seja, aquelas onde havia apenas um professor; já as escolas reunidas se destacaram por apresentarem baixos custos em relação aos grupos escolares. As escolas reunidas também se apresentavam vantajosas à medida que agregavam ou reuniam as escolas isoladas. Dessa forma havia mais controle dos trabalhos dos docentes e também economia com os aluguéis de prédios, entre outros. Já a escola “ambulante” foi criada para atender comunidades distantes dos centros urbanos; era itinerante e seus deslocamentos seguiam as determinações do poder público. Em Minas Gerais, a lei n. 439, de 28/9/1906, sobre a reforma do ensino primário, cria os grupos escolares na tentativa de uniformizar o “trabalho” nas escolas isoladas e/ou reunidas. De acordo com Araújo (2006), a criação dos grupos escolares estabeleceu a racionalidade à educação escolar; pensamos que as questões de segurança também se fizeram presentes nessa proposta de educação, afinal havia melhores condições de controlar os trabalhos dos professores e a garantia de votos.

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A representação dos grupos escolares, construída tendo como uma de suas bases a produção das escolas isoladas como símbolo de um passado que deveria ser ultrapassado, quando não esquecido, buscava moldar as práticas, os ritos, os símbolos escolares, produzindo e expressando, no mesmo movimento, uma nova identidade para os profissionais que se ocupavam da instrução primária (FARIA FILHO, 2000, p. 31).

Seja pela racionalidade da educação ou pela nova identidade, os grupos escolares ganharam destaques, porém, na primeira década do século XX, havia baixos investimentos para o sistema de instrução pública; segundo Faria Filho (2000), era em torno de 5% o atendimento à população em idade escolar.

Nagle (2009) diz que, a partir da intensa migração dos campesinos para os centros urbanos nos anos de 1910 e 1920, o governo adota o chamado “Ruralismo Pedagógico”, ou seja, uma “política educacional” de fixação do homem no campo. Dessa forma, a escola deveria integrar-se às condições locais. Frente a tal política também encontramos o “entusiasmo pela escolarização” e o “otimismo pedagógico”, “políticas” de incentivo à educação.

Uma das maneiras mais diretas de situar a questão consiste em afirmar que o mais manifesto resultado das transformações sociais mencionadas foi o aparecimento de inusitado entusiasmo pela escolarização e de marcante otimismo pedagógico: de um lado, existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileiro (escolanovismo) (NAGLE, 2009, p. 115).

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Esse “entusiasmo pela escolarização” estabelece uma tendência reestruturante dos “padrões” de educação e cultura, associada aos grupos escolares, e o novo “modelo” exigia investimentos dos sistemas estaduais de ensino, fosse por meio de espaços (prédios) adequados, mobiliário moderno, materiais didáticos, entre outros.

Se há uma racionalidade da educação, o mesmo não se repete nos propósitos epistemológicos, pois encontramos uma forte tendência conservadora “cartesiana” nos princípios que regulamentaram a instrução pública primária em Minas Gerais.

Reconfigurações epistemológicas das ciências da educação: instrução primária em Minas Gerais

A instrução primária no início do regime republicano atendia aos anseios do projeto político em voga, mesmo que este não possuísse a adesão de todos os grupos envolvidos na transição do Império para a República. Ao tratarmos de reconfigurações epistemológicas, é importante mencionar que o projeto republicano não foi uma “obra coletiva” e se diferencia do conceito de “inteligência coletiva” estabelecido por Pierre Lévy (2010); assim, a reciprocidade não se fez presente entre os grupos que pleitearam a mudança de regime político e venceram em 1889.

A inteligência coletiva só tem início com a cultura e cresce com ela. Pensamos, é claro, com ideias, línguas, tecnologias cognitivas recebidas de uma comunidade. Mas a in te l igênc ia cu l tura lmente constituída não é mais fixa ou programada como a do cupinzeiro ou a da colmeia. Por meio de transmissão, invenção e esquecimento, o patrimônio comum passa pela responsabilidade de cada um. A inteligência do todo não resulta mais mecanicamente de atos cegos e automáticos, pois é o pensamento das pessoas que pereniza, inventa e põe em movimento o pensamento da sociedade. [...] Em um coletivo inteligente, a comunidade assume

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como objetivo a negociação permanente da ordem estabelecida, de sua linguagem, do papel de cada um, o discernimento e a definição de seus objetivos, a reinterpretação de sua memória. Nada é fixo, o que não significa que se trate de desordem ou de absoluto relativismo [...] (LÉVY, 2010, p. 31).

Passado mais de um século do início do regime republicano, as permanências de uma “inteligência individual” ainda perduram, talvez pelos desvios ou impossibilidades de os grupos políticos tradicionais, descendentes dos mandatários e/ou coronéis restabelecerem o projeto da Res publica. De acordo com Lévy (2010), a negociação da ordem estabelecida perpassa por coletivos; assim, a “inteligência coletiva” é muito mais do que os pensares e as ações individuais, que se diferenciam dos cupinzeiros e das colmeias, pois estas estabelecem a fixidez. Sabemos que as transformações econômicas, sociais, políticas e culturais transcorridas entre a Primeira República e a atual República Cidadã não podem ser desconsideradas. O contexto sócio-histórico de um período ao outro permitiu avanços, principalmente nos aspectos sociais em que a educação está incluída; mesmo assim, isso não nos isenta de novas análises. A “inteligência coletiva” é o resultado das transformações ocorridas em diversos campos do saber, é de fato uma “reconfiguração epistemológica”, é parte e/ou partidária do que Lévy (2010) chama de tecnologias moleculares.

Em oposição às tecnologias ‘molares’, que consideram as coisas no atacado, em massa, às cegas, de maneira entrópica, as tecnologias ‘moleculares’ abordam de maneira bem precisa os objetos e os processos que elas controlam. Afastam-se da massificação. Ultrarápidas (sic), bastante precisas, agindo na escala das microestruturas de seus objetos, da fusão fria à supracondutividade, das nanotecnologias à engenharia genética, as técnicas moleculares reduzem os desperdícios e as rejeições ao mínimo (LÉVY, 2010, p. 48).

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Das “tecnologias molares” às “moleculares”, os processos educativos, ao agregarem as diversidades, estabelecem novas “conexões”, novas “valorações”, agora a partir de coletivos, “processos abertos”, ao contrário do autoritarismo tão presente e marcante na educação brasileira. No período da implantação dos grupos escolares em Minas Gerais, por volta de 1906, a partir da Reforma João Pinheiro, as forças políticas atuaram em defesa de modelos pré-estabelecidos, e naquele momento os processos “molares” se destacaram. A instrução primária tanto contribuiu para “moldar” as crianças por meio de programas de ensino distantes de suas realidades quanto “agenciou” ou “controlou” professores, uma vez que os trabalhos de inspeção eram ineficientes, penalizadores e muitas vezes inadequados. Talvez as limitações dos meios massivos de comunicação na época da Primeira República tenham sido fator favorável para a permanência de ações “molares”; de outro modo, percebemos atualmente, na sociedade em que vivemos, a “era da informação” em que os “mass media” difundem em larga escala ideias e ações vindas de representantes das secretarias de educação, de gestores educacionais, de professores, de alunos, entre outros.

Vê-se, então, um percurso que vai da educação/instrução atrelada ao poder/totalitarismo à educação/instrução potência/democrática baseada na “inteligência coletiva”, nas “tecnologias moleculares”; estas são passagens necessárias por meio das quais os diversos fluxos comunicativos auxiliam em aspectos teóricos/práticos em direção às novas epistemologias. Diferentemente, é o que encontramos sobre a instrução de crianças no meio rural em Minas Gerais no início do XX.

A potência torna possível, o poder bloqueia. A potência libera, o poder submete. A potência acumula energia, o poder a dilapida. As tecnologias da informação e da coordenação se aperfeiçoaram o suficiente para que as vantagens conferidas a uma comunidade por uma estrutura de autoridade forte não compensem mais

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o desperdício de recursos humanos e o bloqueio da inteligência coletiva inerentes ao exercício do poder. Para se tornar potente, um grupo humano deve doravante desinvestir as hierarquias, no grupo e fora dele (LÉVY, 2010, p. 82).

Em uma República controlada ou dominada por integrantes da política do café-com-leite, determinada pelos coronéis4, a instrução primária perpassava pelo poder, pelos mandatários que submetiam os saberes dos povos às ideologias “fechadas”, “molares” e, dessa forma, a República foi “traçando seus caminhos”, “seus desvios”, mas sem a pretensão de ser potência. No lugar do bem comum da Res publica destacavam-se os interesses particulares, assim não havia a preocupação de imediato com a qualidade da instrução pública, no que se refere aos seus espaços e/ou aos tempos escolares destinados às crianças do meio rural.

A educação pode e deve ser entendida na modernidade a partir do que hoje entendemos por “ciberespaço” um campo aberto, uma possibilidade de se interconectar dispositivos de criação, comunicação e simulação. Tais “características” permitem as “reconfigurações” dos discursos escolares, dos tempos escolares e dos espaços escolares, perpassam pelas ditas tecnologias e “políticas moleculares”, pelas possibilidades de uma educação diferenciada da tradição do Privatus. A nova proposta epistemológica deve ser baseada na “potência do ciberespaço”5.

Para a política molecular, os grupos não são considerados fontes de energia a serem utilizadas no trabalho, nem forças a explorar,

4 A esse respeito ver: LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.5 De acordo com Lévy (2010, p. 104), “Ciberespaço: palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção científica William Gibson, em 1984, no romance Neuromancien. O ciberespaço designa ali o universo das redes digitais como lugar de encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Existe no mundo, hoje, um fervilhar de correntes literárias, musicais, artísticas, quando não políticas que falam em nome da ‘cibercultura’. O ciberespaço designa menos os novos suportes de informação do que os modos originais de criação, de navegação no conhecimento e de relação social por eles propiciados. Citaremos de memória, na desordem de uma lista heteróclita e não-exaustiva: o hipertexto, a multimídia interativa, os videogames, a simulação, a realidade virtual, a telepresença, a realidade aumentada (o comunicante a seu serviço), os groupwares

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mas inteligências coletivas que elaboram e reelaboram seus projetos e recursos, refinam constantemente suas competências, visam indefinidamente o enriquecimento de suas qualidades (LÉVY, 2010, p. 56).

As propostas “moleculares” para a educação em tempos e/ou espaços diferenciados se constituem como “desterritorialização”, ou seja, o salto para o novo “espaço”; este por sua vez é responsável pela “obra aberta”, passível de interpretações e alterações diante das necessidades de cada contexto sociocultural. De acordo com Lévy (2010, p. 111):

Defendemos aqui uma arquitetura sem fundações, como a dos barcos, com todo o seu sistema de oceanografia prática, de navegação, de orientação em meio às correntes. Não as sensatas construções ‘simbólicas’, análogas a qualquer imagem fixa [...].

Nesse processo/arquitetura é possível considerar as singularidades dos sujeitos, seus anseios e suas necessidades, a construção de “obras abertas” ou “produtos” culturais constituídos de forma coletiva, sem agenciamentos, sem imposições, sem politicagem. “No Espaço do saber, o conhecimento não objetiva mais, ele subjetiva, de uma subjetividade plural, aberta e nômade.” (LÉVY, 2010, p. 176). Destacamos o novo modo de conhecimento advindo da cibercultura: a simulação: “[...] trata-se de uma tecnologia intelectual que amplifica a imaginação individual (aumento de inteligência) e permite aos grupos que compartilhem, negociem e refinem modelos mentais comuns, qualquer que seja a complexidade deles (aumento de inteligência coletiva)” (LÉVY, 2000, p. 165).

Os fundamentos modernos da educação escolar e as novas tecnologias de aprendizagem aqui são externados pelas possibilidades de construção de conhecimentos - formas coletivas, “moleculares”, (instrumentos de ajuda na cooperação), os programas neuromiméticos, a vida artificial, os sistemas especiais etc. Todos esses dispositivos encontram sua unidade na exploração do caráter molecular da informação em forma digital. Vários modos de hibridação entre as técnicas e os meios de comunicação de massa ‘clássicos’ (telefone, cinema, televisão, livros, jornais, museus) são previstos para os próximos anos. O ciberespaço constituiu um campo vasto, aberto, ainda parcialmente intermediado, que não se deve reduzir a um só de seus componentes.”

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Josemir Almeida Barros

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interconectadas por territórios movediços, flutuantes, mas a partir de uma nova racionalidade, a “simulação”; esse é um espaço do saber, porém “o principal vício que ameaça a sociologia do conhecimento é a simplificação determinista/redutora, para a qual o conhecimento é um produto trivial de uma máquina social trivial” (MORIN, 1998, p. 97). A proposição que defendemos não é de nos apropriarmos do conhecimento vulgar, mas antes de tudo valorar as singularidades e subjetividades dos sujeitos, tanto os do meio rural quanto os do meio urbano.

Também destacamos a importância da plurimídia6, como ressalta Barros (2008, p. 39):

Em um mundo midiático, estabelecemos a ideia de plurimídia, ou seja, a interface ou confluências das mídias e o movimentar-se das crianças por tais redes constituindo, portanto, novas interpretações e apropriações dos produtos culturais.

Os intelectuais coletivos se preocupam com os processos de “subjetivação moleculares” e não transformam os conhecimentos em trivialidades.

A trivialidade do conhecimento não faz do conhecimento apenas um produto determinado, faz também dele um produto qualquer. Assim, toda ideia (salvo, por milagre, a do sociólogo do conhecimento) torna-se ‘ideologia’, logo conhecimento falso; sua estrutura obedece às estruturas socioprofissionais, sua produção integra-se entre os outros processos de produção, a cultura torna-se cognoscível a partir das categorias econômicas do capital e do mercado. Ora, nem a informação, nem a teoria, nem o pensamento, nem a cultura são triviais, ainda que mais não pelo fato de serem ao mesmo tempo produtos/produtores e,

6 A esse respeito ver: BARROS, Josemir Almeida. Rádio e educação: de ouvintes a falantes, processos midiáticos com crianças. 2008. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

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mesmo comportando hologramaticamente a dimensão socioeconômica, não poderiam ser reduzidas a isso (MORIN, 1998, p. 99).

Os ideiais sob a forma de determinismos simplistas afastam-se da dialética, afastam-se das realidades, afastam-se dos contextos históricos e se autodeclaram esclarecidos, e tal posicionamento não reconhece nenhuma alternativa à trivialidade.

Pois o esclarecimento é totalitário como qualquer outro sistema. Sua inverdade não está naquilo que seus inimigos românticos sempre lhe censuram: o método analítico, o retorno aos elementos, à decomposição pela reflexão, mas sim no fato de que para ele o processo está decidido de antemão (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 37).

O totalitarismo que é atrelado ao “esclarecimento” é resultante de muitas confluências e/ou divergências, principalmente daquelas advindas do processo de implementação do novo regime político no início do século XX e consequentemente caracterizado sob os aspectos da “modernidade”. Assim nascia a Primeira República no Brasil, talvez “fruto” de agenciamentos, contrários à dialética e partidários da “ignorância molar”. Poderíamos dizer, em outros aspectos, que essa é uma parte da sociologia do conhecimento, porém determinista e esclarecedora. Todos esses pontos molares conspiram para uma educação aos moldes de Auschwitz7, ou seja, baseada em um sistema autoritário, no qual a educação autorreflexão não teve vez, mas o “esclarecimento” se fez presente de formas variadas. Emanuel Kant, em 1783, disse: “Esclarecimento não exige, todavia, nada mais do que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios” (KANT, 1783, p. 3). Pensamos que uma educação baseada no “Esclarecimento”, entendido como totalitarismo, é prejudicial aos regimes republicanos. Porém, Adorno (2003) se refere, em outro

7 Auschwitz foi o maior campo de extermínio do regime nazista de Hitler.

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momento, à educação após Auschwitz, ou seja, aquela dirigida aos “cuidados” com a educação infantil; além disso, fala do “esclarecimento geral”, ou seja, da possibilidade de produzir um clima intelectual, cultural e social que evite a repetição do horror nos campos de extermínio nazista. A educação após Auschwitz, na perspectiva abordada pelo entendimento do “esclarecimento geral”, deve e pode relevar as subjetividades, deve ser uma educação “rizomática”8.

A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autoreflexão (sic) crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infância (ADORNO, 2003, p. 121-122).

É na perspectiva de educar com e na autorreflexão crítica que a educação na infância ganha destaque, porém tal preocupação no período da República Velha não foi suficiente para estabelecer propostas “moleculares” para a sociedade voltada para a instrução infantil rural; para essa população encontramos pouco interesse do poder público.

Repudio qua lquer sent imento de superioridade em relação à população rural. Sei que ninguém tem culpa por nascer na cidade ou se formar no campo. Mas registro apenas que provavelmente no campo o insucesso da desbarbarização foi ainda maior. Mesmo a televisão e os outros meios de comunicação de massa, ao que tudo indica, não provocaram muitas mudanças na situação de defasagem cultural. Parece-me mais correto afirmar isto e procurar uma mudança do que elogiar de uma maneira nostálgica quaisquer qualidades especiais

8 A esse respeito ver: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995. v. 1.

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da vida rural ameaçadas de desaparecer. Penso até que a desbarbarização do campo constitui um dos objetivos educacionais mais importantes (ADORNO, 2003, p. 125-126).

Concordamos com o posicionamento do autor acima mencionado; nosso objeto de pesquisa é a educação rural e, em específico, a instrução pública primária em Minas Gerais, no início do século XX; as Mensagens Presidenciais9 que acessamos, entre outras fontes, têm demonstrado o quanto esse ensino deixou a desejar no Brasil, na época da Primeira República.

Infelizmente, devido ás grandes destancias e difficuldades de vias de transportes, a inspecção não se pratica com a desejavel continuidade nos pontos mais afastados.Além da inspecção technica há ainda a inpecção administrativa, creada na letra a, art. 46 do Regulamento approvado pelo dec. n. 3.191, de 9 de junho de 1911, a cargo dos promotores de justiça, nomeados inspectores escolares municipaes.Estes zelosos auxiliares da administração, concorrem efficazmente para o grandioso trabalho de combate ao analphabetismo, secundados pelos antigos inpsectores escolares e respectivos supplentes (MINAS GERAIS, 1913, p. 28).

A mensagem acima é do Presidente10 de Minas Gerais Júlio Bueno Brandão e alerta para as dificuldades encontradas pela administração pública e, em específico, para os serviços de fiscalização da inspeção sobre as escolas. Algumas das dificuldades apontadas são referentes às grandes distâncias a serem percorridas e também à falta de estradas ou vias de transporte. Nesse caso, a mensagem não menciona as dificuldades para a produção e o envio de materiais didáticos e mobiliário,

9 As Mensagens Presidenciais estão disponibilizadas no site da Center for Research Libraries Global Resources Network no seguinte endereço eletrônico: <http://www.crl.edu/>.10 Os Presidentes em tal época ocupavam o mandato que equivale ao dos atuais governadores de Estados.

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entre outros. A mensagem ainda ressalta uma educação bastante deficitária, a ponto de nem mesmo a inspeção conseguir cumprir suas atividades. Mesmo havendo auxiliares para a fiscalização das escolas rurais, a administração pública não foi capaz de resolver tal situação de calamidade. Dessa forma, era preferível deixar a educação rural de qualquer jeito. Nesse sentido, havia uma possível “defasagem” cultural sobre os acessos à educação formal.

Em 1926, presidia o Estado de Minas Gerais Fernando de Mello Vianna11. Na mensagem abaixo, tal Presidente citou o novo regulamento das escolas rurais, e este, por sua vez, seguiu as orientações do Decreto de 1924 que estabeleceu a reforma do ensino primário, mas só entrou em vigor em janeiro de 1925.

Tambem de acordo com o Regulamento, tem o governo creado escolas ambulantes. Embora identica á escola rural, nas suas linhas geraes, tem a escola ambulante um objetivo próprio, especial. Por demais vasto é o território do Estado e muito pouco densa é ainda a população. Povoados existem, espalhados, nos quaes exigir as mesmas condições para os predios escolares e a mesma frequencia nas classes seria prival-os por longo tempo ainda dos benefícios da instrucção. Desde que ahi se encontre um prédio, satisfazendo as exigências elementares da hygiene e desde que se consiga uma matricula de 20 e uma frequencia de 10 alumnos, será creada e mantida a escola ambulante, que poderá transferir-se de uma localidade para outra. A permanencia em cada povoado será a que for julgada necessaria, e, conforme os resultados, será creada a escola rural, permanente (MINAS GERAIS, 1926, p. 75/76).

No Decreto da Reforma do Ensino de 1924, o tempo dedicado ao ensino infantil rural foi reduzido de quatro para dois anos. As justificativas eram diversas, e entre elas destacamos duas:

11 O mandato do Presidente Fernando de Mello Vianna em Minas Gerais foi de 14/06/1925 a 13/06/1927, segundo informações disponibilizadas no site da Center for Research Libraries Global Resources Network no seguinte endereço eletrônico: <http://www.crl.edu/>.

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i. escassez de salas de aula do 3º e do 4º ano do ensino primário nas escolas rurais por falta de alunos;ii. as populações rurais deveriam ter acesso única e exclusivamente ao processo de alfabetização, nada mais.

Na Mensagem Presidencial anterior percebe-se que, para a criação de uma escola em povoados do meio rural, era necessário, primeiro, a existência de uma “escola ambulante”, ou seja, aquela que poderia mudar de local de acordo com as necessidades da “instrução pública”. Outro detalhe é que, para a criação tanto da “escola ambulante” quanto da escola rural, não haveria a necessidade de prédios próprios; bastava ter condições mínimas de higiene. Ao agregarmos a essa precariedade o distanciamento do poder público representado pela inspeção escolar, torna-se evidente que aquele discurso sobre o “otimismo pedagógico” não se transformou em práticas eficazes para todo o território brasileiro.

Ser professor em uma escola “ambulante” não era tarefa fácil, pois na falta de mobiliários, prédios escolares e materiais didáticos, entre outros, pouco se fazia para a viabilidade da instrução primária das localidades mais afastadas das cidades urbanas. Guido (2010, p. 13) diz: “O educador é o artista dionisíaco, que faz ressurgir na sala de aula o espírito criativo que conduz a humanidade na superação de seus limites, buscando estabelecer no mundo um lugar fraterno”. Ser educador nos dias de hoje é, sem dúvida, uma prática “niilista” - este é um termo utilizado por Nietzsche para caracterizar a coragem daqueles que almejam uma educação de qualidade. Pena que essas mesmas palavras não foram apropriadas pelos partidários da República Velha no Brasil ao implementarem as escolas ambulantes, isoladas, reunidas e os grupos escolares.

Ser niilista é ter coragem de enfrentar a decadência e, com as ruínas do mundo devastado pela barbárie dos homens do século XIX edificar a nova sociedade. O futuro será a obra do esquecimento; na segunda das Considerações intempestivas, Nietzsche dizia que somente o esquecimento torna possível a felicidade [...] (GUIDO, 2010, p. 17).

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Concordamos com o excerto acima, é preciso ter coragem frente aos problemas da e na educação/instrução; entendemos que o ser niilista está vinculado ao que Lévy (2010) chamou de “intelectual coletivo”, e isso não encontramos no novo projeto republicano de 1889.

Na fotografia a seguir, encontrada no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, podemos ver um grupo de pessoas. Em destaque há mais crianças, em sua maioria meninos, que portam ferramentas utilizadas no meio rural (enxadas) e formam três filas para o registro da fotografia. Tudo indica que os vestuários são simples; algumas crianças estão descalças e sob sol forte. Ao fundo há alguns adultos; parece que são os responsáveis pelos possíveis ensinamentos. Vemos também diversas construções. Essa fotografia nos chamou a atenção pela quantidade de crianças; entendemos que aí há o fator do trabalho infantil bastante utilizado ao longo da Primeira República no Brasil. Esta foto nos remete a parte dos processos educativos das crianças no meio rural. A avaliação que fazemos é que nesse contexto também havia aulas de instrução, isso pelas dificuldades já abordadas para a constituição de grupos escolares no meio rural.

Foto 1 - Grupo de pessoas em área rural sem identificação.Fonte: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br

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Lima (2009) diz que uma das formas de conter o êxodo rural em curso no final do século XIX e início do XX foi a ampliação do sistema escolar rural. Nessa perspectiva, a fotografia acima tende a reunir dois fatores importantes: por um lado, a instrução/educação rural e, por outro, a permanência dos sujeitos no meio rural, ou seja, o esforço para evitar o êxodo rural.

Algumas considerações que não são finais

As fontes primárias a que tivemos acesso nos permitiram melhor entendimento sobre o contexto social e histórico dos processos de instrução primária no meio rural em Minas Gerais; as representações entendidas a partir de Denise Jodelet (2002) nos demonstram a importância de pesquisas sobre tal perspectiva: “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribuem para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2002, p. 22). A noção de campo da representação implica entendê-la como um campo estruturado repleto de significações, sentidos, saberes e informações.

Para nós, as representações encontradas nos documentos apresentam-se como um conjunto de fatores, porém vindas de ações/projetos individuais, ou seja, não são necessidades coletivas; o que percebemos é uma forte tendência de um nascente regime político (República) bastante excludente nos aspectos sociais e, em específico, na educação. No meio rural era permitido realizar qualquer tipo de trabalho docente, desde que não alterasse a ordem estabelecida pela elite agrária. Nesse sentido, a escola também produzia representações por meio de seus “processos pedagógicos”, porém baseavam-se na perspectiva de uma educação molar, distinta da inteligência coletiva proposta por Lévy (2010). Sabemos das limitações existentes na época para a ampliação dos grupos escolares, mas fica-nos evidente que os esforços políticos eram reduzidos, principalmente quando se tratava da educação

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no meio rural. A criação das escolas “ambulantes” é um dos exemplos da precariedade representada pela instrução primária rural em tal contexto.

Por fim, a redução do tempo de permanência dos alunos nas escolas rurais também é fator preponderante e contribuiu para estabelecer símbolos culturais marcantes daquela época. A educação/instrução no início do regime republicano é, em termos históricos, anterior ao massacre de Auschwitz; porém, as determinações vindas em formas de decretos e elaboradas pelas administrações públicas não consideravam as subjetividades dos rurícolas. Tal educação primária era o “modelo” a ser adotado, assim a Res publica priorizava mais os interesses Privatus.

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Josemir Almeida Barros

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Rural primary education in Minas Gerais at the beginning of the twentieth century: the

school grounds and representations

Abstract

In this article we aim to analyze the representations of education / teaching / instruction for rural children in Minas Gerais in the period of the Old Republic. In addressing such period, we will also rely on contemporary theories of education to support our thinking. We believe that the fundamentals of modern school education and new learning technologies are a foundation for a rethinking of educational processes aimed at the History of Education; they are important paradigms, epistemological reconfigurations of the education sciences. We highlight one of the questions: What forms of representation in educational practices in/of processes of education / instruction of children in rural areas are expressed in the documents studied? In terms of methodology, we rely on primary sources such as the Presidential Messages available in the website of the Center for Research of Global Resources of the Library Network headquartered in Chicago USA and photographs found in the website of the Public Archives (Arquivo Público Mineiro) in Belo Horizonte, Minas Gerais.

Keywords: rural education; primary education; republic; fundamentals; history of education.

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Ensino rural primário em Minas Gerais no início do século XX: fundamentos e representações da escola

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Análise da condição de ingresso e evolução na carreira docente nas

redes estadual de ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba

Diana Cristina de Abreu1

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Resumo

Este artigo foi desenvolvido no decorrer da pesquisa intitulada “Remuneração dos professores das escolas públicas da educação básica: configurações, impactos, impasses e perspectivas”. Neste trabalho, pretende-se realizar uma análise da carreira docente estabelecida nas redes estadual de ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba. Na análise, priorizaram-se as categorias: condição de ingresso, recrutamento dos professores e as formas de progressões salariais praticadas com base na formação dos docentes. Dessa forma, verificou-se que ambas as redes de ensino possuem formas de ingresso e progressões salariais diferenciadas; em alguns casos, elas se aproximam e em outros se afastam do que exige o ordenamento legal atualizado pelo Fundeb e pelas novas diretrizes para a carreira do magistério público, publicadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2009.

Palavras-chave: carreira; ingresso; evolução na carreira; salário; titulação.

1 Doutoranda em Educação/UFPR, pesquisadora no NuPE/UFPR e professora da educação básica. Bolsista (2009/2010) na pesquisa do Observatório da Educação CAPES/INEP/SECAD intitulada “Remuneração dos professores das escolas públicas da educação básica: configurações, impactos, impasses e perspectivas”.

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Introdução

A carreira e a remuneração docente no Brasil, ainda que sejam considerados importantes instrumentos para a valorização do magistério, ganham visibilidade em nosso país somente com o advento da nova LDB 9394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A LDB deixara a cargo dos vários sistemas de ensino a elaboração de políticas de valorização do magistério. No mesmo ano de 1996 e três meses antes da aprovação da LDB, havia sido aprovada a Emenda Constitucional n. 14/96, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (Fundef). O Fundo, em princípio, visava à valorização do magistério nos estados e municípios. Diferentes literaturas apontam as positividades e negatividades dessa política de fundos no que concerne à remuneração docente. Sem dúvida, o Fundef teve caráter inédito na redistribuição e alocamento de recursos entre os entes federados, em decorrência do estabelecimento de não menos de 60% do montante arrecadado na composição do fundo para a valorização do magistério, o que é destacado por Castro (1998) como um mérito da política de fundos. Já Davies (1999) concluiu que somente a redistribuição de recursos já existentes e destinados à educação não seria suficiente para a melhoria dos padrões educacionais, nem mesmo para a valorização do magistério.

O argumento de Davies (1999) pode ser justificado à medida que a década de 90, no contexto das reformas educacionais, possa ser entendida como aquela na qual as políticas sociais passaram por crises tanto de concepção quanto propriamente de investimento público. Naquele momento, para Peroni (2003), a política educacional não estava somente sendo determinada pela redefinição do papel do Estado, mas, sobretudo, seria parte constitutiva dessa mudança.

Contraditoriamente, foi num cenário de desregulamentação/flexibilização das relações de trabalho nas esferas públicas e privadas que algumas políticas para a valorização docente

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ganharam mais visibilidade e ordenamento jurídico nacional. Em seguida à aprovação do Fundef e da LDB, em 1997 o

Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) travaram um acirrado e importante debate sobre a elaboração das diretrizes nacionais para a carreira docente. No debate, surgiram discussões polêmicas sobre o custo-aluno e especialmente sobre o Piso Salarial Profissional. O resultado foi a Resolução 03/97 CNE/CEB, que mais satisfez aos interesses do MEC do que os da sociedade civil.

As legislações citadas anteriormente disciplinaram a carreira docente no país até a aprovação da Emenda Constitucional n. 53, de 2006. Por meio dela, foram alterados os artigos 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal. A alteração fez com que o artigo 206 passasse a ter uma redação, além de contemplar a efetivação do Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais da educação escolar pública e definiu ainda que uma lei complementar fixaria um prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira nos âmbitos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Por fim, em dezembro de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República a lei n. 11.494/07, que instituiu o Fundeb - de que trata o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em seguida, também foi sancionada a lei 11. 738/2007, que regulamentou a alínea “e” do inciso III, do caput do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.

Com as alterações na política de financiamento que se deu pela instituição do Fundeb e a sanção da Lei do Piso, as diretrizes para a carreira e a remuneração docente, expostas na Resolução 03/1997, tornaram-se extemporâneas, levando à necessidade de elaboração de novas diretrizes. Assim, por meio do Parecer CNE/CEB 9, de 2009, e da Resolução CEB/CNE 02/2009, foram fixadas as novas diretrizes para os planos de carreira e remuneração do magistério

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público nos estados, municípios e Distrito Federal.As políticas inscritas na legislação brasileira descritas acima

- Fundeb, Lei do Piso Nacional - e a homologação pelo CNE das Novas Diretrizes para Carreira e Remuneração do Magistério Público no Brasil são, sem dúvida, um marco para a valorização do magistério público. Em 2010, a organização da Conferência Nacional de Educação (Conae) permitiu a materialização de um processo de síntese que, por um lado, dá destaque às conquistas legais alcançadas e, por outro, demonstra os limites legais que temos e aponta para um cenário ideal de valorização do magistério.

Considerando os argumentos expostos anteriormente, neste trabalho2 pretende-se realizar uma análise comparativa da condição de ingresso e formas de progressão nas redes estadual do Paraná e municipal de Curitiba, confrontadas as deliberações da Conferência Nacional de Educação sobre as duas temáticas.

I. Condição de ingresso, admissão eacesso ao cargo público

Na Conae/2010, a questão da valorização do magistério público da educação básica aparece associada às condições de formação e profissionalização dos docentes e demais trabalhadores em educação. Nesse sentido, a Conferência enfatiza a necessidade de padrões mínimos de qualidade àqueles que atuam na educação básica, destacando a necessidade de uma política nacional de formação e valorização profissional, na qual se garantam o cumprimento das leis: n. 9.394/96, n. 12.014/09 e n. 11.301/2006. Atender a legislação hoje, no quesito ingresso e admissão, é admitir a necessidade de contratação por concurso público. Embora essa seja uma determinação constitucional, muitas vezes, por brechas na própria legislação, se fazem presentes formas precárias de contratações.

2 Este trabalho apresenta uma síntese realizada a partir dos instrumentos de coleta de dados elaborada no âmbito do projeto de pesquisa do Observatório da Educação (CAPES/INEP/SECAD) intitulado “Remuneração dos professores das escolas públicas da educação básica: configurações, impactos, impasses e perspectivas”.

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Da mesma forma, as diretrizes nacionais preveem o concurso como condição de ingresso e também reforçam o que é determinado no artigo 85 da lei 9394/1996, o qual dispõe que qualquer cidadão habilitado com titulação própria poderá exigir a abertura de concurso público de provas e títulos para cargo de docente de instituição pública de ensino que estiver sendo ocupado por professor não concursado por mais de seis anos.

A rede estadual de ensino do Paraná, apesar de regulamentar, no plano de carreira, o ingresso por concurso público, contrata professores em Processo Seletivo Simplificado. Essa prerrogativa de contratação precária está prevista na Lei Complementar 108/2005. Por meio dela, o estado do Paraná realiza contratação temporária para o provimento de diversos cargos de outras áreas e secretarias estaduais; portanto, o vínculo de Processo Seletivo Simplificado não é uma prerrogativa somente para os trabalhadores em educação.

No caso da rede municipal de ensino de Curitiba, o concurso público é a única forma de ingresso desde 2001. Entretanto, é permitida a dobra de jornada em Regime Integral de Trabalho. Esse Regime é discriminado na lei específica 8248/1993; ela define que a dobra será devida quando os ocupantes da carreira do magistério optarem pela dobra de jornada, ou seja, 40 horas semanais. Pelo Regime Integral de trabalho, é pago um percentual de 100% sobre o valor do vencimento padrão percebido pelo servidor, o que serve de base de cálculo para a contribuição previdenciária.

Dessa forma, a rede estadual de ensino do Paraná, diferentemente da rede municipal de ensino, possui um processo precário de contratação de trabalhadores.

As classificações dos cargos nos planos comparados distinguem-se na nomenclatura e no significado. Na rede estadual de ensino do Paraná, o cargo é de “professor” e na rede municipal de ensino de Curitiba, o cargo é de “profissional do magistério”. No plano da rede estadual, está especificada a mesma concepção das Diretrizes Nacionais/2009, nas quais:

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São considerados profissionais do magistério aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de Educação Básica, em suas diversas etapas e modalidades (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional, Educação Indígena), com a formação mínima determinada pela legislação federal de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 2009).

Quanto à conceituação dos termos profissionais da educação e trabalhador da educação, a Conae/2010 apresenta a seguinte conceituação:

Vale distinguir, nessa abrangência, a conceituação dos termos trabalhadores/as e profissionais da educação, por vezes considerados como sinônimos. O termo trabalhadores/as da educação se constitui como recorte de uma categoria teórica que retrata uma classe social: a dos/das trabalhadores/as. Assim, refere-se ao conjunto de todos/as os/as trabalhadores/as que atuam no campo da educação (BRASIL, 2010, p. 77).

Já no caso do município, o plano não contempla os profissionais que atuam na educação infantil. Estes têm carreira própria, com jornada de trabalho, condição de ingresso, vencimento, remuneração e cargo diferenciado do dos professores. Para os educadores que trabalham na educação infantil, a estratégia utilizada pela prefeitura de Curitiba não é diferente da adotada em muitas prefeituras brasileiras para economizar recursos na contratação desse profissional.

A Resolução n. 02/CNE/2009 deixou a cargo dos entes federados incluir os demais profissionais da educação em planos

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de carreira unificados ou próprios, sem nenhum prejuízo aos profissionais do magistério. Nas diretrizes, então, fica claro que os entes federados terão autonomia para integrar ou não os demais profissionais nos planos de carreira.

A Conae/2010, justamente pela natureza democrática e participativa de sua composição, acenou para a unificação dos planos de carreira, abrangendo funcionários de escola, professores e especialistas em educação, assegurando remuneração digna e condizente com as especificidades de cada profissão.

II. Formas para evolução na carreiracondicionadas à formação docente

Uma breve introdução nesta sessão torna-se oportuna para esclarecer que a evolução na remuneração nos planos de carreira costumam ser de duas formas: promoção vertical e progressão horizontal. Elas não podem ser tomadas como sinônimas, pois promoção é a elevação vertical na carreira, procedimento em que geralmente são considerados os níveis de escolarização formal do trabalhador docente e são garantidos percentuais mais elevados de ganhos remuneratórios. Já a progressão caracteriza-se pela elevação horizontal na carreira; são considerados aspectos relativos à formação continuada e em serviço dos docentes – cursos de curta duração, aperfeiçoamentos, publicações científicas e didáticas, entre outras – nesta forma, todavia, os percentuais de elevação remuneratórios são menores.

Uma das polêmicas introduzidas pelas novas diretrizes para carreira e remuneração do magistério público foi o item sobre a avaliação de desempenho como critério para progressão na carreira. Se por um lado o texto reafirma que é necessária não somente a avaliação do docente, mas todo o sistema de ensino, por outro sugere que os resultados educacionais possam ser utilizados para balizar a remuneração docente. Esse é um tema que deve ser debatido intensamente por professores, suas entidades sindicais, o poder público e a sociedade civil.

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Assim, em seu artigo 5, inciso XVI, alínea c, a Resolução 02/2009 do CNE/CEB estabelece:

c) avaliação de desempenho, do profissional do magistério e do sistema de ensino, que leve em conta, entre outros fatores, a objetividade, que é a escolha de requisitos que possibilitem a análise de indicadores qualitativos e quantitativos e a transparência, que assegura que o resultado da avaliação possa ser analisado pelo avaliado e pelos avaliadores, com vistas à superação das dificuldades detectadas para o desempenho profissional ou do sistema, a ser realizada com base nos seguintes princípios:1. para o profissional do magistério: 1.1 participação democrática - o processo de avaliação teórica e prática deve ser elaborado coletivamente pelo órgão executivo e os profissionais do magistério de cada sistema de ensino. 2. Para os sistemas de ensino: 2.1 amplitude - a avaliação deve incidir sobre todas as áreas de atuação do sistema de ensino, que compreendem: 2.1.1 a formulação das políticas educacionais; 2.1.2 a aplicação delas pelas redes de ensino; 2.1.3 o desempenho dos profissionais do magistério; 2.1.4 a estrutura escolar; 2.1.5 as condições socioeducativas dos educandos; 2.1.6 outros critérios que os sistemas considerarem pertinentes; 2.1.7 os resultados educacionais da escola (BRASIL, 2009, p. 4).

Em resposta ao documento do CNE que insere no debate esse tema com caráter tão polêmico, o texto final da Conae/2010 defendeu como critério para a valorização dos profissionais da educação a:

Instituição de princípios e da reformulação das Diretrizes Nacionais de Carreira,

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para todos os trabalhadores da educação, excluindo-se qualquer fundamentação na concepção de premiação ou punição por meio, ainda, da implantação e implementação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários, elaborado com participação paritária, considerando promoção, progressão e titulação como critérios automáticos de desenvolvimento na carreira (BRASIL, 2010, p. 96).

A reformulação das recém elaboradas Diretrizes Nacionais é sugerida no texto em grande medida, porque recomenda a avaliação de desempenho como incentivo às progressões salariais e ainda remete à possibilidade de essa avaliação ser pautada em indicadores qualitativos e quantitativos podendo, dessa forma, possibilitar que os sistemas de ensino passem a ter nos resultados aferidos nos processos de avaliação institucionais um condicionante para as progressões remuneratórias dos docentes.

A avaliação de desempenho, tema controverso, alimenta ainda mais polêmicas quando, sobretudo, está articula a incentivos por produtividade, que se traduzem em incrementos na composição da remuneração docente. E, ainda, é válido destacar que esse tipo de articulação entre incentivo e desempenho gera um terceiro elemento, que é a responsabilização, em caráter exclusivista, dos profissionais do magistério pelos resultados educacionais.

Quando as Diretrizes Nacionais apontam para a análise de indicadores qualitativos e quantitativos como critério para avaliação do desempenho, parece que temos a partir disso uma sugestão de que o desempenho das escolas ou dos sistemas de ensino poderão repercutir na remuneração dos professores. Para Brooke (2006), isso ocorre na perspectiva de associar consequências aos resultados sobre a crença de indução à responsabilização.

O documento final da Conae/2010 também indica a titulação como critério automático para as progressões nas carreiras. Já as Diretrizes Nacionais acrescentam a avaliação de desempenho e não fazem menção ao fato de as progressões serem automáticas.

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Na rede estadual de ensino do Paraná, a progressão é baseada na titulação, na habilitação profissional, na formação continuada e também apresenta uma forma de avaliação de desempenho que impacta a remuneração docente. Nessa avaliação, são considerados elementos como assiduidade, pontualidade, participação na elaboração de projetos pedagógicos das unidades em que o professor trabalha, a ética e a flexibilidade. O formulário é preenchido na escola, com a presença do colegiado e da gestão escolar. Não existe relação com o desempenho do aluno ou vinculação qualquer à avaliação do sistema de ensino, conforme sugere as diretrizes do CNE.

Pode-se questionar o sentido de uma avaliação de desempenho na qual elementos como assiduidade e pontualidade são considerados para progressão salarial do servidor, uma vez que ele, caso não seja pontual e assíduo, deve ter seus vencimentos descontados, pois deixou de cumprir sua obrigação como agente de função pública. Por que, então, premiar aquilo que deve ser a obrigação do servidor?

A promoção baseada na titulação, na rede estadual do Paraná, estrutura-se em uma parte - Especial 1 (nível médio na modalidade normal), Especial 2 (licenciatura curta) e Especial 3 (licenciatura curta com estudos adicionais) - e em três níveis: nível 1 (graduação), nível 2 (especialização lato sensu) e nível 3 (Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE). O professor com nível médio recebe 70% do vencimento do professor graduado; o professor com licenciatura curta recebe 75% do vencimento do professor graduado; o professor com licenciatura curta e estudos adicionais recebe 85% do vencimento do professor graduado. O professor com especialização receberá 25% a mais que o professor graduado, e o professor participante do PDE receberá 5% a mais que o professor especialista.

Participam desses procedimentos somente os professores concursados; os contratados pelo Processo Seletivo Simplificado têm vencimento correspondente ao inicial da carreira do

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graduado; entretanto, se portarem outros títulos (especialista, mestre ou doutor), os mesmos não repercutirão em seus salários.

Outro ponto importante a ser destacado é que até o nível 2 a progressão é automática mediante a solicitação do professor em órgão competente. As progressões têm mantido regularidade e são pagas no mês de outubro de cada ano; os professores recebem retroativo ao período solicitado.

O PDE se caracteriza como mais um nível da promoção vertical na carreira dos professores da rede estadual de ensino. O programa integra as atividades de formação continuada em educação e disciplina a promoção do professor para o nível 3 da carreira, conforme previsto no Plano de Carreira do Magistério Estadual; sua regulamentação se deu por meio da Lei Complementar 130 de 2009.

Segundo a Secretaria de Educação do Estado do Paraná, o objetivo do PDE é proporcionar aos professores da rede pública estadual subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações educacionais sistematizadas e que resultem em redimensionamento de sua prática.

O PDE se destina aos professores estatutários do quadro próprio do magistério que se encontram no nível 2 e na classe 8 da tabela de vencimentos do plano de carreira. Para participar do PDE, os professores participam de um processo seletivo; aos aprovados, é garantido o afastamento remunerado de 100% de sua carga horária efetiva no primeiro ano e de 25% no segundo ano do Programa. O afastamento é regulamentado pela Resolução n. 4341/2007, e esses critérios são mantidos na Lei Complementar 130/2009.

O PDE também possibilita o aproveitamento da titulação dos cursos de mestrado e/ou doutorado. Os professores com esses títulos passam pelo processo seletivo e devem obedecer a todos os critérios do programa; só assim os títulos serão aproveitados para a obtenção da certificação do Programa nos termos da Lei Complementar n. 103/04, artigo 11, inciso IV. Mas não existem, na

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carreira do estado do Paraná, níveis que contemplem o mestrado e o doutorado.

É importante destacar que o ganho salarial para o professor que faz o PDE, inicialmente, é de 5% sobre seu vencimento. Entretanto, esse profissional conquista a possibilidade de continuar progredindo na carreira no nível 3, que apresenta mais 11 classes (com diferença de 5% entre elas).

Para os professores da rede municipal de ensino de Curitiba, as progressões pela titulação sofreram mudanças desde a aprovação do plano de carreira em 2001 (ABREU, 2008). A carreira do magistério está dividida em parte especial, que contempla os professores com habilitação em nível médio e uma parte permanente, que está estruturada em quatro níveis (licenciatura plena, especialização, mestrado e doutorado).

A formação mínima exigida para o ingresso na carreira docente pública municipal em Curitiba é a graduação universitária. O graduado, ao ingressar, o faz no assim chamado nível 1. Na verdade, independentemente da formação, todos os ingressantes acabam passando pelo nível 1 por pelo menos três anos, que é o tempo de estágio probatório.

Em síntese, considerando o vencimento de cada servidor, prevalece uma diferenciação de 15% entre os níveis de formação acadêmica. Dessa forma, o profissional com uma especialização receberá 15% a mais que o graduado; o mestre, 30%, e os doutores receberão 45% a mais que o graduado.

Ambas as redes apresentam condicionantes parecidos para a progressão horizontal; isto é, o procedimento que incentiva a formação continuada com aumento do vencimento do professor. As redes definem em lei que a progressão deverá ocorrer dentro do mesmo nível da carreira, ou seja, os professores avançam em classes na tabela de vencimentos da rede estadual de ensino do Paraná e em referências na tabela salarial na rede municipal de ensino em Curitiba.

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Considerações finais

A forma de ingresso nas redes de ensino é diferente; na rede municipal de Curitiba, os professores ingressam por concurso público de provas e títulos, e aos que já possuem um padrão de 20 horas semanais, é permitida a dobra de jornada, por meio de um contrato de trabalho denominado Regime Integral de Trabalho. Na rede estadual do Paraná, além dos professores do quadro próprio do magistério, também estão presentes os professores contratados em regime especial, em Processo Seletivo Simplificado; nessa condição, são aceitos inclusive acadêmicos para o exercício da atividade de docência.

Em ambos os planos de carreira, a condição de ingresso tem sido a licenciatura plena, portanto as chamadas “partes especiais dos planos” estão em extinção progressiva, ou seja, não ocorre ingresso de novos professores nesses níveis. Entretanto, os professores que lá se encontravam na aprovação dos planos de carreira poderão progredir no mesmo nível e, também, ao concluírem a graduação, poderão passar para a parte permanente do plano e ter, ao longo do tempo, os benefícios salariais das progressões.

Em relação à evolução salarial, na comparação entre os dois planos de carreira, percebe-se que no caso da rede estadual, ao menos até o nível 2, a progressão é automática; na rede municipal, ela é condicionada a um número de vagas definido anualmente. Outra diferença é que na rede estadual de ensino do Paraná não estão contemplados os títulos de mestre e doutores, o que a rede municipal de ensino de Curitiba já contempla, em consonância às diretrizes nacionais, embora não se defenda aqui que transferir o modelo de carreira universitária para a educação básica seja o mais adequado.

Segundo as diretrizes nacionais para a carreira docente, a formação continuada é um dos elementos que podem constituir-se em incentivos de progressão salarial, da mesma forma que acontece nas redes públicas analisadas.

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Para considerar o tempo que o profissional leva para atingir o final da carreira no caso da rede estadual de ensino do Paraná, devemos considerar que essa carreira tem uma especificidade, ou seja, até a classe 11 do nível 2, a progressão é automática; a partir daí, está condicionada à aprovação no PDE, que oferece número limitado de vagas. A previsão de final de carreira será em 15 anos para os professores que possuírem a especialização e aproximadamente 30 anos para os contemplados pelo PDE.

Na rede municipal de Curitiba, a atual estrutura de crescimento horizontal apresenta 44 referências, considerando que um professor faça todos os procedimentos (no interstício de dois anos); descontando o estágio probatório, serão necessários 91 anos para um professor ingressante chegar à última referência da tabela salarial.

Quando o tema é plano de carreira docente e seus elementos constitutivos, percebe-se uma diversidade considerável nas esferas administrativas que constituem a federação. Mesmo nos casos aqui analisados, que trataram especificamente da rede estadual do Paraná e da rede municipal de Curitiba, a diversidade na constituição das carreiras fica evidente.

O estabelecimento de princípios e diretrizes gerais para carreira e remuneração no plano federativo é, sem dúvida, o desafio que terão pela frente as entidades representativas de professores, os próprios professores, o poder público e também a comunidade acadêmica. Isso porque a melhoria das condições da carreira docente poderá, além de contribuir para a valorização do magistério, ser um importante instrumento na efetivação do direito mais amplo da educação.

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Referências

ABREU. D. C. Carreira e perfil do profissional do magistério na Rede Municipal de Ensino de Curitiba: história e impacto da política brasileira de valorização do magistério. 2008. 169 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.

______. Plano de cargos, carreira e salário do magistério público de Curitiba: uma análise do processo de construção da Lei n. 10.190/2001. 2005. 77 f. Monografia (Especialização em Organização do Trabalho Pedagógico) - Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição brasileira, 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996.

______. Ministério da Educação e Cultura. Lei 9.424/96 (FUNDEF). Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências, de 24 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.

______. Ministério da Educação e Cultura, CNE, CEB. Resolução 03/1997. Fixa diretrizes para os novos planos de carreira e de remuneração para o Magistério dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, 1997. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 out. 1997. Seção 1, p. 2298.

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Análise da condição de ingresso e evolução na carreira docente nas redes estadualde ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba

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Diana Cristina de Abreu

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Analysis of the condition of ingress and evolution in the teaching career in the nets of

state teaching of Paraná and municipalnets of teaching of Curitiba

Abstract

This article was developed in the ambit of the search in process entitled “Remuneration of the teachers in the public schools of basic education: configurations, impacts, impasses and perspectives”. So, this work intends to realize an analysis of the teacher occupation established in the state nets of teaching in Paraná and municipal teaching in Curitiba. In the analysis, it takes priority to the categories: condition of ingress and recruitment of the teachers and the ways of salaries, progressions practiced with base in the teacher’s formation. Thus, it was found that in both nets of teaching, they contains ways of ingress and discriminated salaries progressions that, in some cases, approximate themselves from which emanates the legal ordering updated by Fundeb and by new directresses for the occupation of the mastership published by National Council of Education in 2009.

Keywords: teacher’s career; ingress; career development; salary; titration.

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Análise da condição de ingresso e evolução na carreira docente nas redes estadualde ensino do Paraná e municipal de ensino de Curitiba

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Importância da Filosofia na educação crítica: a utilidade da técnica no processo inclusivo de pessoas com necessidades

especiaisSaulo Sebastião de Souza1

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1 Licenciado, bacharel e especialista em Filosofia e Didática do Curso Superior pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Faculdade São Luiz. Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), docente da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG.2 Inclusão de alunos deficientes visuais na universidade: focalizando os professores e os funcionários, defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (03/03/2009).

Resumo

Neste artigo discute-se tecnologia, Educação e Filosofia. Defende-se a importância da Filosofia na educação geral e na educação inclusiva. Discute-se a questão do “poder ‘libertador’ da técnica e da industrialização do capitalismo inglês na Índia”, compreendido como “princípio civilizacional”, resultado da “ciência/técnica moderna pós-revolução industrial”, tese defendida por Marx, e algumas implicações atuais. São apresentadas, sucintamente, outras ideias filosófico-sociais, econômicas e ideológicas (Adorno, Horkheimer, Heidegger, Marcuse) ao modelo marxiano. Há também reflexões sobre a importância da tecnologia na Educação em geral e na deficiência visual – tradicional (escrita Braille, por exemplo) e atual (tecnologias digitais: letras ampliadas na tela do computador, softwares especializados para leitura e escrita). São analisados alguns prós e contras da tecnologia na perspectiva do objeto-problema dissertativo do autor sobre a inclusão educacional de deficientes visuais2. Adianta-se parte da pesquisa atual

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do autor sobre a Educação, que trabalha com a hipótese de que a escrita grega, iniciada por Homero, foi a mais importante “contribuição-revolução” para a humanidade. Analisa-se a importância da Educação/Pedagogia e o papel do ensino de Filosofia nos dias atuais, fundamental à formação da consciência crítica-cidadã, pressupostos, meio e fim.

Palavras-chave: técnica; inclusão; educação.

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Importância da Filosofia na educação crítica: a utilidade da técnica noprocesso inclusivo de pessoas com necessidades especiais

Introdução

Quem deixa a escola com gritos de alegria, seu nome será efêmero(MANACORDA, 2006, p. 23).

A Filosofia e a ciência, metodologicamente, encerram um caráter “tecnológico”: eficientes instrumentos de indagação, capazes de “arrancar”, “desvelar”, transformar o “saber oculto na natureza”, localizado no mundo da objetividade (natureza fenomênica) ou da subjetividade (cultura, símbolos e ideias). Há sentido emitir juízos de valor à Razão por mau emprego humano da técnica, porque em essentia (ousía) é um “neutro”, benéfico ou maléfico? A intencionalidade sempre será elemento determinante da ação, positiva ou direta ou indiretamente na pesquisa.

O artigo parte da tese de que a escrita, no caso o alfabeto vocálico grego, foi a “primeira técnica cultural humana” geradora da maior revolução cultural da história ocidental, importante inclusive para a Filosofia, marco divisor da Idade da Pedra à civilização. Mas o Ratio não é dado inato, autônomo, acabado, definitivo, mas uma construção permanente (fenômeno simbólico, cultural, nato, heterônomo, “não genético”). Porém, vale registrar, a contribuição grega à nossa civilização somente foi possível a expensas da “educação-escola escrita grega” (grammatistés) (MANACORDA, 2006); esta é o princípio, meio e fim do artigo. A educação compreende:

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Saulo Sebastião de Souza

A palavra “educação” (do latim educare, no grego paidagogein) tem sentido humano e social. É um ato que se verifica desde as origens da sociedade humana. Caracteriza-se como um processo por obra do qual as gerações jovens vão adquirindo os usos e costumes, as práticas e hábitos, as idéias (sic) e crenças, numa palavra, a forma de vida das gerações adultas (LARROYO, 1974, p. 15).

Educação é a maior criação humana de transformação social, pedagógica e politicamente desenvolvida na sociedade burguesa, apropriada pelos trabalhadores (ARROYO, 2005; SOUZA, 2009), veículo utilizado pela inclusão educacional para a libertação dos processos de discriminação, exclusão, dominação e divisão de classes (Marx) de pessoas com necessidades especiais. Entretanto, somente com a consciência crítica é possível vencer a alienação, pois é “desta constatação que surge a interrogação da natureza do poder, da legitimidade e seu exercício e da origem da participação e da cidadania” (ARROYO, 2007, p. 61). Destacar o papel e a importância da Educação – geral e especial – e a relação desta com a Filosofia é a questão central do artigo.

Discutir pontos relevantes à técnica e à educação inclusiva é o objeto em questão. Neste contexto, entende-se a educação inclusiva como a superestrutura da educação geral: processo dinâmico, dialético, de natureza complexa, estruturada social, cultural, política e pedagogicamente, envolvendo instituições, poderes, ciências etc. Ela propiciou condições de ensino-aprendizagem a pessoas que apresentam limitações conjunturais, físicas, emocionais e psíquicas, proporcionando-lhes respeito pessoal, dignidade social, crescimento cultural e econômico. A inclusão educacional vem modificar séculos de injustiças culturais, sociais e políticas das elites contra as minorias exploradas, excluídas e discriminadas. Resgatar a dignidade desse alunado por meio do conhecimento escolar é seu nobre propósito (SOUZA, 2009). O ensino inclusivo é a “prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural –

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em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas” (STAINBACK; STAINBACK, 1990, p. 22). Evidencia-se a importância social e política da escola como instituição que transcende à simples produção do saber teórico, da educação heroica homérico-aristocrática, cavalheiresca, monástica, burguesa (gentleman, John Locke) ou proletária.

No trabalho enfatiza-se a importância da Educação em todos os níveis, graus e modalidades. Defende-se também que a Pedagogia não é apenas a ciência da Educação por excelência, stricto sensu, como fala o professor Libâneo; ela deveria ser mais que isto, “a Ciência” reverenciada, respeitada e prestigiada por todas as instituições, culturas, povos e saberes. Infelizmente, outros interesses se interpõem à prática educativa, desviando-a do verdadeiro objetivo. Essa situação pode ser percebida na grande distância muitas vezes existente entre a escola e a realidade3 de professores e, principalmente, de alunos4. Esse fato se verifica na pragmática do “currículo oficial-verticalizado”, comum a todo alunado, que favorece apenas a “clientela dominante”, familiarizada com esse tipo de cultura, costumes, valores e saberes. Por não aprofundar na questão, omite, mascara ou oculta as diferenças culturais e sociais, pressupostos, objetivos e necessidades, principalmente a divisão social de classes. Essa prática surge com a educação liberal e iluminista (Locke, Rousseau, entre outros) e na escola tradicional, imposta como padrão (“norma culta”) ao proletariado.

Mas não basta apenas “trabalhar a educação”; é preciso que ela seja de qualidade, gratuita e democrática, porém, que seja questionadora, associada, pois, à reflexão filosófica, voltada à criação de uma consciência cidadã, fugindo às formas acríticas de produção do saber, apropriadas à dominação. É preciso criar no alunado o hábito da interrogação, do questionamento, da dúvida,

3 Pelo latim, res, coisa, objeto, pelo grego phainómenon, sinônimo de realidade física phaenómenon.4 Vale lembrar que o capitalismo é plural, complexo e diversificado e não simples e uniforme como a escola apresenta. Mas isto não fortuito ou inocente, pois faz parte do projeto político da burguesia, do liberalismo ao neoliberalismo, quando a nova ordem faz da educação escolar seu principal instrumento de transmissão do saber, mas, sobretudo, de controle, dominação e reprodução político-ideológica.

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enfim, estabelecer um “estado de krísis”: capacidade de provocar o espanto (pathos) e a admiração (o thauma, platônico), fatores essenciais à condução da reflexão crítica (kritiké). Mas é “possível o ensino da Filosofia? Não. A Filosofia não é ensinável. O que se ensina e o que se pode aprender é a filosofar” (VELLOSO, 1968, p. 11). Filosofar é puro exercício de pensar, de “usar da “Razão, principalmente no que nos concirna e toque – em nossa peculiar e íntima essência” (VELLOSO, 1968, p. 14 - 15).

É demandar a verdade por via especulativa. É raciocinar, discutir e argumentar como Sócrates com os Sofistas, e pensar, refletir, aprofundar, generalizar, relacionar, concatenar idéias (sic), estruturar conhecimentos. [...] Todavia, [...] não basta estar a caminho, não basta estar em marcha, é preciso que estejamos no caminho exato. Eis porque o filosofar é também um método, pois método não significa outra coisa que o caminho a seguir. [...] Filosofar é conhecer as coisas como são – NA SUA REALIDADE ÍNTIMA – e não na sua realidade útil e corrente da vida quotidiana, pois a Filosofia [como o Filosofar] é PARA ULTRAPASSAR A CONDIÇÃO HUMANA (VELLOSO, 1968, p. 14-16).

É sempre oportuno relembrar, com Velloso, das palavras de Kant: “Não se ensina Filosofia, mas a filosofar” (PALACIOS, 2009, p. 1). Infelizmente, algumas “escolas” de Filosofia, ao invés de ensinarem a filosofar, trabalham o acúmulo “bancário” de pensamentos e de sistemas filosóficos (erudição pura e simplesmente), alheias ou “inconscientes” à promoção da atitude crítica, à criatividade gnosiológica e epistemológica. Assim pensando, o “verdadeiro filósofo” é idêntico ao “verdadeiro educador”, pois o sábio é aquele que, por saber, ensina, mas, sobretudo, vive seu saber. Mesmo porque, como disse o “pai da Filosofia” (fase humanista, antropológica), Sócrates, “uma vida sem busca (isto é, sem reflexão) não vale a pena ser vivida” (SÓCRATES apud REALE/ANTISERI, 1990, p. 2).

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O filosofar tem de ser radicalmente isento e livre de quaisquer peias e entraves, venham êles (sic) do Estado ou da Religião, do status econômico ou político. Uma coisa é viver para a Filosofia como aproveitador da Filosofia. Uma coisa é viver para as mais sublimadas atividades do espírito, outra é viver mercenariàmente (sic) como sofista ou como filistino5 (VELLOSO, 1968, p. 9).

Nesses termos, fica evidente a missão da Filosofia na edificação do saber: ser reflexiva (filosofia) e empírica (ciência), método para “desvelar o ser” (Heidegger), tarefa na qual a Filosofia é insuperável e insubstituível, reflexiva por essência. Portanto, antes de gnosiológica ou epistemológica, a Filosofia é um processo de conhecimento pedagógico-educativo, porém crítico. Essa vocação é ampliada com Sócrates6 que, desde cedo, percebeu essa relação e a importância da Educação: conhecer as coisas à sua volta, mas, sobretudo, conhecer a si mesmo: “nosce te ipsum” (“Conheça-te a ti mesmo!”), principio moral-educativo.

Sócrates percebeu, com profundidade, que o fenômeno educativo era auto-atividade (sic). Mediante perguntas pertinentes (forma dialogada), o mestre levava os alunos a encontrarem, por si mesmos, o buscado. Tudo isto por um processo que partia da experiência concreta e singular para elevar-se às idéias (sic) gerais (método epagógico; de epagogé, indução) (LARROYO, 1974, p. 163).

Porém, a experiência tem demonstrado a ausência da academia na construção de uma sociedade crítica, livre e independente. Encastelada aos velhos pressupostos e objetos teóricos, às vezes sentimos a necessidade de maior presença da Filosofia na discussão de questões importantes da vida nacional - caso das novas tecnologias, da educação e da política. Mas não basta o esforço dos filósofos educacionais; é preciso também o apoio da Filosofia geral, do ensino básico, fundamental, médio e superior na construção de 5 Transcrição literal do texto, obedecendo ipsis litteris et ipsis verbis, inclusive ortografia da época.6 Considerado “o pai da filosofia” (humanista, ético-moral, social, política).

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uma sociedade mais justa e verdadeiramente democrática, pois somente assim a Educação terá cumprido sua nobre função.

Tecnologia e industrialização inglesa:“princípio civilizador” ou ideológico

Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo.(Karl Marx)

A Razão7, mãe de todas as realizações humanas, sinônimo de “inteligência8, imediatamente ao nascimento da Filosofia (Tales de Mileto, VI a.C.), produziu uma antinomia prático-metodológica ao se opor ao trabalho manual, porque, eivado de preconceito, tornou-se sinônimo de trabalho inferior (Platão), labor escravo (Aristóteles). Desse modo, a “arte (trabalho) intelectual”, Filosofia por excelência, tornou-se, por séculos, exemplo de “trabalho superior”. A técnica, tékne, in lacto sensu, significa trabalho, ofício, ação inteligente da humanidade (NUNES, 1991). Atividade voltada a um fim prático (práxis). A arte antiga transcendia ao conceito estético (póiesis) atual, ligado à ideia do Belo (to kalón, Aristóteles), era uma abstração pura, um “deleite estético”.

Ars, artis, palavra latina que derivou, corresponde ao grego tékne, que significa todo e qualquer meio apto a obtenção de determinado fim, e que é o que se contém na idéia (sic) genérica de arte. Quanto à póiesis, de significado semelhante à tékne, aplica-a Aristóteles, de modo especial, para designar a poesia e também a Arte, na acepção estrita do termo (NUNES, 1991, p. 17).

Mas o preconceito se serve também da tecnologia. Caso curioso é o de Marx, ardoroso admirador da tecnologia, que

7 Do grego Logos, pelo latim Ratio/Ratione: raciocínio, inteligência, operação racional rigorosa, raciocínio palavra.8 Pelo latim intelligentia, “intos legere”, “ver/ler dentro”. A filosofia inteligência, tanto no seu primeiro período, pré-socrático, socrático e pós-socrático, entendia a filosofia como a pura expressão da ratio/logos, logo, inteligência.

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se fez porta-voz do moderno preconceito científico-burguês ao afirmar que certas civilizações seriam inferiores, “marginais à cultura ‘superior’ burguesa ocidental”, a exemplo da Índia. Marx acreditava no “poder civilizador da industrialização” para a mudança estrutural da vida humana, principalmente das nações não industrializadas, ideia comum em seu tempo; função essa delegada à ciência e à técnica por meio do capitalismo industrial:

a discussão possui como ponto de partida dois artigos de Karl Marx: ‘O domínio britânico na Índia’ e ‘Futuros resultados do domínio britânico na Índia’. Ambos contêm a ideia da técnica moderna como princípio civilizador: o papel da nação capitalista mais avançada do século XIX seria o de ‘civilizar’ a ‘tradicional’ sociedade indiana mediante a inserção da estrutura produtiva industrial, onde o aparato técnico-científico possui destaque (GALLO, 2005, p. 25).

O entendimento de Marx perdurou até o apogeu do capitalismo (século XX). Heidegger, Adorno, Horkheimer e Marcuse, por exemplo, entendiam a técnica como meio, ação, instrumento (órganon, organu, em grego e latim, ferramenta) por excelência de intervenção e exploração da natureza. Porém, sem separá-la das relações de poder e sem a ideologia de neutralidade científica alheia aos interesses sociais ou políticos e econômicos de dominação, divisão e exploração de classes. Para Marx, a técnica funcionava como uma espécie de “força-motriz”, energia capaz de mudar os rumos das “civilizações primitivas” por intermédio da industrialização. Desse modo, a presença política do capital inglês na Índia era, para Marx, indispensável para trazer à sua colônia a modernidade ocidental.

Os ingleses foram os primeiros conquistadores de civilização superior à hindu e, por isso, ficaram imunes à ação desta última. Os britânicos destruíram a civilização hindu quando dissolveram as comunidades nativas, arruinaram por completo a indústria indígena e nivelaram tudo que era grande e elevado da sociedade nativa. A indústria

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moderna [...] destruirá a divisão hereditária do trabalho, base das castas hindus, esse principal obstáculo ao progresso e ao poderio da Índia (MARX apud GALLO, 2005, p. 31).

Ideologicamente, o princípio civilizador justificava-se pela “imanência lógica (natural) inerente ao sistema”, que conferia individualidade, autonomia e independência à técnica. Ou seja, a técnica não era uma criação da natureza, mas uma invenção humana. Numa comparação cibernética, funcionaria como uma espécie de androide que, apesar de criação humana, tinha vida, ação e vontade próprias. O desenvolvimento científico e tecnológico, no entanto, acabou se alterando no avançar do tempo, “mas não devido a causas diretas de tal desdobramento, pela aplicação e utilização de seus recursos” (GALLO, 2005), ou seja, muito mais pela interferência de mecanismos ou agentes humanos, sociais, econômicos, políticos.

Adorno (1985), Horkheimer (1985) e Marcuse (1999) reconhecem a força impulsora da técnica moderna para o desenvolvimento e progresso humano. Recusam, entretanto, a tese marxiana do “princípio civilizador” e da “racionalidade tecnológica” (que conferia à técnica ação e vontade própria, herança da “racionalidade iluminista”), bem como o da “nova dinâmica” e a ideia do funcionamento eficiente do aparato. A contestação se justifica porque a técnica é uma criação (cultural) do homem, indissociável do sistema capitalista de produção. A visão marxiana de libertação do povo indiano pela aparelhagem técnico-industrial pode soar mítica, mesmo romântica, na contramão da crítica hodierna, a exemplo do aparelho ideológico do Estado (Althusser); os dispositivos de controle social efetuados pelo Estado capitalista mostraram-se equivocados porque a colonização inglesa na Índia não se revelou revolucionária, tampouco alterou o modo de produção, apesar de ter promovido o desenvolvimento econômico, industrial e principalmente científico-tecnológico da Índia. Ou seja, o tempo e a própria “lógica capitalista” (não a da técnica) encarregaram de desmentir esse e outros mitos inerentes ao modo de produção

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capitalista. De qualquer forma, Marx foi claro ao dizer que, para que a técnica, industrialização e capital inglês desse certo na Índia, era indispensável também que o proletariado industrial britânico não desalojasse do poder os governantes na Grã-Bretanha:

Os hindus não poderão colher os frutos dos novos elementos da sociedade, que semeou entre eles a burguesia britânica, enquanto na própria Grã-Bretanha as atuais classes governantes não forem desalojadas pelo proletariado industrial, ou enquanto os próprios hindus não forem fortes para acabar de uma vez para sempre com o jugo britânico (MARX apud GALLO, 2005, p. 27).

Todavia, se Marx foi utópico, Platão e muitos outros também o foram. Marx não viveu o suficiente para ver os resultados da dominação inglesa na Índia, Egito, China e África. Isso porque a técnica produziu o progresso e a riqueza, mas também ajudou na alienação, exploração e divisão de classes. Em outros termos, ao invés de libertar, contribuiu ainda mais para a alienação, como hoje se acredita que o domínio das tecnologias leva o indivíduo ao sucesso social, econômico, prestígio e poder, poder. Esse é um dos mais festejados mitos da pós-contemporaneidade. Resumindo, era cedo para que Marx desse conta de que o capitalismo inglês na Índia acabaria transformando tudo em “maquinaria” a serviço dos interesses da nova classe e modelo econômico dominante tão logo se tornasse hegemônico. Ponderando com Marcuse:

Não estamos tratando da influência ou do efeito da tecnologia sobre os indivíduos, pois são em si uma parte integral e um fator da tecnologia, não apenas como indivíduos que inventam ou mantêm a maquinaria, mas também como grupos sociais que direcionam sua aplicação e utilização (MARCUSE, 1999, p. 73).

Vivia-se uma idílica utopia positivista ultramoderna do “encantado” papel da ciência e da tecnologia. Por um lado, cabe considerar que a tecnologia produziu o “des-ocultamento”, o “re-velamento” do ser (Heidegger), contudo não produziu dividendos morais capazes de libertar o ser humano; ao contrário, ampliou

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ainda mais o processo de exclusão. Tornou-se, pois, necessário pensar a questão da “essência da técnica” (Heidegger) em busca do “caráter técnico-industrial do relacionamento homem/sociedade e o ambiente natural”, dentro do conceito frankfurtiano da kulturkrit (GALLO, 2005, p. 32-34). Segundo Adorno/Horkheimer, essa associação “mítica” “implica uma falta de autoconsciência do que viria a ser o esclarecimento desmistificador, acabando por culminar naquilo que o pensamento, a razão vêm a combater: o mito” (ADORNO; HORKHEIMER, 2005, p. 7).

Se a produção técnico-industrial tem de ser vista com reservas (ideológicas), não quer dizer que o aparato científico moderno (eletrônica, computador, metalurgia e petroquímica, por exemplo) tenha que ser menosprezado, posto tratar-se de valiosos instrumentos inclusivos do resgate da dignidade e cidadania, negadas principalmente às pessoas com necessidades especiais (SASSAKI, 2006). Vale lembrar que os deficientes físicos, auditivos, visuais e mentais, bem como as pessoas que lidam com esse público, destacadamente os professores, são igualmente beneficiados por tais tecnologias.

Os deficientes mentais, por exemplo, sem o auxílio das novas tecnologias, estariam fadados, senão à marginalidade, ao menos à exclusão cultural e educacional. Vale lembrar que, nesse caso, não nos referimos apenas às tecnologias da computação, mas a todo o aparato científico, caso dos sistemas de linguagem-comunicação específicos para os deficientes mentais, da língua de sinais (libras) para os surdos, do Braille e do alto relevo para os cegos. A utilização dessas tecnologias teve início em 1784 com a criação, por Valentin Haiiy, do Institute Nationale des Jeunes Aveugles de Paris, a primeira escola (pública) para cegos registrada no Ocidente. Vale reforçar, porém, que a inauguração dessa escola especial será o berço da futura inclusão educacional, como pode se observar nos registros históricos.

Charles Barbier (oficial francês) cria a primeira escrita para cegos. Louis Braille (1829) cria o atual sistema de escrita Braille, mundialmente

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utilizado na alfabetização e escrita para cegos, fazendo uma revolução na educação para os deficientes visuais (MAZZOTTA, 2006 apud SOUZA, 2009, p. 18, 19, 100).

A tecnologia na educação geral e educaçãoinclusiva de deficientes visuais

Se me demoro a falar e peço algum tempo, tu não deves ficar surpreso, nobre rei; a um ser privado da vista, uma grande parte da verdade fica escondida. Entretanto, eu irei lá aonde me chamam a pátria e a vontade de Febo; do Destino arranquemos os segredos.(Tirésias. In: SÊNECA, 1982, p. 49)

Como já frisamos, o crucial problema não é com a técnica em si, mas como ela é apropriada e aplicada na sociedade contemporânea, pois, no caso dos deficientes, o emprego da tecnologia pode fazer toda a diferença. Os deficientes mentais, por exemplo, sem o auxílio das novas tecnologias, estariam fadados à exclusão cultural e educacional.

São históricos e universais os problemas vividos pelos deficientes, da antiguidade à contemporaneidade, passando pelos modelos da exclusão, médico, normalização, integração e inclusão, sendo a omissão e a ausência do Estado uma constância ad seculum (FOUCAULT, 2005). Em Esparta, as crianças deficientes eram atiradas do alto do monte Taigeto. Em Roma, o pátrio poder (Lei das XII Tábuas) dava direitos ao pai de eliminar “filhos defeituosos”, considerados “seres subumanos”. Mas além dos deficientes, pessoas com doenças crônicas, contagiosas, caso da epilepsia, lepra, tuberculose e loucura também sofriam as mesmas práticas e estigmas, registros, aliás, comuns na história dos povos e culturas humanas, como em Esparta, onde as

crianças portadoras de deficiências física ou mental eram consideradas subumanas, o que

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legitimava sua eliminação ou abandono. [...] Porém, o fato mais marcante na sociedade grega em relação às pessoas com deficiências foi a prática da eliminação. Desde o arremesso até a exposição proposital há uma situação de abandono que conduzia, na grande maioria das vezes, à morte. [...] na Republica de Platão [...] apenas os bem formados de corpo e de espírito teriam qualquer papel. A criança ou o adulto deficiente estaria, nessa hipotética realidade, fadado a morrer (BOTURA; MANZOLI, 2003, p. 24).

Na Idade Média, com o Cristianismo, a condição dos deficientes sofre algumas mudanças significativas, ao serem percebidos como “criaturas de Deus”, dignas de piedade e cuidado. Ao “ganhar alma”, não poderiam ser eliminados ou abandonados do convívio social” (BOTURA; MANZOLI, 2003, p. 24), embora alguns direitos, como a educação, fossem ainda impensáveis. O direito à educação viria somente a partir do final do século XVIII, com as escolas especiais e a criação de métodos e técnicas apropriadas no processo de ensino e aprendizagem. É nesse contexto que surge, revolucionariamente, o alfabeto Braille como o primeiro instrumento inclusivo a alterar profundamente a vida de cegos e deficientes visuais, abrindo-lhes também inéditas perspectivas à cultura, à educação e à escola, até então impraticáveis. Esses métodos se estenderam também para outros deficientes (surdos-mudos, por exemplo).

Valentin Haiiy [1784, fundador do destacado “Instituto Nacional para cegos de Paris”, marco da educação especial, “precursor da inclusão”]. [...] Há também Charles Barbier [1819, nome singular na educação especial]. Outro importante nome para ser designado como “precursor” do ensino inclusivo voltado aos deficientes visuais, Louis Braille, que revolucionou toda a história da educação para cegos e deficientes visuais [1824], Jean Marc Itard [1838], Jean Seguin, etc. (MAZZOTTA, 2006 apud SOUZA, 2009, p. 47).

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O primeiro instrumento significativo contra a exclusão dos deficientes nasce com as escolas especiais, inaugurando, desse modo, o paradigma da compreensão científica - física, psicológica, social e pedagógica - da deficiência. Porém, se evade “das mãos dos padres”, cai sob o “domínio médico de classificação” (COLL, 1995; SASSAKI, 2006; SOUZA, 2009). Nesse modelo, o objeto (doença ou lesão) predomina sobre o sujeito e todo o contexto. Por extensão, a capacidade de aprendizagem dos deficientes era diretamente proporcional à extensão do quadro patológico apresentado, no qual a lesão tinha caráter irreversível. Nesse paradigma, existiam apenas dois padrões pedagógicos para o ensino-aprendizagem, reforçados pela ciência, escola, professor, ensino público e privado, política etc., o da normalidade e o da anormalidade (BLANCA; GLAT, 2007).

Por muito tempo acreditou-se que havia um processo de ensino-aprendizagem “normal” e “saudável” para todos, válido indistintamente a todos os estudantes, tanto para os ditos “normais” bem como para aqueles que apresentavam algum tipo de dificuldade, distúrbio ou deficiência. Essa visão dicotômica reforça o mito de que existem dois grupos qualitativamente distintos de alunos: os “normais” e os “anormais” (isto é, “fora da norma”, regra, lei, padrão) e, consequentemente, duas categorias distintas de professores.

Para o autor de “Eros e Civilização”, há também a possibilidade de transformação da caracterização da técnica como aparato, ou seja, do questionamento da racionalidade tecnológica (MARCUSE, 1999) e a liberdade de expressão, a aprendizagem. A “medida nosológica” discriminava, estigmatizava e rotulava os alunos deficientes pelo diagnóstico, tipificados como “retardados”, “idiotas”, “débeis mentais”.

O modelo filosófico-pedagógico da escola tradicional, em que a criança era modelada e transformada no “ideal adulto” (herança retrógrada do pensamento pedagógico de John Locke, século XVII), era outro empecilho inclusivo. Os deficientes mentais, por exemplo, pela natural dispersão de atenção, tinham muitas

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dificuldades de se adaptarem às rigorosas formas de ensino e disciplina, imposta “sob pena de punição e/ou reprovação” (BLANCA; GLAT, 2007, p. 17).

Os paradigmas da educação inclusiva somente começaram a superar o modelo especial a partir de 70. O sistema de ensino-aprendizagem das escolas especiais, que trabalhavam com a divisão do alunado em normais e anormais, e a aplicação dos testes de inteligência (“QI”), mesmo com dificuldades na ressocialização, decretou o fim de séculos de isolamento, perseguição, abandono e assim por diante, até então impostos aos deficientes. A escola especial teve, e ainda tem, importante função na educação; extingui-la, substituindo-a pelo ensino inclusivo, mesmo com todas as condições, é inaceitável, principalmente à economia de verbas, como parece querer o MEC e algumas Secretarias Estaduais de Educação.

Pelos motivos expostos e outros tantos ligados à situação socioeducativa dos deficientes, antes e depois da escola especial, não é difícil entender por que o modelo inclusivo vem revolucionando todos os processos anteriores ligados às pessoas com deficiências no campo do entendimento, ação e intervenção educativo-escolar. A diferença básica da educação inclusiva com os regimes anteriores é que os alunos se encontram dentro de uma escola e sala de aula regular, junto a alunos sem deficiência, branda ou rebelde, ao contrário do ensino especial que impedia esse contato. Trabalhos inclusivos demonstram a importância da convivência mútua, pois a experiência humana estimula o sujeito, reforça a aprendizagem e influencia positivamente no quadro orgânico da deficiência (GLAT, 2007).

Dada a oportunidade, alunos de todas as idades e de capacidades diversas demonstram serem capazes de atuar como colaboradores no planejamento e participarem do funcionamento de classes e escolas para todos. Os alunos cuja presença tem sido impensável nas salas de aula regulares, devido às suas óbvias incapacidades, podem contribuir

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mais do que qualquer outro para construir uma comunidade de aprendizagem ativa. Trabalhando juntos, alunos, professores e pais podem criar comunidades escolares que contribuam mais para a educação de todos, exatamente porque se envolvem abertamente em problemas relacionados às dificuldades humanas e em incertezas que são facilmente mascaradas pela rotina (STAINBACK, STAINBACK, 1999, p. 61).

A importância da técnica/tecnologia no ensino inclusivo, à parte as questões ideológicas, é fundamental para todos os tipos de deficiência, a exemplo dos deficientes visuais, objeto da pesquisa dissertativa do autor. Os principais instrumentos fornecidos pelas novas tecnologias utilizadas na educação inclusiva se localizam no campo da informática: o sistema DOSVOX, Virtual Vision, o JAW, o scanner, máquinas de escrever e impressoras adaptadas para a impressão da escrita Braile (Máquina Perkins), lentes de aumento e instrumentos ópticos especiais adaptados ao trabalho do deficiente visual (BLANCO, 2007, p. 126, 127) vieram para ficar. As pranchas em alto relevo, bibliotecas com cabine sonorizada para os cegos, livros em Braille etc. Mas a educação inclusiva não deve voltar-se apenas à produção do saber e do domínio das tecnologias. Deve ousar mais, “libertar o espírito dos deficientes”, trabalho que a Filosofia tem muito a contribuir com a educação, como vimos insistindo.

A educação do povo comum, dos trabalhadores, na visão dos teóricos da economia política, é defendida apenas como mecanismo de libertação dos obstáculos que se podem opor a essa marcha inexorável do progresso econômico. Alguns desses obstáculos estavam nos preconceitos e na ignorância dos trabalhadores e, sobretudo, nas desordens sociais e políticas dos vencidos pela revolução burguesa: os camponeses, artesãos, pequenos proprietários e radicais, que tentavam desviar o curso da revolução desencaminhando as massas ignorantes (ARROYO, 2007, p. 54).

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A pesquisa dissertativa citada demonstrou que a tecnologia na inclusão dos deficientes visuais no local pesquisado era fundamental, enquanto sua ausência dificultava, comprometia, mas não impedia a aprendizagem. Os notebooks, salvo o de uma aluna do turno da manhã, não faziam parte do trabalho dos deficientes visuais em sala de aula, ao contrário dos métodos tradicionais. A gravação – via gravadores, MP3/4 e outros – era a principal tecnologia utilizada. A produção de textos por meio de scanner, leitura, escrita e “edição digital”, ferramentas inclusivas predominantes, dentro e fora da Universidade9, mostraram-se tão importantes quanto fora o alfabeto de Louis Braile, que abriu novas perspectivas à inclusão social dos cegos, por intermédio da educação.

Intransferíveis reflexões críticasà Educação, ciência e tecnologias

As virtudes (virctudes) têm sua origem nos romanos, a Cultura nos gregos.(MANACORDA, 2006, p. 75)

Mas a quem servem as novas tecnologias? Essa é uma

problematização que nunca deveria faltar na escola e sempre deveria ser levantada, incentivando, por exemplo, o diálogo franco, transparente e aberto entre o aluno, o professor, a instituição e a comunidade escolar, função do método filosófico por intermédio da reflexão crítica. Primitivamente, todos dependiam de todos. Com o trabalho coletivo, tudo era socializado e voltado à comunidade (BRANDÃO, 2005), sendo a terra o bem mais precioso. Historicamente, os processos de dominação iniciam-se com a produção de excedentes. Nasce, assim, a divisão e a luta de classes, a separação da humanidade em detentores e não detentores de riqueza, do poder de uma minoria “rica” sobre uma maioria “pobre”, superior, inferior e assim por diante. No

9 Local da pesquisa: FaE/CBH/UEMG.

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capitalismo, a riqueza atinge cifras exorbitantes, à margem da socialização dos recursos amplamente produzidos; nele, uma minoria detém praticamente todos os bens, básicos ou não. Os bens culturais, outrora coletivizados, transformam-se, nas sociedades organizadas, em privilégios do clã ou da tribo, mas do grupo dominante, principalmente a educação.

É a partir daí que a educação aparece como propriedade, como sistema e como escola. O controle sobre o saber se faz em boa medida através do controle sobre o que se ensina e a quem se ensina, de modo que, através da educação “oficial”, o saber oficialmente transforma-se em instrumento político de poder. Ele abandona a communitas de que fez parte um dia e ingressa na estrutura dos aparatos de controle. O “processo grego” se repete então: a educação da comunidade, a escola, a oposição entre a educação-de-educar e a educação de instruir, a passagem da aprendizagem coletiva para o ensino particular, o controle do estado. [...] onde surgem interesses desiguais e, depois, antagônicos, o processo educativo, que era unitário, torna-se partido, depois imposto. Há educações desiguais para classes desiguais (BRANDÃO, 2004, p. 102, 103).

É nesse sentido que se fala que o fim do processo inclusivo é dos mais nobres e importantes, pois objetiva corrigir parte dessas históricas distorções, porém, não deve restringir-se aos deficientes, pois não são eles os únicos historicamente excluídos, do ponto de vista social, político, cultural, econômico ou educacional. A inclusão visa a um mundo menos competitivo, exclusivista, individualista, cooperativo, que respeita as diferenças, interativo e que compartilha experiências, mas sem esquecer de omiti-las. Por isso, entendemos a inclusão escolar como um movimento universal de incluir todas as minorias, especiais ou não, à educação.

O objetivo da inclusão não é o de esquecer as diferenças individuais entre elas. [...] a

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inclusão nas escolas é criar um mundo em que todas as pessoas se reconheçam e se apoiem mutualmente, e esse objetivo não é atingido por nenhuma falsa imagem da homogeneidade e em nome da inclusão. Ao contrário, precisamos observar cuidadosa-mente a maneira como as escolas têm caracteristicamente se organizado em torno das diferenças individuais e como desenvolveram alternativas. [...] Entretanto, a alternativa não é inserir os alunos em grupos heterogêneos e ignorar suas diferenças individuais. [...] Precisamos encontrar maneiras de desenvolver comunidades escolares inclusivas que reconheçam as diferenças entre os alunos e suas necessidades, e isto dentro de um contexto comum (STAINBACK; STAINBACK, 1995, p. 407, 408).

Assim como a educação e outras criações humanas, a técnica e a tecnologia evidentemente não ficariam imunes aos interesses dos detentores de riqueza, títulos nobiliárquicos, poder político ou religioso e assim por diante. Nesse momento é que se torna imprescindível a educação crítica à libertação pessoal e política, como preconizava Freire. Esse é o espaço privilegiado da Filosofia, razão pela qual sua presença em todos os níveis, currículos e graus, particularmente nesses conturbados dias, deveria ser mais que necessidade, mas uma inadiável prioridade.

A escrita (grafé) configurou-se como a primeira “ferramenta-tecnologia” responsável pela produção, armazenamento e transmissão do saber elaborado, mas trouxe também consigo o poder, caso dos escribas no velho Egito. Na Grécia, a escrita sofre algumas inovações. Ao contrário de outros povos, Mesopotâmia, por exemplo, desce do pedestal da sacralidade (hieróglifo – escrita sagrada – egípcia), adquirindo contornos laicos e caráter universal, tendo como grande mentor Homero, “pai da cultura ocidental”, com a Ilíada e a Odisséia, continuado por Hesíodo, com a Cosmogonia e Genealogia dos deuses. A Filosofia, esplendor da

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criação helênica, somente se tornou viável por obra do modelo grego de educação, porque, sem o peso do misticismo, aplanou o caminho para o surgimento do Lógos no lugar do Mython. São destacadas várias causas para o surgimento da Filosofia, porém, pouco destaque se faz à educação10, e isto, se não é um equívoco, com certeza é uma grande injustiça.

O resultado da técnica, essencialmente, não deve ser atribuído necessariamente ao instrumento ou à ciência, mas, principalmente, ao caráter político-social e ideológico oportunizado. Na verdade, o uso benéfico ou maléfico de uma ferramenta (órganon) é sempre uma escolha moral. A mesma ciência da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki serviu também à causa do bem, no tratamento do câncer. A manipulação tecnológica do césio, cobalto, urânio e de qualquer outro elemento radiativo, natural ou sintético, tem implicações negativas ou positivas – como o fim bélico de destruição em massa ou na “bomba de cobalto/césio” para o tratamento do câncer. A utilização da técnica pode ser puramente instrumental, imanente ou transcendente ao processo, mas não o seu fim, sujeito sempre a uma escolha, fato “não natural”, um projeto humano intencional (Sartre).

No capitalismo globalizado e neoliberal, é normal e ingênuo pensar que o uso de agrotóxicos e transgênicos na lavoura, anabolizantes na criação de gado ou frango são atividades “inocentes”, seguras, economicamente sustentáveis, comprometidas eticamente e voltadas para os interesses da coletividade. Criar porcos é uma atividade científica segura, controlada cientificamente e fiscalizada pelo poder público? Esta é uma concepção mítica e de senso comum (doxa).

Na “gripe suína” temos um bom exemplo de como a técnica e a ciência podem ser manipuladas e controladas pelo interesse econômico.

O vírus dessa gripe se originou da combinação de múltiplos pedaços de ADN

10 Esta é conclusão parcial das pesquisas do autor a respeito da educação ocidental, que não poderia ter outra origem senão a educação helênico-helenística. No trabalho aponta-se uma estreita relação entre Educação e Pedagogia e entre esta com a Filosofia.

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humanos, aviários e suínos. O resultado é um vírus oportunista que acomete animais imuno-deprimidos, preferencialmente porcos criados comercialmente em situações inadequadas, não-naturais, intensivas, massivas, fruto de cruzamentos clonados e que se alimentam de rações de origem transgênica, vítimas de cargas extraordinárias de antibióticos, drogas do crescimento e bombas químicas visando a precocidade e o anabolismo animal. Especulações científicas indicam que o vírus dessa gripe teve origem nas Granjas Carroll, no Estado mexicano de Vera Cruz. A granja de suínos pertence ao poderoso grupo norte-americano Smithfield Foods, cuja sede mundial fica no Estado de Virgínia (EUA). [...] O nome da gripe, portanto, não é “suína”. O nome da gripe é: “gripe do agronegócio internacional” – que precisa responder judicialmente o quanto antes – urgentemente – pela sua ganância e irresponsabilidade com a saúde pública mundial (PAITÁN, 2008).

Seja qual for a “verdadeira história da gripe suína”11, é impossível deixar a Smithfield Foods fora de suspeição. Fica afastada a “neutralidade científica” e “da técnica”, porque não estão separadas das relações humanas de produção, principalmente por se tratar de uma empresa capitalista com fins lucrativos, mesmo porque o “homem não possui o controle sobre tal mecanismo: por isso a mitificação, alienação por meio da técnica moderna” (GALLO, 2005, p. 33). É nesse momento que entra a Filosofia como instrumento de “desocultamento” (HEIDEGGER) para denunciar a presença da alienação e da ideologia nesse tipo de trabalho/construção.

Parafraseando Adorno e Horkheimer (1985), como o homem não detém o “controle do mecanismo”, sobrevém a mitificação e a alienação da técnica moderna. De acordo com eles, podemos concluir que não há nada desinteressado, ingênuo ou inocente na

11 Infecção viral do tipo gripal provocada por vírus mutantes de porcos e humanos.

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economia, na política ou na educação do capitalismo hodierno, no qual o processo é uma máquina e o homem, engrenagem dessa maquinaria.

O pensar reifica-se num processo automático e autônomo, emulando a máquina que ele próprio produz para que ela finalmente possa substituí-lo. [...] O procedimento matemático tornou-se, por assim dizer, o ritual do pensamento. Apesar da autolimitação axiomática, ele se instaura como necessário e objetivo: ele transforma o pensamento em coisa, em instrumento, como ele próprio o denomina (ADORNO; HORKHEIMER, 1985 apud GALLO, 2005, p. 28).

Conclusão

São obstáculos para a aprendizagem o medo e qualquer perturbação do espírito; enquanto o prazer facilita muito.(MANACORDA, 2006, p. 77).

Vale colocar, ainda, uma última provocação. Se a Educação é responsável pela transmissão da cultura elaborada, a ciência, pela descoberta de novas realidades e a Filosofia, responsável pela organização (Comte), reflexão, lógica, metodológica e crítica, dos diversos saberes e realidades, reais e ideais, qual seria, então, a “utilidade” da técnica e da tecnologia? Para continuar a desafiar o homem a explorar as “energias da natureza para que realize o desocultamento do que está disposto” (GALLO, 2005, p. 2), ou seja, são ferramentas de exploração da realidade, no sentido de produzir os devidos conhecimentos12 e domínio sobre a natureza (Heidegger).

Quando, por tanto , nas pesquisas e investigações, o homem corre atrás da natureza, considerando-a um setor

12 Segundo a teoria do conhecimento, o conhecimento nada mais é do que uma representação simbólica da realidade, nunca sua posse, através de ideias, signos, símbolos, significante/significado. Portanto, o conhecer não é uma “apreensão real imediata ou mediata ou das coisas do mundo”, mas de sua Idea, modelo, paradigma (Platão).

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de sua representação, ele já se encontra comprometido com uma forma de desencobrimento. Trata-se da forma de desencobrimento [desocultamento] da técnica que o desafia a explorar a natureza, tomando-a por objeto de pesquisa até que o objeto desapareça no não-objeto da disponibilidade (HEIDEGGER, 2002, p. 20).

É fundamental que o educador traga, além do conhecimento, história, “à luz da razão” a compreensão e a crítica da técnica e da ciência, bem como a relação ideológica com o mundo econômico, político, social ético e moral. Somente assim o saber produzido se transformará em moeda de grande valor humano e não um simples capital econômico. Mas qual seria a “técnica revolucionária da Filosofia” que mudou a história da humanidade? A descoberta do Lógos e a aplicação dessa “metodologia” a serviço do conhecimento da natureza, física ou humana (naturans naturans e natura naturata13).

Filosofia torna-se também uma técnica, do juízo racional, em analisar e compreender a realidade, substituindo ou transformando-se, pela compreensão, a dúvida, as incertezas e as crenças, pela certeza ou “verdades” trabalhadas pela crítica racional. Reflexiva, um repensar permanente (de reflectere, do latim, voltar atrás). Fundamental (que vai às bases, ao fundo, aos fundamentos, “alicerces”, da questão, tema ou problema central). Crítico (do grego, kritikós e do latim críticu, quebra: julgamento, juízo rigoroso e grave sobre algo) e analítico (pelo grego análysis, decomposição, divisão ou resolução): trabalho de decompor em partes o conteúdo do objeto de estudo (SOUZA, 2001, p. 30).

Além da Filosofia, da ciência e da arte, a instituição escolar é outra importante contribuição grega à humanidade. A

13 “Natureza sensível”, física, fenomênica, phainómenon – “a natureza fazendo o que a natureza faz”. “Natureza humana”, mundo da criação humana, da subjetividade – “a natureza já criou”. Termos adaptados pela Filosofia de Espinosa para designar a objetividade e a subjetividade.

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escolarização acontece entre VI e I a.C., do período clássico ao helênico e helenístico à decadência, proposta continuada por Roma. A escolarização grega, inicialmente particular, evoluiu rapidamente para a escola pública, quebrando pouco a pouco consagrados privilégios aristocráticos da educação guerreira homérica, beneficiando o homem livre, depois os estrangeiros, meninas e, por fim, o escravo. Filha da democracia, o direito à educação, aberto a toda gente, cor, ideologia, condição social e econômica, é retomado com intensidade com a burguesia liberal e iluminista como modelo da nova ordem, terminando como bandeira de luta dos trabalhadores por igualdade de direitos.

A escola evoluiu graças às contribuições financeiras de particulares, de cidades ou de soberanos e, aos poucos, se tornará uma escola de Estado. [...] A partir daí, porém, a instrução atingirá não somente as crianças livres (elútheroi paidés), mas também as meninas (párthenoi), os pobres (penétes) e até os escravos (doúloi) [...]. Dessa forma, as escolas foram se tornando gradativamente públicas e, especialmente quando o benfeitor era um soberano (Átalo II, Ptolomeu Filadelfo etc.), se estabilizando. É um processo que o império romano levará adiante: entre os evergetes encontramos os imperadores, como Adriano, que dotou Atenas com um novo ginásio. [...] indubitavelmente significou uma melhoria das condições econômicas e do prestígio social dos mestres, muitos dos quais são lembrados em inscrições públicas ou foram honrados com monumentos (MANACORDA, 2006, p. 67).

A evolução da escola grega, porém, acabou beneficiando, mas não pôs fim à cruel e caótica situação dos professores, extremamente prejudicados econômica, social, política e moralmente como aconteceu na Grécia, porque a situação miserável do mestre em Roma não fora unânime como na Grécia, pois em algumas escolas ou graus, ora o professor era enaltecido ou repudiado.

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Da mais miserável a uma condição de rei: entre estes dois pólos oscilava, na realidade, a condição do mestre nos vários graus de escolas, do litteratur ao grammaticus e ao rhetor, com sensíveis diferenças individuais e locais. [...] também em Roma esta profissão que nem sempre era honrada apresentava, de fato, diferenças muito grandes, inclusive quanto às remunerações, de acordo com o grau da escola e com o prestígio individual dos mestres (MANACORDA, 2006, p. 95).

Finalizando, o compromisso de lutar incondicionalmente em prol da Educação é, em essência e práxis, o objetivo específico do artigo. Por isso defendemos o ensino, em todos os níveis, graus, modalidades e lugares, como urgente prioridade à produção do saber racional sistemático e crítico, ético, social e político-cidadão, e disso não abrimos mão.

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Referências

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Importância da Filosofia na educação crítica: a utilidade da técnica noprocesso inclusivo de pessoas com necessidades especiais

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Importance of critical Education Philosophy: the usefulness of thetechnique in the process inclusive

of people with special needs

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Abstract

Discusses the technology, education and philosophy. Advocates the importance of philosophy in general education and inclusive education. Discusses the question of “power ‘liberator’ of technique and industrialization of English capitalism in India”, understood as “civilisational principle”, a result of “Science/modern technique”, thesis defended industrial postwar era by Marx, and some current implications. Are presented briefly other philosophical ideas-social, economic and ideological (Adorno, Horkheimer, Heidegger, Marcuse) to Marx’s model. There are also reflections on the importance of technology in education in General and visual impairment - traditional (Braille writing, for example) and current (digital technologies: computer screen magnified lyrics, specialized software for reading and writing). Are analyzed some pros and cons of technology from the perspective of the object-problem author on the argumentative text educational inclusion of visually impaired people. Added-if part of the current research of the author on education, which works with the hypothesis that the Greek writing, initiated by Homer, was the most important “contribution revolution” for humanity. The importance of education/pedagogy and the role of the teaching of philosophy in the present day, crucial to the formation of critical consciousness citizen, assumptions, middle and end.

Keywords: technique; inclusion; education.

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Experiência com parceiros mais velhos e desenvolvimento de

crianças na crecheCássia Cristina Barreto Santos1

[email protected]

Ana Rosa Costa Picanço Moreira2 [email protected]

Vera Maria Ramos de Vasconcellos3

[email protected]

Resumo

Neste artigo analisamos as ações e narrativas de crianças numa situação de brincadeira livre, bem como o papel do educador em favorecer ou não a criatividade das mesmas no contexto da dramatização. Participaram do estudo uma educadora, quatro crianças de três anos de idade e quatro crianças de quatro anos, numa creche pública. Para realizar a atividade de dramatização, a educadora utilizou um saco com quatro fantoches (de mais ou menos um metro cada um deles): uma bruxa, uma menina, um menino e um bicho diferente, sem gênero definido (“Bicho Cárie”). Ela solicitou às crianças que fizessem dramatizações utilizando os fantoches. Nosso objetivo foi investigar em que medida as crianças mais novas eram capazes de identificar e

1 Professora na educação infantil da rede de ensino municipal do Rio de Janeiro. Mestranda em Educação da UERJ. Membro do grupo de pesquisa Infância e Saber.2 Professora adjunta da UFJF, mestre em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho e doutora em Educação pela UERJ. Membro do Núcleo de Estudos da Infância: Pesquisa e Extensão e coordenadora adjunta do Núcleo de Pesquisa Linguagem, Educação, Formação de Professores e Infância (LEFoPI/UFJF).3 Professora titular da UERJ/PROPED/FE. Mestre, doutora e pós-doutora em Psicologia. Coordena o Núcleo de Estudos da Infância: Pesquisa & Extensão/UERJ.

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assumir o ponto de vista das mais velhas. Os episódios interativos foram gravados em vídeo e, posteriormente, analisados. Os resultados indicaram que, algumas vezes, o educador tem dificuldade de se engajar nas brincadeiras e aceitar modos de lidar com a situação imaginária diferentes dos planejados. Por outro lado, ele se constitui num mediador das interações sociais e produções criativas das crianças. Palavras-chave: creche; faz de conta; zona de desenvolvimento proximal.

Introdução

Vivemos em uma época de rápidas mudanças sociais e tecnológicas, que nos fazem repensar vários aspectos da educação infantil. O fazer pedagógico, em especial, tem passado por reformulações conceituais e metodológicas relacionadas, principalmente, à entrada de crianças cada vez mais novas em unidades educacionais, como a creche e a pré-escola. Por sua vez, isso tem provocado algumas inquietações sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem e as modalidades de ações docentes possíveis em relação à criança pequena.

Desde muito cedo, a criança tem demonstrado capacidade de interagir com o meio, transformando-o e transformando-se, sendo protagonista – ator e autor – de seu próprio processo de desenvolvimento e aprendizagem. A partir das reflexões realizadas com pesquisadores da Educação e da Psicologia, no Núcleo de Educação da Infância: Pesquisa e Extensão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEI:PE/UERJ), alguns conceitos fundamentais para o cotidiano do trabalho docente na educação infantil foram ressignificados. Essas reflexões apontaram para a necessidade de se criar novas metodologias de educação para e com a infância que superassem as visões e as concepções tradicionais de criança, seu desenvolvimento e sua aprendizagem ao integrar o cuidado e a educação.

Com base nos estudos e pesquisas realizados pelo NEI:PE/

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UERJ, nos últimos sete anos - Aquino (2008 e 2010); Vasconcellos, Aquino e Dias (2008); Vasconcellos e Sarmento (2007); Vasconcellos e Aquino (2005); Moreira e Vasconcellos (2008) -, e na discussão das teorias socioculturais, propomos uma prática mais crítica e coerente com a realidade de cada agrupamento de crianças, no sentido de se valorizar suas competências e necessidades.

O estudo foi conduzido numa creche institucional para filhos de funcionários públicos do município do Rio de Janeiro4, que tem por princípio oportunizar o desenvolvimento da autonomia das crianças por meio de uma proposta pedagógica embasada na perspectiva sócio-histórica-cultural. A instituição procura oferecer um ambiente educacional coletivo, no qual as crianças possam crescer e se desenvolver de forma saudável, com espaço físico seguro, além de propiciar brincadeiras livres com outros colegas e a construção do conhecimento com a mediação de adultos experientes e atentos. Para atingir esse objetivo, investe-se em uma proposta pedagógica que contemple a capacitação dos profissionais em serviço, e os ambientes são organizados de acordo com as necessidades das crianças. Além disso, há a valorização da presença de familiares no ambiente da instituição.

Analisamos uma situação real, advinda da necessidade de dar visibilidade e valorizar as interações de crianças pertencentes à turma de maternal II, composta por 11 meninos e sete meninas. O objetivo central foi investigar como as interações realizadas por um grupo focal de oito crianças (quatro delas com três anos incompletos e quatro com idade de quatro anos) resultaram no desenvolvimento de todas elas. A proposta pedagógica que aqui será apresentada destaca os conteúdos criativos e argumentativos do grupo focal numa brincadeira de faz de conta. Nesse sentido, buscamos compreender como esses pequenos atores sociais interpretam, reproduzem e/ou ressignificam as regras sociais presentes em seu dia-a-dia.

A dinâmica original dos agrupamentos com turmas

4 A creche institucional em estudo está localizada no bairro Cidade Nova, na cidade do Rio de Janeiro, e recebe, em média, cento e cinquenta e cinco crianças, de zero a quatro anos, das 7h às 17h, de segunda-feira a sexta-feira.

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heterogêneas foi proposta pela direção da creche, tendo como objetivo potencializar o desenvolvimento das crianças. Essa modalidade acabou por ser mostrar como uma proposta enriquecedora e fortalecedora do objetivo central deste trabalho, qual seja, a de perceber a criança mais velha como parceiro privilegiado de desenvolvimento da mais nova.

Baseadas nas proposições de Lev Vygotsky (1896-1934) e colaboradores, referentes ao jogo de faz de conta e à importância da relação com parceiros mais velhos, apresentamos, inicialmente, algumas contribuições sobre o “ato criativo” nas interações sociais de crianças e na constituição delas como sujeitos sociais. Também enfatizamos a necessidade de se relacionarem não apenas com seus pares da mesma faixa etária, mas que tenham oportunidade de interagir com parceiros mais experientes, sejam eles crianças ou adultos, pois isso é compreendido como um convite à aprendizagem.

Em seguida, apresentamos as descrições e análises de episódios interativos que foram documentados mediante videogravação e registros escritos. A metodologia escolhida para análise das videogravações foi a microgenética5, já que por meio dela é possível obter detalhes de episódios de interação criança-criança sem negar a participação do adulto. As experiências em pequenos grupos, como as situações de dramatização, compuseram as análises. Por fim, mostramos uma visão prospectiva do desenvolvimento infantil a partir dos dados obtidos e das análises realizadas.

Esperamos que este artigo possa contribuir para a formação do profissional de educação infantil, pensando o educador como aquele que propicia espaços de criação e situações de brincadeira que valorizem os processos imaginativos, a dimensão simbólica e a construção do conhecimento da criança, que é protagonista. Acreditamos, assim, que seja possível repensar uma educação infantil que enfatize a dialética presente nos saberes e fazeres dos educadores e das crianças. 5 Análise microgenética é uma forma de construção de dados em que os sujeitos focais, as relações intersubjetivas e as condições sociais da situação produzem um relato minucioso dos acontecimentos a partir de uma matriz histórico-cultural. (GÓES, 2000a, p. 9-10).

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Uma visão sócio-histórica e cultural de desenvolvimento

Lev Vygotsky (1998a), um dos principais representantes da perspectiva sócio-histórica-cultural, apresenta o estudo do desenvolvimento humano como a compreensão da unidade dialética de duas linhas principais e distintas: a biológica e a cultural, que exercem influência mútua. O autor defende que

nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, imbricamento de fatores internos e externos e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra (VYGOTSKY, 1998a, p. 96-97).

A abordagem vygotskyana enfatiza que as características biológicas preparam a criança para agir no meio social e para modificá-lo, mas que essa ação termina por influenciar na construção de suas próprias características biológicas. Não é apenas a criança que se desenvolve e se modifica no processo de interação com o outro e com o meio. Ambos também se constituem, constroem-se e mudam a si mesmos. Nesse sentido, Vygotsky dá destaque ao papel da mediação no processo de aprendizagem e aquisição do conhecimento, atentando para o fato de que por meio dessa ação é que se possibilitará a aquisição dos valores culturais de determinada sociedade. Isso porque é com o outro (indivíduos e/ou objetos de conhecimento) que o sujeito estabelece relações e elabora seus processos cognitivos de conhecimento do mundo. Ou seja, a partir da mediação do e com o outro, as pessoas se apropriam e elaboram as formas de atividade prática e mental pertinentes à

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determinada cultura.Vygotsky tece uma abordagem dos processos psicológicos

entrelaçada às dimensões culturais, históricas e semióticas presentes na constituição do sujeito, destacando seu papel criativo. Por isso, define a atividade criadora ou criatividade como

[...] toda realização humana criadora de algo novo, quer se trate de reflexos de algum objeto do mundo exterior, quer de determinadas construções do cérebro ou do sentimento, que vivem ou se manifestam apenas no próprio ser humano (VYGOTSKY, 1998, p. 7).

A criatividade é uma característica que pertence ao homem, que é um ser social desde a sua origem, pois já nasce inserido em uma determinada cultura. Isso ocorre porque a criança, ao nascer, já apresenta certas estruturas internas (biológicas), que vão sendo modificadas nas interações com o ambiente. São essas estruturas que irão agir a partir das interpretações e dos significados que a criança atribui a suas expressões, gestos, posturas, sons, tornando-a, assim, participante ativa do mundo simbólico da cultura a que pertence.

Vygotsky (1998a) defende que o ser humano constrói seus conhecimentos e sua subjetividade ao estabelecer relações, que irão organizar e explicar o mundo que o circunda. Assim,

se considerarmos que a criação consiste, em seu verdadeiro sentido psicológico, em fazer algo novo, é fácil chegar à conclusão de que todos podemos criar em maior ou menor grau e que a criação é fato normal e permanente do desenvolvimento infantil (VYGOTSKY, 1998a, p. 7).

A ação manifesta-se na criança, nas interações (ações partilhadas) que estabelece com o mundo, com o meio, que é simbólico e histórico, portanto, ideológico, em situações definidas pelo autor como zona de desenvolvimento proximal. Nela, é privilegiada a interação com parceiros mais experientes como forma ativa da criança se relacionar com o mundo, sendo protagonista do seu próprio processo de aprendizado e desenvolvimento. Segundo o

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autor (1988a), a zona de desenvolvimento proximal é caracterizada por certa tensão entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, sendo definida como

[...] a distância entre o nível de desenvolvi-mento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998a, p. 112).

Dessa forma, o desenvolvimento ocorre em dois níveis: (1) o real, referente ao desenvolvimento já alcançado e caracterizado pela independência nas ações; por exemplo, tudo que a criança realiza de forma autônoma e (2) o potencial, que se relaciona às competências em via de serem conquistadas – aquilo que o sujeito ainda não é capaz de realizar de forma independente e, por isso, necessita da colaboração do outro.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal indica a distância entre os dois níveis de desenvolvimento humano – o real e o potencial. Mas, para transformar o que é potencial em real, faz-se necessária a instauração de um espaço de ações partilhadas, pois na interação com o outro se adquire a capacidade de internalizar conceitos, de organizar o real e de regular internamente as ações. Os fenômenos de transição do desenvolvimento perpassam por todo território intermediário entre o externo e o interno, assim como reintegra um território comum: o da cultura.

No contexto da creche, o educador pode ter papel privilegiado de mediador, facilitando a criação de zonas de desenvolvimento proximal. É ele quem promove situações de aprendizagem e um ambiente de brincadeira no qual a outra criança atua como facilitadora da passagem de um nível atual de desenvolvimento para o potencial. Nesse sentido, Vasconcellos entende que

a zona de desenvolvimento proximal ajuda o educador a ficar atento não só para o que a criança faz, mas para o que ela poderá

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vir a fazer, num momento próximo-futuro, pensando o desenvolvimento infantil de forma prospectiva (VASCONCELLOS, 1998, p. 53).

Assim, as interações que o sujeito estabelece com o outro criam as zonas de desenvolvimento proximal, e a vivência da criança com parceiros mais experientes a leva a perceber o mundo de forma simbólica, tal qual os mais experientes o representam. A criança se comporta ativamente, recriando a sua realidade de forma própria. Hoje, a zona de desenvolvimento proximal será o nível de desenvolvimento real amanhã. Ou seja, aquilo “que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 1998a, p. 113).

Na riqueza de sua vivência, portanto, a criança parte da experiência acumulada para na repetição das ações, nas palavras ouvidas, no compartilhar histórias, nas expressões, na forma de ver o mundo, em um processo de combinar experiências antigas com as novas, constituir o alicerce da criação. Quanto mais rica é a experiência, maior será a sua imaginação, já que a primeira alimenta a fantasia e esta, por sua vez, participa da ampliação da experiência.

A importância das ações imitativas

As crianças podem imitar uma variedade de ações, sendo capazes de fazer coisas que vão muito além dos limites de suas próprias habilidades durante suas interações com o outro. Para Vygotsky (1998a, p. 96), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e é um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”. Porém, nas práticas correntes na educação infantil, o “ato imitativo”, que parece ter pouco significado em si mesmo, não é valorizado adequadamente pelos educadores, apesar de ter fundamental importância, na medida em que demanda uma alteração positiva quando valorizado na inter-relação do aprendizado e do desenvolvimento das crianças.

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Cabe-nos destacar que a interação com o parceiro mais experiente potencializa as ações imitativas, fornecendo base para o processo de desenvolvimento da criança. Podemos perceber que o aprendizado possibilitado por essas ações cria a zona de desenvolvimento proximal e desperta, por sua vez, vários processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage com outras pessoas de seu ambiente e/ou em cooperação com companheiros mais experientes. Assim, para Vygotsky (1998a, p. 118), “o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”.

Logo, o que torna significativo o trabalho desenvolvido com crianças na educação infantil é acompanhar, potencializar e criar momentos de interação com o outro, promovendo situações de aprendizagem que se transformam em zonas de desenvolvimento proximal. Isso possibilita criar situações nas quais as crianças consigam realizar ações entre elas mesmas, visto que isoladas ainda não conseguiriam. Mais tarde, irão resolvê-las de forma independente, o que caracteriza o nível de desenvolvimento real:

Os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as Zonas de Desenvolvimento Proximal (VYGOTSKY, 1998a, p. 118).

São essas interações que o indivíduo estabelece com o meio e, em especial, com o outro, que são essenciais para a constituição do pensamento e da personalidade. Na educação infantil, a criança se socializa de forma planejada, tendo contato com outros indivíduos fora de seu convívio familiar e aprendendo regras sociais comuns a seu meio. É o momento em que a criança passa, efetivamente, a se confrontar com a “cultura” de seu meio social.

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Análise microgenética de episódios interativosna brincadeira de faz de conta

Para realizar a atividade de dramatização, a educadora utilizou um saco de pano bege (“saco surpresa”), com quatro fantoches (de mais ou menos um metro cada um deles): uma bruxa, uma menina, um menino e um bicho diferente, sem gênero definido (“Bicho Cárie”). Ela solicitou às crianças que produzissem uma dramatização a partir do material fornecido6. A análise dos episódios interativos (vídeos gravados) resultou na identificação de três eixos: (1) - Como a educadora inicia as atividades; (2) - a nomeação dos fantoches; (3) - a composição da história.

Cada um dos aspectos citados contém recortes dos episódios, seguidos de análises das produções criativas das crianças e também da atuação da educadora nas situações de faz de conta. O foco de análise se deu na direção da ação do parceiro mais velho no desenvolvimento da criança mais nova.

Transcrição e análise dos episódios

1º EPISÓDIO: Como a educadora conduz a atividade?

A educadora senta-se com as oito crianças em roda e posiciona o “saco surpresa” próximo a ela.Educadora: - “Vamos ver a novidade que tem nesse saco? Vamos? O que será que é? O que vocês acham que é?” RUY (4 anos): - “Dinossauro”.Educadora: - “Será que é alguma coisa de dinossauro?”RUY: - “Eu acho que é uma montanha que tem o T-Rex”.7

Educadora: - “Será que é uma montanha que tem o T-Rex? (risos).

6 Esta modalidade de análise segue a desenvolvida por Cynthia de Souza Paiva Nascimento na dissertação de mestrado intitulada “Criatividade e Brincadeira de Faz de Conta nas Concepções de Professores de Educação Infantil” (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, 2008. 7 T-Rex, abreviação de Tiranossauro Rex, dinossauro que a turma estava conhecendo nas atividades do projeto do mês corrente.

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Vamos ver... não sei”. (Até esse momento o saco está nas mãos da educadora). Eu vou abrir o saco e vocês vão ver”.RUY: - “É um saco mágico?” (Pergunta, enquanto a educadora abre o saco).Educadora: - “Não sei, vem aqui ver”.As crianças se levantam e olham dentro do saco.MÁRIO (3 anos – 1ª criança focal): Retira um fantoche e diz: - “É o lobo.” (Em relação ao “Bicho Cárie”).M. ELY (4 anos): Retira o fantoche do menino e da menina. -“Essa aqui é a boneca”. (Sai correndo da roda).FAUSTO (4 anos): - ‘’Ela, M. Ely, está com dois”. (Sai da roda em direção a M. Ely).M. ELY: - “Não! Não!”FAUSTO: - “Oh tia, eu não tenho nenhum”.KARLA (4 anos): - “É para fazer o que, tia? Isso aqui é o quê?” (Com o fantoche da bruxa na mão).Educadora: - “O que que é isso?”KARLA e FAUSTO: - “Uma Bruxa!”M. ELY: - “Eu quero a Bruxa...”Educadora: - “Olha, só quem ficou sem... “KARLA: - “Maya ficou sem”.MAYA (3 anos - 2ª criança focal): - “Tia , eu tô sem...”Educadora: - “Espera, daqui a pouco você vai pegar emprestado, tá?”Karla brinca com o fantoche da Bruxa, balançando-o e diz: - “Eu sou uma Bruxa, eu sou uma Bruxa”.Karla continua brincando com o fantoche de Bruxa e começa a balançá-lo no rosto de Gina (3 anos - 3ª criança focal). Gina, de início, tampa o rosto, como se estivesse com medo, depois se cansa e empurra o fantoche da Bruxa.MÁRIO: - “Tia, tá apertado”. (Mostra-lhe a mão com o fantoche que nomeou de “Lobo”).Educadora: - “Tá apertado? Espera aí”. (Ajuda a encaixá-lo corretamente).Yana (3 anos - 4ª criança focal) segura e brinca com o fantoche de menina (nomeado por M. Ely de “Boneca”), mas não o encaixa

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na mão.KARLA: - “Olha a Bruxa, tia!”YANA: - “Tia, olha aqui”. (Mostra o fantoche da menina “Boneca”).Educadora: - “Prestem atenção, crianças que pegaram bonequinho (fantoche). Vamos inventar uma história para quem ficou sem bonequinho?”FAUSTO: - “Esse é o Júlio”.8 (Balança o fantoche do menino).Yana observa Fausto balançando o fantoche do menino (“Júlio”) e balança o da menina na direção dele, propondo que os fantoches se comuniquem. Fausto não percebe o convite de Yana. Discussão do 1º episódio Arranjo espacial: as crianças estavam sentadas ao chão, formando um círculo (rodinha). A educadora colocou o “saco surpresa” próximo a ela, desamarrou-o e as convidou a retirarem os fantoches.Liberdade de expressão: a educadora, antes de abrir o “saco surpresa”, aguçou a curiosidade das crianças indagando sobre o que havia ali. Ruy soltou a imaginação e disse que era uma montanha com o Tiranossauro Rex. A educadora incentivou a imaginação e as falas das crianças.Nomeação dos personagens: Mário (1ª criança focal) retirou o fantoche do “Bicho Cárie” e o nomeou de “Lobo”. M. Ely retirou o fantoche do menino e da menina e a nomeou de “Boneca”. Karla mostrou o fantoche da “Bruxa” para a educadora perguntando-lhe do que se tratava, e a educadora lhe retornou a pergunta. Karla e Fausto a nomearam de “Bruxa” (nomeação conjunta do personagem). Após a educadora propor a composição de uma história, Fausto nomeou o fantoche do “menino” de “Júlio”.Ações interativas: Karla brincou com o fantoche da “Bruxa”, balançando e dizendo: “Eu sou uma Bruxa”. Também o mostrou para Gina que, no início, participava tampando o rosto e demonstrando medo. Logo depois, entrou na brincadeira e

8 O fantoche, provavelmente, recebeu este nome por ter semelhanças com o boneco Júlio do desenho animado “Cocoricó”.

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empurrou o fantoche (interação através do imaginário). Yana segurou-o, mas não conseguiu encaixar o fantoche da menina na mão e observou que Karla estava brincando com a “Bruxa”. Yana mostrou o que a menina estava fazendo, dizendo: “Tia, olha aqui”. Depois, Yana observou Fausto brincando com o fantoche do menino “Júlio” e balançou o da menina como se estivesse propondo que os fantoches se comunicassem (interação entre fantoches). Inicialmente apareceram seis propostas criativas (nomeação de personagens e interação com brincadeiras), porém, até aqui, as crianças focais (menores) ainda se dirigiram de modo preferencial à educadora.Negociação: M. Ely retirou dois fantoches do “saco surpresa” e saiu da roda correndo. Fausto saiu atrás dela e tentou pegá-los. M. Ely lhe disse: - “Não! Não!”. Fausto reclamou com a educadora: - “Tia, eu não tenho nenhum”. Mário (criança focal) disse também ter ficado sem fantoche, e a educadora lhe respondeu: - “Espere um pouco que logo vai receber emprestado”.KARLA: - “Tia, a Maya ficou sem”.MAYA: - “Tia, estou sem”.Educadora: “Espera, daqui a pouco você vai pegar emprestado, tá?”Nesse episódio, há duas disputas (negociações) pelos fantoches. Os conflitos surgem e a educadora tenta mediá-los ao pedir às crianças que esperem um pouco para iniciar a troca de fantoches. Karla, criança mais velha, vem em defesa da menor (Maya), dizendo à educadora que a colega está sem fantoche.

2º EPISÓDIO: Tentativa de composição da história

Educadora: - “Júlio! A história do Júlio. Então vamos fazer o seguinte: Karla, Fausto e Mário podem ficar atrás do teatrinho e da Yana. A gente vai assistir ao teatrinho, tá?”MAYA: - “Eu também quero”.Educadora: - “A gente vai assistir ao teatrinho, tá?”Todos se levantam e vão até o teatrinho. Os que estão sem fantoche se sentam para assistir e as crianças que os têm vão contar a história, como a educadora sugeriu.

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MAYA: - “Eu quero, eu quero, quero”.Educadora: - “Senta, Maya, depois a gente vai trocar. Que história é essa?”FAUSTO: “É a do Júlio”.Educadora: - “Ah! História do Júlio!”KARLA: - “Eu sou uma Bruxa”.Como as crianças estão apertadas e pouco confortáveis abaixadas no teatrinho, elas se levantam e passam a contar a história de pé, em cima do teatrinho.FAUSTO: - “Eu sou o Feitiço”. (Segurando o boneco antes chamado de “Júlio”).YANA: - “Eu sou o Feitiço”. (Segurando o fantoche da menina sem encaixar na mão).Educadora: - “Mário, quem é esse que está com você?” MÁRIO: - “É o dinossauro”. Educadora: - “É um dinossauro, ah!” (Pede que eles fechem um pouco o teatro para não cair).

Discussão do 2º episódio

Arranjo espacial: a educadora sugeriu às crianças que estavam com os fantoches que fossem para trás do teatrinho e àquelas sem o brinquedo, que ficassem na frente para serem os espectadores. As crianças ficaram de pé atrás do teatrinho, demonstrando familiaridade com a atividade de “teatro de fantoche”, já que apareceu de forma encadeada uma proposta de história, com título, seguida de apresentação. Fausto disse: - “É a história do Júlio”. Karla completou: - “Eu sou uma Bruxa” e Fausto: -”Eu sou o feitiço”. Yana repetiu: - “Eu sou o Feitiço”.Liberdade de expressão: como Mário não se manifestou, a educadora buscou ajudá-lo a entrar na história, perguntando qual era o seu fantoche. Ele demorou a responder. Pensou e disse que era o “Dinossauro”, segurando o “Bicho Cárie”, que, antes, ele mesmo havia nomeado “Lobo”.

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Mudança de personagens: nessa cena de faz de conta, houve o início de encadeamento de uma história e os nomes dos personagens foram modificados. O fantoche do menino, que primeiro foi nomeado “Júlio” e que era o nome da história que seria contada, na hora da apresentação, mudou para “Feitiço”. O fantoche do “Bicho Cárie”, antes nomeado “Lobo”, também recebeu outro nome, “Dinossauro”, dado pela mesma criança. Eles transgrediram a própria proposta, dando aos fantoches outras denominações, pois a educadora os incentivou a criação e a fantasia.Ação criadora: Yana imitou o colega Fausto repetindo a expressão “Eu sou o Feitiço” independentemente de o fantoche que estava com ela ser uma boneca. Essa ação criadora, via imitação, fez com que ela participasse da brincadeira.

3º EPISÓDIO: Negociação dos fantoches enova identificação dos personagens FAUSTO: - “Mário, vamos trocar? Eu sou um Feitiço”. (Segurando o boneco antes nomeado “Júlio”). O menino Mário (focal) balança a cabeça, dizendo que sim e fica com o boneco “Feitiço”.YANA: - “Vamos trocar Maya, vamos trocar?” (E pega a “Bruxa”).Maya pega o fantoche da menina e tenta encaixar na mão. Mário, com o boneco do “Feitiço”, pede à colega Yana para trocar pela “Bruxa”, mas Yana nega. Há na primeira díade (Mário e Fausto) uma negociação bem-sucedida. Já Yana, imitando Fausto, propõe a Maya uma troca de fantoches, o que não é aceito pela menina.MÁRIO: - “Sim!”YANA: - “Não!”MÁRIO: - “Por que não?”YANA: - “Porque não!”MÁRIO: - “Sim!”MÁRIO: - “Tia, a Yana não quer trocar comigo”.Educadora: - “Yana... Daqui a pouco ela troca com você, Mário. Empresta esse um pouco para sua colega M. Ely; ela ainda não

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pegou nenhum fantoche”. Acatando a sugestão da educadora, Mário empresta o fantoche do menino (“Feitiço”) para M. Ely, que foi para o teatrinho.FAUSTO: - “Vamos trocar, M. Ely?” (Fausto está com o fantoche “Dinossauro”, que já havia trocado com Mário).M. Ely faz a troca. Fausto aparece no teatrinho e diz repentinamente: - “Oi!” (Balançando o boneco).Educadora: - “Conta uma história para mim, M. Ely”.FAUSTO: - “Fica aí. Todo mundo fica aí”. (Ele também estava no teatrinho). FAUSTO: - “Oi, eu sou o Feitiço”.M. ELY: - “Oi, eu sou o Jacaré”. (Com o fantoche, inicialmente, denominado “Dinossauro” por Mário).Os dois balançam os fantoches e começam a cantar a música do jacaré. Yana para e fica apertando o nariz da “Bruxa” e abraçando o fantoche. Mário, que quer a “Bruxa”, fica olhando Yana brincar com o fantoche. Gina, que é mais observadora do que participante, também se aproxima e fica olhando Yana com a “Bruxa”.Educadora: - “Yana, quem é essa?”YANA: - “A Bruxa”.Educadora: - “Ela é má ou boa?”YANA: - “Boa”.MAYA: - “Tia, ela é boa”. (Mostra o fantoche da menina). Educadora: - “Quem é essa?” MAYA: - “A Bonequinha”.Educadora: - “Ela tem nome, Maya?” (A educadora não percebe que Bonequinha é o nome dado ao fantoche).MAYA: - “Não”.Yana, que observa o diálogo, diz: - “Só tem nome da Bruxa”.Educadora: - “Como é?”YANA: - “Obla Bruxa”.Educadora: - “Como?”KARLA: - “Obla Bruxa”.Educadora: - “Obla Bruxa?”

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Yana balança a cabeça dizendo que sim. Karla, que brinca com o fantoche da menina (“Bonequinha”), mostra-o para a educadora, que lhe pergunta: - “Ela é filha da Bruxa?”. Karla pensa, diz que sim e começa a balançar o fantoche da “Bonequinha” para Yana, que está com a “Obla Bruxa”. Yana corre de Karla, que vai atrás dela balançando o fantoche da menina e diz: - “Sou filha da Bruxa, filha da Bruxa” (com a voz modificada). Gina (mais observadora do que participante) fica de pé parada, observando a cena das crianças correndo. Karla corre pela sala com o fantoche da “Bonequinha” denominada “filha da Bruxa”.KARLA: - “Vem aqui, mãe”. (Falando com Yana e a “Obla Bruxa”).O menino Fausto observa, ri e corre também.

Discussão do 3º episódio

Arranjo espacial: nesse episódio, as crianças ainda estavam atrás do teatrinho e iniciaram um processo de troca de fantoches. A proposta de uma criança mais velha (Fausto) foi acatada pela menor (Mário) e seguida e imitada por outra menor (Yana), sem resistência da mesma. Por causa da negociação, elas se dispersaram e saíram de trás do teatrinho. Seguiu-se a isso uma série de negociações monossilábicas que acabaram com um pedido de socorro à educadora, que atuou como mediadora, porém sem solucionar a polêmica. Em seguida à realização das trocas, M. Ely foi para o teatrinho e, logo depois, Fausto a acompanhou. Iniciaram um processo de contar histórias, que foi sugerido novamente pela educadora.Negociação: Fausto iniciou a proposta de troca do fantoche “Feitiço” pelo “Dinossauro”, o que ocorreu sem resistência de Mário. Em seguida, Yana também trocou harmoniosamente a “Boneca” com Maya, que estava com a “Bruxa”. No momento em que Mário tentou trocar o fantoche “Feitiço” pela “Bruxa”, que estava com Maya, não conseguiu e reclamou com a educadora. Nesse episódio, houve uma disputa/negociação pelo fantoche. A educadora, apesar de ter sido solicitada para resolver a situação, não interferiu. Pelo

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contrário, pediu à criança que aguardasse e seguisse negociando a troca de fantoches. Outras negociações ocorreram e mais trocas foram realizadas, harmoniosamente, entre as próprias crianças.Real X imaginário: nessa cena, em vários momentos, novas denominações para os personagens foram propostas. Cada uma das crianças nomeou o seu fantoche de forma própria, ampliando as possibilidades e o imaginário. Por exemplo, Fausto nomeou o fantoche do menino de “Júlio”, trocando depois por “Feitiço”, de acordo com o contexto da história. Mário, inicialmente, nomeou o fantoche do “Bicho Cárie” “Lobo” e, depois, “Dinossauro”. Já M. Ely renomeou-o “Jacaré”. Yana ampliou o nome da “Bruxa” para “Obla Bruxa”, criando, intencionalmente, uma nova palavra (“Obla”). Maya renomeou a menina “Bonequinha”, que antes fora nomeada por M. Ely “Boneca”.Ação criadora: interessante observar que a educadora, buscando ampliar a possibilidade criativa, lançou os conceitos de bem e mal para uma das crianças focais (Yana). Ela perguntou se a “Bruxa” era boa ou má. Yana vinha, já há algum tempo, explorando o fantoche da Bruxa, que, inicialmente, a intrigava. Ela respondeu à pergunta da educadora dizendo ser boa a bruxa. Em seguida, renomeou-a de “Obla Bruxa”, provavelmente para amenizar seu suposto medo de bruxas. Karla ampliou a produção coletiva e foi mais longe em sua fantasia, identificando a “Bonequinha” como filha da “Obla Bruxa”. Karla e Maya juntas, a partir da provocação da educadora, criaram a ideia da bruxa boa. No faz de conta, a bruxa é boa e por isso tem nome e filha. Outra ação criadora mais rica se deu quando Karla criou uma voz específica para o seu personagem.

4º EPISÓDIO: Tentativa de composição dahistória novamente sugerida pela educadora No teatrinho se encontravam M. Ely com o fantoche do “Bicho Cárie”, que ela passou a nomear de “Jacaré”, Yana com a “Obla Bruxa”, Karla com a “Bonequinha” (identificada como filha da

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“Obla Bruxa”) e Maya com o “Feitiço”. A educadora busca ampliar ainda mais as tentativas das crianças na composição de um enredo e sugere novamente que elas “contem uma história”.KARLA: - “Oi! Oi! Oi! Tá tudo bem? Quem é você?”MAYA: - “Você é quem?”M.ELY: - “Tá tudo bem?”YANA: - “Você é quem?”Educadora: - “Meu nome é Luana. Qual o nome de vocês?”KARLA: - “Sou uma bruxinha”. (Com o fantoche da “Bonequinha”, filha da “Obla Bruxa”). M. ELY: - “Sou o “Jacaré”.YANA: - “Eu sou o Jacaré, igual ao sapo”. (Com o fantoche da “Obla Bruxa”).Educadora: - “Você é o sapo?”MÁRIO: - “Eu, eu, tia... eu sou a “Bruxa”. (Com o fantoche do “Feitiço”). FAUSTO: - “Ah, Mário é o Feitiço”. KARLA: - “Eu vou contar uma história”.Yana sai do teatrinho, senta-se no chão e fica explorando o fantoche da “Obla Bruxa”, manipulando-o. Karla fica contando a história, criando voz própria para o personagem9. Maya interage com Karla, falando frases com a voz modificada também. Em seguida, M. Ely faz o mesmo. As três crianças balançam os fantoches no teatrinho e induzem a educadora a participar da brincadeira, convidando-a a se apresentar. Agora todas as crianças criam vozes modificadas para os fantoches. Por fim, M. Ely fala: “Vamos trocar?” Discussão do 4º episódio Arranjo espacial: a educadora, que tinha como propósito, desde o início, levar o grupo a compor uma história, novamente sugeriu às crianças que estavam com os fantoches para irem para trás do teatrinho e criar essa história. Elas acataram o pedido, mas

9 Infelizmente, não é possível entender o que ela fala, pois a voz está fina e baixa.

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acabaram por ficar brincando com os fantoches, nomeando-os. Para as crianças, nomear os personagens era a brincadeira e não compor uma história com início, meio e fim.Composição da história: nesse episódio, as crianças iniciaram a brincadeira transgredindo a proposta da educadora, incluindo-a como personagem da trama e fazendo com que os fantoches (personagens da história) interagissem com ela. As crianças fizeram perguntas e a educadora respondeu, interagindo com os personagens sem perceber que havia sido enredada pelas crianças. Os parceiros mais velhos confirmaram as denominações dadas aos fantoches e os mais novos imitaram os mais velhos. Yana disse que a “Obla Bruxa” era um sapo como o “Jacaré” e Maya disse que o “Feitiço” era, naquele momento, a “Bruxa”.Ação criadora: ao final, Karla disse: “Eu vou contar uma história”. E, modificando sua voz (tornando-a mais fina), criou frases para a personagem. Após observá-la, M. Ely e Maya fizeram o mesmo. Por fim, as três crianças balançaram os fantoches no teatrinho e falaram frases com suas vozes modificadas, criando vozes para todos os fantoches. Infelizmente, as falas com as vozes modificadas ficaram mais finas e baixas, o que dificultou entender o texto criado. Na verdade, o texto não era o mais importante, mas sim o faz de conta desenvolvido pelas crianças com as nomeações dos fantoches, sua renomeação e a modificação das vozes. 5º EPISÓDIO: Tentativa de composiçãoda história pelas crianças focais

A educadora quer a composição de uma história, e, por isso, segue tentando criar estratégias para que sua proposta se realize. Sugere, novamente, que as quatro crianças focais contem uma história com os fantoches.YANA: - “Esse é o “Lobo Mau”. (Mostra o fantoche do “Bicho Cárie”).MAYA: - “Oi, tia”.

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Educadora: - “Conta uma historinha”.MÁRIO: - “Era uma vez uma Bruxa”. (O teatrinho começa a cair). MÁRIO: - “A Bruxa vai comer vocês”.Gina começa a cantar a música do sapo Cururu. Yana canta a música do “Jacaré”, (anteriormente cantada pelos parceiros mais experientes). Todos cantam a música do Jacaré. Yana canta e pula balançando o fantoche do “Lobo Mau”. A educadora insiste que elas ampliem a história. As crianças conversam entre si, e Yana fica pulando e cantando. Como o teatrinho estava caindo repetida vezes, a educadora o retira e Mário faz uma expressão de não ter gostado daquilo.YANA: - “Era uma vez uma boneca”. (Aponta para o “Bicho Cárie”, dizendo que era o “Lobo”).GINA: - “Eu sou o Lobo”.MAYA: - “Eu sou o Lobão”.YANA: “Eu sou o Lobinho”.GINA: - “Eu sou o Lobo mau”.MAYA: - “Eu sou o Lobão”.YANA: - “Eu sou o Lobin”. (Fica brincando de pular e trocar de cadeira). Maya imita o que Yana faz.YANA: - “Aqui o pé dele”. (Mostra os pés do fantoche).MAYA: - “Olha aqui o pé dele”. (Mostra a mão do “Bicho Cárie”).YANA: - “Isso não é pé dele”.MAYA: - “Ele tá sem pé”. (Retira o fantoche da mão).Gina, que agora participa da brincadeira, balança o fantoche do menino sem o encaixar na mão, na direção de Mário, que bate no fantoche e diz para parar. Em seguida, abraça o fantoche da bruxa que está com ele e sorri.GINA: - “Só tô mostrando... Você tá brincando com ela, com a Bruxa, né?”MÁRIO: - “Não!”YANA: - “Não quero mais”.GINA: - “A Bruxa é a mãe”.

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MAYA: - “Era uma vez...”MÁRIO: - “Olha eu”. (Coloca a “Bruxa” no ombro).GINA: - “Olha eu, hein”. (Coloca o fantoche do menino no ombro).MAYA: - “Olha eu, olha, Mário”. (Pula).YANA: - “Olha eu”. (Pula imitando Maya).Maya imita Yana, pulando novamente e caindo sentada ao chão. Mário imita a ação de Maya e Gina imita Mário. Então todos começam a pular e a dizer: “Ruy, olha eu”. E os membros do grupo, coletivamente, imitam uns aos outros. Discussão do 5º episódio Arranjo espacial: a educadora continuou insistindo para que as crianças contassem uma história atrás do teatrinho, porém esse equipamento atrapalhou a composição da história, o que a fez retirá-lo, reorganizando o cenário com um círculo de cadeiras. Ela solicitou que as crianças mais novas se sentassem e contassem uma história com os fantoches. Mário não gostou dessa nova arrumação espacial. Liberdade de expressão verbal e corporal: apesar de a educadora ter insistido para que as crianças criassem uma história, ela permitiu que as expressões verbais e corporais se desenvolvessem. Para as crianças, esta era a brincadeira: criar e recriar personagens, trocar fantoches, fazer vozes para representá-los e incluir canções já conhecidas, inspiradas nas novas nomeações dadas aos fantoches. Pela idade, elas têm necessidade de mexer o corpo e criar diálogos curtos, coerentes, que proporcionem desenvoltura verbal, corporal e cognitiva. O elo do faz de conta se deu via imitação, que se apresentou em vários momentos nos episódios. Por exemplo, uma das crinças cantou, outra também cantou e ampliou o cantar; uma pulou e outra pulou incrementando movimentos. Uma criança disse: “Sou o Lobo”; outra a imitou e ampliou: “Sou o Lobão”; outra disse: “Sou o Lobinho”. Assim umas foram transformando as ações das outras, acrescentando

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elementos próprios a cada imitação. Um fator que nos chama a atenção é a frase utilizada por eles, “Olha eu”, que descreve um mecanismo utilizado para perceber o outro e o meio, atuar neles e ser percebido por eles. A palavra “olha” demonstra que eles observam (e muito) o tempo inteiro, e “eu” indica que realizam o observado e pedem a confirmação de que estão sendo vistos e que o que fazem está “correto”.Assim, expressam que estar com parceiros mais velhos potencializa, de fato, seu desenvolvimento e amplia a aquisição de conhecimento dos menores. No faz de conta, geralmente, o parceiro mais velho realiza ações que os mais novos ainda não fazem, porém, ao interagirem maiores e menores, em situações variadas, torna-se possível o olhar, o observar e, mais adiante, na brincadeira, o realizar, o executar, o fazer de modo ressignificado.

Síntese interpretativa dos episódios interativos

Antes da apresentação dos fantoches, a educadora estimulou a curiosidade do grupo de crianças, perguntando o que havia no “saco surpresa”. Uma delas logo soltou a imaginação lhe respondendo que existiam dinossauros. A educadora seguiu provocando-os e os convidou a mexer nos fantoches.

Após o primeiro contato, um menino retirou do saco o boneco do “Bicho Cárie”, nomeando-o “Lobo”. Encaixou o mesmo na mão, demonstrando familiaridade com a atividade de contar histórias com fantoches. As crianças os manusearam bastante, correndo com eles, nomeando-os, abraçando-os, mostrando-os aos colegas e à educadora. Negociaram entre si a posse dos fantoches, mas não iniciaram espontaneamente a produção de nenhum enredo. Talvez por serem pequenos, precisassem do incentivo do adulto (educadora) que os ajudou a ampliar a imaginação. A educadora sugeriu que as crianças que estavam com os fantoches fossem para o teatrinho e narrassem uma história. No início, as crianças acharam interessante e fizeram o que a educadora sugeriu.

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Percebemos que elas, apesar de iniciarem um diálogo com os colegas da plateia, não se sentiram bem no espaço de contação de histórias (teatrinho). A princípio, ficaram sentadas e, depois, para melhor atuarem, de pé. As falas, os gestos e os movimentos das crianças indicaram proposições inovadoras e foram valorizadas pela educadora. Ela interagiu com os personagens criados pelas crianças e as encorajou a apresentarem uma história criada por elas. Porém, ressaltamos a curiosidade e o interesse das crianças na exploração dos fantoches, pois logo iniciaram negociações e as trocas dos mesmos.

Durante o primeiro momento de tentativa de montar uma história, uma das crianças focais, Yana, se destacou. Inicialmente, ela observou um colega mais velho, Fausto, com o fantoche denominado por ele “Júlio” e imitou os movimentos que o colega fez com o “boneco”. Apesar de o fantoche de Yana não estar encaixado como o de Fausto, ela tentou interagir com o colega usando o brinquedo, porém ele não respondeu à brincadeira.

Um fato muito importante foi perceber que as crianças não precisam estar no espaço do teatrinho para criarem histórias ou fazerem com que os fantoches interajam. Muitas vezes, elas preferem brincar com os fantoches, com o colega ao lado ou com a educadora, a criar uma história para a plateia. Repetidas vezes, elas romperam com o real e viveram ações criativas, o que foi proveitoso e incentivado pela educadora, que, apesar de insistir na criação de uma história para ser contada no teatrinho, deixou-as livres em suas formas próprias de expressão. Em relação a essa discussão, Vygotsky (1998a) acrescenta que

o teatro das crianças, quando pretende reproduzir diretamente as formas do teatro adulto, constitui uma ocupação pouco recomendável para as crianças. Começar com um texto literário, memorizar palavras estranhas como fazem os atores profissionais, palavras que nem sempre correspondem à compreensão e aos sentimentos das crianças, interrompe a criação infantil e converte

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as crianças em repetidores de frases de outros obrigados pelo roteiro. Por isso se aproximam mais da compreensão infantil as obras compostas pelas próprias crianças ou improvisadas por elas no curso de sua criação. [...] Estas obras resultam, sem dúvida, mais imperfeitas e menos literárias que as preparadas e escritas por autores adultos, mas possuem a enorme vantagem de terem sido criadas pelas próprias crianças. Não se deve esquecer que a lei básica da criação artística infantil consiste em que seu valor não reside no resultado, no produto da criação, mas no processo de criação em si (VYGOTSKY, 1998a, p. 87-88).

Nesse caso, houve iniciativa e liberdade de não se prender a um foco específico ou a um modo único para a contação de histórias por parte das crianças, pois naturalmente no ambiente de sala de atividade, brincando com os fantoches, como mostram os episódios, elas interagem com os objetos e com as pessoas presentes, de forma a criarem diferentes situações de faz de conta. Como é esperado nessa faixa etária (três e quatro anos), as crianças interagiram usando gestos, movimentos, sentidos, entonações de voz, enfim, um conjunto variado de elementos corporais que lhes possibilitaram agir e interagir com desenvoltura, especialmente com os colegas.

Dessa forma, ficou nítida a importância das interações de crianças com níveis de desenvolvimento diferenciado para potencializar as trocas e a criação de zonas de desenvolvimento proximal. Cabe ao educador, assim, estar sempre atento, observando e pesquisando os mais diversos sinais que a criança produz ao romper com o real para, paradoxalmente, apropriar-se criativamente da realidade. Visão prospectiva

Nos últimos anos, há grandes avanços em relação à elaboração de documentos oficiais voltados para a infância. Entre eles,

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destacam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) e os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, volumes 1 e 2 (BRASIL, 2006). Ambos são direcionados para a educação infantil e privilegiam o lúdico como elemento norteador. Esses documentos enfatizam, primordialmente, em seus modelos curriculares, a importância do brincar, ressaltando sua contribuição para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Igualmente, buscam mostrar que é por meio da brincadeira que a criança vive a realidade, interage com o meio e com os outros, construindo significados e os ressignificando. Ao imaginar e criar, a criança desenvolve o pensamento, a afetividade, a linguagem, enfim, todo o seu ser.

Na contramão desses documentos, não é raro encontrar, em muitas realidades de educação infantil, ainda hoje, o predomínio e a valorização de práticas escolarizantes cuja ênfase está no decorar e copiar números e letras. Tais práticas apoiam-se em posturas pedagógicas autoritárias e conservadoras que menosprezam a ludicidade no processo de desenvolvimento e aprendizagem.

Por essa razão, neste artigo, procurou-se argumentar em favor de uma prática em educação infantil que explore as possibilidades e a riqueza das interações de crianças de diferentes idades, contribuindo para a criação de zonas de desenvolvimento proximal. Para isso, é necessário que se priorize fundamentalmente a criança como protagonista de seu desenvolvimento, garantindo-lhe a liberdade de ação nas brincadeiras por intermédio da criação de enredos, escolha de personagens, construção de cenários etc. Apostamos numa prática pedagógica comprometida com o “criançar”, isto é, que valorize as necessidades e as potencialidades da criança e que contribua para que ela viva a infância com dignidade e respeito.

De acordo com a perspectiva de Vygotsky, existe um lugar do outro social, da cultura e da história na constituição das capacidades criadoras e criativas dos sujeitos tornando-os pessoas humanas. Esse novo olhar que se faz e se refaz na reflexão

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pedagógica constitui e permite ao educador romper com os conceitos cristalizados e orientados pelo racionalismo das práticas educativas na educação infantil. Consequentemente, requer um educador que se inquiete com o mundo como dado, pronto e acabado, que busque caminhos e respostas, além de transitar na multiplicidade que a diferença exige.

Nessa perspectiva dialética, encontramos a práxis da creche institucional em estudo, que, por meio de uma proposta pedagógica pautada na abordagem histórico-cultural, desenvolve um trabalho voltado para o cuidado e a educação integrados, procurando respeitar a criança e seu processo de aprendizado e desenvolvimento. Ao organizar agrupamentos de crianças com idades diferentes, a creche cria contextos que potencializam esses processos e leva em consideração não apenas o que já foi desenvolvido pela criança, mas, sobretudo, o que ainda está por vir, promovendo o surgimento de níveis de desenvolvimentos potenciais, ou seja, a zona de desenvolvimento proximal.

Nossa intenção foi a de destacar o papel do parceiro mais velho nas brincadeiras de faz de conta como elemento catalisador do desenvolvimento infantil, bem como a de ressaltar a ação criativa e autônoma da criança, transformando e ressignificando as propostas iniciais trazidas pelos educadores.

Procuramos enfatizar a importância da interação criança-criança e compreender o quanto as crianças mais velhas têm formas elaboradas de interação com as mais novas, o que, cuidadosamente mediado por educadores atentos, pode provocar ações recíprocas e coordenadas entre os parceiros, evidenciando jogos de papéis e contra papéis. Dessa forma, buscamos explicitar o quanto a dinâmica de organização de turmas com crianças de idades diferentes potencializa o processo de aprendizado e o desenvolvimento de todas as crianças envolvidas.

Pensamos prospectivamente a ação educativa nas unidades de educação infantil e seu papel no desenvolvimento e na aprendizagem. Por isso, acreditamos que a organização de

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agrupamentos com idades heterogêneas se constitui numa proposta pedagógica coerente com o ideário de uma educação de qualidade, no qual a diferença seja vista como aspecto fundamental para a riqueza.

Por fim, esperamos que este trabalho sirva de instrumento de reflexão sobre o fazer pedagógico nas unidades de educação infantil para educadores, coordenadores e diretores, favorecendo a criação de práticas inovadoras que deem visibilidade às competências e habilidades das crianças.

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Abstract

In this paper we analyze children’s actions and narratives during pretend play as well as the teacher’s role in allowing or not for their creativity in the context of a dramatization task. Participants included a teacher from a public child care center in interaction with four 3 and four 4 years old children. The teacher gives to the group of children a black plastic bag and four puppets each measuring about three feet. The puppets were: a “charming” witch, a girl, a boy and an animal. The teacher asked them to create a drama situation with the others using the puppets. Our aim was to investigate to what extent the young children were able to identify and assume the oldest child’s point of view. All episodes were recorded in video and we conducted a microgenetic analysis of the interactive episodes. We found that the teacher same times have difficulty in engaging in pretend play in the school context situation, and also in accepting that imaginary situation in other ways of playing different that what she had planned before. On the other hand, the teacher did mediate children’s interactions and creative productions.

Keywords: child care center; pretending play; zone of proximal development.

Playing with older peers and child development at the child care center

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Lúcio Alves de Barros1

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Resumo

No presente artigo, percorre-se o caminho do conceito de ação em Max Weber e Hannah Arendt. A ação humana aparece como elemento produtor de conhecimento. Aparentemente, a centralidade do conceito segue caminhos diferentes, mas torna-se inquestionável sua importância como ponto de partida e desenvolvimento em suas obras.

Palavras-chave: ação; Max Weber; Hannah Arendt.

1 Professor do mestrado em administração da FEAD – BH. Doutor em ciências humanas - sociologia e política pela UFMG e organizador do livro “Mulher, política e sociedade” (Ed. ASA, 2009).

Introdução

Não são inéditas as concepções acerca das condições da natureza das motivações humanas. Não é necessário ir tão longe para detectar esta preocupação. Sem mencionar o mundo grego, podemos falar do interessante debate entre os racionalistas e empiristas, os quais, atentos ao dogmatismo da filosofia medieval, vão se debruçar nos temas relativos à razão ou ao império do mundo sensível. Deus, após os acontecimentos que se seguiram às determinações da filosofia escolástica, perdeu a centralidade e a ação racional ganhou vida e vigor.

No artigo a seguir, grosso modo, busca-se deixar claras as concepções de Max Weber e Hannah Arendt no que diz respeito

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à ação humana; um tema que, mesmo nos dias atuais, ainda causa mal-estar aos estudiosos das ciências humanas.

O ser de ação de Max Weber

A proposta de Max Weber (1864-1920) no que concerne ao conceito de ação tem como ponto de partida as concepções de Immanuel Kant (1724-1804), o qual, acordado por David Hume de seu “sono dogmático” em meados do século XVIII, praticou uma verdadeira revolução, a qual chamou de “Copernicana”. O objetivo de Kant era demonstrar que a razão consistia em um órgão autônomo e eficaz para a conduta humana. Entretanto, regulava-se pela natureza dos objetos na construção do conhecimento. Para que este fosse possível, era necessária a existência de um objeto exterior que desencadeasse a ação do pensamento e ao qual todo o conhecimento devia se referir. Além disso, era de fundamental importância a participação do sujeito cognoscente, ou seja, um agente capaz de desenvolver os “imperativos categóricos” presentes no universo mental. Essa capacidade permitia aos indivíduos entender as conexões captadas pelas impressões sensíveis, fornecendo, para isso, algo de sua própria capacidade de conhecer2.

As ideias de Kant influenciaram os principais filósofos de Heidelberg, entre eles Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Richert (1863-1936). Outros também se destacam, como Georg Simmel (1858-1918) e o filósofo das “ciências do espírito” Wilhelm Dilthey (1833-1911), todos mais tarde apelidados de neokantianos (BENDIX, 1986; CHACON, 1991).

Max Weber se insere nesse debate, desenvolvido em meados do século XIX, no qual o que estava em jogo era o estatuto das Ciências Sociais. Nesse debate, cumpre apontar sua preocupação com a pesquisa histórico-social de seu tempo e a constituição

2 Para uma abordagem sistemática do assunto, ver a obra do autor: “Crítica da Razão Pura” de 1781. Em Kant. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1983 (Coleção Os Pensadores), especificamente a parte intitulada “Analítica Transcendental”. Deve-se conferir também os “Prolegômenos a toda Metafísica futura que possa apresentar-se como ciência” de 1783. Como a obra anterior era considerada de difícil entendimento, Kant escreveu este livro para explicá-la.

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de uma ciência capaz de apreendê-los (MISSE, 2011). Weber tratará de organizar seus escritos numa tentativa explícita de homogeneização e padronização dos conceitos construídos de maneira tipológica. Em relação a esse empreendimento de Weber, Chacon (1991, p. 342) assevera que: “Marx Weber supera o neokantismo e a si mesmo, pelo caminho da pesquisa histórica e sociológica. Aqui é que aparece a grandeza de Economia e Sociedade, culminação de minuciosos levantamentos que ele fazia desde a juventude”.

Destacamos, em resumo, os pressupostos epistemológicos da filosofia alemã incorporados por Weber. Entretanto, este era um assíduo leitor dos liberais franceses, nos quais buscou, entre muitas contribuições, a concepção de Estado, mercado, política e, principalmente, a ideia de indivíduo vitalizador de ação (FREUND, 1987). Acreditamos que é na junção dessas concepções que Weber construirá o seu arcabouço teórico.

Partindo do indivíduo como realidade objetiva, Weber reivindicará para as ciências sociais o seu próprio estatuto metodológico. A busca de uma ciência social que entenda os fatos humanos é que estava em questão. O argumento principal é que a ação humana é radicalmente de inspiração subjetiva. O comportamento humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base apenas em características exteriores e observáveis, uma vez que o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos e ações muito diferentes.

A tentativa de um conhecimento da realidade ‘livre de pressupostos’ (grifo do autor) apenas conseguiria produzir um caos de ‘juízos existenciais’ acerca de inúmeras percepções particulares. E mesmo este resultado só na aparência seria possível, já que a realidade de cada uma das percepções, expostas a uma análise detalhada, oferece um sem-número de elementos particulares, que nunca poderão ser expressos de modo exaustivo nos juízos de percepção (WEBER, 1986, p. 94).

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Para Weber, a ciência que se preocupa com o que é humano será inquestionavelmente uma ciência interobjetiva e não há formas de torná-la objetiva conforme apregoam os defensores das ciências naturais. A postura epistemológica das ciências humanas é a de compreensão dos fenômenos sociais a partir das próprias atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações.

A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade. Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados naquilo que tem de específico; por um lado, as conexões e a significação cultural das suas diversas manifestações na sua configuração atual e, por outro, as causas pelas quais se desenvolveu historicamente assim e não de outro modo (WEBER, 1986, p. 88).

O conceito de ação no contexto delineado é fundamental e o autor o conceitua da seguinte forma:

Por ´acción` debe entenderse una conducta humana (bien consista en un hacer externo o interno, ya en un omitir o permitir) siempre que el sujeto os los sujetos de la acción enlacen a ella un sentido subjetivo. La ́ acción social`, por tanto, es una acción en donde el sentido mentado por su sujeto o sujetos está referido a la conducta de otros, orientándose por ésta en su desarollo (WEBER, 1964, p. 5).

Pode-se perceber que a ação individual para ser social necessita do outro. No entanto, o autor não deixa de mencionar a existência de ações que não necessitam da alteridade. Em função de nosso objetivo, delineamos quais são elas. Weber distingue, grosso modo, dois tipos de ação: a ação racional e a ação irracional. Em cada caso caracteriza dois “subgrupos”:

Ação racional com relação a fins, “determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas

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como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios e racionalmente avaliados e perseguidos”.Ação racional orientada a valores, “determinada pela crença consciente no valor ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma como seja interpretado, próprio e absoluto de determinada conduta, sem relação alguma com o resultado, ou seja, puramente em consideração desse valor”.Ação afetiva, ação irracional emotiva, “deter-minada por afetos e estados sentimentais”.Ação tradicional, “determinada por um costume arraigado” (WEBER, 1964, p. 18-22)3.

Infelizmente não sobram linhas para descrever o pensamento desse autor em relação à conexão dessas ações aos conceitos de dominação. Cada ação corresponde a determinados tipos de dominação: a “Dominação Tradicional”, “Carismática” e “Legal”.

Atento ao caminho metodológico proposto, Weber ressalta que as formas de dominação são “tipos ideais” apresentados como conceitos definidos e delineados por critérios pessoais. Assim, não são conceitos que podem ser encontrados em sua forma pura na realidade. Para Weber, é possível conseguir aproximações na associação entre o tipo ideal e a realidade.

Mas o que nos interessa é que Weber aposta no sujeito cognoscente, vitalizador de ação e de mudanças estruturais no tecido social. Ao contrário de abordagens holísticas como a de Marx ou de Durkheim, Weber aposta no indivíduo como realidade empírica e analítica. Em Weber somos surpreendidos pelo indivíduo de interesses (materiais e ideais), que manipula os meios para alcançar os fins desejados. Entretanto, trata-se de indivíduos que navegam em hábitos, costumes e tradições. Fatos que interferem na consciência de agentes que podem agir

3 A obra “Economia e Sociedade” é um grande compêndio de conceitos. Weber tinha a intenção de produzir “tipos ideais” construídos sob o olhar do cientista cuidadoso com a intromissão dos “juízos de valor”. A estrutura da obra é de difícil – em certos casos – entendimento. Por outro lado, certos conceitos são claros e objetivos. Para melhor entendimento do leitor, optamos por descrevê-los. Para avaliação, ver mais detalhes em Weber (1964, p. 18 a 22). Os grifos são de nossa responsabilidade.

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irracionalmente, como é o caso de condutas afetivas e tradicionais. Tal como salienta Freund (1987), em certo sentido, os indivíduos se orientam reciprocamente, pois “sem um mínimo de reciprocidade, não poderia haver relação social nem orientação significativa de um comportamento” (FREUND, 1987, p. 92). Entretanto, são relações, muitas vezes, sem sentido e significado, resultado de estímulos extraordinários.

A ação racional orientada a valores apresenta uma elaboração dos objetivos últimos e o consequente planejamento da ação voltada ao alcance dos objetivos. Todavia, tem em comum (especialmente com a ação afetiva) o fato de colocar o sentido da ação não nos fins, mas na sua própria peculiaridade. Nesse “tipo ideal” de ação, o agente atua por convicções, sejam éticas, estéticas, religiosas ou políticas.

Finalmente, a ação racional orientada a fins é aquela na qual mais se verifica o indivíduo manipulando em prol de seus interesses. O agente orienta a sua ação pela avaliação racional de fins, meios e consequências implicados nela. Com a finalidade de alcançar os seus objetivos, o ator terá que ponderar racionalmente os meios com os fins, os fins com as consequências implicadas e os diferentes fins possíveis entre si. A decisão entre os vários fins possíveis e as consequências inevitáveis e em conflito pode ser racional orientada a valores. Para Weber, isso dependerá do interesse do ator, que pode ser mais determinante do que a lei, a moral, a tradição ou a ética.

Assim terminamos os tipos de ação elaborados por Weber. Vale frisar que são “tipos ideais” de ação, dos quais os cientistas sociais podem lançar mão para o conhecimento e o ordenamento do fluxo caótico dos acontecimentos. Até porque, é praticamente impossível encontrar de forma pura na realidade a teia de conceitos formulada pelo cientista. Sua utilidade baseia-se por se constituir em um conceito passível de controle, univocidade e parcialidade. Para o autor, essa abordagem permite ao pesquisador detectar as conexões significativas do real, as quais, de uma forma ou de outra, se aproximam do seu quadro conceitual. Em outras palavras,

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são possíveis aproximações no que se refere à compreensão da realidade. Não há como elaborar uma cópia transparente e integral dos dados empíricos. As aproximações, nesse caso, nos permitem a quietude diante de toda ansiedade para conhecer a realidade. Autor atento à construção de conceitos e à problemática da objetividade nas ciências sociais, Weber constrói o conceito de “tipo ideal” que se apresenta em sua teoria da seguinte forma:

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia (WEBER, 1986, p. 106).

Acentuando as afirmações sobre o tipo ideal e finalizando essa parte, encontramos na mesma obra a seguinte afirmação:

No que se refere à investigação, o conceito do tipo ideal propõe-se formar o juízo de atribuição. Não é uma ‘hipótese’, mas pretende apontar o caminho para a formação de hipóteses. Embora não constitua uma exposição da realidade, pretende conferir a ela meios expressivos unívocos (WEBER, 1986, p. 106).

A vita activa e a condição humanaem Hannah Arendt

A atividade humana para Hannah Arendt, inspirada no pensamento grego da escola socrática, particularmente em Aristóteles, é dividida em três dimensões consideradas fundamentais no contexto da vita activa: labor (trabalho), work (obra)

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e action (ação). Em “A Condição Humana”, o conceito das três dimensões são bem claros e aparecem já em suas páginas iniciais:

O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida.O trabalho é a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie, e cuja mortalidade não é compensada por este último. O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural. Dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo se destine a sobreviver e a transcender todas as vidas individuais. A condição humana do trabalho é a mundanidade.A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta plu¬ralidade é especificamente a condição - não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam - de toda vida política (ARENDT, 1995, p. 15 - grifo nosso).

Em cada dimensão da vita activa encontra-se uma concepção de homem. Respectivamente temos animal laborans, homo faber e animal socialis (zoon politikon). A análise feita dessas esferas é uma clara tentativa de distinguir os três níveis de relações estabelecidas pelos seres humanos com o mundo sensível. Assim, encontramos a relação com a natureza, com os objetos feitos pela mão humana e a relação entre os homens.

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A relação do homem com a natureza é mediada pelo trabalho. Por meio deste, o homem manipula os meios para garantir a vida. O trabalho aqui diz respeito às atividades corporais que servem não apenas para garantir a vida, mas também a preservação da espécie. O seu resultado são os bens de consumo e suas condições temporais são o da não permanência, ou seja, são produzidos para o consumo humano e, por natureza, são efêmeros. Nesse sentido, trabalho e consumo aparecem de mãos dadas e fazem parte da vida humana com a natureza, pois mesmo que os produtos não sejam de sua propriedade, o seu fim é um só: o retorno à natureza, local de onde saíram.

Arendt destaca que a atividade laboral tem por função básica a preservação da vida. A sobrevivência é um determinante da condição humana e o trabalho é a atividade responsável pela manutenção da vida. O homem, nesse caso, aparece aprisionado ao mundo das necessidades biológicas e, tal como destaca Wanderley Reis (1984), o trabalho humano aparece como

sujeição, condenação ou alienação, como algo de cujo jugo seria necessário ao homem em alguma medida escapar para que possa pretender ascender a uma vida propriamente humana, enquanto distinta da mera sobrevivência animal, e na qual os produtos de sua atividade não estejam desti¬nados ao desaparecimento imediato através do consumo e de sua incorporação aos processos biológicos ligados à preservação física do indivíduo e da espécie (WANDERLEI REIS, 1984, p. 26).

É justamente nesse sentido que, na cidade antiga, escreve Arendt (1995, p. 94), “trabalhar significava ser escravizado pela necessidade, e esta escravidão era inerente às condições da vida humana”. Da análise dessa relação inerente entre necessidade e trabalho, a autora conclui que o uso do termo animal na expressão animal laboral é, de fato, o mais apropriado para esse ser vivo que está sujeito ao mundo das necessidades, pois um ser guiado

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somente pela necessidade não merece ser chamado de homem. Em suas palavras temos: “O animal laborans é, realmente, apenas uma das espécies animais que vivem na terra – na melhor das hipóteses, a mais desenvolvida” (ARENDT, 1995, p. 95).

No que concerne ao homo faber, trata-se do homem que produz obras. Segundo Arendt, o que caracteriza essa atividade é a sua ostensiva permanência entre os homens. A obra produz um mundo artificial e adequado à vida humana. Ao concebê-lo como imagem de sua obra, os homens iniciam sua libertação da necessidade: o que fabricam, os bens de uso são produtos de sua atividade que o colocam em convívio com seus semelhantes. O trabalho humano tem por fundamento a possibilidade de o homem imprimir - tal como também salientou Marx - o seu rosto na natureza. A capacidade de transformar o mundo natural é antecipada por um imaginário mental. O produto é o fim desejado antes em sua mente.

No entanto, Arendt deixa claro que mesmo nessa atividade os seres humanos se veem presos ao mundo da necessidade. Nas obras, é inerente o critério da utilidade que se fundamenta na relação entre meios e fins. Nesse contexto, não há propriamente um fim, haja vista que o objeto acabado, o qual seria o fim do processo de fabricação, tende a tornar-se um meio, ou seja, um mundo estritamente utilitário. Todos os fins tendem a ser de curta durabilidade e a transformarem-se em meios artificiais e distantes das relações humanas.

A última concepção de homem a ser analisada é o animal socialis, o sujeito de ação (práxis). Em largas linhas, refere-se à construção de um mundo comum, no qual os seres humanos são capazes de atingir sua máxima “humanidade”. É o mundo da política, do discurso e da ação. Não se refere à esfera das necessidades (labor), da pouca durabilidade das obras e das capacidades humanas que respondem a determinados atributos do animal humano. Ainda nesse sentido, é preciso afirmar que não é produto do raciocínio lógico, tampouco da cognição que emergem um mundo comum, pois para essas funções

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do organismo humano está em questão a efetivação de alguma capacidade humana que corresponde a certas necessidades básicas de sobrevivência e que, por sua vez, são temporais.

No campo da ação, Arendt sustenta que um mundo verdadeiramente humano começa a surgir quando os seres humanos projetam sua força criadora fora das condições objetivas e subjetivas da mera utilidade ou das necessidades vitais. A temporalidade é modificada, e a distinção entre o que permanece e é durável e o que não permanece revela a passagem do mero utilitarismo e necessidade vital para a fundação de um corpo político no qual o não permanente (a vida humana como tal [bios]) é transformado em algo permanente (um mundo comum).

A ação no contexto da vita activa permite que os seres humanos transcendam a mortalidade e a cadeia inexorável de meios e fins. Cadeia que comanda todas as etapas da fabricação e permite que escapem do constrangimento do trabalho imposto pelas necessidades vitais. Nas palavras de Arendt, essa análise aparece da seguinte forma:

Essa distinção singular vem à tona no discurso e na ação. Através deles, os homens podem distinguir-se, ao invés de permanecerem apenas diferentes; a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens. Esta manifestação, em contraposição à mera existência corpórea, depende da iniciativa, mas trata-se de uma iniciativa da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de ser humano. Isso não ocorre com nenhuma outra atividade da vita activa (ARENDT, 1995, p. 189).

Dessa forma, fica claro que é na ação e no discurso que cada um dos homens se destaca na espécie. O destaque não se dá por serem homens de razão ou simplesmente seres diferentes dos animais. Sua centralidade e vitalidade cristalizam-se no ser como homem, isto é, como ser que revela a si próprio nos atos e nas palavras.

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Arendt não está preocupada em revelar se os seres humanos são egoístas ou altruístas. Não parece ser relevante um mundo que não seja paradoxal e, por vezes, imprevisível. Seu objetivo é identificar, ou mesmo recuperar, a atividade perdida sobre os escombros da modernidade, que no passado garantia a humanidade dos seres humanos. É na ação que ela encontra a possibilidade de os seres humanos se transformarem e se colocarem no mundo como tais. A revelação dessa humanidade reside no ato do falar e do agir.

Para Hannah Arendt, a humanidade não se revela no labor ou nas obras. Ela se apresenta com força e vitalidade na identidade inconfundível de cada ser: a capacidade de se apresentar no mundo como humano. Conforme suas palavras:

Os homens podem perfeitamente viver sem trabalhar, obrigando a outros a trabalhar para eles e podem muito bem decidir simplesmente usar e usufruir do mundo das coisas sem lhe acrescentar um só objeto útil; a vida de um explorador ou senhor de escravos ou a vida de um parasita pode ser injusta, mas nem por isto deixa de ser humana. Por outro lado, a vida sem discurso e sem ação – único modo de vida em que há sincera renúncia de toda vaidade e aparência na acepção bíblica da palavra – está literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é vivida entre os homens. É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original (ARENDT, 1995, p. 189).

Conclusão No artigo em apreço não se tem por objetivo comparar as

concepções de ação delineadas por Max Weber e Hannah Arendt. Como se viu, destacamos os principais conceitos que ambos tecem sobre a temática da ação. Na verdade, qualquer trabalho que

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compare Weber e Arendt precisaria de mais fôlego: são autores clássicos, ostensivamente lidos e estudados e imprescindíveis em trabalhos e artigos de respeito. O artigo, nesse sentido, foi um esforço no intuito de destacar conceitos e mostrar, diante da impossibilidade de reduzir o pensamento dos autores, a temática da ação humana.

A preocupação de Weber sobre o conceito de ação parte de uma postura epistemológica de construção de uma ciência social. Preocupado com os “juízos de valor” e com as abordagens holísticas, notadamente as de conteúdo marxista, chamará atenção para o indivíduo, que aparece em sua obra como principal mecanismo de análise. Em Weber, a ação humana é condicionada por motivações racionais ou irracionais. O ponto de partida está na atitude do agente. O indivíduo é vitalizador de interesses materiais e ideais e, ao seguir suas motivações, encontra as diretrizes para compreender o real.

Hannah Arendt não está preocupada em evidenciar se o homem tem uma natureza altruísta ou utilitária. O que aparentemente lhe interessa é detectar a atividade que humaniza o homem e o perpetua na realidade social. Ao delinear as atividades que compõem a vita activa, destaca três ações fundamentais: trabalho, obra e ação. Esta última permite a humanização do ser. Humanização que se dá pelo discurso e pela práxis comunicativa desenvolvida no espaço público, lugar no qual os homens imprimem suas aspirações e interesses. O debate de Arendt, influenciado pelo sopro aristotélico da polis, pode ser entendido como uma busca ininterrupta da liberdade política perdida com a emergência e a maturação da modernidade. É na vida pública - diferentemente da esfera privada - que os seres humanos encontram a alteridade, produzindo conflitos e consentimentos, ao mesmo tempo em que encontram campo aberto para a revelação dos interesses e a descoberta da ação das aspirações do outros por meio de atos e palavras.

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Human action in the way ofMax Weber and Hannah Arendt

Abstract

This paper examines the way of the concept of action in Max Weber and Hannah Arendt. Human action appears as an element of knowledge producer. Apparently, the centrality of the concept follows different paths, but it is unquestionable its importance as a starting point and development in his works.

Keywords: action; Max Weber; Hannah Arendt.

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