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Elementos Textuais pré artigo

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Nome: Vaneska Donato RGM 11533-9 AF. Noturno

O presente artigo¹ tem como intuito apresentar aspectos relacionados à

identidade profissional de trabalhadores da limpeza urbana do Município de São Paulo.

Em especial o Município de São Paula terceiriza esse trabalho, ficando o serviço de

limpeza pública a cargo de empresas credenciadas.

O interesse por essa categoria de trabalhadores surgiu após uma palestra da qual

participei ministrada por Fernando Braga da Costa, Doutor em Psicologia Social, que

apresentava sua vivência como varredor e a realidade destes trabalhadores. O tema

central de seu trabalho apresentava questões relacionadas à Invisibilidade Social e

Humilhação Social advindas da atividade de varredor.

A partir dessas duas questões apresentadas, a Invisibilidade Social, definida por

Fernando Braga em seu livro Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação Social

como “(...) uma espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de

outros homens.” pg. 57 e a Humilhação Social como “(...) expressão da desigualdade

política, indicando exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens do âmbito

público da iniciativa e da palavra.” pg. 63

Senti-me então motivada a questionar ‘aos olhos de quem’ estes trabalhadores se

tornam invisíveis e se de fato vivem essa invisibilidade.

Quem são eles?!

O surgimento do termo gari, provém do nome de Pedro Aleixo Gari. Durante o

Império, ele assinou o primeiro contrato de limpeza urbana no Brasil. Aleixo costumava

reunir, no Rio de Janeiro, funcionários para limpar as ruas após a passagem de cavalos.

Os cariocas, que se acostumaram com esse trabalho, sempre mandavam chamar a

“turma do gari”. Aos poucos e de tanto repetir, a população associou o sobrenome de

Aleixo Gari aos funcionários que cuidam da limpeza das ruas , meio–fio , praças,

parques e vias públicas.

Hoje o termo utilizado para designar a atividade é “Varredor”, durante a

pesquisa tomei conhecimento que tal mudança surgiu, segundo um dos Fiscais dos

1. Estágio Didático apresentado à disciplina de Psicologia do Trabalho supervisionado por Egeu Esteves que visa atender as exigências da formação do psicólogo, do curso de Psicologia da Universidade Cruzeiro do Sul.

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Varredores, com o intuito de minimizar o impacto e a carga “preconceituosa” que o

antigo termo trazia.

O Varredor trabalha com uma vassoura especial, cuidando da higiene e

recolhendo os detritos que a cidade produz diariamente e não trata. Esse profissional é

muito importante dentro da sociedade, pois é o varredor quem faz com que o lixo não se

acumule nas ruas e nos bueiros, evitando enchentes e a proliferação de bichos e

doenças.

Porém, tal importância é desvalorizada segundo destaca Ricardo, Fiscal que

acompanha e coordena o trabalho de algumas duplas de Varredores, que além da

desvalorização do trabalho em si faz referência à invisibilidade pública que acredita

assolar os trabalhadores. “É o tipo de trabalho que todos precisam, mas que ninguém

reconhece, imagine como seria a cidade se não tivessem esses trabalhadores? Mas as

pessoas nem percebem que eles estão ali.” ( Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

Para compreensão das relações de trabalho, do comportamento, do cotidiano e

da identidade profissional dos participantes foram utilizados procedimentos dos quais

Spink (2008) definiu em seu artigo O Pesquisador Conversador no Cotidiano como:

“(...) conversas espontâneas em encontros situados.” pg. 72. Tal procedimento nada

mais é que a aproximação do pesquisador de seu objeto através de encontros, conversas

e troca de experiências que possibilitam o ‘estar junto’ compartilhando o cotidiano

comum.

Após investigação sobre a estruturação do trabalho de Limpeza Urbana em

artigos, documentos e diálogo com funcionários da Subprefeitura, foi possível

compreender as subdivisões e responsabilidades.

O passo seguinte foi o contato com um funcionário da empresa credenciada que

é o responsável pela fiscalização do trabalho de varrição de domínio da Subprefeitura

em questão. Deste contato surgiu a oportunidade de visitar o alojamento dos varredores

possibilitando uma aproximação dos trabalhadores.

Do período de Março á Junho de 2009 foram realizados nove encontros com os

trabalhadores, conversas e acompanhamento das atividades diárias de trabalho.

Os encontros aconteceram nas ruas pertencentes aos setores de cada dupla.

Primeiramente observava à distância, logo em seguida me aproximava e estabelecia o

primeiro contato.

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Durante o período da pesquisa acompanhei o trabalho de três duplas de

varredores, duas mistas (homem e mulher) e uma formada apenas por homens. Destas

três duplas aprofundei o vínculo com uma das mista. Conversei também com um outro

varredor da Subprefeitura, com dois Fiscais de duas Subprefeitura do Município de São

Paulo e com um Vigia de Rua.

Todas as informações, observações e trechos das falas dos trabalhadores foram

registradas em diário de campo.

Acompanhando os varredores em parte de seus trajetos, conversando,

observando as relações entre eles, deles com as outras pessoas e deles com o processo

de trabalho, foi possível identificar características destes trabalhadores e seus traços

identitários comuns.

O Ensaio

Visitei o alojamento dos varredores, mais parecido com uma grande garagem ou

depósito rústico, pois os ônibus que levam os trabalhadores até seus setores e os trazem

de volta estavam estacionados junto com os caminhões das equipes de trabalhadores da

carpinagem, trabalhadores que cuidam da limpeza de praças e retirada de entulhos,

Ricardo, Fiscal que me acompanhava, explicou que estes trabalhadores depois são

promovidos à Varredores.

Neste 1° dia cheguei bem cedo, antes dos Varredores saírem para seus percursos,

por volta das 6h40 da manhã. Muitos estavam do lado de fora do alojamento, sentados

no chão tomando seu café da manhã - pão e leite com café- comprados no bar logo em

frente. Acompanhada pelo Fiscal, a sala em que os Varredores ‘batem o ponto’.

Ricardo aproveitou para me mostrar um dos Holerites dos Varredores.

Conheci o vestiário, sala de equipamentos e ferramentas. Circulei entre os

varredores conversando com algumas duplas.

Através deste primeiro encontro foi possível colher informações em relação à

organização do trabalho, divisão dos setores de varrição e trajetos percorridos pelas

duplas. Ao conversar com Mário, ele demonstrou claramente sua insatisfação em

relação aos trajetos, sobretudo aos pontos em que deve deixar os sacos de lixo, pontos

estratégicos para a coleta dos caminhões, mas que não levam em conta as dificuldades

dos varredores em carregar por longas distâncias os sacos de lixo.

.

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Mário retirou do bolso um pedaço de papel amassado, era um mapa onde estava

marcado com canetinha as ruas que deveria percorrer naquele dia. “Tá vendo aqui?!

São 25 ruas e só posso deixar os sacos em dois pontos, a gente tem que andar muito

carregando peso.” (Mário, Diário de Campo, 25/03/09).

Mário comentou que os moradores reclamam quando eles deixam o saco de lixo

em frente às suas casas, seu companheiro, Júlio, aproveita a conversa sobre o saco de

lixo para enfatizar a relação com os moradores.

A gente agüenta muito na rua, as pessoas não tem

educação, querem que a gente barra a calçada, mas a

gente não pode é, só o meio-fio, chama a gente de

preguiçoso, tem varredor que acaba xingando também,

mas eu finjo que não escuto, prefiro terminar logo o

serviço. (Júlio, Diário de Campo, 25/03/09)

Este é o comportamento que Júlio afirma assumir diante das dificuldades que

encontra com os moradores, porém Ricardo, o Fiscal que me acompanhou durante a

visita, comentou que existem muitos outros problemas de relacionamento entre

varredores e moradores, por ele chamado de ‘contribuintes’, Ricardo justifica:

Eles ganham pouco, como você viu, ai têm

problemas familiares, alguns chegam bêbados para

trabalhar, ou então voltam bêbados para cá, é muito

complicado. Eu procuro conversar sempre com eles, mas

é difícil, eu nunca vi aqui, mas a gente sabe também que

tem problemas com drogas. Quando estão bêbados eu

geralmente suspendo eles, como falei pra você, é uma vida

muito sofrida.

Alguns são muito fechados, não gostam mesmo de

conversar, outros já são mais agressivos, arrumam

confusão na rua.

(Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

Ricardo comentou que estes problemas se estendem até mesmo para a relação

entre eles, segundo conta, arrumam confusão entre si, motivo pelo qual, deixa a critério

dos próprios varredores a escolha do parceiro. “Existem problemas de relacionamento

entre eles, o convívio é difícil, muitos são mal humorados, calados, eu sou muito amigo

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deles, faço o que posso, lidar com pessoas não é fácil.” ( Ricardo, Alojamento dos

Varredores, 25/03/09)

A Estréia

A partir dessa experiência prévia no alojamento a próxima etapa foi aprofundar a

relação com os varredores, vivenciar com eles seu cotidiano de trabalho, observar o

desenvolvimento da atividade, suas dificuldades, a relação entre eles e com os

moradores, comerciantes e transeuntes, presenciar atitudes, ouvir seus relatos e

percepções sobre o trabalho e sobre a própria identidade profissional.

1° Ato ‘ São Eles que mandam’ ( Opressão e Passividade )

A humilhação é uma modalidade de angústia que se

dispara a partir do enigma da desigualdade de classes.

Angústia que os pobres conhecem bem e que, entre eles,

inscreve-se no núcleo de sua submissão. Os pobres sofrem

freqüentemente o impacto dos maus tratos. Psicologicamente,

sofrem continuamente o impacto de uma mensagem estranha,

misteriosa: "vocês são inferiores". (Gonçalves Filho, 1998,

pg.25)

O contato com a 1° Dupla, Joana e Almir, se deu de maneira peculiar, eu estava

dentro do ônibus e os vi depositando um saco de lixo na calçada de uma movimentada

Avenida, percebi neste instante a oportunidade de um encontro. Desci em um ponto

adiante e retornei até o local que os tinha visto.

Não os encontrei, olhei para todos os lados, perguntei para as pessoas que ali se

encontravam se avistaram uma dupla de varredores, ninguém os havia percebido,

percorri algumas quadras da Avenida e a minha sensação foi que os instantes anteriores

não passaram de ilusão. Desisti.

Os encontrei no mesmo ponto na semana seguinte, Joana varria mais a frente

enquanto Almir recolhia de cabeça baixa os montinhos que ela ia acumulando.

Trabalhavam silenciosos, quando os abordei, cumprimentando-os, levantaram o olhar,

.

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retribuíram e ficaram parados olhando para mim, congelados naquela cena. Apresentei-

me e pedi para que continuassem, seguimos conversando.

Eles me contaram que não partem do Alojamento, que se encontram em um

ponto específico do trajeto em que guardam o carrinho, a vassoura e os materiais e

seguem para a rotina de trabalho. Segundo me contaram, percorrem as mesmas ruas

juntos há 10 anos e trabalham como varredores há mais ou menos 30 anos.

Almir comentou que trabalha na rua desde os 18 anos de idade, começou

retirando entulho das ruas e limpando praças, confessa sua insatisfação em relação à

mudança para o alojamento:

Eu e ela trabalhamos há 10 anos nesse trajeto, pra

mim é muito melhor vir direto, mas eles mandam né?, Não

dá pra gente reclamar, não posso reclamar de nada, tenho

sempre meu ‘dinheirinho’ garantido no final do mês.

(Almir, Diário de Campo, 13/04/09)

Por mais que este trabalhador verbalize sua insatisfação diante da nova

organização do trabalho, demonstra sua passividade diante ‘Deles’, dos que ‘mandam’,

a ele cabe apenas acatar a decisão da empresa, pois não tem voz ou força para lutar

contra esta situação, o que vale é o dinheiro que garanta o sustento no final do mês.

O trabalho faz experimentar de uma forma extenuante o

fenômeno da finalidade devolvida como uma bola; trabalhar

para comer, comer para trabalhar... Se consideramos um dos

dois como um fim, ou ambos separadamente, estamos perdidos.

O ciclo contém a verdade ...

A grande dor do trabalho manual é que somos

obrigados a nos esforçar por longas horas seguidas,

simplesmente para existir.

O escravo é aquele a quem não se propõe nenhum bem

como finalidade dos seus cansaços, a não ser a simples

existência. Ele deve então ou ser desapegado ou cair no nível

vegetativo. (Weil apud Gonçalvez Filho, 1998, pg. )

Para solucionar a questão dos trajetos longos, Ricardo comenta que em breve,

mais equipes sairão do Alojamento ao invés de seus próprios pontos fixos, que a

quantidade de varredores aumentaria melhorando a divisão dos setores.

Durante nosso encontro presenciei demonstrações de afeto e coleguismo entre a

dupla e um vigia e cumprimentos amistosos a alguns comerciantes. Em outra

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oportunidade pude conversar apenas com esse vigia, o Corinthiano, este revelou que

conhece a dupla há três anos, considera muito a dupla e, em particular, Joana.

Corinthiano, percebe o trabalho da dupla como muito sofrido, os considera

tranqüilos em relação às pessoas e ao trabalho, mas muitas vezes vê que as pessoas os

exploram ou os maltratam, sobretudo os lojistas que abusam do trabalho deles, como

afirma, pois sabem que eles não podem varrer a calçada e mesmo assim pedem “ Eles

não têm voz ativa para enfrentar a situação, sabe, não respondem, abaixam a cabeça e

continuam o trabalho deles.” ( Corinthiano, Diário de Campo, 28/04/09)

A afirmação de Corinthiano além de alertar para postura oprimida e submissa

dos varredores, amplia a questão. Não é apenas em relação à empresa contratante que

estes varredores perdem sua voz e força, “Eles”, nas palavras de Almir, “mandam”,

posso apreender deste fato que a força opressora extende-se também em relação aos

contribuintes, às pessoas em geral.

Sobre isto Gonçalves Filho afirma:

O ambiente político da dominação começa a agir

também nas horas de trégua: age por dentro. Para os

humilhados, a humilhação é golpe ou é frequentemente

sentida como um golpe iminente, sempre a espreitar-lhes,

onde quer que estejam, com quem quer que estejam.

(Gonçalves Filho, 2004, pg. 13)

Ainda no Alojamento presenciei uma situação que alerta para a questão da

opressão e passividade, Tadeu estava com a vassoura bem gasta e nada havia reclamado

sobre isso, um de seus principais instrumentos. Ricardo ao verificar a vassoura antes

deste varredor seguir para o trajeto, pede para que ele a troque por uma nova na sala de

equipamentos e comenta comigo. “É muito difícil eles reclamarem alguma coisa,

chegar em mim e dizer alguma coisa, você viu a vassoura do Tadeu? Já estava

esgarçada e eu mesmo que tive que pedir para ele trocar.” ( Ricardo, Diário de Campo,

25/03/09)

Presenciei, em outra oportunidade, como esses trabalhadores são mutilados em

sua liberdade de expressão, o que corrobora para a passividade e submissão,

configurando a opressão ao qual são submetidos.

Avistei a dupla, Osvaldo e Kleber, eles trabalham em uma rua de um bairro de

classe média, me aproximei deles, me apresentei e comentei meu objetivo, ambos

.

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pararam o que estavam fazendo e fizeram questão de conversar. Ambos trabalham como

varredor há mais ou menos sete anos, vindos de atividades pouco especializadas,

auxiliar de serviços gerais, pintor, segurança.

Kleber comentou que gosta do que faz por acreditar que controla seu trabalho e

por se sentir mais livre na rua.

Após pouco tempo de conversa com a dupla um dos Fiscais daquele setor parou

com a moto.

Basicamente, tomou a frente e a voz dos varredores, falando de sua experiência

como fiscal, mas principalmente, expressou o quanto considera o trabalho dos

varredores sofrido e desgastante, como ele orienta seus varredores para saírem daquela

situação, como busca ajudá-los no que for preciso, pois, segundo ele, muitos não

conhecem seus direitos.

Eu vejo o trabalho deles, conheço a vida de muito

deles, são na maioria pessoas humildes sem muita

instrução, - Claro que tem os malandros, esses ai a gente

percebe logo-, mas eles não sabem muito dos direitos que

tem... (Rogério, Diário de Campo, 11/05/09)

Enquanto o Fiscal Rogério falava a dupla apenas ouvia em silêncio, não

argumentavam nem acrescentavam às falas do Fiscal com suas opiniões, em mais um

indício de opressão.

O embotamento das emoções e dos gestos, como afirma Costa (2004) são

conseqüências da sensação da força exercida sobre eles, força esta que os oprime, e as

palavras mesmo que tímidas são dominadas pelo medo, medo da represália ou de

humilhações ainda mais severas.

Rogério fez uma diferenciação entre ele e o Fiscal de outro setor para mostrar o

quanto é preocupado com os varredores, comentou que nesse outro setor o Fiscal

‘marcava em cima’ e não era próximo aos varredores, mas que lá eles:

Realmente merecem, pois não querem nada com

nada, não cumprem os setores todos, faltam sem

justificativas, muito deles tem passagem pela polícia. Fico

chateado, mas não posso fazer nada se a pessoa não

quiser ser ajudada. (Rogério, Diário de Campo, 11/05/09)

Neste encontro surgiram informações referentes ao preconceito em relação à

atividade, porém mais na fala do Fiscal do que na dos próprios Varredores. Rogério

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afirmou durante nossa conversa, que o trabalho é desvalorizado, mas que isso se dá pela

postura dos próprios trabalhadores. Ele pensa que os trabalhadores estão em uma

situação muito ruim, por isso incentiva que façam cursos e se especializem, mas

acredita que pouco pode fazer por eles, pois ‘eles não se ajudam’.

Foi possível perceber que, embora mais uma vez o trabalho seja visto pelos

fiscais como sofrido e desgastante, um deles comentou que os Varredores precisam de

ajuda, mas que a maioria deles não estão nem ai para suas dificuldades.

Porém, como o próprio Fiscal impediu que eles se expressassem, ficou a

questão: Será que são ouvidos sobre o quê necessitam? Ou sempre existe alguém

dizendo para eles o que devem ou não necessitar, pensar e agir, antes mesmo que

consigam se expressar? Assim eles mesmos acabariam acreditando que não devem e

nem tem o direito para tal.

Como afirma Gonçalves Filho:

A opressão no campo e na cidade refreou os gestos,

alienou o trabalho, impediu a ação e o governo, inibiu o riso e

a voz, desmoralizou as religiões e as idéias dos oprimidos.

Infestou o sentimento, a imaginação e a lembrança dos pobres

por mensagens senhoriais ou patronais, mensagens de

comando e desprezo... a humilhação social é sofrimento

ancestral e repetido. (Gonçalves Filho, 2004, pg. 13)

À partir do encontro com outra dupla, Jacira e Roberto,desta vez mista, outro indício de

humilhação social pode ser percebido.

“O humilhado atravessa uma situação de impedimento para sua humanidade, uma

situação reconhecível nele mesmo – em seu corpo e gestos, em sua imaginação e em sua voz – e

também reconhecível em seu mundo – em seu trabalho e em seu bairro .” (Gonçalves Filho,

1998, pg. )

Já havia feito contato e conversado com essa dupla em semanas anteriores e

tendo os encontrado na Avenida, no horário do almoço, questionei onde haviam

almoçado, Jacira deu a seguinte resposta “No curralzinho... Não é onde os bichos

comem?!” (Jacira, Diário de Campo, 16/06/09). Tendo em vista que o local indicado

pela varredora é a garagem de um Sacolão de frutas e verduras, observei o local e havia

muitos caixotes, lá eles utilizaram alguns dos caixotes vazios como cadeira e apoio para

a marmita e se sentam na calçada bem em frente ao portão da garagem.

.

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Apesar de os varredores receberem, vale refeição, conforme afirmou o Fiscal

Ricardo na visita ao alojamento e depois confirmado por esta mesma dupla, Jacira

afirmou que quando está com esse parceiro prefere trazer a comida de casa e a marmita

fica guardada no fundo do carrinho, prefere assim, pois economiza os vales para utilizar

em outras ocasiões segundo a necessidade como em uma viagem, passeio aos finais de

semana, ou quando o orçamento aperta.

2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” ( Preconceito )

Reconquistar o que se perdeu é muito difícil: difícil é o

caminho da volta às coisas, de volta ao mundo da vida pré-

categorial e pré-reflexiva, para reencontrar os fenômenos face

a face. Esse caminho pede um alto grau de tomada de

consciência da vida em si que começa na recusa do

estabelecido, na suspensão da validade mundana. (Ecléa Bosi,

2003, pg. 116)

Dos pontos destacados e observados durante a pesquisa foi possível verificar

algumas características comuns a esses trabalhadores. Em sua maioria são pessoas

oriundas de diversos tipos de trabalho subalternos, braçais e com pouca especialização.

Rogério relata que os Varredores sentem vergonha de dizer o que fazem, porém

em seu discurso fica claro que esse preconceito está relacionado á sua própria questão,

como quando comenta a dificuldade que enfrentou no começo do relacionamento com

sua esposa.

No começo todos diziam para ela, sai dessa, o

cara dirige caminhão de lixo, não tem nada na vida, você

é muito melhor do que ele. Se comigo é assim imagine

com eles, eu ganho 1200 reais, mas hoje em dia você não

é você, você é o que você tem. (Rogério, Diário de Campo,

11/05/09)

No contato com os varredores foi possível perceber que a questão do uniforme

está diretamente ligada ao preconceito que se instala em relação à atividade e que se

estende para os trabalhadores. Pois, como afirma Goffman:

A sociedade estabelece os meios de categorizar as

pessoas e o total de atributos considerados como comuns e

naturais para os membros de cada uma dessas categorias: Os

ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que

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têm probabilidade e serem neles encontradas. (Goffman,

1988, pg. 12)

Quando conheci a dupla Jacira e Roberto, a mulher se mostrou muito

extrovertida, simpática, fez questão de comentar que gosta muito de se atualizar, lendo

jornais e revistas. Tem 42 anos e trabalha há 3 anos como varredora. Sempre foi dona de

casa e por conta de dificuldades financeiras que sua família estava enfrentando à época

decidiu buscar emprego. Comentou que no início foi difícil se adaptar à atividade,

trabalhar na rua exposta ao tempo e ao preconceito das pessoas: “Parece que as pessoas

sentem nojo, elas olham, acho que para o uniforme, as luvas, e se afastam, ou então

olham pra gente e acham que vamos pedir alguma coisa” (Jacira, Diário de Campo,

05/05/09).

Em outro momento em que acompanhei Jacira e André durante o horário de

trabalho Jacira comentou que no lugar onde guardam o carrinho, um posto de gasolina,

deram um armário para eles, e que eles se trocam lá, o uniforme fica guardado nesse

armário assim como os materiais que o fiscal entrega. Acompanhei os dois até esse local

na hora de ir embora, depois que Jacira tirou o uniforme olhou para mim e disse: “Olha

só, nem parece mais aquela mulher que você estava conversando, viu? Sou uma pessoa

normal” (Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

Outra informação que Jacira relatou é que considera interessante quando ela passa

sem o Uniforme nos lugares que geralmente passa quando está trabalhando, casa das

pessoas e banca de jornal ela diz que os outros não a reconhecem.

Ainda em relação ao uniforme, outro varredor compartilhou sua percepção sobre a

questão. Comentou que estando uniformizado para o trabalho quando pega ônibus sente

que as pessoas evitam sentar ao seu lado.

Eu olhava para mim, mas eu não estava sujo,

mesmo assim acho que as pessoas evitam sentar perto,

porque quando pegava ônibus com roupa de sair nunca vi

acontecer igual. (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09)

A razão para tal atitude das pessoas, segundo ele, está relacionado ao que Jacira

também mencionou em sua fala, o nojo das pessoas, relativo ao que representa o

uniforme indica o tipo de trabalho que aquela pessoa executa, que são varredores, que

lidam diretamente com a sujeira, com os restos jogados nas ruas.

.

Page 12: Elementos Textuais pré artigo

“No trato com as pessoas isso acontece

frequentemente. Elas nos aparecem como que embaçadas pelo

esteriótipo, e é preciso tempo e amizade para um trabalho

paciente de limpeza e reconstituição da figura do amigo, cujos

contornos procuramos salvar cada dia do perigo de uma

definição congeladora.” (Ecléa Bosi, 2003, pg. 117)

Porém, Leandro demonstrou claramente sua indignação em relação a esse

preconceito, comentou que vê realmente muitos varredores com o uniforme desgastado

e aspecto descuidado e, em relação a isso disse: “Não é só porque varre o chão tem que

ser sujo como ele.” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).

Este comentário de Leandro em relação á ser simplificado ao trabalho que

executa e a conseqüência sofrida é o que Ecléa Bosi (2003) define como percepção

social falseada. Segundo a autora comenta ignoramos exceções e tendemos a simplificar

elementos que recobrem a realidade não nos permitindo o real contato com a

experiência possivelmente pela complexidade dos objetos sociais.

Quanto a essa afirmação em relação ao uniforme, em meus encontros com

diferentes varredores e de diferentes regiões também tive a mesma percepção. A 1°

dupla com que conversei e acompanhei usavam uniformes bem gastos, com o mesmo

aspecto mencionado por Leandro, contudo, a meu ver, pelas falas e atitudes desta dupla,

como já comentado, são trabalhadores que apresentam traços de opressão. Já outra

dupla, Osvaldo e Kleber, que são varredores de um setor em que as ruas são de um

bairro de classe média, aliás, esse é o mesmo bairro do Leandro, os uniformes pareciam

mais conservados. Alguns varredores comentaram que podem pedir a troca de

uniformes fora do período que a empresa padroniza, de seis à dez meses, porém muitas

vezes é em vão, André comenta que se o sapato fura, ou o uniforme gasta, eles têm que

dar um jeito, remendando, costurando com dinheiro do próprio bolso, pois fazem a

solicitação e demora tanto que acaba no mesmo prazo da troca padronizada.

Olha só, eu já furei o sapato com um prego dos

grandes, até machuquei o pé, e você acha que trocaram

meu sapato? Fiquei uns dois meses ou mais enchendo o

saco do fiscal pra trocar o sapato. Minha mãe colou um

pedaço de uma borracha onde estava o furo. Mas o sapato

só veio no período da troca mesmo, depois de quatro

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meses, sabe? Não adianta. (André, Diário de Campo,

19/06/09)

André tem 20 anos, há dois anos trabalha como varredor, atualmente estuda

Gestão Ambiental e seu intuito é fazer Engenharia Ambiental. Em suas palavras

comentou que este é o ‘pior trabalho do mundo’. Porém, comentou que tanto os horários

quanto a liberdade da rua e o salário no final do mês são o que dão condições para que

ele possa pagar seus estudos e poder comprar o que quiser.

Leandro, tem 32 anos, trabalha na empresa há 4 anos, após vários outros trabalhos

como ajudante geral, pedreiro, ajudante de serralheiro.

Segundo o que comentou, disse que a maioria das pessoas não gostam do que

fazem, na verdade se acostumam porque não tem outro jeito, Antônio disse que voltou a

estudar no período da noite porque quer melhorar e não apenas ficar reclamando. Pensa

em terminar o ensino médio e fazer curso técnico em contabilidade, pois gostaria de

trabalhar em um escritório, vestido de social, segundo suas palavras “ acho que as

pessoas me respeitariam mais”. (Conversa com varredor Leandro, Subprefeitura,

05/06/09).

André, tem vergonha de dizer para as pessoas que é varredor, quando perguntado

apenas diz que presta serviços para a prefeitura, quanto a isso justifica que prefere não

dizer, porque geralmente as pessoas ficam com pena, segundo ele.

É engraçado, mas uma vez uma senhora me disse na

rua depois que peguei a sacola dela que caiu no chão:

Nossa, que pena, um menino tão bonito, tão novo, você

estuda?... Mal ela sabe que estou quase me formando em

Gestão Ambiental, sou bem diferente dos outros

varredores. (André, Encontro com a Dupla Jacira e André,

19/06/09).

Leandro e André são dois varredores que parecem não se identificar e nem se

reconhecer com os outros semelhantes de sua profissão, para eles a atividade vai além

do ‘ganho pão’ e do simples sustento, André vê a atividade como temporária, tem 20

anos e comenta que vê a empresa como uma porta de entrada para atuar na área que está

estudando.

.

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Já Leandro, mostrou-se ainda esperançoso em continuar os estudos e almeja

trabalhar dentro de um escritório, pois busca o reconhecimento e acredita que apenas

trabalhando em um escritório vestido com roupas ‘sociais’ conseguirá tal desejo.

Roupas ‘sociais’ e não um uniforme que pode ser compreendido como um

estigma, uma marca daqueles que trabalham com o lixo, daqueles que não possuem

‘capacidade’ de executarem outras atividades com mais valor ‘social’.

Falo em ‘capacidade’ referindo-me ao episódio que o próprio Leandro vivenciou e

comentou em nossa conversa. O varredor conta uma situação da qual foi vítima do

preconceito de um morador em relação à sua atividade.

Segundo Leandro, todos os dias em que passava para varrer uma rua um menino

de 10 anos atirava pedras nele e em seu companheiro. Um dia se aborreceu e correu

atrás do menino para tirar satisfação. O pai apareceu e disse: “Você não é ninguém para

fazer isso, é um burro que só serve para varrer rua” (Leandro, Diário de Campo,

05/06/09).

O varredor comentou que o homem ligou para a Subprefeitura e como

conseqüência foi suspenso e mudaram ele de setor. Hoje em dia Leandro comentou que

evita discussões, ignora os ‘ataques’ das pessoas, pois precisa do emprego.

Em relação às brigas com os moradores, Jacira afirma que prefere se manter

em silêncio também, como Leandro, e apenas fazer seu trabalho:

Eu não tenho obrigações, eu tenho

responsabilidades é assim que vejo o meu trabalho,

dependendo da situação, ou a forma como a pessoa pede

posso até fazer algumas coisas, mas sei o que tenho que

cumprir, sei o que tenho que fazer. (Jacira, Diário de

Campo, 05/05/09).

Todos os varredores com que conversei, sem exceções, justificam o silêncio

diante das situações que lhes desagradam, como por exemplo, as brigas com os

moradores, ao fato de ao menos estarem empregados e recebendo seu salário no final do

mês.

Jacira afirmou que para ela ser varredora é um trabalho como outro qualquer e

assim como os outros participantes justificou que é deste trabalho que tira seu sustento.

Em outro momento comentou que este trabalho cabe bem às necessidades básicas,

e afirmou “Se o cara tiver a cabeça boa, com nosso salário consegue até sua casinha

própria” (Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

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Acrescido a esta justificativa existe a questão da própria empresa contratante

reforçar a importância de respeitar o contribuinte, os moradores e penalizar o

trabalhador que desrespeitar essa simples regra. Como comenta André, a empresa

investe bastante em palestras para que os varredores saibam conviver e respeitar os

moradores, mas pouco oferece para o aprimoramento pessoal dos trabalhadores, ou

sequer permitem um espaço para que eles façam reclamações ou sugestões.

Basicamente, o contato que estes trabalhadores tem com a empresa é através do

Fiscal, ficam a mercê da boa vontade e empenho deste. São expostos, desta forma, a

todo tipo de humilhação, desde o medo de requerer uma vassoura nova quando a sua já

está gasta, até ouvir silenciosamente que é ‘burro e apenas serve para varrer ruas’.

Gonçalves Filho (2004) comenta: “São mensagens arremessadas em cena

pública...São gestos ou frases dos outros que penetram e não abandonam o corpo e a

alma do rebaixado” pg. 26

Bastidores

“ Uma vida muito sofrida”

Durante a pesquisa, os momentos em que passei com esses trabalhadores,

acompanhando as atividades, as conversas que ao longo desse artigo foram

apresentadas, é fato constatar que o trabalho do varredor é desgastante, sofrido no

sentido de estarem na rua enfrentando sol, chuva e frio. Andam por trajetos longos,

carregam peso, vassouras gastas que exigem mais esforço e atrelado á isso o desrespeito

já mencionado em algumas situações de algumas pessoas para com estes trabalhadores,

além do vínculo abismal que existe entre esses trabalhadores e a empresa e também a

falta de valorização pelo trabalhador por parte da mesma como afirma Leandro quando

desabafou sobre o episódio de sua briga com um morador, “Trocam a gente como se a

gente fosse roupa suja” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).

Existem situações complicadas em se tratando do relacionamento entre eles

mesmos, como afirmou Leandro: “Cada um é de um jeito, tem gente que é muito chata,

calada, faz coisa errada” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09). Comenta sobre o

vício alcoólico de alguns e até o que considerou como ruim no comportamento de

.

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alguns varredores, como ‘enrolar no trabalho’ dados estes já comentados anteriormente

e citados pelos fiscais Ricardo e Rogério, e outros varredores.

Jacira, em uma de nossas conversas, confessou que o Fiscal Ricardo é muito bem

quisto por todos os trabalhadores, é bem próximo e facilita a vida dos varredores.

Segundo Jacira, Ricardo faz de tudo para melhorar a relação entre eles, é sempre

solícito quando alguém adoece, é flexível, permite que eles encontrem a melhor forma

de trabalharem, desde que cumpram os trajetos.

Nós aqui podemos parar para tomar um cafezinho,

uma água, ele não fica em cima, é bem diferente do Fiscal

do outro Setor, ninguém quer ir para lá, o controle de

horário e trajeto lá é muito grande, rígido, aqui não, e

todo mundo faz o trabalho. (Jacira, Diário de Campo,

05/05/09)

A dupla mista, Jacira e Roberto, ressaltaram que para o dia render é preciso

camaradagem entre os companheiros.

Quando aprofundei meu vínculo com Jacira e seu outro companheiro, André, foi

possível identificar e presenciar algumas estratégias e comportamentos adotados para

tornar suportável e até mesmo vantajosa a rotina e as relações estabelecidas da atividade

de varredor, por isso a camaradagem entre eles passa a ser primordial.

“ O pior trabalho do mundo”

Embora, Jacira afirme que algumas pessoas são grosseiras, tem muitas amizades

por onde passa segundo ela. Em outra oportunidade a varredora comunicou que se sente

incomodada pelo fato de olharem para ela, o uniforme e as luvas e até pensarem que

quer pedir algo, porém contou com certa naturalidade que em determinados momentos e

de acordo com a relação com as pessoas troca favores com elas.

Tem um barzinho no outro bairro que eu faço no

sábado, a dona é muito amiga minha, eu chego logo pela

manhã e ela me dá o café com leite e pão na chapa, em

troca eu varro a calçada dela, pegos os sacos de lixo e

mais outras coisas, ai não custa nada né?! Ela é legal

comigo, nunca teve um acordo, ela que me via e me

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oferecia o café, então passei a ajudar também. (Jacira,

Diário de Campo, 19/06/09).

Jacira contou também que muitos moradores sabem exatamente o dia e o horário

em que passam, alguns param para conversar, outros oferecem água, suco e até bolachas

e bolo. Em muitos casos sente-se até vigiada.

Em um dos dias em que acompanhei esta dupla pude verificar esquemas que, de

certa maneira, evitam o desprazer da monotonia e mecanicidade em relação à atividade.

Jacira e o companheiro André comentaram que preferem chegar um pouco mais cedo,

meia hora antes do horário, 6h30 da manhã, durante o trabalho fazem apenas uma

pequena pausa para o café para poderem sair mais cedo e almoçar em casa.

Verifiquei o trajeto e percebi que havia muitas ruas, por mais que fizessem o

trabalho um pouco mais rápido e sem pausas não daria para terminar todo ele até o

horário que informaram. Então, durante o trajeto percebi que eles pularam algumas ruas,

e em outras, Jacira varria apenas um lado da rua. Questionei sobre isso e a varredora

respondeu:

Ah, agente sabe como fazer, não dá pra fazer isso

sempre, já te disse, os vizinhos ficam de olho grande na

gente, um dia a gente pula uma, na outra vez a gente pula

outra e vai revezando. (Jacira, Diário de Campo,

19/06/09).

André comentou que esse esquema de pular as ruas e dar um jeito de sair mais

cedo, é a forma que encontra para ter tempo de fazer os trabalhos da faculdade e

também para aliviar o cansaço da rotina. Já Jacira comenta que assim tem tempo para

cuidar da casa também.

Durante esse dia a dupla também revelou que existe um certo acordo informal

entre os varredores, em hipótese alguma eles devem sair de seus trajetos com o

uniforme, principalmente fora do horário. Tal dado foi revelado porque comentei que

um dia peguei um ônibus por volta das 11h30 da manhã e me sentei ao lado de um

varredor. André comentou:

Ai não pode né? O cara ta queimando a gente, o que

um varredor ta fazendo as 11h30 dentro de um ônibus?

Todo mundo tem seus esquemas sabe?! É por causa

.

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desses ai que a gente se ferra, se um fiscal da prefeitura

pega, já era. (André, Diário de Campo, 19/06/09).

Jacira comentou que eles têm que tomar muito cuidado, pois além do fiscal da

empresa, existem os fiscais da Subprefeitura: “Com esses daí não tem conversa”

(Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).

Cenário

Durante a pesquisa alguns pontos tornaram-se relevantes para a compreensão

dos aspectos que envolvem a atividade dos varredores, assim como, as conseqüências

sofridas, parte pela exposição destes trabalhadores á elementos físicos – condições

climáticas como o sol, a chuva, riscos por estarem na rua trabalhando no meio fio de

avenidas movimentadas sem instrumentos realmente adequados - e parte pelo impacto

direto da pressão exercida pela desigualdade das classes sociais.

A compreensão da humilhação social proveniente da desigualdade social, ao

qual estes trabalhadores estão submetidos, está relacionada também à questão do

uniforme.

O uniforme tem em sua origem uma dupla função, proteger o trabalhador,

quando adequado, e ao mesmo tempo identificá-lo. No caso dos varredores a

identificação dada pelo uniforme foi percebida como um estigma, uma marca onde o

preconceito encontra vias para se expressar.

A opinião social ao estigmatizar a marca, através dos conceitos como lixo,

sujeira, precariedade da condição, acabam por falsear a realidade e o preconceito passa

a imperar e o trabalhador passa a ser reduzido, simplificado tornando-se invisível

enquanto protagonista social.

Leandro se mostrou inconformado quando tratou a questão do uniforme, disse

que não é porque trabalha com lixo que precisa se parecer com o chão sujo, isto em

relação ao desgaste e muitas vezes precariedade dos uniformes, mas como percebi

durante a pesquisa, a maioria dos trabalhadores não consegue pedir nem uma vassoura

nova e isso se dá, pela opressão e passividade

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......

André demonstrou que teve uma posição e uma atitude para melhorar suas

condições, mas que no final resultou numa conformidade ‘Sabe? Não adianta’. A

Conformidade que surge durante a trajetória e experiências negativas dessas pessoas, tal

como foi o episódio do sapato para André.

.

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