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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945) Angélica Ricci Camargo Rio de Janeiro 2011

Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

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Este trabalho tem por objetivo analisar a construção de uma política oficial voltada para o desenvolvimento do teatro por meio das experiências de dois órgãos: a Comissão de Teatro Nacional e o Serviço Nacional de Teatro (SNT), entre os anos de 1936 e 1945. Compreendendo-a como parte da política destinada à cultura empreendida pelo governo de Getúlio Vargas, pretende-se, também, destacar a participação de artistas, autores e organizações de profissionais teatrais nesse processo e acompanhar as principais discussões e iniciativas promovidas, considerando os embates e contemporizações e identificando os diferentes interesses em questão.

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Page 1: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro

brasileiro: as experiências da Comissão e do

Serviço Nacional de Teatro

(1936-1945)

Angélica Ricci Camargo

Rio de Janeiro

2011

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Angélica Ricci Camargo

Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro

brasileiro: as experiências da Comissão e do

Serviço Nacional de Teatro

(1936-1945)

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História Social da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários para

obtenção do Título de Mestre em História

Social.

Linha: Sociedade e Política

Orientadora: Profa. Dra. Marieta M. Ferreira

Rio de Janeiro

2011

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Angélica Ricci Camargo

Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as

experiências da Comissão e do

Serviço Nacional de Teatro

(1936-1945)

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História Social da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários para

obtenção do Título de Mestre em História

Social.

Linha: Sociedade e Política

Banca Examinadora:

_______________________________

Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira

Orientadora – Instituto de História – UFRJ

_______________________________

Profa. Dra. Lúcia Lippi Oliveira

CPDOC/FGV

________________________________

Profa. Dra. Tania Brandão

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UNIRIO

Rio de Janeiro, _____ de abril de 2011.

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C172 Camargo, Angélica Ricci Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional do teatro (1936-1945). -- 2011. xi, 224 f.: Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Social, Rio de Janeiro, 2011.

Orientador: Marieta M. Ferreira

1. Teatro e Estado – Brasil. 2. Teatro – Brasil – História, Séc. XX. 3. Brasil – Política cultural. 4. História Social - Teses. I. Ferreira, Marieta de Moraes (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós- Graduação em História Social. III. Título. CDD: 792.0981

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a construção de uma política

oficial voltada para o desenvolvimento do teatro por meio das experiências de

dois órgãos: a Comissão de Teatro Nacional e o Serviço Nacional de Teatro

(SNT), entre os anos de 1936 e 1945. Compreendendo-a como parte da

política destinada à cultura empreendida pelo governo de Getúlio Vargas,

pretende-se, também, destacar a participação de artistas, autores e

organizações de profissionais teatrais nesse processo e acompanhar as

principais discussões e iniciativas promovidas, considerando os embates e

contemporizações e identificando os diferentes interesses em questão.

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ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the making up of an official policy

aimed at the development of theater, through the experience of two institutions

between 1936 and 1945, which were the Comission of National Theatre and the

National Theatrical Service. Considering it part of the cultural policy undertaken

by the Getúlio Vargas administration this study also intends to show the

involvement of artists, authors and professional theatrical organizations in this

process, as well as follow the main discussions and improvements considering

the heated arguments and settlements arranged, identifying the different

interests involved in them.

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Agradecimentos

Ao terminar esta dissertação, trabalho muitas vezes desestimulado pelos

tropeços, dúvidas e a sensação de que deixei muito por fazer, pude perceber

quantas coisas positivas me foram propiciadas nestes últimos anos. As maiores

delas vindas das pessoas que participaram, de diversas maneiras, dos

momentos de sua elaboração. E são estas a quem agradeço nesse espaço.

Inicialmente agradeço à professora Marieta de Moraes Ferreira por ter

aceitado me orientar e por todo o aprendizado. Às professoras que

participaram da banca de qualificação, Andréa Casa Nova Maia e, em especial,

Tania Brandão, pela disponibilidade e pelas contribuições, que tentei aproveitar

ao máximo.

Aos funcionários das instituições onde realizei minhas pesquisas,

principalmente Márcia Cláudia Figueiredo e Márcia Fonseca do

CEDOC/FUNARTE, pela competência e por me ajudarem em várias ocasiões e

solucionarem alguns dos meus problemas.

À direção do Arquivo Nacional e à coordenadora-geral da COGED,

Maria Izabel de Oliveira, pelo apoio institucional. Graças ao programa de

capacitação do órgão, tive o tempo necessário para a escrita e revisão do

material apresentado à banca de qualificação.

À supervisora Dilma Cabral e aos meus colegas de trabalho Daniela

Salzano Hungria Hoffbauer, Fábio Campos Barcelos, Felipe Pessanha de

Almeida, Louise Gabler de Sousa, Rodolfo de Sousa Nascimento, Rodrigo Luiz

Nascimento Lobo, Rodrigo de Sá Netto, Salomão Pontes Alves e estagiários do

programa de pesquisa MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira,

que foram sobrecarregados com a minha ausência nos últimos meses,

dividindo o trabalho que estava desenvolvendo, e que, durante a minha

presença, tiveram que suportar as oscilações de humor e meus “muitos

problemas”. A oportunidade de trabalhar com pessoas tão dedicadas e de

aprender “uma coisa nova a cada dia” foram o estímulo essencial para que me

enveredasse pelos caminhos da administração pública brasileira e neles

encontrasse meu objeto de estudo.

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Aos meus amigos, que conviveram com todas as etapas dessa

pesquisa. Janiely, pelo incentivo inicial e por me ensinar muito sobre teatro.

Minhas primas Raquel e Renata, que, mesmo longe, sempre me acompanham.

Moniquinha, pelo help com as traduções. Brenda, pela amizade e por me

acudir nos “piores momentos”. E também Daniela, Fábio, Felipe, Rodolfo,

Rodrigo, Salomão, e, especialmente, Louise, com os quais aprendi e aprendo

muito sobre história e sobre várias outras coisas, e pela convivência diária

extremamente divertida e inteligente que me deu ânimo para “tocar” esta

dissertação (tive muita sorte em encontrar vocês no meu “exílio”!). E a Dilma,

por todo aprendizado e apoio sem os quais este trabalho nem começaria: difícil

encontrar palavras para agradecer os milhares de favores e, mais do que isso,

a gigantesca paciência dispensada nesses anos de convivência (minha dívida

é imensa e impagável!).

Por fim, agradeço a minha família. Se em um primeiro momento estive

ausente, em outro, meus pais, Wilma e Waldemar, e meus irmãos, Vitor e

Priscila, tiveram que me aturar em longas temporadas cabreuvanas, facilitando

as coisas, resolvendo muitos dos meus problemas, me resgatando (à força!)

dos “subterrâneos” do isolamento, e fazendo o impossível, como sempre, para

que tudo desse certo.

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Para meus pais.

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Sumário

Resumo V

Abstract VI

Agradecimentos VII

Introdução 1

Capítulo 1

Os personagens, os problemas e as ideias

11

1.1 - Autores, atores e gêneros: a cena teatral brasileira nas primeiras décadas do século XX

11

1.2 - Críticos e historiadores: os debates sobre o teatro 25

1.3 - As organizações: a unificação da classe teatral por melhores condições de trabalho

33

1.4 - O Estado: a proteção, a censura e a regulamentação profissional

42

Capítulo 2

O teatro no processo de construção de políticas para a cultura

50

2.1 - A cultura no governo Vargas 50

2.2 - Do Teatro-Escola à Comissão de Teatro Nacional 69

Capítulo 3

A Comissão de Teatro Nacional: a realização da “obra sonhada”

80

3.1 - Os problemas do teatro como objetos de estudo 80

3.2 - As ideias e iniciativas da Comissão de Teatro Nacional

88

3.3 - As subvenções: artistas consagrados, amadores e grandes espetáculos

104

3.4 - O fim da Comissão: “um decisivo passo, no sentido de aumentar e aprimorar as atividades teatrais do nosso país”

119

Capítulo 4

O Serviço Nacional de Teatro: “a obra de desenvolvimento

124

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do teatro nacional exige esforço continuado”

4.1 - A organização do SNT: em busca da “elevação e a edificação espiritual do povo”

124

4.2 - As principais atividades entre 1939 e 1945 136

Capítulo 5

A participação do setor teatral: as disputas entre diferentes projetos artísticos e as novas propostas de intervenção estatal

157

5.1 - As subvenções: um palco para as polêmicas 157

5.2 - Novas propostas em cena: as entidades de classe e o SNT

175

5.3 - As últimas demandas atendidas e o fim do governo Vargas

185

191

Conclusão

Anexos 196

Fontes e bibliografia 210

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Introdução

O teatro, tal como o cinema, o rádio, o patrimônio histórico e artístico e a

música, foi transformado em objeto de interesse do governo instituído em 1930,

que principiou o processo de institucionalização da cultura no Brasil. Considerar as

questões em jogo nessa tentativa de construção de uma política para o

desenvolvimento da área, discutindo as propostas culturais da administração de

Getúlio Vargas e atentando como estas se articularam com as demandas e os

debates do meio teatral, constituem a finalidade desta dissertação.

No centro da análise estarão os dois órgãos estabelecidos com esse

objetivo sob a esfera do Ministério da Educação e Saúde: a Comissão de Teatro

Nacional e o Serviço Nacional de Teatro (SNT). O recorte cronológico inicia-se em

1936, data de criação da Comissão que, vigorando por pouco mais de ano, reuniu

nomes ligados ao teatro e intelectuais que estudaram os diversos problemas

enfrentados pela produção teatral da época e apresentaram medidas que visavam

a sua superação. A Comissão foi substituída por um órgão de caráter permanente,

o Serviço Nacional de Teatro, instalado em dezembro de 1937, que também

contou com a participação de diversos profissionais teatrais, e foi responsável por

concretizar antigas aspirações do setor, embora tenha tornado a concessão de

subvenções a sua principal atividade. Suas iniciativas serão acompanhadas até

1945, ano que marca uma mudança em suas diretrizes e que coincide com o final

do primeiro governo Vargas.

Existe uma extensa bibliografia sobre a política destinada à cultura

promovida nesse período. Entre os estudos sobressaem aqueles que abordam a

atuação de Gustavo Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde, a

relação entre o governo e os intelectuais, e a ideologia construída e difundida pelo

Estado Novo – temas que estão presentes neste trabalho e que embasaram suas

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principais formulações.1 A questão específica do teatro recebeu, no entanto,

pequeno espaço nessas obras, ao contrário do que ocorreu com o cinema ou o

patrimônio histórico e artístico, por exemplo.

Nas consagradas histórias do teatro brasileiro também se constata que

escassas linhas foram dedicadas ao assunto. O livro de J. Galante de Souza, O

teatro no Brasil (1960), limitou-se a mencionar a criação e algumas iniciativas da

Comissão e do Serviço Nacional de Teatro.2 Sábato Magaldi, em Panorama do

Teatro Brasileiro (1962), resumiu como demagógica a função do SNT, sendo que

“parte apreciável de sua verba se destinava aos espetáculos de revista, para

trombetearem a popularidade do chefe do governo”3. Em Moderno Teatro

Brasileiro (1975), de Gustavo Dória, foram enfatizadas algumas subvenções

distribuídas pelo órgão, como as concedidas ao grupo Os Comediantes.4 Décio de

Almeida Prado, em O teatro brasileiro moderno (1988), ressaltou o caráter

censório do governo Vargas, definindo este momento como o de realização de

uma dramaturgia preocupada com gêneros “menos comprometidos e menos

comprometedores” em decorrência do regime autoritário.5

De maneira geral, os trabalhos que contemplaram mais diretamente o tema

tiveram como principal finalidade discutir a modernização do teatro brasileiro. E,

apesar das diferentes visões propostas, todos eles indicam que o Estado

1 Dentre os trabalhos destacam-se: SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet;

COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra; Fundação Getúlio Vargas, 2000, BOMENY, Helena (org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas; Bragança Paulista (SP): Ed. Universidade São Francisco, 2001, MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). In: ________. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, p. 69-291, 2001, OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela Maria de Castro. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1982, GARCIA, Nelson Jahr. O Estado Novo: ideologia e propaganda política. A legitimação do Estado autoritário perante as classes subalternas. São Paulo: Edições Loyola, 1982 e VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, CPDOC, 1987. 2 SOUZA, J. Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960, 2 v.

3 MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Global, 2001, p. 283.

4 DÓRIA, Gustavo A. Moderno Teatro Brasileiro: crônica de suas raízes. Rio de Janeiro: Serviço

Nacional de Teatro, 1975. 5 PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008, p.

33-34.

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participou desse processo, interferindo de alguma forma no âmbito da produção

teatral.

Seguindo a linha de Décio de Almeida Prado, Vânia de Magalhães, em sua

dissertação de mestrado Teatro de reticências: os primórdios do teatro moderno

no Rio de Janeiro (1927-1943) (1993), abordou a questão da ruptura do

movimento de renovação do teatro brasileiro iniciado com o Teatro de Brinquedo

em 1927.6 Nesse sentido, a autora traçou um panorama da dramaturgia feita na

época, explicando como as condições políticas ajudaram a direcionar a produção

artística para a absorção de elementos do discurso oficial, devido, especialmente,

à ação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Mas, concentrando-se

na análise das peças de teor nacionalista e na correspondência dos interesses

dos dramaturgos com os do Estado Novo, Magalhães conferiu pouca atenção à

atuação da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro e à abertura destes órgãos

às propostas que traziam alguns preceitos modernos para a cena brasileira.

Cristina Costa, em Teatro e Censura: Vargas e Salazar (2010), dedicou-se

à pesquisa do aspecto repressivo do governo Vargas em relação ao teatro.7 E,

ainda que seu livro enfatize mais as trocas culturais entre Brasil e Portugal do que

os mecanismos da censura estabelecidos no período, Costa assinala a

importância da questão como peça fundamental para a compreensão do

relacionamento entre Estado e teatro e aponta para a permanência de estruturas

administrativas advindas dos tempos coloniais e para existência de intercâmbios

entre o DIP e o Secretariado da Propaganda Nacional português.

Victor Hugo Adler Pereira, em A Musa Carrancuda: teatro e poder no

Estado Novo (1998), discutiu sobre a modernização do teatro brasileiro a partir da

representação de Vestido de Noiva, realizada pelo grupo Os Comediantes em

1943, articulando-a com as transformações no mercado teatral e com a ação do

6 MAGALHÃES, Vânia Soares de. Teatro de reticências: os primórdios do teatro moderno no Rio

de Janeiro (1927-1943). 1993. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense. Niterói (RJ), 1993. 7 COSTA, Cristina. Teatro e censura: Vargas e Salazar. São Paulo: Editora da Universidade de

São Paulo; FAPESP, 2010.

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Estado.8 Contudo, constituindo seu foco principal os debates e projetos teatrais

em voga, ficou de fora um exame mais detalhado sobre a experiência do SNT.

Além disso, algumas afirmações como a de que o órgão “não subsidiava o teatro

de revista e só concedia subvenções a companhias de “teatro para rir” que

apresentavam “chanchada” se estivessem em jogo amizades pessoais”9,

necessitam ser reavaliadas, pois existe uma quantidade significativa de auxílios

destinados a grupos ligados a esses gêneros, e faltam informações que

esclareçam esses “laços de amizade”. No artigo “Os intelectuais, o mercado e o

Estado na modernização do teatro brasileiro”, da coletânea Constelação

Capanema (2001), o autor deteve-se com maior profundidade na política teatral do

governo Vargas. E, embora dando destaque aos empreendimentos que trouxeram

novas propostas cênicas para os palcos brasileiros, Pereira também tratou de

algumas polêmicas que cercaram a distribuição de subvenções e a repercussão

de algumas dessas medidas no meio teatral, distinguindo-o como elemento

importante para a compreensão dessa política.10

Tania Brandão, no artigo Tradição e Renovação no palco: a era getulista

(2006), focalizou brevemente a ação do governo Vargas, constatando o perfil

oscilante do programa implantando pelo SNT, que alcançava tanto as iniciativas

devotadas às intervenções de vanguarda como as produções tradicionais,

refletindo sobre os projetos teatrais existentes na época.11 Em Uma empresa e

seus segredos: companhia Maria Della Costa (2009), a autora, ao recuperar o

processo descontínuo da modernização do teatro no Brasil para realçar o papel da

Companhia Maria Della Costa, voltou à questão da participação do Estado.12

Analisando uma parte da documentação que também foi trabalhada nesta

8 PEREIRA, Victor Hugo Adler. A musa carrancuda: teatro e poder no Estado Novo. Rio de Janeiro:

Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. 9 Ibid., 1998, p. 85.

10 Id. Os intelectuais, o mercado e o Estado na modernização do teatro brasileiro. In: BOMENY

(org.), 2001, p. 59-84. 11

BRANDÃO, Tania. Tradição e Renovação no palco: a era getulista. Anais do IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Memória ABRACE X). Rio de Janeiro, p. 237-238, 2006. 12

Id. Uma empresa e seus segredos: companhia Maria Della Costa. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Petrobras, 2009.

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dissertação, Brandão ampliou seu escopo, chegando a algumas conclusões sobre

a atuação do SNT no período inicial de sua história. Em primeiro lugar, observou

que a abrangência das concessões justifica-se pela ausência de um projeto

cultural. Em segundo, ressaltou a preponderância dos nomes ligados ao teatro

antigo no controle das verbas do órgão. E, em terceiro, verificou a participação de

Capanema em relação aos auxílios distribuídos a Os Comediantes. Dessa

maneira, a atenção do ministro foi decisiva para a preservação das atividades

desse grupo, que teve dificuldade em se manter sem o patrocínio oficial, motivo

pelo qual ela propôs uma reavaliação do seu papel enquanto propulsor do teatro

moderno no Brasil.13 Não obstante as contribuições, cabe considerar que a autora

pesquisou os processos referentes à subvenção, que, a despeito de ter sido a

principal atividade do órgão, foi acompanhada por outras medidas que também

devem ser examinadas em um estudo sobre o Serviço Nacional de Teatro.

Aspectos mais específicos do SNT foram estudados por Yan Michalski e

Rosiane Trotta e por Jana Eiras Castanheira. Os primeiros, no livro Teatro e

Estado: as companhias oficiais de teatro no Brasil: história e polêmica (1982),

trataram da trajetória das três companhias oficiais que existiram no Brasil, uma

delas, a Comédia Brasileira, mantida pelo órgão entre 1940 e 1945.14 A segunda,

em sua dissertação de mestrado intitulada Do curso prático ao conservatório:

origens da Escola de Teatro da UNIRIO (2003), analisou a constituição e

organização do Curso Prático de Teatro, criado em 1939.15 Os objetos, ainda que

inéditos, foram apresentados sem uma discussão mais aprofundada sobre a

política do SNT, o que poderia traçar o contorno maior do qual essas iniciativas

foram frutos.

Destacando as atividades de fomento ou avaliando o caráter repressivo do

governo Vargas em relação ao teatro, os trabalhos citados constituem-se como

marcos e pontos de partida para outras análises. Temas como o confronto e a

13

Ibid., p. 33 e 142-143. 14

MICHALSKI, Yan; TROTTA, Rosyane. Teatro e Estado: As Companhias Oficiais de Teatro no

Brasil: história e polêmica. São Paulo: Editora HUCITEC; IBAC, 1982. 15

CASTANHEIRA, Jana Eiras. Do curso prático ao conservatório: origens da Escola de Teatro da UNIRIO. 2003. Dissertação (Mestrado em Teatro). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2003, 2 v.

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confluência das demandas do meio teatral com a política oficial, a escolha dos

grupos beneficiados e a presença e/ou ausência de certos gêneros nos planos

elaborados para o setor, merecem maior atenção porque revelam muito sobre a

cultura que se queria patrocinada por esse governo e sobre a própria história do

teatro brasileiro.

Contemplar algumas dessas questões constitui o objetivo deste trabalho. O

enfoque será dado à tentativa de construção de uma política para o

desenvolvimento do teatro, que coexistiu com a ação da censura, que ficava fora

dos limites de atuação da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro. Pretende-

se, desse modo, analisar as discussões, conhecer os personagens e os interesses

envolvidos na transformação dos problemas do teatro em problemas de Estado.

Para isso, serão importantes as contribuições dos debates em torno da

“nova” história política. Renovação decorrente, segundo René Rémond, do

intercâmbio da história com outras disciplinas e das grandes transformações

sociais que atravessaram o século XX. Fatores que impulsionaram o aumento da

percepção de que o campo político possuía uma dinâmica própria e de que este

representava um domínio privilegiado da articulação do todo social, abrindo

espaço para a análise da presença de novos atores participantes dos processos

políticos, e propondo uma revisão do próprio papel do Estado e de suas

instituições.16

Adentrando no ponto mais específico da relação entre Estado e cultura,

também serão discutidas algumas questões referentes à construção de políticas

culturais.

Campo mais explorado pelas ciências políticas e sociais, mas que também

vem ganhando espaço entre as pesquisas na área de História, política cultural é

um conceito passível de diferentes interpretações. Em uma ampla acepção pode

16

RÉMOND, René. Uma história presente. In: ____________. (org.). Por uma história política. 2ª ed. Trad. Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV, p. 13-36, 2003. Ver também FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova “velha história”: o retorno da história política. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 265-271 e GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, p. 21-44, 2005.

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ser definida como um programa de intervenções realizadas pelo Estado ou por

outras instituições na esfera cultural.17

Phillippe Urfalino, em seu estudo sobre o caso francês, destacou a

necessidade de se conhecer as características do Estado promotor de tais

iniciativas, e apontou para uma distinção entre política cultural e política pública

para cultura. A primeira encontra-se concebida de forma associada a um projeto

intelectual e ideológico vinculado às transformações singulares empreendidas na

administração pública, e a segunda como um conjunto de medidas tomadas por

diferentes instituições públicas relacionadas às atividades culturais ou artísticas.18

Sérgio Miceli considerou a questão a partir de outra perspectiva. De acordo

com este autor, o âmbito da política cultural é variável porque se encontra

intimamente ligado à história das lutas sociais e políticas de cada país,

reproduzindo a presença mais ou menos atuante do poder público como instância

de regulação e interferência no campo da produção cultural. Para demonstrar essa

ideia, analisou os exemplos das políticas implantadas em vários países,

apreciando a história de suas práticas artísticas, as tradições de mecenato de

alguns deles, o grau maior ou menor de concentração das iniciativas segundo os

diversos níveis de governo, a definição de padrões culturais agregados ou não à

identidade nacional, a articulação de alguns lobbies entre profissionais e frações

cultas da classe dirigente, entre outros pontos.19

Ao destacar a presença de diferentes atores no processo de implantação

das políticas para a cultura, Miceli chamou a atenção para a importância de uma

maior compreensão acerca do setor teatral. Nesse sentido, foram buscadas

algumas contribuições do sociólogo Pierre Bourdieu, especialmente seu conceito

de campo como lugar de produção simbólica, dotado de regras próprias e

17

Ver RIOUX, Jean-Pierre. Introduction: Um domaine et um regard. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire culturelle. Paris [França]: Éditions du Seuil, p. 7-18, 1997 e COELHO, Teixeira. Política Cultural. In: _____________ (org.). Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: FAPESP; Iluminuras, p. 293-300, 1997. 18

URFALINO, Phillippe. L'invention de la politique culturelle. Paris [França]: Comité d'historie du

ministère de la Culture, 1996, p. 14 e 21. 19

MICELI, Sérgio. As tradições do mecenato europeu nos campos das artes cênicas, da música e de rádio-televisão. In: _______; GOUVEIA, Alice. Política Cultural Comparada. Rio de Janeiro: FUNARTE; FINEP; IDESP, p. 9-33, 1985.

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hierarquias definidas a partir de conflitos e tensões. Será trabalhada, portanto, a

ideia de que o meio teatral, esse diversificado grupo composto por atores,

dramaturgos, empresários, entidades e críticos, pode ser considerado como um

campo em processo de constituição, a partir da consolidação de certas práticas

entre seus agentes e, principalmente, de instâncias de produção de legitimidade a

determinados gêneros da dramaturgia e dos espetáculos.20

Partindo dessas premissas, pretende-se analisar a relação entre Estado e

teatro em termos de um diálogo e/ou negociação, problematizando a convocação

de intelectuais e artistas para atuar nestes órgãos e as estratégias dos grupos em

busca do amparo em confronto com a política oficial, atentando para os embates e

as contemporizações, e identificando os diversos interesses em questão.

Para tanto, foram utilizadas como fontes a documentação produzida pela

Comissão e pelo Serviço Nacional de Teatro, integrante do acervo do Centro de

Documentação da Fundação Nacional das Artes (CEDOC/FUNARTE), além de

outros documentos relacionados ao assunto encontrados no fundo do Gabinete

Civil da Presidência da República, pertencente ao Arquivo Nacional (ARQUIVO

NACIONAL/RJ), e no arquivo pessoal de Gustavo Capanema, localizado no

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da

Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).

As fontes são, dessa forma, constituídas por legislação, atas de reunião,

planos de organização de atividades, relatórios, editais e processos

administrativos. Entretanto, como uma das principais hipóteses desse estudo se

apoia na ideia de que o meio teatral desempenhou papel relevante nesse

processo, fator que marcou de forma decisiva o perfil da política elaborada,

avaliou-se a necessidade de recuperar com um pouco mais de profundidade a

dinâmica desse campo. Assim, foram analisados os meios de divulgação de duas

entidades de classe da época, o Boletim da SBAT (Sociedade Brasileira de 20

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 65 e 243 e Id. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe. In: A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. Trad. Sérgio Miceli, et. al. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 183-202. Para uma discussão sobre Bourdieu ver MICELI, Sérgio. Bourdieu e a renovação da sociologia contemporânea da cultura. Tempo Social, v. 15, n. 1, São Paulo, p. 63-79, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ts/v15n1/v15n1a04.pdf>. Acesso em: 6 jan. 2009.

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9

Autores Teatrais), publicação iniciada em 1924, e o Anuário da Casa dos Artistas,

que começou a ser editado em 1937. Por meio destes periódicos também se

tentou acompanhar uma parte da repercussão das medidas implementadas pelo

governo Vargas, para qual ainda serviu a leitura da coluna “Teatros”, do Jornal do

Brasil, pesquisada entre os anos de 1936 e 1945. E esses foram de extrema

importância para o trabalho, alguns até supriram as ausências da documentação

oficial.21

***

A análise proposta encontra-se dividida em cinco capítulos. O ponto de

partida será o setor teatral, e o primeiro capítulo examinará sua organização

durante primeiras décadas do século XX, contextualizando brevemente os

personagens, a produção dramatúrgica, o papel desempenhado pela crítica e a

constituição de associações e entidades de classe. Também será observado como

a intervenção dos poderes públicos na área era reivindicada por parte desses

grupos e a forma como se processava o relacionamento entre essas duas

instâncias antes da implantação de mecanismos administrativos voltados para o

tratamento do assunto.

O segundo capítulo se deterá sobre o início do processo de inclusão do

teatro entre as ações direcionadas para a esfera cultural empreendidas pelo

governo Vargas. Abordará, em primeiro lugar, a legislação e alguns órgãos

criados, com o objetivo de estabelecer um quadro comparativo entre as atividades

promovidas pelo Ministério da Educação e Saúde e por outros departamentos, e

21

Elegeu-se a coluna do Jornal do Brasil, por se conhecer um pouco mais sobre as atividades do principal crítico do jornal, Mário Nunes, que compilou suas críticas e artigos escritos nas décadas que antecedem o recorte dessa pesquisa, em quatro volumes, que foram publicados em 1956. Fundado em 1891, o Jornal do Brasil era um diário de grande circulação na época. A coluna “Teatros” não tinha tamanho fixo, variando de um terço a quase metade da página do jornal. No período estudado, Mário Nunes se alternava com dois outros críticos, Augusto Maurício e Arthur Imbassahy, mas a maior parte dos textos não era assinada. A coluna também abrangia referências e críticas sobre óperas, espetáculos de dança e mágicas. Sobre a história do Jornal do Brasil, ver FERREIRA, Marieta de Moraes; MONTALVÃO, Sérgio. Jornal do Brasil. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Disponível em: <http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 2 ago. 2010.

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10

ressaltar a especificidade das duas instituições criadas para cuidar das questões

referentes ao teatro. Focalizará, depois, a expectativa do meio teatral diante

dessas medidas, contemplando alguns planos e propostas de entidades de classe

e de artistas. E, por fim, tratará da primeira experiência concreta realizada a favor

do teatro: a subvenção do projeto Teatro-Escola, de 1934 a 1935.

No terceiro capítulo serão analisadas a criação e as iniciativas da Comissão

de Teatro Nacional, com destaque para a incorporação dos problemas do setor

teatral como objetos de seu estudo e para a participação de artistas e autores em

sua composição. Também será apontada a confluência entre algumas demandas

do meio teatral e as diretrizes culturais do Ministério de Capanema e do governo

Vargas, e assinaladas as estratégias dos artistas para alcançarem o amparo

oficial.

O quarto capítulo tratará da organização do Serviço Nacional de Teatro,

acompanhando suas atividades entre os anos de 1938 e 1945. Serão

evidenciados os principais eixos de atuação do órgão, a concretização de algumas

antigas reclamações do setor teatral e a permanência de muitos dos problemas

para os quais era esperada uma solução.

Por fim, o último capítulo se concentrará nas subvenções distribuídas pelo

SNT, atentando para disputa entre os diferentes projetos teatrais e as inúmeras

polêmicas que as concessões de auxílios geraram ao longo destes anos,

motivando artistas e entidades a proporem planos para a reorganização da ação

do governo em prol do teatro.

Espera-se, assim, conhecer algumas das tramas, aspectos e personagens

que marcaram uma tentativa de se encontrar uma solução para os problemas

enfrentados pelo teatro e por aqueles que a ele se dedicavam, examinando um

momento importante do relacionamento entre Estado e cultura no Brasil e de

emergência de questões que ainda tomam parte nos debates sobre tema.

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11

Capítulo 1

Os personagens, os problemas e as ideias

De acordo com a perspectiva de considerar os diversos agentes e

interesses em torno da construção de uma política para a cultura, será

privilegiado, nesse primeiro momento, o meio teatral.

Para tanto, este capítulo encontra-se dividido em quatro partes: na primeira

serão focalizadas as principais características da cena e da organização teatral, e

alguns personagens e projetos para o teatro em disputa na época. A segunda

tratará das instâncias de produção e de legitimação dos discursos sobre o teatro e

analisará as ideias difundidas entre alguns críticos e historiadores teatrais. Na

terceira, se mostrará que, apesar das divergências no campo simbólico, algumas

questões unificaram o setor em grupos e entidades que visavam alcançar

melhores condições de trabalho e que também traziam propostas para o

desenvolvimento do teatro nacional. E, na última, serão recuperados alguns

planos referentes ao amparo estatal que movimentaram o setor e os meios

políticos, inseridos historicamente na relação entre teatro e Estado no Brasil.

1.1 - Autores, atores e gêneros: a cena teatral brasileira nas primeiras

décadas do século XX

Apresentar o teatro que se fazia no Brasil nas primeiras décadas do século

XX, mesmo que de maneira panorâmica, esbarra no reconhecimento de um limite:

quando se trata do teatro “brasileiro”, quase sempre se refere à cena produzida na

cidade do Rio de Janeiro. No entanto, a intenção em manter o “brasileiro” tem a

finalidade de não perder de vista a circulação dos espetáculos, se não por todo

país, pelo menos em parte dele. Uma leitura dos Boletins da SBAT indica que as

companhias cariocas realizavam constantes excursões pelas capitais dos estados

e também por alguns municípios do interior.

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O Rio de Janeiro era o maior centro político e comercial do país. Essa

condição o colocava em frequente contato com povos, padrões culturais e

tecnologias vindas do exterior e definia o seu papel como o de uma metrópole-

modelo, que ditava as novas modas e comportamentos, e, acima de tudo, os

sistemas de valores e o próprio modo de vida para o restante do país.1

A então capital federal era o foco de irradiação de toda a atividade teatral.

Também eram aí que as companhias realizavam as representações mais bem

cuidadas, ficando as peças mais tempo em cartaz do que em qualquer outra

cidade.2

Desde as últimas décadas do século XIX a cena brasileira tinha um caráter

cosmopolita, advindo da constante visita de companhias estrangeiras dos mais

variados gêneros, e também de ópera e dança.3 Essas companhias, que se

tornaram objeto de predileção das elites, acabavam ocupando os poucos teatros

existentes na capital, o que levava os elencos brasileiros a excursionarem

frequentemente por outras cidades e estados. Outra consequência dessa

presença era o contato com o repertório europeu. Praticamente todas as peças

que faziam sucesso em Paris chegavam ao Brasil, quase todas ligadas à

dramaturgia convencional, ficando de fora as experiências de vanguarda

realizadas na época.4

Segundo João Roberto Faria, ocorria, nesse momento, uma divisão de

trabalho na qual os autores estrangeiros ficavam com a tarefa de fornecer a

dramaturgia séria, as peças consideradas bem feitas – que poderiam enfatizar

tanto os aspectos dramáticos como os cômicos –; e, aos brasileiros, a de

1 SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e rito do Rio. In: ____. (org.). História

da vida privada no Brasil, v. 3. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia

das Letras, 1998, p. 522. 2 PRADO, 2008, p. 19.

3 Em linhas gerais, os espetáculos dessas modalidades ficavam a cargo de companhias e artistas

estrangeiros. Como o foco deste trabalho é o teatro no sentido mais estrito do termo, a ópera e a dança não serão contempladas, embora essas estivessem sob a esfera de atuação da Comissão de Teatro Nacional e do Serviço Nacional do Teatro. Para um panorama dos espetáculos líricos e de dança no Brasil nessa época, ver SILVA, Lafayette. História do Teatro Brasileiro. Rio de

Janeiro: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1938, p. 429-473. 4 FARIA, João Roberto. Idéias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP,

2001, p. 179-185. Sobre as experiências de vanguarda ver BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. 4ª ed. Trad. Maria Paula V. Zurawski, et. al. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 451-539.

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continuar a tradição de uma dramaturgia mais popular e menos literária,

representada pelas comédias musicadas.5

Com o início da Primeira Guerra Mundial e o consequente afastamento de

artistas europeus, os palcos começaram a abrir um espaço maior para as

companhias e dramaturgia brasileiras, principiando-se uma tendência de

valorização dos temas nacionais, de certa forma ligada às grandes linhas cênicas

vigentes no século anterior, e que persistiu pelas décadas seguintes. De acordo

com Cláudia Braga, essa orientação pode ser observada nas peças dedicadas à

exaltação do país, no rechaço aos estrangeirismos utilizados no vocabulário e na

inclusão de temáticas ligadas ao confronto entre a tradição e os avanços trazidos

pela modernização industrial.6 A tônica nacionalista também esteve presente nos

debates sobre o teatro, aparecendo como uma exigência para uma série de

críticos, questão que merecerá maior atenção na segunda parte deste capítulo.

Essas propostas de nacionalização do teatro encontravam-se inseridas em

um processo mais amplo de tentativas de nacionalização da cultura que

caracterizou as décadas iniciais do século XX, e foram, por conta disso, bem

recebidas por diversos intelectuais. O fato pode ser exemplificado pelo comentário

de Amadeu Amaral sobre a estreia, em São Paulo, da peça Manhãs de sol, em

1922:

Temos enfim algumas companhias nossas, como esta que hoje ides aplaudir; temos artistas nossos, como essa admirável Abigail Maia e seus dignos companheiros; temos uma dúzia de autores nossos, como Oduvaldo Vianna (...), autores que tratam por uma maneira nossa os temas universais do teatro colhidos em nosso meio.

7

Os principais gêneros representados, como o drama, a revista e a comédia

de costumes, incluíram variados aspectos e temáticas brasileiras. Mas, além

5 FARIA, 2001, p. 186.

6 BRAGA, Cláudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na Primeira República. São Paulo:

Perspectiva; Belo Horizonte-MG: FAPEMIG; Brasília-DF: CNPq, 2003, p. 9. 7 AMARAL apud DE LUCA, Tânia Regina. Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São

Paulo: Fundação da Editora da UNESP, 1999, p. 261-262. Os grifos são nossos. Outros exemplos de peças com essa temática são Nossa Terra, de Abadie Faria Rosa (1917), Terra Natal, de Oduvaldo Vianna (1920), Nossa Gente, de Viriato Corrêa (1920) e Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro (1921).

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desses, outros tiveram espaço no cenário da época, como o melodrama, o teatro

simbolista e o teatro de engajamento anarco-sindicalista, destinado à veiculação

de um ideário social de libertação e distanciado dos grandes palcos.8

A base do mercado teatral vinculava-se, no entanto, à comédia9, gênero

subdividido em outros gêneros, subgêneros ou espécies10, como a baixa comédia,

a comédia de costumes, o vaudeville e outras variantes. Abrangia, ainda, a versão

musicada, com a revista, a opereta e a burleta.

A maior parte dos autores surgidos nesse momento consagrou-se no teatro

cômico, como Oduvaldo Vianna, Viriato Corrêa, Gastão Tojeiro, Armando

Gonzaga, Abadie Faria Rosa, Paulo de Magalhães, Joracy Camargo e Raimundo

Magalhães Júnior. A ausência de auxílios governamentais ou patrocínios fazia da

bilheteria a única fonte de renda de uma companhia, resultando no papel

preponderante do gosto do público na escolha dos repertórios. Assim, era comum

a adequação dos dramaturgos a determinado gênero, de acordo com as

exigências do mercado. Gastão Tojeiro, por exemplo, estreou como autor de

burletas e depois se consagrou com as comédias ligeiras ou de costumes,

caminho parecido ao percorrido por Abadie Faria Rosa. Oduvaldo Vianna

8 BRAGA, 2003, p. 9 e CAFEZEIRO, Edwaldo; GADELHA, Carmen. História do teatro brasileiro:

um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro: Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro: FUNARTE, 1996, p. 372-374. 9 BRANDÃO, Tania. A máquina de repetir e a fábrica de estrelas: Teatro dos Sete. Rio de Janeiro:

7Letras, 2002, p 13. Segundo dados recolhidos pelos Anuários Estatísticos do Brasil, em 1934, no Distrito Federal realizaram-se 66 representações de óperas e operetas, 122 de dramas, 1.478 de comédias e sainetes e 978 de revistas. Em 1937 foram 70 de óperas, 156 de operetas, 43 de dramas, 1.287 de comédias, 634 de burletas e sainetes e 1.316 de revistas. Ver BRASIL. Instituto Nacional de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil, ano III, 1937. Rio de Janeiro: Tipografia do Departamento de Estatística e Publicidade, 1937, p. 739 e BRASIL. Instituto Nacional de Estatística. Anuário Estatístico do Brasil, ano IV, 1938. Rio de Janeiro, 1938, p. 744. 10

A classificação das obras literárias em gêneros é tema de múltiplos estudos. São considerados gêneros: o lírico, o épico e o dramático. Contudo, o uso do termo para o que seriam suas subdivisões ou espécies é adotado amplamente pela historiografia sobre o assunto. Ver mais em STALLONI, Yves. Os gêneros literários. 2ª ed. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003. Para uma definição e história dos gêneros teatrais no Brasil ver GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela (orgs.). Dicionário do Teatro Brasileiro: temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva; Sesc São Paulo, 2006.

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escreveu operetas, vaudevilles, sainetes, comédias de costumes, além de traduzir

peças de Bernard Shaw.11

Outros, para além da dramaturgia preocupavam-se com o próprio “fazer

teatro”, atuando como críticos ou porta-vozes dos interesses de classe nas

entidades existentes, ao lado de atores e de outros profissionais. Abadie Faria

Rosa era crítico desde 1911, e trabalhou na Gazeta de Notícias, Diário Carioca e

Diário de Notícias. Raimundo Magalhães Júnior fez a crítica teatral dos doze

primeiros números da revista Cultura Política, entre 1941 e 1942. Também

acumularam a função de críticos Armando Gonzaga e Paulo de Magalhães. Todos

eles pertenciam à SBAT.

Certamente a composição de peças não representava a única fonte de

renda desses escritores. Mas, não se pode avançar muito nessa direção, pois não

existe estudo sobre a origem social desse grupo, sendo mesmo muito difícil

encontrar informações biográficas e até edições de suas obras. Porém, a

coexistência da atividade de dramaturgo com outras, além do jornalismo, no

funcionalismo público (como era o caso de Abadie e de Ernani Fornari) ou como

empresário de companhias, era muito comum. Voltando ao caso de Oduvaldo

Vianna, além da sua variada produção dramatúrgica, era jornalista, foi empresário

de algumas companhias teatrais, atuou como diretor de cinema e adaptou

romances para o rádio.12

Em relação aos autores que se dedicaram com maior êxito ao teatro cômico

musicado, como Carlos Bittencourt, Luiz Iglézias, Freire Júnior, Jardel Jércolis e

11

Listas das peças encenadas pelas companhias desse período podem ser encontradas nos Boletins da SBAT. Sobre Gastão Tojeiro ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 544-545. Sobre Alexandre Abadie Faria Rosa ver a coluna “Esboços biográficos de autores teatrais”, do Boletim da SBAT, n. 210, mar./abr. 1942, p. 15. Sobre Oduvaldo Vianna ver a Cronologia e Introdução a três de suas peças organizadas por Wagner Martins Madeira em VIANNA, Oduvaldo. Comédias. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. IX-XXXIV. 12

Abadie Faria Rosa, bacharel em Direito, foi oficial do gabinete do Ministério da Justiça e Negócios Interiores por quase dez anos. Ernani Fornari foi subdiretor da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, inspetor federal do Ensino Secundário, secretário de Departamento de Propaganda e Difusão Cultural e diretor-substituto da Divisão de Divulgação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 243 e 466. Para mais informações sobre as outras atividades desenvolvidas por alguns dramaturgos da época ver BARRETO FILHO, Mello. Onde o mundo se diverte... achegas históricas, anedotário, notas e efemérides, dados estatísticos. Rio de Janeiro: Edição da Casa dos Artistas, 1940, p. 137.

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Geysa Bôscoli, também se observa que estes diversificaram suas atividades

profissionais. Luiz Iglézias, por exemplo, compôs burletas, operetas, dramas,

dramas policiais, sainetes, comédias, e, chegou a ter sua própria companhia –

mesmo caso de Jércolis e Freire Júnior.

No período compreendido pelo recorte temporal dessa pesquisa, a SBAT

divulgou em seus boletins listas com os autores mais representados. Em 1939,

entre os chamados comediógrafos, Paulo de Magalhães ficou em primeiro lugar,

com 428 representações de peças de sua autoria; seguido de Raimundo

Magalhães Júnior, com 375; Joracy Camargo, com 313; Armando Gonzaga, com

302; Viriato Corrêa, com 197; vindo depois, José Wanderley, Ernani Fornari,

Renato Viana, Miguel Santos e Oduvaldo Vianna. Em 1941, os autores mais

representados foram Paulo de Magalhães, Gastão Barroso, Armando Gonzaga,

Joracy Camargo e Luiz Iglézias. Em 1944, os que mais receberam direitos

autorais foram Freire Júnior, Custódio Mesquita, Joracy Camargo, Haroldo Lobo,

Viriato Corrêa, Eurico Silva, Paulo de Magalhães, Gastão Tojeiro e Raimundo

Magalhães Júnior.13

Em termos de realização, as representações efetuadas em sessões eram

muito comuns, e ocorriam à noite todos os dias da semana. No domingo também

havia espetáculos à tarde. A frequência com que eram trocados os cartazes era

muito grande, o que dificultava a prática de ensaios e o próprio conhecimento do

texto. A capacidade de improvisação consistia, dessa forma, em uma

característica fundamental para os atores.14

13

Boletim da SBAT, n. 187, jan. 1940, p. 8 e n. 202, abr. 1941, p. 11 e OS AUTORES que mais receberam direitos em 1944. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 fev. 1945. Teatros, p. 9. Em 1941, a lista apontava também as comédias que tiveram mais de cem apresentações, muitas delas representadas desde a década de 1930, como O Hóspede do quarto n.2 e Maluco n. 4, de Armando Gonzaga, Suicídio por Amor, de Abadie Faria Rosa, Iaiá Boneca e Sinhá Moça Chorou..., de Ernani Fornari, O bobo do rei, Deus lhe pague, Maria Cachucha e Anastácio, de Joracy Camargo, Onde está a felicidade?, de Luiz Iglézias, Amor e Feitiço, de Oduvaldo Vianna, O interventor e Saudade, de Paulo de Magalhães, Divino Perfume e Deus, de Renato Viana, Carlota Joaquina, de Raimundo Magalhães Júnior, e Bombonzinho e Marquesa de Santos, de Viriato Corrêa. Segundo Tania Brandão, as cem representações eram comemoradas em grande estilo, pois eram fatos incomuns diante da troca constante de cartaz voltada para garantir o público. Ver BRANDÃO, 2002, p. 36. 14

PRADO, 2008, p.15.

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Os espetáculos eram realizados pelas companhias, forma básica de

organização do meio teatral, que chegaram ao Brasil no século XIX. Eram, em

geral, lideradas pelos primeiros atores, que acumulavam a função de empresários.

Outras ficavam sob o comando dos empresários-administradores.

Os elencos comportavam uma variedade de atores destinados a interpretar

um tipo definido de papel como um galã, uma ingênua, uma dama-galã, um centro

cômico, um centro dramático, etc. A orientação ficava a cargo de um ensaiador,

que traçava a mecânica cênica. Entre os ensaidores mais disputados nas

primeiras décadas do século XX estavam Eduardo Vieira e Olavo de Barros. Os

cenários eram confeccionados a partir de elementos do acervo das companhias,

ficando os cenotécnicos com o encargo de idealizá-los e realizá-los. Importante

também era o ponto, funcionário responsável por suprir as eventuais falhas de

memória do elenco, soprando as falas.15

A presença e importância dos primeiros atores que acumulavam a função

de empresários imprimiram uma marca na produção teatral da época, que Sábato

Magaldi chamou de “dramaturgia para atores”. Essa consistia na encomenda de

textos voltados para a projeção da personalidade de artistas consagrados, como

Leopoldo Fróes e Procópio Ferreira, que se tornaram ídolos.16

Essas convenções foram herdadas do século anterior e permitiram a

estruturação de um mercado teatral, apesar das precárias condições de trabalho.

Não existia descanso semanal, os atores não possuíam garantias de continuidade

de trabalho, os contratos eram, muitas vezes, tratados verbalmente, e as peças

eram montadas de acordo com a receptividade do público. De fato, só as grandes

estrelas conseguiam desfrutar de certo conforto material. A vida dos atores

coadjuvantes, os “característicos”, era, na realidade, muito difícil.17

Entre os nomes de maior sucesso estavam Jayme Costa, Procópio Ferreira,

Itália Fausta, Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Darcy Cazarré, Palmerim Silva,

Delorges Caminha, Iracema de Alencar, Olga Navarro, Oscarito, Alda Garrido,

15

Ibid., p. 14-16 e NUNES, Mário. 40 anos de Teatro, v. 4. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de

Teatro, 1956, p. 10. 16

MAGALDI, 2001, p. 191. 17

BRANDÃO, 2002, p. 36.

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Margarida Max, Ítala Ferreira, Nino Nello e Eva Todor. A maior parte deles, que

constitui apenas uma ínfima parcela daqueles atuantes nesse momento, estava

ligada ao teatro de comédia, incluindo sua versão musicada. Assim como em

relação aos dramaturgos, era comum aos artistas representarem diferentes

gêneros, embora estivessem sempre mais ligados a um determinado, e quase que

a uma fórmula específica de teatro.

A historiografia sobre o assunto revela, entretanto, que entre as décadas de

1920, 1930 e 1940 ocorreram algumas iniciativas que trouxeram propostas

distintas daquelas que vigoravam tradicionalmente.18 Essas compreendiam a

inserção de novos temas no âmbito dos espetáculos de comédia, tentativas de

realização de um teatro “sério” e experiências estéticas radicais, baseadas em

técnicas modernas. Segundo Tania Brandão, se essas últimas não podem ser

vistas como um percurso crescente em busca da renovação, devido ao seu

caráter descontínuo, pode-se considerar que houve a geração de uma ambiência

ou dinâmica cultural capaz de permitir o adensamento cada vez maior dos projetos

que passaram a surgir, e que se consolidariam nas décadas seguintes.19

Em relação à presença de novas ideias no interior do teatro tradicional,

destacam-se peças como Deus lhe pague (1932), de Joracy Camargo, que trouxe

para os palcos a questão social, citando, pela primeira vez, o nome de Karl Marx;

Sexo (1934), de Renato Viana, que, por sua vez, mencionou o de Freud; e Amor

(1933), de Oduvaldo Vianna, que apresentou a questão do divórcio, e também

18

Para uma discussão historiográfica sobre a questão do teatro moderno no Brasil ver MOSTAÇO, Edélcio. Moderno (Teatro). In: GUINSBURG; FARIA; LIMA (orgs.), p. 185-186. 19

BRANDÃO, 2009, p. 92-96. Os grifos são da autora. Algumas dessas experiências tiveram relação próxima com o movimento modernista como a de Flávio de Carvalho, vínculo também percebido nas peças de Oswald de Andrade escritas na década de 1930, e na atividade de crítica teatral de Alcântara Machado. Sobre o assunto ver PRADO, Décio de Almeida. O teatro e o modernismo. In: ____. Peças, pessoas e personagens: o teatro brasileiro de Procópio Ferreira a Cacilda Becker. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 15-39. Mas não foi somente o movimento modernista fator de influência sobre o teatro feito na época. No caso das peças mais tradicionais, Beti Rabetti, analisando algumas obras de Gastão Tojeiro e Armando Gonzaga, observa que estas dialogaram com as inovações tecnológicas do período, captando as sonoridades e ritmos do rádio, do cinema e da música popular, aspectos que foram ignorados pela historiografia do teatro. Ver RABETTI, Beti. As comédias ligeiras e a tradição da comédia de costumes no Brasil: velhos temas para novas melodias. In: Núcleo de Teatro Cômico da UNIRIO. Disponível em: <http://www.unirio.br/teatrocomico/textos/comedias_ligeiras.doc> Acesso em: 1 set. 2009.

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promoveu inovações de ordem técnica, com a simultaneidade das cenas a partir

da divisão do palco.20

Alguns desses textos entraram no repertório de artistas consagrados como

Jayme Costa, Procópio Ferreira e Dulcina de Moraes. A descoberta de novos

temas e, até mesmo o lançamento de novidades internacionais, como a

representação de autores como Pirandello e Feydeau, foi uma forma encontrada

pela classe teatral para atrair plateias e se manter comercialmente.21

Essa afirmação pode ser constatada em algumas iniciativas de Jayme

Costa. Em seu repertório figuravam, predominantemente, as comédias

tradicionais. Porém, o ator e empresário também foi o responsável por introduzir

Pirandello nos palcos brasileiros, e pela encenação de peças como Anna Christie,

de Eugene O’ Neill, e Andaime, de Paulo Torres, lançada como exemplar do

“teatro social e do teatro moderno”.22

Procópio trilhou caminho semelhante com a representação de Deus lhe

pague, peça para a qual escreveu o prefácio:

(...) é a grande obra cultural do teatro brasileiro. Marca o início da nossa arte cênica na sua verdadeira expressão: teatral, cultural e social. (...) O nosso teatro, até agora, acanhada representação de hábitos, usos e costumes, pilhérico e sem intenções além de distrair, se integra na sua alta missão educativa como fator principal de civilização.

23

Percebe-se, nesse trecho, a tensão entre o teatro que era produzido e a

“nova” proposta de Procópio. Ora, a “acanhada representação de hábitos, usos e

costumes” e as pilhérias também contribuíram para que o ator atingisse o primeiro

20

MAGALDI, 2001, p. 191-206. 21

BRANDÃO, 2009, p. 84-85. 22

MAGALDI, Sábato; VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875-1974). 2ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001, p. 128. Sobre outras tentativas realizadas por Jayme Costa, no sentido de atualizar seu repertório ver COSTA, Iná Camargo. A produção tardia do teatro moderno no Brasil. In: ____. Sinta o drama. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1998, p. 49. 23

MAGALDI; VARGAS, 2001, p. 129.

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posto da cena nacional na década de 1920, e continuariam a mantê-lo como ídolo

nos anos seguintes.24

Outros nomes realizaram tentativas de reação à cena vigente, como foram

os casos de Dulcina de Moraes, a partir do cuidado com a qualidade da produção

e da dramaturgia, provocada pelo conhecimento do teatro norte-americano; e de

Itália Fausta, atriz reconhecida por participar de algumas companhias e eventos

dedicados a um teatro mais “sério”, como as representações de peças clássicas

no Teatro da Natureza, ocorridas em 1916.25

Houve, também, iniciativas mais radicais, de acentuado caráter reformista,

como as de Renato Viana. Conhecedor do teatro de Stanislávski, Gordon Graig,

Max Reinhart, Meyherhold e Jacques Copeau, suas encenações apresentavam

preocupações com iluminação e com a própria mise-em-scène. A estreia como

dramaturgo deu-se em 1918, com o drama Voragem. Em 1922 fundou A Batalha

da Quimera, junto com Ronald de Carvalho e Heitor Villa-Lobos, que tinha a

finalidade de fazer o teatro de síntese, de aplicação da luz e do som como valores

dramáticos, salientando a importância dos silêncios, dos planos cênicos e da

direção. Dois anos depois, anunciou uma nova experiência, Colmeia, que reuniu

diretores com o objetivo de mudar o teatro por meio da disciplina e da orientação

24

Em sua autobiografia, Procópio relatou que a própria montagem da sua companhia em 1924, obedeceu a critérios “elevados”, mesmo contando com elementos saídos do teatro de revista: “Com a visão mais larga, estudando sempre, e com a ambição legítima de ser alguém e de mostrar ao Brasil que o seu teatro possuía elementos capazes de elevar o nível cultural da inteligência e da arte, dissolvidos, em sua maioria na contextura execrável das revistas sem finalidade, fundamentalmente medíocres e pornográficas, destruindo os valores e dessublimando a própria educação das plateias, procurei aí mesmo alguns daqueles que deveriam ser meus companheiros de luta para a realização de um ideal mais alevantado”. No entanto, numa citação da época, reconhecia que o que fazia era “mais profissão do que arte” Ver FERREIRA, Procópio. Procópio Ferreira apresenta Procópio: um depoimento para a história do teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 52 e 159. Os grifos são nossos. 25

DÓRIA, 1975, p. 42-44. Biografias de parte dos atores citados podem ser encontradas na Enciclopédia Itaú Cultural de Teatro. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/>, e também nos quatro volumes de NUNES, 1956. Sobre o Teatro da Natureza, ver METZLER, Marta. O teatro da natureza: história e idéias. São Paulo: Perspectiva, 2006.

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21

técnica do ator. Seguindo essas novas ideias, em 1927 formou a Caverna Mágica

e em 1932 fundou o Teatro de Arte.26

Nesse mesmo sentido constituíram-se outras experiências mais distantes

do teatro comercial. Uma delas foi a do Teatro de Brinquedo, voltada para a busca

de um teatro mais intelectualizado e satisfação do gosto da classe média e da elite

cultural do país. Idealizado por Álvaro e Eugênia Moreyra, em 1927, o Teatro de

Brinquedo foi concebido a partir dos ideais de Jacques Copeau, mas também

incorporava aspectos do teatro tradicional, pois contava com Luiz Peixoto no

elenco, profissional consagrado no teatro de revista.27

Outra foi a do Teatro da Experiência, elaborado por Flávio de Carvalho, cuja

estreia ocorreu no final de 1933, em São Paulo. A representação de Bailado do

Deus Morto, com os participantes usando máscaras de alumínio, vestindo

camisolas brancas e movendo-se num palco destituído de qualquer recurso

cenográfico e apenas iluminado por efeitos coloridos em flashes rápidos, sofreu,

no entanto, rápida repressão policial, que acabou com a iniciativa.28

Entre os gêneros mais populares também se empreenderam algumas

tentativas de transformação na qualidade dos espetáculos, preocupadas,

essencialmente, com a manutenção de seu sucesso comercial. Patrocínio Filho

(Zeca) e Jardel Jércolis, com a Companhia Tró-ló-ló, iniciaram, na década de

1920, um movimento de “elevação” do teatro de revista, procurando a satisfação

de um público de elite, e distanciando-se, portanto, do caráter popular que

caracterizava o gênero. Na década de 1940, o empresário Walter Pinto suplantou

a ingenuidade e a improvisação com a inclusão de coreografias precisas, cenários

26

GODINHO, Ivens. Renato Viana: Educador e Dramaturgo (Uma trajetória entre a Semana de 22 e Vestido de Noiva). 1998. Dissertação (mestrado em Teatro). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1998, p. 36. Ver também DÓRIA, 1975, p. 13-18 e MILARÉ, Sebastião. Batalha da Quimera. Rio de Janeiro: Funarte, 2009. Sobre as propostas de Stanislávski, Gordon Craig, Max Reinhart, Meyherhold e Jacques Copeau ver BERTHOLD, 2008, p. 451-539 e CARLSON, Marvin. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. Trad.

Gilson César C. de Souza. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 295-364. 27

DÓRIA, 1975, p. 27. Sobre a trajetória de Álvaro Moreyra ver ANTUNES, Amauri Araújo. O trapézio ficou balançando: o teatro de Álvaro Moreyra. 1999. Dissertação (mestrado em Letras).

Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 1999. 28

DÓRIA, 1975, p. 44-45. Um relato do próprio Flávio de Carvalho sobre a ação da censura pode ser encontrado em COSTA, Cristina. Censura em cena: teatro e censura no Brasil. São Paulo: Edusp; FAPESP; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p. 112-115.

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suntuosos e iluminação feérica. O repertório também sofreu modificações,

assumindo a forma do music-hall, modelo que impregnava os teatros de Paris e da

Broadway.29

Mas, as experiências de maior ressonância vieram no final da década de

1930 e início de 1940, com os conjuntos de amadores. Esses grupos trouxeram

novas ideias e propostas, modificando a organização de elencos a partir de uma

ruptura com a hierarquia das especializações até então norteada pelos atores-

empresários, e a própria concepção de montagem, com a inserção da figura do

diretor. Segundo grande parte da historiografia, coube a eles a responsabilidade

pela renovação da cena brasileira. Alguns eram formados por estudantes, como o

Teatro do Estudante do Brasil, criado em 1938 pelo diplomata Paschoal Carlos

Magno, e o Teatro Universitário, fundado por Jerusa Camões e Mário Brasini em

1939.30

Além dos estudantes, merece destaque o empreendimento organizado, em

1938, na Associação de Artistas Brasileiros, entidade conhecida por realizar

apresentações de Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Francisco Mignone, Tomás

Santa Rosa e Heitor Villa-Lobos. Sob a direção de Celso Kelly, houve um

concurso de teatro amador para peças de um ato, cujo prêmio era a sua

montagem. O êxito do experimento levou Kelly a criar um grupo teatral da

Associação, baseando-se nas ideias renovadoras de Jacques Copeau: Os

Comediantes. O grupo tinha como alvo um público de elite e incluía em seu

repertório peças de Pirandello, Molière e Alfred Musset. No entanto, o grande

29

VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. Campinas-SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1991, p. 43 e ANTUNES, Délson. Fora do sério: um panorama do teatro de revista no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2002, p. 51. 30

DÓRIA, 1975, p. 46-52. Para mais informações, ver também MAGNO, Paschoal Carlos. O Teatro do Estudante. Dionysos, n. 23. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura. DAC-FUNARTE. Serviço Nacional de Teatro, setembro de 1978, p. 3-11, CAMÕES, Jerusa. O Teatro Universitário. Dionysos, Rio de Janeiro, n. 23, 1978, p. 27-31 e FONTANA, Fabiana Siqueira. Teatro, cultura e Estado: Paschoal Carlos Magno e a fundação do Teatro do Estudante do Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009.

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marco da sua história foi a representação, em 1943, de Vestido de Noiva, peça de

Nelson Rodrigues, com a direção de Zigbniev Ziembinski.31

Com exceção de Flávio de Carvalho, que desistiu de suas investidas

teatrais, todos esses nomes, e muitos outros, aparecem com frequência nos

processos e nas listas de auxílios da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro.

Assim, para além do sucesso no mercado, assegurado para algumas companhias

mais conhecidas, todas buscaram o apoio governamental, o que acabou

transformando o Estado em uma instância importante para a manutenção do

teatro nacional.

O Estado passou, dessa forma, a se constituir como uma garantia para a

inconstância das temporadas, a falta de casas de espetáculos, as frequentes

criações e rápidas dissoluções das companhias teatrais. Dificuldades que foram

sentidas principalmente na década de 1920, agravadas com a crise de 1929 e

com o avanço do cinema, e que impunham aos artistas uma rotina de muitos

trabalhos, acarretando implicações na própria produção e qualidade dos

espetáculos, observadas no improviso das encenações e necessidade de

constantes excursões.

O cinema concorreu diretamente com o teatro desde o seu aparecimento,

oferecendo preços mais baratos e atrativos para o público. Sua expansão

provocou a transformação gradativa das casas de espetáculos, que deixavam de

abrigar teatros, para instalar os aparelhos necessários ao funcionamento dessa

recente forma de diversão pública, situação que causava prejuízos às companhias

teatrais. Segundo Barreto Filho, em 1935 o Rio de Janeiro contava com 10 teatros

e 83 cinemas. São Paulo, a segunda maior cidade brasileira na época, possuía,

em 1936, 8 teatros e 22 cinemas.32

Essa concorrência colocou artistas e intelectuais em um embate fervoroso.

Para o crítico paulista Antônio de Alcântara Machado, o cinema era um elemento

31

DÓRIA, 1975, p. 70-74. Além desses grupos, formados no Rio de Janeiro, merecem destaque as experiências paulistas realizadas na década de 1940 pelo Grupo de Teatro Experimental, dirigido artisticamente por Alfredo Mesquita, e pelo Grupo Universitário de Teatro dirigido por Décio de Almeida Prado. Ver MAGALDI; VARGAS, 2001, p. 175-178. 32

BARRETO FILHO, 1940, p. 164.

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positivo, pois influenciaria na aquisição de novas técnicas de expressão para o

teatro. Mário Nunes, que também fazia a crítica de cinema no Jornal do Brasil,

considerava que o teatro não tinha o que temer, desde que reformasse seu

repertório na busca pelo público “numeroso, brilhante e evoluído” do cinema.

Opinião parecida com a do dramaturgo e crítico Benjamin Lima, que acreditava

que o cinema poderia funcionar como uma “escola”, levando as pessoas à procura

de produções de mais elevado valor. Para Abadie Faria Rosa, a concorrência era

difícil, pois o cinema, além de trazer uma multiplicidade de ambientes que

agilizava a ação, exigia menor atenção do público do que o teatro. Renato Viana,

por fim, tinha uma postura mais pessimista, tachando o cinema como “escola de

licenciosidade”, ao qual cabia “a maior dose de responsabilidade na alucinação

alarmante que caracteriza a vida contemporânea.”33

No campo prático, Mário Nunes registrou que em 1927 a classe teatral

realizou reuniões para apresentar um protesto às autoridades contra a invasão

dos trustes cinematográficos estrangeiros. Nessa direção, foi nomeada uma

comissão para redigir os memoriais que seriam entregues ao presidente da

República, à Câmara dos Deputados e ao prefeito.34

Ao mesmo tempo, alguns atores e autores aproveitaram o espaço que lhes

foi concedido pela indústria cinematográfica. Vários deles atuaram em filmes,

como Abigail Maia, Iracema de Alencar, Dulcina de Moraes, Jayme Costa e

Procópio Ferreira. Algumas peças foram adaptadas como O bobo do rei (Joracy

Camargo) e Bombonzinho (Viriato Corrêa), em 1937; Anastácio (Joracy Camargo),

em 1939; O Simpático Jeremias (Gastão Tojeiro), em 1940. Mais do que isso, as

33

As opiniões aqui reproduzidas foram feitas em ocasiões particulares, não podendo ser tomadas como a ideia de cada autor sobre a relação entre cinema e teatro. De qualquer forma, servem para ilustrar o debate e a variedade de posições sobre o assunto. Sobre Alcântara Machado e Abadie Faria Rosa ver RIEGO, Christina Barros. Do futuro e da morte do teatro brasileiro: uma viagem pelas revistas literárias e culturais do período modernista (1922-1942). 2008. Dissertação (mestrado em Letras). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008, p. 136-144. Sobre Mário Nunes ver NUNES, 1956, v. 4, p. 43. Sobre Benjamin Lima ver LIMA, Benjamin. Tese. Comissão de Teatro Nacional, pasta 4 - Proposta/Parecer (1936/1937) (CEDOC/FUNARTE). 27 dez. 1937. E sobre Renato Viana ver GOMES, Tiago de Melo. “Como eles se divertem” (e se entendem): teatro de revista, cultura de massas e identidades sociais no Rio de Janeiro dos anos 1920. 2003. Tese (doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 2003, p. 40-41. 34

NUNES, 1956, v. 3, p. 75. Não se dispõe de mais informações que permitam conhecer os membros da comissão formada e nem se esta chegou a ser recebida pelas autoridades.

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fórmulas de maior sucesso na história mais antiga do cinema nacional foram

encontradas no teatro popular: no início do século com os filmes-revistas e, a

partir da década de 1930, com a comédia musical, tanto na modalidade

carnavalesca quanto nas outras que ficaram conhecidas como “chanchadas”.35

Ao longo da década de 1920, outro concorrente entrou na disputa: o rádio.

Inicialmente, a programação das emissoras era essencialmente musical. A

aproximação com o teatro ocorreu com as transmissões de concertos e óperas

realizadas no Teatro Municipal, em São Paulo. O radioteatro, ou seja, a

radiofonização de peças de teatro, apareceu ainda nessa década, tendo como

pioneiros Oduvaldo Vianna, Leopoldo Fróes, Olavo de Barros, Cordélia Ferreira e

César Ladeira. Nos anos de 1930 as adaptações de textos cederam espaço ao

surgimento de uma linguagem própria, que foi seguida do nascimento da

radionovela. Tal como o cinema, o rádio também ofereceu novos campos de

trabalho para atores e autores. Além disso, com sua gradual popularização, esse

meio conseguiu alcançar as mais diferentes regiões do país, tornando-se um

importante instrumento de divulgação do teatro brasileiro e universal.36

Diante desse breve panorama, pode-se observar que a primeira metade do

século XX caracterizou-se como um momento singular para o teatro brasileiro, no

qual a cena tradicional se defrontou com algumas tentativas de transformação,

resistindo aos obstáculos materiais e enfrentando a concorrência e a abertura de

frentes de trabalho nos novos meios de comunicação que se instalavam.

1.2 - Críticos e historiadores: os debates sobre o teatro

O teatro, desde a primeira metade do século XIX, tinha um significado

importante na vida cultural do Rio Janeiro. A relevância que os espetáculos

35

GALVÃO, Maria Rita; SOUZA, Carlos Roberto de. Cinema brasileiro: 1930-1964. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. Economia e cultura (1930-1964), v. 11. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 583 e 590 e GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 73. 36

RIEGO, 2008, p. 148-149 e 159 e SILVA, Flávio Luiz Porto e. Radioteatro. In: GUINSBURG; FARIA; LIMA (orgs.), 2006, p. 261-263.

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representavam para a sociedade carioca pode ser medida pelo espaço

relativamente grande que ocupavam nos periódicos.37

Espaço que se manteve durante as primeiras décadas do século XX, como

se constata na lista de críticos de jornais arrolados por Flora Süssekind, dos quais

se destacam: Oscar Guanabarino e Barbosa Rodrigues (Jornal do Comércio),

Oscar Pederneiras, Batista Coelho, Agenor de Carvoliva e Mário Nunes (Jornal do

Brasil), João do Rio e Abadie Faria Rosa (Gazeta de Notícias), Paulo de

Magalhães (A Pátria), Ernesto Rocha e Lafayette Silva (Correio da Manhã), Mário

Magalhães (A Noite), Mário Domingues (O Imparcial), Brasil Gerson (Diário da

Noite) Armando Gonzaga (A Noite), Bandeira Duarte (O Globo).38

Também havia alguns periódicos especializados: Comédia (1916-1919),

Palcos e Telas (1918-1921), Gazeta Teatral (1921-1928), Do Teatro (1926) e

Jornal dos Teatros (1938), e era grande o número de revistas que tratavam, dentro

de uma diversificada gama de assuntos, do tema teatral.

Além disso, data do final do século XIX e início do XX o primeiro esforço

historiográfico mais sistemático tendo por objeto o teatro, alicerçado pelos

trabalhos de Sílvio Romero, José Veríssimo, Henrique Marinho, Max Fleiuss,

Múcio da Paixão, Sílio Boccanera e Carlos Süssekind de Mendonça.

A quantidade de periódicos e a incipiente historiografia sobre o assunto

levam a refletir sobre o papel que desempenhavam enquanto instâncias de

produção (e reprodução) de alguns discursos e concepções de teatro, que

disputavam o monopólio das categorias de percepção e de apreciação legítimas

da cena teatral.

A principal síntese sobre as formas e questões da crítica teatral do final do

século XIX e início do XX pertence a Flora Süssekind. Segundo a autora, o

método da crítica orientava-se por alguns princípios como a atenção à reação do

público, a observação se a peça era “bem feita”, a avaliação dos atores e da

37

Segundo João Roberto Faria, a crítica teatral no Brasil nasceu com Justiniano José da Rocha, em 1836, no jornal O Cronista. FARIA, 2001, p. 25. Sobre o espaço dedicado ao teatro na imprensa no século XIX e XX ver SOUZA, 1960, v. 1, p. 57-69 e RIEGO, 2008. 38

SÜSSEKIND, Flora. Crítica a vapor: A crônica teatral brasileira da virada do século. In: ____. Papéis colados. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002, p. 61.

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eficiência dos cenários, e, por fim, a apreciação sobre a realização do espetáculo

por parte do empresário. Outros critérios básicos de avaliação fundamentavam-se

na preservação do decoro e na defesa de uma hierarquia entre os gêneros

dramáticos.39

A ideia de hierarquia não era exclusivamente brasileira, entretanto, acabou

assumindo uma dimensão especial em uma sociedade também fortemente

hierarquizada, estando presente nos principais debates intelectuais e artísticos

desde a segunda metade do século XIX. No topo dela ficava o teatro “sério”, que

era aquele baseado em um padrão artístico “superior”, pautado por qualidades

literárias eruditas e inspirado em modelos estrangeiros. Embaixo, ficava o teatro

“para rir”, também chamado de ligeiro. Havia, porém, no interior deste último, outra

distinção, que classificava a revista, a opereta e a burleta no patamar mais

inferior.40

A crítica e as histórias do teatro brasileiro escritas na época acabavam por

adotar essa hierarquização, o que acarretava uma visão negativa da dramaturgia

e cena brasileiras predominantes. E essa questão foi um dos elementos que

ajudou a constituir um discurso no qual o teatro brasileiro apresentava-se como

um problema e passava por um período de crise, decadência, tendo até sua morte

decretada ou proclamada sua inexistência.41

Carlos Süssekind de Mendonça, em sua História do Teatro Brasileiro,

detectou três tipos de explicações para a inexistência do teatro nacional: a

primeira afirmava que o teatro não existia porque a civilização brasileira ainda não

o comportava, concepção sustentada por Renato Viana. A segunda, defendida por

Machado de Assis e José Veríssimo, assegurava que o teatro brasileiro existiu,

39

Para a autora é possível definir o gênero como híbrido, um misto de crítica e crônica, pois ao mesmo tempo em que não se abandonavam os juízos e as avaliações amparadas na imparcialidade, optava-se, também, por um texto que se aproximasse do leitor. SÜSSEKIND, 2002, p. 62-73 40

Cabe notar, porém, que as ideias acerca do teatro “elevado” ou teatro “sério” eram passíveis de distintas nuanças, que merecem estudos mais detalhados. Ver sobre o assunto PEREIRA, 1998, PRADO, 2008 e BRAGA, 2003. 41

BOURDIEU, 1996, p. 108. A ideia da “crise do teatro” não circulava apenas no Brasil. Em 1939, Eduardo Vitorino escreveu um artigo elencando vários livros que abordavam o assunto, demonstrando que se tratava de uma preocupação “mundial”. Ver VITORINO, Eduardo. O problema do teatro no Brasil. In: Anuário da Casa dos Artistas, Rio de Janeiro, 1939, s.p.

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mas havia morrido com os últimos escritores românticos. E a terceira baseava-se

na ideia de que o teatro não existia porque o que existia – as comédias, farsas e

revistas – não era teatro, opinião compartilhada por vários dramaturgos, incluindo

alguns daqueles que se dedicavam a esses gêneros.42

Dessa última posição se aproximava o crítico Mário Nunes. Concebendo o

teatro em termos de uma distinção entre aquele feito para fins puramente

comerciais e o teatro enquanto “arte”, Mário Nunes fazia de sua coluna um

instrumento de defesa da ideia de um teatro mais “elevado” e de crítica aos

gêneros ligeiros, como pode ser observado em seu comentário sobre o teatro de

revista:

É a revista o gênero teatral por excelência, das classes populares, adrede fabricadas para encantar as almas simples, e da exploração da comicidade ao alcance de intelectos de cultura rudimentar. Serve-se, por isso, do linguajar da plebe, das expressões e frases que lhes são familiares, dos termos da gíria, e vive, mais, - aqui como em qualquer outro país - da faculdade que tenham os artistas de maior valimento e em voga no momento, de enxertar pilhérias, verdadeiros a-propósitos, que despertem hilaridade.

43

Mas, ao longo dos quatro volumes do seu 40 anos de Teatro e

acompanhando seus artigos na coluna “Teatros” do Jornal do Brasil, nota-se que

sua posição não era tão rígida. Nunes teceu enormes elogios ao empresário

Pascoal Segreto (especializado em companhias de revistas), por impulsionar a

cena brasileira, e a Jardel Jércolis, pela sua tentativa de “elevar” o nível desse

gênero. Em um artigo de 1944, chegou a criticar o parecer da Comissão Técnica

42

MENDONÇA, Carlos Süssekind de. História do teatro brasileiro, v. 1. Rio de Janeiro: Mendonça Machado e Cia., 1926, p. 39. O autor se posiciona contrário a todas essas variações do discurso da “inexistência”, concebendo o teatro feito no Brasil de forma positiva e adequado a nossa história recente. Exemplos de incorporação de algumas dessas ideias pelos próprios autores representantes desses gêneros serão vistos a partir da análise dos pareceres de Oduvaldo Vianna, Abadie Faria Rosa e Gastão Tojeiro nos três últimos capítulos desta dissertação. 43

NUNES, 1956, v. 2, p. 147. Em outro comentário, sobre a atriz Alda Garrido e as burletas que representava, Mário voltou a criticar o teatro mais popular: “Os intérpretes desse gênero têm maneira artística própria (...). É esse feitio inerente a tal espécie de teatro, como os passos de capoeiragem, as exclamações apoiadas em termos da gíria, a sintaxe estropiada, a prosódia estropiadíssima.” Ibid., p. 79.

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Consultiva, criada no âmbito do Serviço Nacional de Teatro, por excluir o gênero

opereta do amparo oficial:

Ocupasse a arte de representar entre nós um alto nível e estivesse a exigir sua cristalização nos domínios da perfeição, vá lá que houvesse de parte de uma entidade oficial ou assemelhada, esse desdém pelas formas ligeiras de teatro, mas diante do que existe e do que pretendemos nos domínios do palco, não há gênero que, como a comédia, mais merecesse o amparo do poder público do que a opereta.

44

Essas ambiguidades revelam os embates entre as concepções idealizadas

e aquilo que se apresentava na realidade. Em certas ocasiões, para defender o

teatro como um todo até a questão da hierarquia dos gêneros era deixada de lado.

Observa-se ainda que, no caso da cena teatral, a classificação dos gêneros

produzida pelo discurso predominante se invertia quando se tratava da relação

com o mercado, pois os gêneros “inferiores” eram, sem dúvida, os mais rentáveis.

Assim, nota-se que o desprezo por esses gêneros expressava certa

desconsideração pelo gosto mais popular das “almas simples”, como foram

chamadas por Mário Nunes.45

Entretanto, não foi apenas o teatro cômico e popular o único elemento

considerado responsável pela decadência. Os empresários que o promoviam e o

seu público também apareciam na lista dos culpados.

Para Nunes, a superação desse atraso se daria com o apoio fundamental

do governo. Nesse sentido, propôs, em inúmeros artigos, que os poderes públicos

amparassem o teatro por meio da concessão de prêmios, da aprovação de uma lei

que regulasse as profissões ligadas a ele e da criação de uma escola e de uma

companhia oficial. Em alguns momentos atacou até mesmo o problema que

estaria na raiz de toda a situação que afastava público e artistas de

empreendimentos de cunho intelectual mais “elevado”, o analfabetismo:

44

Sobre Pascoal Segreto ver NUNES, 1956, v. 1, p. 111 e 169. Sobre Jardel Jércolis ver Ibid., v. 2, p. 141 e v. 4, p. 37. Sobre o parecer da Comissão Técnica Consultiva, ver Id. Parecer patusco. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 mar. 1944. Teatros, p. 8. Os grifos são nossos. 45

Não existe trabalho sobre o público que frequentava cada tipo de espetáculo, fato que leva a observações demasiado generalizadas. Segundo Tiago Gomes, em seu estudo sobre o teatro de revista, a presença de lugares com distintos preços indica que este atingia variadas parcelas da sociedade e não apenas aquela com menor poder aquisitivo. Ver GOMES, 2003, p. 85.

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30

(...) o mal não é do governo, é do povo, e radica-se a problema muito mais extenso e profundo, e de lenta solução, o analfabetismo. Sem uma cultura mediana, formada de conhecimentos gerais, não há sensibilidade artístico-intelectual e, conseguintemente, inexiste pendor pelo teatro. Por isso, no Rio, como nas demais cidades populosas do país, não há público para a lata comédia, isto é para o verdadeiro teatro. Aflui ele às revistas, em que há reminiscências dos espetáculos de circo, ao alcance de todos os entendimentos; aplaude as peças “gênero Trianon” que o fazem rir, mas que não lhe dão que pensar.

46

O tema do atraso não ficou somente nas discussões de críticos e

historiadores, chegando a gerar alguma agitação no meio teatral, como indica um

movimento, organizado em 1926, designado como “Cruzada pelo bom teatro”.

Segundo Nunes, tal movimento teria promovido reuniões que contaram com a

participação de Coelho Neto, Abadie Faria Rosa, Carlos Bittencourt, Cláudio de

Souza, Augusto de Lima, Viriato Corrêa, entre outros.47 Essa questão também

atravessou as atividades de atores e autores, como demonstram os espetáculos

promovidos por Álvaro Moreyra, Renato Viana e alguns grupos amadores, sendo

perceptível, ainda que em menor intensidade, em algumas iniciativas de Dulcina

de Moraes.

Outra marca da atividade crítica foi a da defesa do nacional. Segundo Flora

Süssekind, tanto Mário Nunes como outros críticos, na falta de um projeto estético

definido, fizeram do nacionalismo obsessivo e pouco crítico, ao lado do elogio

personalista, as molas mestras da crônica teatral das décadas de 1910, 1920 e

1930.48 A questão nacional e o papel do teatro no desenvolvimento da brasilidade

foram vistos como cruciais para o progresso do país:

Mais do que nenhum outro país do globo, o Brasil precisa nacionalizar-se, torna-se uma nação com ideias e sentimentos próprios. (...) O elemento estrangeiro, em avultada proporção,

46

NUNES, 1956, v. 2, p. 101-102. Sobre os gêneros como empreendimentos econômicos e suas implicações para a produção artística ver BOURDIEU, 1996, p. 135. 47

NUNES, 1956, v. 3, p. 10. 48

SÜSSEKIND, 2002, p. 74.

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31

mesclando-se à população de um país indeciso ainda, acerca de sua personalidade, desnacionalizá-lo-á fatalmente.

49

Como foi tratado na primeira parte deste capítulo, a partir da Primeira

Guerra Mundial, com o afastamento das companhias estrangeiras, iniciou-se um

momento de valorização do teatro brasileiro e de ênfase aos temas nacionais.

Tendência que foi, em parte, impulsionada pela crítica.

O teatro não foi a única área tomada por esse debate. No período do

primeiro pós-guerra a construção da identidade nacional ganhou primazia e a

corrente nacionalista, voltada para a busca de nossas tradições, adquiriu grande

força. A questão nacional tornou-se um ponto de intensas discussões da elite

intelectual, que partiu a procura de seus fundamentos, características e

especificidades, assinalando uma nova etapa nas redescobertas do Brasil.50

A década de 1920 assistiu a permanência da discussão e dos projetos que

visavam contribuir para fundamentar a questão cultural e a política de uma nova

forma, alguns deles partindo de instituições que assumiram uma nova legitimidade

neste contexto, como a Igreja e o Exército. No campo artístico-cultural destacou-

se a movimentação em torno da Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, em

São Paulo, com vistas ao estabelecimento das bases de uma cultura

genuinamente nacional, mas compatível com as fórmulas das vanguardas

europeias.51

A partir da década seguinte, especialmente após a mudança de governo

promovida com o golpe de 1930, parte dos intelectuais passou sistematicamente a

direcionar a sua atuação para o âmbito do Estado, tendendo a identificá-lo como a

representação superior da ideia de nação. Houve, dessa forma, uma “politização”

49

NUNES, 1956, v. 1, p. 171. 50

DE LUCA, 1999, p. 33. Sobre o teor das discussões e propostas ver, além da obra citada, PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Trad. Maria Júlia

Goldwasser. São Paulo: Editora Ática, 1990. 51

PÉCAUT, 1990, p. 22-33.

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32

das questões culturais e o tema da modernização ficou integralmente subsumido

ao da construção de um projeto nacional.52

Retornando ao domínio específico do teatro, além da luta por um repertório

mais “elevado”, nitidamente brasileiro, a questão da modernização também se

apresentou como elemento na pauta das reivindicações de alguns intelectuais que

atuavam na área da crítica teatral. Modernização que deve ser compreendida

como atualização dos procedimentos cênicos, técnicos e artísticos de acordo com

modelos estrangeiros.

Esse ponto se evidencia com maior clareza ao se observar as críticas do

escritor modernista Antônio de Alcântara Machado. A princípio, Machado partia do

mesmo pressuposto de Mário Nunes, atacando a situação do teatro brasileiro, que

se caracterizava por seu anacronismo. Para ele, o teatro existente se orientava de

acordo com os velhos modelos trazidos pelas companhias europeias, e não

conseguia abarcar, em seu conteúdo, temas nacionais: “A cena nacional não

conhece o cangaceiro, o imigrante, o grileiro, o político, o ítalo-paulista, o

capadócio, o curandeiro, o industrial”.53 A valorização do nacional não excluía,

entretanto, a inspiração dos modelos estrangeiros. Pelo contrário, alguns, como os

propostos por Bernard Shaw, Pirandello ou Gordon Graig, eram vistos de maneira

positiva e necessários para a modernização da cena brasileira.

Mas, em um segundo momento de sua atividade crítica, Alcântara Machado

promoveu uma mudança em suas proposições. A importância atribuída à ideia de

construção de um teatro autenticamente brasileiro levou-o a considerar como

solução mais imediata, a “salvação pelo popular”:

Brasileirismo só existe na revista e na burleta. Essas refletem qualquer coisa nossa. Nelas é que a gente vai encontrar, deformado e acanalhado embora, um pouco do que somos. O espírito do nosso povo tem nelas o seu espelhinho de turco, ordinário e barato.

54

52

VELLOSO, 1987, p. 3 e 44. LAHUERTA, Milton. Os intelectuais e os anos 20: moderno, modernista, modernização. In: DE LORENZO, Helena Carvalho; COSTA, Wilma Peres da. (orgs.). A década de 1920 e as origens do país moderno. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997,

p. 97. 53

MACHADO apud PRADO, 1993, p. 21-24. 54

Ibid., p. 22. Ver mais em LARA, Cecília de. De Pirandello a Piolim: Alcântara Machado e o teatro

no modernismo. Rio de Janeiro: INACEN, 1987, p. 13.

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33

Em um parecer pedido pelo governo de Getúlio Vargas sobre um memorial

enviado pela Casa dos Artistas, Machado voltou a defender a ideia de que o teatro

existente era aquele compatível com a condição de povo em formação. Criticava,

desse modo, a concepção de teatro “elevado” expressa no plano, que somente

existiria em um país que contasse com “muitos séculos de civilização e cultura.”55

Percebe-se, aqui, uma postura diferenciada, de valorização do teatro mais

popular, considerado como instrumento representativo da nacionalidade, distante,

portanto, das idealizações da maior parte dos críticos e intelectuais.

Em meio a distintos discursos produzidos, muitas vezes ambíguos ou

contraditórios, nota-se a presença de algumas questões centrais: a hierarquização

dos gêneros, a ideia de decadência do teatro brasileiro, a busca pelo nacional e,

em menor medida, pela modernização. Dentro desse intrincado quadro moveram-

se os dramaturgos e atores, construindo suas obras e carreiras em uma relação

mediada com o sentido público delas.56 E esses mesmos pontos acabariam por

figurar nas discussões e ações da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro,

órgãos que expressavam um interesse na realização do ideal de um teatro de

“arte”, mas que acabaram por se preocupar, também, com a produção comercial

existente.

1.3 - As organizações: a unificação da classe teatral por melhores condições

de trabalho

Além dos problemas ligados aos aspectos artísticos detectados pela crítica

e compartilhados por grande parcela do setor, havia outros de natureza mais

premente, relacionados à sobrevivência daqueles que se dedicavam ao teatro.

Assim, apesar das disputas no terreno simbólico, no plano prático, certas questões

55

MACHADO, Antônio de Alcântara. Parecer sobre o Memorial elaborado pela Casa dos Artistas. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 21 mar. 1931. 56

BOURDIEU, Pierre. Campo intelectual e projeto criador. In: POUILLON, Jean; BARBUT, Marc, et. alli. Problemas do Estruturalismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968, p.125.

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acabaram por unificar o meio. Unificação que não foi feita sem tensões,

evidentemente, como se tentará esboçar.

Como outras categorias, os profissionais teatrais também se organizaram

em entidades visando à busca de mecanismos de proteção, ou mesmo com

finalidades mais amplas de luta. Desse modo, não se pode perder de vista a

inserção dessas entidades no contexto maior de organização da classe

trabalhadora, que se articulava em associações e sindicatos, utilizando diversas

estratégias a fim de garantir objetivos como melhores salários, jornadas de

trabalho diárias de oito horas, direito a férias, proibição do trabalho infantil, entre

outros.

Referindo-se ao Rio de Janeiro nos quatros volumes do seu 40 anos de

teatro, Mário Nunes cita dezenove entidades. Mesmo considerando aquelas que

existiram apenas nas formulações de seus idealizadores, trata-se de número bem

significativo. Eram elas a Federação das Classes Teatrais, a Academia Dramática

Brasileira, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), a Casa dos Artistas,

o Centro Artístico Teatral do Brasil, a Caixa Beneficente Teatral, a Associação de

Autores Dramáticos Brasileiros, o Centro dos Atores do Brasil, o Beneficente dos

Porteiros Teatrais, a União das Coristas, a União dos Carpinteiros Teatrais, a

Sociedade Brasileira dos Empresários Teatrais, a União dos Contrarregras, o

Grêmio dos Artistas Teatrais do Brasil, a União dos Pontos Profissionais, a

Associação de Críticos Teatrais, a União dos Eletricistas Teatrais, a Associação

Mantenedora do Teatro Nacional e a Academia Brasileira de Teatro.57

A administração e a plataforma dessas organizações são desconhecidas.

No entanto, a partir de dados colhidos na compilação de Nunes, é possível

reconstituir a história de algumas delas, incluindo duas que tiveram um papel

relevante antes e durante a implementação de uma política para o teatro: a Casa

dos Artistas e a SBAT. Além dessas, outros organismos mostraram-se atuantes,

como a Associação Mantenedora do Teatro Nacional, a Associação Brasileira de

Críticos Teatrais e o Sindicato dos Trabalhadores de Teatro de São Paulo, sobre

os quais se dispõe de menos informações.

57

NUNES, 1956, 4 v.

Page 46: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

35

Provavelmente, a maior parte dessas entidades se constituía como

sociedade de auxílios mútuos, como indicam algumas das denominações.

Surgidas durante o Império, essas sociedades seguiam o modelo europeu de

organização, cabendo ao trabalhador o pagamento de uma cota para se associar.

A partir dessa contribuição, elas se responsabilizavam pelo fornecimento de

seguro contra doenças, acidentes de trabalho ou desemprego, pensões de

aposentadoria e, em caso de falecimento do associado, por uma ajuda pecuniária

às famílias.58

Esse tipo de organização continuou existindo mesmo depois de principiado

o processo de criação dos sindicatos, que tinham como finalidade a luta por

melhores salários e condições de trabalho mais dignas. Algumas delas até

incorporaram funções eminentemente sindicais.59

No início do século XX, uma das primeiras propostas de constituição de

uma entidade de classe partiu do ator Leopoldo Fróes, que idealizou uma

organização destinada a prestar assistência aos artistas inválidos e ampará-los na

velhice, nos moldes daquelas existentes durante o século XIX, e inspirada na

Maison de Repos des Artistes Français, de Paris.60

Fundada oficialmente em 24 de agosto de 1918, a Casa dos Artistas tinha

como objetivo expresso o assistencialismo. Em torno dela uniram-se artistas,

empresários, autores e poderes públicos, que contribuíram com donativos e

isenções para sua organização efetiva e construção de uma sede, inaugurada no

ano seguinte. Segundo Nunes, em 1922, a Casa já contava com 1.200

associados, prestando serviços de assistência médica, jurídica, odontológica e

farmacêutica.61

58

BATALHA, Cláudio H. M. Sociedade de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XX: algumas reflexões em torno da formação da classe operária. Cadernos AEL, v. 6, n. 10/11. Campinas: 1999, p. 41-68. 59

Ibid., p. 46-47. 60

NUNES, 1956, v. 1, p. 60. A primeira comissão destinada a estudar a criação da Casa dos Artistas foi formada por Fróes, Lindolfo Marques de Sousa, Eduardo Leite e Antero Vieira. Nessa ocasião, ainda foi montada uma comissão de imprensa composta por Francisco Souto, Gastão Tojeiro e Mário Magalhães. 61

Ibid., v. 2, p. 51.

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36

Em 1926, os estatutos aprovados incluíram itens relacionados à defesa dos

associados. A Casa dos Artistas passou, dessa forma, a se interessar por sua

colocação no mercado artístico, incentivando a prática dos contratos, zelando pela

boa execução destes, e apresentando-se como árbitro, sempre que julgasse

conveniente ou fosse solicitada, nas querelas entre as partes. Os estatutos

também definiam algumas atribuições educativas da instituição, tais como a de

organizar um museu e manter uma biblioteca; de edificar ou adquirir um teatro,

que alugaria ou arrendaria sob a condição de se representarem peças educativas

e de cunho nacional; e de promover conferências, editar biografias e estudos

sobre teatro e sobre artistas brasileiros.62

Atendendo às exigências do governo recentemente instalado, em 1931 uma

assembleia autorizou a diretoria a promover, perante o Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio e de acordo com o decreto n. 19.770, a sindicalização da

entidade. Reconhecida como Sindicato dos Profissionais do Teatro, Cinema,

Rádio, Circo e Variedades em 27 de julho, a Casa dos Artistas recebeu neste

mesmo ano a visita do presidente Getúlio Vargas, acompanhado do interventor do

Distrito Federal, Pedro Ernesto.

Em 1940, a assembleia-geral realizada em de 28 de outubro, aprovou as

novas diretrizes da instituição, deliberando pela alteração de seu nome, que

passou para Sindicato dos Atores Teatrais, Cenógrafos e Cenotécnicos - Casa

dos Artistas. Como consequências ocorreram a exclusão dos sócios não ligados

às atividades teatrais, e dos que acumulavam a função de empresários, como

Procópio e Jayme Costa, bem como a autorização de sua inclusão na Federação

dos Trabalhadores em Empresas de Difusão Cultural e Artística.63

62

Ibid., v. 3, p. 31. No Anuário da Casa dos Artistas de 1937 apareciam como benefícios dos associados: assistência médica, dentária e jurídica; fornecimento de medicamentos; acolhimento em Casa de Saúde, Sanatório ou Hospital; internamento por invalidez no Retiro dos Artistas; auxílio-transporte em casos especiais; cota de funeral; repouso de 30 dias no Retiro; e o encaminhamento, no Ministério do Trabalho, de qualquer processo profissional do associado. A entrada estava fixada em 20$000 e as mensalidades em 5$000. Poderiam se associar artistas, e quaisquer profissionais ligados ao teatro, cinema, rádio, circo ou pavilhão e variedades (mágicos, ventríloquos, diretor de cabarés, etc). Ver os detalhes em Anuário da Casa dos Artistas, Rio de Janeiro, 1937, s.p. 63

ATA da Assembleia-Geral Extraordinária. Anuário da Casa dos Artistas, Rio de Janeiro, 1940, s.p.

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37

Reunindo grande parte dos profissionais do teatro da época, de sua

diretoria e comissões administrativas participaram atores, autores e críticos como

Procópio Ferreira, que foi presidente em mais de uma ocasião, Mário Nunes,

Olavo de Barros, Jayme Costa, Itália Fausta, Luiz Iglézias, Paulo de Magalhães,

Alda Garrido, Margarida Max, Manoel Pêra, Antônio Sampaio, e outros.

Com características diferentes da Casa dos Artistas, mas também de

grande importância no meio teatral, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais foi

criada em um momento em que a atividade intelectual sofria as consequências da

Primeira Guerra. A mais importante delas, a da nova definição do papel dos

escritores como agentes no mercado econômico e vendedores de um valor

específico, foi a responsável direta pelo estabelecimento das primeiras sociedades

profissionais para a defesa de seus interesses. Além da SBAT, a Sociedade

Brasileira dos Homens de Letras e a Sociedade de Autores, tornaram-se as

principais organizações que tinham como foco a luta pela proteção do Estado a

partir da regulamentação dos direitos de autoria.64

A defesa dos direitos autorais era objeto de reivindicações desde, pelo

menos, meados do século XIX. Mas, somente no período republicano foi

promulgado o primeiro ato nessa direção, a chamada “Lei Medeiros e

Albuquerque”, de 1898. Essa lei garantia aos autores a faculdade exclusiva de

autorizar a reprodução de suas obras por um prazo de cinquenta anos, e de

permitir a tradução, representação e execução por um prazo de dez anos.65

Em janeiro de 1916, um grupo de autores de teatro reuniu-se no Rio de

Janeiro para tratar da questão dos direitos autorais, mas as discussões não foram

adiante. Entre os presentes estiveram Bastos Tigre, Luís Peixoto, Viriato Corrêa e

Gastão Tojeiro. No ano seguinte, vários deles participaram da criação da

Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, ocorrida no dia 27 de setembro. Na

64

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 4ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999, p. 101-102. Uma das primeiras iniciativas visando proteger os direitos autorais teve origem na França, no final do século XVIII, com a Société des auteurs dramatiques, idealizada por Beaumarchais em decorrência dos conflitos entre autores

e artistas. Ver BERTHOLD, 2008, p. 352. 65 BRASIL. Lei n. 496, de 1 de agosto de 1898. Define e garante os direitos autorais. In: Sistema de

Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=60815. Acesso em: 2 ago. 2009.

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ocasião, Raul Pederneiras expôs a situação precária em que se encontravam os

autores teatrais, assinalando a necessidade de uma agremiação que defendesse

e amparasse a classe. A diretoria provisória ficou a cargo de Oscar Guanabarino,

Gastão Tojeiro, Viriato Corrêa, Euricles Matos e Francisca Gonzaga. Também

participaram da fundação da SBAT, Fábio Aarão Reis, Oduvaldo Vianna, Bastos

Tigre e Alvarenga Fonseca.

De imediato, a instalação da SBAT provocou a reação de empresários. Em

carta aos jornais, datada de 3 de outubro de 1917, Pascoal Segreto mostrou as

suas dificuldades como empresário em sustentar uma companhia teatral, advindas

não da sua ganância, mas sim, da indiferença do público, que não ia ao teatro,

como provava o funcionamento de apenas seis casas no Rio de Janeiro da

época.66

Nos encontros seguintes juntaram-se à SBAT Medeiros e Albuquerque,

Coelho Neto, Paulo Barreto (João do Rio), Serra Pinto, Carlos Cavaco e outros. A

entidade também conseguiu aprovar uma tabela de direitos autorais e foram

constituídas quatro comissões, que revelavam um projeto abrangente de atuação.

A primeira delas tinha como fim a redação dos estatutos, a segunda ficava

encarregada das relações exteriores, a terceira foi organizada para solicitar ao

prefeito a abolição do imposto sobre espetáculos com peças nacionais e medidas

para a fiscalização das companhias teatrais, e a quarta visava obter do deputado

Nicanor Nascimento67 a apresentação de um projeto de Código Teatral.

A tabela aprovada fixou o direito autoral em 10% sobre a receita bruta nos

quatro primeiros dias de espetáculos e 5% nos subsequentes, no caso de peças

sem música. Nas musicadas, os valores seriam de 12% e 6%, respectivamente.

No ano seguinte, uma nova tabela foi aprovada, atendendo, pelo menos em parte,

às reclamações dos empresários, a partir da determinação de quantias fixas, que

66

NUNES, 1956, v. 1, p. 86 e 113-115. 67

Nicanor Nascimento destacou-se na defesa dos direitos dos trabalhadores nas décadas iniciais do século XX. Junto com Maurício de Lacerda defendeu, no Congresso Nacional, as lideranças anarquistas após a greve de 1917. Como advogado atuou, com Evaristo de Moraes e outros, na causa dos operários e militantes anarquistas depois da revolta de 1918. Em 1921, com Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta tentou formar o Partido Socialista Brasileiro. Ver mais em GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 108, 125 e 139.

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variavam de acordo com os tipos de espetáculos, divididos entre os musicados, os

de declamação, e aqueles realizados em sessões.68

O descontentamento de empresários e alguns escritores contra a SBAT

tomou a forma de uma nova organização formada em 1918, a Associação dos

Autores Dramáticos Brasileiros, cuja finalidade era conciliar os interesses dos

autores com os dos empresários. Participaram de sua criação Gomes Cardim,

Cristiano de Sousa, Leopoldo Fróes, Otávio Rangel, Luís Palmerim e Gastão

Tojeiro. A Associação, no entanto, teve vida curta, deixando de existir um ano

depois, com o retorno de alguns dissidentes para a SBAT.69

Em 1920, a SBAT foi reconhecida como instituição de utilidade pública pelo

decreto n. 4.092, que também facultou à entidade a representação de seus sócios

perante a polícia, o juízo civil e criminal e as empresas teatrais para o tratamento

de questões relacionadas com a propriedade literária e artística.70

A partir de 1924, a SBAT passou a contar com uma assistência jurídica

formada por vários advogados, dentre eles Evaristo de Moraes, criminalista

destacado por sua vinculação às questões políticas e sociais da época.71 Também

neste ano a entidade promoveu uma reunião preparatória para a fundação de uma

Federação Artística, cujo fim era dotar de poder as associações de classe no que

dizia respeito ao descanso semanal, salários, conflitos entre empregados e

patrões e bem-estar dos sócios e das suas famílias, na qual estiveram presentes

68

NUNES, 1956, v. 1, p. 115-117 e 143. No período compreendido na compilação realizada por Mário Nunes, a tabela da SBAT sofreu mudanças em 1924 e em 1928. Ver Ibid., v. 2, p. 116 e v. 3, p. 140. 69

Ibid., v. 1, p. 145 e 183. 70

BRASIL. Decreto n. 4.092, de 4 de agosto de 1920. Fica reconhecida como de utilidade pública a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, com sede no Rio de Janeiro. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=50812. Acesso em: 2 ago. 2009. 71

Dentre as mais significativas atuações de Evaristo de Moraes destaca-se o envolvimento na defesa de Edgard Leuenroth, punido por sua liderança na Greve Geral de 1917. Moraes também esteve à frente de diversos partidos operários e socialistas da Primeira República. Em 1931, passou a integrar o recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, sob a direção de Lindolfo Collor, quando foi elaborada a Lei de Sindicalização e as bases da legislação trabalhista do governo Vargas. Ver mais em GOMES, 1994, p. 57, 108-109, 115 e 139.

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membros da Casa dos Artistas, da União dos Carpinteiros Teatrais e dos

Eletricistas Teatrais.72

No ano seguinte, a SBAT organizou o Primeiro Congresso Artístico Teatral

no qual foram discutidas diversas questões e propostas que visavam conquistar

uma legislação específica para o teatro, e que dariam origem ao projeto de lei

promulgado em 1928, do qual se falará no próximo tópico.73

Em 1926, a Sociedade já contava com agências ou representantes em

todos os estados e em países como Argentina, Uruguai, Itália, França, Portugal e

Espanha. No ano seguinte começou a publicar peças, sendo a primeira, Sangue

Gaúcho, de Abadie Faria Rosa. Em 1930 foi criada uma sucursal em São Paulo.74

Inúmeros dramaturgos tomaram parte na diretoria da SBAT. Além dos

nomes citados acima, merecem destaque os de Abadie Faria Rosa, presidente em

quatro ocasiões, Carlos Bittencourt, Armando Gonzaga e Freire Júnior.

Os críticos teatrais também se organizaram em associações. A primeira

experiência foi a da Associação de Críticos Teatrais, formada em 1930, que reuniu

nomes como Mário Nunes, Abadie Faria Rosa, Lafayette Silva e Paulo de

Magalhães, mas que não foi adiante. Em 1937, outra associação de críticos

apareceu, idealizada por Alberto de Queirós e Bandeira Duarte: a Associação

Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT), que contou, ainda, com a participação de

Mário Nunes, Aldo Cavet, Lopes Gonçalves, Paschoal Carlos Magno e Augusto

Maurício. Seus objetivos eram pleitear leis e sugerir medidas destinadas ao

progresso do teatro brasileiro. Em 1944, junto com a Casa dos Artistas e a SBAT,

a Associação formou a Comissão Permanente de Teatro, presidida por Mário

72

Provavelmente essa ideia não seguiu adiante, pois não foram encontradas mais referências sobre ela na obra de Mário Nunes. Ver NUNES, 1956, v. 2, p. 116. Em 1924, a SBAT tinha 172 sócios efetivos no Rio de Janeiro e 22 nos demais estados. Em 1936 eram 250 sócios efetivos e 800 sócios filiados. Ver NUNES, 1956, v. 2, p. 116 e Informações sobre o teatro brasileiro. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta III (CPDOC/FGV). [1936]. 73

Para uma análise sobre esse congresso ver BARROS, Orlando de. Custódio Mesquita: um compositor romântico no tempo de Vargas (1930-45). Rio de Janeiro: FUNARTE, EdUERJ, 2001, p. 51-60. 74

NUNES, 1956, v. 3, p. 27 e 132.

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41

Nunes, tendo como finalidade o exame de sugestões pertinentes ao teatro e seu

encaminhamento para entidades particulares ou estatais.75

Em 14 de setembro de 1933 foi instalado o Sindicato dos Artistas Teatrais

de São Paulo, presidido por Sebastião Arruda. No ano seguinte, em 18 de

dezembro, foi criada (ou talvez recriada) outra entidade, o Sindicato dos

Trabalhadores de Teatro de São Paulo, também chamado de Sindicato dos Atores

Teatrais, Cenógrafos e Cenotécnicos do Estado de São Paulo, reconhecido pelo

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 25 de fevereiro de 1942, e que

em 1940 contava com 1.388 associados.76

Além da reunião em organizações, alguns críticos e artistas tentaram,

isoladamente, lutar por melhores condições de “fazer teatro”, chamando a atenção

dos poderes públicos para a causa. Um deles foi Procópio Ferreira que, em 1930,

reuniu em sua residência vários críticos para expor a ideia de conseguir da

prefeitura do Rio de Janeiro um terreno para a construção da Casa do Teatro

Brasileiro. Sua proposta era formar uma companhia que manteria um contrato de

vinte anos com a prefeitura, comprometendo-se a montar somente originais

brasileiros e a iniciar, anualmente, quatro novos artistas, tendo preferência por

alunos da Escola Dramática Municipal. O projeto do edifício visava, ainda, abrigar

as sedes da Casa dos Artistas, SBAT, Associação Brasileira de Imprensa e Escola

Dramática.77

Percebe-se, portanto, que foram intensas a movimentação e organização

de artistas, autores, críticos e outros profissionais batalhando pela melhoria de

75

Ibid., v. 2, p. 165-166, Ibid., v. 3, p. 164, SOUZA, 1960, v. 1, p. 266, MEDEIROS, Christine Junqueira L. de. Yan Michalski e a consolidação da crítica moderna carioca no início dos anos 60: a trajetória crítica no teatro brasileiro. 2002. Dissertação (Mestrado em Teatro). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2002, p. 84-85, COMISSÃO Permanente de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 ago. 1944. Teatros, p. 10 e ESTUDO de Assuntos de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 ago. 1944. Teatros, p. 9. 76

As poucas informações sobre a organização dos trabalhadores teatrais de São Paulo e o conflito entre as duas datas de criação encontradas durante as pesquisas levou a considerar como duas organizações, mas é possível que se trate apenas de uma. Em 1936, o cargo de presidente de um destes sindicatos foi ocupado por Procópio Ferreira. Ver MAGALDI; VARGAS, 2001, p. 136 e Processo n. 14.484/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 77

NUNES, 1956, v. 2, p. 163 e v. 3, p. 111 e 164-165 e FERREIRA, 2000, p. 156-158. Dessa reunião participaram Lafayette Silva, Mário Nunes, Paulo de Magalhães, Heitor Moniz, Alvarenga Fonseca, entre outros. Depois da discussão do projeto, uma comissão foi recebida pelo prefeito do Distrito Federal, que prometeu apoio à causa, porém nada foi realizado.

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suas condições de trabalho e pelo próprio desenvolvimento do teatro no Brasil.

Essas organizações contaram, algumas vezes, com a participação de figuras

importantes da luta dos trabalhadores como Nicanor Nascimento ou Evaristo de

Moraes. Essa procura por parceiros reconhecidos na esfera política, que ainda

necessita ser estudada, mostra que a mobilização desse setor, apesar de suas

características específicas, esteve vinculada ao movimento mais geral dos

trabalhadores na época.

1.4 - O Estado: a proteção, a censura e a regulamentação profissional

As dificuldades materiais enfrentadas pelo setor, somadas à idealização

quase que generalizada que motivava artistas, críticos e intelectuais a

considerarem de forma negativa a produção existente também repercutiram nos

meios políticos.

Existem poucas análises sobre o tema da relação entre governo e teatro no

Brasil. A maior parte das histórias do teatro brasileiro menciona de maneira

esparsa o assunto, sem problematizar as características e tramas que envolveram

esse relacionamento nas diferentes épocas. Como obra de referência, destaca-se

o trabalho de J. Galante de Souza que em cada recorte temporal traz uma seção

chamada “O Governo e o teatro”, que fornece uma ideia geral e sintética sobre a

matéria. Além desse, sobressaem os trabalhos sobre a censura, como os de

Cristina Costa, e outros que tratam de momentos particulares, como o de Silvia

Cristina Martins de Souza, que estuda a ação dos conservatórios dramáticos

criados durante o Império.78

No período colonial, o teatro mereceu a atenção dos poderes instituídos a

partir da prática da subvenção. Desde 1801 eram concedidas subvenções,

privilégio de empresários que tinham uma ligação íntima com os representantes

78

SOUZA, 1960, COSTA, 2006 e 2010 e SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas-SP: Editora da UNICAMP, CECULT, 2002.

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do poder, e medida que também se enquadrava em uma tentativa de se controlar

o conteúdo daquilo que deveria chegar até o público.79

Com a vinda de d. João e da família real portuguesa para o Brasil, e com o

crescimento social e cultural da então capital da colônia, o Rio de Janeiro, as

subvenções tiveram continuidade junto com a concessão de outros tipos de

auxílios. A instalação de um mecanismo destinado à censura também data dessa

época, atribuição pertencente ao Intendente-geral de Polícia da Corte,

estabelecido em 1808.

Depois da independência, especialmente durante o reinado de d. Pedro II,

várias esferas da cultura como a música, a pintura e o teatro, passaram a ser

subsidiadas e foram transformadas em preocupações políticas do Estado em

formação, inseridas em um projeto maior ligado à constituição da nacionalidade e

à edificação de uma autonomia cultural para o país.80

Com esse propósito foi instituído o Conservatório Dramático em 1843,

organização de caráter privado que tinha como competência o exame prévio das

peças que seriam encenadas. Seus critérios de análise ligavam-se à qualidade

literária dos textos, distintos dos estabelecidos pela Polícia na atividade de

censura, voltados para a defesa dos bons costumes e leis do Império. O

Conservatório ainda tinha por finalidade animar a arte dramática nacional,

“corrigindo os vícios” da cena brasileira e dirigindo os trabalhos de acordo com os

“preceitos da arte”.81

A atuação do Conservatório foi conturbada e bastante criticada. Em 1861, o

ministro do Império convocou uma comissão para o estudo da questão, composta

por Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e João Cardoso de Menezes e

79

SOUZA, 2002, p. 48. 80

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2ª ed.

São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 126. 81

BRASIL. Decreto n. 4.566, de 4 de janeiro de 1871. Cria nesta Corte um novo Conservatório Dramático, marca suas atribuições e dá outras providências. Coleção de leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, v. 2, 1871, p. 9-11. O Conservatório Dramático absorveu as atribuições que pertenciam a uma comissão convocada durante o período regencial, em 1839. Ver SOUZA, 2002, p. 139-145.

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Sousa, que elaborou várias propostas, incluindo a da reformulação das diretrizes

da instituição, que não chegou a ocorrer devido a sua extinção em 1864.82

Além da atenção aos aspectos mais estritamente artísticos, o governo

buscou aprimorar o aparato de controle, criando, em 1849, o Inspetor dos teatros,

encarregado da fiscalização dos teatros subvencionados ou protegidos por

loterias.

Em 1871, o decreto n. 4.566 instalou um segundo Conservatório,

integrando a esfera governamental e juntando as competências do antigo

Conservatório com as do Inspetor dos teatros. A justificativa de sua criação foi a

de que as medidas anteriores não conseguiram “melhorar o teatro nacional,

elevando-o ao nível da cultura intelectual e moral da nossa sociedade”.83 Mas, as

atividades desse segundo Conservatório também não alcançaram o êxito

desejado, levando o órgão à extinção nos primeiros anos do regime republicano

pelo decreto n. 2.557, de 1897. Neste mesmo momento as regras da censura

foram regulamentadas, concentradas somente entre as funções da Polícia.

Nas primeiras quatro décadas do período republicano toda a legislação

sancionada esteve relacionada à censura, à ordem pública e, em menor medida,

às relações de trabalho entre empresários e artistas. A regulamentação das casas

de espetáculos e diversões públicas caminhou junto com as transformações na

estrutura policial, e o destaque dado à censura enfatizava uma preocupação que

esteve sempre vinculada ao teatro em razão das influências que este poderia

exercer sobre as plateias.84 Outro ponto importante é que a legislação passou a

82

BRASIL. Ministério do Império. Relatório do ano de 1861 apresentado a Assembléia-Geral Legislativa. Rio de Janeiro, 1862, p. 39. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html> Acesso em: 2 jul. 2009. 83

BRASIL. Decreto n. 4.566, de 4 de janeiro de 1871. Cria nesta Corte um novo Conservatório Dramático, marca suas atribuições e dá outras providências. Coleção de leis do Império do Brasil.

Rio de Janeiro, v. 2, p. 9-11, 1871. 84

KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. 2001. Tese (doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 2001, p. 85. Embora nem o teatro nem o período compreendido no recorte cronológico deste trabalho sejam o foco de sua análise, a autora monta um quadro com os mecanismos de censura existentes no século XX que serve de guia para o tratamento da questão. Ver em especial o segundo capítulo, p. 65-133.

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lidar com a questão do teatro enquanto empreendimento comercial, o qual

necessitava de normas para sua gerência.

O decreto n. 2.558, de 1897, regulou o exercício da censura e dispôs sobre

a inspeção dos teatros e demais casas de espetáculos. No regulamento de 1907

apareceu a figura do 2º delegado auxiliar, que assumiria as funções de inspeção

dos divertimentos e de fiscalização dos contratos entre empresários e artistas em

caso de ausência do chefe da Polícia. Os regulamentos de 1920 e 1924 trouxeram

a questão da censura prévia e consolidaram a normatização do espaço público

dos divertimentos como uma prioridade do Estado. Esta preocupação centrou-se

em torno de dois eixos: por um lado, censurar gerava dividendos para o censor e

para os cofres públicos, por outro, ligava-se a uma maquinaria maior, a do próprio

Estado e a da manutenção da ordem pública.85

Se as disposições federais se limitaram à censura e à fiscalização das

relações de trabalho, em âmbito municipal a situação era um pouco diferente, pelo

menos no Distrito Federal, como pode ser percebida com a criação da Escola

Dramática Municipal, em 1911, que ficou sob a direção do escritor Coelho Neto.

E, apesar das poucas medidas de amparo, o teatro foi tema de vários

projetos de lei desde o início do período republicano. O primeiro deles, de 1892,

de autoria do deputado Pedro Américo, propôs a fundação de um Instituto

Dramático.86

Em 1920, outro projeto, do deputado Maurício de Lacerda87, apresentou a

ideia de criação de um Teatro Nacional e da abolição da censura. De acordo com

esta, o Teatro Nacional seria estabelecido nos moldes do Teatro Francês e do

Português, organizado por um conselho formado pelos diretores da Escola

Dramática, do Instituto de Música, e da Escola de Belas Artes, pelo presidente da

85

Ibid., p. 90. 86

SOUZA, 1960, v. 1, p. 221. Também existiram vários projetos de lei no período imperial. Sobre o assunto ver PAIXÃO, Múcio da. O Teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Moderna, 1936, p. 573-

587. 87

Maurício de Lacerda, advogado e político, destacou-se por sua atuação junto às organizações operárias no Rio de Janeiro, chegando a fundar um jornal que se proclamava socialista, o Lumen, na primeira década do século XX. Junto com Nicanor Nascimento defendeu as lideranças anarquistas após a greve de 1917. Transitava por vários sindicatos defendendo a articulação da ação direta com a via parlamentar. Ver GOMES, 1994, p. 57, 108 e 123-124.

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SBAT, por um crítico de reconhecida competência e por um representante direto

do ministro do Interior.88

Augusto de Lima89, em 1921, entregou à Câmara dos Deputados um

projeto que incluía a construção de um teatro pelo governo federal, a instituição de

uma companhia oficial e a subvenção de duas outras para realização das

comemorações do centenário da Independência.90

Como se pode notar, o estabelecimento de uma companhia oficial era um

tema constante nos projetos de lei e nas sugestões do setor divulgadas por meio

da imprensa. O grande exemplo vinha da França, onde o governo mantinha uma

companhia oficial desde 1680, a Comédie Française.91

Em 1925, o deputado Nicanor Nascimento, a quem a SBAT pediu a

elaboração de um Código Teatral em 1917, encaminhou um projeto a pedido da

Casa dos Artistas, que foi transcrito na íntegra por Mário Nunes. A proposta era

subordinar as empresas teatrais ao Código Comercial, definindo, para isso, as

categorias de artistas e auxiliares teatrais. Visava-se, dessa maneira, implantar

mecanismos que regessem as relações de trabalho entre empresários e artistas,

obrigando a formalização dos contratos, fixando a jornada de trabalho semanal,

garantindo auxílios em caso de doenças, etc.92

No ano seguinte foi apresentado, pelo deputado gaúcho Getúlio Vargas,

outro projeto de lei que regulava a organização das empresas teatrais. Seu projeto

substituía o de Nicanor Nascimento e tinha como diferença substancial o

88

NUNES, 1956, v. 1, p. 56 e 206-216. 89

Poeta e magistrado, autor da ópera lírica Tiradentes, Augusto de Lima entrou para a Academia Brasileira de Letras em 1903, e exerceu os cargos de promotor, juiz, chefe de Polícia do estado de Minas Gerais, professor da Faculdade de Direito desse estado e diretor do Arquivo Público Mineiro. Em 1910, foi eleito deputado federal e reeleito em várias legislaturas. Mais informações em: <http://www.academia.org.br> Acesso em: 22 ago. 2009. 90

NUNES, 1956, v. 2, p. 11 e 41-46. Segundo Mário Nunes, as representações do elenco oficial, a Comédia Brasileira, não atingiram sucesso, mas a iniciativa chamou a atenção das autoridades para a necessidade de medidas de amparo a fim de que se instituísse, definitivamente, “o teatro brasileiro, criando o teatro oficial”. 91

Em São Paulo, também na década de 1920, a Câmara Municipal propôs a criação de uma companhia de drama e de alta comédia, que não foi concretizada. Ver LARA, 1987, p. 99. Sobre a história da Comédie Française ver o sítio oficial da instituição: <www.comedie-francaise.fr/histoire/pres.php> 92

NUNES, 1956, v. 2, p. 143-145 e PIRES, Júlio. Getúlio Vargas e o teatro. In: Cultura Política, v. 1, n. 5, 1941, p. 150.

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tratamento dos direitos do autor. Em 1927, Augusto de Lima entregou um novo

projeto, cujo objetivo era a criação de um Conselho Nacional de Teatro, que

organizaria uma companhia oficial e distribuiria prêmios.93

Em 1928, finalmente, um desses projetos foi promulgado, o de Getúlio

Vargas, que assumiu a forma do decreto n. 5.492 e ficou conhecido como “Lei

Getúlio Vargas”. Sua elaboração iniciou-se em 1925, fruto de reuniões de uma

comissão convocada por Alvarenga Fonseca, então presidente da SBAT, e

formada pelos escritores Gomes Cardim, Raul Pederneiras, Batista Júnior e

Castilho de Oliveira, cuja redação ficou a cargo de Armando Vidal. Neste mesmo

ano, como foi visto, o deputado Nicanor Nascimento apresentou uma proposta

semelhante sendo relator o deputado Getúlio Vargas. A lentidão com a qual se

processava a tramitação levou Vidal a solicitar uma audiência com Vargas para a

apresentação do projeto da SBAT, na qual resultou em seu comprometimento com

a elaboração de um substitutivo.94

Depois de algumas discussões e propostas de emenda, incluindo uma do

deputado e dramaturgo Viriato Corrêa, o decreto foi finalmente sancionado em 16

de julho de 1928 e regulamentado em 10 de dezembro do mesmo ano pelo

decreto n. 18.527.

O decreto n. 5.492 sujeitava as empresas ao Código Comercial e a outras

leis complementares, delimitando as cláusulas obrigatórias dos contratos,

estabelecendo as obrigações dos artistas, auxiliares e empresários, determinando

que os conflitos e litígios entre as partes fossem dirimidos por um juiz arbitral,

mandando que todas as empresas estrangeiras que funcionassem no Brasil

registrassem seus contratos, e deliberando sobre a questão dos direitos autorais.95

O regulamento, aprovado em dezembro, era dividido em sete capítulos que

especificavam os pontos dispostos pelo decreto de julho, avançando em certos

itens, como o da regulação do horário de trabalho.

93

NUNES, 1956, v. 3, p. 4-9 e 57. 94

Ibid., p. 101-102. 95

BRASIL. Decreto n. 5.492, de 16 de julho de 1928. Regula a organização das empresas de diversões e a locação de serviços teatrais. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=41738> Acesso em: 6 jul. 2008.

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O primeiro capítulo tratava das empresas, e estabelecia todos aqueles que

poderiam ser empresários e suas obrigações. O segundo dispunha sobre os

contratos, fixando suas cláusulas e as justas causas para seu término. No que se

refere à definição de artista, é interessante observar que o regulamento explicitava

os gêneros teatrais ou de espetáculos nos quais este poderia atuar, como:

tragédia, drama, comédia, mistério, ópera, opereta, zarzuela, revista, mágica,

burleta, farsa, sainete e bailado; ou nos números de: canto, dança, música,

declamação, acrobacia, malabarismo, magia e pantomima; aparecendo os coristas

em item separado. Os auxiliares eram o diretor de cena, o ensaiador (ou diretor-

ensaiador), o regente de orquestra e músicos, figurantes, administrador,

secretário, arquivista, cenógrafo, ponto, contrarregra, bilheteiro, porteiro,

encarregado do guarda-roupa, cabeleireiro, aderecista, engenheiro, eletricista,

maquinista, carpinteiro, e o fiel do teatro. Outro ponto relevante, relacionado às

cláusulas do contrato, é que se deveria constar “com a máxima clareza” a

categoria do trabalho cênico a ser desempenhado pelo artista, ficando também em

evidência o gênero teatral. No caso de dispensa motivada por acusação de

incapacidade, seria convocada uma comissão de peritos composta, no Distrito

Federal, pelo presidente da SBAT, pelo presidente da Casa dos Artistas, pelo

diretor do Instituto Nacional de Música e por um crítico teatral escolhido pelo

artista.96

O terceiro capítulo versava sobre os artistas e auxiliares teatrais,

demarcando seus direitos e obrigações, incluindo a de não promover alteração no

texto teatral, sob pena de multa de 5% de seu ordenado mensal a favor da Casa

dos Artistas ou de outra entidade beneficente. O capítulo quarto fixava as horas de

trabalho, que não poderiam ultrapassar o número de oito a cada dia, que seriam

divididas entre ensaios e representações públicas. O quinto tratava da fiscalização

dos direitos de autor, delimitando os procedimentos cabíveis à censura e as

96

BRASIL. Decreto n. 18.527, de 10 de dezembro de 1928. Aprova o regulamento da organização das empresas de diversões e da locação de serviços teatrais. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=86631>. Acesso em: 21 jun. 2009.

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disposições obrigatórias em contratos. Os dois últimos deliberavam sobre as

penalidades e outras disposições presentes no decreto de julho.

Depois de muitas reivindicações e diferentes projetos, alguns deles

baseados em modelos estrangeiros de amparo estatal, outros pleiteando o fim da

censura e a regulamentação das relações de trabalho, o setor teatral alcançou um

êxito com o reconhecimento da profissão. Distante da ação repressiva e do

patrocínio, o decreto n. 5.492 demonstrou uma preocupação com o teatro

enquanto atividade comercial. Destacam-se, nesse sentido, as ações da SBAT e

da Casa dos Artistas na elaboração de propostas e na procura de contatos

políticos que possibilitassem sua concretização.

Com o reconhecimento profissional encerra-se esse breve quadro das

transformações que atravessaram o campo teatral nas primeiras décadas do

século XX. A diversidade e complexidade de questões que giravam em torno da

cena brasileira, e que aqui foram tratadas de maneira panorâmica, seriam

retomadas na esfera política a partir de 1936. Situá-las, em um primeiro momento,

confere o embasamento necessário para compreendê-las nesse outro domínio, e

confrontar as demandas do setor com os projetos culturais do governo Vargas,

que serão conhecidos em seguida.

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Capítulo 2

O teatro no processo de construção de políticas para a cultura

A partir do conhecimento da dinâmica do campo teatral, este capítulo

buscará situar o outro agente essencial na construção de uma política para o

setor: o governo de Getúlio Vargas.

O primeiro governo Vargas caracterizou-se como um período de intensas

transformações que estimularam e interagiram com as mudanças políticas,

econômicas, sociais e culturais em processo no país. A vasta historiografia sobre

o assunto divide-o, geralmente, em três fases: governo provisório até 1934,

governo constitucional até 1937, e, a partir deste ano, Estado Novo. Entretanto, os

limites deste trabalho levaram a privilegiar as iniciativas voltadas para a esfera

cultural, tema da primeira parte deste capítulo, na qual se abordará tanto as

atividades promovidas pelo Ministério da Educação e Saúde, como aquelas

referentes à produção da propaganda, observadas, sobretudo, na atuação do DIP.

Depois, se passará para o primeiro momento de atenção do governo ao teatro: a

subvenção do Teatro-Escola, que, a despeito de ter se constituído como um

evento particular e restrito, abriu um espaço para maiores discussões acerca da

ação estatal em prol do teatro.

2.1 - A cultura no governo Vargas

O movimento revolucionário principiado em 3 de outubro de 1930 abrangia

uma coalizão de forças e uma diversidade de projetos políticos que disputaram

espaço no período inicial do governo de Getúlio Vargas, instalado no mês

seguinte. Essas diferentes propostas, presentes nos debates e nos

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acontecimentos da década de 1920, se agrupavam em torno da condenação das

práticas políticas oligárquicas em vigor desde a instalação do regime republicano.1

Logo no início, o Congresso e as assembleias estaduais e municipais foram

dissolvidos, os governadores depostos e a Constituição de 1891 revogada. Porém,

ao mesmo tempo em que exercia poderes discricionários, o governo assumia um

compromisso com a revisão da legislação vigente por meio da convocação de

uma Constituinte. Nessa direção, uma das primeiras questões tratadas foi a da

ampliação do espaço de participação eleitoral, que tomou forma com a instituição

do sufrágio universal direto e secreto, incluindo o voto feminino, e do

estabelecimento de uma Justiça eleitoral.

Esse período também se caracterizou pela instabilidade e crises nos meios

civis e militares. A maior delas provocada pelas antigas lideranças oligárquicas

paulistas, que, insatisfeitas com os rumos tomados, revoltaram-se em 1932, no

movimento que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista.

A área social também mereceu atenção nesse primeiro momento, com a

criação de dois novos ministérios, o da Educação e Saúde Pública, em 14 de

novembro e o do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930,

que receberam grandes investimentos nos quinze anos do governo Vargas. A

questão trabalhista se tornou uma das maiores preocupações desse período,

apresentando-se como uma resposta à organização e luta do operariado que

crescia junto com a industrialização.2

A instalação dessas estruturas foi realizada no interior de um processo de

expansão da máquina administrativa federal. Esse aumento da intervenção estatal

nos campos social, econômico e em domínios que até então não eram definidos

1 PANDOLFI, Dulce. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,

Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do nacional-estatismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 13-37.

Para um panorama geral do governo Vargas ver

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 21-109, CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). São Paulo: DIFEL, 1974, Id. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: DIFEL, 1977 e a coletânea organizada por PANDOLFI, Dulce. (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 2 Sobre o assunto ver GOMES, 1994. Além da constituição de um Ministério específico, no governo

provisório foram promulgados diversos atos de proteção ao trabalhador, com a fixação de 8 horas de trabalho diárias, adoção de uma lei de férias, de uma legislação que buscava nacionalizar o trabalho, entre outros pontos.

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como espaços de ação governamental, implicou o estabelecimento de novos

órgãos, o que acarretou a instituição de uma nova racionalidade administrativa

que culminaria com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público

(DASP) em 1938.

Em 1933 foi convocada e instalada uma Assembleia Nacional Constituinte.

De seus trabalhos resultou uma nova Constituição, promulgada no ano seguinte,

atendendo aos anseios liberais e democráticos presentes no ideário do movimento

de 1930. Finalizado esse processo, Getúlio Vargas foi eleito presidente da

República.

O período do governo constitucional, que se estendeu até 1937, ficou

marcado pela intensa mobilização de dois grandes movimentos políticos de

abrangência nacional, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em 1935, e a

Ação Integralista Brasileira (AIB), organizada em 1932. Mobilização que foi

seguida por medidas repressivas, formalizadas na Lei de Segurança Nacional, de

4 de abril de 1935, que dotou o governo federal de poderes especiais para reprimir

as atividades políticas subversivas.3

Em meio às campanhas para as eleições presidenciais de 1938, Getúlio

Vargas, contando com o apoio de vários grupos políticos, manteve-se no poder

com outro golpe de Estado que, sob pretexto de ameaça comunista, inaugurou a

fase mais autoritária do seu governo, conhecida como Estado Novo, e que durou

até 29 de outubro de 1945, quando foi deposto.

De imediato, foi outorgada uma nova Constituição que reforçava os poderes

do presidente da República, ampliando a possibilidade de intervenção nos estados

e abolindo o Poder Legislativo em todos os seus níveis. Além disso, as liberdades

civis foram suspensas, os partidos políticos extintos, o comunismo transformado

no maior inimigo público do regime, a repressão policial instalada por toda parte, e

3 O período posterior à Lei de Segurança Nacional caracterizou-se por uma série de medidas

violentas. Em julho, foi fechada a Aliança Nacional Libertadora. Depois da Intentona comunista, ocorrida em novembro, Vargas pediu ao Congresso a decretação do estado de sítio, aumentando ainda mais seus poderes. Em abril de 1936 foi determinada a supressão do governo de Pedro Ernesto no Rio de Janeiro, acusado de envolvimento com a Intentona, e em setembro foi criado o Tribunal de Segurança Nacional.

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a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinema e da radiodifusão regulada no

próprio texto constitucional.

Foi nesse contexto que ocorreu o início da institucionalização da área da

cultura. Assim, em meio às medidas centralizadoras, o Estado brasileiro pós-1930,

procurando o distanciamento das antigas forças dominantes ao mesmo tempo em

que buscava imprimir a sua distinção em todos os campos ligados ao trabalho de

dominação, concebeu a cultura como “negócio oficial” e mesmo em termos de

“organização política”.4 Dessa forma, foram criados novos aparatos destinados a

interferir nas etapas de produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e

artístico e, em alguns casos, a produzir e divulgar sua concepção de mundo para

o conjunto da sociedade.

Para desempenhar essas novas tarefas foram convocados intelectuais e

artistas ligados a vários grupos e com diferentes vínculos políticos, que assumiram

postos em diversos ramos de atividades, com distintos graus de compromisso com

a ideologia oficial.

A ampliação desse espaço de participação vinha ao encontro dos anseios

desses grupos que, desde as primeiras décadas do século XX, se identificavam

com a ideia de construção da nação e encontravam-se dispostos a contribuir, com

seus projetos, para a realização de mudanças políticas, sociais e culturais.5 Por

outro lado, essa abertura de novas frentes acabou por revestir o Estado do papel

de principal instância de consagração intelectual.

As diferentes nuanças que marcaram a relação entre intelectuais e Estado

nesse período foram estudadas por Sérgio Miceli, que agrupou alguns intelectuais

de acordo com o papel assumido durante o governo Vargas. Assim, em um

primeiro grupo, o autor inseriu aqueles que foram chamados para ocuparem

cargos de cúpula e de extrema confiança, alguns deles chegando ao posto de

4 As expressões utilizadas são de, respectivamente, MICELI, 2001, p. 198 e VELLOSO, Mônica

Pimenta. Uma configuração do campo intelectual. In: OLIVEIRA; VELLOSO; GOMES, 1982, p. 72. Antes do governo Vargas, a prefeitura de São Paulo promoveu um conjunto de iniciativas na área, sob a esfera do Departamento de Cultura de São Paulo, considerado pela historiografia como o marco inaugural da implantação de uma política para a cultura no Brasil. Sobre o Departamento ver BARBATO JR., Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o

Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2004. 5 Sobre o assunto ver PÉCAUT, 1990.

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ministro de Estado, como foi o caso de Francisco Campos e de José Américo de

Almeida. No segundo foram colocados os que assumiram o trabalho de

assessoria, como chefes e auxiliares de gabinete, secretários particulares ou

assessores diretos, do qual se destaca o poeta Carlos Drummond de Andrade,

chefe de gabinete de Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde. No

terceiro figuravam aqueles que Miceli denominou como “administradores da

cultura”, que monopolizaram cargos para os quais podiam se valer, em alguma

medida, de seu cabedal de saber especializado, ocupando, por exemplo, a direção

dos novos órgãos criados, como foi o caso de Rodrigo Melo Franco de Andrade,

no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e do dramaturgo Abadie

Faria Rosa, no Serviço Nacional de Teatro. Outro grupo continuou ingressando

nas fileiras da burocracia civil, em cargos do magistério superior, carreira

diplomática ou judiciária. Alguns profissionais especializados, como técnicos de

educação, economistas, sociólogos, educadores e cientistas sociais foram

chamados para desempenharem as novas carreiras técnicas estabelecidas

naquele momento. E, por fim, vários intelectuais e artistas prestaram outros tipos

de colaboração, aceitando encomendas oficiais de prédios, livros, partituras, etc.,

ou representando o governo em congressos e conferências internacionais.6

Em relação àqueles convocados para o exercício de atividades ligadas à

esfera cultural, Miceli observa que foi instaurada uma situação de dependência

material e institucional que passou a moldar as relações entre estes –

especialmente os que possuíam pouco reconhecimento nos campos artístico e

intelectual – e o poder público que, conferindo-lhes certa autoridade, colocava-os

a salvo das oscilações de prestígio e imunes às sanções do mercado.7

Mas, para além dessa relação de dependência, Miceli aponta que foi nesse

contexto que tomou corpo a concepção de “cultura brasileira” sob cuja chancela se

6 MICELI, 2001, p. 209-215. Antonio Candido, partindo da análise de Miceli, reforça a ideia do

paradoxo sob o qual essa variedade de relacionamentos foi construída, resultando em tensões e acomodações entre intelectuais, artistas e o regime cada vez mais opressor que se instaurava, que somente um estudo mais acurado de cada caso em particular pode explicitar. Ver CANDIDO, Antonio. A Revolução de 30 e a cultura. In: _____. A educação pela noite e outros ensaios. São

Paulo: Editora Ática, 1989, p. 195. 7 MICELI, 2001, p. 215.

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constituiu uma rede de instâncias de produção, distribuição e consagração de

bens simbólicos. Nessa direção, Antonio Candido afirma que o movimento de

outubro de 1930, em conjunto com as novas condições de produção e difusão do

trabalho intelectual que se desenvolviam paralelamente à ação governamental,

atuou como eixo em torno do qual girou a cultura brasileira, catalisando elementos

dispersos para dispô-los em uma nova configuração, projetando em escala

nacional fatos que antes eram restritos às regiões.8

Em 1934 a cultura ganhou um espaço até então inédito. Pela primeira vez a

questão apareceu em um texto constitucional no Brasil, dividindo o capítulo com a

educação, e inserida entre as competências da União, estados e municípios, aos

quais cabiam favorecer seu desenvolvimento, proteger os objetos de interesse

histórico e o patrimônio artístico do país, e prestar assistência ao trabalhador

intelectual.9

Algumas iniciativas voltadas para área, a princípio ligadas aos assuntos

educacionais, foram realizadas ainda nos anos iniciais do governo provisório. Mas,

foi no período do governo constitucional de Vargas, em especial sob o âmbito de

atuação do Ministério da Educação e Saúde Pública, que a cultura passou a

receber maior destaque. A tarefa educativa proposta por esse Ministério durante a

gestão de Gustavo Capanema, que assumiu a pasta poucos dias após a

promulgação da Constituição, visava mais do que a transmissão de

conhecimentos, tendo por objetivo desenvolver a alta cultura do país: a arte, a

música, as letras, além de ensinar aos jovens sobre os novos valores construídos

pelo Estado e impedir que a nacionalidade fosse ameaçada por agentes de outras

culturas, ideologias e nações. Ações que, como bem assinalaram Schwartzman,

8 Ibid., p. 215-216 e CANDIDO, 1989, p. 181-182.

9 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. In:

Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=93950. Acesso em 16 jun. 2010.

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Bomeny e Costa, não se deram no vazio, “encontrando setores, movimentos e

tendências com os quais era necessário compor, transigir ou enfrentar”.10

Em carta de outubro de 1935, Capanema sugeriu ao presidente Vargas que

o Ministério passasse a se chamar Ministério da Cultura Nacional, justificando a

nova denominação como a mais adequada aos empreendimentos culturais de

formação do corpo, do espírito e da alma dos brasileiros.11

Essa ideia balizou não só a criação de órgãos voltados para diversas áreas,

como esteve presente em várias reformas educacionais, incluindo o próprio

projeto universitário proposto por Gustavo Capanema. Para o ministro, a

universidade deveria ser instituída para o estabelecimento de uma “cultura real” e

desenvolvida com elementos fornecedores da livre expressão, constituindo-se no

centro do preparo técnico e aparelhamento da elite que dirigiria a nação:

A elite que precisamos formar, ao invés de se constituir por essas expressões isoladas da cultura brasileira, índices fragmentários da nossa precária civilização, será o corpo técnico, o bloco formado de especialistas em todos os ramos da atividade humana, com capacidade bastante para assumir, em massa, cada um no seu setor, a direção da vida no Brasil: nos campos, nas escolas, nos laboratórios, nos gabinetes de física e química, nos museus, nas fábricas, nas oficinas, nos estaleiros, no comércio, na indústria, nas universidades, nos múltiplos aspectos da atividade individual, nas letras e nas artes, como nos postos do governo. Elite ativa, eficiente, capaz de organizar, mobilizar, movimentar e comandar a nação.

12

A atuação de Gustavo Capanema, que permaneceu como ministro até o

final do primeiro governo Vargas, ficou marcada, desse modo, como um momento

de grande efervescência cultural. Em torno do ministro gravitaram numerosos

intelectuais e artistas como Carlos Drummond de Andrade, Augusto Meyer, Lúcio

10

Francisco Campos, um dos grandes nomes ligados às reformas educacionais da década de 1920, foi o primeiro encarregado da pasta da Educação e Saúde Pública, que depois passou para as mãos de Belisário Pena e Washington Pires. A escolha de Gustavo Capanema fez parte de um acordo estabelecido entre o governo Vargas e a Igreja, proposto anos antes por Francisco Campos. Ver SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 65 e 97. Sobre a trajetória de Capanema ver também a biografia escrita por BADARÓ, Murilo. Gustavo Capanema: a revolução

na cultura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 11

WILLIAMS, Daryle. Gustavo Capanema, ministro da cultura. In: GOMES, Ângela de Castro (org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 251. 12

CAPANEMA apud SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 222.

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Costa, Mário de Andrade, Cândido Portinari e Heitor Villa-Lobos, e o modernismo

tornou-se, praticamente, o estilo oficial do seu Ministério.13

Além do Ministério da Educação e Saúde Pública, outro órgão assumiu

atribuições ligadas à esfera cultural, o Departamento de Propaganda e Difusão

Cultural, estabelecido em 1934 e subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios

Interiores. Contudo, o que distinguia a ação deste último era o caráter de suas

iniciativas que, voltadas para os meios de comunicação de massa, como o rádio e

o cinema, e para a cultura física, destinavam-se explicitamente para fins de

propaganda. Sua criação desagradou Capanema, que se referiu a ele como:

“extremamente confuso e anárquico, [e] feriu profundamente o prestígio do

ministério.” 14

O Ministério, durante sua gestão, constituiu-se como amplo território para a

produção de uma cultura oficial orientada por valores considerados eruditos.

Mantinha, desta maneira, certa distância do aparelho repressor da censura e da

propaganda que foi adquirindo um espaço cada vez maior no governo com o

crescimento da oposição, a instituição da Aliança Nacional Libertadora e o avanço

das ideias comunistas.

Distância era, por vezes, atenuada, como se pode observar em seu plano

de criação de um órgão de propaganda, e em medidas como o fechamento da

Universidade do Distrito Federal15 e o apoio dado à política de repressão às

escolas dos núcleos estrangeiros existentes no Brasil. Exemplos que, entre outros,

13

WILLIAMS, 2000, p. 266. 14

A reação de Capanema se consubstanciou num plano de estabelecimento de um Departamento de Propaganda que teria por função “o esclarecimento, a ilustração, o preparo, a orientação, a edificação, numa palavra, a cultura das massas.” Ver SOUZA, José Inácio. O Estado contra os meios de comunicação (1889-1945). São Paulo: Annablume, FAPESP, 2003, p. 85. O Departamento de Propaganda e Difusão Cultural foi criado pelo decreto n. 24.651, de 10 de julho de 1934, sucedendo e ampliando as atribuições do Departamento Oficial de Publicidade, estabelecido em 1931 e extinto em 1932, com a incorporação de suas funções pela Imprensa Nacional. Para uma análise detalhada sobre a atuação desses órgãos ver Ibid., p. 45-104. 15

A Universidade do Distrito Federal foi instalada em 1935 sob o comando de Anísio Teixeira, diretor do Departamento de Educação do Rio de Janeiro, em consonância com os interesses dos setores liberais da intelectualidade carioca. Como essa vocação liberal desafiava diretamente o projeto universitário do governo Vargas, a UDF enfrentou algumas dificuldades, especialmente após a insurreição comunista, que levou ao afastamento de Teixeira, do reitor Afrânio Peixoto e de vários professores. Sua extinção se concretizaria em 1938 com a incorporação de seus quadros à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, criada em 1939 pelo governo federal. SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 226-230.

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demonstram como a obra do Ministério foi caracterizada por uma tênue linha

divisória que separava a ação cultural, eminentemente educativa e formativa, da

mobilização político-social e da propaganda propriamente dita.16

Outra preocupação de Capanema foi com a construção da nacionalidade,

considerada como o ponto de culminação de toda a ação pedagógica em seu

sentido mais amplo e que foi tratada, especialmente, a partir de três orientações: a

primeira compreendeu a educação transmitida nas escolas, a qual deveria ser

incluído um conteúdo nacional; a segunda voltou-se para a padronização do

ensino; e a terceira para a erradicação das minorias étnicas, linguísticas e

culturais que haviam se constituído no Brasil nas últimas décadas século XIX e

início do XX.17

Um dos grandes marcos da atuação de Capanema foi a reestruturação das

atividades do Ministério, que seria efetivada pela lei n. 378, de 1937, que instituiu

novos mecanismos administrativos e mudou sua denominação para Ministério da

Educação e Saúde. Com esta remodelação, a pasta ficou composta por dois

grandes órgãos de administração especial, o Departamento Nacional de Educação

e o Departamento Nacional de Saúde; por órgãos complementares, destinados às

atividades de caráter administrativo; e por órgãos de execução. Inseridas nesta

última orientação, ficaram as instituições de educação escolar, como escolas,

faculdades e o Instituto Nacional de Cinema Educativo; e as instituições de

educação extraescolar, que compreendiam a Biblioteca Nacional, os museus

existentes, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Comissão de

Teatro Nacional e o Serviço de Radiodifusão Educativa.

A trajetória desses órgãos revela a preocupação com uma função educativa

e com a construção de uma identidade nacional. Alguns deles foram criados antes

da lei n. 378 em caráter experimental, como foi o caso do Serviço do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que começou a funcionar em 1936, sob a

direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade.

16

Ibid., p. 104. 17

Ibid., p. 104 e 157.

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Segundo Maria Cecília Londres da Fonseca, a institucionalização do

patrimônio constituiu-se como uma resposta do poder público a demandas

existentes no meio intelectual. Com a nomeação de Capanema para a pasta da

Educação e Saúde Pública, a ideia de preservação, que já vinha merecendo

atenção através de medidas isoladas, ganhou maior espaço com o

estabelecimento de um órgão cujo anteprojeto foi encomendado a Mário de

Andrade. Instituído oficialmente pela lei n. 378, o SPHAN tinha como competência

a promoção do tombamento, conservação, enriquecimento e conhecimento do

patrimônio histórico e artístico nacional.18

Em 30 de novembro de 1937, o órgão foi regulamentado por meio do

decreto-lei n. 25. Este ato definiu a concepção oficial do patrimônio a ser

preservado, como a do conjunto dos bens móveis e imóveis de interesse público,

vinculados “a fatos memoráveis da história do Brasil” ou “de excepcional valor

arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.19

Em termos de realizações, muitos autores que se dedicaram ao estudo do

SPHAN apontam para o predomínio do tombamento de bens arquitetônicos que

corroboravam uma determinada visão da história do Brasil. Ou seja, o patrimônio

preservado era, em grande parte, aquele pertencente à arquitetura tradicional do

período colonial ligado à herança portuguesa. Para Márcia Chuva, essa

valorização do legado europeu era vista como peça importante no processo de

inserção do Brasil no concerto das nações, facilitando o enquadramento da arte

brasileira na classificação tradicional da história da arte do mundo ocidental.20

O livro também se tornou matéria de interesse do governo com o

estabelecimento do Instituto Nacional do Livro pelo decreto-lei n. 97, de 21 de

dezembro de 1937. Esse órgão tinha como finalidade a elaboração de uma

18

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de

preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997, p. 102-103. 19

BRASIL. Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=103152>. Acesso em: 27 mar. 2009. 20

CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 207.

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enciclopédia brasileira, a preparação de um dicionário da língua nacional, a edição

de obras raras e de interesse para a cultura nacional, o estímulo ao mercado

editorial e o incentivo à organização de bibliotecas públicas em todo o país.21

Assim, se no caso do SPHAN a preocupação maior era com a construção

de uma memória arquitetônica nacional vinculada à cultura europeia, aqui nota-se

a presença de um interesse especial pela história da cultura letrada, ponto

igualmente necessário para se forjar uma identidade para a nação. E, a exemplo

do SPHAN, o Instituto contou com a presença de intelectuais conhecidos nos seus

quadros. O primeiro diretor foi o poeta Augusto Meyer. A seção da Enciclopédia e

do Dicionário ficou sob o comando de Américo Facó, a de Publicações era

chefiada por Sérgio Buarque de Holanda, e a de Bibliotecas pelo próprio Meyer. O

órgão ainda contava com a consultoria técnica de Mário de Andrade.22

Em relação aos meios de comunicação, mais especificamente o rádio e o

cinema, as medidas implementadas tiveram uma dimensão complementar à ação

educacional. Além disso, foram objetos de interesse de outras esferas do governo,

mais voltadas para o aproveitamento do caráter propagandístico que estes

poderiam proporcionar, seguindo os exemplos das experiências dos governos

nazistas e fascistas da Europa.

Em maio de 1931, o decreto n. 20.047 regulou a execução dos serviços de

radiocomunicação, estabelecendo medidas fiscalizadoras e de controle técnico, e

atribuindo ao Ministério da Educação e Saúde Pública a orientação educacional

das estações da rede nacional. No ano seguinte, o decreto n. 21.111 ampliou

estas disposições, e, dentre as inovações, apareceram a permissão para

veiculação da propaganda comercial e a criação de um “programa nacional”, que

deveria ser transmitido simultaneamente por todas as estações da rede de

21

BRASIL. Decreto-lei n. 93, de 21 de dezembro de 1937. Cria o Instituto Nacional do Livro. Lex-Coletânea de Legislação e Jurisprudência: legislação federal e marginália, São Paulo, p. 365, 1937. 22

CALABRE, Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 41.

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radiodifusão, e que trataria de assuntos educacionais, de ordem política, social,

religiosa, econômica, financeira, científica e artística.23

Segundo Lia Calabre, a atuação do Ministério da Educação e Saúde

Pública nesta área se fortaleceu em 1936, quando Edgar Roquette-Pinto doou a

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com o compromisso da manutenção de uma

programação voltada aos objetivos de “elevar o espírito das massas, promover a

educação e propagar a alta cultura”.24 Em 1937, foi criado o Serviço de

Radiodifusão Educativa destinado a promover a irradiação de programas de

caráter educativo. No entanto, no cômputo geral, as realizações deste Serviço

foram modestas em relação àquelas realizadas pelo órgão dedicado à difusão do

cinema educativo.

A tarefa de auxiliar a educação foi apenas uma das direções da política

para o campo do cinema empreendida pelo governo Vargas, que também foi

responsável por uma legislação que intervinha no mercado cinematográfico,

regulamentando as etapas de produção e difusão de filmes; e pela sua utilização

como instrumento de doutrinação política. A partir da análise de Anita Simis,

observa-se que o relacionamento entre Estado e cinema na época teve como

premissa a incorporação de demandas de diferentes setores, como dos

produtores, em relação às medidas protecionistas, e dos educadores, em relação

à difusão do cinema educativo.25

A primeira medida voltada para a área foi o decreto n. 21.240 de 1932.

Dentre as disposições presentes neste ato estavam a nacionalização do serviço

23

O “programa nacional” só apareceu em maio de 1934, realizado pela Imprensa Oficial e feito com o noticiário nacional e do exterior recebido pelas agências telegráficas. Em 1935, ele foi rebatizado como Hora do Brasil, ficando sob a responsabilidade do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, passando depois para o DIP. Ver SOUZA, 2003, p 72 e 81-88 e CALABRE, Lia. Políticas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 31,

p. 161-181, 2003. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br>. Acesso em: 10 mai. 2008. 24

CALBRE, 2003, p. 172. 25

O presidente Getúlio Vargas, em um discurso realizado em 1934, considerou o cinema: “... entre os mais úteis fatores de instrução, de que dispõe o Estado moderno. (...) O cinema será, assim, o livro de imagens luminosas, no qual as nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o Brasil, acrescendo a confiança nos destinos da Pátria. Para a massa dos analfabetos, será essa a disciplina pedagógica mais perfeita, mais fácil e impressiva. Para os letrados, para os responsáveis pelo êxito da nossa administração, será uma admirável escola.” VARGAS apud SIMIS, Anita. Estado e Cinema no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Annablume; FAPESP; Itaú Cultural, 2008, p. 29-30.

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de censura; a definição dos seus critérios; a obrigatoriedade de exibição de filmes

educativos; a redução da tarifa alfandegária para a importação de filmes; e a

fixação do valor da taxa para a importação do filme virgem. Também foi criada a

“taxa cinematográfica para a educação popular”, cobrada de todos os filmes

apresentados à censura, e previsto a instalação de um órgão voltado para o

estudo e orientação da utilização do cinematógrafo e dos demais processos

técnicos como instrumentos de difusão cultural.26

O primeiro órgão que tratou das questões relacionadas ao cinema foi o

Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, cuja ação ficou marcada pelo

caráter de doutrinamento político, principalmente depois da Lei de Segurança

Nacional.27

Sob a esfera do Ministério da Educação e Saúde Pública foi instalado o

Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). Criado oficialmente pela lei n. 378,

o INCE tinha a função de promover e orientar a utilização da cinematografia como

processo auxiliar do ensino e como meio de educação popular em geral. Desde o

início, o órgão ficou sob a direção de Roquette-Pinto que, de imediato, convidou o

cineasta Humberto Mauro para colaborar em suas atividades.28

A produção do INCE dividiu-se em duas frentes: filmes instrutivos, para

serem usados em sala de aula, e filmes educativos, voltados para um circuito

maior de exibição. Segundo Sheila Schvarzman, os filmes produzidos abarcavam

diferentes temáticas: divulgação técnica e científica; de caráter preventivo-

sanitário; divulgação de aspectos paisagísticos e históricos de cidades e lugares

brasileiros; os dedicados à história dos vultos nacionais; e aqueles destinados à

apresentação da cultura popular e do folclore brasileiros. Analisando esse

26

BRASIL. Decreto n. 21.240, de 4 de abril de 1932. Nacionaliza o serviço de censura dos filmes cinematográficos, cria a Taxa Cinematográfica para a educação popular e dá outras providências. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33954>. Acesso em: 28 nov. 2009. Para uma análise detalhada da organização, das discussões e das demandas dos produtores, exibidores e educadores e sua relação com os diversos itens presentes no decreto n. 21.240 ver SIMIS, 2008, p. 23-38 e 67-130. 27

SOUZA, 2003, p. 94. Outra consequência advinda do período de endurecimento do governo de Getúlio Vargas foi a transformação do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural em Departamento Nacional de Propaganda, no início de 1938, já no Estado Novo. 28

SOUZA, Carlos Roberto. Cinema em tempos de Capanema. In: BOMENY, 2001, p. 166-167.

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conjunto, a autora concluiu que o INCE recortou uma imagem do Brasil

caracterizada pela harmonização dos conflitos, fundada na unidade nacional do

território e numa história povoada de heróis e sábios, que se adequava àquela

com a qual o governo como um todo, e o Ministério de Capanema em particular,

desejava estar vinculado.29

Em relação à música, Mário de Andrade apresentou ao ministro, entre 1938

e 1939, um projeto de criação de uma entidade que tinha como objetivo estudar o

folclore musical brasileiro, propagar a música como elemento de cultura cívica e

desenvolver a música erudita nacional, que não foi efetivado.30 No entanto, a

música erudita, sobretudo a ópera, vinha recebendo atenção desde 1936, através

da ação da Comissão de Teatro Nacional, como se verá a seguir.

Villa-Lobos, outro nome que possuía livre trânsito no Ministério da

Educação e Saúde, propôs um plano de reforma e adaptação do aparelho

educacional da música no Brasil, prevendo a criação de três escolas e de uma

inspetoria-geral de canto orfeônico. Mas, apenas em 1942 o canto orfeônico foi

incorporado ao sistema de ensino e transformado em instrumento de promoção do

civismo, com a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. O órgão

tinha o fim de formar professores de canto orfeônico; realizar pesquisas visando à

restauração das obras de música patriótica e ao recolhimento das “formas puras e

expressivas de cantos populares do país”; e gravar discos de canto orfeônico de

todos os hinos brasileiros. A música teve, dessa maneira, ao lado do rádio e do

29

SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. 2000. Tese (doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas. Campinas (SP), 2000, p. 250-251 e p. 335. Para uma abordagem um pouco diferente sobre as temáticas dos filmes produzidos pelo INCE, ver SOUZA, 2001, p. 169-170. Sobre o alcance dos objetivos do órgão, o último autor cita um relatório de Roquette-Pinto, datado de 1943, que informa o número de projeções realizadas nas escolas: 7.195, e em instituições culturais: 1.934. Ver Ibid., p. 171. 30

SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 108-109.

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cinema, um papel central no esforço educativo e de mobilização, inserido na

mencionada linha divisória estabelecida entre a cultura e a propaganda.31

Com a instalação do Estado Novo, o papel da cultura e dos meios de

comunicação aumentou consideravelmente. De acordo com Maria Helena

Capelato, a propaganda política e a produção cultural tornaram-se peças

fundamentais para a expansão da base de apoio do governo. E, nessa direção,

foram empreendidas várias tentativas de conferir um sentido mítico ao Estado,

personalizado no Estado nacional ou nação, como também em seus expoentes e

chefes. A questão ideológica colocou-se, portanto, como elemento central desse

projeto político, dando-lhe materialidade, efetuando sua organização e integrando

o conjunto dos atores sociais. Contudo, Ângela de Castro Gomes chama a

atenção para a inexistência de uma doutrina oficial compacta e homogênea. Pelo

contrário, o que se verificou foi a presença de variações significativas que

traduziam certo ecletismo em suas propostas, o que não impede, porém, de se

encontrar um conjunto de ideias central, capaz de caracterizar um determinado

projeto político.32

Coube a um novo órgão, criado pelo decreto n. 1.915, de 27 de dezembro

de 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), subordinado

diretamente à Presidência da República, a produção e divulgação do discurso

destinado a construir uma imagem do regime, das instituições e do chefe do

governo.

O DIP tinha amplas competências, que superavam, em muito, a atuação de

seus antecessores, o Departamento Oficial de Propaganda, o Departamento de

Propaganda e Difusão Cultural e o Departamento Nacional de Propaganda. Todas

31

Ibid., p. 107-110 e BRASIL. Decreto-lei n. 4.993, de 26 de Novembro de 1942. Institui o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, e dá outras providências. In: Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados – Legislação Informatizada. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4993-26-novembro-1942-415031-publicacao-1-pe.html.> Acesso em: 14 mar. 2010. Além da música erudita, a popular também foi promovida pelo governo Vargas, principalmente durante o Estado Novo. Um dos exemplos que se pode citar é o do incentivo à produção de sambas que traziam o tema da valorização do trabalho. Sobre o assunto ver CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas-SP: Papirus, 1998, p. 115-116. 32

CAPELATO, 1998, p. 123, CARONE, 1974, p. 166, GOMES, 1994, p. 173 e VELLOSO, 1982, p. 72.

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65

elas relacionavam-se ao controle e promoção das atividades culturais, tais como:

de coordenar a propaganda nacional; superintender os serviços de turismo; fazer

a censura do teatro, cinema, funções recreativas e esportivas, radiodifusão,

literatura social e política, e da imprensa; estimular a produção de filmes

nacionais; classificar os filmes educativos e os nacionais para concessão de

prêmios e favores; estimular as atividades espirituais, colaborando com artistas e

intelectuais brasileiros, e incentivando uma arte e uma literatura genuinamente

brasileiras; favorecer a tradução de livros de autores brasileiros; proibir a entrada

de publicações estrangeiras nocivas aos interesses nacionais; promover

manifestações cívicas e festas populares com intuito patriótico, educativo ou de

propaganda turística, assim como concertos, conferências, exposições

demonstrativas das atividades do governo, e mostras de arte nacional e

estrangeira; organizar o programa de radiodifusão oficial do governo; entre

outras.33

A atuação do DIP abarcava praticamente toda a esfera cultural, e sua

estrutura refletia essa amplitude, contando com as divisões de Divulgação,

Radiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa, além dos chamados

Serviços Auxiliares, cujas atribuições foram definidas pelo decreto n. 5.077 do

mesmo ano. Sua presença também era marcante nos estados, a partir da

instituição dos departamentos estaduais de imprensa e propaganda, os DEIPs,

responsáveis por reproduzir as linhas de ação dele emanadas – o que permitia ao

governo exercer eficiente controle de informação, assegurando-lhe considerável

domínio sobre a vida cultural do país.34

Em relação ao discurso produzido e divulgado pelo DIP, por meio de

variados meios, como filmes e revistas, destacam-se as ideias da defesa da

centralização política, com a consequente crítica ao liberalismo; o anticomunismo;

a formulação de um novo conceito de democracia; além de uma forte marca

33

BRASIL. Decreto n. 1.915, de 27 de dezembro de 1939. Cria o Departamento de Imprensa e Propaganda e dá outras providências. In: Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados – Legislação Informatizada. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1915-27-dezembro-1939-411881-publicacao-1-pe.html.> Acesso em: 27 mar. 2009. 34

VELLOSO, 1987, p. 20.

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66

nacionalista. A proposta de fundação de um novo Estado, “verdadeiramente

nacional e humano”35 foi a grande tônica do discurso político pós-1937,

provocando um anseio maior pelo redescobrimento do Brasil.

A dimensão das suas competências provocou a reação de Capanema, tal

como ocorrera antes em relação ao Departamento de Propaganda e Difusão

Cultural, que, em um memorial dirigido a Getúlio Vargas, em 1941, criticou o

órgão, ressaltando sua ineficiência na pregação e defesa do Estado Novo, e

sugerindo novas diretrizes que reforçariam a valorização das ações concretas do

governo.36

No âmbito de atuação do Ministério da Educação e Saúde, além da

continuidade e regulamentação das atividades dos órgãos que foram retratados

acima, a maior inovação realizada durante o Estado Novo foi a criação do

Conselho Nacional de Cultura, em 1938. O Conselho tinha como finalidade discutir

sobre atividades que visavam ao desenvolvimento cultural do país, o que

compreendia a produção filosófica, científica e literária; o cultivo das artes; a

conservação do patrimônio cultural; o intercâmbio intelectual; a difusão cultural

entre as massas através do livro, rádio, teatro, cinema; a propaganda e a

campanha em favor das causas patrióticas ou humanitárias; a educação cívica; a

educação física; e a recreação individual ou coletiva.37

A abrangência de suas competências e o compartilhamento de atribuições

com o DIP, que foi criado posteriormente, permite observar a grandeza dos

propósitos de Capanema para área cultural como um todo, incluindo a

propaganda. No entanto, as poucas informações disponíveis sobre suas

atividades dificultam a formulação de qualquer conclusão sobre o assunto.38

E, apesar das divergências, o Departamento e o Ministério empenharam-se

na construção de uma identidade nacional baseada na valorização das qualidades

35

GOMES, 1994, p. 173. Os grifos são da autora. 36

SOUZA, 2003, p. 161-173. 37

BRASIL. Decreto-lei n. 526, de 1 de julho de 1938. Institui o Conselho Nacional de Cultura. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=100871>. Acesso: 14 jul. 2008. 38

Sobre a falta de informações acerca do Conselho Nacional de Cultura, ver CALABRE, 2009, p. 43.

Page 78: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

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do homem, da natureza e da cultura brasileira, buscando “transformar a nação em

um todo orgânico, uma entidade moral, política e econômica cujos fins se

realizariam no Estado.”39

A recuperação do passado ganhou importância nesse contexto,

representando uma tentativa de reajustar a “essência” nacional, perdida durante

as primeiras décadas do período republicano. Essa questão deu origem ao

discurso da superação da situação anterior, a partir de uma mudança radical que

caracterizava esse novo momento e justificava as expressões como “Estado

Novo”, “Brasil Novo”, “novo regime”, “ordem nova”. Assim, os episódios de 1930 e

1937 eram vistos como duas etapas de um mesmo processo de libertação da

experiência liberal da Primeira República, assinalados pelo caráter de retorno à

realidade nacional.40

Ao demarcar “seu” lugar na história, o governo, durante o Estado Novo,

procurou refazer o próprio “sentido” da história do país. Realizou-se, dessa

maneira, um esforço consciente e avultado para redescobrir o passado histórico

enquanto realidade antecedente e passível de compreensão, que era fonte de

explicação para o novo.41

No âmbito educacional, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942,

separou o ensino de história do Brasil do da história geral, dando maior destaque

à história pátria, centrada na valorização dos vultos nacionais. Mas, desde 1937,

com o Plano Nacional de Educação, “os grandes homens de virtudes heroicas”

eram estudados através da disciplina de Educação Moral e Cívica. Diretrizes

semelhantes ao do curso superior de História, pelo menos no âmbito da

Universidade do Brasil.42

39

SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 183. 40

VELLOSO, 1982, p. 83, CAPELATO, 1998, p. 174, GARCIA, 1982, p. 86 e GOMES, 1994, p. 177-178. 41

GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores: a política cultural no Estado Novo. Rio de

Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 23 e 145. 42

Ibid., p. 146 e SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 199. Sobre os cursos superiores de história no Rio de Janeiro ver FERREIRA, Marieta de Moraes. Notas sobre a institucionalização dos cursos universitários de História no Rio de Janeiro. In: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado (org.). Estudos sobre a escrita da história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, p. 139-161.

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68

Em 1940, o decreto-lei n. 2.096 criou o Museu Imperial em Petrópolis, tendo

como principais objetivos recolher, ordenar e expor objetos de valor histórico ou

artístico referentes aos reinados de d. Pedro I e de d. Pedro II. Aberto ao público

em 1943, o Museu desempenhou papel importante na construção de uma

memória nacional a partir da materialização do passado monárquico, considerado

o período áureo da história brasileira.43

Ainda em 1940 foram multiplicadas, em todo país, as sedes do Instituto

Histórico e Geográfico, todas elas subsidiadas pelo governo federal. A partir de

1941, a revista Cultura Política, produzida pelo DIP, também atuou no sentido de

reconstruir e divulgar a história do Brasil. Na Rádio Nacional (incorporada pelo

governo), foram produzidos programas de música folclórica, a “Nota histórica”, na

qual eram rememoradas as grandes datas e heróis nacionais, e o “Rádio-teatro”,

que explorava os fatos históricos. Além disso, a recuperação do passado integrou

um verdadeiro calendário de comemorações de centenários de acontecimentos,

de nascimento ou morte dos mais notáveis personagens e instituições da história

do Brasil, que contavam com o sistemático comparecimento e apoio do Ministério

da Educação e Saúde.44

Nesse breve painel observou-se que, considerando a cultura como “negócio

oficial”, o governo Vargas atendeu a muitas das demandas de artistas e

intelectuais, que foram colocadas como problemas de Estado e transformadas em

objetos de políticas específicas que começaram a ser delineadas nesse momento.

Por outro lado, por meio dos incentivos e da criação de novos espaços de

trabalho, o governo também utilizou essas iniciativas em proveito próprio,

43

BRASIL. Decreto-lei n. 2.096 de 29 de março de 1940. Cria, na cidade de Petrópolis, o Museu Imperial. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=132200>. Acesso: 2 out. 2010. Sobre o Museu Imperial ver MONTALVÃO, Cláudia Soares de Azevedo. Do Paço ao Museu: o Museu Imperial e a instituição da memória da monarquia brasileira (1940-1967). 2005. Tese (doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. Além do Museu Imperial, cumpre mencionar a criação de dois outros importantes museus históricos durante o Estado Novo, o Museu da Inconfidência, instituído pelo decreto-lei n. 965, de 1938, em Minas Gerais, e o Museu das Missões, estabelecido pelo decreto-lei n. 2.077, de 1940, no Rio Grande do Sul. 44

GOMES, 1996, p. 146 e VELLOSO, 1987, p. 23-28.

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69

controlando, de certa forma, a produção artística e intelectual, para o qual contava,

ainda, com o aparato da censura e da propaganda.45

2.2 - Do Teatro-Escola à Comissão de Teatro Nacional

A chegada de Getúlio Vargas à presidência gerou expectativa em grande

parte do meio teatral. Responsável por encaminhar o projeto de lei que

regulamentou as profissões de artista e auxiliar teatral, e que tomaria seu próprio

nome, Vargas era tratado com profundo respeito pelo setor. Ainda em 1927 foi

inaugurada na sede da SBAT uma foto do então ministro da Fazenda, por conta

de sua ação a favor do teatro. No ano seguinte, Getúlio recebeu o título de vice-

presidente de honra da Casa dos Artistas, cujo presidente era Washington Luís,

pois em seu governo o decreto foi sancionado. Neste mesmo ano, Gomes Cardim

foi ao Rio Grande do Sul como representante da classe teatral para assistir sua

posse na presidência daquele estado.46

No final de 1930, a diretoria da Casa dos Artistas convidou alguns

elementos do teatro para apresentarem suas sugestões e organizarem um

memorial que seria entregue ao governo, contendo medidas que visavam à

“criação do Teatro Nacional”. Em uma reunião ocorrida no dia 14 de dezembro foi

lida uma mensagem que era seguida por um plano formulado por nomes como

Eduardo Vieira, Oduvaldo Vianna, Itália Fausta, Olavo de Barros, Charles Florence

e Manuel Durães. O dramaturgo e crítico Abadie Faria Rosa também foi chamado,

mas não compareceu à reunião.

A mensagem se iniciava da seguinte maneira:

Nós os profissionais de Teatro, até agora desamparados nas nossas aspirações e, portanto, vivendo ao Deus dará das eventualidades, certos do firme propósito, de V. Excia. [sic] em particular e da vitoriosa Revolução Brasileira, qual o de reformar e refundir, para melhor, todos os campos de atividade nacional, vimos, confiantes nesse propósito e nas provas sobejas que já obtivemos do seu real interesse pela nossa causa, a par da benevolência manifesta para com todos

45

GARCIA, 1982, p. 68. 46

NUNES, 1956, v. 3, p. 71 e 113 e Anuário da Casa dos Artistas, 1937, s.p.

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os que se dirigem a V. Excia. [sic], sugerir algumas medidas, a nosso ver, oportunas, em prol do Teatro Nacional e dos que dele e para ele vivem.

47

Além de reforçar o vínculo de Vargas com a causa do teatro, lembrando da

sua realização anterior, o trecho apresenta a situação instável pela qual passava a

maior parte dos profissionais da área. Seguindo a mensagem, aparece o tema das

subvenções, vistas de forma negativa, já que “transformavam as melhores

iniciativas em privilégios de castas com detrimento evidente do bem coletivo”.48 As

recomendações apresentadas, pelo contrário, tinham uma finalidade mais

definitiva, a da própria “criação do Teatro Nacional”.49

O discurso, apesar de colocar o setor em certa posição de subserviência, e

conter referências elogiosas ao chefe de Estado e ao governo instalado, apontava,

também, para a questão da insuficiência dos mecanismos de proteção, incluindo

aquele que fora elaborado pelo então deputado federal.50

As sugestões contidas no memorial estavam organizadas em vinte e um

itens e pleiteavam um programa de estímulo ao teatro e aos artistas e autores

nacionais, trazendo em seu bojo um ideal “elevado” de teatro, considerado como

um “meio de expansão cultural dos povos”.51

A tarefa principal, que ficaria a cargo do recém-criado Ministério da

Educação e Saúde Pública, seria a oficialização de alguns teatros e companhias.

Outros pontos propostos eram a incorporação dos teatros João Caetano e

Municipal ao patrimônio da União; a aquisição de teatros necessários para a

instalação das companhias oficiais; e a anexação, ao Teatro Nacional, do Instituto

47

Tanto a mensagem quanto as “Sugestões para a criação do Teatro Nacional apresentadas pela Casa dos Artistas, ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, D.D. Chefe de Estado” estão transcritas em: HÁ dez anos. Anuário da Casa dos Artistas, 1940, s.p. 48

Ibid. 49

Ibid. 50

Ao analisar os pedidos feitos por populares e sindicatos em correspondências enviadas ao presidente Getúlio Vargas, Jorge Ferreira destaca as estratégias utilizadas e a apropriação do discurso oficial por estes, propondo uma interpretação que rechaça a ideia de conformismo ou passividade em relação ao Estado instituído a partir de 1930. Muitos de seus exemplos assemelham-se bastante aos casos encontrados na documentação analisada neste trabalho. Ver FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular. Rio de Janeiro: Editora

Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 21-56. 51

HÁ dez anos, 1940, s.p.

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de Música e da Escola Dramática Municipal ou criação de um Conservatório

Nacional.

O chamado Teatro Nacional seria uma espécie de órgão, administrado por

um diretor-geral, por uma diretoria e por um conselho deliberativo formado por

representantes da Casa dos Artistas, SBAT, Associação Brasileira de Imprensa,

Instituto Nacional de Música, Escola Dramática Municipal e Companhia Nacional

de Dramas e Comédias. Além disso, o governo estabeleceria outras medidas,

como um concurso para obras teatrais que tratassem de assuntos nacionais; a

isenção de impostos, por cinco anos, para todo aquele que construísse teatro; a

criação de um montepio para os artistas das companhias oficiais; e a instituição de

uma contribuição de 2% para todas as companhias estrangeiras que realizassem

temporadas no Brasil.

Observa-se, desse modo, que as propostas tinham como objetivo superar

alguns dos problemas enfrentados pelo setor: o do alto custo que representava a

manutenção de uma companhia, o da inconstância do público e o da falta de

teatros. A oficialização de companhias também permitiria o desenvolvimento de

um programa mais elaborado, distante das interferências de questões conjunturais

que afetavam, com frequência, os espetáculos teatrais.

As medidas se restringiriam ao Rio de Janeiro, já que não existe nenhuma

menção a outros estados ou municípios. Outro ponto a destacar é o da presença

de representantes da classe teatral como membros do conselho deliberativo, ao

qual caberia estudar e organizar as determinações oficiais. A participação do setor

era vista como um elemento fundamental nesse processo, revelando uma

disposição em contribuir ativamente para a implantação dessas ideias.

No início de 1931 a diretoria da Casa dos Artistas foi recebida em audiência

especial pelo presidente Getúlio Vargas para a entrega do memorial, saindo deste

encontro com a promessa de realização de algo definitivo em prol do teatro. Na

ocasião, Vargas, ou alguém a quem tenha encaminhado esse assunto,

encomendou a análise do plano ao escritor e crítico teatral Alcântara Machado.

Para Alcântara Machado o plano proposto era inexequível e baseado em

falsos pressupostos, dado que para ele o teatro brasileiro não existia, ou melhor,

Page 83: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

72

era apenas na baixa comédia que encontrava uma possibilidade de existência,

gênero que se sustentava sem o auxílio do governo. Entretanto, se este decidisse

amparar o teatro, sugeria que se extinguisse a Escola Dramática Municipal e

convocasse uma comissão para estudar e elaborar um programa de ação

“modesto e discreto”, como achava que deveria ser a ação dos poderes públicos

em relação ao teatro.52

Em 1934, a SBAT se incorporou a um “movimento pró-teatro”, passando a

discutir propostas apresentadas pelos seus sócios, que tinham como fim beneficiar

o teatro nacional. Uma delas, de Paulo de Magalhães, sugeriu várias medidas que

poderiam ser adotadas pelos poderes públicos, tais como: a isenção de impostos

e taxas durante dez anos para incentivar a construção de teatros; a isenção de

impostos e taxas de todos os teatros onde funcionassem companhias brasileiras

que representassem exclusivamente peças nacionais; o abatimento de 60% das

passagens das companhias em turnê; a criação de um Departamento Teatral

Federal de controle e propaganda, gerido por um conselho supremo, composto

por um delegado do governo, um autor, um ator e um empresário eleitos

anualmente pelas suas categorias; a distribuição anual de cinco prêmios aos

empresários, autores e artistas de maior projeção; e, finalmente, a criação de uma

Escola Dramática Nacional com o mesmo status de outros cursos superiores.53

Como na proposta apresentada pela comissão convocada pela Casa dos

Artistas, a de Paulo de Magalhães, divulgada pela SBAT, também previa a

constituição de um órgão e a participação de representantes do setor, o que

demonstrava mais uma vez o desejo em colaborar com a ação governamental.

Prontos para contribuir para a transformação do teatro nacional e

considerando o amparo do governo um elemento essencial, os profissionais de

teatro logo apresentaram suas ideias e sugestões, esperando de Vargas uma

resposta para suas demandas, como fizeram os colegas de outras áreas. A

52

MACHADO, Antônio de Alcântara. Parecer sobre o Memorial elaborado pela Casa dos Artistas. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 21 mar. 1931. 53

MOVIMENTO Pró-teatro. Boletim da SBAT, n. 121, julho de 1934. Notas e Informações, p. 13. A mesma proposta de criação de um Departamento de Teatro foi feita por Paulo de Magalhães em uma reunião convocada por Coelho Neto, realizada em 1926. Ver NUNES, 1956, v. 3, p. 11.

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primeira delas veio logo em 1932, com a formação de uma Comissão no Ministério

do Trabalho, Indústria e Comércio, que tinha como finalidade elaborar o estatuto

dos profissionais de teatro e diversões congêneres. Para isso foram convocados o

oficial de gabinete do ministro Salgado Filho, Alfredo João Louzada, e figuras

representativas do meio teatral, como Abadie Faria Rosa, o empresário Domingos

Segreto, o escritor e empresário João do Rego Barros, o crítico Mário Nunes e

outros. Não foram encontradas mais informações sobre a Comissão, cujos

trabalhos, se houveram, não resultaram em desdobramentos. Mesmo assim,

pode-se inferir que sua criação refletiu o interesse do governo pelas questões

ligadas às relações de trabalho, encontrando-se inserida entre as medidas e

regulamentações que vinham sendo promulgadas nesse momento.54

Entre 1934 e 1935 ocorreu a subvenção do Teatro-Escola, sob a esfera do

Ministério da Educação e Saúde Pública e em conjunto com a prefeitura do Distrito

Federal. Idealizado por Renato Viana, o Teatro-Escola visava “à formação de

artistas e apuramento do gosto da plateia nacional” 55 e pretendia colaborar para

tirar o teatro da situação de decadência em que se encontrava.

Segundo Mário Nunes, a ideia foi apresentada por Ronald de Carvalho,

antigo parceiro de Viana, com quem fundou A Batalha da Quimera em 1922, e que

naquele momento ocupava o cargo de secretário da Presidência da República.

Agendada uma reunião com o presidente Getúlio Vargas e o prefeito do Distrito

Federal, Pedro Ernesto, Renato Viana expôs seu projeto de criação de um teatro

brasileiro oficial, o que compreendia a realização de uma temporada anual de seis

meses, com repertório mínimo de doze peças de autores nacionais e estrangeiros;

a garantia de reserva de lugares para escolas e instituições educacionais

mantidas pelo Estado; o aproveitamento dos alunos diplomados pela Escola

54

NUNES, 1956, v. 4, p. 40. 55

CARVALHO, Ronald. Proposta do projeto Teatro-Escola. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta I (CPDOC/FGV). 26 jun. 1934. A publicação O Governo e o Teatro, que resume a atuação da Comissão de Teatro Nacional, faz referência a duas iniciativas anteriores à implantação do órgão: o Teatro-Escola e a apresentação do oratório Colombo, organizada por Heitor Villa-Lobos, sobre a qual não foi encontrada informação entre a documentação pesquisada. Ver BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. O Governo e o Teatro. Rio de Janeiro, 1937, p. 8.

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Dramática Municipal; a excursão pelos estados; a manutenção de um curso de

cultura popular e de artes; e a apresentação de récitas gratuitas e beneficentes.56

Conseguido o apoio, o Teatro-Escola foi instalado no Teatro Cassino,

recebendo uma subvenção de 250 contos mensais57, contando, ainda, com a

isenção de todos os impostos e o trânsito livre nas vias férreas e navios mercantes

para elenco e material.

Na reunião inaugural de organização compareceram diversas

personalidades aderindo à iniciativa, como Benjamin Lima, Jayme Costa, Cristiano

de Sousa, Mário Nunes, Eros Volúsia, Jarbas Carvalho, Geysa Bôscoli e Lafayette

Silva.

No dia 29 de outubro de 1934 ocorreu a estreia, com a representação de

Sexo, de autoria de Renato Viana, com um elenco composto por nomes como

Olga Navarro, Suzana Negri, Itália Fausta, Jayme Costa, Delorges Caminha, e

pelo próprio Renato Viana. A música era de J. Otaviano, a coreografia de Eros

Volúsia e os cenários de Ângelo Lazzari, a partir de desenhos de Osvaldo

Teixeira. O espetáculo foi recebido com restrições pela crítica e levantou polêmica

por abordar temas como incesto e aborto. Depois de Sexo, seguiram encenações

de Canto sem palavras, de Roberto Gomes; O dote, de Artur Azevedo; O ciclone,

de Somerset Maugham e de outras peças de Viana.58

O empreendimento, no entanto, logo teve problemas. Em carta ao

presidente Getúlio Vargas, de 30 de abril de 1935, Itália Fausta, Jayme Costa e

Olga Navarro acusaram Renato Viana do descumprimento dos contratos, fuga dos

compromissos com os artistas e até de retiradas irregulares de dinheiro. Além

disso, denunciaram seu “temperamento intratável” e seu “mórbido exclusivismo”,

56

NUNES, 1956, v. 4, p. 93. 57

As transformações monetárias pelas quais passou o país, bem como as variações nos índices de inflação, tornam muito difícil a realização de cálculos aproximativos que permitam dar uma ideia atual dos valores dos auxílios concedidos, motivo pelo qual não se tentou nenhum empreendimento do tipo. 58

DÓRIA, 1975, p. 15-16, FERREIRA, 2000, p. 211 e BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 7. O próprio presidente Getúlio Vargas prestigiou o empreendimento, assistindo a representação de Sexo, no dia 10 de novembro, sobre a qual registrou, em seu diário: “É uma peça bem-feita, de grande intensidade psicológica e um pouco de retórica”. Ver VARGAS, Getúlio. Diário, v. I. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995, p. 340.

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que provocaram a exoneração de auxiliares da direção, e criticaram a publicação

Drama, que se destinava apenas a elogiar o diretor. Mário Nunes, em sua coluna

no Jornal do Brasil, culpou a vaidade de Viana pelo fracasso da experiência: “o

idealista é um mau, um péssimo executor”.59

Levantada a polêmica, foram instaurados alguns processos contra Renato

Viana (dos quais foi considerado inocente) e organizou-se uma passeata em

protesto até o Palácio do Catete. Também foi realizado um almoço de desagravo a

Mário Nunes, que denunciou fortemente o Teatro-Escola.60

No final de 1936, Renato Viana escreveu uma carta a Vargas, anexando-a

ao relatório fiscal, para responder às acusações e a “campanha de má fé e

despeito pessoal” contra “a mais vigorosa e bela iniciativa oficial até hoje realizada

no Brasil em prol dos altos interesses da sua cultura”61, confirmando que seguiria

com o Teatro-Escola, mesmo sem o apoio do governo. Aproveitava, ainda, para

condenar a atitude daqueles que o acusaram que, naquele momento, exigiam

subvenções à recém-criada Comissão de Teatro Nacional, diferenciando o seu

projeto dos simples pedidos de emprego que caracterizavam essas solicitações:

O Ministério da Educação, reunido, agora, em comissão permanente, pretende resolver o caso do teatro nacional distribuindo subvenções àqueles que reclamaram contra a subvenção do Teatro-Escola. Contorna, desse modo, o problema cultural dos “sem emprego” da classe. Fica, pois, de pé, para ser resolvido, o problema único: a organização oficial de um Teatro, em bases de direção e disciplina. Essa obra, de resto, o Estado não poderá improvisá-la. Depende de uma preparação oficial, de um curso de aperfeiçoamento e seleção dos valores – precisamente a finalidade do Teatro-Escola, que jamais pretendeu – e Vossa Excelência o sabe – ser o teatro oficial definitivo.

62

59

NUNES, 1956, v. 4, p. 119. FAUSTA, Itália; COSTA, Jayme; NAVARRO, Olga. Carta para o presidente Getúlio Vargas. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta I (CPDOC/FGV). 30 abr. 1935. 60

DÓRIA, 1975, p. 16-17 e NUNES, 1956, v. 4, p. 121. Procópio Ferreira, em sua autobiografia, relatou, ainda, como motivos do fracasso, a ausência de público nos espetáculos, mesmo nos gratuitos, a má escolha do repertório e a não encenação de originais de autores novos. Ver FERREIRA, 2000, p. 211-212. 61

Processo n. 22.648/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). 62

Ibid.

Page 87: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

76

Apesar de se constituir como uma iniciativa isolada e favorecida pelos laços

pessoais, com a subvenção do Teatro-Escola o governo abriu um novo espaço

para o teatro. Assim, atores, autores e entidades perceberam que poderiam

buscar apoio para garantir seus interesses e para a própria causa do teatro,

reforçando seus pedidos e redigindo novos memoriais que, endereçados a

Vargas, foram encaminhados para o ministro da Educação e Saúde Pública,

Gustavo Capanema, que tomava contato com questões relacionadas ao tema

antes do estabelecimento de um órgão específico para tratá-lo.63

Em abril de 1936, a Associação Mantenedora do Teatro Nacional enviou um

memorial, sugerindo ao governo a criação de uma comissão para estudar os

problemas do teatro, e pedindo proteção aos artistas nacionais perseguidos pelos

empresários ligados ao cinema, que “defendiam os capitais estrangeiros”64.

Revelava-se dessa maneira, um elemento que ficou de fora do texto entregue pela

Casa dos Artistas em 1931, que associava a falta de emprego à expansão do

cinema. E não somente a situação era exposta, como apareciam alguns dos

responsáveis pela mesma, como o empresário Luiz Severiano Ribeiro, que alugou

uma casa de espetáculo e deixou-a fechada para que não fosse utilizada como

teatro.

Capanema, após a leitura do memorial, mandou um ofício para Vargas

reiterando o pedido da Associação e concordando com a ideia de que a crise do

teatro relacionava-se ao aumento de cinemas. Crise que adquiria, no Brasil, uma

característica particular, pois faltava “boa literatura dramática” e “o grau de cultura

ainda elementar do povo” não bastava para estimular “os empreendimentos de

cunho elevado”65 que careciam de continuidade. O ministro não acreditava,

63

Estes passariam depois ao conhecimento da Comissão de Teatro Nacional. Segundo Jorge Ferreira, a Secretaria da Presidência da República era o órgão responsável pela correspondência enviada ao presidente da República, e funcionava como eficiente canal de comunicação entre o governo central e os diversos segmentos da sociedade. Cada correspondência recebida era transformada em processo administrativo e enviada aos órgãos estatais, de acordo com o assunto, para que pudessem dar um parecer sobre o caso e, talvez, uma possível solução. Ver FERREIRA, 1997, p. 69-90. 64

Processo n. 13.243/36. Comissão de Teatro Nacional, pasta 1 - Processos 1936 (CEDOC/FUNARTE). 65

Ibid.

Page 88: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

77

contudo, que os empresários agissem propositalmente, pois, além do aspecto

comercial, o que os movia era a satisfação do público que queria “cinema

estrangeiro, noventa por cento americano”. Dessa forma, apontava para a

importância da educação, que elevaria o nível artístico e cultural da população, do

qual se beneficiaria “o pobre teatro nacional”.66

Mesmo desconhecendo as preferências de Capanema, percebe-se o

quanto ele compartilhava da ideia de que a produção teatral necessitava de

aprimoramento, tendo a educação um papel fundamental nesse processo. Anos

depois, em 1940, em entrevista concedida ao Anuário da Casa dos Artistas, o

ministro falou a respeito de sua concepção de teatro. Não se sabe se essas

opiniões sofreram influência das atividades que passou a organizar a partir de

1936, mesmo assim, elas revelam muito sobre suas ações. Perguntado se

considerava o teatro um divertimento, uma distração ou um passatempo,

Capanema respondeu que o teatro era uma expressão de cultura, que tinha a

finalidade de “elevar e renovar a personalidade humana.” 67 Em relação à proteção

do governo à área, Capanema, disse que a preocupação essencial era a de fazer

com que a nossa cultura ficasse “maior, mais bela, mais útil, mais digna.”68

Em junho de 1936, o ator Jayme Costa solicitou uma subvenção ao

presidente da República, reforçando sua batalha pelo engrandecimento do teatro

no Brasil e as dificuldades de viver dessa arte no país. Pedido que foi respondido

negativamente por Capanema, alegando falta de verba.69

Em julho, Eduardo Vitorino relatou os obstáculos enfrentados por sua

companhia, reclamando dos empresários e dos donos de teatro, e propondo a

construção de um teatro de emergência – ideia que foi bem recebida pelo ministro,

66

Ibid. 67

RESPOSTA do ministro Gustavo Capanema ao questionário sobre as finalidades do teatro. Anuário da Casa dos Artistas, Rio de Janeiro, 1941, p. 35 e CAPANEMA, Gustavo. [Resposta a enquete sobre teatro elaborada pelo Anuário da Casa dos Artistas]. Arquivo Gustavo Capanema,

Série MES; GCg 35.03.09, pasta VIII (CPDOC/FGV). 23 jan. 1940. 68

Ibid. 69

Processo n. 10.418/36. Comissão de Teatro Nacional, pasta 1 - Processos 1936 (CEDOC/FUNARTE).

Page 89: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

78

que sugeriu a Vargas a aquisição de um teatro para a realização de um programa

de amparo à arte dramática nacional.70

Um mês depois, a Casa dos Artistas, mais uma vez, dirigiu-se ao presidente

da República cobrando medidas eficazes de amparo. Álvaro Pires, então

secretário da entidade, a representou em uma audiência com Getúlio Vargas, na

qual expôs a situação delicada que sofria a classe teatral. Dessa vez, saiu com

uma resposta positiva de Getúlio, que foi transcrita pelo Jornal do Brasil de 3 de

setembro:

Várias vezes os artistas têm apelado para mim. Tenho prometido, mas razões independentes de minha vontade têm desviado minha atenção desses pedidos de grande interesse social. Porém, desta vez, prometo tomá-los em grande conta e realizar a obra sonhada por quantos labutam na cena nacional.

71

Como ocorreu com outras áreas da cultura, o governo passou a atender às

demandas do teatro. Mas, para encontrar a melhor solução para a questão era

preciso uma reunião com os ministros da Educação e do Trabalho:

Ao primeiro autorizarei a organização de uma Comissão especial para estudar e assentar as bases da reorganização do Teatro Nacional. Dessa Comissão, por indicação minha devem fazer parte, além de outros, o ator Procópio Ferreira e um representante da Casa dos Artistas (...). Ao ministro do Trabalho falarei no sentido de fazer cumprir as leis dos 2/3 e de contratos e ver a melhor forma de dar andamento aos processos dos artistas quando afetos a seu ministério.

72

Além das iniciativas em âmbito federal, o presidente Getúlio Vargas

também se comprometeu a procurar o prefeito para conversar sobre a construção

de teatros de emergência no Rio de Janeiro.

Assim, depois de muitas tentativas e de uma longa luta que iniciara nos

governos anteriores, a classe teatral conseguiu uma resposta diferente da parte

70

Processo n. 16.713/36. Comissão de Teatro Nacional, pasta 1 - Processos 1936 (CEDOC/FUNARTE). 71

VARGAS apud O SECULAR problema do teatro nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 set.

1936. Teatros, p. 11. 72

Ibid.

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79

dos poderes públicos, a partir da constituição de um órgão voltado para estudar as

questões do meio.

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80

Capítulo 3

A Comissão de Teatro Nacional: a realização da “obra sonhada”

A Comissão de Teatro Nacional, criada por determinação do próprio

presidente Vargas, representou um passo importante para a conquista de um

lugar para as questões teatrais na esfera governamental. No entanto, ao mesmo

tempo em que levaram as discussões para o âmbito oficial, artistas, empresários,

autores e entidades tiveram que adequar seus propósitos às diretrizes culturais do

governo.

Este capítulo pretende acompanhar o início do processo de construção de

uma política para o teatro, tendo como foco a atuação da Comissão de Teatro

Nacional. A primeira parte tratará da sua organização e composição. Logo depois,

se examinarão as discussões e os projetos realizados, destacando a atividade de

subvenção. Por último, se abordará a extinção do órgão, ocorrida no final de 1937,

e, ainda, as conclusões dos membros sobre essa experiência de amparo ao teatro

brasileiro.

3.1 - Os problemas do teatro como objetos de estudo

Instituída por portaria de 14 de setembro de 1936, a Comissão de Teatro

Nacional tinha como competências: estudar, do ponto de vista nacional, a questão

da edificação e da decoração dos teatros; determinar as medidas necessárias

para selecionar “os espíritos dotados de real vocação para o teatro”, e

relacionadas à organização de cursos para o preparo de atores; indicar as

providências para o incremento da “boa” literatura dramática; estudar a história da

literatura dramática brasileira e portuguesa; estudar a história da literatura

dramática estrangeira, selecionando as obras convenientes para a tradução;

estudar o teatro lírico e a arte coreográfica; estudar o teatro infantil; e, examinar

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81

todos os demais aspectos do problema do teatro, a fim de sugerir ao governo as

medidas que favorecessem o seu desenvolvimento.1

Analisando suas atribuições, percebe-se o caráter abrangente de atuação

da Comissão, destacado seu papel na promoção de estudos. Outro ponto a

ressaltar é o de que a iniciativa oficial assumiu as ideias debatidas no meio,

partindo da questão do(s) problema(s) e da necessidade de aprimoramento do

teatro para realizar intervenções na área.

Entre os obstáculos que a Comissão pretendia enfrentar, figuravam tanto

aqueles que envolviam os aspectos materiais, como a falta de casas de

espetáculos, como os de ordem artística, exemplificado pela atribuição de

“incrementar a boa literatura dramática”2. A portaria também expressava a

preocupação com o teatro infantil, questão que levava em consideração a função

educativa do teatro.

Além de definir as competências, o ato de 14 de setembro determinou as

normas de funcionamento do órgão, que se reuniria todas as quintas-feiras às 15

horas, na sede do Ministério, sob a presidência de um de seus sete membros ou

do próprio ministro, quando estivesse presente. Para cada questão debatida

haveria um relator, que trataria de seu trabalho por escrito, apresentando-o para

discussão e votação na sessão seguinte. Estava prevista, também, a publicação

de um boletim trimestral que traria um relatório das atividades do órgão e outros

estudos.

Tal como ocorreu nos casos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional e do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a Comissão de Teatro

Nacional passou por um período experimental, que compreendeu os últimos

meses do ano de 1936. Em janeiro de 1937, a lei n. 378, instituiu a Comissão

como órgão permanente, ao qual competia “estudar, em todos os seus aspectos, o

problema do teatro nacional, e propor ao Governo as medidas que devessem ser

1 Portaria s.n., de 14/9/1936. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 -

Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 2 Ibid., os grifos são nossos.

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tomadas para a sua conveniente solução” 3. A mesma lei destinou a verba para as

despesas necessárias ao “desenvolvimento do teatro nacional”, fixada na quantia

de 600 contos de réis para o ano de 1937.

A criação da Comissão provocou uma reação positiva por parte do meio

teatral. A escolha dos seus membros também movimentou a imprensa e as

entidades representativas do setor. Não se encontrou informação sobre o motivo

da ausência de Procópio Ferreira, nome sugerido pelo presidente da República.4 A

Casa dos Artistas, porém, atendendo à solicitação de Getúlio Vargas, enviou uma

lista com representantes para serem escolhidos, na qual apareceram: Álvaro

Pires, Antônio Sampaio, Carlos Machado, Chaves Florence, Cândido Nazaré,

Eduardo Vieira, Itália Fausta, Olavo de Barros, Restier Júnior e o próprio Procópio

Ferreira. A SBAT sugeriu Renato Viana, suscitando o protesto de Itália Fausta,

que declinou da sua indicação, motivada pelos problemas ocorridos com o Teatro-

Escola.5

Além de Olavo de Barros, representante escolhido da Casa dos Artistas, a

Comissão contou com outros nomes ligados ao teatro, como os dos dramaturgos

Benjamin Lima e Oduvaldo Vianna, e de personalidades reconhecidas no campo

da cultura como Celso Kelly, Múcio Leão, Francisco Mignone e Sérgio Buarque de

Holanda. Entre maio e junho de 1937, Francisco Mignone, que viajou para

Alemanha para reger a Orquestra de Berlim, foi substituído por Oscar Lorenzo de

Fernandez.

3 BRASIL. Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937. Dá nova organização ao Ministério da Educação e

Saúde Pública. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102716. Acesso em: 11 mai. 2008. Nota-se que o orçamento da Comissão era maior do que o do Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Museu Nacional de Belas-Artes e do Serviço de Radiodifusão Educativa, que estava voltado, nesses casos, apenas para as despesas com material. 4 Em sua autobiografia, Procópio não esclarece a história, mas revela que possuía certa

proximidade com Vargas: “Em assuntos de teatro, Getúlio Vargas só confiava em mim”. FERREIRA, 2000, p. 285-286. 5 NUNES, Mário. O Teatro Nacional e o Poder Público. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 out.

1936. Teatros, p. 24, CASA dos Artistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 set. 1936. Teatros, p. 13 e ATITUDE de protesto da atriz Itália Fausta. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 set. 1936. Teatros, p. 12.

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Membros da Comissão de Teatro Nacional 6

Membro Formação/carreira Cargos ocupados na administração

pública Benjamin Lima (Óbidos-PA, 27/11/1885)

Jornalista, dramaturgo, tradutor e crítico teatral. Formado em Direito, foi professor, promotor público e escrivão federal.

Diretor do Curso Prático de Teatro (SNT) a partir de 1939.

Oduvaldo Vianna (São Paulo, 27/2/1892)

Jornalista, dramaturgo, tradutor e empresário teatral. Frequentou a Faculdade de Farmácia e Odontologia. Estreia profissional em 1916, com a opereta A ordenança do coronel. Escreveu comédias, vaudevilles, revistas, operetas e sainetes. Foi um dos fundadores da SBAT em 1917 e eleito conselheiro perpétuo da mesma entidade em 1931. Estudou cinema nos EUA e dirigiu alguns filmes. Adaptou romances para o rádio.

Diretor da Escola Dramática Municipal a partir de 1935.

Olavo de Barros (Curitiba, 8/2/1893)

Ator, autor, ensaiador e diretor. Estreou como ator em 1916. Atuou em diversas companhias como a de Leopoldo Fróes e Adelina Abranches (Portugal). Diretor e ensaiador das companhias de Dulcina de Moraes, de Revistas de Luiz Iglézias e Freire Júnior, etc. Precursor no radioteatro, na Rádio Mayrink Veiga. Escreveu comédias, revistas e livros sobre anedotas do teatro. Tesoureiro da Casa dos Artistas entre 1934 e 1935, e presidente de 1936 a 1937. Deixou de pertencer a esta entidade em 1939. Tesoureiro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais em 1940.

Nomeado para a Comissão Técnica Consultiva do SNT em 1943.

Celso Kelly (Niterói-RJ, 1906)

Artista plástico, crítico e professor. Frequentou a Faculdade de Direito e a Escola Nacional de Belas-Artes. Dedicou-se ao

Diretor do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal a partir

6 Sobre Benjamin Lima ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 299. Sobre Oduvaldo Vianna ver VIANNA, 2008,

p. IX-XXXIV. Sobre Olavo de Barros ver o prefácio de Djalma Bittencourt para BARROS, Olavo. O Teatro visto por dentro e visto por fora... Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro – Ministério da Educação e Cultura, p. IX-XI, 1970, seu depoimento em BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Fundação Nacional de Arte. Serviço Nacional de Teatro. Depoimentos, v. I. Rio de Janeiro, p. 73-88, 1976, e Anuário da Casa dos Artistas, 1937, 1939, s.p. Sobre Celso Kelly ver KELLY, Celso. Encruzilhadas (Teatro). Rio de Janeiro: Edições GTL, s.d., e MICELI, Sérgio. Imagens Negociadas: Retratos da elite brasileira (1920-40). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 44. Sobre Francisco Mignone ver a biografia escrita por Liddy Chiaffarelli em MIGNONE, Francisco. A Parte do Anjo (autocrítica de um cinquentenário). São Paulo: E. S. Mangione Editor, p. 67-75, 1947. Sobre Múcio Leão ver MELO FILHO, Murilo. Múcio Leão: centenário. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2001, p. XI-XII e 13-25. Sobre Sérgio Buarque de Holanda ver DIAS, Maria Odila L. Silva. Pequena Biografia. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro/Rioarte-Fundação Rio. Ano 3, n. 6, jul. 87, p. 6-7. A portaria de nomeação de Sérgio Buarque de Holanda para a Comissão de Teatro Nacional encontra-se digitalizada no sítio Sérgio Buarque de Holanda – 100 anos. Disponível em: http://www.unicamp.br/siarq/sbh/biografia_13.html. Acesso: 13 nov. 2009. Sobre Oscar Lorenzo de Fernandez ver CACCIATORE, Olga G. Dicionário Biográfico de Música Erudita Brasileira: compositores, instrumentistas e regentes, membros da ABM (inclusive musicólogos e patronos). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 234-236.

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ensino artístico e à crítica de arte na imprensa. Foi presidente da Associação dos Artistas Brasileiros. Escreveu várias peças teatrais.

de 1935. Nomeado para a Comissão Técnica Consultiva do SNT em 1943

Francisco Mignone (São Paulo, 3/9/1897)

Compositor, regente, pianista, flautista e professor. Formou-se no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Escreveu músicas populares e eruditas, algumas delas de destacado viés nacionalista, como a ópera O contratador de diamantes e a peça sinfônica Maxixe.

Professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo a partir de 1929. Professor da cadeira de Regência de Orquestra do Instituto Nacional de Música a partir de 1934. Em 1939 passou no concurso para a mesma cadeira, na então Escola Nacional de Música.

Múcio Leão (Recife, 17/2/1898)

Jornalista. Formado em Direito. Escreveu vários romances e livros de poesia. Fundou o jornal A manhã, com Cassiano Ricardo e Ribeiro Couto. Membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou no Jornal do Brasil, em 1927, o artigo A crise do Teatro.

Durante o governo provisório de Getúlio Vargas foi diretor da Casa de Rui Barbosa. Responsável pelo suplemento “Autores e Livros” do jornal A manhã (porta-voz do Estado Novo) de 1941 a 1945.

Sérgio Buarque de Holanda (São Paulo, 11/7/1902)

Escritor e professor. Formado em Direito. Fez suas primeiras contribuições literárias e jornalísticas ainda em São Paulo. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Foi um dos fundadores da revista Estética em 1924. Publicou, na revista Klaxon, Antinous, episódio quase dramático. Trabalhou como jornalista na Alemanha, para onde viajou em 1929. Publicou o ensaio Raízes do Brasil em 1936.

Professor da Faculdade de Filosofia na Universidade do Distrito Federal, a partir de 1936. Em 1939 foi convidado a dirigir a Seção de Publicações do Instituto Nacional do Livro.

Oscar Lorenzo de Fernandez (Rio de Janeiro, 4/11/1897)

Compositor, professor e regente. Estudou no Instituto Nacional de Música. Compôs diversas peças de conteúdo nacionalista, como Imbapara, baseada em temas indígenas, e a ópera Malasarte, com texto de Graça Aranha. Criou a revista mensal Ilustração Brasileira em 1930. Foi um dos fundadores do Conservatório Brasileiro de Música em 1936.

Professor do Instituto Nacional de Música a partir de 1923. Depois professor do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal. Nomeado para a Comissão Técnica Consultiva do SNT em 1943.

Desconhecem-se os critérios de seleção dos membros da Comissão. Em

relação aos “homens de teatro”, cabe considerar que estes ocupavam posições

diferentes nesse campo. Oduvaldo Vianna era um nome ilustre e ligado à SBAT,

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da qual foi um dos fundadores.7 Pertencia à cena tradicional, suas peças tinham

grande sucesso comercial e eram encenadas pelas mais conhecidas companhias

do país. Esse também era o caso do ator, ensaiador e autor Olavo de Barros, que

na época era o presidente de outra entidade importante, a Casa dos Artistas. A

situação de Benjamin Lima era um pouco distinta, pois sua atuação estava mais

ligada à atividade da crítica, e, como autor, não detinha tanto sucesso. Além disso,

ficara marcado pela polêmica de sua peça O homem que marcha, de 1925, que foi

encenada apenas uma vez.8

Múcio Leão tinha um cargo de certo destaque na administração Vargas.

Francisco Mignone era um respeitado compositor e professor. Celso Kelly era uma

figura que transitava pelos meios intelectuais cariocas e dirigia o Instituto de Artes

da Universidade do Distrito Federal, onde Sérgio Buarque de Holanda e Oscar

Lorenzo de Fernandez eram professores.

A hipótese levantada é a de que os membros da Comissão foram

escolhidos por motivos diferenciados. A despeito de todos possuírem, em graus

muito variados, uma projeção nos campos intelectual e artístico, é necessário

ressaltar, em primeiro lugar, a presença de um representante indicado pela classe,

fato especialmente significativo considerando a ênfase dada à questão do trabalho

pelo governo Vargas.

Da mesma forma, deve-se destacar a convocação de especialistas do meio

e de áreas afins, que se constituiu como outra marca do governo Vargas.

Especialização que, no caso da maior parte dos membros escolhidos para compor

a Comissão, foi adquirida não através da formação superior, mas pela prática.

Provenientes de várias regiões do país, essas figuras encontraram na capital

federal o ambiente propício para o desenvolvimento de suas carreiras, trabalhando

7 É interessante atentar que Oduvaldo Vianna tinha estreitas relações com grupos comunistas,

abrigando em sua casa diversas reuniões, das quais, segundo sua esposa, não participava. Em 1945, ele foi eleito deputado estadual pelo Partido Comunista Brasileiro. Ver mais em VIANNA, Deocélia. Companheiros de viagem. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984, p. 46 e 81-89. 8 Segundo Giuliana Simões o fato foi motivado pela peça representar uma tentativa de ruptura com

os padrões estéticos vigentes e pela inserção de temáticas consideradas “ultrajantes à família brasileira”. Depois do fracasso nos palcos, a peça ainda seria motivo de embates na Academia Brasileira de Letras, pois vencera um concurso literário que foi impugnado por alguns membros indignados com o teor do texto. SIMÕES, Giuliana. Veto ao modernismo no teatro brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 138-152.

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na imprensa, que até então era a principal instância de produção cultural e o

grande espaço da vida intelectual. Além da atividade na imprensa, outro dado

importante é quase todos ocupavam postos na administração pública. Nota-se, por

exemplo, a presença de dois professores e um diretor da Universidade do Distrito

Federal, instituição que reuniu inúmeros nomes reconhecidos da cultura e ciência

brasileiras na época. Assim, a experiência em órgãos públicos pode ter sido fator

de relevância para a seleção, tal como sua participação na Comissão pode ter

sido responsável pela convocação de alguns deles para atuarem em outras

instituições durante o governo Vargas, como sugerem algumas informações

existentes no quadro exposto.

A nomeação de apenas três figuras ligadas ao teatro mereceu algumas

críticas. O dramaturgo Paulo de Magalhães, então vice-presidente da SBAT,

enviou uma carta para Getúlio Vargas condenando tal fato:

A “Comissão” nomeada se é verdade que a compõe de nomes por todos os títulos respeitáveis, é, nitidamente ineficiente como órgão técnico em matéria teatral. Dos sete membros que a compõem, os verdadeiros e genuínos “homens de teatro”, homens que conhecem a vida íntima, o mecanismo técnico, as necessidades verdadeiras do palco brasileiro, estão em visível minoria... Esta é a primeira falha mental. É óbvio que uma “Comissão de teatro” só pode ser composta por técnicos especializados em teatro!... Organizá-la com diverso critério é ingênuo e inoperante...”

9

A primeira reunião da Comissão ocorreu no dia 5 de novembro de 1936,

quase dois meses depois da publicação da portaria. Na ocasião, Gustavo

Capanema expôs o desejo do governo em promover a melhoria da arte dramática

e as condições de vida de seus artistas. Além desta, o ministro participou de

diversas reuniões, opinando sobre as questões debatidas e indicando outras que

deveriam ser tratadas. Suas considerações também apareciam com frequência

nos processos, dado que a ele cabia a “segunda palavra” após as deliberações da

Comissão.

9 Processo n. 27.016/37. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO

NACIONAL/RJ).

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Sua presença marcante corrobora a ideia de que o ministro empenhou-se

pessoalmente na administração da cultura, ultrapassando as meras atividades

burocráticas. Algumas vezes, o que valiam eram os seus argumentos, como

mostra um caso de pedido de subvenção não autorizado a um grupo de Peixoto

Júnior (Pernambuco), apesar do parecer favorável de Celso Kelly, da

disponibilidade da verba e da concessão semelhante deferida a favor do Colégio

Pedro II.10

Ainda na primeira reunião foram entregues para a Comissão os processos

existentes, Múcio Leão escolhido para presidente e Celso Kelly para secretário. Ao

todo ocorreram 58 sessões da Comissão, que vigorou por um pouco mais de um

ano, período em que recebeu várias visitas. Dentre elas estiveram a de Mário de

Andrade, na época diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Joracy

Camargo, Abadie Faria Rosa, Villa-Lobos, e a do escritor argentino Francisco J.

Bollas, que falou sobre a Seção de Teatro da Comissão Nacional de Cultura

daquele país.11

A Comissão também promoveu três conferências, proferidas pelo professor

francês Robert Garric, pelo músico e professor Antônio Sá Pereira e pelo

dramaturgo Joracy Camargo. Todas as palestras, a despeito de terem o teatro

como tema, versavam sobre diferentes aspectos. A de Robert Garric, intitulada

Théâtre et ses problémes, dava um panorama mundial sobre o assunto. A de

Antônio Sá Pereira, Teatro – Padrão de Cultura, focalizava o caso brasileiro e

apresentava propostas para a atuação do Estado. E, finalmente, a de Joracy

10

WILLIAMS, 2000, p. 252 e 257 e Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 21 set. 1937. 11

Sobre a participação de Mário de Andrade ver atas referentes às 25ª, 39ª e 43ª sessões. Sobre Joracy Camargo ver as referentes às 27ª, 28ª e 36ª sessões. Sobre Abadie Faria Rosa ver a ata da 24ª sessão. Sobre Villa-Lobos ver a ata da 52ª sessão. E, sobre Francisco Bollas ver a ata da 17ª sessão. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE).

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Camargo, Teatro Brasileiro – Teatro Infantil, incluía a questão do teatro e a

criança.12

A promoção de conferências e de estudos, alguns dos quais foram

publicados, foi uma das principais atividades da Comissão de Teatro Nacional. Em

suas reuniões foram debatidas diversas questões, que indicavam uma

preocupação em realizar uma mudança substancial na cena brasileira, o que

envolveria as condições de trabalho, a formação de atores, autores, e a mais

complexa delas, a do público, que serão tratadas a seguir.

3.2 - As ideias e iniciativas da Comissão de Teatro Nacional

A divisão dos trabalhos foi estabelecida, de maneira geral, levando em

consideração o conhecimento de cada membro sobre determinado assunto. Celso

Kelly, professor de Artes Plásticas e organizador de concursos de espetáculos à

frente da Associação dos Artistas Brasileiros, tratou da construção e aquisição de

teatros e dos estudos sobre cenografia. Sérgio Buarque, mais ligado à literatura,

estudou a tradução de peças. Múcio Leão, jornalista e escritor, dedicou-se à

história do teatro. O compositor Francisco Mignone elaborou um plano para uma

escola de música e conduziu os debates sobre o amparo ao teatro lírico e sobre a

tradução de libretos de ópera. Benjamin Lima ficou encarregado de estudar a

criação de uma escola e de estabelecer prêmios para as peças nacionais.

Oduvaldo Vianna, que conhecia profundamente a cena teatral, teve a seu cargo a

organização de um edital estabelecendo uma concorrência para a subvenção de

três companhias de comédia. E, finalmente, Olavo de Barros ficou encarregado de

redigir um edital semelhante para grupos amadores.

Em relação ao primeiro item disposto entre as atribuições da Comissão, o

da edificação e decoração de teatros, coube a Celso Kelly elaborar um estudo.

12

Robert Garric era professor de Literatura da Universidade do Distrito Federal na época. Foi também responsável pela orientação dos trabalhos de missões ligadas ao catolicismo nas favelas do Rio de Janeiro. Ver SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 228 e CANDIDO, 1989, p. 188. O texto de sua conferência encontra-se no arquivo pessoal de Gustavo Capanema. Ver GARRIC, Robert. Théâtre et ses problémes. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). Os de Antônio Sá Pereira e de Joracy Camargo foram publicados e serão discutidos abaixo.

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Datado de 19 de novembro de 1936, seu plano, tal como os outros, era antecedido

por um preâmbulo que levava em consideração vários aspectos relacionados ao

assunto. Analisando o panorama geral da questão no Brasil e apontando os

problemas advindos da falta de casas de espetáculos, Kelly concluía que a

Comissão deveria organizar um inquérito para saber quais os tipos de edifícios

necessários no país. Depois disso, caberia contratar arquitetos para projetarem

esses teatros; pleitear, junto aos governos federal, estaduais e municipais, a

construção de novas casas de espetáculos; fornecer informações técnicas sobre o

assunto a particulares; abrir concursos estabelecendo prêmios para o

desenvolvimento da arte cenográfica; contratar cenógrafos estrangeiros para a

realização de cursos no Brasil; e concorrer para a instalação de ateliês de

decoração junto aos teatros oficiais.13

Todas essas sugestões foram aprovadas por Capanema que incluiu, em

seu parecer, a isenção de impostos municipais para a construção de teatros, que

foi tratada imediatamente com uma carta enviada ao prefeito do Distrito Federal,

solicitando o debate sobre o tema.

Mas, apesar das considerações de Celso Kelly e do ministro, a questão da

construção de teatros ainda permaneceria na pauta das reuniões da Comissão

sem que fosse encontrada uma adequada solução. Em janeiro de 1937, foi a vez

de Olavo de Barros estudar a matéria. Barros, que conhecia mais proximamente a

situação, iniciava seu relatório reclamando da falta de casas de espetáculos e das

condições abusivas dos aluguéis cobrados pelos poucos espaços existentes. Sua

proposta era, então, o arrendamento de três teatros – Cassino, João Caetano e

Fênix – por um prazo de cinco a seis anos, para abrigarem companhias de

comédias, líricas, espetáculos de bailados e de operetas, cabendo à Comissão a

fiscalização das temporadas, elencos, repertórios e receita.14 Suas ideias,

diferentes das de Celso Kelly, tinham um caráter mais prático e continham uma

solução ainda mais acessível do que aquela sugerida pelo ministro, mas que

13

Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 19 nov. 1936. 14

Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 4 jan. 1937.

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somente mais tarde seria adotada pelo governo, com o arrendamento do Teatro

Ginástico, em 1938, quando a Comissão já estava extinta.

Em maio, o assunto voltou às discussões da Comissão que recomendou ao

ministro a construção de um grande edifício que comportasse três teatros, além

das sedes da Comissão de Teatro Nacional, do Instituto Nacional de Cinema

Educativo e do Serviço de Radiodifusão Educativa. Proposta que foi aprovada por

Capanema e inclusa no orçamento do Ministério de acordo com a ata da sessão

do dia 5, mas que, como as outras ideias, não saiu do papel.15

A questão da decoração também mereceu estudo e a proposta de um edital

para concurso de cenografia, cujas bases foram elaboradas por Celso Kelly. A

redação de projetos de editais para o estabelecimento de concursos foi uma

prática frequente utilizada por Capanema à frente ao Ministério da Educação e

Saúde, da qual o exemplo mais conhecido foi o da construção do edifício-sede do

próprio Ministério realizado em 1935. E estes também figuraram entre as

atividades da Comissão, embora nem todos tenham sido lançados de fato. Em

todo caso, essa parece ter sido uma forma encontrada para convocar e estimular

os artistas a participarem do programa do governo, contribuindo com suas obras e

recebendo prêmios para isso, desde que atendessem aos critérios estabelecidos.

A exigência do anonimato para alguns desses concursos também leva a refletir

sobre uma tentativa de se distanciar da prática usual dos favores, condicionada às

relações de proximidade – que também existiu, com a encomenda direta de

alguns trabalhos.

Apesar do edital para o concurso de cenografia não ter sido lançado, este

se apresenta como um elemento interessante para se pensar acerca da

abrangência dos planos de atuação da Comissão. Outro ponto a destacar é o da

seleção das peças e óperas para as quais os concorrentes deveriam criar os

cenários. A lista contém textos significativos da história do teatro e da ópera no

Brasil, abrangendo, entre outras, as peças Guerras do alecrim e da manjerona, de

15

Proposta da Comissão de Teatro Nacional para a construção de um teatro. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta IV (CPDOC/FGV). 5 mai. 1937 e Ata da 33ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 5 mai. 1937.

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Antônio José, o Judeu, Mãe, de José de Alencar, O dote, de Artur Azevedo e

produções contemporâneas como O bobo do rei, de Joracy Camargo. Dentre as

óperas sobressaem O Guarani, de Carlos Gomes e Malasarte, de Oscar Lorenzo

de Fernandez, que tratavam de temáticas nacionais. A lista inclui também

Maracatu de Chico Rei, espetáculo de bailado composto por Mário de Andrade,

inspirado na cultura popular.16 Abarcava, portanto, produções que iam do século

XVIII ao momento presente, e que variavam do erudito clássico, com a ópera de

Carlos Gomes, ao popular, com a comédia de Artur Azevedo, e ao popular ligado

ao folclore, com o bailado de Mário de Andrade, apresentando um quadro

representativo da brasilidade, um caráter múltiplo do nacional, que também

caracterizou outras iniciativas promovidas pela Comissão.

O segundo item presente entre as suas competências, o da formação de

atores, apareceu nas discussões através do tema da criação de uma escola. Na

reunião de 12 de novembro de 1936, o ministro encarregou Francisco Mignone e

Oduvaldo Vianna para tratarem da questão das escolas de música e de teatro,

respectivamente. No dia 19, Capanema debateu sobre a possibilidade de inclusão

de uma escola dramática na estrutura projetada para a educação nacional.17

Embora Oduvaldo Vianna tivesse sido apontado para redigir o estudo, o

projeto encontrado leva a assinatura de Benjamin Lima. Segundo Lima, o governo

federal deveria intervir no “fraco” curso promovido pela Escola Dramática

Municipal e apoiar os conjuntos de amadores. Em outro documento presente no

mesmo processo, de autoria não identificada, mas provavelmente de Francisco

Mignone, havia sugestões para a fundação de um teatro lírico experimental na

Universidade do Distrito Federal, contendo um esboço do programa e das

disciplinas que deveriam ser lecionadas.18

Apesar de muito presente nos debates sobre o teatro veiculados pela

imprensa, a criação de um curso para formação de atores não mereceu grande

16

Projeto de edital para concurso de cenografia. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 17

Ata da 4ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 19 nov. 1936. 18

Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 26 nov. 1936.

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espaço nas discussões da Comissão. Por outro lado, a ideia de amparar os

grupos amadores se consolidou em uma das principais linhas de atuação tanto da

Comissão como do Serviço Nacional de Teatro.

A terceira atribuição da Comissão, a do incremento da literatura dramática,

também recebeu pouca atenção nas discussões. Apenas a proposta de um

concurso para premiação de peças nacionais escritas por brasileiros natos ou

naturalizados, com tema de livre escolha que não atingisse os interesses da

ordem coletiva e a segurança do Estado. Fora isso, pode-se considerar, ainda,

como meio de incentivo à produção, a exigência de representação de peça original

brasileira de autor inédito presente no edital de subvenção das companhias

teatrais.19

Em uma das últimas sessões da Comissão, em 15 de dezembro de 1937,

pouco mais de um mês depois da instalação do Estado Novo, foi lida uma

sugestão do presidente da República para a abertura de um concurso de peças

nacionalistas, sendo Benjamin Lima indicado para elaboração do edital.20 Esse

concurso não foi executado, mas, com a instituição do Serviço Nacional de Teatro,

peças com esse conteúdo receberiam mais destaque nos repertórios dos artistas

que buscavam, com isso, reforçar os argumentos de seus pedidos de subvenção.

Ainda em relação a esse item, cumpre deter um pouco sobre a ideia da

“boa” literatura dramática. A concepção de teatro como meio de elevação

intelectual do povo parece ter sido compartilhada pelos membros da Comissão e

também por Capanema. Concepção que gerava, por sua vez, uma visão negativa

da produção existente, que precisava, juntamente com o público e os atores, ser

aprimorada ou desenvolvida.

19

LIMA, Benjamin. Projeto de edital para concurso de peças. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 3 dez. 1936 e BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 23. A lei n. 385, de 26 de janeiro de 1937, tornou obrigatória a inclusão de composições de autores brasileiros natos em todos os programas de concertos e teatros. Contudo, como essa questão não mereceu espaço nas discussões da Comissão não se tratará dela aqui. 20

Ata da [57ª] sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 15 dez. 1937. As atas a partir da 45ª reunião não são numeradas, mas a sequência de datas possibilitou a atribuição desses dados na referência da documentação.

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Essa percepção esteve presente não somente nos pareceres e nos critérios

de seleção dos concursos, como foi tema de uma das publicações do órgão, a

conferência de Antônio Sá Pereira: Teatro – Padrão de Cultura, proferida em

janeiro de 1937.21

Referindo-se à decadência da cena teatral brasileira, o autor apresentava o

que considerava como suas causas: “a improvisação, a falta de continuidade e de

solidez.” 22 Assim, diante do predomínio de um teatro afastado do gênero nobre da

literatura, que em vez de constituir-se “fator de educação e de elevação, tem sido

as mais das vezes apenas divertimento, e divertimento de gosto por vezes bem

duvidoso”23, conclamava um grande movimento voltado para levantar o nível dos

artistas, autores e público, e, nessa perspectiva, via a ação dos poderes públicos:

A meu ver pois, são estas as providências mais urgentes a serem solicitadas do Governo: a construção de casas de teatro dignas da função a que se destinam (tarefa que compete aos Governo municipais), e a criação de uma Alta Escola de arte dramática nos moldes esboçados (tarefa esta da alçada do Governo Federal).

24

Assim, era no ensino superior que estava, para Sá Pereira, a solução que

tiraria o teatro da situação de atraso em que se encontrava, e que o tornaria “um

padrão de cultura”:

Mas, que, nos nossos palcos, assuntos eróticos sirvam de pretexto para a comicidade acanalhada e obscena, é grave ofensa à parte culta da plateia, é um insulto à própria classe dos artistas do palco, um ultraje à nossa educação, pois que o teatro sempre foi e sempre será um espelho da civilização, um padrão da cultura de um povo.

25

21

Antônio Sá Pereira era pianista, professor, educador musical, escritor e compositor. Estudou em vários países europeus e participou do movimento modernista paulista. Em 1931, compôs, junto com Mário de Andrade e Luciano Gallet, a comissão que reformulou o Instituto Nacional de Música. Em 1936 foi, junto com Villa-Lobos, representante do governo brasileiro no Congresso de Educação Musical realizado na cidade de Praga. Dois anos depois, assumiu a cátedra de pedagogia do Instituto Nacional de Música. Ver CACCIATORE, 2005, p. 336-337. 22

PEREIRA, Antônio Sá. Teatro. Padrão de Cultura. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 13-15. Os grifos são do autor. 23

Ibid., p. 15. 24

Ibid., p. 39-40. 25

Ibid., p. 55. Os grifos são nossos.

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Ao contrário das três primeiras, as atribuições referentes aos itens quarto,

quinto e sexto, relacionadas ao estudo da história da literatura dramática brasileira

e portuguesa, à tradução de peças e pesquisa da história da literatura dramática

estrangeira, e ao estímulo ao teatro lírico e coreográfico, receberam consideráveis

investimentos.

Múcio Leão ficou encarregado do estudo sobre a literatura dramática

brasileira e portuguesa, e propôs a realização de um concurso para a escrita de

uma História do Teatro Brasileiro. O edital estabelecia como condições para a

obra: a de fazer um circunstanciado estudo do desenvolvimento do teatro

nacional, considerando todos os aspectos do assunto (os edifícios, a literatura

dramática, a dança, o teatro lírico, os atores e a sua preparação, o teatro infantil, o

teatro escolar, etc.), e de conter, ainda, uma introdução sobre o teatro português e

de outros países, mostrando as influências exercidas por estes na formação do

nosso teatro.26

A proposta de elaborar uma história do teatro brasileiro, resgatando sua

matriz portuguesa e as influências europeias, demonstrava uma tentativa de

inserir a cultura brasileira no quadro maior da história da arte do mundo ocidental,

preocupação que era comum a outros órgãos. Revelava, também, a necessidade

de mais estudos sobre o tema, talvez motivada pela insuficiência dos trabalhos

existentes. Outro ponto a ressaltar é o da presença de tópicos que não eram,

geralmente, tratados nas histórias do teatro, como o da preparação dos atores, o

do teatro infantil e o do teatro escolar, temas que naquele momento eram caros à

Comissão.27 Por último, pode-se pensar que a escrita de uma história do teatro

brasileiro também se articulava à questão da criação de uma identidade e de uma

cultura nacionais, enraizadas em uma tradição que precisava ser recuperada para

ser difundida para todos.

26

LEÃO, Múcio. Evolução do Teatro em Portugal e no Brasil. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta III (CPDOC/FGV). 22 out. 1936, SILVA, 1938, p. 5-7 e A HISTÓRIA do teatro brasileiro: mais um concurso promovido pelo Ministério da Educação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 dez. 1936. Teatros, p. 10. 27

Ver, por exemplo, as notas de Carlos Süssekind de Mendonça sobre os trabalhos existentes na época. MENDONÇA, 1926, p. 55-69. E ver também PAIXÃO, 1936.

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Uma única pessoa se inscreveu neste concurso, o crítico teatral Lafayette

Silva. Ao que parece, seu trabalho não atendeu às expectativas da Comissão, que

lhe concedeu o prêmio relativo ao segundo lugar e impôs, como condição para a

publicação da obra, a correção das falhas existentes e a revisão de todo o texto

para que adquirisse “mais precisão nos dados, mais ordem e método no

desenvolvimento, mais apuro no estilo”.28

Revisto ou não, o livro de Lafayette Silva, História do Teatro Brasileiro, foi

publicado em 1938. Trazendo um apanhado de fatos sobre a história do teatro no

Brasil, a obra é puramente descritiva. Observa-se, também, que às companhias

contemporâneas foi dado um espaço expressivo, diferente daquele dedicado aos

dramaturgos, contemplados com apenas um parágrafo. E, ao contrário de outros

autores da época, Lafayette Silva não evidenciou sua concepção de teatro,

limitando-se a resumir os principais acontecimentos.29

Sérgio Buarque de Holanda foi designado para o estudo sobre a tradução

de obras estrangeiras. Em sua opinião, o exame da literatura dramática teria que

se conformar a algumas limitações, a principal delas relacionada com as

condições peculiares à arte do teatro, sobretudo à dependência em que se

achava, mais do que qualquer outro gênero literário, de condições extrínsecas ao

domínio propriamente artístico, ou seja, do gosto do público. No entanto, não

considerava que este devesse ser um critério para a exclusão de obras da

“Coleção de Teatro Universal” que propunha organizar, cujo objetivo era servir de

“matéria-prima para estimular as imaginações dos criadores de um futuro teatro

brasileiro”30. Porém, alertava que a tradução não seria uma tarefa fácil. Para o

caso de algumas peças considerava, mesmo, impossível, especialmente aquelas

escritas em verso, como as de Racine e Corneille.

Depois do parecer favorável, Capanema sugeriu que vários intelectuais

fossem consultados para a escolha dos textos a serem traduzidos, ficando Sérgio

28

BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 21. 29

SILVA, 1938. Além deste livro, foi proposta, a J. Santos Júnior, a elaboração de uma bibliografia completa das obras dramáticas brasileiras e portuguesas, que parece não ter sido concluída. Ver BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 13. 30

Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 12 nov. 1936.

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Buarque com o encargo de redigir uma circular com a proposta do inquérito. A

organização de inquéritos era outra prática recorrente de Capanema, que

chamava, com frequência, diversos especialistas e notáveis para opinar sobre

assuntos que julgava importantes. Assim, deveriam ser listadas vinte peças, que

atenderiam aos seguintes requisitos: ser obra-prima da literatura, ter um sentido

humano e universal e ser capaz de interessar o grande público.31

Dentre os intelectuais que receberam a circular estiveram Gustavo Barroso,

Roquette-Pinto, Afonso Celso, Mário de Andrade, Rodolfo Garcia, Affonso Taunay,

Alcântara Machado, Tristão de Athayde, Viriato Corrêa, Guilherme de Almeida,

Pedro Calmon, Afonso Arinos de Melo Franco, Augusto Frederico Schimidt,

Manuel Bandeira, Renato Viana, Joracy Camargo, Rodrigo Melo Franco de

Andrade, Antônio Sá Pereira, Benjamin Consttalat, Francisco Campos, Gilberto

Freyre, Carlos Drummond de Andrade, Cláudio de Souza, Vinícius de Moraes,

Paulo Prado, Monteiro Lobato, Sérgio Milliet, Lúcia Miguel Pereira, Álvaro

Moreyra, Gilberto Amado, Menotti del Picchia, José Lins do Rego, Jorge Amado,

Martins Fontes, José Américo de Almeida, Assis Chateaubriand, Oswald de

Andrade, Cassiano Ricardo, Fernando de Azevedo, Jorge de Lima, Murilo

Mendes, entre outros.

Destacam-se, nesta lista, nomes ligados a várias áreas da cultura brasileira,

alguns deles ocupando cargos na administração pública federal. Outra questão

relevante é a da ínfima quantidade de nomes ligados ao teatro: Viriato Corrêa,

Renato Viana, Joracy Camargo, Cláudio de Souza e Álvaro Moreyra, sem contar

Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade e outros, que

também escreveram peças teatrais, mas que não fizeram seus maiores

investimentos literários na área. Cabe ainda observar as posições ocupadas por

esses autores no meio teatral, com exceção de Viriato Corrêa e Cláudio de Souza,

os nomes citados escreveram peças ou promoveram experiências que traziam

propostas diferentes daquelas que faziam sucesso na cena teatral, algumas delas

31

Ibid. A primeira versão da circular contava também com o item “possuir valor educativo”, que foi apagado na final.

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mais radicais em termos de realização do que se considerava um teatro “sério”, ou

mesmo, de “arte”.32

As respostas compõem um quadro interessante e ajudam a refletir sobre a

importância atribuída pelos intelectuais brasileiros da época aos textos clássicos

do teatro universal bem como sobre o conhecimento, de alguns deles, de peças e

autores mais recentes. Em algumas das listas elaboradas aparecem nomes como

Strindberg, Bernard Shaw, Jean Cocteau, Eugene O’Neill e Alfred Jarry. A peça

mais votada foi O Cid, de Racine, seguida de Hamlet, de Shakespeare e Fausto,

de Goethe.33 No entanto, a primeira obra a ser traduzida e editada pelo Ministério

da Educação e Saúde foi Romeu e Julieta, de Shakespeare, que atingiu o sétimo

lugar na indicação dos intelectuais. O encarregado do trabalho foi Onestaldo de

Pennafort, que realizou a primeira tradução, no Brasil, de uma peça de

Shakespeare, publicada em cuidada edição, em 1940.34

Uma das linhas de atuação direcionadas para o teatro lírico também se

orientou para a questão da tradução. Em 12 de novembro de 1936, Capanema

aprovou o parecer de Francisco Mignone sobre o pedido de auxílio de Paula

Barros para a realização da tradução do libreto da ópera O Guarani, de Carlos

Gomes. Depois, encomendou a Mignone um estudo sobre o teatro lírico.35

Para Mignone, o teatro lírico apresentava-se “quase inexistente”, e os

poucos empresários atuantes não procuravam representar qualquer nova

produção nacional, desestimulando os compositores. Diante dessa situação,

sugeria ao governo fundar um Teatro de Ópera Lírica Brasileira, que chamava

também de Teatro Lírico Nacional ou Teatro Lírico Experimental Brasileiro;

32

Sobre estas diferentes propostas ver Capítulo 1 desta dissertação, “Os personagens, os problemas e as ideias”. 33

BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 16. Algumas das respostas ao inquérito podem ser encontradas no Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 34

Onestaldo de Pennafort, funcionário público, poeta e tradutor, participou de diversas reuniões da Comissão de Teatro Nacional, e foi incluído como membro em um plano de atividades para o ano de 1938. Na publicação, Pennafort explicou o processo da tradução e fez referência a outras traduções, versões e adaptações de Shakespeare em língua portuguesa. Ver SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. Tradução integral, em prosa e verso por Onestaldo de Pennafort. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1940, p. 274-275. 35

Ata da 3ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 12 nov. 1936.

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incentivar a produção de novas óperas mediante encomendas e concursos; criar

escolas de aperfeiçoamento e preparação abrangendo: canto, declamação e

dicção (unicamente em nosso idioma), arte cênica, dança, coreografia e

cenografia; comprar, alugar ou construir teatro para a instalação das escolas

mencionadas; entrar em entendimento com os governos estaduais para que estes

tivessem seus próprios teatros em condições de funcionar de acordo com as

diretivas do Teatro de Ópera Lírica Brasileira; tratar de dotação federal e de

subvenções dos governos estaduais; e organizar uma grande orquestra

sinfônica.36

Em meio à grandiosidade da proposta apresentada, o ministro deliberou

que de imediato se realizasse um concurso de libretos e se contratasse

compositores para a criação da música daqueles que fossem premiados.

O edital do concurso foi lançado em novembro de 1936 e determinava

como condições ser escrito em português, acompanhado de uma tradução em

francês, espanhol ou italiano, e de conter temas inéditos e originais, colhidos das

nossas lendas, da nossa história ou inspirados em ambiente brasileiro.37 Neste

caso, também se percebe a presença de uma busca pela brasilidade como peça

fundamental para a criação de obras que seriam patrocinadas pelo Ministério,

cujas inspirações poderiam ser encontradas nos trabalhos de Carlos Gomes e do

próprio Mignone.

Apareceram vários concorrentes para esse concurso, mas nenhum foi

julgado merecedor do prêmio, o que não seria suficiente para que Capanema

esquecesse o assunto. Em setembro de 1937, o ministro retomou a questão,

cobrando uma solução imediata para dois problemas: a produção de óperas

nacionais e a nacionalização de estrangeiras. Nesse sentido, incumbiu Múcio

Leão e Benjamin Lima da indicação de romances célebres e lendas nacionais que

servissem de temas para os libretos que seriam encomendados, além de sugestão

36

MIGNONE, Francisco. Situação atual do teatro lírico no Brasil. O que se dever fazer (sugestões). Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 12 nov. 1936. 37

Projeto de edital para concurso de “Libretos” de Ópera. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 26 nov. 1936 e EM PROL do teatro lírico: um concurso instituído pelo Ministério da Educação, pela Comissão de Teatro Nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 nov. 1936. Teatros, p. 15.

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de óperas para serem traduzidas. As óperas propostas foram Lo schiavo, de

Carlos Gomes, Manon, de Jules Massenet, La Traviata, de Verdi e Barbeiro de

Sevilha, de Rossini. Dessas, foram publicadas Lo schiavo, traduzida por Paula

Barros e La Traviata, traduzida por Narbal Fontes, em 1939 e 1940,

respectivamente.38

A preocupação de Capanema e dos membros da Comissão com a criação

do teatro lírico brasileiro radicava-se em um movimento mais geral de valorização

da nacionalidade que atravessou outras áreas da cultura brasileira, como foi visto

no primeiro capítulo. No caso da música, além da incorporação de temas

folclóricos, de origem indígena ou africana, a questão da língua também adquiriu

importância fundamental, o que ajuda a entender a iniciativa da tradução dos

libretos.39 Para o Ministério, a língua era considerada como instrumento educativo

de construção da nacionalidade, tendo sido contemplada em várias linhas de

frente: em relação à “nacionalização da cultura”, na política de “abrasileiramento”

dos núcleos estrangeiros e também com o plano de elaboração de um grande

dicionário, proposto um pouco depois pelo Instituto Nacional do Livro. O destaque

dado à ópera também merece atenção, pois esta representava a cultura erudita –

assunto que permaneceria na pauta das preocupações do Ministério tanto sob o

âmbito do SNT como relacionado às atividades ligadas mais estritamente à

música.

Nas duas reuniões seguintes a discussão em torno desta questão

continuaria, com a sugestão de Mignone de representação de obras de Carlos

Gomes, Henrique Oswald, Alberto Nepomuceno, Leopoldo Miguez, Francisco

Braga, Villa-Lobos, Oscar Lorenzo de Fernandez, Camargo Guarnieri, e de sua

própria autoria. Também foi apresentada uma lista de nomes de compositores

38

Ata da [50ª] sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 9 set. 1937. Ver GOMES, A. Carlos. O Escravo. Versão e adaptação brasileiras de C. Paula Barros segundo o original italiano de Rodolfo Paravicini. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1939 e VERDI, G. La Traviata. Drama lírico de F.M. Piavi. Versão brasileira de Narbal Fontes. Rio de Janeiro: Serviço

Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1940. 39

Sobre o “nacionalismo musical” do final do século XIX e primeira metade do XX, ver MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981. A presença de libretos traduzidos no repertório de companhias líricas tornou-se obrigatória em “dia de festa nacional”, posteriormente, no período do Estado Novo, com o decreto-lei n. 4.641 de 1942.

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com condições de escrever óperas na qual constavam Villa-Lobos e Oscar

Lorenzo de Fernandez, que compareceram na sessão seguinte juntos com Luiz

Heitor Correia de Azevedo. Os dois primeiros foram convidados para trabalharem

numa ópera nacional, mas Villa-Lobos recusou o convite, por estar comprometido

com outros trabalhos. Oscar Lorenzo de Fernandez, atendendo ao pedido do

ministro, escreveria um libreto sobre a história de “Marília e Dirceu”, baseado na

obra de Tomás Antônio Gonzaga. Luiz Heitor ficou encarregado de elaborar um

índice de todas as óperas brasileiras existentes, com os resumos dos libretos,

trabalho que foi publicado pelo Ministério em 1938. Neste se consagraria, de certa

forma, uma história da ópera nacional, que também precisava ser registrada e

conhecida.40

Em relação ao último item contido entre as competências da Comissão de

Teatro Nacional, o do estudo do teatro infantil, nota-se que, embora presente nas

discussões de diversas sessões, este foi pouco considerado em termos práticos.

Em reunião extraordinária, ocorrida em 19 de maio de 1937, o tema foi abordado

em uma palestra proferida por Joracy Camargo, publicada neste mesmo ano. A

palestra, contudo, não versava somente sobre o teatro infantil, mas abrangia uma

discussão sobre o teatro brasileiro em sua primeira parte.

O autor começou elogiando a ação do governo e reconhecendo a Comissão

como o primeiro órgão da administração pública criado para a “defesa da arte

teatral”41. Evidenciou, ainda, algumas questões que norteavam sua concepção de

teatro, identificadas com aquelas com as quais o Estado se preocupava naquele

momento, que o compreendia como peça importante para a formação da

nacionalidade e de evolução da civilização brasileira.

40

Atas das [51ª, 52ª e 53ª] sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 11, 16 e 23 set. 1937 e AZEVEDO, Luiz Heitor Correa de. Relação das óperas de autores brasileiros. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1938. Luiz Heitor era um especialista em música brasileira. Entre 1934 e 1942 dirigiu a Revista Brasileira de Música. Em 1939 ocupou a primeira cátedra de Folclore da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil. De 1941 a 1945 colaborou na seção de música da revista Cultura Política. Ver MARCONDES, Marcos Antônio (ed.). Enciclopédia da música brasileira erudita, folclórica e popular, v. 1. São Paulo: Art Editora Ltda., 1977, p. 429. 41

CAMARGO, Joracy. Teatro Brasileiro. Teatro Infantil. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 5-6.

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101

Após essa introdução, passou para a história do teatro no Brasil com a

intenção de explicar a decadência que atingia a produção teatral na época, ligada,

em sua opinião, à ausência de público. Além de avaliar a situação, Joracy

Camargo apresentou sugestões que visavam auxiliar na resolução do problema: a

construção de teatros; a isenção de impostos; o estabelecimento de um regime de

direitos autorais mais compensador; o estímulo ao aparecimento de novos artistas;

a realização de um congresso de amadores, com o fim de estabelecer uma

orientação geral e única aos grupos; e a criação do teatro infantil e de marionetes.

Esse último item era uma tarefa urgente a ser realizada pelo governo e as

medidas adotadas deveriam levar em consideração a incultura da maior parte de

nossa população.42

Assim, a sua principal proposta consistia na criação do Teatro da Criança,

espécie de companhia oficial43 destinada à realização exclusiva de espetáculos

infantis, cuja estratégia inicial se basearia em aproximar a população do teatro,

para depois organizar um teatro com:

um caráter eminentemente social, político e popular, orientado no sentido de trazer o povo em constante contato com as realidades da vida, ensinando-o a tornar parte ativa na construção do regime que melhor convém ao nosso país, convencendo-o de que seremos felizes no dia em que todos os problemas básicos da nacionalidade, apresentados objetivamente pelo teatro, forem dignamente resolvidos pelos esforços e pela inteligência da comunhão brasileira.

44

Um mês após a conferência de Joracy Camargo, a Comissão entrou em

contato com o diretor da Escola Pádua Soares, a fim de confiar-lhe um espetáculo

infantil. Em dezembro ficou acertada a encomenda de um trabalho com essa

temática a Eustórgio Wanderley, que seria intitulado O sonho lindo do caboclo.

42

Ibid., p. 25-29 e 49. 43

Ibid., p. 49. Esta contaria com diretor-geral (ensaiador e metteur-em-scène), um pedagogo, um maestro, um pintor-cenógrafo, um autor teatral, um professor de baile, um professor de canto, um corpo de nurses, um corpo de bailados, um corpo de coristas, uma orquestra e uma fanfarra. O elenco deveria ser objeto de estudos especiais e o repertório abrangeria comédias em um ato, comédias musicais em dois atos, operetas em pequenos quadros, fantasias em pequenos quadros, peças de aventura em séries, farsas musicadas e espetáculos de music-hall. 44

Ibid., p. 34-35 e 41-42.

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102

Neste mesmo mês houve o amparo aos espetáculos realizados pelo Colégio

Pedro II, no Teatro João Caetano. E, no edital de subvenção para grupos

amadores, a matéria apareceu novamente, com a obrigatoriedade do amparo a

duas companhias que encenassem espetáculos desse tipo.45

Além das disposições da portaria, outras questões foram contempladas

pela Comissão. E estas estiveram presentes nos projetos de regulamento e de

regimento do órgão apresentados por Celso Kelly na reunião do dia 4 de março de

1937.46

O projeto de regulamento incluía como competências da Comissão, a de

opinar sobre os pedidos de subvenção e elaborar um plano para a distribuição de

auxílios a companhias teatrais e a conjuntos de amadores; organizar grandes

espetáculos de arte; publicar trimestralmente um boletim; abrir concursos, publicar

editais, julgar e distribuir prêmios.47

O projeto de regimento interno continha as normas sobre funcionamento da

Comissão e estabelecia nove pontos reguladores de suas atividades. O primeiro

tratava dos estudos sobre teatro. O segundo relacionava-se às publicações e à

instituição de uma Biblioteca de Teatro, que compreenderia as seguintes séries:

teatro brasileiro, teatro estrangeiro, óperas nacionais, teatro infantil, arquitetura e

cenografia, história do teatro, ensaios de crítica e bibliografia. O terceiro item

versava sobre os auxílios a companhias teatrais. O quarto referia-se aos

concursos de peças, de cenários, de libretos de ópera, de história do teatro ou

ensaios de crítica. O quinto abordava a questão das conferências, determinando

que houvesse uma palestra pública por mês. O sexto tratava da organização de

uma biblioteca para o órgão. O sétimo, sobre a obtenção de um edifício teatral. E

45

Atas da [45ª e 58ª] sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 26 jun. e 23 dez. 1937, Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 29 nov. 1937, BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 12 e Subvenções a conjuntos amadores – Edital. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 46

Ata da 21ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 4 mar. 1937. 47

Projeto de regulamento. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE).

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o último, intitulado de “Complementares”, mencionava a instituição de um registro

de autores.48

Além do registro de autores, a criação de um registro de atores também foi

tema de algumas reuniões da Comissão, ponto que certamente estava vinculado à

elaboração de uma lei geral para o teatro. Sessões foram realizadas a fim de

discutir os critérios gerais que deveriam reger essa lei, para as quais foi chamado

o então presidente da SBAT, Abadie Faria Rosa. Depois dos debates os

participantes chegaram a estrutura do anteprojeto, que contaria com os seguintes

itens: I) ideias gerais, II) dos direitos autorais, III) do registro dos trabalhadores, IV)

da locação de serviços artísticos, V) da censura, VI) das condições técnicas dos

estabelecimentos, VII) da proteção da produção nacional, VIII) das penalidades e

IX) disposições gerais.49

Embora seu conteúdo seja desconhecido, apenas uma análise dos itens

presentes revela diferenças entre esse projeto e a legislação em vigor, o decreto

n. 5.492, regulamentado pelo decreto n. 18.527, de 1928. Os pontos que o

distinguem dos atos anteriores são o da proteção à produção dramática nacional,

que aparece destacada da questão dos direitos autorais, e o da presença da

censura.

A organização da censura teatral segundo o modelo da cinematográfica, da

qual estava encarregada uma Comissão no Departamento de Propaganda e

Difusão Cultural do Ministério da Justiça e cuja abrangência era nacional, foi outra

preocupação de Capanema, que indicou Benjamin Lima para cuidar do assunto.50

A censura do teatro ainda estava sob a esfera de competência da Polícia e

tinha alcance estadual. No caso do Rio de Janeiro, sua regulamentação foi

atualizada pelo decreto n. 24.531, de 1934, que a colocou a cargo da Seção de

48

Projeto de regimento interno. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 49

Atas das 6ª e 24ª sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 3 dez. 1936 e 29 mar. 1937. 50

Ata da 5ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 26 nov. 1936.

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Censura Teatral e Diversões Públicas, pautando-se sob, praticamente, os mesmos

critérios que figuravam nos regulamentos da década de 1920.51

Os poucos estudos monográficos sobre a ação da censura teatral neste

período específico e ao longo do governo Vargas, não permite discutir sobre seus

limites de ação, o que propiciaria traçar um quadro comparativo entre as

atividades de estímulo promovidas pela Comissão e as repressivas que a princípio

pertenciam à Polícia, mas que depois passaram para o DIP.

Mesmo assim, a insistência de Capanema nessa questão merece a

atenção, no sentido de refletir sobre uma tentativa de controlar todas as ações

relacionadas ao teatro, incluindo novas diretrizes para a censura, dotando-a,

talvez, de critérios diferenciados, ligados de maneira mais direta à questão

artística.

3.3 - As subvenções: artistas consagrados, amadores e grandes espetáculos

Apesar da malsucedida empreitada do Teatro-Escola, a atividade de

subvenção consubstanciou-se como uma das tônicas da ação implementada pela

Comissão de Teatro Nacional. Os primeiros pedidos vieram dos artistas e

empresários que, de certa forma, legitimavam essa prática, buscando nos poderes

públicos o patrocínio para os seus espetáculos.

A subvenção de companhias, embora fosse algo conhecido, impõe um

questionamento acerca dos interesses que a orientavam. Tais concessões podem

ser pensadas como uma tentativa do governo em controlar a produção teatral,

como também a partir das relações pessoais que ligavam seus agentes a

51

Ou seja, a proibição da encenação se daria se os textos fossem contrários a moral e aos bons costumes; ofensivos às instituições nacionais e estrangeiras ou seus representantes; ultrajassem qualquer credo religioso; incitassem a prática de atos contra a ordem; provocassem o ódio de classe; ofendessem os sentimentos de humanidade; propagassem ou estimulassem a prática de vícios, crimes e perversões. Ver BRASIL. Decreto n. 24.531, de 2 de Julho de 1934. Aprova novo Regulamento para os serviços da Polícia Civil do Distrito Federal. In: Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados – Legislação Informatizada. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-24531-2-julho-1934-498209-publicacao-1-pe.html> Acesso em: 12 jun. 2010. Sobre a centralização do aparelho policial no período e para uma análise desse decreto, ver CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.

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determinados artistas, ou mesmo em termos dos ganhos simbólicos obtidos em ter

sua imagem associada a essa manifestação artística.

Durante a vigência da Comissão de Teatro Nacional todas essas questões

estiveram em evidência, mas parece que a primeira e a terceira tiveram maior

relevo. Percebe-se, em primeiro lugar, que controlando alguns mecanismos da

produção e da difusão com o patrocínio de espetáculos na capital federal e em

diversas cidades do país, e claro, contando, com a máquina repressora da

censura, o governo assegurava certa tranquilidade, visto que o teatro sempre foi

instrumento de críticas sociais e políticas. Por outro lado, havia a possibilidade de

utilizá-lo como veículo de certas orientações ideológicas, o que a princípio não foi

feito.

Em segundo lugar, a preocupação do presidente em atender às demandas

de diversificados setores da sociedade e o empenho do ministro Capanema na

organização de diferentes áreas da cultura permite considerar que era importante

para o governo ter sua imagem associada ao teatro, do qual seria considerado

benfeitor.

A questão das relações pessoais não pareceu ser elemento predominante

na prática das subvenções às companhias. No entanto, estes vínculos foram

relevantes quando se tratou da encomenda de trabalhos, como foi visto no caso

da elaboração de algumas publicações e dos pedidos a Villa-Lobos e a Oscar

Lorenzo de Fernandez.

O tema das subvenções foi tratado logo nas primeiras reuniões. Antes da

instituição de um edital para a concorrência, a Comissão aprovou a distribuição de

alguns auxílios. Um deles se destinava ao pedido de Jayme Costa, feito em junho

de 1936, cuja concessão foi motivo de embates no interior do órgão.

Coube a Oduvaldo Vianna redigir um parecer, que foi favorável ao amparo.

Uma das justificativas apontadas era que:

se bem que não tenha engrandecido o Teatro Nacional, o requerente tem prestado inegáveis serviços, e mesmo certo brilho, à arte de representar entre nós (...) tendo sido o primeiro a representar

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Pirandello em nosso idioma. Acresce que, ser ator entre nós ainda é um ato de verdadeira bravura, que o governo deve premiar.

52

Atente-se que os termos expostos no parecer realçavam a presença no

repertório de Jayme Costa de um autor considerado importante entre os meios

intelectuais, Pirandello, somando-se a isso o reconhecimento do valor daqueles

que enfrentavam uma série de dificuldades para fazer teatro no Brasil. Verifica-se,

dessa maneira, que Oduvaldo Vianna, ao mesmo tempo em que parecia

ambicionar um ideal de teatro de “arte”, constatava a necessidade mais premente

da garantia da sobrevivência daqueles que se dedicavam ao teatro, opinião que se

assemelhava a de outros personagens do setor.

O parecer de Olavo de Barros foi contrário ao auxílio, alegando que a

companhia estava dissolvida. A terceira palavra coube, então, a Benjamin Lima,

que concordou com os argumentos de Vianna e considerou justa a concessão,

mesmo que posterior à realização a qual estava vinculado o pedido.53

Na terceira reunião da Comissão, em novembro de 1936, o ministro indicou

Oduvaldo Vianna para elaboração de um projeto estipulando as condições e

requisitos exigidos para companhias que pedissem auxílio à União. Em dezembro,

Capanema reforçou seu desejo de amparar conjuntos de todo o Brasil, incluindo

os de amadores. Na sessão seguinte, de caráter extraordinário, foi debatido o

regulamento das subvenções, que só retornou à pauta das discussões do órgão

em fevereiro de 1937.54

A realização de um concurso modificava a forma usual de realização das

subvenções, já que definia, preliminarmente, os critérios de escolha. A veiculação

do edital na grande imprensa era, ainda, um meio de atrair o maior número de

concorrentes, abrindo um espaço de disputa para companhias de todo o Brasil.

52

Ata da 6ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 3 dez. 1936 e Processo n. 10.418/36. Comissão de Teatro Nacional, pasta 1 - Processos 1936 (CEDOC/FUNARTE). 53

Processo n. 10.418/36. Comissão de Teatro Nacional, pasta 1 - Processos 1936 (CEDOC/FUNARTE). A autorização para o auxílio foi dada na reunião de 3 de dezembro de 1936. 54

Atas da 3ª, 4ª, 18ª e 19ª sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 12 e 19 nov. 1936; 20 e 22 fev. 1937.

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O edital foi lançado em 25 de março de 1937, com a temporada fixada em

oito meses, devendo as três companhias selecionadas ficarem dois meses e vinte

dias no Distrito Federal e o restante em excursões. As estreias se realizariam no

Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, e a recomendação era de que cada uma

percorresse de dez a trinta cidades. O repertório exigido deveria ser composto por

seis peças, sendo no mínimo quatro de autores brasileiros – uma inédita e outra

de autor não representado –, e organizado mediante aprovação da Comissão, que

teria como critério de avaliação a presença de fundamento educativo e cultural. O

edital também definiu o valor da subvenção em 200 contos, divididos em quatro

prestações. E as propostas deveriam ser encaminhadas com informações sobre o

elenco, diretor, repertório e outros elementos essenciais para o julgamento da

idoneidade artística, moral e comercial dos proponentes.55

Os planos apresentados revelam as estratégias usadas pelos artistas para

convencer o governo do valor artístico de seus trabalhos e enfatizar as

dificuldades encontradas na sua realização.56

Um dos primeiros requerimentos enviados foi o de Luiz Médici, que à época

encontrava-se ligado ao Sindicato dos Trabalhadores de Teatro de São Paulo. O

repertório de sua companhia era composto por peças de teor histórico e por textos

do século anterior, como Tiradentes, de Viriato Corrêa, Gonzaga ou a revolução

de Minas, de Castro Alves e Mãe, de José de Alencar. Além disso, Médici

aproveitou a oportunidade para reclamar dos obstáculos para a realização de

apresentações no interior, onde as salas estavam sendo tomadas por empresas

cinematográficas, e sugerir ao governo a construção de um Pavilhão de Teatro

Popular desmontável e a organização de uma companhia oficial de dramas e

comédias para viajar pelos estados.57

55

Edital para a subvenção de companhias de comédia. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 25 mar. 1937. 56

Não foi possível localizar todos os processos, sendo assim, as conclusões que seguem abaixo são baseadas no material encontrado. Tania Brandão encontrou o de Álvaro Moreyra no dossiê da companhia pertencente ao acervo do CEDOC/FUNARTE e trata deste em BRANDÃO, 2009, p. 94. 57

Processo n. 6.651/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE).

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Outro que expôs os problemas enfrentados pela classe artística foi Serra

Pinto, que justificava sua solicitação de auxílio governamental após ter sido

convencido por um grupo de artistas que viviam em “situação dolorosa”. Serra

Pinto também relatou suas atividades como jornalista e crítico teatral, enfatizando

que toda ela foi orientada para “animar artistas e autores, criticando de forma a

construir um teatro elevado, digno de nossa civilização”.58 Encontrava, portanto,

mais uma forma de legitimar seu pedido, além da utilização do argumento da

necessidade.

O repertório sugerido contava com peças de Martins Pena, Artur Azevedo,

França Júnior e Luiz Iglézias, obras que mostravam a “evolução da sociedade

brasileira” e a “evolução do teatro brasileiro”, provando “que há mais de cem anos

temos tido prólogos de grande valor e que o Teatro Brasileiro ainda não é

realidade, apenas pela falta eficiente de incentivo oficial”.59 No elenco estavam

nomes como Lucília Peres e Antônio Sampaio, e os ensaios ficariam a cargo de

Otávio Rangel.

A estratégia de Jayme Costa foi distinta, destacando a trajetória de sua

companhia, elencando todos os atores que passaram por ela e todos os autores

representados. Também enumerou as cidades onde se apresentou, mostrando o

quanto seu trabalho era conhecido no Brasil. Seu repertório era composto por

peças de autores nacionais como Oduvaldo Vianna, Abadie Faria Rosa, Joracy

Camargo, Paulo Gonçalves, Martins Pena, França Júnior, Coelho Neto e Ernari

Fornari, que figurava como autor estreante, além de nomes estrangeiros como

Pirandello, que enfatizava ter sido, até aquele momento, o único a representá-lo

no país, e Eugene O’Neill. O elenco incluía nomes como Lygia Sarmento,

Custódio Mesquita, Ferreira Maya, Rodolfo Mayer, entre outros. A direção ficaria

com Eduardo Vieira e os cenários seriam produzidos por Tomás Santa Rosa e

outros artistas.60

58

Processo n. 7.349/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). Os grifos são nossos. 59

Ibid. Os grifos são nossos. 60

Processo n. 7.352/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE).

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A atriz Céo da Câmara também contou sobre sua trajetória, porém,

ressaltou sua colaboração na obra de elevação do teatro nacional:

dedicada à causa do Teatro Nacional, em sua PÁTRIA, durante longos anos, com organizações da mais requintada espiritualidade, organizações essas que lhe mereceram, entre outras provas de consideração ao seu valor artístico as de ter sido, por três vezes, distinguida pela Prefeitura do Distrito Federal com os cargos de atriz e organizadora de temporada oficiais (1922, 1932, 1933) para as quais lhe foram dadas subvenções e cedido, por vezes, o Teatro João Caetano, da Municipalidade.

61

No repertório de sua companhia apareciam textos de João do Rio, José

Wanderley, Renato Viana, Roberto Gomes, Oduvaldo Vianna, além de Casa de

bonecas, de Ibsen. No elenco estavam vários nomes presentes na lista enviada

por Jayme Costa, e os ensaios ficariam sob a responsabilidade de Olavo de

Barros.

Já Palmerim Silva utilizou como tática a promessa de divisão da subvenção

com a Casa dos Artistas e com o Sindicato dos Trabalhadores de Teatro de São

Paulo. Propondo um repertório com peças de autores contemporâneos como

Gastão Tojeiro, Joracy Camargo e Paulo de Magalhães, Palmerim aproveitou,

também para lembrar o quanto tinha “trabalhado pessoal e monetariamente, pelo

soerguimento do Teatro de Comédia no Brasil.”62

As entidades de classe logo se manifestaram a respeito da concessão de

subvenções e do edital. Em março de 1937, a SBAT enviou uma carta ao ministro

Capanema, contendo a proposta do conselheiro Fábio Aarão Reis, para que a

aprovação dos pedidos de subvenção estivesse condicionada ao pagamento do

direito autoral na base mínima de 10% sobre a receita bruta do espetáculo. A carta

61

Processo n. 7.325/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). 62

Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 27 mar. 1937.

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foi debatida na reunião de 25 de maio, e o parecer ficou a cargo de Benjamin Lima

que, apesar de favorável, via problemas, pois o edital já havia sido lançado.63

Em abril, a Casa dos Artistas enviou uma solicitação ao ministro pedindo

prioridade aos artistas sindicalizados, de acordo com o decreto n. 24.694, de

1934, que assegurava aos empregados sindicalizados a preferência, em igualdade

de condições, para a admissão nos trabalhos de empresas que explorassem

serviços públicos ou que mantivessem quaisquer contratos com os poderes

públicos federais, estaduais ou municipais.64 Mas a questão não parece ter sido

tema de discussão da Comissão, pois não foi encontrada referência alguma sobre

a mesma.

O resultado da concorrência foi objeto da sessão extraordinária ocorrida em

24 de abril. Por meio da ata escrita na ocasião, podem ser conhecidos os nomes

dos vencedores e as justificativas dos membros da Comissão para a concessão

dos auxílios. As companhias escolhidas foram a de Jayme Costa, a de Arte

Dramática, administrada por Álvaro Moreyra, e ficaram empatadas a Companhia

Dramática de Álvaro Pires e a de Serra Pinto. Capanema parece não ter

participado do processo de seleção, pois os membros da Comissão dirigiram-se a

ele na ata, relatando o processo em detalhes. De acordo com esta, o concurso

contou com a participação de onze companhias, e os critérios de escolha

deixaram de lado as personalidades em jogo, considerando apenas “a obra de

cultura e de patriotismo, que o Governo pretende realizar no domínio do teatro

como fator de educação coletiva.”65

A proposta de Jayme Costa foi imediatamente aceita por satisfazer todas as

exigências do edital. Às companhias de Serra Pinto e Álvaro Pires, a Comissão

sugeriu a fusão de seus elencos. A de Álvaro Moreyra foi classificada porque:

63

Por fim, os direitos autorais foram fixados, nos contratos, em 10% em cima da receita bruta, mas excluída a subvenção. Processos n. 4.040 e n. 7.352/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE) e Ata da 38ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 28 mai. 1937. 64

Processo n. 7.421/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). 65

Ata da 29ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos, p. 1 (CEDOC/FUNARTE). 24 abr. 1937.

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111

A Comissão de Teatro Nacional teria, entretanto, a certeza de trair a confiança da V. Ex. [sic], e comprometer o futuro da obra planejada pelo Governo com o intuito de favorecer a evolução da cena brasileira, se não opinasse pelo aproveitamento do concurso precioso que a esta obra está oferecendo Álvaro Moreyra, um dos mais altos expoentes da mentalidade brasileira contemporânea, e, notoriamente consagrado, desde muito, no estudo das questões do teatro.

66

Como se pode perceber, não faltaram elogios a Moreyra e a iniciativa do

Teatro de Brinquedo foi lembrada:

No próprio terreno da técnica, isto é, daquilo que é mais lidamente teatral em matéria de teatro, Álvaro Moreyra possui cultura especializada e ideias muito próprias, em cuja aplicação deve ser auxiliado pelos dirigentes, a exemplo do que se dá com os inovadores dessa ordem até nos países onde o amparo do público e todas as espécies de atividade artística é uma das mais vetustas e nobres tradições.

67

Seu repertório, contando com peças como O noviço, de Martins Pena,

Volúpia da honra, de Pirandello, além de obras de autores inéditos, foi definido

como:

o que melhor atendeu a um dos objetivos dos nossos governantes, na presente campanha de se criarem possibilidade e desenvolvimento e melhoria da produção teatral, bem como para o aparecimento de novos comediógrafos e dramaturgos.

68

Outra ideia proposta por Álvaro Moreyra que agradou os membros da

Comissão foi a da organização das Tardes Culturais, um conjunto de conferências

e palestras sobre a evolução da arte cênica que se realizaria por todas as cidades

onde a companhia excursionasse.

66

Ibid., p. 2. Os grifos são nossos. Analisando o processo de Álvaro Moreyra, Tania Brandão atentou para o fato de o elenco ser predominantemente composto por amadores e de sua proposta incluir as mesmas rotinas usadas pelas companhias tradicionais, como as especializações e o ponto. Ver BRANDÃO, 2009, p. 94-95. 67

Ata da 29ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos, p. 3 (CEDOC/FUNARTE). 24 abr. 1937. 68

Ibid., p. 3.

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112

Um único problema foi apontado pela Comissão, o da ausência de artistas

conhecidos, que poderia ser facilmente resolvido com a contratação de elementos

“mais representativos”.69

É interessante atentar que Álvaro Moreyra, a despeito de todas suas

qualidades artísticas, também era conhecido por suas vinculações com grupos de

esquerda. Sua casa servia de ponto de encontro do Clube de Cultura Moderna,

uma das seções da Aliança Nacional Libertadora, e sua esposa, Eugênia, foi

presa pelo regime em 1937. Por ocasião do fechamento da ANL, em 1935, Álvaro

se manifestou publicamente, escrevendo um artigo de protesto no jornal A manhã.

Pode-se notar, portanto, que suas convicções políticas contrárias a certas

diretrizes do governo não foram motivos para que se afastasse da concorrência ou

de sua exclusão do patrocínio oficial. Para Comissão e para Capanema, que era

um anticomunista convicto, certamente era mais importante sua obra artística,

desde que essa não tivesse um conteúdo crítico ou contrário ao governo.70

A ata também se referiu às causas que levaram à desclassificação das

outras candidatas. Em relação à companhia encabeçada por Céo da Câmara, o

motivo foi a inclusão de artistas presentes nos programas de outras companhias e

de Olavo de Barros, sem o consentimento do próprio, como ensaidor. A proposta

de Palmerim foi descartada porque teria descuidado do elenco e do repertório. As

de Alexandre Menna e Luiz Médice por conterem pedidos “fora de propósito”. E as

da Associação Brasileira de Artistas Líricos e da Companhia da atriz Alda Garrido:

Não hesita a Comissão de Teatro Nacional em reconhecer a procedência de que a referida atriz e a citada Associação afirmam sobre a conveniência de serem protegidos, como veículos de educação artística do povo, as duas modalidades de arte teatral a que aludem. Outros, porém, são os objetivos com que o governo se preocupa neste momento inicial de uma ação ampla e sistemática.

71

69

Ibid., p. 3. 70

ANTUNES, 2002, p. 31-32. Sobre o “anticomunismo” de Capanema ver WILLIAMS, 2000, p. 263. 71

Ata da 29ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos, p. 1 (CEDOC/FUNARTE). 24 abr. 1937.

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113

Assim, percebe-se que a intenção da Comissão era a de amparar apenas

companhias de dramas e comédias, excluindo o teatro lírico, que recebeu

cuidados especiais a partir da realização de espetáculos que não precisavam

entrar nas disputas pelas subvenções. Em relação ao teatro cômico e musicado,

do qual Alda Garrido era um dos expoentes, haveria a concessão de auxílios,

estritamente para a opereta, aos grupos amadores. Essa ausência leva a refletir

sobre a visão de inferioridade que marcava este tipo de teatro, embora ocultada

pela expressão “veículos de educação artística do povo”. Contudo, a falta de

outros candidatos ligados a esses gêneros e o desconhecimento do próprio

processo com o pedido da atriz não permite avançar muito nessa discussão.

Outro ponto que se deve destacar é de que os argumentos de “serviços

prestados ao engrandecimento do teatro” e o “discurso das dificuldades” não

foram suficientes para garantir as concessões. Também cabe atentar que todas as

companhias amparadas pertenciam ao Rio de Janeiro, o que revela a pouca

abrangência dessa concorrência, suscitada talvez porque essas eram as únicas

que tinham condições de atender às exigências do edital.

Após Álvaro Moreyra aceitar as mudanças sugeridas e Serra Pinto desistir

da subvenção, foi dado início às temporadas das três companhias, ficando

Benjamin Lima encarregado de fiscalizá-las. A leitura das atas indica que todas

enviavam constantes telegramas contando sobre as apresentações realizadas.

Além disso, as companhias entregaram relatórios prestando contas de suas

atividades, dos quais foi encontrado somente o de Jayme Costa.

Dentre as questões discutidas pela Comissão durante a realização da

temporada oficial, esteve a da saída de atores, o que afetou as três companhias.

Houve, ainda, debates sobre mudanças nos repertórios, para as quais a Comissão

era sempre consultada, e sobre os obstáculos causados pela falta de teatros em

algumas localidades.72

72

Atas das [46ª] e [57ª] sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 1 jul. e 15 dez. 1937. Acerca dos itinerários realizados por cada companhia, ver BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 25-27.

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114

Em relação à temporada de Jayme Costa, cumpre mencionar o incidente

causado por uma peça cujo conteúdo foi tachado de comunista. Em 15 de

novembro de 1937, foi lido um ofício da Diretoria da Polícia Civil do Distrito

Federal pedindo informações sobre o texto O gosto da vida que, como se pôde

averiguar, acabou sendo excluído de seu repertório. Exclusão que provocou

reclamações por parte de sua autora, Maria Jacintha, mas que não obtiveram

resposta.73

O relatório de Jayme Costa não tocou no assunto, apresentando somente

os objetivos e êxitos de sua temporada. Sua preocupação esteve em atrair o

público, evitando “obras que se enquadrassem nos ensaios de inquirição social ou

documentação patológica”74. Em posição semelhante a de Joracy Camargo, Costa

concluía que:

Para inspirar às populações um interesse que continuasse latente no seu espírito, estabelecendo-se dessa arte nas multidões o hábito do teatro, o responsável por esta “tournée” [sic] cuidou de divulgar um repertório acessível.

75

O ator e empresário também contabilizou o total de espectadores, que

chegou ao número de 101.153, e listou as cidades por onde sua companhia

passou. Além disso, apresentou algumas sugestões para a Comissão em relação

à organização da temporada de 1938. Em sua avaliação, o governo deveria

requisitar teatros e entregá-los a oito companhias. Depois das temporadas no Rio

de Janeiro, seriam escolhidas três para excursionarem pelo Brasil, contando com

auxílio para as viagens. Outras propostas de Jayme Costa eram a concessão de

prêmios para autores e a criação de uma companhia popular de ópera.

73

Ata da [56ª] sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 15 nov. 1937 e JACHINTA, Maria. Carta à Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 6.5 – correspondência recebida – 1937(CEDOC/FUNARTE). 74

COSTA, Jayme. Relatório da Companhia Jayme Costa sobre a temporada subvencionada pela Comissão de Teatro Nacional. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 1 fev. 1938. 75

Ibid.

Page 126: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

115

Rechaçava, no entanto, o amparo a amadores, cuja dispensa recomendava já que

nenhum benefício trazia ao teatro nacional.76

A subvenção de grupos amadores esteve na pauta da Comissão desde as

primeiras reuniões. Elemento importante para a renovação do teatro, segundo o

estudo de Benjamin Lima e a conferência de Joracy Camargo, o assunto foi

levantado pelo ministro na sessão de 3 de dezembro de 1936.77 Contudo, somente

após o processo que definiu as condições para um concurso de companhias de

comédia, a questão foi discutida com maior afinco. Assim, em fevereiro de 1937,

foram aprovadas as bases para um edital de subvenção de conjuntos amadores,

cuja redação ficou a cargo de Olavo de Barros. De acordo com este, os auxílios

seriam dados por espetáculo, que podiam ser de comédia, ópera de câmara,

opereta, teatro infantil ou bailado, cabendo aos concorrentes indicar o elenco, o

programa, o palco de que dispunham, o responsável pela companhia e elementos

que traduzissem sua capacidade artística e idoneidade moral.78

O edital também esclarecia que as subvenções seriam no total de vinte,

estipuladas no valor de três contos para espetáculos de arte dramática e de cinco

para bailados ou operetas. O pagamento seria feito em duas prestações, e os

interessados poderiam se candidatar com mais de um programa, garantindo a

gratuidade ou venda dos bilhetes a preços populares.79

O amparo foi dado a grupos de diferentes categorias, que incluíam grêmios

escolares, como o do Liceu de Artes e Ofícios e o do Diretório Acadêmico da

Escola Nacional de Música, e outros ligados à organização operária, como o

76

Fora dos termos do edital, outros pedidos de subvenção foram feitos por diversas companhias, como a de Mesquitinha, Vicente Celestino e a de Salú de Carvalho (Comédia Moderna). Em relação ao último, foi encontrada uma solicitação feita diretamente ao presidente da República, datada de 27 de março de 1937, mencionando que a companhia contava com o patrocínio deste e do ministro desde 2 de abril de 1936 (antes da criação da Comissão), com o qual empreendeu excursões pelos estados de São Paulo, Espírito Santo, Sergipe, Alagoas, Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas. Processo n. 25.191/37. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ). 77

Sobre a tradição amadora no Brasil ver VARGAS, Maria Thereza. Amador (teatro). In: GUINSBURG; FARIA; LIMA (orgs.), 2006, p. 22-29. 78

Ata da 20ª sessão da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 25 fev. 1937. 79

Subvenções a conjuntos de amadores – Edital. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE).

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116

Centro Ideal Ferroviário, de São Paulo. Diferente do que ocorreu no concurso das

companhias de comédia, os conjuntos de amadores pertenciam a várias cidades

do país, como Caruaru, São Paulo, Fortaleza, Niterói, Florianópolis, Campinas,

Natividade de Carangola, Lima Duarte, São João Del Rei, Passo Fundo, Ribeirão

Vermelho, Rio Grande, Porto Alegre, além do Distrito Federal.

Os processos dos grupos amadores se assemelham àqueles referentes às

companhias de comédia pela presença de diversas justificativas destinadas a

legitimar seus requerimentos.

Pode-se notar, em primeiro lugar, a permanência do tema da dificuldade em

se fazer teatro no Brasil, ocasionada pela expansão do cinema, como é visto nos

processos do Centro de Cultura Teatral e do Grupo Particular Recreio Dramático

de Florianópolis.80 Desse modo, embora os grupos amadores fossem compostos

por pessoas que não dependiam das atividades teatrais para sua sobrevivência, a

falta de espaço e o abandono do público acabavam também por afetá-los.

Em segundo lugar, verifica-se a presença da concepção de colaboração

com a obra de engrandecimento do teatro nacional. Um exemplo pode ser retirado

do Grupo Recreio Dramático, que propôs cooperar “na obra do levantamento do

Teatro Nacional”.81

Além de mostrarem disposição em colaborar com o governo, alguns

concorrentes aproveitaram para contar sobre seus próprios trabalhos, mostrando o

quanto sua história estava vinculada a um ideal de teatro de “arte”, como se nota

na solicitação do conjunto Noites Líricas, de Porto Alegre:

Que, animado, porém, pelo valioso apoio moral dos nossos governantes e pelo aplauso com o que grande público sempre acolheu o seu esforço, não esmoreceram os peticionários, continuando a executar o programa que há sete longos anos se traçaram, qual seja o de incrementar e desenvolver o gosto pela música, pelo bel canto e em suma pela Arte, elementos imprescindíveis e de incalculável valia na formação da educação geral dos Povos, cuja importância V. Excia. [sic] melhor que nós sabe

80

Processo n. 8.885/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). 81

Processo n. 8.891/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE).

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117

avaliar, como sempre o demonstrou pelo interesse e pelo apoio que tem dado a iniciativas dessa natureza.

82

O elogio ao ministro e a obra do governo também eram constantes, como

se observa no mesmo processo:

Conhecedores que são da mentalidade culta de V. Excia. [sic] e do acendrado amor que dedica à Arte, esperam os peticionários encontrar em V. Excia. [sic], o seu mecenas, que protetor da Arte não furte de proteger e amparar os modestos intérpretes e propugnadores dela.

83

Nessa mesma direção, o grupo Ribalta Club, de Lima Duarte, se

prontificava a realizar, antes da apresentação do espetáculo subvencionado, um

discurso referindo-se ao estímulo e proteção dados pelo Ministério da Educação

ao teatro nacional.84

As peças apresentadas por esses grupos eram de autores consagrados,

contemporâneos ou não, como Oduvaldo Vianna, Coelho Neto, Artur Azevedo,

Armando Gonzaga, Renato Viana e Viriato Corrêa. A recorrência do nome de

Vianna, cujas peças foram propostas em cinco desses requerimentos, pode ser

pensada como mais uma estratégia utilizada para se conseguir o auxílio, pois o

autor era um dos membros da Comissão.

Outro elemento importante, que fornece informações sobre a abrangência

das atividades de amadores em todo o país, é o da composição dos elencos. Além

dos estudantes, percebe-se que uma variada gama de profissionais também se

dedicava ao teatro amador. O elenco do Grupo Dramático São Francisco de Paula

era formado por comerciantes, estudantes, domésticas, um ferroviário e um

funcionário da Casa da Moeda. O Ribalta Club era integrado por professora,

dentista, proprietário agrícola e advogado. O Grupo Particular Recreio Dramático

82

Processo n. 9.001/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE). 83

Ibid. 84

Processo n. 8.890/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE).

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118

era composto quase todo por domésticas. E o Centro Ideal Ferroviário tinha em

seu elenco ferroviários, uma doméstica, uma tecelã e uma costureira.85

Além das companhias de comédia e dos grupos amadores, a Comissão foi

responsável pela subvenção de grandes espetáculos de arte, que não foram

abertos para a concorrência. Nesses casos, fica evidente a interferência direta de

Gustavo Capanema como demonstra a documentação, tal como certo ajuste entre

as propostas dessas representações às diretrizes culturais do Ministério,

especialmente no que tange à questão da identidade nacional e à valorização da

cultura erudita.

O primeiro foi o da representação da ópera O Guarani, cantada em

português, realizada em 20 de maio de 1937, sob a regência do maestro Ângelo

Ferrari, contando com a participação dos cantores líricos Carmen Gomes e Reis e

Silva. O segundo foi um espetáculo de bailados proposto por Eros Volúsia,

ocorrido no dia 3 de julho, no Teatro Municipal, com Francisco Mignone na

regência da orquestra. No programa, apresentações folclóricas, como Lundu e

Peneirando o fubá, pout-pourri de motivos carnavalescos e até “música autêntica

do ritual de magia negra”, além de execução de obras de Carlos Gomes,

Francisco Mignone e Alberto Nepomuceno, em uma mistura entre o popular e o

erudito que tinha como finalidade apresentar o quadro completo dos elementos

formadores da brasilidade, objetos de pesquisa da bailarina.86

A Comissão também subvencionou, entre outubro e dezembro de 1937, a

Sociedade Anônima Teatro Brasileiro, que realizou uma série de espetáculos

líricos, levando aos palcos óperas como Barbeiro de Sevilha, de Rossini, La

Bohéme, Tosca e Madame Butterfly, de Puccini, La Traviata e Rigolleto de Verdi.87

85

Processos n. 8.899, n. 8.890 e n. 8.891/37. Comissão de Teatro Nacional, pasta 2 - Processos 1937 (CEDOC/FUNARTE) e Processo s.n. Comissão de Teatro Nacional, pasta 3 - Processos s.n. (CEDOC/FUNARTE). 20 abr. 1937. 86

Atas das 37ª e 42ª sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 20 mai. e 18 jun. 1937 e BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 34. Para a programação completa do espetáculo de Eros Volúsia, ver PEREIRA, Roberto. A formação do balé brasileiro: nacionalismo e

estilização. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 179. 87

BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 32-33.

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119

3.4 - O fim da Comissão: “um decisivo passo, no sentido de aumentar e

aprimorar as atividades teatrais do nosso país”

Uma das preocupações iniciais de Capanema foi a de que a Comissão

produzisse um boletim trimestral contendo informações sobre os estudos e

iniciativas promovidos pelo órgão. As bases desse boletim foram elaboradas por

Celso Kelly, segundo a ata da reunião de 10 de dezembro de 1936. Os temas

foram discutidos na sessão seguinte, ficando Benjamin Lima responsável por

escrever um artigo sobre o teatro nacional e outro sobre teatro como fator de

educação; Sérgio Buarque de Holanda sobre o teatro estrangeiro; Celso Kelly

sobre Estado e teatro; Olavo de Barros sobre João Caetano; Oduvaldo Vianna

sobre teatro dos negros; e Múcio Leão sobre Pirandello. Em fevereiro o boletim

encontrava-se pronto, e Capanema solicitou que Kelly incluísse seu estudo sobre

o teatro e a criança. Porém, não foram encontrados os textos e o boletim, e nem

indício de sua publicação efetiva.88

Houve, todavia, um registro final das atividades da Comissão, a publicação

O Governo e o Teatro, que reuniu uma série de informações sobre o órgão, que já

se encontrava extinto. O livro começa com “Duas Palavras” de Gustavo

Capanema, resumindo a intenção do governo ao amparar o teatro:

Verifica-se que, apesar dos óbices de toda sorte, foi dado, pela Comissão de Teatro Nacional, um decisivo passo, no sentido de aumentar e aprimorar as atividades teatrais do nosso país. Foram tomadas numerosas iniciativas, um longo programa foi executado e não são poucos os resultados colhidos. Da experiência resultante dos trabalhos realizados, se pôde chegar à organização do Serviço Nacional de Teatro, a cujo cargo ficarão daqui por diante os serviços relativos ao teatro. O Presidente Getúlio Vargas, que tem dado a este problema solícita atenção, continuará a envidar esforços para que as realizações de seu governo sejam, neste setor do serviço público, cada vez mais numerosas e significativas.

89

88

Circular do ministro Gustavo Capanema. Comissão de Teatro Nacional, correspondências – 1936 (CEDOC/FUNARTE). 10 nov. 1936 e Atas das 8ª, 9ª, 10ª, 15ª e 16ª sessões da Comissão de Teatro Nacional. Comissão de Teatro Nacional, pasta 5 - Atas 1936/1937 - Regulamentos e Regimentos (CEDOC/FUNARTE). 10, 17 e 31 dez. 1936 e 4 e 16 fev. 1937. 89

BRASIL. Ministério da Educação e Saúde, 1937, s. p. Os grifos são nossos.

Page 131: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

120

A existência de uma publicação contendo todas as iniciativas empreendidas

pela Comissão revela uma preocupação em divulgar o trabalho realizado pelo

órgão e pelo Ministério, demarcando a presença do Estado nessa nova área de

atuação.

Além da publicação, a Comissão deixou outro documento de bastante

interesse, as conclusões sobre os trabalhos de 1937, enviadas para Capanema

em dezembro deste ano, um pouco antes da extinção do órgão.

Sobre as subvenções às companhias profissionais, a Comissão verificou

que o sistema adotado não deveria ser repetido, “pois não participaram da

concorrência elementos de real valor que deveriam figurar numa iniciativa

oficial”.90 Além disso, foram apontados os problemas com a saída de atores de

todos os elencos e o alcance de poucos municípios. Sobre Jayme Costa, o

parecer considerava que, apesar do êxito, manteve o repertório ligeiro. No caso de

Álvaro Pires, a opinião foi que suas apresentações estavam “longe de ser teatro

moderno, ou teatro em evolução”. Já Álvaro Moreyra, embora tivesse tentado

“peças de maior sentido artístico”, não mereceu da crítica um apoio unânime, pelo

contrário, foi “vítima de uma campanha cuja origem se encontrava na prevenção

contra os que o meio teatral considerava amadores ou não profissionais.”91 As

conclusões eram, portanto, de que se deveriam amparar, com pequenas

subvenções, as companhias que excursionassem pelo interior e instituir uma

companhia oficial na capital da República, com subvenção anual de 300 contos.

Ideia que já havia sido sugerida no ano anterior por Olavo de Barros, e que esteve

90

Proposta da Comissão de Teatro Nacional para o ano de 1938. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta V (CPDOC/FGV). 15 dez. 1937. 91

Ibid.

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121

presente nos debates na imprensa, em vários projetos de lei e também na

proposta de Luiz Médice.92

Por outro lado, a subvenção de grupos amadores foi vista de forma positiva

“não se enganou a Comissão (...) em considerar o amadorismo uma esplêndida

escola”.93 Assim, o governo deveria estimular ainda mais as atividades desses

grupos, constituindo um serviço de assistência técnica para aprimorar seus

trabalhos e substituindo as subvenções por espetáculos por auxílios anuais.

Em relação à subvenção de companhias líricas, ficou deliberado que essa

deveria ter continuidade, dando preferência a espetáculos de óperas nacionais ou

óperas estrangeiras traduzidas. Nessa mesma direção foram as considerações

sobre os grandes espetáculos, que também deveriam ter continuidade.

Sobre os concursos, que segundo o relatório tiveram pouco êxito, a opinião

foi no sentido contrário, deliberando a não repetição destes, e a encomenda direta,

a quem tivesse “justos títulos”, de libretos, óperas, histórias do teatro e outros

estudos.

Outras sugestões apresentadas pela Comissão foram a premiação de

peças; a encomenda de textos a grandes escritores e de traduções de peças

universais; a instituição de um concurso de cenários para a peça premiada; a

concessão de duas bolsas para o melhor ator e a melhor atriz para estudos na

Europa ou Estados Unidos; e o aluguel de um teatro para a companhia oficial de

comédia. O relatório também indicava que o órgão deveria funcionar com maior

frequência, estipulando um total de 120 sessões anuais e um aumento do

orçamento.

92

Ibid. e BARROS, Olavo. Projeto de criação de uma Companhia de comédia. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta II (CPDOC/FGV). 23 nov. 1936. Segundo esse projeto, o elenco da companhia oficial seria formado por 9 atores; 6 atrizes, um diretor artístico; um diretor-ensaiador; um diretor de caracterização; um administrador; um cenógrafo; um arquivista; um ponto; um contrarregra; um maquinista-chefe; um eletricista-chefe; e um guarda-roupa; e composto por 2/3 de brasileiros natos ou naturalizados, aproveitados da Escola Dramática Municipal e futuramente da Universidade. O contrato teria prazo de um ano, garantidas as férias durante dois meses. A Companhia de Comédia montaria doze peças: uma de teatro clássico universal, duas de teatro antigo brasileiro, duas de autores nacionais ainda não representados, quatro inéditas de autores brasileiros, e três de escritores contemporâneos, mesmo estrangeiros. 93

Proposta da Comissão de Teatro Nacional para o ano de 1938. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta V (CPDOC/FGV). 15 dez. 1937.

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122

Ao se preocupar com a realização de espetáculos de “arte”, com a

publicação de peças e trabalhos ligados à cultura erudita (óperas, o teatro de

Shakespeare), e ao criticar o teatro tradicional realizado pelas companhias

subvencionadas, a Comissão deixava evidente o caráter do teatro que deveria ser

patrocinado oficialmente. Também não se deve minimizar o papel do ministro

Capanema. Basta recordar seu empenho na questão das óperas. Ao mesmo

tempo, a cena consagrada seria mantida, com algumas exclusões, mas desde que

fosse veículo de divulgação do teatro em todo o país. O que estava em jogo eram

dois modos e concepções distintas de fazer teatro: aquela tradicional, e que

obtinha sucesso, pois satisfazia o gosto do público; e outra, voltada para a

“elevação”, e, em certa medida, para a renovação, um pouco distante dos palcos,

mas reclamada por parte da crítica.

Além dessas considerações, foi encontrado outro plano de atividades da

Comissão para o ano de 1938, que previa a inclusão de mais três novos membros.

Um deles seria Onestaldo de Pennafort, e os dois outros, um ator e um crítico de

jornal, o que abriria um espaço maior para pessoas ligadas ao setor. Definia,

ainda, que Múcio Leão continuaria na presidência, Pennafort e Benjamin Lima

ficariam encarregados dos estudos gerais e de legislação, Sérgio Buarque de

Holanda, pela parte da literatura teatral e crítica, Francisco Mignone, pelo teatro

lírico, Celso Kelly se dedicaria às questões relacionadas à construção de prédios

de teatro, cenografia e escolas, Oduvaldo Vianna seria o diretor da companhia

oficial que deveria ser instalada e Olavo de Barros, o ensaiador, assessorados por

Onestaldo de Pennafort, que também ficaria responsável pela secretaria.94

Seguia a esta organização a proposta dos trabalhos imediatos do órgão

que, além de abarcar as sugestões mencionadas no relatório das atividades do

ano de 1937, trazia de novo a questão da organização de uma escola de teatro

para funcionar em articulação com a companhia oficial e a elaboração de uma lei

geral sobre teatro.

94

A organização dos serviços de teatro do Ministério da Educação. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta III (CPDOC/FGV).

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123

Ao destacar os planos e as realizações da Comissão de Teatro Nacional

tentou-se apreender a dimensão do projeto do governo em relação ao teatro,

observando como este esteve em estreito contato com as discussões realizadas

nesse meio. Procurou-se ressaltar que várias das reclamações do setor, como a

da falta de teatros, de uma escola e da necessidade de uma lei geral, foram

acolhidas nos debates da Comissão. Além disso, atentou-se para alguns pontos

de encontro entre as diretrizes do governo e as demandas do setor, como o

projeto de construção de um teatro “elevado”, a partir do predomínio de ações de

incentivo às produções de caráter mais erudito, e de busca por um teatro

genuinamente nacional.

Verificou-se, também, que a Comissão teve que se confrontar com

inúmeras dificuldades, algumas delas de ordem financeira, pois as propostas

apresentadas requeriam uma verba superior àquela destinada “ao

desenvolvimento do teatro nacional.” No entanto, os obstáculos que se impuseram

à almejada elevação do nível do teatro brasileiro não eram apenas econômicos,

havia ainda a necessidade da remodelação da produção cênica e da própria

esfera educacional, o que contribuiria para formação do público.

As atividades realizadas em um pouco mais de um ano de funcionamento

da Comissão continuaram gerando expectativas da classe teatral em relação à

ação do governo Vargas em prol do teatro. Isso pode ser percebido no Anuário da

Casa dos Artistas do ano de 1937. Recheado de fotografias do presidente Getúlio,

dos ministros do Trabalho e da Educação e de todos os membros da Comissão,

os textos presentes nessa publicação tratam da ação oficial de maneira bastante

elogiosa, rebatendo as críticas daqueles que a desacreditavam, “realizadas por

maldade ou incúria”, e reconhecendo os problemas do próprio meio.95

A árdua tarefa teria, assim, de ser continuada, mas seria realizada por outro

órgão, que se conhecerá a seguir.

95

A COMISSÃO de Teatro Nacional. In: Anuário da Casa dos Artistas, 1937, s.p.

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124

Capítulo 4

O Serviço Nacional de Teatro:

“a obra de desenvolvimento do teatro nacional exige esforço continuado”

A criação de um novo órgão voltado para o teatro representou a importância

que o assunto foi adquirindo dentro do Ministério da Educação e Saúde, o que

imprimiu um novo caráter às atividades destinadas à área, revestidas de fins mais

pragmáticos. Também assinalou um momento de maior interesse do setor, com a

presença de muitas companhias profissionais e conjuntos amadores disputando o

amparo oficial, tornando mais complexa a relação entre o governo e esses grupos,

e gerando polêmicas de grandes proporções.

Neste capítulo se iniciará a análise sobre o Serviço Nacional de Teatro,

concentrada em sua organização e nas principais iniciativas empreendidas

durante os oito primeiros anos de sua história, destacando seu papel na

concretização de antigos anseios do meio teatral.

4.1 - A organização do SNT: em busca da “elevação e a edificação espiritual

do povo”

Antes de tratar do Serviço Nacional de Teatro é necessário esclarecer as

opções metodológicas escolhidas para elaboração deste e do próximo capítulo. O

procedimento será distinto daquele utilizado para a análise da Comissão, cuja

obra pôde ser observada com maior riqueza de detalhes devido a sua curta

existência, o que permitiu, por sua vez, um trabalho mais exaustivo com as fontes.

Assim, além de priorizar os planos e relatórios anuais existentes, que fornecem

uma visão geral das suas atividades, foram selecionados determinados processos

com o fim de se acompanhar a origem de algumas subvenções. Neste aspecto,

serão consideradas as petições de alguns artistas de maior sucesso na época;

daqueles que se dedicavam ao teatro musicado ligeiro, incluindo gêneros que,

algumas vezes, estavam fora dos planos do SNT; de outros, relacionados às

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125

tentativas de realização de um teatro de “arte”; e os referentes aos grupos

amadores, também preocupados com um teatro baseado em distintos padrões

artísticos; em uma tentativa de abarcar elementos diversos que se constituíssem

como uma amostra da variedade das propostas teatrais vigentes na época.

Essa seleção deixou de lado inúmeros nomes e, na certa, outras tantas

nuanças do processo de concessão de auxílios, o que se procurou contornar

através da transcrição das listas que se encontram em anexo, onde poderão ser

localizados todos aqueles que receberam amparo financeiro entre os anos de

1939 e 1945.

Outro recorte, diretamente ligado ao problema levantado por esta

dissertação, levou à análise de todo o material referente às entidades de classe, a

fim de que se pudesse observar outra forma de participação do setor frente à

política oficial, a partir da crítica e de propostas de ações consideradas capazes

de efetuar uma transformação efetiva na vida dos trabalhadores e na cena

brasileira da época.

***

O início do Estado Novo coincidiu com a criação de um novo órgão

dedicado ao teatro. Neste mesmo momento, outros foram estabelecidos, como o

Instituto Nacional do Livro, ou regulamentados, como o SPHAN, o que demonstra

a atenção especial às atividades ligadas à cultura nesse período de reorganização

do governo Vargas, que adentrava em sua fase mais autoritária.

Em relação ao teatro, certamente Gustavo Capanema concordava com as

conclusões da Comissão, presentes em seu relatório e no plano para o ano de

1938, no que se refere às diretrizes de ação e ao aumento de suas atividades.

Contudo, optou pela instituição de uma nova entidade administrativa, de caráter

permanente, como esclareceu em sua exposição de motivos:

A obra de desenvolvimento e aprimoramento do teatro nacional exige esforço continuado. Incentivos intermitentes e auxílios temporários não resolverão o assunto.

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No corrente ano, mau grado as dificuldades evidentes de nosso meio, já se realizou trabalho de vulto, tendo sido empreendidas numerosas iniciativas, quer no terreno dos estudos sobre a matéria, quer no terreno das representações teatrais. Foi instituída, para tratar do problema do teatro, a Comissão do Teatro Nacional, que vem trabalhando, há mais de um ano, com frequência e esmero. Parece-me, porém, que a obra, a ser executada, está exigindo um órgão mais atuante, de funcionamento permanente, que possa superintender as realizações de toda a natureza em matéria de teatro...

1

O decreto-lei n. 92, de 21 de dezembro de 1937, que instituiu o SNT, trazia

no artigo primeiro a concepção de teatro que deveria nortear a sua ação: “O teatro

é considerado como uma das expressões da cultura nacional, e a sua finalidade é,

essencialmente, a elevação e a edificação espiritual do povo.”2

Definia, dessa forma, os objetivos de amparo e desenvolvimento, o que

refletia uma determinada visão de teatro que, conforme foi analisado no primeiro

capítulo, era predominante no meio teatral, e se ajustava à própria concepção de

cultura presente nas iniciativas de Capanema frente ao Ministério da Educação e

Saúde, como foi demonstrado na segunda parte desta dissertação. Construção

que aparece como um dado mas que, na verdade, revela a busca por um teatro

ideal, distinto da maior parte das produções teatrais existentes na época.

As competências do SNT eram a de promover ou estimular a construção de

teatros em todo o país; organizar ou amparar companhias de teatro declamatório,

lírico, musicado e coreográfico; orientar e auxiliar a organização de grupos

amadores de todos os gêneros nos estabelecimentos de ensino, nas fábricas, nos

clubes e associações; incentivar o teatro para crianças e adolescentes dentro e

fora das escolas; promover a seleção dos espíritos dotados de real vocação para

o teatro, facilitando-lhes a educação profissional no país ou no exterior; estimular a

produção de obras de teatro de todos os gêneros; fazer o inventário da produção

1 CAPANEMA, Gustavo. Exposição de motivos apresentada junto com o decreto-lei n. 92, de 21 de

dezembro de 1937, que criou o Serviço Nacional de Teatro. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta V (CPDOC/FGV). 20 dez. 1937. 2 BRASIL. Decreto-lei n. 92, de 21 de dezembro de 1937. Cria o Serviço Nacional de Teatro. In:

Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=103226. Acesso em: 11 mai. 2008. Os grifos são nossos.

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brasileira e portuguesa, publicando as melhores obras existentes; e providenciar a

tradução e a publicação das grandes obras de teatro escritas em outros idiomas.3

O SNT mantinha, portanto, alguns dos objetos que couberam à Comissão

estudar. No entanto, no que se refere ao estímulo à produção dramatúrgica, o

decreto-lei n. 92 revelou-se mais abrangente, com a introdução de um item

prevendo o estímulo não somente à “boa” literatura dramática, mas a obras de

teatro de todos os gêneros. Esse mesmo alcance pode ser percebido em relação

ao amparo às companhias teatrais que, de certa forma, se contrapunha à

premissa dada pelo artigo primeiro, revelando as contradições deste discurso, que

também se dariam no plano prático.

Entre a documentação pertencente ao ministro Capanema foi encontrado

um projeto do decreto-lei n. 92 que contém um artigo a mais do que o texto

sancionado, que é interessante transcrever na íntegra:

Art. 4º - O regime dos teatros será, na forma do art. 26, n. XVIII, da Constituição, regulado em lei federal especial. Fica, porém, desde já, estabelecido o seguinte:

a) Os poderes públicos darão proteção ao teatro, para o fim de que este seja, não apenas um meio de diversão, mas também um instrumento de educação popular.

b) Não será permitida a representação de nenhuma peça de teatro, que atente, clara ou disfarçadamente, contra os princípios de ordem moral, política e econômica, que presidem à organização do Estado brasileiro.

c) As obras estrangeiras de teatro, uma vez traduzidas em língua nacional e divulgada a tradução pelo Serviço Nacional de Teatro, só poderão ser representadas por companhia brasileira, segundo o texto traduzido.

d) [RISCADO] nenhuma obra teatral de autor brasileiro poderá ser representada em idioma estrangeiro, uma vez que haja, divulgada pelo Serviço Nacional de Teatro, a sua tradução em língua portuguesa.

e) As companhias brasileiras de teatro são obrigadas a organizar o seu elenco com 2/3 pelo menos de artistas brasileiros.

4

Da parte suprimida destacam-se uma preocupação com o aspecto mais

estritamente educativo e a presença de itens que estavam sob o âmbito de

3 Ibid.

4 Projeto do decreto-lei n. 92. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta VI

(CPDOC/FGV).

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atuação da Polícia e do Ministério do Trabalho: a censura e a obrigatoriedade das

companhias serem compostas por 2/3 de artistas brasileiros, pontos que dariam

uma característica distinta às atividades do SNT.5

A censura e a fiscalização dos trabalhos e dos contratos passariam para a

Divisão de Cinema e Teatro do DIP em 1939. Com o decreto n. 1.949, do mesmo

ano, outra novidade foi instaurada: a nacionalização da censura, tornando válido

em todo o território nacional o certificado de aprovação das peças teatrais

fornecido pelo novo Departamento.6

Esse fato representou uma derrota para Capanema, pois foi vista sua

preocupação em transferir a censura teatral para a esfera do Ministério da

Educação durante os trabalhos da Comissão, o que também ocorreu depois da

criação do SNT.

Limitado às questões de ordem artística e relacionadas às condições do

“fazer teatro”, excetuando as questões trabalhistas, o estabelecimento do SNT

provocou, tal como ocorrera quando da criação da Comissão, uma repercussão

positiva na imprensa, entre artistas e entidades de classe. A Casa dos Artistas

mandou construir um busto de bronze de Vargas em frente a sua sede. Na

Associação Brasileira de Críticos Teatrais foi inaugurado um retrato do presidente.

5 A lei dos 2/3, de 12 de dezembro de 1930, regulamentada pelo decreto n. 20.291 de 1931, visava

reduzir a influência dos trabalhadores estrangeiros, muitos deles ligados à disseminação de doutrinas políticas socialistas, comunistas e anarquistas, além de promover a valorização do trabalho e do trabalhador nacional. Ver mais em D’ARAUJO, 2007, p. 223. De acordo com Mello Barreto Filho, o Serviço de Censura Teatral e Diversões Públicas da Polícia do Distrito Federal baixou uma portaria para o caso específico do teatro em 30 de agosto de 1937, o que leva a inferir que esse preceito já vigorava. BARRETO FILHO, 1940, p. 100-101. 6 Várias entidades, como a SBAT e o Sindicato dos Trabalhadores de Teatro de São Paulo,

pediram a criação de uma censura única nesse período inicial do SNT. As respostas dadas a ambas informavam sobre a existência de um projeto de lei sobre este assunto, que estava nas mãos do presidente da República. Ver Processo n. 54/39. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e NOTICIÁRIO. Boletim da SBAT, n. 166, abr. 1938, p. 6. Segundo o decreto-lei n. 1.949, uma peça poderia ser proibida se ofendesse o decoro público; contivesse cenas de ferocidade ou sugerisse a prática de crimes; divulgasse ou induzisse aos maus costumes; provocasse o incitamento contra o regime vigente, a ordem pública e as autoridades constituídas; prejudicasse as relações com outros povos; ofendesse povos ou religiões; ferisse a dignidade ou o interesse nacional; ou induzisse ao desprestígio das forças armadas. BRASIL. Decreto-lei n. 1.949, de 30 de dezembro de 1939. Dispõe sobre o exercício de atividades de imprensa e propaganda no território nacional e dá outras providências. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=25331. Acesso em 12 jun. 2010.

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E até em locais mais distantes a iniciativa foi bem recebida, como pode ser

observado com a criação do Núcleo Teatral Getúlio Vargas, em Olinda.7

Mário Nunes, na coluna “Teatros”, manifestou sua expectativa, tratando de

alertar sobre o trabalho “pesado e árduo” que o Serviço teria que enfrentar, já que

a proposta do governo visava atacar o que consistia em “um dos mais complexos

problemas do Brasil”. Para ele, a missão do novo órgão se constituiria,

basicamente, em “educar o povo”, e para isso deveria ser escolhido um diretor que

conhecesse bem o assunto.8

A princípio, o ministro não encontrou ninguém para desempenhar a tarefa.

Em junho de 1938, em carta enviada a Getúlio Vargas, Capanema relatou a

dificuldade dessa procura, mencionando os nomes de dois indicados que

recusaram o cargo: Abadie Faria Rosa e Oduvaldo Vianna.

Abadie foi convidado ainda no começo de 1938, ao que parece, por

indicação do presidente da República. Escrevendo a Vargas, explicou sua recusa

a partir da constatação de que suas “modestas ideias” não poderiam ser

enquadradas no grandioso plano apresentado pelo ministro. Dois dias antes,

entretanto, escrevera para Capanema dizendo-se impressionado com os

programas expostos, apesar de considerá-los de elevado vulto para o nosso

palco. Mesmo assim, aceitaria o cargo se o ministro concordasse com suas

propostas, que eram: a realização de uma estação teatral nos principais centros

do país; a instituição de dois elencos oficiais; a obtenção urgente de casas de

espetáculos; o amparo a cinco elencos; e a transferência da Escola Municipal para

a União. Projetos que se assemelhavam às sugestões de entidades e artistas

7 A CRIAÇÃO do Serviço Nacional de Teatro: o governo realizador do Dr. Getúlio Vargas resolverá

mais um dos velhos problemas da nacionalidade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 dez. 1937. Teatros, p. 14, CASA dos Artistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 mar. 1938. Teatros, p. 12, NA ASSOCIAÇÃO Brasileira de Críticos Teatrais: inauguração do retrato do Doutor Getúlio Vargas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 jun. 1938. Teatros, p. 8 e EM OLINDA, fundou-se o Núcleo Teatral Getúlio Vargas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 ago. 1938. Teatros, p. 14. 8 NUNES, Mário. A verdade sobre o teatro em face do Serviço que o governo vai criar. Jornal do

Brasil, Rio de Janeiro, 12 fev. 1938. Teatros, p. 15.

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enviadas ao governo nos anos anteriores e que estiveram presentes entre as

discussões da Comissão.9

Não houve como conhecer o que se passou nesses dois dias que separam

o entusiasmo de Abadie frente às ideias de Capanema e sua carta de recusa a

Vargas. No entanto, sabe-se que o ministro continuou a sua busca, que se dirigiu

para Mário de Andrade, seu colaborador em diversas frentes, e que também

participou de algumas sessões da Comissão de Teatro Nacional. Mário, por sua

vez, não aceitou o convite alegando ser este “um lugar de projeção muito brilhante

e muito violenta”, no qual estaria fadado a fracassar.10

Enquanto procurava um nome para ocupar o cargo, Capanema não

descuidou da questão do teatro, dando continuidade às iniciativas originadas nos

trabalhos da Comissão, estudando projetos de lei de autoria desconhecida, dos

quais apenas foram encontradas suas ementas e datas. Um deles previa o

estabelecimento de normas para a concessão de subvenções às temporadas

líricas, de concertos, companhias dramáticas, de operetas e de revista; outro

regulamentava a organização de conjuntos de teatrais; e o terceiro autorizava o

Banco Nacional do Trabalho a conceder aos municípios empréstimos destinados à

construção ou reconstrução de teatros.11

Em agosto de 1938, finalmente, o diretor do órgão foi empossado: Abadie

Faria Rosa aceitou o convite antes recusado. O nome foi bem recebido pelo setor,

especialmente pela SBAT, organização da qual Abadie fora presidente. Em sua

posse, realizada na sede do SNT, – o Teatro Ginástico, arrendado pelo Ministério

– estiveram presentes representantes desta e de outras entidades, como a Casa

dos Artistas e a Associação Brasileira de Críticos Teatrais.12

9 ROSA, Abadie Faria. Carta para o presidente Getúlio Vargas; carta para o ministro Gustavo

Capanema. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 14 e 16 mar. 1938. Segundo Ruy Castro, foi Manoel Vargas Neto, sobrinho de Getúlio, quem indicou Abadie Faria Rosa para a diretoria do SNT. Ver CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 154-155. 10

ANDRADE apud SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 385. 11

Projetos de decretos n. 1.547 (6/38), n. 153 (2/38) e n. 1.150 (6/38). Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 12

NO SERVIÇO do Teatro Nacional: o Sr. Abadie Faria Rosa foi, ontem, empossado, da nova dependência do Ministério da Educação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 ago. 1938. Teatros, p. 13 e NOTICIÁRIO: Dr. Abadie Faria Rosa. Boletim da SBAT, n. 170, ago. 1938, p. 5-6.

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Alexandre Abadie Faria Rosa, nascido em Pelotas em 1889, era um nome

reconhecido no meio teatral, embora sua influência não ultrapassasse os limites

desse campo. Dramaturgo, crítico, presidente da SBAT em quatro ocasiões, sua

posição de destaque também pode ser considerada pela presença de seu nome

nas convocações da própria classe ou do governo para discussões relativas à

área.13 Além desse capital social e cultural acumulados em sua vida ligada ao

teatro, ele também era funcionário público: bacharel em Direito, foi oficial do

gabinete do Ministério da Justiça e Negócios Interiores por quase dez anos. Ou

seja, Abadie dominava os procedimentos referentes ao funcionamento da

administração, fato que pode ter facilitado sua indicação.

De imediato, o novo diretor solicitou a autorização de Capanema para

requisitar passagens nas principais empresas ferroviárias e de navegação do país,

com o fim de facilitar a excursão das companhias teatrais. Sugestão que havia

sido tema de carta da Casa dos Artistas datada de agosto, e que foi posta em

prática pelo SNT a partir do pedido de descontos aos diretores do Lloyd Nacional

e da Companhia de Navegação Costeira.14

Ainda nos primeiros meses de sua gestão, Abadie organizou um grandioso

plano quinquenal (1939-1943), no qual propôs reorganizar o meio teatral brasileiro

a partir do levantamento do nível “do nosso paupérrimo teatro”.15 Incremento que

se daria em duas direções: atentando para os aspectos da vida e do trabalho dos

profissionais teatrais, sem relegar para um segundo plano a parte artística do

problema.

Embora não houvesse nenhum projeto estético nítido em seu plano – como

também em seus pareceres, relatórios, etc. –, nem mesmo a menção a nomes

13

Basta recordar, por exemplo, o convite para elaboração de um memorial organizado pela Casa dos Artistas em 1930, sua participação na Comissão do Ministério de Trabalho em 1932, e em uma das sessões da Comissão de Teatro Nacional. 14

Processos 7, 8 e 18/38. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Os descontos também foram concedidos por outras empresas ao longo do período analisado. Em 1945, a Central do Brasil instituiu, por portaria interna, o fornecimento de passagens e transporte de material mediante troca de bilhetes para distribuição entre os funcionários. Ver processo n. 73/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 15

ROSA, Abadie Faria. Plano quinquenal. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 15 out. 1938.

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estrangeiros ou nacionais que pudessem servir de referência, Abadie Faria Rosa

tinha uma ideia fixa: “elevar” o teatro nacional, promovendo um repertório mais

“sério”. Com uma produção dramatúrgica marcada pelas comédias ligeiras, que

satisfaziam o gosto do público e os bolsos dos empresários, Abadie sabia que a

tarefa era difícil. Mesmo assim, ela poderia ser estimulada através do

estabelecimento de critérios para a escolha de companhias a serem

subvencionadas, da concessão de prêmios e da organização de uma escola para

o aprimoramento dos atores.

Outro ponto relevante é a ausência de qualquer menção aos trabalhos da

Comissão de Teatro Nacional. Em nenhum momento o diretor concebeu a ação do

SNT como consequência das formulações realizadas pelo órgão antecessor. Fato

que talvez represente uma tentativa de demarcar uma ruptura, ainda que o

Serviço tenha dado, de certa maneira, continuidade a muitas das iniciativas da

Comissão.

Para o ano de 1939, o plano propôs o amparo a seis companhias, das quais

as duas melhores – uma de teatro declamado e outra de musicado – seriam

escolhidas para futuras temporadas oficiais. Outras medidas previstas eram a de

auxílios às excursões, a concessão de prêmios para a arte lírica nacional, o

amparo ao teatro amador e ao teatro infantil, a criação de uma escola de caráter

prático e a organização do radioteatro, destinado a “difundir pelos recantos mais

afastados do território nacional todo o repertório do teatro brasileiro, todos os

êxitos das nossas casas de espetáculos”.16

Com este último projeto e com a promoção de excursões, Abadie

enfrentava a questão dos limites da atuação do órgão, que se restringiriam a

cidade do Rio de Janeiro. Portanto, seria com a utilização de um recente meio de

comunicação e de auxílios para transporte que a política alcançaria um caráter

nacional.

Para empreender todas essas medidas, o diretor do SNT requeria uma

verba de dois mil contos, cuja justificativa baseava-se nos ideais da formação e

defesa da unidade nacional, caros ao Estado Novo:

16

Ibid.

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2.000 contos para teatro. Em face das nossas possibilidades econômicas deve-se reconhecer que é alto. Tendo em vista, porém, o serviço que o teatro, por pobre que seja, pode prestar à formação e defesa da unidade nacional, numa terra onde o cinema, todo ele de caráter internacional, está adulterando, como principal diversão pública que é, as tendências tradicionais da educação brasileira no lar e na sociedade, não resta dúvida que se trata de um sacrifício aconselhável.

17

Para o ano de 1940, as propostas eram oficializar uma companhia de teatro

e construir um “Teatro do Povo” no bairro de Madureira, subúrbio da cidade do Rio

de Janeiro. No ano seguinte, seria oficializado um elenco musicado e iniciado o

trabalho de orientação dos grupos amadores e a experiência efetiva do

radioteatro. Em 1942, criado o Conservatório Dramático Municipal, fundindo a

escola prática do SNT e a Escola Dramática Municipal, e organizadas as

temporadas de espetáculos líricos e coreográficos no Teatro Municipal. E, para o

último ano, estavam previstos a instituição de uma companhia de teatro lírico-

coreográfico, o estabelecimento de prêmios para atores, autores e outros

profissionais, e o início de um estudo para construção de um grande prédio

destinado à instalação do SNT, que também abrigaria as sedes da Associação de

Artistas Brasileiros, Casa dos Artistas, SBAT, ABCT, Associação Mantenedora do

Teatro Nacional, Centro dos Carpinteiros Teatrais e outras entidades, bem como

do Departamento de Censura Teatral, cuja passagem para o Ministério estava

sendo preparada. A esse edifício foi sugerido o nome de “Teatro Getúlio Vargas”.

Em 1939 o Serviço começou a se organizar administrativamente com a

contratação de novos funcionários, além de Jorge Gonçalves e Armando Fragoso,

que assinam os pareceres dos processos relativos ao ano de 1938. Tal como

ocorreu com a Comissão, alguns personagens pertencentes ao meio teatral foram

convocados para trabalharem no novo órgão.

Funcionários do Serviço Nacional de Teatro

ligados a atividades teatrais18

17

Ibid. 18

ROSA, Abadie Faria. Relação do pessoal extranumerário mensalista do Serviço Nacional de Teatro. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). 30 nov.

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Secretaria

Funcionário Cargo/função Formação/carreira

Gastão Manhães Tojeiro (Rio de Janeiro, 3/2/1880)

Ajudante técnico de 3ª classe – servia na secretaria e tinha a seu cargo a biblioteca especializada.

Dramaturgo, estreou em 1904, com a peça As Obras do Porto. Escreveu mais de 100 peças, entre burletas, peças policiais, comédias e farsas. Sócio benemérito da Casa dos Artistas, foi um dos fundadores da SBAT, membro da diretoria provisória em 1917 e sub-tesoureiro de 1940 a 1941.

José Wanderley (Natal, 19/12/1905)

Sub-ajudante técnico de 3ª classe – servia na secretaria.

Dramaturgo, estreou em 1933, com a comédia Compra-se um marido. Foi secretário da SBAT de 1942 a 1943.

João do Rego Barros (Belém, 11/5/1875)

Sub-ajudante técnico de 5ª classe – fiscal junto às companhias subvencionadas.

Escritor e empresário, começou sua carreira como ponto na companhia do Teatro Carlos Gomes, em 1906. Escreveu operetas, sainetes, revistas, etc. Foi tesoureiro da Casa dos Artistas entre 1931 e 1934, deixando de pertencer a esta entidade em 1939. Fez parte da Comissão criada pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1932, para elaboração de um estatuto dos profissionais do teatro.

João Travassos Serra Pinto (Belém, 27/1/1891)

Sub-ajudante técnico de 5ª classe – fiscal junto às companhias subvencionadas.

Jornalista, crítico teatral e empresário. Estreou em 1911, com a revista No olho da rua. Escreveu revistas, comédias, burletas e operetas. Foi diretor da ABCT e membro do Conselho Deliberativo da SBAT. Pleiteou a subvenção estabelecida pela Comissão de Teatro Nacional em 1937.

1939. Além dos nomes citados, o SNT contava, em 1939, com mais funcionários, que realizavam serviços de caráter técnico, como arquivista, datilógrafo, etc., e que, provavelmente, não tinham ligação com o teatro, tais como Jarbas Andréa de Araújo Costa, Fortunato Macedo, Ophelia de Argollo Moniz, Oscar Santos Bustorff e José Ciciliano. Houve mudanças nessa lista, pois outros nomes apareceram nos processos posteriores a 1939, como o de Corina Rebuá. Contudo, a documentação analisada não foi suficiente para que se elaborasse um quadro mais completo. Sobre Gastão Tojeiro ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 544-545. Sobre José Wanderley ver “Esboços biográficos de autores teatrais”, do Boletim da SBAT, n. 216, mar./abr. 1943, p. 9. Sobre Rego Barros ver GONÇALVES, Augusto de Freitas Lopes. Dicionário Histórico e Literário do Teatro no Brasil, v. 2. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra, 1975, p. 73-74, e Anuário da Casa dos Artistas, 1937, 1939. s.p. Sobre Serra Pinto ver “Esboços biográficos de autores teatrais”, do Boletim da SBAT, n. 216, mar./abr. 1943, p. 8. Sobre Benjamin Lima ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 299. Sobre Lucília Peres ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 415. Sobre Chaves Florence ver BARRETO FILHO, 1940, p. 141. Sobre Otávio Rangel ver SOUZA, 1960, v. 2, p. 444. Sobre Eros Volúsia ver PEREIRA, 2003.

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Curso Prático de Teatro

Funcionário Cargo/função Formação/carreira

Benjamin Lima (Òbidos-PA, 27/11/1885)

Assistente de ensino de 5ª classe – diretor do Curso Prático de Teatro.

Jornalista, autor, tradutor e crítico teatral. Formado em Direito, foi professor, promotor público, escrivão federal, e membro da Comissão de Teatro Nacional.

Eros Volúsia (Rio de Janeiro, 1/6/1916)

Auxiliar de ensino de 5ª classe – professora de arte coreográfica do Curso Prático.

Bailarina, coreógrafa e pesquisadora de danças nacionais. Cursou a Escola de Bailados do Teatro Municipal. Participou do Teatro-Escola. Teve um espetáculo subvencionado pela Comissão de Teatro Nacional.

Grizalda Lazzaro Scheleder Auxiliar de ensino de 5ª classe – professora de arte canto teatral do Curso Prático.

Maestrina.

José Chaves Florence Auxiliar de ensino de 5ª classe – professor de arte de representar do Curso Prático.

Ator, autor e ensaiador. Primeiro secretário e presidente da Casa dos Artistas entre 1937 e 1940.

Lucília Peres (Lorena-SP, 6/3/1881)

Auxiliar de ensino de 5ª classe – professora de arte de dizer do Curso Prático.

Atriz e empresária, trabalhou nas empresas de Cristiano Sousa, Leopoldo Fróes e outros e atuou em A Batalha da Quimera, de Renato Viana. Para ela Artur Azevedo escreveu O Dote.

Otávio Rangel (Rio de Janeiro, 2/11/1890)

Auxiliar de ensino de 5ª classe – professor de arte de caracterizar do Curso Prático.

Funcionário público, jornalista, tradutor, teatrólogo e técnico de teatro, autor de trabalhos de técnica teatral e peças.

Mário de Araújo Hora Auxiliar técnico de 5ª classe – secretário do Curso Prático.

Crítico teatral de O Globo.

Na secretaria, junto com Abadie, trabalhavam Gastão Tojeiro, responsável

pela maior parte dos pareceres presentes nos processos administrativos

analisados, e José Wanderley. Como fiscais, Serra Pinto, João do Rego Barros e

Jarbas Andréa de Araújo Costa. Já o Curso Prático contava com os nomes de

Benjamin Lima, Chaves Florence, Lucília Peres, Otávio Rangel, Eros Volúsia,

além do crítico Mário Hora. Jayme Costa foi chamado para ser professor da arte

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136

de caracterizar, mas desistiu da função depois de ter sua companhia selecionada

para receber a subvenção.19

Percebe-se a presença predominante de dramaturgos, todos eles

dedicados aos gêneros de maior apelo comercial, incluindo revistas. Figuras

distantes do teatro “sério” ou de “arte”, que o Serviço pretendia fomentar em

primeiro lugar. Gastão Tojeiro, por exemplo, era um nome de enorme sucesso

desde o início do século. Situação que o diferenciava dos outros colegas. José

Wanderley havia estreado mais recentemente, mas já despontava como autor de

comédias do estilo tradicional. Serra Pinto e Rego Barros eram ou haviam sido

empresários, ou seja, conheciam com profundidade as dificuldades e os

condicionantes econômicos da vida teatral.

Caso semelhante ocorreu em relação ao pessoal convocado para atuar

como professor do Curso Prático. Com exceção da professora de arte

coreográfica, Eros Volúsia, todos os nomes estavam ligados ao estilo de atuação

que dominava os palcos nacionais, como Lucília Peres e Otávio Rangel.20

O vínculo com a SBAT é outra característica marcante. Gastão Tojeiro e

José Wanderley assumiram cargos na direção desta entidade quando trabalhavam

no Serviço. Por outro lado, a Casa dos Artistas tinha como representante Chaves

Florence, membro da diretoria da entidade durante o período em que ocupou o

cargo no Curso Prático.

Constituído essencialmente por profissionais teatrais, o Serviço Nacional de

Teatro deu início aos seus trabalhos.

4.2 - As principais atividades entre 1939 e 1945

19

SERVIÇO Nacional de Teatro: distribuição do pessoal contratado para o novo órgão criado pelo governo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 mai. 1939. Teatros, p. 15. A diretora da Casa dos Artistas, Eugênia Moreyra, em carta para o ministro Capanema, criticou a escolha dos principais cargos técnicos do Serviço, que estavam entregues a pessoas estranhas ao meio teatral, “quando existem muitos artistas, e dos mais cultos, sem trabalho.” Ver MOREYRA, Eugênia Álvaro. Carta para o ministro Gustavo Capanema. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). 14 jan. 1939. 20

Analisando um dos manuais teatrais escritos por Otávio Rangel, professor de arte de caracterizar do Curso Prático, sem data, mas cuja apresentação é de 1948, Tania Brandão identifica um esforço de defesa e de afirmação do teatro de convenções antigo, que fornece um indício interessante a respeito da questão. Ver BRANDÃO, 2002, p. 31-38.

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137

O ano de 1939 começou com a busca por teatros que pudessem abrigar as

companhias subvencionadas. Inicialmente foi tentado o Carlos Gomes, e depois o

Fênix. Abadie Faria Rosa também conseguiu acertar com os proprietários de

cinemas, que colocaram quatro casas de espetáculos dos subúrbios do Rio de

Janeiro à disposição do SNT.21

Ainda em relação a essa questão, cumpre notar que, apesar de privilegiar a

capital federal, o diretor do SNT tentou que algumas medidas ganhassem projeção

nacional. Nesse sentido, ele pediu que Capanema interferisse junto ao interventor

de Minas Gerais para que este tornasse obrigatória a cessão do Teatro Municipal

da cidade de São João Del Rei, que funcionava como cinema, para companhias

em excursão. Pouco depois, Abadie voltou a escrever para o ministro, pedindo

que fizesse o mesmo junto aos interventores de todos os estados, enfatizando os

constantes apelos de empresários enviados ao órgão.22

Abadie também buscou afastar os artistas estrangeiros dos poucos teatros

existentes, elaborando um projeto de decreto-lei que regulava as excursões

teatrais pelo país, garantindo a melhor época para as companhias nacionais. Entre

seus argumentos estava o de que a finalidade desta lei enquadrava-se no espírito

do Estado Novo, “que está criando um Brasil brasileiro sem o menor desrespeito

pelos direitos dos elementos internacionais.”23

Contudo, este decreto, a tentativa de aquisição de teatros, e as iniciativas

de impedimento de transformação das casas de espetáculos em cinemas não se

tornaram realidade, e o problema permaneceu não resolvido nesse período.24

21

Cópia do processo n. 59/39 e ROSA. Abadie Faria. Cópia de carta para o ministro Gustavo Capanema, de 13/4/1937. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 22

Cópia do processo n. 73/39 e ROSA, Abadie Faria. Carta para o ministro Gustavo Capanema, de 13/4/1939. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 23

ROSA, Abadie Faria. Projeto de decreto-lei regulando as excursões teatrais estrangeiras pelo território nacional. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). 14 jan. 1939. 24

Em 1944 Capanema pediu ao arquiteto Oscar Niemeyer um projeto de um teatro de emergência, que também não se concretizou. Ver CAPANEMA, Gustavo. Carta para Oscar Niemeyer. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta XII (CPDOC/FGV). 27 jul. 1944.

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138

A primeira grande medida tomada pelo SNT foi a do lançamento de um

edital abrindo a concorrência para a subvenção de oito companhias, que será

tratado com mais detalhes no próximo capítulo. Além desta seleção, vários outros

auxílios foram concedidos ao longo dos anos de 1939 a 1945, transformando esta

atividade na mais marcante do órgão.

Alguns deles foram destinados a itens específicos como o teatro infantil.

Neste caso o amparo foi realizado através de um acordo com a Associação

Brasileira de Críticos Teatrais, que assumiu a função até 1944, recebendo toda a

verba reservada a esta modalidade na organização de representações com

crianças, que obtiveram muito sucesso de acordo com os pareceres dos técnicos

do SNT.25

Dando continuidade às iniciativas realizadas com êxito pela Comissão, o

Serviço patrocinou vários conjuntos amadores. No entanto, no interior do teatro

amador, o de estudantes foi um dos mais contemplados, por meio de grupos como

o Teatro Universitário e o Teatro do Estudante do Brasil, cujas representações

ambicionavam um teatro mais “sério”. O SNT, todavia, privilegiou um menor

número de conjuntos, que recebiam quantias maiores e que eram atendidos com

certa constância, pois alguns deles aparecem nas listas de auxílios em,

praticamente, todos os anos compreendidos nesse estudo.

Em termos de grandes espetáculos foi realizada a representação de

Guerras do alecrim e da manjerona, contando com um elenco especial em

comemoração ao segundo centenário de morte de Antônio José, o Judeu,

seguindo os moldes de outras homenagens a vultos nacionais patrocinadas pelo

Ministério da Educação e Saúde neste período. O espetáculo foi seguido da

irradiação da peça O anfitrião, feita pela Rádio Nacional, de uma conferência

realizada por Carlos Süssekind de Mendonça e do lançamento de três mil

exemplares contendo as duas comédias.26

25

A Associação também propôs a manutenção de uma escola de bailados e a organização do Teatro Infantil em São Paulo, para as quais pediu apoio ao Serviço, que, entretanto, não dispunha de verba para efetuar esses auxílios. Processos n. 20.719 e n. 29.456/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 26

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades do Serviço Nacional de Teatro de 1938 a 1942.

Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta X (CPDOC/FGV).

Page 150: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

139

Além disso, foi amparada uma temporada lírica no Teatro Municipal do Rio

de Janeiro; impressa a peça Carlota Joaquina, de Raimundo Magalhães Júnior,

que se seguiu à publicação de Iaiá Boneca, de Ernani Fornari, realizada no ano

anterior; e concedidos prêmios para as peças Carlota Joaquina, Maluco n. 4, de

Armando Gonzaga e Aleluia, de Gilda Abreu, montadas pelas companhias

vencedoras do edital e cujos espetáculos tiveram um grande número de

representações e receitas superiores às despesas.27

Mas, a maior e mais esperada realização deste ano foi a instalação do

Curso Prático de Teatro. Segundo o Regimento das Aulas, de 20 de julho de 1939,

a razão da sua criação foi a paralisação da Escola Dramática Municipal, também

criticada pelo seu conteúdo demasiado teórico “para poder renovar e nacionalizar

os nossos quadros de intérpretes renovando-os e nacionalizando-os rapidamente

como se impõe o momento.”28 Ao contrário, e como ficava explícito no nome, o

curso do SNT teria caráter integralmente prático, e todos os ensinamentos seriam

dados no próprio palco.

A ideia de renovação incluída nesse regimento revela a intenção do SNT de

transformar a cena teatral. Por outro lado, os professores convocados pertenciam

ao teatro mais tradicional o que, pelo menos em tese, limitava a postura inovadora

do Curso. No entanto, a pouca informação existente sobre o assunto torna difícil

avaliar seu caráter precursor, que merece estudos mais aprofundados, além do

trabalho pioneiro de Jana Eiras Castanheira.

De acordo com um projeto de portaria de 1939, as disciplinas do Curso

eram: ginástica e dança; dicção; interpretação; música; evolução do drama;

maquilagem e caracterização; e história das artes plásticas. O interessado em

matricular-se deveria ter concluído o ensino secundário ou estar cursando a última

série ginasial, além de ser aprovado em exame vocacional para a arte dramática

ou no curso prévio de interpretação mantido pelo SNT. O projeto também previa a

27

AS PEÇAS premiadas pelo Serviço Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 dez.

1939. Teatros, p. 11. 28

CASTANHEIRA, 2003, v.1, p. 73.

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140

inclusão dos quatro primeiros classificados nos exames finais no elenco das

companhias subvencionadas.29

O Curso era dividido em duas turmas: uma de bailados e outra de arte de

representar. As disciplinas ministradas eram independentes, ou seja, os alunos se

inscreviam apenas naquelas que lhes despertavam o interesse.

Apesar de todos os trabalhos, a repercussão das iniciativas realizadas

neste ano foi negativa. Mário Nunes fez várias críticas em sua coluna no Jornal do

Brasil, ressalvando apenas a criação do Curso Prático:

o transcurso do primeiro ano de atividade do SNT nos dá segurança de que havíamos acertado: o que foi gasto em auxílios e subvenções muito pouco produziu – para não dizer nada – em favor do teatro – teatro função artístico-cultural de um povo e não teatro-realização de espetáculos, o que é coisa diferente.

30

Críticas semelhantes foram feitas por Eduardo Vitorino e Álvaro Pires, no

Anuário da Casa dos Artistas. O primeiro foi categórico: “o plano de patrocínio a

diversas companhias (...) não contribuirá para o alevantamento da cena

nacional”.31

Em 1940, a verba destinada ao SNT foi reduzida32 e Abadie cortou alguns

itens, como o patrocínio ao teatro lírico e a premiação das peças mais encenadas.

Mesmo assim, persistiu com a ideia de criação de uma companhia oficial, ainda

que fosse um embrião de um futuro elenco a ser instituído no ano seguinte. Outra

mudança importante nas diretrizes do SNT, atendendo a uma sugestão do

ministro, foi a eliminação da subvenção direta a empresários. A partir desse

momento, o governo ficava encarregado apenas do fornecimento de teatros por

meio do pagamento dos aluguéis, desde que as companhias que os ocupassem

29

Ibid., v. 2, p. 143. De acordo com Paiva, o Curso teve 152 alunos matriculados em 1939, 200 em 1940, 131 em 1941, 135 em 1942, 148 em 1943, 106 em 1944. Ver PAIVA, B. de. O ensino do teatro no Brasil. Dionysos: órgão do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Educação e

Cultura, ano XX, n. 18. Rio de Janeiro: dezembro de 1970/1971, p. 68-78. 30

NUNES, Mário. Serviço Nacional de Teatro. Prova pública do Curso Prático de Teatro. “As doutoras”, de França Júnior. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 dez. 1939. Teatros, p. 15. 31

VITORINO, 1939, s.p. e PIRES, Álvaro. O Teatro Nacional de 1565 a 1939. In: Anuário da Casa dos Artistas, 1939, s.p. 32

Ver os gastos anuais do órgão no Anexo 2, p. 198.

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141

possuíssem, segundo Abadie Faria Rosa, “finalidade artística teatral”. Ou seja,

ficavam excluídos “os elencos de revista e outras peças que escapem a exata

expressão do que seja a tragédia, o drama, a comédia, a ópera e a nossa burleta,

esta quando ornada de partitura original.”33

A verba relativa a este ano era inferior ao valor requisitado pelo diretor do

SNT, que expressou reiteradamente as dificuldades em ajustar seus projetos a

essa quantia. Essa insistência resultou em um pedido de aumento feito por

Capanema ao presidente Vargas, que dobrou o valor do orçamento. Na exposição

de motivos que seguiu o pedido, o ministro voltou a chamar a atenção para a

necessidade de uma lei geral do teatro. Porém, antes de promover uma

reorganização ampla, era preciso atender às demandas atuais e urgentes,

iniciando “uma série de empreendimentos de vulto, que marcarão a inauguração a

fase nova, de maior eficiência da proteção dada pelo Governo ao teatro.”34

O novo plano, ao que parece estabelecido pelo próprio Capanema,

determinava a manutenção de duas companhias oficiais e dotações específicas

para o pagamento de aluguéis, transporte, despesas com o teatro lírico,

montagens especiais de peças de caráter histórico e educativo e apoio aos

amadores. Outra medida deliberada pelo ministro foi a de que todas as

companhias subvencionadas deveriam trazer em seus anúncios a seguinte

informação: “Esta companhia funciona com o auxílio e sob o controle do Serviço

Nacional de Teatro do Ministério da Educação”, que também constaria nos teatros

alugados pelo SNT.35

A primeira companhia oficial criada pelo Serviço foi estudada por Yan

Michalski e Rosyanne Trotta. De acordo com esses autores, a Comédia Brasileira

foi instituída em 25 de maio de 1940, através de um contrato entre o SNT e Álvaro

Pires, no qual o órgão se comprometia a fornecer um auxílio de 300 contos, além

de pagar a luz e o aluguel do teatro. O projeto inicial previa que os elementos

33

ROSA, Abadie Faria. Cópia de carta para o ministro Gustavo Capanema. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 24 jan. 1940. 34

CAPANEMA, Gustavo. Cópia de carta para o presidente Getúlio Vargas. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 7 mar. 1940. 35

Processo n. 27.217/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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142

artísticos e técnicos da Comédia Brasileira se enquadrassem no status do

funcionalismo público. Contudo, o ministro do Trabalho opinou que, sob o ponto de

vista da legislação trabalhista, o SNT não dispunha dessa prerrogativa.36

A companhia contava com nomes conhecidos como Lucília Peres, na época

professora do Curso Prático, Rodolfo Mayer, Suzana Negri, Palmerim Silva, Lígia

Sarmento, Ferreira Maya, entre outros. Encenou peças que se encaixavam em um

modelo considerado como o mais adequado ao patrocínio oficial, conformado à

política para a cultura estabelecida durante o Estado Novo, evocando episódios

históricos e reforçando as características da brasilidade: Caxias, de Carlos

Cavaco; Guerras do alecrim e da manjerona e O caçador de esmeraldas, de

Viriato Corrêa.37

Além da Comédia Brasileira, foi subvencionada com a quantia de 600

contos a Companhia Nacional de Operetas, um elenco de teatro musicado cujo

empresário era Olavo de Barros, antigo membro da Comissão de Teatro Nacional.

Essa companhia incorporou alguns alunos do Curso Prático na única

representação que realizou, a da opereta Minas da Prata, baseada no romance de

José de Alencar – igualmente trazendo à cena os elementos da história nacional

tão caros ao regime.

Desconhecem-se os critérios que levou a escolha de Álvaro Pires e Olavo

de Barros para a organização de companhias oficiais, nem o motivo da ausência

das duas que se distinguiram no concurso de 1939, a de Renato Viana e a de

Jardel Jércolis, que deveriam ser oficializadas segundo o plano inicial. Nem

mesmo foi encontrada alguma informação sobre um possível processo de seleção

ou sobre um provável vínculo pessoal que ligasse Abadie ou qualquer agente do

SNT ou do Ministério aos dois empresários contemplados.

A experiência de oficialização teve, todavia, uma paralisação abrupta. Em

outubro Abadie comunicou a Álvaro Pires que a verba destinada à Comédia

Brasileira estava se esgotando e o contrato foi rescindido em novembro, um mês e

36

MICHALSKI; TROTTA, 1982, p. 17 e 27. 37

Ibid., p. 31.

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143

meio antes de seu vencimento.38 O mesmo ocorreu com a Companhia Nacional de

Operetas.

Essa situação gerou enormes protestos da Casa dos Artistas, que saiu em

defesa dos profissionais contratados pelas duas companhias, dando continuidade

as suas investidas contra as ações do SNT, das quais se tratará com maior

profundidade no próximo capítulo. Inicialmente, o Sindicato, por meio de Ferreira

Maya, que integrava a Comédia Brasileira, dirigiu-se ao ministro Capanema,

pedindo informações sobre as duas companhias com o fim de fazer prova em uma

ação no Ministério do Trabalho. As perguntas visavam ao esclarecimento sobre o

caráter da oficialização, e as respostas do SNT mostram que a diferença entre

estas e outras companhias estava apenas nos valores e no contrato de

subvenção, já que toda a organização, pagamento dos salários, etc., ficavam a

cargo de seus respectivos empresários.39

Poucos dias depois Ferreira Maya voltou a escrever para Capanema,

criticando com veemência os danos provocados pela rescisão dos contratos sem

justa causa. Toda a culpa foi lançada no diretor do órgão que, segundo a carta,

sempre relegou a um segundo plano a questão material mas que, por outro lado,

não conseguiu elevar o nível da cena brasileira, já que favoreceu a todo o gênero

de teatro.40

Logo depois foi escrita uma nova carta, agora para o presidente Getúlio

Vargas, com o intuito de levar a situação ao seu conhecimento. Abadie foi

chamado a responder, e explicou que o contrato entre o SNT e as companhias

continha uma cláusula sobre cessação dos serviços em caso de suspensão da

subvenção – que era exatamente o que tinha ocorrido:

Nada tão claro. Tudo o mais é má fé, falta de senso jurídico, rabulice, advocacia de porta de xadrez, gestos e atitudes incompatíveis com as tradições honrosas da Casa dos Artistas que, pela inépcia de seu presidente em exercício, se revolta, sem o menor respeito à

38

Ibid., p. 17. 39

Processos n. 35.850 e n. 35.851/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 40

Processo n. 38.149/40. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV).

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autoridade superior, contra o próprio governo que a ampara e protege, atacando desabridamente esta repartição e seu diretor.

41

O recurso de atribuir toda a culpa da ineficiência do SNT a Abadie era

comum. O “governo” parecia não ter responsabilidade alguma sobre os

acontecimentos, como também demonstra uma matéria do Jornal do Brasil deste

ano:

Agora, porém, uma providência se impõe. Não cremos que o governo pactue com a continuação de tão tristes tropelias que andam enchendo de desgosto a própria classe teatral, inquieta e desiludida, do seu lindo sonho de melhores dias!

42

Mas, para além das polêmicas que cercaram a primeira tentativa de

oficialização de companhias teatrais, outras questões encontraram espaço na

pauta de preocupações do órgão. O tema da obtenção de casas de espetáculos

voltou às discussões, com um projeto de decreto-lei que autorizava o Ministério da

Educação e Saúde a requisitar os teatros do Distrito Federal, que seriam cedidos

a companhias organizadas ou amparadas pelo SNT mediante o pagamento dos

respectivos aluguéis.43

O teatro lírico, excluído do plano inicial, com o aumento da verba voltou a

ser contemplado com pequenos auxílios e com o patrocínio da temporada

promovida pelo tenor Reis e Silva no Teatro Municipal, que levou aos palcos três

partituras de Carlos Gomes: O Guarani – cantado em português –, Lo schiavo e

Fosca.44

41

Processo n. 28.401/40. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). 42

E O SERVIÇO Nacional de Teatro? Continuarão o descalabro e a desorientação? Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Teatros, p. 11. 43

Projeto de decreto-lei autorizando o Ministério da Educação e Saúde a requisitar os teatros do Distrito Federal e dando outras providências. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). Abaixo da parte datilografada consta um trecho manuscrito com a pergunta: “não há possibilidade de inserir um dispositivo referente à requisição pelos governos estaduais e municipais?”. 44

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades do Serviço Nacional de Teatro de 1938 a 1942.

Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta X (CPDOC/FGV).

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Neste ano o SNT também beneficiou vários eventos em comemoração aos

dez anos da Revolução de 1930 e do governo Vargas, que tinham o objetivo,

conforme reforçou Abadie Faria Rosa, de “proporcionar ao público, por preços

mais convidativos, espetáculos de acentuado espírito de brasilidade.”45 Nesse

sentido, foram auxiliados os referidos espetáculos com as óperas de Carlos

Gomes, a representação da opereta Minas da Prata, realizada pela Companhia

Nacional de Operetas, de O caçador de esmeraldas, montada pela Comédia

Brasileira, além de Sangue Gaúcho, peça de Abadie que seria representada pela

companhia de Darci Cazarré, mas que provavelmente não foi levada à cena.

No final do ano, Mário Nunes lançou uma série de artigos criticando com

maior agressividade a ação do SNT, especialmente a distribuição dos auxílios a

companhias, a despreocupação com os repertórios das mesmas e o aumento dos

valores dos aluguéis de teatros depois que o órgão passou a fornecê-los. E ia

além, analisando as realizações de acordo com cada item contido no decreto-lei n.

92:

Dizia-se nos “ominosos tempos” da República Velha que as leis se faziam para não ser cumpridas e as havia numerosas e excelentes. Esse foi um dos erros que o Estado Novo veio corrigir. Não pode o Dr. Gustavo Capanema, ministro da Educação, cruzar os braços diante dessa burla, que irá custar ao país, no próximo ano mais 3 ou 4 mil contos. É de crer que intervenha com o peso de sua autoridade e clara visão de sua lúcida inteligência para que os belos propósitos do governo Getúlio Vargas, fecundo e realizador, não sejam iludidos nesse importante setor da vida cultural no Brasil.

46

A repercussão negativa e as polêmicas levantadas certamente contribuíram

para a diminuição da verba do órgão para o ano de 1941, que também foi

atribuída à situação advinda da guerra. Desse modo, Abadie manteve, em seu

plano, apenas uma companhia oficial, a Comédia Brasileira. Contudo, devido ao

pouco sucesso de público, o diretor do SNT propôs uma alteração em suas

diretrizes. Essa se baseava na ideia de realização de um “teatro de concessão”, a

45

Processo n. 35.501/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 46

NUNES, Mário. O Serviço Nacional de Teatro e o Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 nov. 1940. Teatros, p. 11.

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partir da escolha de um repertório menos pesado: “obras de transição entre o

teatro-passatempo e o teatro-cultural”, a fim de despertar o interesse do público.47

Reorganizada em novas bases e optando pelo regime de sociedade civil, a

Comédia Brasileira teria uma duração de seis meses, renováveis com a

concordância de seus societários e do diretor do SNT. Os termos da subvenção

eram praticamente os mesmos do ano anterior, mas os estatutos continham um

item específico relacionado à seleção do repertório, que deveria ser constituído

por originais brasileiros e traduções de autores estrangeiros compatíveis com as

tradições de uma organização do Teatro Nacional. Ficava definido, também, que o

Serviço exerceria o controle direto sobre todos os ramos de atividade da Comédia

Brasileira, com exceção das responsabilidades comerciais.

A reorganização da Comédia Brasileira provocou a reação da Casa dos

Artistas. Ferreira Maya enviou uma carta ao ministro Capanema estranhando o

contrato entre o SNT e Álvaro Pires, empresário que não cumprira diversos

dispositivos trabalhistas no ano anterior. A resposta dada foi a de que o SNT não

tinha assinado contrato com Pires, já que a nova organização assumiu a forma de

sociedade civil.48

No plano de 1941 também foram estabelecidos prêmios para peças que

atingissem quarenta e cinco dias consecutivos de representação; além da

continuidade do pagamento das despesas com transporte material e pessoal nas

excursões das companhias, o auxílio a montagens de ambientes especializados

ou de interiores luxuosos e, ainda, o amparo ao teatro infantil e ao teatro amador.

Ficava excluído, novamente por falta de verba, o teatro lírico, cuja temporada não

foi realizada. Mesmo assim, foram auxiliadas as montagens de duas óperas

brasileiras: Malasarte, de Oscar Lorenzo de Fernandez e Tiradentes, de Eleazar

47

Processo n. 6.307/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 48

Processo n. 24.485/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Transformada em sociedade civil, seus recibos passaram a ser assinados por três de seus representantes: Rodolfo Mayer, Arthur de Oliveira e Antônio Ramos. Mas, a partir de 1942 os recibos voltaram a ser assinados por Álvaro Pires, na qualidade de diretor comercial, o que de certa forma, demonstra que apesar do novo formato, Pires continuava a deter certo controle sobre ela.

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de Carvalho. Neste ano o SNT também publicou a peça Tiradentes, de Viriato

Corrêa.49

Os prêmios para peças mais encenadas, uma quinzena de direitos,

vencimentos e ordenados, foram concedidos a: A pensão de D. Estela, de Gastão

Barroso (Companhia Jayme Costa), A cigana me enganou, de Paulo de

Magalhães (Companhia Procópio Ferreira) e O ébrio, de Vicente Celestino

(Companhia Vicente Celestino). A escolha, que teve como critério o gosto do

público, levou Abadie a refletir sobre a questão do julgamento:

Não seria indicado insistir em processo tão liberal, mas em nada justiceiro, uma vez que trabalhos sem finalidades outras que a de fazer rir possam ser galardoados, como o foram, em desproveito de obras capazes de se imporem, sobretudo pelo seu cunho artístico ou cívico ou instrutivo.

50

Apesar de “liberal”, a premiação promoveu algumas exclusões. O gênero

revista não foi contemplado. A ausência de “entrecho” foi a resposta dada aos

artistas da Companhia Alda Garrido, que reclamaram o prêmio para Brasil

Pandeiro, de Freire Júnior e Luís Peixoto. Mas, não contentes, os signatários

desta petição, de forma diferente da adotada por outros, que se dirigiam ao

ministro ou ao presidente, enviaram uma carta com seu protesto para Alzira

Vargas, a filha de Getúlio.

Depois de um primeiro parecer de Gastão Tojeiro, que considerou a

impossibilidade de classificar a revista como uma peça teatral propriamente dita,

Abadie defendeu a posição do SNT:

Trata-se de uma expressão cênica sempre relegada para um plano à parte, uma forma teatral que nunca foi encarada, e, por mil razões, como um gênero propriamente de teatro, digno de amparo oficial, aqui ou em país algum. (...) De resto, a revista, pelo seu caráter popular, acessível que é a todas as camadas sociais, defende-se por si próprio. Como se vê, a exigência de premiar apenas as peças de entrecho não é um capricho do serviço. Absolutamente. É proveniente

49

Processo n. 6.307/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 50

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1941. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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de uma larga e tradicional compreensão de que a revista pode ser diversão pública, mas não é teatro na sua finalidade exata.

51

No entanto, embora excluída da concessão de prêmios, a Companhia Alda

Garrido contou com o patrocínio oficial para a realização de excursões, tais como

outros conjuntos dedicados aos gêneros cômicos e musicados, como o do Recreio

(Walter Pinto) e o de Jardel Jércolis.

Assim, haveria uma divisão nas concessões promovidas pelo SNT, que se

sustentava em alguns pareceres e nos relatórios, mas que não parece com nitidez

na leitura das listas de auxílios. As montagens amparadas se destinavam à

realização de um teatro mais “elevado” ou com fins “nacionalistas”, o restante dos

auxílios (destinado a excursões e aluguéis), serviria para garantir condições de

trabalho aos artistas.

O relatório das atividades de 1941 destaca a ideia de valorização das

iniciativas que seguiam esse primeiro eixo de atuação:

Não houve, aliás, até agora, uma só representação, por profissionais ou amadores, de obras clássicas; não houve uma só récita com Shakespeare ou Goldoni, com trabalhos do nosso teatro retrospectivo, incluindo Macedo, França Júnior, Martins Pena, Moreira Sampaio, Artur Azevedo, Coelho Neto, Paulo Gonçalves, entre outros, sem o amparo oficial; não tivemos um só espetáculo de ambiente histórico e mesmo peça estrangeira de “Avante-guarde”, cuja realização fosse privada do auxílio do SNT. Todo esse movimento de teatro elevado, de teatro cultural, de teatro renovador, tão proclamado pelos seus realizadores, tão destacado pelos inovadores e propagadores de um teatro novo não teria sido concretizado em realidade, se não fora a ação larga, profícua e generosa do novo órgão do Ministério da Educação e Saúde. Essa é que é a verdade.

52

Em 1942, o SNT teve a verba reduzida atribuída, como no ano anterior, às

influências da guerra. Situação que se agravaria ao longo deste ano,

especialmente após o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos

51

Processo s. n., de 9/1941. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VIII (CPDOC/FGV). 52

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1941. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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alemães e a posterior formalização do estado de guerra. Segundo Abadie, a falta

de gasolina em todo país provocou crise nos transportes, dificultando a excursão

das companhias teatrais e diminuindo ainda mais a concorrência aos teatros. Em

setembro, uma reunião ocorrida no Ministério com o fim de organizar atividades

ligadas ao assunto previu até a redução do pessoal administrativo e o

cancelamento de alguns trabalhos do órgão.53

Outra consequência desta conjuntura foi a missão de auxiliar o DIP na

realização da propaganda relacionada à guerra. Em novembro, Capanema enviou

uma carta a Abadie determinando o patrocínio de peças adequadas a esse

propósito e a organização de representações para os soldados mobilizados. Em

resposta, Abadie comunicou que já havia entrado em contato com alguns

empresários, o que teria permitido que fossem amparados espetáculos de

conteúdo propagandístico, apoiando o Brasil ou atacando seus então inimigos:

Emboscada Nazista, realizado pela companhia de Jayme Costa, Nazismo sem

máscara, montado pela Companhia Eva Todor, e Galinha Verde, levado aos

palcos pela Companhia de Teatro Cômico.54

A verba para a realização de tais espetáculos foi retirada da dotação

prevista para os prêmios porque, segundo Abadie, nenhuma das peças de

sucesso de público apresentadas naquele ano se enquadraram nas finalidades

“literárias, cívicas, históricas, sociais, ou mesmo de caráter regionalista”. As únicas

que poderiam ser cogitadas eram O homem que não soube amar, de Ferreira

Rodrigues, A revelação, de Heitor Modesto, encenadas pela Comédia Brasileira,

além de Ombros, armas, de sua autoria. Mas, premiá-las seria “determinar um

escarcéu.” 55

Abadie sabia bem do que estava falando, pois em 1940 o escritor

Raimundo Magalhães Júnior escreveu para o ministro, para o presidente da

República e para o DASP, denunciando-o por abuso de poder e violação do

53

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1942 e Processo n. 106/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 54

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1942 e Processo n. 67.730/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 55

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1942 e Processo n. 60.710/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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Estatuto dos Funcionários Públicos, devido à inclusão de sua peça, Suicídio de

Amor, no repertório da Companhia Procópio Ferreira, que recebeu alguns auxílios

naquele ano. Além da denúncia, Magalhães pediu o afastamento do diretor do

SNT. O processo foi analisado e Abadie teve que dar sua explicação, negando

qualquer interferência na seleção do repertório das companhias e afirmando que a

autorização para a encenação de peças era dada pela SBAT, muitas vezes sem

conhecimento prévio dos autores.56

Em 1942, a Comédia Brasileira prosseguiu com as suas realizações, com

destaque para a encenação de A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho,

junto com o texto de um então novo escritor, Nelson Rodrigues, A mulher sem

pecado, definido por Abadie como “um trabalho que honra a cena moderna de

qualquer país.”57 A escolha da peça francesa despertou maiores críticas à ação do

SNT. Hércules Lima, da Sociedade do Teatro Livre, escreveu para Vargas

reclamando do gasto de verba com a encenação de “velharias francesas” em

detrimento de peças brasileiras. Na imprensa, o Jornal do Brasil, também

condenou a montagem do “velho dramalhão de autor estrangeiro que ninguém

mais suporta”.58

O ano seguinte começou com maiores polêmicas, advindas do atraso na

execução do plano elaborado por Abadie Faria Rosa e a inclusão de concessões

feitas pelo ministro Capanema sem o parecer do SNT. O ministro dirigiu dotações

de grande vulto para a Companhia Dulcina-Odilon, que junto com o Teatro do

Estudante do Brasil, propunha uma série de espetáculos a serem realizados no

Teatro Municipal; e para o Teatro Universitário. Sua justificativa apelava para a

“qualidade dos planos traçados que visam desenvolver, entre nós, o bom teatro,

seja com elementos profissionais, seja com amadores de nossas escolas

56

Processo n. 21.173/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 57

Processo n. 60.710/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 58

Processo n. 34.208/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e DIVORCIADO de suas finalidades o Serviço Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 jun. 1942. Teatros, p. 8.

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superiores.”59 Além desses grupos, Capanema determinou o amparo a Os

Comediantes e a concessão de auxílio a Renato Viana.

Essa situação gerou a revolta de grande parte do setor teatral. Segundo

Victor Hugo Adler Pereira, Abadie Faria Rosa divulgou, na coluna teatral do Diário

de Notícias, uma justificativa intitulada “Tempestade em copo d’ água”, na qual

deixou claro que as decisões do ministro contrariavam tanto as demandas da

classe teatral quanto o seu planejamento, eximindo-se da responsabilidade diante

do descontentamento generalizado.60

Mas, a escolha desses grupos profissionais e amadores, cujas experiências

revelavam, em graus distintos, uma preocupação com a “elevação” do teatro

brasileiro, alguns, inclusive, trazendo a contribuição de técnicas consideradas

modernas, evidencia a importância dada por Capanema ao amparo a um teatro de

“arte”, para o qual passou a direcionar parte da dotação prevista para cada ano.

Outro motivo que pode ter provocado a atitude do ministro e que acabou por retirar

toda a autoridade do diretor do órgão, foi o da grande quantidade de críticas

recebidas, divulgadas pela imprensa, ou que chegavam de forma direta através de

correspondência a ele ou a Vargas.

No relatório das atividades, Abadie comentou sobre os espetáculos desses

grupos. Ressaltou a qualidade de algumas representações, como a de Vestido de

Noiva, de Nelson Rodrigues, realizada por Os Comediantes. Atacou outros pontos,

como as mudanças no repertório do grupo Teatro Universitário, que substituiu

peças consagradas por comédias “cuja única finalidade era divertir”.61 E, criticou,

sobretudo, o descumprimento do plano integral proposto por Os Comediantes, que

montou apenas quatro das oito representações previstas.

59

Processo s.n., de 1943 (contém inclusos vários processos). Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 60

PEREIRA, 2001, p. 73. Na ocasião da distribuição dos auxílios, Abadie pediu esclarecimentos a Capanema, escrevendo: “esta diretoria espera merecer uma informação...” Ver Processo s.n., de 1943 (contém inclusos vários processos). Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 61

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1943. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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152

Em meio aos conflitos, Capanema criou, pela portaria de 6 de julho de

1943, a Comissão Técnica Consultiva62, com o fim de estudar anualmente o plano

de proteção e de desenvolvimento do teatro que ao Serviço Nacional de Teatro

competiria executar, e opinar sobre qualquer matéria que lhe consultasse o

ministro da Educação e Saúde.63

A Comissão era composta pelo diretor do SNT, como presidente, além de

Celso Kelly, Oscar Lorenzo de Fernandez, Olavo de Barros e Aníbal Monteiro

Machado. Os três primeiros já tinham experiência sobre o assunto, pois foram

membros da Comissão de Teatro Nacional. Aníbal Machado era um intelectual

bastante conhecido nos meios da época e foi o primeiro presidente do grupo Os

Comediantes.64

É interessante notar que, ao contrário da composição da secretaria e do

Curso Prático do SNT, apenas um dos nomes escolhidos para a Comissão estava

diretamente ligado às atividades teatrais e ao teatro tradicional. Celso Kelly e

Aníbal Machado, por outro lado, tinham vínculos com um dos grupos amadores

que começava a promover novas experiências, ainda que limitadas ao um público

mais intelectualizado.

Logo que assumiram suas atividades os membros da Comissão trataram de

organizar um plano para o ano de 1944, cujos pressupostos levavam em conta a

62

Em vários documentos o órgão aparece com a denominação de Conselho Técnico Consultivo. 63

Portaria instituindo no Serviço Nacional de Teatro, a Comissão Técnica Consultiva. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta X (CPDOC/FGV). 6 jul. 1943 e INSTITUÍDA a Comissão Técnica Consultiva no Serviço Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7

jul. 1943. Teatros, p. 8. 64

Aníbal Machado nasceu em Sabará-MG, em 8/12/1894. Formado em Direito, foi promotor público e professor, antes de iniciar a carreira de escritor. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1923, onde foi promotor-adjunto, professor do Colégio Pedro II e oficial de gabinete do Ministério da Justiça e Negócios Interiores durante o governo de Washington Luís. A partir de 1937, ocupou o corpo fixo de colunistas do periódico Dom Casmurro, junto com Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira e outros. Amigo de Carlos Drummond de Andrade desde os tempos de Minas, essa relação pode ter influído em sua escolha para a composição da Comissão Técnica Consultiva, junto com antigos membros da Comissão de Teatro Nacional. Em 1945, ele presidiu o I Congresso Brasileiro de Escritores, cuja “declaração de princípios” defendia a liberdade de pensamento, a democracia, entre outros pontos. Ver SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Aníbal Machado: artista do verbo e da vida. (Exposição literária itinerante da Superintendência de Bibliotecas Públicas de Minas Gerais). s.d. Disponível em: http://www.circuitoliberdade.mg.gov.br/arquivos/Bibliotecas/File/exposicoes-itinerantes/artista-do-verbo-da-vida-anibal-machado.pdf Acesso em: 20 mai. 2010 e BRANDÃO, 2009, p. 139.

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ineficiência do órgão no que tangia ao “reerguimento” do teatro nacional. O SNT

era criticado, inclusive, por patrocinar a montagem de peças nacionalistas, que

“têm amortecido o interesse das plateias e limitado bastante a liberdade

indispensável à criação artística”.65

O primeiro ângulo de atuação proposto foi o da valorização do teatro, com

medidas de estímulo ao público, aos artistas e ao teatro infantil; a criação de uma

cadeira de teatro na Faculdade Nacional de Filosofia; sua utilização para o

aprendizado de línguas nas escolas; a instituição de prêmios para literatura

dramática, música de ópera, balé, interpretação teatral, etc; a revisão da

legislação; a organização anual de uma grande exposição chamada “Salão

Nacional de Teatro”; a manutenção de uma revista sobre o assunto; a organização

de um arquivo com peças nacionais e traduzidas, com distribuição a todas as

bibliotecas públicas e particulares, conjuntos teatrais e instituições culturais.

O segundo visava à introdução de novos elementos: a realização de um

curso de emergência para preparar ensaiadores e diretores; a contratação de

técnicos de direção e montagem estrangeiros para darem cursos no Brasil; o

estímulo ao teatro amador e escolar; a instituição de uma divisão de apoio aos

amadores; e a realização de um teatro experimental.

O terceiro e último tinha como objetivo aperfeiçoar a Comédia Brasileira,

com a inclusão de preceitos de direção e disciplina técnica.

Nota-se que o plano da Comissão Técnica Consultiva continha questões

que até então não eram consideradas entre as iniciativas oficiais e nem entre as

reivindicações de classe. Além da exclusão da opereta nos patrocínios66, a própria

concepção de que o teatro de revista não era teatro, mas seu concorrente, e de

todas as propostas já conhecidas (escola, prêmios, etc.), percebe-se a presença

de itens interessantes como o de um curso para a preparação de ensaiadores e

diretores, incluindo a contratação de técnicos estrangeiros.

65

COMISSÃO [CONSELHO] TÉCNICA CONSULTIVA. Primeiras notas a respeito do plano geral e do programa para 1944. Pasta SNT - Conselho Técnico Consultivo. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 16 set. 1943. 66

Ver nota 44 do capítulo 1 desta dissertação.

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A proposta orçamentária formulada pela Comissão contemplava a

companhia oficial, estabelecendo um valor mais alto do que o habitual, tal como o

estabelecido para o Curso Prático, cuja verba era quatro vezes maior do que

geralmente recebia; mais a realização de uma temporada oficial, e o amparo ao

amadorismo, ao teatro-radiofônico, ao teatro infantil e ao “teatro experimental”.67

Entretanto, o plano não foi colocado em prática, pois a Comissão teve uma

vida curta. Em março de 1944, Capanema determinou a concessão de auxílios

significativos para a Companhia Dulcina-Odilon e para Renato Viana sem

consultá-la, levando seus membros a apresentarem sua demissão coletiva.68

Restou a Abadie gerenciar as orientações do programa da extinta

Comissão, junto com as determinações de Capanema, sem deixar de tecer

críticas aos grupos subvencionados por ordem direta do ministro, voltando a

atacar o descumprimento das encenações propostas e a ausência de

comprovação dos gastos realizados pelo Os Comediantes no ano anterior.69

Mas os conflitos entre Abadie e Capanema não ficaram somente nessa

questão. Em meados de 1944, Álvaro Pires, administrador da Comédia Brasileira,

escreveu para Getúlio Vargas e Capanema reclamando do não recebimento da

verba especificada pelo plano da Comissão. Abadie Faria Rosa, em seu parecer,

foi contrário a entrega da subvenção já que estava prevista uma transformação na

organização da companhia. Mas, apesar de toda a argumentação, Capanema

cedeu aos apelos de Álvaro e de outros societários, assentindo com um auxílio –

quase três vezes menor do que o previsto pelo plano.70

67

Esse “teatro experimental” era definido como “teatro puro”, sem nenhuma especificação do que seria esse “teatro puro”. COMISSÃO [CONSELHO] TÉCNICA CONSULTIVA. Primeiras notas a respeito do plano geral e do programa para 1944. Pasta SNT - Conselho Técnico Consultivo. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 16 set. 1943. 68

A APLICAÇÃO das verbas do SNT gera complicações. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 mar.

1944. Teatros, p. 8. 69

Processo n. 11.619/44. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 70

Processo n. 64.572/44. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Neste processo consta a informação de que a Companhia Dulcina-Odilon pretendia substituir a Comédia Brasileira na temporada oficial. Embora não se tenha mais detalhes sobre o assunto, cumpre reforçar que neste ano a companhia recebeu uma verba no valor de 485 mil cruzeiros, bem maior do que a recebida pela Comédia Brasileira.

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O ano de 1945 começou com um triste acontecimento: a morte de Abadie

Faria Rosa em 10 de janeiro. Esta, e o reconhecimento de seu devotamento à

causa do teatro nacional, não o eximiriam de parte da culpa atribuída pelos rumos

tortuosos tomados pelo SNT durante seu comando, como se referiu o colunista do

Jornal do Brasil, acerca da sua obra:

terá que ser julgada inglória pela incerteza de propósitos e geral ineficácia dos que chegaram a se concretizar. Não lhe caberá, totalmente, a culpa disso: faltou-lhe, desde o primeiro instante de investidura do cargo de diretor do Serviço Nacional de Teatro, liberdade de ação e apoio que o impusesse como um autêntico representante da vontade do governo, prestigiando e fortalecendo sua ação.

71

Com a morte de Abadie exerceram interinamente o cargo de diretor os

oficiais administrativos do Ministério da Educação e Saúde, César Prevost Romero

e João Batista Massot, cunhado de Gustavo Capanema.

Em março, Massot entregou um plano ao ministro, contendo medidas que

visavam dotar o órgão de um poder de decisão maior e mais ágil. Suas sugestões

foram apresentadas em vinte e nove itens. Tinham como objetivo resolver a

questão da obtenção de casas de espetáculos, o que incluía a transformação de

cinemas em teatros; promover a concessão de auxílios; buscar a colaboração das

empresas de transportes, para possibilitar, ainda mais, a excursão das

companhias; organizar um registro dos profissionais do teatro; criar uma Escola de

Teatro; abrir um edital de concorrência para a subvenção de companhias de

comédia, opereta e drama; criar o Teatro da Criança; conceder prêmios; estudar

projetos de lei voltados para a concessão de isenções para a construção de

teatros, para a abolição dos impostos, regulamentação da censura, entre outros

pontos.72

A despeito da operosidade de Massot, não houve mudanças imediatas ou

um plano para as atividades relativas ao ano de 1945. Em setembro, Capanema

71

SERVIÇO Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 jan. 1945. Teatros, p. 12 72

Processo n. 96.834/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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levou a Vargas uma lista com os auxílios pedidos e a verba disponível para cada

um, esperando a autorização presidencial.73

73

Processo n. 39.292/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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Capítulo 5

A participação do setor teatral:

as disputas entre diferentes projetos artísticos

e as novas propostas de intervenção estatal

Este último capítulo dará prosseguimento à análise sobre o Serviço

Nacional de Teatro, acompanhando em detalhe como alguns artistas,

companhias e grupos dirigiram seus pedidos e foram contemplados (ou não)

pelo órgão. Também abordará a atuação de algumas entidades de classe, que

em muitas ocasiões manifestaram seu descontentamento com a política oficial.

E, por fim, tratará de uma tentativa de mudança nas diretrizes da ação do

governo a favor do teatro a partir da instalação de mecanismos que pretendiam

contornar alguns obstáculos que limitavam a atuação do SNT.

5.1 - As subvenções: um palco para as polêmicas

A concessão de auxílios se consolidou como a prática mais marcante do

SNT, mesmo depois de criado um curso e instituída uma companhia oficial.

Em 1938, as subvenções contemplaram grupos de diversas

modalidades, como o Teatro do Estudante do Brasil, que montou Romeu e

Julieta – um dos primeiros espetáculos realizados a partir de alguns preceitos

de encenação modernos; a companhia lírica Sociedade Anônima Teatro

Brasileiro; a Companhia de Operetas dos Irmãos Celestino; a de Palmerim

Silva; e o ator Renato Viana, que passava por dificuldades financeiras.1

Em janeiro de 1939 foi organizado um edital de concurso, semelhante ao

de 1937, para a subvenção de oito companhias, sendo três vagas reservadas

para aquelas que se dedicavam ao teatro musicado ligeiro. A subvenção

cobriria uma temporada de oito meses, quatro deles no Rio ou em São Paulo e

o restante em excursão pelo país. Os auxílios fixados eram o pagamento

mensal de uma quinzena dos ordenados até o limite de vinte contos para o

1 ROSA, Abadie Faria. O Teatro Nacional em 1938 e a ação do Ministério da Educação e

Saúde. Relatório. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 8 dez.1938. Sobre a montagem de Romeu e Julieta, ver BRANDÃO, 2009, p.

96-105.

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teatro musicado e de quinze para o de declamação; dos direitos autorais; das

diárias das orquestras do teatro musicado e dos sextetos obrigatórios nas

companhias de teatro de declamação; e das passagens e transporte de

material durante as excursões. O edital também determinava que a companhia

que tivesse lucros acima de vinte contos de réis líquidos por mês repartiria o

excedente entre os contratados. Havia, ainda, a previsão de prêmios para os

originais brasileiros inéditos apresentados com médias superiores às despesas

totais dos espetáculos, e para as peças que atingissem o maior número de

representações.2

Das companhias selecionadas, duas seriam destacadas para servirem

de estudo para a oficialização, cujos critérios de escolha levariam em conta a

superioridade do elenco e do repertório, bem como o número de intérpretes

brasileiros natos. No caso dos repertórios, estes deveriam privilegiar textos

brasileiros: a cada três originais nacionais obrigatórios e inéditos,

corresponderiam três peças facultativas, sendo a primeira delas uma reprise de

obra brasileira, e as duas outras adaptações de peças estrangeiras traduzidas

por autores brasileiros, todas aprovadas pelo SNT, que também se

responsabilizaria pela fiscalização do movimento da bilheteria.

A Casa dos Artistas, presidida na época por Eugênia Álvaro Moreyra,

levantou-se contra os termos do edital, chamando a atenção do ministro para o

aspecto prejudicial aos artistas, que mereciam o pagamento de apenas uma

quinzena dos ordenados enquanto os direitos autorais seriam cobertos

integralmente.3

Não foi encontrada resposta alguma às reclamações de Eugênia

Moreyra e, mesmo com essas restrições, a Casa dos Artistas montou uma

companhia para concorrer à subvenção. A participação dessa companhia, por

sua vez, não excluiu a entidade do processo de seleção, para o qual foi

convocada uma comissão formada também por representantes da SBAT,

Associação Brasileira de Críticos Teatrais, Associação Mantenedora do Teatro

2 Processo n. 3.806/39. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

3 MOREYRA, Eugênia Álvaro. Carta para o ministro Gustavo Capanema. Arquivo Gustavo

Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VII (CPDOC/FGV). 14 jan. 1939, A CASA dos Artistas e o Serviço Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 fev. 1939. Teatros, p. 13 e A CASA dos Artistas e o Serviço Nacional de Teatro: não procedem as injustiças arguidas em face dos termos do edital. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 fev. 1939. Teatros, p.

17.

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159

Nacional e Centro Musical, respectivamente: Ferreira Maya, Paulo de

Magalhães, Bandeira Duarte, Álvaro Moreyra e José Siqueira, presididos por

Abadie Faria Rosa. Escolha que foi contestada por Aarão Reis, que reclamou

sobre a presença de autores de peças constantes nos repertórios das

companhias.4

A despeito das polêmicas, a seleção foi realizada e o resultado lançado

em abril, sendo sete as classificadas: a Companhia da Casa dos Artistas,

trazendo em seu repertório as peças Honra ao mérito, de Waldemar de

Oliveira, Rua alegre doce, de Marques Rebelo, Conflito de amor, de C.

Florence, Hedda Gabler, de Ibsen, Mãe, de José de Alencar e Gonzaga, de

Castro Alves. A companhia de Delorges Caminha, incluindo em seu repertório

Tiradentes, de Viriato Corrêa, Maluco n. 4, de Armando Gonzaga, Mauá, de

Castelo Branco, Núpcias de d. Juan, de Paulo Gonçalves, Demônio Familiar,

de José de Alencar e Escola de Maridos, de Molière. A companhia de Jayme

Costa, trazendo no repertório Carlota Joaquina, de Raimundo Magalhães

Júnior, Traição Branca, de Delgado de Carvalho, A velha guarda, de Joracy

Camargo, Cara ou Coroa, de Oduvaldo Vianna, A família maluca, de Paulo de

Magalhães e Anjo bom, de Bandeira Duarte. A companhia de Renato Viana,

apresentando em seu repertório Margarida Gauthier e Salomé, de Renato

Viana, Falta de assunto, de Bandeira Duarte, Marília de Dirceu, de Paula

Barros e Garcia Júnior, Esquecer, de Tobias Moscoso, Herbert Mendonça e

Luís Peixoto, Casa de Bonecas, de Ibsen, A mulher que esqueceu o nome, de

Miguel de Escuder. A Companhia Brasileira de Operetas Irmãos Celestino e

Gilda de Abreu, trazendo em seu repertório Pássaro branco, de Sadi Cabral,

musicado por Custódio Mesquita, Aleluia, de Gilda de Abreu, Bony e Bobette,

de Waldemar de Oliveira, Bonequinha de Seda, de Oduvaldo Vianna, com

música de Francisco Mignone, País do sorriso, de Franz Lehar e Longe dos

olhos, de Abadie Faria Rosa, musicada por Paulino Sacramento. O Teatro

Musicado Luiz Iglézias-Freire Júnior, trazendo como repertório Maria Bonita, de

Freire Júnior, musicada por J. Ayaberê, Jangadeiros, de Iveta Ribeiro com

música de Lélia Vilas Boas, Gata borralheira, de Eustórgio Wanderley, Pirulito,

4 SERVIÇO Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 mar. 1939. Teatros, p. 15,

A COMISSÃO julgadora do Serviço Nacional de Teatro: ata da primeira reunião. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 mar. 1939. Teatros, p. 11 e SERVIÇO Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 abr. 1939. Teatros, p. 13.

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de Paulo de Magalhães com música de Milton Calazans, Cabeça de porco, de

Iglézias, Miguel Santos e música de J. Torres, e Tabajaras, de Joracy

Camargo. E, por fim, a companhia de Jardel Jércolis, com o repertório

composto por Romeu e Julieta, opereta com poema de Renato Viana e música

de Francisco Gonzaga, Vertigem, de Bastos Tigre, musicada por Mesquita

Pinheiro e Jércolis, Gandalá, de Geysa Bôscoli com música de Custódio

Mesquita, Redenção, de Eustórgio Wanderley, Tesouro do sultão, de Ariovaldo

com música de Radamés Gnatalli, Quilombo dos Palmares, com poema de

Joracy Camargo e música de Mignone.5

As duas companhias que se destacaram no processo de seleção foram

a de Renato Viana e a de Jardel Jércolis que, contudo, não foram oficializadas

em 1940. Como se pode notar, a escolha acabou por contemplar o teatro

predominantemente comercial. E incluiu, também, o teatro de revista. Mesmo

assim, algumas companhias apresentaram, em seu repertório, preocupações

mais “elevadas” como a de Renato Viana e a organizada pela Casa dos

Artistas, observadas na inclusão de autores como Ibsen, Molière e José de

Alencar, além de peças com temáticas históricas, que certamente contribuíram

para a seleção das mesmas.

As argumentações dos concorrentes assemelham-se àquelas

encontradas na documentação proveniente da Comissão de Teatro Nacional. E

todas as companhias tiveram suas aplicações e rendimentos controlados pelos

fiscais do órgão, que elaboravam constantes e pormenorizados relatórios.

Jarbas Andréa, Rego Barros e Serra Pinto tinham a função de cobrar os

comprovantes dos pagamentos, analisar os borderôs e enumerar a quantidade

de representações de cada peça.6

Mas, muitas companhias não ficaram satisfeitas somente com a

subvenção conseguida através do edital, formulando novos pedidos para o

órgão ou para o ministro e até mesmo para o presidente da República. Uma

5 Processo n. 3.806/39. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Essas foram as

peças propostas inicialmente, mas o edital previa a inclusão de outras ou a substituição destas, desde que aprovadas pelo SNT. Interessante notar que, nessa época, Renato Viana escreveu uma peça chamada Getúlio, cujo conteúdo, segundo Sebastião Milaré, aproximava-se da propaganda política, mas que não foi incluída no programa elaborado pelo mesmo. Ver MILARÉ, 2009, p. 241-252. 6 Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE).

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delas foi a de Jayme Costa que, em abril, pediu verba para a montagem de

Carlota Joaquina, sob o pretexto do:

valor da obra histórica, verdadeiro Teatro Educativo, que pela sua características de época, exige despesas avultadíssimas de encenação, só praticáveis com a ação direta do governo do custeio das mesmas, aliás, o ilustre diretor do SNT é profundo conhecedor das necessidades que envolve o teatro de arte no Brasil, e por isso mesmo, patriótica e acertadamente o seu Departamento custeou a encenação de Iaiá Boneca, e facilitou a inclusão de originais históricos à concorrência agora verificada, com promessa de que eles seriam amparados nas suas encenações.

7

O pedido recebeu o apoio de Abadie e foi autorizado por Vargas. No

entanto, três meses depois, Jayme Costa, junto com o autor da peça,

Raimundo Magalhães Júnior, escreveram a Getúlio Vargas e a Gustavo

Capanema, pedindo o apoio para uma nova proposta: a da realização de cinco

vesperais para os alunos dos estabelecimentos oficiais, “que valerão como

curso vivo de ensino de História Pátria, sobre a época em que se definiu a

nacionalidade brasileira e foram lançadas as bases do edifício da Nação que é

hoje o Brasil”.8

Delorges Caminha dirigiu-se ao ministro com o mesmo propósito e com

semelhantes argumentos ao pleitear um auxílio para a montagem da peça

Tiradentes, peça histórica, de alto interesse educativo e cívico, “certo de que o

alto espírito nacionalista de V. Excelência não escapará o grande interesse

patriótico que existe na evocação de um dos episódios de maior significação de

nossa história...”9

Outro que solicitou auxílio para a montagem de peça foi Renato Viana. O

pedido, feito ao ministro, ressaltava a atualidade e universalidade do texto de

sua própria autoria, Margarida Gauthier, que trazia a história da personagem de

A dama das camélias. Citava, para isso, as encenações realizadas em diversos

países, destacando a de Meyerhold, na Rússia, e enfatizava sua pretensão de

7 Cópia do processo n. 76/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940

(CEDOC/FUNARTE). 8 Cópia do processo n. 22.151/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico

1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). Esse pedido também foi deferido. 9 Cópia do processo n. 17.881/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico

1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). O presidente Getúlio Vargas assistiu a estreia do espetáculo, como relatou em seu diário. Ver VARGAS, 1995, v. II, p. 271.

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inaugurar uma temporada de “manifestação cultural da nova política do Brasil,

por suas finalidades intelectuais, artísticas e de educação popular.”10

Jardel Jércolis recorreu a Vargas cobrando um teatro para a realização

de sua temporada, que ainda não tinha se iniciado, evocando o problema da

falta de casas de espetáculos e sua apropriação pelos cinemas. A situação foi

contornada com o pagamento de uma indenização, já que a companhia tinha

levado um prejuízo, pois iniciara seus ensaios.11

As entidades de classe se manifestaram em relação à concessão de

subvenção, tal como fizeram em 1937. A SBAT, presidida por Armando

Gonzaga, pediu esclarecimentos acerca da cobrança dos direitos autorais. A

Casa dos Artistas, na pessoa de seu vice-presidente, Ferreira Maya,

preocupou-se com a distribuição dos lucros pelos contratados e com a própria

parte do sindicato, que também deveria ser repassada.12

E, apesar do concurso para a subvenção, o governo acabou por

amparar outras companhias em 1939, como a do Recreio (de Walter Pinto), a

de Mesquitinha, a de Paula Barros e a de Nino Nello.

A partir de 1940 o amparo começou a ser concedido através de

subvenções avulsas (exceto no caso da Comédia Brasileira), dirigidas a itens

específicos: exclusivamente para a montagem de peças, para o pagamento

dos aluguéis dos teatros, excursões, além de contemplar as modalidades do

teatro amador, do estudante e infantil.

A subvenção para montagem de peças com temáticas históricas e a

atenção especial a outras, cujas exigências eram mais dispendiosas,

correspondiam à preocupação com a “elevação” da cena brasileira, embora os

critérios de seleção não ficassem muito claros. As primeiras não ultrapassavam

os limites da dramaturgia tradicional, mas se ligavam à produção cultural

incentivada, como um todo, pelo Estado Novo. Não por acaso, as peças

publicadas pelo Ministério da Educação e Saúde tiveram um teor “histórico” e,

muitas vezes, “nacionalista”: Iaiá Boneca, de Ernani Fornari, Carlota Joaquina,

de Raimundo Magalhães Júnior e Tiradentes, de Viriato Corrêa, além das

10

Cópia do processo n. 14.991/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 11

Cópia do processo s. n., de 8/5/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 12

Processos n. 89 e n. 128/39. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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obras do mais antigo dramaturgo brasileiro, Antônio José, o Judeu. E esse fato

certamente contribuiu para que várias companhias de sucesso investissem

nesses textos: a de Jayme Costa encenou Carlota Joaquina, a de Delorges

Caminha, Tiradentes e Iaiá Boneca, e a de Dulcina de Moraes, Sinhá Moça

chorou..., de Ernani Fornari e Marquesa de Santos, de Viriato Corrêa, o que

revela certa adequação de artistas e autores às diretrizes oficiais.13

No segundo caso, o das montagens especializadas, havia também uma

conformação com as tendências da política para cultura emanadas do

ministério Capanema, e que podem ter sido estimuladas pelas encenações de

grupos amadores, como o Teatro do Estudante do Brasil e Os Comediantes.

Procópio Ferreira, por exemplo, apresentou, sob o patrocínio oficial, várias

peças de Molière, além de textos consagrados da dramaturgia nacional, de

autores como José de Alencar.

Devido à impossibilidade de se acompanhar todos os pedidos de

subvenção, foram separados alguns casos para que se pudesse conhecer com

um pouco mais de profundidade como estes eram realizados, conscientes dos

limites da utilização de somente um tipo de fonte: os processos

administrativos.14

O primeiro nome selecionado foi o de Jayme Costa, um dos pioneiros

nos pedidos de auxílio, e um dos poucos a aparecer nas listas em todos os

anos estudados. Antes de sua participação na concorrência organizada pelo

SNT, Jayme Costa dirigiu-se ao órgão pedindo uma verba para cobrir os

prejuízos que tivera no ano anterior. O auxílio foi negado. Todavia, o ator

retornou, pleiteando um valor menor. Abadie objetou que não poderia abrir este

precedente. Depois de novos apelos, a questão foi levada ao ministro, que se

posicionou a favor do parecer de Abadie. Porém, quando o processo chegou a

Vargas, este considerou o pedido dentro de um limite razoável e determinou

que o SNT opinasse mais uma vez sobre o assunto. Por fim, Abadie mudou de

ideia, colocando-se favorável ao deferimento do pedido de “apenas” vinte

13

Ver a descrição das temáticas dessas peças e mais sobre o assunto em MAGALHÃES, 1993, p. 69-92. 14

Além disso, alguns deles contêm apenas o parecer, ou mesmo somente a capa com seu número. Apenas em um caso, o de Luiz Iglézias, conseguiu-se cotejar a informação com outra fonte, sua autobiografia.

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contos de réis, e alegando não ser mais problema se outros empresários

fizessem o mesmo.15

A posição de Vargas pode, talvez, ser explicada pelos laços pessoais

que possuía com Jayme Costa. Segundo Tania Brandão, o ator tinha uma forte

admiração pelo presidente, a quem dedicou acrósticos, proclamações e

homenagens, e com quem chegou a trocar correspondências.16

Depois da temporada subvencionada de 1939, e de acordo com os

novos preceitos para a concessão de auxílios estabelecidos a partir de 1940,

Jayme Costa voltou mais algumas vezes a fazer seus pleitos. Em 1940, pediu

ajuda para a realização de uma viagem ao Rio Grande do Sul. Em 1942,

atendendo à solicitação de Abadie, montou Emboscada Nazista, campanha

“patriótica” que envolveu, também, a confecção de cartazes contendo frases

proferidas pelo presidente Getúlio Vargas, que seriam pregados nas casas de

espetáculos onde atuasse, mais a doação de renda à Cruz Vermelha, que

entregaria às famílias das vítimas da guerra no Brasil.17

Jayme Costa parecia ter uma boa relação com as autoridades e

costumava apresentar com frequência os balancetes, descrevendo e

comprovando todos os gastos realizados com as verbas governamentais. Mas,

em 1945 recebeu uma cobrança do Ministério e do órgão. Prestando as contas

devidas, o ator aproveitou para realizar comentários ofensivos contra Abadie

Faria Rosa, insinuando que o mesmo tinha “protegidos” e “afilhados”,

“conhecidos pelos bons negócios teatrais que têm conseguido” e era o único

responsável pela “calamitosa existência do Serviço Nacional de Teatro, cujos

erros são de domínio público.”18

Procópio Ferreira, outro grande nome da cena teatral da época, um

pouco diferente de Jayme Costa, começou a receber o amparo do governo

somente a partir de 1940, apesar do bom relacionamento que tinha com

15

Cópia do processo 28.706/39. Serviço Nacional de Teatro, pasta SNT – Histórico 1937/1940 (CEDOC/FUNARTE). 16

BRANDÃO, 2009, p. 107. 17

Processo n. 8.291/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e A CONTRIBUIÇÃO do teatro à defesa do país. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 set. 1942. Teatros, p. 8. 18

Processos n. 96.679 e 2.486/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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Getúlio Vargas.19 Entretanto, a primeira referência sobre Procópio encontrada

na documentação foi o comentário de Capanema a respeito de um memorial

elaborado por ele em 1938, e enviado ao presidente da República.

De acordo com Capanema, o memorial era dividido em duas partes. Na

primeira, Procópio criticava a ação do governo em prol do teatro e na segunda,

propunha um plano visando a sua utilização como meio de propaganda. Para

isso, o ator se dispunha a organizar um repertório de caráter político constituído

por textos que exaltassem os benefícios da nova Constituição e criticassem os

erros e defeitos do regime passado. Também sugeria apresentar peças “como

de autoria de soldados e operários, para maior afirmação do espírito

democrático do Estado Novo.”20 Para Capanema, a ideia era interessante.

Concordava que “o teatro encerrava virtualidades extraordinárias como

instrumento de propaganda”21, mas este não era uma arma política e o público

não o queria como tal, considerando:

tedioso o teatro que, abrindo mão da sua essência artística (...) se dispusesse a preencher a função de que se incumbem tantos e tão eficazes instrumentos modernos de persuasão e divulgação, como a gravura, o jornal, o filme, o rádio.

22

E defendia a relação do governo Vargas com o teatro, e a criação do

SNT que tinha:

a preocupação de oferecer ao nosso país, ao lado do teatro universal, que se dirige a qualquer público em qualquer época, um teatro brasileiro pelas suas características e tendências, considerando as nossas peculiaridades de vida, os nossos problemas, a nossa psicologia própria. Dentro dessa orientação cabem os originais influídos pelo espírito do novo Estado brasileiro, mas influídos naturalmente, pela irradiação progressiva dos ideais e princípios políticos que informam esse Estado.

23

19

Procópio, no entanto, já tinha realizado uma experiência sob o amparo governamental em São Paulo, promovida pelo Departamento de Cultura em 1937. Ver MAGALDI; VARGAS, 2001, p. 143. 20

CAPANEMA, Gustavo. Carta para o presidente Getúlio Vargas. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta VI (CPDOC/FGV). 24 nov. 1938. 21

Ibid. 22

Ibid. 23

Ibid.

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166

Nesses trechos, Capanema deixa claro que o teatro até poderia servir

para fins propagandísticos, mas não era dessa maneira que o governo o

consideraria. Na verdade, a maior preocupação do ministro concentrava-se na

questão da arte e da cultura propriamente ditas. O que não o impediu de

determinar, em 1942, que o SNT incentivasse espetáculos de propaganda

relacionada à guerra, como foi visto acima.24

Os primeiros pedidos de Procópio Ferreira reservaram a sua companhia

a maior rubrica na lista de auxílios, com exceção das companhias oficializadas,

concretizada no fornecimento de teatro, de subsídios para as montagens de O

avarento, de Molière, e Badejo, de Artur Azevedo, e dos prêmios recebidos.

No entanto, Procópio quis mais: pediu o fornecimento de passagens

para o sul do país, e depois para São Paulo, que foram autorizados, mas

parece que não executados. Solicitou auxílios para montagem das peças

Sganarello, de Molière, e Deus lhe pague, de Joracy Camargo, que foram

negados, tendo em vista a verba já recebida, e os valores demasiado altos dos

requerimentos.25

Procópio também foi auxiliado em 1941 e nos anos seguintes. Seus

processos assinalam certa falta de compromisso com os acordos obtidos com

o governo. O ator e empresário fez vários pedidos com o objetivo de mudar as

peças apresentadas em suas propostas iniciais de repertório, sendo que vários

deles foram negados.26

Em 1944, Procópio montou um amplo projeto de temporada, baseado no

plano da Comissão Técnica Consultiva, cujo repertório:

24

Por outro lado, no âmbito de outro ministério, o do Trabalho, o teatro foi usado como instrumento auxiliar de propaganda durante a gestão de Marcondes Filho. Em 1944, foi promovido um concurso de romance e comédia que tratassem de “temas que acentuem as altas qualidades do trabalhador brasileiro e suas possibilidades dentro das realidades nacionais”, e que deviam ser escritos “em linguagem simples, acessível aos meios proletários, mas elevada e perfeita, como padrão educativo e estético.” Ver CONCURSO de romance e comédia do Ministério do Trabalho. Boletim da SBAT, n. 209, jan./fev. 1942, p. 11-12. 25

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades do Serviço Nacional de Teatro de 1938 a 1942.

Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta X (CPDOC/FGV) e

Processos n. 85, n. 28.453 e n. 28.454/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 26

Processos n. 39.310, n. 12.551, n. 23.475, n. 37.392 e 50.716/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades do Serviço Nacional de Teatro de 1938 a 1942.

Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta X

(CPDOC/FGV).

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constituiria um autêntico curso sobre o nosso teatro retrospectivo, documentador de seu surgimento histórico, de sua implantação definitiva e sua ascendência natural.

27

O pedido, no valor de 200 mil cruzeiros, foi enviado para Capanema e

para Getúlio Vargas, e posteriormente aceito. As peças propostas eram:

Guerras do alecrim e da manjerona, Juiz de paz na roça, de Martins Pena,

Lição de Botânica, de Machado de Assis, As doutoras, de França Júnior, Bela

tarde, de Roberto Gomes, O quebranto, de Coelho Neto, Flores da sombra, de

Cláudio de Souza, além de outras já encenadas por sua companhia sob o

patrocínio oficial: Deus lhe pague, O Badejo e Demônio Familiar, de José de

Alencar.

No começo de 1945, Procópio foi chamado para explicar sobre a

dissolução de sua companhia sem o cumprimento de todos os acordos

realizados no ano anterior. Em sua resposta, Procópio argumentou que não

dissolveu sua companhia, e sim integrou ao seu elenco sua filha, Bibi Ferreira,

e outros atores. Embora não se conheça o término dessa história, pois esse

processo não foi finalizado, cabe reproduzir aqui o parecer da funcionária

Corina Rebuá:

Claro é o descaso com que age o ator Procópio Ferreira em relação aos seus deveres com o Serviço Nacional de Teatro. Recebe dinheiro dos cofres públicos para uma realização artística, assume compromissos no sentido dessa realização, falta a esses compromissos, e, inescrupulosamente, torce a verdade ao dirigir-se a uma entidade que chefia uma repartição pública federal.

28

Outro nome que aparece com frequência nas listas de auxílios é o de

Renato Viana. O criador Teatro-Escola, depois das inúmeras confusões

ocorridas em torno desse empreendimento, não pediu mais nenhuma verba ao

governo até 1938, quando recebeu um auxílio para cobrir os prejuízos que

tinha tido com sua companhia. Em 1939 foi a vez de participar da concorrência,

da qual foi um dos classificados. Outros auxílios foram concedidos nos anos

seguintes. Mas, em 1944, Renato Viana voltou a se dirigir a Vargas

27

Processo n. 28.981/44. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 28

Ibid. Em 1945, quando realizou outro pedido, o parecer revelou que o mesmo ainda não havia comprovado a aplicação do auxílio dos Cr$ 200.000,00, não podendo, por isso, fazer nova solicitação. Ver Processo n. 78.120/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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comunicando sobre a criação da Escola Dramática do Rio Grande do Sul. A

escola estava voltada para a instrução e formação de atores, e continha, ainda,

o curso de cenotécnica para preparação de “diretores de cena”, maquinistas,

“pintores-decoradores” e eletricistas.29

A proposta de Viana era de grande vulto, bem como seus pedidos. Em

1945 requisitou uma verba de 240 mil cruzeiros para a criação de um

Departamento de Publicidade, Cultura e Propaganda destinado à edição de

peças e de uma revista especializada; para a montagem de um repertório

retrospectivo estrangeiro e nacional; para a reforma da sede do Teatro

Anchieta; para a manutenção e expansão do Teatro Proletário; e para a

inauguração de um Curso Dramático Popular, voltado para os trabalhadores e

suas famílias. O pedido foi deferido, mas o valor diminuído para 150 mil

cruzeiros.30

Ainda neste ano, Renato Viana voltou a escrever para Vargas com uma

ideia mais ambiciosa: transferir sua Escola Dramática para o Rio de Janeiro.

Descrevendo todos seus planos, Renato Viana também teceu inúmeros elogios

à obra feita em prol do teatro, que contrastava com a situação da classe teatral,

que continuava na anarquia, e caracterizada pela falta de consciência

profissional, pela desorientação do público, e pela predominância dos jogos de

lucros e interesses puramente comerciais – críticas semelhantes as que fizera

por ocasião da prestação de contas do Teatro-Escola, e que reforçava o

diferencial de seus pedidos, inseridos em um projeto “elevado” para o teatro

brasileiro.31

O teatro cômico e musicado, especialmente a revista, apesar de não

figurar nos planos de Abadie, também recebeu o amparo governamental. Além

da Companhia Jardel Jércolis, uma das classificadas no concurso de 1939, as

companhias de Walter Pinto, Alda Garrido e outras, foram contempladas com

dotações oficiais. Auxílios que, conforme verificado na maior parte da

29

Processo n. 21.234/44. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ) e MILARÉ, 2009, p. 280. 30

Processo n. 1.593/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e Processo n. 153/45. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ). 31

VIANA, Renato. Carta para o presidente Getúlio Vargas. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta XIII (CPDOC/FGV). 9 jun. 1945. Todo o empreendimento da Escola Dramática do Rio Grande do Sul e do Teatro Anchieta encontra-se descrito e fartamente documentado em MILARÉ, 2009, p. 275-291.

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documentação encontrada, voltavam-se predominantemente para as

excursões. Essa condição, entretanto, não eximia seus pleiteantes das

justificativas, como se pode perceber em um dos processos de Walter Pinto, no

qual ressaltou as qualidades de sua companhia:

... que há muitos anos vem apresentando sempre originais brasileiros, com o objetivo único de elevar cada vez mais o nível cultural do nosso teatro, e, ao mesmo tempo fazer propaganda do Brasil.

32

Os pareceres referentes a esses processos merecem um destaque à

parte, principalmente os escritos por Gastão Tojeiro. Sobre um requerimento de

verba para excursionar feito por Jardel Jércolis, em 1942, Tojeiro foi

avassalador:

A companhia do Sr. Jardel, com exceção de uma única atriz de teatro, é constituída de elementos circenses e de artistas de variedades, já muito vistos. No momento em que os circos, por já não ser diversão bastante para atrair o público os números artísticos do picadeiro, recorrem ao teatro representando peças, o Sr. Jardel foi buscar nos números de circo, malabaristas, trapezistas, acrobatas, clowns, animais, etc. coordenando-os à maneira revista e chamando a isso nova feição teatral. Aliás, o fracasso dessa tentativa era previsto, pois antes da sua uma outra trupe, no mesmo gênero da sua, havia trabalhado um mês com grande prejuízo.

33

Pareceres que nem sempre obtinham a concordância de Abadie que,

neste caso, pediu a atenção do ministro, pois o teatro como um todo merecia

ser incentivado nesse período de turbulência gerado pela guerra.

Aliás, em todos os processos, que primeiro recebiam o parecer de um

técnico do órgão, sendo depois encaminhado para Abadie, seguindo para o

32

Processo n. 18.423/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Em depoimento dado em 1977, Walter Pinto disse, no entanto, que nunca teve nem esperou nada do governo. Ver BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Fundação Nacional de Arte. Serviço Nacional de Teatro. Depoimentos, v. III. Rio de Janeiro, p. 159-175, 1977. 33

Processo n. 56.291/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Em entrevista concedida a Daniel Caetano, do Diário de Notícias, em 1946, Tojeiro, já fora do SNT, revelou: “Lá não me suportavam porque, conhecendo bem o meio, sempre informei os processos com honestidade. O dinheiro que passou por ali resolveria o problema do teatro nacional. Só o que Dulcina levou daria para construir dois teatros nesta cidade.” TOJEIRO apud PEREIRA, 1998, p. 165.

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ministro, e finalmente para Vargas34, nota-se que a posição do diretor do SNT

é, com frequência, condescendente. Esse fato anulava, na prática, toda sua

argumentação em relação ao favorecimento de um teatro “sério”. Em várias

ocasiões Abadie referiu-se às dificuldades sofridas pela classe teatral,

concordando com muitos dos pedidos feitos – fato que também pode

evidenciar a existência de vínculos pessoais que as fontes analisadas não

permitem explorar.

Ainda em relação aos pareceres elaborados pelos técnicos, cabe

comentar como estes deixam transparecer as opiniões pessoais, nem sempre

adequadas aos planos do diretor ou mesmo do ministro. Um dos exemplos

pode ser retirado de um processo de pedido de subvenção feito por Maria

Jacintha Trovão de Campos para o Teatro do Estudante do Brasil em 1940.

Como foi visto anteriormente, o teatro feito por estudantes recebeu interesse

especial do governo desde os tempos da Comissão de Teatro Nacional. O

Teatro do Estudante do Brasil e o Teatro Universitário foram contemplados na

maior parte dos anos compreendidos nessa pesquisa. Isso não inibiu José

Wanderley de dar um parecer contrário ao pedido: para ele, melhor seria se os

estudantes se dedicassem aos livros ao invés do teatro, que era apenas um

passatempo, o que foi ignorado por Abadie.35

Mas, os casos mais polêmicos de concessão de auxílios foram aqueles

autorizados diretamente por Gustavo Capanema, sem o parecer e nem mesmo

o conhecimento de Abadie Faria Rosa, o que revelou, em maiores proporções,

os conflitos existentes entre essas duas esferas administrativas.

Um deles foi a liberação de uma grande verba para a Companhia

Dulcina-Odilon em 1943. O primeiro pedido de Dulcina e Odilon ocorreu em

1940, e foi feito diretamente para Capanema. Após receber o teatro do SNT, a

companhia também solicitou auxílio para a montagem de Sinhá Moça

Chorou..., que foi deferido, apesar do parecer de Gastão Tojeiro, que escreveu

34

Em 1943, Capanema escreveu para Vargas assinalando a falta de necessidade da aprovação presidencial à concessão de pequenas parcelas de subvenção. Vargas submeteu o ofício ao DASP e a resposta de Luiz Simões Lopes foi que “o critério deve prevalecer, porque facilita o controle do emprego de uma dotação global, que figura no Orçamento em função de previsões estabelecidas pelo órgão interessado, segundo os programas de estímulo a cada iniciativa vinculada com o aperfeiçoamento artístico e cultural do teatro brasileiro.” Ver CAPANEMA, Gustavo. Ofício de 2/8/1943. Processo s.n., de 1943 (contém inclusos vários processos). Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 35

Processo s.n., de 5/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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que a empresa gozava de sucesso de público, sendo-lhe, dessa forma,

dispensado o amparo oficial.36

Dois anos depois, os artistas propuseram, a Vargas e a Capanema, uma

temporada em conjunto com o Teatro do Estudante do Brasil. O plano era

grandioso, afastado, de acordo com Dulcina, de intuito comercial, e justificado

por sua “incontestável significação para a vida artística do povo”, pelo desejo

de “demonstrar as possibilidades criadoras dos artistas brasileiros, em todos os

setores, na realização do grande teatro”, de “propiciar a descoberta de valores

novos”, e de “ressaltar a expressão nacionalista”.37

Outros atrativos da temporada eram a adoção de preços populares, a

distribuição gratuita de ingressos para os estudantes e a realização de matinês

culturais para professores e alunos do ensino secundário.

O repertório da Companhia Dulcina-Odilon era eclético, composto por

peças como A marquesa de Santos, de Viriato Corrêa, Convite à vida, de Maria

Jacintha; e Comédia do coração, de Paulo Gonçalves. As matinês seriam

organizadas com textos de autores nacionais e de Alfred Musset, Eugene

O’Neill e Jean Cocteau. Da mesma forma era aquele apresentado pelo Teatro

do Estudante do Brasil, que compreendia as peças: O jesuíta, de José de

Alencar, Direito por linhas tortas, de França Júnior, Santa Joana, de Bernard

Shaw, Como quiseres, de Shakespeare, entre outras.

A proposta foi aprovada, apesar de uma diminuição no valor solicitado,

que passou de 450 para 350 mil cruzeiros. Contudo, a temporada não se

viabilizou devido à indisponibilidade do Teatro Municipal e parte da verba foi

dividida entre outros grupos. Em 1944, a companhia pôde, finalmente, realizar

seu plano, recebendo um valor mais alto: 485 mil cruzeiros.38

Mas, a Companhia Dulcina-Odilon não foi a única contemplada pela

interferência de Capanema. Em 1943, o Teatro Universitário, a companhia de

Renato Viana e o grupo Os Comediantes também receberam auxílios por

ordem direta do ministro. Situação que se repetiu no ano seguinte, contrariando

36

Processo n. 31.267/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 37

Processo s.n., de 1943. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 38

Parece que o repertório também foi alterado, pois constam no processo relativo ao ano de 1944 as peças César e Cleópatra e Santa Joana, de Bernard Shaw e Bodas de Sangue, de

Garcia Lorca. Ver Processo n. 2.357/44. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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172

os planos da Comissão Técnica Consultiva e causando o pedido de demissão

de seus membros.

O caso de Os Comediantes começou ainda em 1942, quando

Capanema mandou adicionar o auxílio de 160 mil cruzeiros ao orçamento do

SNT relativo ao ano de 1943. Além da concessão, Capanema se preocupou

pessoalmente com a obtenção do Teatro Municipal, solicitando-o ao prefeito do

Rio de Janeiro, Henrique Dowsdorth.39

Como já foi apresentado, o grupo não realizou todas as encenações

programadas. Apesar disso, no ano seguinte recebeu uma subvenção ainda

maior e referente a toda a dotação destinada ao teatro amador (exceto os

grupos de estudantes), o que demonstrava, por certo, o reconhecimento de

Capanema às iniciativas do conjunto, elogiadas por diversos intelectuais. E, de

maneira semelhante, não foram realizadas todas as montagens propostas e o

grupo demorou cerca de dois anos para prestar contas das aplicações

realizadas.40

As grandes concessões feitas aos grupos amadores repercutiram

negativamente entre os artistas profissionais e a imprensa. Em 1942, antes da

polêmica de Os Comediantes, Luiz Iglézias e Darci Cazarré, escreveram para

Capanema:

... não consideram justo, pois, que se entregue qualquer verba para garantir a realização de teatro de amadores, quando os profissionais estão na situação acima exposta, nem se concedam prêmios a quem já auferiu largos lucros durante o ano no seu período normal, quando os que agora estão trabalhando só têm tido prejuízos enormes.

41

39

Processos n. 37.658/42 e n. 65.674/43. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 40

Em 24 de janeiro de 1944, praticamente um mês depois da estreia de Vestido de Noiva, vários intelectuais como Alceu Amoroso Lima, Augusto Frederico Schimidt, Manoel Bandeira, José Lins do Rego, Marques Rabelo, Cândido Portinari, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, Lúcio Cardoso, Oscar Niemeyer, Guilherme Figueiredo e Aurélio Buarque de Holanda, escreveram ao presidente Vargas demonstrando seu entusiasmo ao apoio do governo ao empreendimento que “completava o panorama da inteligência brasileira” e sugerindo maior atenção a este “verdadeiro restaurador [da] cena [e] iniciador [de uma] nova era [do] teatro.” Carta de vários intelectuais ao presidente Getúlio Vargas. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta XI (CPDOC/FGV). 24 jan. 1944 e Processo n. 17/44. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Além de contar com o apoio de intelectuais, Os Comediantes também tinham certa proximidade com o governo: em 1941 o grupo representou A verdade de cada um, de Pirandello, em benefício da Fundação Darci Vargas – Casa do Jornaleiro, sob o patrocínio da escritora Adalgisa Néri. Ver RESSURGEM Os Comediantes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 out. 1941. Teatros, p. 11. 41

Processo n. 60.710/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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173

Em 1943, as críticas foram maiores na imprensa:

Abandonados a sua sorte devem os profissionais procurar outro meio de vida. Enquanto isso rapazes e moças que não se destinam à vida de teatro porquanto se encarregam para atividades muito diversas, brincarão de teatro, custando essa brincadeira aos cofres públicos mais de meio milhão de cruzeiros. O estímulo do amadorismo é um dos itens do sábio decreto que criou o SNT, mas encará-lo como fator principal e relegar para o segundo plano o teatro normal é fugir, por completo ao espírito da lei.

42

Além disso, de acordo com Gustavo Dória, os profissionais se

mobilizaram e organizaram uma assembleia com o fim de solicitar o apoio do

governo para o teatro e reivindicar a negativa de auxílio de qualquer espécie a

espetáculos realizados por amadores.43

Até mesmo outros grupos amadores expressaram sua decepção com a

atitude do ministro em privilegiar Os Comediantes. Foi essa, pelo menos, a

reação do Teatro Popular de Amadores Abadie Faria Rosa, cujo presidente,

Armando Garceau Moreira, mandou uma carta para Vargas, pedindo uma

explicação sobre os critérios utilizados para a distinção de Os Comediantes em

1944. O processo, encaminhado para o SNT, recebeu o simples parecer de

Corina Rebuá: “o critério foi o do ministro.”44

A análise dos exemplos apresentados permite chegar a algumas

conclusões. A primeira é o caráter localizado das ações do SNT que

praticamente se restringiram às companhias do Rio de Janeiro. Em vários

pareceres se percebe que essa disposição era uma determinação do

presidente da República, cabendo aos interventores dar proteção às

companhias de seus respectivos estados. Dois casos constituem-se as maiores

exceções: o da companhia de Nino Nello, que, originada em São Paulo, teve

seus pedidos atendidos em vários anos, por serem destinados à realização de

42

QUASE reduzido a uma função meramente decorativa o Serviço Nacional de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 jun. 1943. Teatros, p. 8. 43

DÓRIA, 1975, p. 96. 44

Processo n. 8.132/45. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ).

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174

excursões neste estado e em outras partes do Brasil; e o de Renato Viana, que

em 1942 transferiu-se para o Rio Grande do Sul.

A segunda é que não houve grandes preocupações com a difusão

desses espetáculos, além do amparo às excursões e o fornecimento de teatro.

Não foram encontradas informações sobre a gratuidade ou descontos nos

ingressos, que favoreceriam a afluência de um público diversificado, fora as

mencionadas propostas de Jayme Costa e de Dulcina (em conjunto com o

Teatro do Estudante), os espetáculos infantis realizados pela Associação

Brasileira de Críticos Teatrais e os do Teatro Universitário.45 Assim, apesar do

projeto educativo e de elevação cultural que sustentava a justificativa de

grande parte das concessões, parece que, na prática, este não foi estimulado

de maneira mais efetiva.

A terceira é a de que a predominância dos auxílios financeiros abriu

margem para o mau uso do dinheiro público. Vários dos planos propostos não

foram cumpridos e alguns grupos não enviaram os comprovantes de

pagamentos realizados com a verba oficial, apesar da fiscalização e da

cobrança constantes do órgão. Até Mário Nunes, crítico acirrado dos auxílios

na imprensa e formulador de diversos planos visando à reforma do SNT, como

se verá a seguir, protagonizou um caso polêmico quando esteve na presidência

da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Nunes foi chamado a responder

por ter enviado, cheios de irregularidades, os comprovantes referentes ao

amparo obtido em 1944 e destinado ao teatro infantil, incluindo a falta de selos

e a falsificação de documentos – questão que foi parar na Polícia.46

A última conclusão é a do caráter abrangente das concessões realizadas

pelo SNT, que compreenderam diversos gêneros e modalidades teatrais,

apesar das restrições de Abadie e dos técnicos do órgão, e do próprio projeto

cultural de Capanema, que se evidenciou nitidamente em algumas ocasiões.

Essa abrangência parece revelar a existência de dois eixos de ação, que foi

constituída de maneira tumultuada ao longo desses oito anos. O primeiro

45

Processos n. 11.227/40 e n. 9.481/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Essas foram as referências encontradas sobre a gratuidade ou desconto nos preços dos ingressos. Como não há maiores informações a esse respeito nos relatórios de atividades e nem na imprensa, presume-se que essa não fosse a prática mais comum dos espetáculos subvencionados. 46

Processos n. 19.587/44 e n. 41.055/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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garantia as condições de trabalho para aqueles que se dedicavam ao teatro e o

segundo refletia uma tentativa de encontrar uma solução para a questão

artística, visando à transformação paulatina do teatro brasileiro.

Mas esse ponto merece ser pensado com maior cuidado, pois algumas

vezes se verificou que esses aspectos foram deixados de lado, e muitas

concessões foram marcadas pelo personalismo. Diversos pedidos foram feitos

ao ministro ou ao presidente, que faziam questão de demonstrar seu interesse

pelo teatro, assistindo a peças, enviando suas congratulações aos artistas, ou

mesmo interferindo diretamente na distribuição.

Neste sentido, um dos casos sobre o qual se dispõe de maiores

informações é o do relacionamento entre Getúlio Vargas e Luiz Iglézias. No

relatório de atividades do SNT de 1941, ao lado da rubrica informando um

pequeno auxílio concedido à companhia de Iglézias consta a seguinte frase:

“de ordem do Sr. Presidente da República.”47 Em seu livro, Iglézias conta que a

revista Rumo ao Catete foi escrita, em 1937, contra as candidaturas de José

Américo, Armando Salles e Plínio Salgado, tratando-se de um “apelo público e

corajoso a Getúlio Vargas para continuar no governo.”48 Essa mesma

informação foi encontrada em um telegrama enviado para Vargas em 1945,

quando o autor se prontificou, novamente, a por sua “pena de teatrólogo ao

serviço de V. Excia. [sic] escrevendo [a] revista Que rei sou eu?”, para a qual

cobraria apenas uma recompensa:

consulte V. Excia. [sic] de fato [os] interesses [do] teatro nacional para futuras medidas de amparo visto que até hoje todas [as] medidas [que] V. Excia. [sic] apesar [de] tomadas com sinceridade foram sempre executadas com favoritismo continuando o teatro nacional sua eterna luta contra mil obstáculos que se lhe antepõem. Perdoe-me V. Excia. [sic] esta franqueza onde só existe desejo sincero [de] ver V. Excia. [sic] querido com justiça pela gente de teatro do nosso Brasil.

49

5.2 - Novas propostas em cena: as entidades de classe e o SNT

47

ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades de 1941. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 48

IGLÉZIAS, Luiz. O teatro da minha vida. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde,

1945, p. 140. 49

Processo n. 16.365/45. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ).

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176

Dando continuidade ao papel de ativas participantes na cobrança de

atenção dos poderes públicos às questões do teatro, as entidades de classe

fizeram-se muito presentes durante os primeiros anos da história do SNT

apresentando propostas que visavam sanar os obstáculos enfrentados pelo

órgão e os problemas não resolvidos pelo governo.

A SBAT viu-se, em um primeiro momento, representada pelo próprio

diretor do Serviço, com quem possuía fortes vínculos, e também com parte do

quadro de funcionários, formada por dramaturgos.

Mesmo assim, a organização não escapou dos problemas que

geralmente a assolavam, o que a levou a cobrar do SNT, em 1945, maior rigor

na apuração da idoneidade dos empresários e companhias subvencionadas, já

que estava sendo prejudicada na arrecadação dos direitos autorais. Esta

reclamação obteve uma rápida resposta com a portaria n. 7, de 28 de setembro

deste ano, que determinou que todo aquele que requeresse auxílio financeiro

ao órgão deveria apresentar um documento de quitação emitido pela

entidade.50

Contudo, além da preocupação com a garantia dos próprios interesses,

a SBAT também se voltou para outros pontos que a atingiam indiretamente.

Um deles foi a falta de teatros, assunto para o qual a Sociedade chamou a

atenção do presidente da República em vários telegramas entre os anos de

1942 e 1944.51 Em 1943, a organização, na época presidida por Geysa Bôscoli,

apoiou um plano formulado por Mozart da Gama que sugeria ao governo

obrigar todas as casas de espetáculos que funcionavam como cinemas a

servirem de teatros durante quinze dias no mês. E propunha, também, uma

série de ações para o SNT, criticando duramente a atuação do órgão até

aquele momento:

50

Processo n. 72/45. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e Portaria n. 7, de 28 de setembro de 1945. Serviço Nacional de Teatro, Pasta SNT/Portarias 1945 (CEDOC/FUNARTE). 51

A SOCIEDADE Brasileira de Autores Teatrais promove um grande movimento da classe teatral para o estudo dos problemas do teatro nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 out. 1942. Teatros, p. 9 e Processo n. 17.432/44. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ).

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177

Já está provado que o Serviço Nacional de Teatro custa caro à Nação e pouco pode fazer, apesar do esforço e inteireza moral e técnica de seus dirigentes. Montou peças teatrais caríssimas e organizou magníficas companhias – mas nem por isso desenvolveu o gosto pelo Teatro entre nós. Tem pago aluguéis elevadíssimos, em benefício de proprietários de prédios que preferem tê-los fechados ou alugá-los para cinema do que montar companhias teatrais, devido causas diversas. O Serviço Nacional de Teatro não deveria ter função de empresa teatral. Deveria, apenas, ter uma função educativa no sentido de fazer a Escola do Teatro Nacional; a organização de assuntos para autores e atores; selecionamento [sic] de material representativo, escrito e humano, para tomar parte, mediante requisição, nas representações ao público; censura de peças e de representações; fiscalização; e arrecadação das taxas que serão cobradas na Quinzena de Teatro.

52

Outra entidade bastante presente foi a Casa dos Artistas, ou, a partir de

1940, Sindicato dos Atores Teatrais, Cenógrafos e Cenotécnicos, que atuou na

defesa dos artistas, e foi além, elaborando propostas para a reorganização do

amparo do governo ao teatro.

Dentro da primeira linha de ação, cabe observar que muitas das

reclamações e denúncias realizadas ao longo desses anos não se inseriam

entre os assuntos que pertenciam à esfera do SNT, mas estavam sob o âmbito

do Ministério do Trabalho ou do DIP. Outra característica encontrada nas

cartas enviadas, a maior parte delas dirigida ao ministro Capanema e ao

presidente Vargas, é o tom agressivo, especialmente durante a presidência de

Ferreira Maya, contra o SNT, concentrado inteiramente na figura de Abadie

Faria Rosa.53

Um dos primeiros casos foi o da acusação de descumprimento de leis

trabalhistas pela Comédia Brasileira e pela Companhia Nacional de Operetas,

gerando conflitos que duraram mais de um ano, que foram assinalados

anteriormente. Nessa mesma direção, a entidade também cuidou de causas

menores, protestando contra a contratação ilegal de Antônio Sampaio pela

Companhia Luiz Iglézias-Freire Júnior, e contra o responsável pelo guarda-

52

Processo n. 51/43. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 53

A relação conflituosa entre Ferreira Maya e Abadie Faria Rosa chegou ao fim apenas em outubro de 1944, quando o diretor do SNT visitou o Retiro dos Artistas e se comprometeu a levar os pleitos da gente do teatro à autoridade superior. Ver ENTENDIMENTO entre o diretor do SNT e o líder da classe teatral. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 out. 1944. Teatros, p. 8.

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roupa da Comédia Brasileira, que era estrangeiro e não sindicalizado, fatos que

feriam os preceitos trabalhistas do governo Vargas.54

Outra denúncia, dessa vez compreendida entre as atribuições do SNT,

foi a de que a Companhia Jayme Costa não cumprira o determinado pelo

edital, não dividindo o lucro com seus contratados. Mas esta foi julgada

improcedente de acordo com o parecer do fiscal responsável, Serra Pinto.55

Porém, a atuação da Casa dos Artistas não ficou apenas nas denúncias

e críticas. Em vários momentos, a entidade assumiu uma postura diferente,

sugerindo várias medidas de ação. Em 1940, enviou um projeto de contrato de

concessão de auxílios, contendo, entre outros pontos, itens que obrigavam as

companhias a dar preferência a artistas nacionais e sindicalizados.56

Neste ano a entidade também apresentou uma proposta ambiciosa: a de

reforma da “Lei Getúlio Vargas”. O anteprojeto mantinha grande parte da

estrutura do decreto de 1928 e incorporava as atualizações da legislação

trabalhista promulgada a partir de 1930. A ausência mais notável é a questão

do direito autoral. Segundo carta posterior ao SNT, a exclusão era justificada

pela “complexidade das medidas a adotar, dada a transcendência do assunto,

afigura-se-nos digna de lei a parte...”57

Em 1942, sob a presidência de Nogueira Sobrinho, a entidade solicitou

que o diretor do SNT entrasse em contato com a prefeitura, que estava

reorganizando o funcionamento dos cassinos, para obrigá-los a abrigar

companhias brasileiras. Neste mesmo ano, a Casa organizou um memorial, no

qual expôs o agravamento diário da situação do teatro nacional, destacando,

em especial, os efeitos da guerra e a concorrência dos cinemas. Para sanar

esses problemas, fazia algumas recomendações como a taxação de filmes

estrangeiros, que seria revertida para a construção de novos teatros; a

estipulação de preço para aluguel de teatro ou substituição deste pelo

pagamento de 30% da renda do espetáculo; a abolição temporária dos

impostos de cartazes, de localização, de censura e do imposto municipal; a

54

Processos n. 156/40 e n. 35.839/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 55

Processo n. 5.169/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 56

Processo n. 52/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 57

ANTEPROJETO de reforma da Lei Getúlio Vargas. Anuário da Casa dos Artistas, 1940, s.p.

e Processo n. 36/43. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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179

realização de rodízio dos elencos nas casas de espetáculos da cidade; e a

proibição de transformação de teatros em cinemas ou estabelecimentos

comerciais.58

O SNT não tinha autonomia para a execução dessas providências, que

se assemelham às apresentadas pela SBAT e outras organizações. Muitas

delas estavam fora de sua alçada, como a da taxação da censura. Algumas até

se conflitavam com outras medidas do governo Vargas. O exemplo mais

explícito é o do cinema: produtores, cineastas e proprietários de cinemas

gozavam de amplos benefícios desde o início de governo, antes mesmo de

qualquer iniciativa ser tomada em favorecimento do teatro, e já haviam

demonstrando seu poder de pressão.

No final de 1943, a entidade voltou a assumir um tom mais agressivo,

saindo em defesa do teatro profissional, preterido pelo governo que concedia

grandes auxílios aos grupos amadores. Em carta mandada para Vargas e

assinada pelo presidente Orlando Nogueira e por diversos artistas como Álvaro

Pires, Ferreira Maya, Delorges Caminha, Itália Fausta, Jayme Costa e Vicente

Celestino, foi relembrado o papel da Casa na criação da Comissão de Teatro

Nacional, que iniciara o patrocínio às atividades de amadores:

Desviando uma grande parte da verba destinada ao fomento do Teatro Nacional para os diletantes, a Comissão em apreço começou a satisfazer os caprichos daqueles que queriam brincar de teatro com o dinheiro do Estado, em detrimento dos profissionais, destes que vivem unicamente do teatro e para o teatro. Estalou dentro de nossa alma uma revolta, justa e sincera, pois, como V. Excia. [sic] havia determinado ao emissário que se avistara com V. Excia. [sic] que não queria que nenhum profissional da ribalta continuasse a passar privações, vimos, com mágoa confessamos, aqueles desprotegidos, continuarem a sofrer as agruras da fome.

59

Além das críticas, foram enviadas as seguintes sugestões, aprovadas

em assembleia: a requisição de casas de espetáculos em todo o Brasil; a

requisição de teatros entregues às empresas de cinema; a manutenção da

58

Processos n. 117 e 139/42. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 59

Carta da Casa dos Artistas para o presidente Getúlio Vargas, assinada por Orlando Nogueira (presidente), Álvaro Pires, Ferreira Maya, Delorges Caminha, Itália Fausta, Jayme Costa, Vicente Celestino, entre outros. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta XII (CPDOC/FGV). 27 dez. 1943.

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Comédia Brasileira, dispondo de verba fixa para “realizar espetáculos

dedicados às camadas populares, tanto educativos, como cívicos”; o

estabelecimento de uma lei criando o imposto de 10% sobre as companhias

estrangeiras; a supressão dos emolumentos cobrados pela censura teatral; a

abolição dos impostos estaduais; a reorganização do SNT e sua subordinação

à Presidência da Republica; a concessão de facilidades para a locomoção das

companhias em excursão; a instituição de fórmulas de contratos; e a realização

de uma propaganda sistemática em favor do teatro nacional, por meio do DIP.

Por último, a carta recomendava a formação de uma comissão a ser composta

por Mário Magalhães, Ferreira Maya, Álvaro Pires, Jayme Costa, Viriato

Corrêa, Itália Fausta, Gilda de Abreu, além de um representante do Ministério

da Educação e Saúde, do major Napoleão de Alencastro Guimarães e de Israel

Souto, do DIP, destinada à elaboração de um plano com o “intuito sadio de se

atribuir ao Teatro Nacional o posto que lhe cabe e a missão educacional que

lhe está reservada, dentro do Brasil (...) e dentro da própria América.”60

Observa-se neste documento a presença de várias das sugestões

enviadas anteriormente, somada a uma proposta de reformulação do SNT, que

passaria a ser subordinado diretamente à Presidência da República, a exemplo

do DIP. Com essa pretensão, a Casa esperava que o teatro recebesse maior

destaque, tendo seus problemas mais facilmente resolvidos. E, para isso, eram

utilizados argumentos que se adequavam às diretrizes do Estado Novo e à

“missão educacional” do Ministério de Capanema.

Outra entidade que organizou um amplo projeto de transformação das

atividades do governo relacionadas ao teatro foi a Associação Brasileira de

Críticos Teatrais, que em 1943, sob a presidência de Mário Nunes, elaborou

um memorial dirigido a Getúlio Vargas.

O memorial, tal como os documentos formulados pela Casa dos Artistas

e pela SBAT, continha duras críticas ao SNT:

... despendeu o Tesouro vários milhões de cruzeiros e, no entanto, a situação do Teatro Nacional é quase a mesma de há alguns anos passados, quando não existia ainda o serviço... (...) E após quatro anos de estudos e experiências que de concreto quase nada produziram, a ausência de um plano sistematizado no ano

60

Ibid.

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corrente e, o que é pior, a volta à época dos favores pessoais, ameaça anular por completo o esforço despendido até hoje...

61

As sugestões apresentadas compunham um plano quinquenal, que

previa a criação de um imposto federal para financiá-lo; a reorganização interna

do SNT e sua transformação em Departamento Autônomo de Teatro (DAT); a

instituição de órgãos estaduais; a realização de propaganda intensiva a favor

do Teatro Nacional; a realização do censo da gente de teatro e do inventário

das casas de diversões; a organização de elencos nacionais de comédia e de

teatro musicado, de temporadas de ópera lírica e de bailados, e a posterior

criação de um elenco nacional lírico e outro de bailados; o incentivo ao

amadorismo; o fomento ao ensino da arte de representar em todo o país e do

teatro nas escolas; a formação de bibliotecas especializadas, museus e

arquivos; a publicação de peças nacionais de mérito e obras sobre teatro, além

de tradução de obras estrangeiras; a criação do teatro permanente nos

estados; e o incentivo à produção de peças através da concessão de prêmios.

Além disso, o plano indicava providências imediatas como a entrega dos

teatros João Caetano e Ópera à União, a proibição da cobrança de aluguéis

extorsivos, o entendimento com a prefeitura do Rio de Janeiro e com o governo

dos estados para a concessão de facilidades visando à construção de teatros,

com o Ministério da Viação e Obras Públicas para o abatimento de passagens

e transportes de material nas companhias de navegação, ferroviárias e

rodoviárias, e com os ministros das pastas militares e do Trabalho para o

auxílio às representações de peças cívico-patrióticas e político-sociais.

Outra inovação seria a instituição do Conselho Nacional de Teatro,

composto por sete membros, sendo eles o diretor do DAT, um delegado da

ABCT, um delegado da SBAT, um delegado da Casa dos Artistas, e três

entendedores de teatro nomeados pelo presidente da República. Esse

Conselho teria por finalidade selecionar as companhias merecedoras de

61

Memorial apresentado ao Chefe da Nação pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta XIII (CPDOC/FGV). 20 nov. 1943, ELABORA a Associação Brasileira de Críticos Teatrais um plano de ação pró-teatro nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 jul. 1943. Teatros, p. 8 e A ASSOCIAÇÃO Brasileira de Críticos Teatrais e o teatro. O memorial dirigido ao Chefe da Nação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 jan. 1944. Teatros, p. 3.

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auxílios, aprovar o repertório dos elencos oficiais, dos programas de ensino dos

cursos práticos do DAT, entre outras funções.

Em agosto de 1944, a Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em

conjunto com a Casa dos Artistas e a SBAT, formou a Comissão Permanente

de Teatro, destinada a empreender “esforços para o bem e o progresso

material e artístico do teatro no Brasil”.62 A Comissão tinha como proposta de

trabalho o exame de sugestões e seu encaminhamento às autoridades estatais

ou outras organizações, e a ideia compreendia, também, a instituição de

delegações nas principais cidades do país. De sua diretoria faziam parte Mário

Nunes (ABCT), como presidente, Paulo de Magalhães (SBAT), como

secretário, e Delorges Caminha (Casa dos Artistas), como tesoureiro. Entre

seus participantes estavam, ainda, Antônio Nogueira Sobrinho, Ferreira Maya,

Geysa Bôscoli, Joracy Camargo, Luiz Iglézias e Bandeira Duarte.63

No final deste ano a Comissão Permanente enviou um plano ao

presidente Vargas. Este plano, embora formulado por representantes de

entidades que haviam apresentado grandes propostas de transformação da

ação do governo em relação ao teatro, não diferenciava, na realidade,

daqueles elaborados pelo SNT, a não ser pelo valor da verba destinada a cada

item.64

Parece, dessa forma, que as entidades, depois de não verem atendidos

seus pleitos, ajustaram seus projetos àquilo que era passível de realização no

momento. Se atendidos, a Comissão Permanente alcançaria uma conquista

parcial, uma atitude de abertura do governo a sua participação.

Mas, além dessas organizações, todas elas do Rio de Janeiro, outra

entidade fez-se bastante atuante nesse momento, o que levou a incluí-la,

apesar da questão espacial, e das pouquíssimas e conflitantes informações

existentes sobre a mesma: o Sindicato dos Trabalhadores de Teatro de São

62

COMISSÃO Permanente de Teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 ago. 1944. Teatros,

p. 10. 63

ESTUDO de assuntos de teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 ago. 1944. Teatros, p. 9 e A COMISSÃO Permanente de Teatro foi instalada solenemente. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 set. 1944. Teatros, p. 10. No plano mencionado a seguir, quem assina como tesoureiro é Ferreira Maya. 64

Processo n. 154/45. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ).

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183

Paulo, depois Sindicato dos Atores Teatrais, Cenógrafos e Cenotécnicos do

Estado de São Paulo.

A presença marcante dos artistas paulistas reclamando uma atenção

especial revela os aspectos particulares dessa cidade, que não pode ser

comparada ao Rio de Janeiro em termos de produção teatral, mas que já

começava a se despontar como importante centro artístico, e era parada

obrigatória das companhias em excursão.

Em janeiro de 1939, o Sindicato solicitou a criação de uma censura

única. Logo depois, outra carta demonstrou a necessidade de um

representante do SNT para São Paulo. No ano seguinte, a entidade, por

intermédio de seu secretário-geral, o ator e empresário Nino Nello, pediu apoio

para a criação de um teatro de emergência.65

A falta de teatros era um grande problema da capital paulista. Segundo

Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas, em 1936 a cidade tinha apenas oito

teatros. Em 1940, de acordo com uma carta do Sindicato, o número caíra para

cinco, e seis anos depois, para três.66

A resposta negativa do SNT não impediu que Nino Nello empreendesse

sozinho uma iniciativa do tipo. Nello foi o responsável pela construção do

“Teatro Popular”, uma espécie de teatro desmontável que poderia ser levado

para outros lugares. Essa era, portanto, uma alternativa possível frente à

escassez das casas de espetáculos, e utilizada por outros artistas como

Sebastião Arruda e Aldo Zaparoli, também de São Paulo, além de ser objeto do

pleito de Luiz Médice em 1937, como foi visto.67

Ainda em 1940, o Sindicato voltou a se comunicar com o SNT e com o

ministro Capanema, fazendo críticas às subvenções, e relatando suas

demandas: a isenção dos impostos para as companhias teatrais e circenses; a

65

Processo n. 54/39 e s. n., de 15/04/1939. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 66

MAGALDI; VARGAS, 2001, p. 121 e 187 e Processo n. 14.484/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 67

Processos n. 26, n. 14.484, n. 11.403 e n. 13.447/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). Em 1940, Nino Nello, junto com o empresário circense Daniel Bernardes, instalou cinco teatros de emergência em São Paulo. Ver SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro: 1895-1964. São Paulo: Quíron; Brasília: INL, 1976, p. 245.

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construção de teatros; e, novamente, a nomeação de um delegado do SNT em

São Paulo.68

No ano seguinte, a questão da falta de teatros foi reclamada outra vez, a

partir de uma proposta que tinha como objetivo o arrendamento do Teatro São

Paulo e sua entrega ao Sindicato. Alegada a falta de verba, Abadie

recomendou que os interessados procurassem o interventor e o prefeito. Mas o

problema não foi resolvido, e em 1945, o Sindicato voltou a sugerir a aquisição

de outro teatro, o Oberdan, que estava à venda.69

Ainda em 1941 o Sindicato paulista enviou um memorial ao ministro

Capanema, elaborado “de acordo com os objetivos do Estado Novo”70. O

documento continha um grande preâmbulo no qual os representantes

reconheciam e elogiavam as ações realizadas pelo governo Vargas por meio

do SNT. Na lista das solicitações estava, além dos itens contidos no processo

de 1940, a criação de um teatro de comédia oficializado em São Paulo.

Em 1944, foi a vez dos empresários de teatro e circo, como Aristides

Basiles, Raul Soares e Ferreira Maya (que se incorporava à luta dos paulistas),

se unirem para enviar ao presidente Vargas uma carta pedindo uma atenção às

atividades teatrais desenvolvidas naquele estado, como já tinha feito com o Rio

de Janeiro.71

Além de entidades, alguns artistas também elaboraram e enviaram suas

propostas ao governo, caso de Antônio Sampaio, que sugeriu a instituição de

um Departamento do Teatro Nacional e medidas como isenção de impostos,

construção de teatros, criação de uma caixa de aposentadoria para artistas,

etc.72

Com essas críticas e sugestões o que fica evidente é a posição

discordante, quase que generalizada, ao programa voltado para o teatro

empreendido pelo governo Vargas, apesar das diferentes nuanças de cada

68

Processo n. 166/40. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e APELA a classe teatral de S. Paulo para o ministro da Educação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 nov. 1940.

Teatros, p. 11. 69

Processo 17/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE) e Processo n. 22.402/45. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ). 70

Processo n. 21.204/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE). 71

Processo n. 28.335/44. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ). 72

Processo n. 40.401/41. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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projeto. Ou seja, o SNT não atendia às demandas dos vários grupos que

formavam o setor teatral e devia, por isso, ser reformulado, iniciativa que seria

complementada por outras, que obrigariam o governo a interferir em áreas

diversas para beneficiar o teatro.

Mesmo assumindo o tom crítico, muitas das entidades utilizaram em

suas cartas de uma argumentação que defendia os preceitos do regime,

demonstrando a adequação de seus projetos à política implementada pelo

Estado Novo, talvez em uma tentativa de alcançar resultados positivos.

O governo certamente não ficou indiferente a esses apelos, como se

pode observar com o projeto de incorporar as atribuições do SNT ao DIP, que

parece ter sido sugerido pelo próprio Capanema, após reunião com vários

representantes da classe teatral no final de 1942, como indicam dois

telegramas encontrados entre a documentação. Nestes, os artistas se

mostravam simpáticos à proposta do ministro. Entretanto, as razões que

motivaram tal proposta são totalmente desconhecidas, pois não há menção

alguma sobre o fato em nenhum outro documento pesquisado. Assim como

parece inusitada a atitude de Capanema, tendo observado seu papel

centralizador sobre as atividades do órgão.73

5.3 - As últimas demandas atendidas e o fim do governo Vargas

Embora o setor teatral mostrasse sua forte oposição às medidas

empreendidas, a figura de Vargas era imune a todas as críticas, das quais não

escapou Capanema.74

Vargas era tema de peças, especialmente revistas, que o exaltavam de

diversas maneiras, como relataram Luiz Iglézias e Walter Pinto. Algumas delas

73

Carta da Casa dos Artistas para o ministro Gustavo Capanema. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09, pasta XI (CPDOC/FGV). 8 jan. 1943 e Processo n. 1.122/44. Fundo Gabinete Civil da Presidência da República (ARQUIVO NACIONAL/RJ). 74

Ver, por exemplo, NUNES, Mário. O teatro, a gente de teatro e a gente que não é de teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 jan. 1944. Teatros, p. 3.

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ele prestigiou com a sua presença, o que ajudou a popularizar ainda mais a

sua figura.75

Outros, como Joracy Camargo (não se sabe se sob encomenda ou não),

dedicaram opúsculos ao presidente, escrevendo sobre o relacionamento de

seu governo com a cultura a partir da análise de várias áreas: teatro, cinema,

imprensa, livro, belas-artes e patrimônio histórico e artístico nacional,

destacando as transformações realizadas sob a égide do:

mais perfeito Poder Executivo que já teve o Brasil. De fato, S. Excia. [sic] orienta a política nacional segundo a vontade popular, provocando as manifestações dessa vontade por meio do amparo que, inteligentemente, oferece a todas as classes...

76

O presidente também recebeu homenagens da classe teatral em,

praticamente, todos os anos de seu governo. Simpatia que pode ser

observada, ainda, pelo fato de, muitas vezes, autores, atores, empresários e

entidades dirigirem-se diretamente a ele em seus pedidos ou reclamações. Em

1940, cerca de cinquenta artistas foram até o Palácio do Catete, levar “aplauso,

solidariedade e agradecimento”, ocasião na qual Procópio Ferreira proferiu o

seguinte discurso, reproduzido em uma das publicações do DIP:

Aqui está, mais uma vez, na nobre presença de v. excia. [sic], toda a classe teatral, movida, unanimemente, pela força incoercível da gratidão mais perfeita, como é sempre a gratidão dos idealistas no momento supremo de concretizar seus ideais. Esta mesma classe, que aqui hoje se apresenta, feliz, contente de viver, reintegrada por v. excia. [sic], na comunhão nacional, tantas vezes transpôs as portas deste Palácio, antes da Revolução salvadora de 1930, triste, oprimida, humilhada pela condição de inferioridade em que vinham mantendo os governos que nunca se haviam percebido de sua própria existência. Hoje, reparada por v. excia. [sic] a tremenda injustiça, que, mais do que aos artistas, atingia à própria dignidade nacional, e reajustada a sua

75

Ver IGLÉZIAS, 1945, e ver o depoimento de Walter Pinto em BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Fundação Nacional de Arte. Serviço Nacional de Teatro, 1977. Barreto Filho informa que a partir da portaria da Polícia do Distrito Federal, de 20 de outubro de 1937, foram proibidos os espetáculos de revista com personagens representando autoridades públicas e o uso de símbolos nacionais, fato que é confirmado por Iglézias. BARRETO FILHO, 1940, p. 99. 76

CAMARGO, Joracy. Getúlio Vargas e a inteligência nacional. Rio de Janeiro: DIP, 1940, p. 17. Joracy Camargo também escreveu vários dramas históricos para o programa “Rádio-teatro”, produzido pelo governo e transmitido durante “A Hora do Brasil”, baseados em episódios como a Retirada de Laguna, a Abolição da escravatura, a Proclamação da República. Ver VELLOSO, 1987, p. 28.

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consciência, entra aqui com o coração tranquilo e a alma em festa, como se entrasse na casa paterna. Se todas as classes que formam o organismo brasileiro, revigorado por v. excia. [sic], tem motivos os mais fortes para transformar a sua gratidão no mais intenso desejo, na mais irrecusável obrigação de colaborar na obra de salvação nacional que se processa sob a bandeira do Estado Novo, a classe teatral, mais do que todas, se sente no dever de colocar-se ao lado de v. excia. [sic] como soldados de vanguarda na intensa campanha que nos vai conduzindo, de vitória em vitória, ao lugar de honra que nos compete, como grande povo, na próxima hegemonia do Novo Continente. É esse o juramento solene que vimos trazer perante v. excia. [sic], como Grande Benemérito dos trabalhadores de teatro, na hora em que, com os primeiros frutos da organização definitiva da classe, protegida e amparada pelo Serviço Nacional de Teatro, sentimos o máximo orgulho de poder contar com a estima e o carinho de v. excia. [sic], que representam o maior estímulo à nossa contribuição para a grandeza do nosso querido Brasil.

77

Em agosto de 1945, em meio a crise que levou ao fim o Estado Novo,

Getúlio Vargas aprovou o plano organizado por Massot, provocando uma

reação efusiva do meio teatral, que organizou um desfile de carros abertos da

Praça Mauá até o Catete, no qual estiveram representantes de todas as

sociedades de classe, sindicatos e delegações das companhias que

trabalhavam no Rio e em São Paulo. Além do desfile, foi preparada uma

Semana do Teatro homenageando o presidente Vargas.78

No mês seguinte, no dia 17, durante essas homenagens, Getúlio Vargas

sancionou, simbolicamente no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,

três decretos-lei voltados para o teatro.79 Saíam de cena, portanto, o Ministério

e o SNT, e entrava o próprio presidente, como protagonista de uma mudança

que vinha ao encontro dos desejos reclamados durante todo o período de seu

governo.

O primeiro decreto-lei, n. 7.957, dispunha sobre a isenção de impostos e

taxas federais incidentes sobre teatros, circos e pavilhões. E determinava,

também, a isenção de impostos, durante cinco anos, para a construção de

77

BARRETO FILHO, Mello. Anchieta e Getúlio Vargas: iniciativas e realizações. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda, 1941, p. 105-107 e OS ARTISTAS homenagearam o Chefe do Governo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 ago. 1940. Teatros, p. 11. 78

A CLASSE teatral agradecida ao Chefe da Nação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 set. 1945. Teatros, p. 3 e SEMANA do teatro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 set. 1945.

Teatros, p. 8. 79

SNT: Trinta anos de atividades. Dionysos: órgão do Serviço Nacional de Teatro do Ministério

da Educação e Cultura, ano XII, n. 15. Rio de Janeiro: dezembro de 1967, p. 54-86.

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teatros, a doação de terrenos com este fim pelo governo federal, e o

entendimento com os governos dos estados e municípios para que fizessem o

mesmo.80

O segundo, n. 7.958, instituía o Conservatório Nacional de Teatro na

Universidade do Brasil, contendo os cursos de arte dramática e de arte

coreográfica, com a finalidade de promover estudos sobre o problema do

teatro, realizar experiências voltadas à renovação da arte dramática e da arte

coreográfica no país, e formar artistas de comédia, de dança, e o pessoal

técnico apto a ensaiar e dirigir as representações de todos os gêneros.81

Na exposição de motivos, elaborada por Capanema, a questão do

ensino de teatro aparecia como fundamental para sua transformação efetiva

em “expressão de cultura e instrumento de educação popular” 82:

Não basta que as peças constituam produção de elevado valor. Preciso é ainda, além desse trabalho dos autores, que os grupos de artistas, encarregados da representação, possuam uma conveniente cultura geral, e uma técnica e um gosto, cuja apuração não se consegue com a simples prática de cada dia, mas exige formação de caráter escolar.

83

O último dos decretos-lei, o de n. 7.959, dispunha sobre a locação de

teatros no Distrito Federal, proibindo a utilização de edifícios teatrais para

80

BRASIL. Decreto n. 7.957, de 17 de setembro de 1945. Dispõe sobre a isenção de impostos e taxas federais, que incidem sobre o teatro e dá outras providências. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, v. 5. Rio de Janeiro, p. 301-302, 1945. 81

BRASIL. Decreto n. 7.958, de 17 de setembro de 1945. Institui o Conservatório Nacional de Teatro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, v. 5. Rio de Janeiro, p.

302-303, 1945. 82

CAPANEMA, Gustavo. Exposição de motivos apresentada junto com o decreto-lei n. 7.958, de 17 de setembro de 1945, que instituiu o Conservatório Nacional de Teatro. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta XIII (CPDOC/FGV). 15 set. 1945. Segundo Sérgio Viotti, em abril de 1945, a atriz Dulcina de Moraes entregou a Gustavo Capanema um plano para a formação de um Teatro Padrão no Rio de Janeiro, de uma Companhia Itinerante para os estados, e da criação de uma Escola Nacional de Arte Dramática, que teria servido de base, junto com um relatório apresentado pelo SNT, para a elaboração do decreto-lei n. 7.958. Contudo, este documento não foi encontrado entre a documentação pesquisada. Ver VIOTTI, Sérgio. Dulcina e o teatro de seu tempo. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2000, p. 338. 83

CAPANEMA, Gustavo. Exposição de motivos apresentada junto com o decreto-lei n. 7.958, de 17 de setembro de 1945, que instituiu o Conservatório Nacional de Teatro. Arquivo Gustavo Capanema, série MES; GCg 35.03.09, pasta XIII (CPDOC/FGV). 15 set. 1945.

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outros fins, e determinando a preferência da locação de casas para

companhias nacionais.84

Deposto no final de outubro, Getúlio não teve tempo de regulamentar e

implantar essa legislação, tarefa que ficaria para os governos seguintes.

E, apesar de inovadoras, algumas dessas medidas constituíam-se como

itens do programa inicial do SNT. A criação do Conservatório Nacional de

Teatro e a questão do estímulo às construções de casas de espetáculos

estavam presentes no plano quinquenal proposto por Abadie Faria Rosa, cujas

ideias conseguiram, em parte, sair do papel.

Conforme contido no plano, o SNT promoveu uma concorrência para a

subvenção de companhias, prática continuada, com algumas modificações, nos

anos seguintes. Isso mesmo com as restrições de Abadie, de Gustavo

Capanema que, em sua exposição de motivos que acompanhou ato de criação

de SNT, reconheceu que “incentivos intermitentes e auxílios temporários não

resolverão o assunto”, e com as críticas vindas de todos os lados.

Outras concretizações foram a instalação do Curso Prático, que sem

contar com grandes investimentos, persistiu com suas atividades por todos

esses anos, respondendo pela formação de alguns atores e bailarinos; e a

criação de uma companhia oficial, que, a despeito de todos os elogios feitos

por Abadie, não promoveu nenhum experimento que a distinguisse das

companhias comerciais, e ainda assim teve pouco sucesso de público,

encerrando suas atividades em 1945.85

A “elevação” do repertório, almejada por Abadie e por Capanema, que

deveria ser estimulada com a concessão de prêmios, não foi alcançada em sua

totalidade: os prêmios acabaram contemplando o teatro dos moldes

tradicionais, e, no caso de outros auxílios, até mesmo aqueles pertencentes a

gêneros que não eram considerados como teatro pelo diretor do órgão. Ainda

assim, o SNT abriu espaço para novas experiências e representações de

peças mais “sérias” e com propostas modernas, provenientes especialmente

de grupos amadores. Abertura não somente determinada por Capanema, mas

84

BRASIL. Decreto n. 7.959, de 17 de setembro de 1945. Dispõe sobre a locação de teatros no Distrito Federal e dá outras providências. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, v. 5. Rio de Janeiro, p. 303, 1945. 85

As fichas técnicas de todos os espetáculos realizados pela Comédia Brasileira podem ser encontradas em MICHALSKI; TROTTA, 1982, p. 213-216.

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também incentivada por Abadie, que em nenhum momento deixou de atentar

para a importância do teatro amador como elemento renovador, apesar das

pressões sofridas e até dos pareceres contrários de seus colegas do órgão.

Abadie reconhecia os limites da atuação do Serviço, restritos devido aos

recursos financeiros disponíveis, à falta de autonomia do órgão, a questões

que exigiam a ação do governo em outras áreas, e a outros pontos que

ultrapassavam a esfera do poder:

É forçoso, portanto, repetir: o teatro não se faz com leis. Não são os dispositivos legais que vão dar corpo e vitalidade a uma obra de mera inteligência e saber, a um empreendimento de integral amadurecimento. Teatro é cultura, é adiantamento, é civilização. Só o tempo poderá realizar iniciativa de tal monta. O que o Estado deverá e poderá fazer, é incentivar, provocar, acelerar esse surgimento, de arte tão complexa. (...)

Entretanto, apesar disso, o que ressalta da rota segura que vem sendo seguida pelo S.N.T. é sua obra de futuro, uma realização para o dia de amanhã, a implantação de raízes do nosso teatro.

86

Mesmo assim tentou implementar medidas que transformassem a cena

brasileira em seus mais variados aspectos. A falta de clareza nas propostas, as

contradições dos planos em confronto com a prática, a interferência de

Capanema e até de Vargas marcaram esse primeiro momento do Serviço

Nacional de Teatro.

A sua trajetória, porém, não termina aqui. O órgão atravessou boa parte

da história recente do país, tomando rumos diferentes, propondo iniciativas de

proteção ao teatro brasileiro e contando com a participação decisiva do setor

em busca de um modelo de política para o teatro nacional.

86

ROSA, Abadie Faria. Relatórios das atividades de 1941 e de 1942. Serviço Nacional de Teatro (CEDOC/FUNARTE).

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Conclusão

Estudou-se nesta dissertação o início do processo de construção de

uma política para o teatro no Brasil a partir das experiências da Comissão de

Teatro Nacional e do Serviço Nacional de Teatro entre os anos de 1936 e

1945. De maneira distinta das iniciativas originadas no século anterior e

distante da ação censória, a criação desses dois órgãos representou a

transformação dos problemas do teatro em objeto de um programa específico,

ideia que adquiriu legitimidade, e que se mantém ainda hoje, incorporada aos

debates mais recentes acerca da relação entre Estado e cultura no Brasil.

O governo de Getúlio Vargas, em meio a medidas centralizadoras e

intervencionistas que trouxeram para o centro das atenções novos domínios da

sociedade e da economia, promoveu a institucionalização da área da cultura,

absorvendo as demandas do meio teatral, tal como as de outros setores. E isso

incluiu a participação de profissionais deste campo na composição das

estruturas administrativas instaladas e a oficialização de alguns de seus

discursos e concepções de teatro.

Ao mesmo tempo, com o estímulo atuando ao lado dos mecanismos

repressivos, o governo também reforçou seu controle sobre a esfera da

produção cultural, garantindo, inclusive, que alguns artistas e dramaturgos

produzissem de acordo com suas diretrizes.

Assim, considerar as características do Estado instituído em 1930, em

especial, sua relação com o conjunto da sociedade, elementos assinalados

pelas discussões em torno da implantação de políticas culturais ou de políticas

públicas para a cultura, revelou-se fundamental para esta análise. Igualmente

relevante foi destacar a participação dos diversos grupos componentes do

setor teatral, permitindo que se avaliasse seu papel na construção de uma

política destinada ao desenvolvimento do teatro brasileiro. Atentando para o

confronto de interesses entre essas instâncias, tentou-se evidenciar a

complexidade desse processo e dar visibilidade aos diferentes atores que dele

participaram.

Diante dessas balizas, procurou-se retratar, em primeiro lugar, a

organização do teatro brasileiro nas primeiras décadas do século XX,

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mostrando como este campo se estruturava artística e comercialmente. Nessa

direção, foram ressaltados os obstáculos enfrentados no “fazer teatro”, a

concorrência de outras formas de diversão como o rádio e o cinema, e a

generalizada visão negativa sobre a cena brasileira, particularmente no que se

referia à predominância dos gêneros cômicos e musicados no gosto do público.

Foram demarcados, assim, os dois grandes conjuntos de problemas que

afetavam o meio teatral e que eram pautas das discussões na época: aqueles

ligados às condições de trabalho, e os outros, relacionados aos aspectos

artísticos, que traziam, em seu bojo, uma concepção idealizada de teatro,

baseada em padrões artísticos e literários de caráter erudito.

Também foram vistas algumas tentativas de superá-los, com a

organização de entidades que tinham a finalidade de obter medidas favoráveis

à área, e que, para isso, se articularam com os meios políticos, que

demonstraram certo interesse pela matéria.

Reconstituindo alguns episódios dessas movimentações, verificou-se

que grande parcela do setor via a ação dos poderes públicos como fator

preponderante para a solução de seus problemas. Vários projetos foram

propostos: a criação de uma companhia oficial, a instituição de uma escola, a

construção de novas casas de espetáculos, entre outros. Mas a primeira

conquista veio em 1928, com a “Lei Getúlio Vargas”, que regulamentou a

profissão de artista e de outros técnicos e dispôs sobre os direitos dos autores.

Com a chegada do deputado responsável por tal feito à presidência da

República, os pedidos de atenção para a área foram reforçados, valendo-se

dos vínculos existentes entre ele e o meio teatral. As respostas a essas

reivindicações não demoraram. A criação de uma Comissão para a redação de

um estatuto para os profissionais teatrais no âmbito no Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio, em 1932, foi a primeira. Logo depois, entre 1934 e 1935,

veio a conturbada subvenção do Teatro-Escola.

A ação mais duradoura iniciou-se, porém, em 1936. O Ministério da

Educação e Saúde, sob a gestão de Gustavo Capanema, constituiu-se como

palco privilegiado para o amparo da cultura brasileira. Contando com o apoio

de vários artistas e intelectuais, o ministro edificou um amplo e diversificado

projeto de estímulo a diferentes atividades, orientado para a promoção da alta

cultura e para a construção de uma identidade nacional.

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A criação da Comissão de Teatro Nacional, determinada pelo presidente

Vargas depois de reunião com representantes de classe, inseriu-se nesse

quadro. Além da resolução das dificuldades materiais, que eram

constantemente enfatizadas pela categoria, o ideal de transformação da cena

brasileira encontrou em Capanema um interlocutor interessado, e representou

um ponto de encontro com as aspirações do ministro que almejava ser o da

“Cultura Nacional”.

A Comissão teve uma composição heterogênea, reunindo profissionais

teatrais e intelectuais e artistas especializados em literatura, música e artes

plásticas. O trabalho realizado em pouco mais de um ano ficou marcado pela

elaboração de estudos sobre vários temas relacionados ao teatro, alguns deles

transformados em atos concretos.

Uma das principais medidas empreendidas foi a da subvenção. Esta se

dirigiu principalmente para companhias profissionais que propunham “elevar” o

nível a cena brasileira, grupos amadores, considerados como elementos de

renovação teatral, e grandiosos espetáculos líricos e de bailados.

Além disso, outras iniciativas foram implantadas, como a da tradução de

peças estrangeiras, a tradução de libretos de ópera e a escrita de uma História

do Teatro Brasileiro. Medidas que representaram tentativas de interferir na

formação de artistas e dramaturgos, fornecendo-lhes os conhecimentos

necessários para a produção teatral “séria” ou de “arte” que era reclamada por

grande parte da crítica.

Essa preocupação permeou, ainda, os planos do Serviço Nacional de

Teatro em seus primeiros anos de existência, cuja direção ficou nas mãos de

conhecidos nomes ligados ao teatro profissional. E, diferente do que ocorreu

com a Comissão, durante a atuação do SNT, maior número de grupos e

entidades teatrais passou a disputar espaço, buscando do governo o

atendimento de suas demandas.

Concentrando a maior parte de suas ações na prática da subvenção, o

SNT amparou espetáculos de diversos gêneros e modalidades, revelando um

caráter abrangente, que se identificava à diversidade das questões e atores

envolvidos nesse processo. Não imprimiu um sentido único à produção teatral,

não excluiu as experiências consideradas negativas, mas interagiu com a cena

existente. Atendeu tanto às novas propostas de grupos amadores que se

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encaixavam na ideia de “elevação” da cena nacional, quanto às pressões das

companhias de comédia tradicionais, que apelavam para a denúncia de sua

precária situação ou se adequavam às diretrizes culturais emanadas do

governo, e, muitas vezes, valiam-se das relações pessoais com o ministro, com

o presidente Vargas ou com o diretor do órgão.

A disputa entre projetos artísticos, os confrontos entre o antigo e o

moderno, o profissionalismo e o amadorismo, o teatro “para rir” e o teatro

“sério” evidenciaram-se em diversas ocasiões, o que também torna esse

momento um referencial marcante para a história do teatro brasileiro. E se

pode afirmar que, mesmo longe de ser crucial, o amparo do governo foi

importante para que novas propostas cênicas adquirissem maior visibilidade

neste panorama.

Ao privilegiar a atividade da subvenção, várias questões que teriam

impacto maior na estrutura do campo teatral, como a criação de uma escola, a

construção de casas de espetáculos, a abolição dos impostos, o incentivo ao

teatro infantil voltado para a educação do público, o estímulo à produção

dramatúrgica, a publicação de peças estrangeiras e nacionais, foram deixadas

de lado ou assumiram pouca importância nesse quadro. Assim, grande parte

dos problemas reclamados desde os primeiros anos do século XX, cuja

solução provocaria uma transformação mais profunda no meio, foi relegada a

um segundo plano.

A própria ideia de um curso universitário de teatro, que poderia trazer

mudanças na formação de atores não foi levada adiante, apesar do momento

propício inaugurado desde a criação do Ministério da Educação. E, a despeito

das cogitações e do decreto-lei sancionado nos momentos finais do governo, o

teatro não ocupou sequer uma cadeira na Universidade do Brasil projetada por

Capanema.

Fomentando a produção, a questão da disseminação, etapa fundamental

para a efetiva construção de uma política para cultura, recebeu pouca atenção.

O assunto chegou a ser brevemente cogitado em alguns relatórios e na

conferência de Joracy Camargo, que expressaram a necessidade de utilização

de determinadas estratégias para atrair ou formar o público. E, embora essa

pesquisa não tenha contemplado a recepção dessas iniciativas e nem a

afluência do público aos espetáculos subvencionados, pode-se perceber que

Page 206: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

195

este não foi protagonista dessas discussões, mesmo considerando a situação

dramática da perda cada vez maior de espaço e plateias para o cinema. Ou

seja, a “elevação e a edificação espiritual do povo”, colocada como premissa,

não conseguiu ultrapassar as fronteiras do texto legal.

A insuficiência das iniciativas implementadas e os embates entre as

autoridades geraram uma maior mobilização das entidades de classe, que não

só criticaram duramente o SNT, como também apresentaram inúmeros projetos

para a reformulação da política do governo a favor do teatro: como o da

transformação de cinemas em teatros, a reforma da “Lei Getúlio Vargas” e a

reorganização do SNT. E o próprio presidente, cuja imagem de “benfeitor do

teatro nacional” não ficou abalada diante de todos esses conflitos, respondeu a

esses apelos, sancionando três decretos-leis que buscavam por um ponto final

para, talvez, as maiores dessas reclamações.

Com todos esses limites e com as inúmeras polêmicas, a partir criação

da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro, o Estado passou a interferir de

forma mais acentuada na produção teatral, favorecendo-a de diferentes formas,

sem critérios muito nítidos, mesmo que inclinado para a criação de uma rede

de dependências.

Outro ponto importante foi a concessão de um espaço para figuras da

área, como ocupantes dos cargos desses novos mecanismos administrativos,

assim como a atenção aos pleitos de diferentes grupos e interesses e sua

transformação definitiva em problemas governamentais.

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196

Anexos

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Anexo 1

Competências da Comissão de Teatro Nacional e do Serviço Nacional de Teatro

Comissão de Teatro Nacional Portaria s.n., de 14/9/1936

Serviço Nacional de Teatro Decreto-lei n. 92, de 21/12/1937

a. Estudar, do ponto de vista nacional, a questão da edificação e da decoração dos teatros;

a. Promover ou estimular a construção de teatros em todo o país;

b. dizer que medidas devem ser tomadas para se fazer a seleção dos espíritos dotados de real vocação para o teatro, e como devem ser organizados os cursos destinados ao preparo de atores;

b. organizar ou amparar companhias de teatro declamatório, lírico, musicado e coreográfico;

c. indicar as providências que devam ser postas em prática a fim de que tenha incremento, no país, a boa literatura dramática;

c. orientar e auxiliar, nos estabelecimentos de ensino, nas fábricas e outros centros de trabalho, nos clubes e outras associações, ou ainda isoladamente, a organização de grupos de amadores de todos os gêneros;

d. fazer estudo da história da literatura dramática brasileira e portuguesa, apontando as melhores obras de teatro que já se escreveram na língua nacional;

d. incentivar o teatro para crianças e adolescentes, nas escolas e fora delas;

e. fazer estudo sumário da história da literatura dramática de outras línguas mencionando as obras que seja conveniente traduzir para a língua portuguesa;

e. promover a seleção dos espíritos dotados de real vocação para o teatro, facilitando-lhes a educação profissional no país ou no estrangeiro;

f. estudar o problema do teatro lírico e da arte coreográfica;

f. estimular, no país, por todos os meios, a produção de obras de teatro de todos os gêneros;

g. estudar todas as questões relativas ao teatro infantil;

g. fazer o inventário da produção brasileira e portuguesa em matéria do teatro, publicando as melhores obras existentes;

h. examinar todos os demais aspectos do problema do teatro, a fim de sugerir ao governo as medidas que lhe cumpra tomar no sentido de fornecer o desenvolvimento do teatro nacional.

h. providenciar a tradução e a publicação das grandes obras de teatro escritas em idioma estrangeiro.

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Anexo 2

Total de gastos realizados pelo Serviço Nacional de Teatro

entre 1939 e 19451

1939 1.369.655,80

1940 2.204.646,60

1941 965.737,10

1942 1.079.229,90

1943 1.059.842,90

1944 1.455.465,00

1945 1.345.000,00

TOTAL 9.479.577,30

1 Relação de auxílios concedidos para as atividades teatrais – 1939-1951. Serviço Nacional de

Teatro, pasta SNT – Auxílios (CEDOC/FUNARTE). Em 1942, a moeda brasileira foi transformada, passando de contos de réis para cruzeiro. Contudo, os valores desta lista e das seguintes estão todos em cruzeiros.

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Anexo 3

Lista de auxílios concedidos entre 1939 e 19452

Artistas /

Companhias

1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945

Alfred Sper 10.000,00

Antonio de Amorim Diniz

45.500,00

Antonio de Assis Republicano

15.000,00

Armando G.Moreira [Teatro Popular de Amadores Abadie Faria Rosa]

3.000,00 5.000,00

Associação Brasileira de Críticos Teatrais

12.000,00 24.000,00 20.000,00 31.000,00 10.000,00 30.000,00

Associação dos Artistas Brasileiros

10.000,00

Barreto Júnior

11.783,10 21.000,00 15.000,00 50.000,00

Carlos Süssekind de Mendonça

1.000,00

Casa do Estudante do Brasil [Teatro

23.000,00 40.000,00 15.000,00

12.000,00

50.000,00

2 Ibid. Transcreveu-se a lista conforme o original, exceto quando em um ano aparecia Nino Nello e

em outro “Companhia Nino Nello”, optando por colocar todas as informações juntas. Alguns dados foram colocados entre colchetes com o fim de complementar as informações existentes ou de efetuar correções, como ocorreu com a Comédia Brasileira, que aparece como Companhia Brasileira.

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200

do Estudante do Brasil]

Centro Acadêmico Cândido de Oliveira

15.000,00 10.000,00

Centro de Cultura Artística Fluminense

2.000,00

Circo Teatro América

4.000,00

Colégio Pedro II

2.000,00 3.000,00

Companhia Alda Garrido

50.000,00

Companhia Beatriz Costa

5.445,00 80.000,00

Companhia Bibi Ferreira

Companhia Brasileira [Comédia Brasileira]

551.132,20 309.188,50 330.000,00 319.000,00 70.000,00 70.000,00

Companhia Brasileira de Operetas

120.000,00

Companhia de Comédias Alma Flora

50.000,00 45.000,00

Companhia de Comédias Hailliot

20.000,00

Companhia de Paula Barros

10.000,00 15.000,00

Companhia Déa-Cazarré

21.000,00 50.000,00

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201

Companhia do Recreio

1.293,30 126.908,20 13.000,00 11.330,00

Companhia Dramática Brasileira (Casa dos Artistas)

88.185,40

Companhia Eva Todor

12.000,00

Companhia Iracema de Alencar

33.550,00 24.000,00 60.000,00

Companhia João Fernandes

8.000,00

Companhia Mário Salaberry

12.000,00

Companhia Marquise Branca

10.000,00

Companhia Mesquitinha

10.000,00 24.088,80 26.282,60

Companhia Miramar

14.000,00 20.000,00 16.000,00 24.000,00

Companhia Mulata de Teatro Musicado

4.000,00

Companhia Nacional de Operetas

579.245,00

Companhia Nilo Nello

10.000,00 24.000,00 24.000,00 17.500,00

Companhia Pedro Celestino

20.000,00

Companhia Ribeiro

8.000,00 7.000,00 12.000,00 24.000,00

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Cancela

Companhia Tina Gonçalves

18.000,00

Curso Prático de Teatro

20.842,90 27.465,00 40.000,00

Darcy Cazarré

18.000,00

Delorges Caminha

130.610,00 76.391,60 43.405,20 28.000,00

Demétrio Ribeiro

3.000,00

Dulcina-Odilon

15.000,00 18.771,40 27.392,50 115.000,00 485.000,00 100.000,00

Eleazar de Carvalho

18.000,00 35.000,00

Ernani Amorim

40.000,00

Ernesto de Marco

2.370,20 7.000,00 3.000,00

Ernesto Francisconi

10.400,00 1.163,00

Eros Volúsia 50.000,00

Escola Dramática do Rio Grande do Sul [Renato Viana]

60.000,003 120.000,00 150.000,00

Eustórgio Wanderley

6.830,00

F. Raja Gabaglia

2.000,00

3 Deixou-se em separado os auxílios destinados a Renato Viana e os dirigidos a sua escola,

conforme consta na lista original.

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Faculdade Nacional de Filosofia

4.000,00 10.000,00

Genésio Arruda

6.000,00 30.000,00

Grêmio Teatral Instituto Rabelo

6.000,00

Haidée Sales de Lemos

50.000,00

Hekel Tavares

10.000,00

Hortênsia Santos

40.000,00

Instituto La-Fayette

5.000,00

Irmãos Celestino

281.380,00 23.189,80 16.397,40

Itália Fausta 75.000,00

Iveta Ribeiro 1.000,00 9.175,00 2.000,00

Jacinto Ricardo da Mota Júnior

24.000,00

Jardel Jércolis

198.582,90

Jayme Costa 214.961,70 115.005,70 79.881,70 6.300,00 10.000,00 35.000,00 80.000,00

Jerusa Camões [Teatro Universitário]

10.000,00 15.000,00 16.000,00

João Rios 12.500,00 17.500,00 20.000,00 28.500,00 35.000,00

Joracy Camargo

3.240,00 35.186,00 30.000,00 10.000,00 80.000,00

José Viana 3.000,00

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204

Leonor da Conceição Anciães

4.000,00

Liceu Literário Português

2.000,00

Lú Marival 3.000,00

Luiz Iglesias 217.580,00 87.522,00 25.119,20 38.450,80

Maria Amorim

20.000,00

Os Comediantes

2.000,00 140.000,00 200.000,00

Os Mascarados (Mafra Filho)

6.000,00

Oscar Lorenzo Fernandez

60.000,00 90.000,00

Palmerim Silva

22.923,90 15.050,20 18.000,00 35.000,00

Pedro Gonçalves

6.000,00 4.000,00

Procópio Ferreira

239.472,70 69.669,00 35.000,00 20.000,00 200.000,00

Raul Roulien 3.000,00 5.100,00

Reis e Silva 53.000,00 116.977,50 10.000,00

Renato Viana

83.662,50. 64.104,80 13.086,60

Sílvio Piergili 15.000,00

Sociedade Amigos do Teatro Ltda.

25.000,00

Sociedade Propagadora de Belas

2.100,00 8.000,00

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205

Artes

Teatro Acadêmico

10.000,00

Teatro Cômico

7.500,00

Teatro Cômico (Maria Vidal)

15.000,00

Teatro do Guri

9.000,00

Teatro dos Novos

10.000,00

Teatro Experimental do Negro

10.000,00

Teatro Samuel Campelo

6.000,00

Teatro Universitário

100.000,00 100.000,00

Thais Aita 4.000,00 3.000,00

Umberto Miranda

5.000,00

União Nacional dos Estudantes

20.000,00

Walter Schultz

12.900,00

Zola Amaro 1.484,00 20.000,00

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Anexo 4

Lista de auxílios concedidos entre 1939 e 19424

Artistas / Companhias 1939 1940 1941 1942

Alda Garrido 10.437,40 28.937,60

Alma Flora 37.936,10

Aluguéis 685.047,00 90.000,00

Amadores 10.400,00 14.834,20

Associação Brasileira de Críticos Teatrais 12.000,00 24.000,00

Associação dos Artistas Brasileiros 10.000,00

Barreto Júnior 11.783,10 21.000,00

Beatriz Costa-Oscarito 5.445,00

Centro Lírico Brasileiro 90.000,00

Clube das Vitórias-Régias 1.000,00 2.000,00

Comédia Brasileira 551.152,80. 313.124,40 330.000,00.

Comemorações do segundo centenário de morte de Antônio José

32.906,50

Companhia Dramática Brasileira (Casa dos Artistas)

88.185,40

Companhia Ernani Amorim 40.000,00

Companhia Maria Amorim 20.000,00

Companhia Mesquitinha 10.000,00 24.088,80 26.282,60

Companhia Mulata de Espetáculos Musicados

4.000,00

4 ROSA, Abadie Faria. Relatório das atividades do Serviço Nacional de Teatro de 1938 a 1942. Arquivo Gustavo Capanema, Série MES; GCg 35.03.09,

pasta X (CPDOC/FGV). Observa-se que há discrepâncias entre esta e a lista anterior, tanto em relação aos contemplados, como referente aos valores.

Veja, por exemplo, os valores recebidos por Jayme Costa e Renato Viana em 1939, e a presença de auxílios concedidos a atriz Alda Garrido e ao Curso

Prático que não aparecem na primeira.

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Companhia Nacional de Operetas 579.245,00

Companhia Nino Nello 10.000,00 24.000,00 24.000,00

Companhia Pedro Celestino 20.000,00

Curso Prático de Teatro 16.990,80 37.138,70 16.832,20 19.841,00

Delorges Caminha 261.810,50 54.752,00 43.45?,20

Demétrio Ribeiro 3.000,00

Departamento Cultural de Arte Cênica de Sociedade Propagadora das Belas Artes

2.100,00

Despesas com o pessoal extranumerário do SNT, Teatro da Criança, Grupo Gente Nossa, auxílio a peça de Estórgio Wanderley, aluguel do João Caetano e excursão da Cia. de Suzana Negri.

191.173,90

Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Música

10.000,00

Dulcina-Odilon 15.000,00 18.771,40 35.392,50

Eleazar de Carvalho 18.000,00

Emílio Russo 14.000,00 16.000,00

Ernesto De Marco 2.370,20 7.000,00

Eva Todor 36.550,80

Gastos com o transporte do material da opereta Minas da Prata, montada por estudantes em São Paulo.

4.500,00

Genésio Arruda 6.000,00 30.000,00

Gilda Abreu-Vicente Celestino 281.882,50 23.189,80

Hekel Tavares 10.000,00

Impressão da peça Carlota Joaquina 6.088,00

Impressão da peça Tiradentes 6.284,20

Iracema de Alencar 33.550,00

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Jardel Jércolis 254.703,40

Jayme Costa 214.962,30 115.005,40 79.882,50 6.300,00

João Fernandes 8.000,00

João Rios 12.500,00 20.000,00 20.000,00

Joracy Camargo 35.186,00 35.000,00

Liceu Literário Português 2.000,00

Luiz Iglésias-Freire Júnior 259.423,20. 87.522,40 25.119,20

Maria Vidal 15.000,00

Marquise Branca 10.000,00

Montagem de duas óperas brasileiras: Malasarte, de Oscar Lorenzo de Fernandes e Tiradentes, de Eleazar de Carvalho.

110.000,00

Os Comediantes 2.000,00

Palmerim Silva 22.924,90 17.324,20

Paula Barros 15.000,00

Procópio Ferreira 328.512,70 69.669,00 35.000,00

Raul Roulien 3.000,00 5.100,40

Reis e Silva 52.500,00 116.977,50

Reis e Silva e Carmem Gomes 10.000,00

Renato Viana 116.232,80 64.104,80 23.178,50

Ribeiro Cancela 8.000,00 7.000,00 21.000,00

Salaberri-Ferraz 12.000,00

Taís Aita 4.000,00 3.000,00

Teatro Acadêmico 10.000,00 12.000,00

Teatro Cômico 25.500,00

Teatro Cordélia Ferreira 3.000,00

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Teatro da Faculdade de Filosofia de São Paulo

1.496,00

Teatro do Estudante 15.000,00

Teatro do Estudante do Brasil 23.000,00 40.000,00 12.000,00

Teatro dos Estudantes Fluminenses 2.000,00

Teatro Infantil 20.000,00 20.000,00

Teatro Universitário 15.000,00 16.000,00

Tradução de Lo Schiavo 10.000,00

Umberto Miranda 7.500,00

União dos Estudantes do Brasil 20.000,00

Valter Schultz 12.900,00

Vicente Celestino 13.397,00

Walter Pinto 136.084,10 13.000,00 10.330,00

Zola Amaro 10.000,00

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Fontes e bibliografia

Arquivos

- ARQUIVO NACIONAL/RJ

Fundo Gabinete Civil da Presidência da República: processos.

- CEDOC/FUNARTE

Comissão de Teatro Nacional.

Serviço Nacional de Teatro.

- CPDOC/FGV

Arquivo Gustavo Capanema - Série MES (rolo 31 – GCg 35.03.09).

Legislação e relatórios ministeriais

BRASIL. Decreto n. 4.566, de 4 de janeiro de 1871. Cria nesta Corte um novo Conservatório Dramático, marca suas atribuições e dá outras providências. Coleção de leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro, v. 2, 1871, p. 9-11.

_______. Decreto n. 2.557, de 21 de julho de 1897. Declara extinto o Conservatório Dramático. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=77537.Acesso em: 30 ago. 2009.

_______. Decreto n. 2.558, de 21 de julho de 1897. Regula a inspeção dos teatros e outras casas de espetáculos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, v. 1, p. 569-574, 1909.

_______. Lei n. 496, de 1 de agosto de 1898. Define e garante os direitos autorais. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=60815. Acesso em: 2 ago. 2009.

_______. Decreto n. 6.562, de 16 de Julho de 1907. Aprova o regulamento para a inspeção dos teatros e outras casas de diversões públicas no Distrito Federal. In: Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados – Legislação Informatizada. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-6562-16-julho-1907-508043-publicacao-1-pe.html Acesso em: 8 ago. 2009.

_______. Lei n. 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102644. Acesso em: 17 jul. 2009.

Page 222: Em busca de uma política para o desenvolvimento do teatro brasileiro: as experiências da Comissão e do Serviço Nacional de Teatro (1936-1945)

211

_______. Decreto n. 4.092, de 4 de agosto de 1920. Fica reconhecida como de utilidade pública a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, com sede no Rio de Janeiro. In: Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON). Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=50812. Acesso em: 2 ago. 2009.

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