Enigma Lundu

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Edilson Lima

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  • 207REVISTA BRASILEIRA DE MSICA _ ESCOLA DE MSICA _ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO _ v. 23/2 _ 2010

    O enigma do lunduEdilson Vicente de Lima*

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    *Universidade Cruzeiro do Sul (UCS), So Paulo, SP, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected]

    Artigo recebido em 6 de julho de 2010 e aprovado em 1o. de setembro de 2010.

    ResumoEste artigo tem como objetivo discutir o lundu, gnero musical elaborado aps a segunda me-tade do sculo XVIII a partir de elementos coreogrficos e musicais advindos das diversascamadas sociais no mundo luso-brasileiro. A discusso dos aspectos histricos e estils-ticos fundamenta-se em fontes especficas da historiografia, iconografia e documentaomusical manuscritos, transcries, edies. Este estudo prope que a msica do lunduconsistiu numa apropriao ou tropicalizao do estilo clssico vigente na poca, pormeio dos elementos advindos da cultura negra que estavam na base do desenvolvimentodo gnero musical em questo.Palavras-chaveLundu modinha histria da msica brasileira estilo clssico.

    AbstractThis article aims at discussing the lundu, a musical genre whose origins lies in the blending ofchoreographic and musical elements from different social strata of the Luso-Brazilianworld in the late eighteenth century. The discussion of historical aspects as well as stylisticfeatures is based on specific sources of its historiography, iconography, and musical ma-nuscripts, transcriptions and editions. This study proposes that the lundu music can be con-sidered an appropriation or tropicalization of the classical style prevailing at thattime, through elements from the Black culture that were key to the development that mu-sical genre.KeywordsLundu modinha history of Brazilian music classical style.

    O LUNDU: ICONOGRAFIA E MSICAO lundu foi elaborado a partir de elementos coreogrficos e musicais advindos

    das vrias culturas que participaram da formao da sociedade luso-brasileira emfins do sculo XVIII: elementos coreogrficos, como os estalidos dos dedos guisade castanholas, a alternncia das mos ora na testa, ora nas ancas e os movimentosnas pontas dos ps, que nos remetem aos passos do fandango espanhol (Tinhoro,1974, p. 45; Lima, 2001 e 2006). Este ltimo foi dana que teve grande penetraona Amrica Latina, tanto espanhola quanto portuguesa, no sculo XVIII (Nery, 2005).

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    1 Para uma discusso mais ampla da histria do Lundu, ver Arajo (1963); Nery (2005) e Lima (2006).2 O uso desses instrumentos pode ser atestado no somente por iconografias; mas tambm em partituras, verJornal de Modinhas ou, em relatos de viajantes, ver Spix & Martius (1981 [1821]).Tambm em poesias da poca, ver Nicolau Tolentino em Arajo (1963).

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    O requebro das ancas, outro elemento que participa da coreografia do lundu, jun-tamente com um movimento circular dos quadris, tem origem nas culturas negrastrazidas para a colnia brasileira (Mukuna, 2006). Porm, um elemento de impor-tncia vital para o lundu, ou outras danas de linhagem africana, e que ser umadas mais citadas caractersticas das danas de origem negra nestas terras, a um-bigada (Tinhoro, 1974, p. 45; Mukuna, 2006, p. 80-85). O movimento consiste noato dos danarinos, no auge de sua expressividade, chocarem o ventre, um contrao outro, na altura do umbigo.1

    Os escritos da poca sugerem que a sonoridade que acompanhava to ven-turosa dana era composta por instrumentos de percusso, juntamente com palmasde mos, aliados a instrumentos de cordas dedilhadas, tais como viola de arame,guitarra inglesa ou francesa (Tinhoro, 1974, p. 42-3; Morais, 2000, p. 20). Essesinstrumentos, no caso de haver mais de um, podiam efetuar acordes em arpejos,tocar por pontos (Ribeiro, 1789) ou rasgueados que marcassem o ritmo padro dolundu; bem como tocar alguma melodia que pudesse servir de tema para futurosimprovisos.

    Podiam ser usados, evidentemente, instrumentos meldicos, tais como a flauta,presente na litografia de Jean-Baptiste Debret, As distraes dos ricos depois dojantar, onde um negro encostado a uma coluna toca uma flauta enquanto um brancotange um cistre, ou guitarra portuguesa (Monteiro, 2008, p. 167), denominado pelopintor como substantivo genrico de violo (Straumann, 2001, p. 58); ou a rabeca eo violino presentes na aquarela Begging for the festival of N. S. DAtalaya (A.P.D.G.,1826, p. 285).2 Os instrumentos adotados dependiam no s de sua disponibilidade,mas tambm de sua fcil portabilidade, j que essas manifestaes podiam ocorrerem um terreiro ao largo das cidades e vilas. Junte-se a esse fato o poder aquisitivodos atores sociais em questo, pois adquirir um instrumento demanda recursoseconmicos; e isso est consequentemente condicionado s possibilidades indi-viduais. De qualquer modo, ao revisitarmos algumas das gravuras do incio do sculoXIX, principalmente aquelas efetuadas por Jean-Baptiste Debret (17681848) eJohann Moritz Rugendas (18021858), encontraremos cenas cotidianas onde soexibidos, mesmo que de um modo idealizado e estilizados (Alencastro, 2001, p.137-66), instrumentos usados nas performances do lundu.

    Retornando litogravura A distrao dos ricos depois do jantar, ao descreveruma cena na intimidade do interior de uma casa de proprietrios da classe mdia,Jean-Baptiste Debret nos apresenta dois instrumentos, uma flauta e outro instru-

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    A distrao dos ricos depois do jantar, de Jean-Baptiste Debret.

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    3 Cf. , Atlas de Msica (2002, p. 42 e 43). Tambm na pinturado teto da Igreja de So Francisco de Assis em Ouro Preto h um instrumento semelhante, mas com corpo abaulado,lembrando um alade.

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    mento que ele denomina violo, mas que se assemelha a um cistre ou popularguitarra inglesa; mais tarde conhecida como guitarra portuguesa, como comentadoantes.3 No texto pertencente gravura, o ator nos relata que dominados por uma

    delicada saudade, quintessncia da volpia sentimental, apodera-se ento de sua verve potica e musical, que se derrama nos sonsexpressivos e melodiosos da flauta, seu instrumento predileto, ouainda num acompanhamento cromtico improvisado ao violo, cujoestilo apaixonado ou ingnuo colore sua engenhosa modinha (Debretapud Straumann, 2001, p. 58).

    J na gravura de A.P.D.G, intitulada Begging for the festival of N. S. DAtalaya(A.P.D.G., 1826, p. 285), de traos exageradamente caricaturais, so apresentadosum bumbo e um violino, enquanto um casal de negros vestido de branco desenvolveo que parece ser a dana do lundu. O que podemos deduzir que o violino tocavaa melodia, enquanto o instrumento de percusso efetuava a marcao rtmica.

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    4 Calimba ou marimba, instrumento formado por uma cuia de coco ou cabaa e palhetas de metal percutidas(Cardoso, 2008).

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    Begging for the festival of N. S. DAtalay, de A.P.D.G.

    Nossa Senhora do Rosrio Patrona dos negros, de Johann Moritz Rugendas.

    Em outra gravura de Rugendas, que descreve uma festa para Nossa Senhora doRosrio Patrona dos negros (Diener, 2002, p. 135) vemos outros instrumentos: umnegro tocando um bumbo, um outro tocando uma cornamusa, ou gaita de fole,outro tocando uma flauta pccolo e outro com uma calimba4 nas mos. Nessarepresentao, a presena de instrumentos da tradio negra e europeia se associapara o festejo de uma santa j absolutamente sincretizada.

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    Outra gravura, de nome Batuque, que se encontra no livro Viagem pelo Brasil,de Spix & Martius (1981 [1821], vol. 1, p. 179), ao apresentar uma cena na mata,alm dos casais de negros em um momento anterior ou posterior umbigada, com-ponente indispensvel da dana do lundu, mostra-nos dois instrumentos bastanteligados tradio popular: um reco-reco e um balafon.5

    Batuque Viagem pelo Brasil, de Spix & Martius.

    De qualquer modo, a representao dos danarinos na gravura de Spix & Martius,assim como na opo figurativa das aquarelas de A.P.D.G. acima comentadas, tmum ar bastante caricatural e, por que no dizer, pejorativo. Evidentemente no possvel desvincular da viso desses dois cronistas da cultura carioca do sculoXIX certo aspecto elitista, sobretudo quando folheamos os Sketches of PortugueseLife (A.P.D.G., 1826) e nos deparamos com seus comentrios, em que a populaonegra e mestia tratada como ral (canaille no original) nas palavras do cro-nista ingls que, diga-se de passagem, escondeu-se em uma sigla no poderiaser tratada com respeito, pois se fosse considerada graciosa e elegante, teria que

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    5 Reco-reco, instrumento de percusso ainda usado nos dias de hoje. Balafon: espcie de marimba feita de cabaa,presente na frica negra. Fonte disponvel em .

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    ser comparada populao branca e livre; e este no era seguramente o caso.6Portanto, se nas representaes de Rugendas e Debret h uma estilizao para omodelo de homem ocidental, clssico; nas duas gravuras acima, a de Spix & Martiuse a de A.P.D.G. optam pela interpretao inversa, buscando uma representao ca-ricatural, quase depreciativa.

    Vale ressaltar que no obstante todas as gravuras pertencerem ao sculo XIX,essas representaes da dana do lundu combinam com a descrio que encon-tramos na Carta Chilena de Toms Antnio Gonzaga,7 portanto anterior Incon-fidncia Mineira e, consequentemente, antes do final sculo XVIII, confirmandoque no h somente elementos exoticamente idealizados nas gravuras; mas tambmuma preocupao em retratar os costumes locais, mesmo que um vis idealizadoe, portanto, ideolgico no possa ser descartado.8

    Outro aspecto que as gravuras de Debret, Rugendas e A.P.D.G. descrevemcostumes cariocas e a Carta de Gonzaga, o interior brasileiro, mais precisamenteVila Rica, hoje conhecida como Ouro Preto. Porm, outras informaes mais aonordeste, como em Pernambuco e na Bahia, por exemplo, atestam que outras regiestambm praticaram o lundu, tanto em sua forma danada quanto cantada (Tinhoro,2008; Mozart, 1963). Na verdade, o que entendemos que o lundu, tanto em suaforma danada ou como cano, constitui uma manifestao mestia (Gruzinski,2001) que foi incorporada a partir das ltimas dcadas do sculo XVIII s diversascamadas da sociedade colonial e, posteriormente, imperial.

    Antes de continuarmos nossas discusses sobre o lundu, faz-se necessrio escla-recermos que entendemos o substantivo brasileiro nessa poca como uma con-fluncia de traos culturais que atuaram durante o sculo XVIII, e tambm nos s-culos anteriores, numa regio geogrfica dominada juridicamente por Portugal:certos gneros culturais, como a dana e principalmente a msica, vo sendo incor-porados pela populao deste lado do Atlntico e assumidos, com ou sem modi-ficaes substanciais, como veculo da expressividade de determinadas camadas

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    6 Os parceiros colocando-se em posies opostas numa sala apropriada com o cavalheiro segurando um pequenoleno, eles avanam para frente, um contra o outro, com graciosos passos e aspecto cortejador, e a mulher mostra-se simptica com seu admirador. Porm, no momento em que ele imagina o favorecimento de suas splicas, elaafasta-se dele com um sorriso de contentamento e admirao, e na sua presuno, ele, como ela, torna para trs;porm com outro sentimento. O leno agora encontra o caminho em seus olhos, e com desapontamento em suafeio, e com mesuras em seus passos, olhando ocasionalmente para trs para despertar compaixo. (A.P.D.G,1826, p. 289); O que acabo de tentar descrever o landum das classes mais altas, porm quando danado pelaral est longe de ser gracioso ou decente (A.P.D.G, 1826, p. 289-90, grifo nosso, em traduo livre).7 Fingindo a moa, que levanta a saia,/ E voando nas pontas dos dedinhos,/ Prega no machacaz de quem maisgosta,/ A lasciva embigada, abrindo os braos:/ Ento o machacaz mechendo a bunda,/ Pondo uma mo na testa,outro na ilharga,/ Ou dando alguns estalidos com os dedos,/ Seguindo das violas o compasso,/ Lhe diz: eu pago,eu pago; e de repente/ Sobre a michela atira o salto (Gonzaga, 2006 [1792], p. 156-157).8 Neste aspecto, concordamos com Eagleton (1997), ao defender a ideia de que numa ideologia no h somentea construo de um discurso preocupado em instaurar um poder, mas esse discurso parte de algo real, palpvel,que lhe d sustentao.

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    9 No somente a iconografia, mas relatos de viajantes, j comentados aqui, descrevem a presena do lundu emvrias regies como Bahia, Pernambuco (Arajo, 1963; Tinhoro, 2008). Tambm pesquisas histricas atuais tmdestacado uma convivncia, mesmo que no democrtica, onde h interao de elementos populares advindosdas camadas sociais que conviveram nos primeiros sculos no Brasil (Burke, 2003; Souza, 2006; Paiva, 2002).10 Uso aqui a expresso cunhada por Vattimo, 1999; que no texto Ornamento monumento, discute o detalhe, ouaquilo que pode passar despercebido, em suma, o ornamento, como um elemento fundante de uma alteridade,no s por fazer parte da estrutura da obra; mas porque, a despeito de sua aparente funo decorativa, orientanosso olhar, no caso, nossa escuta, para os detalhes que de modo algum podem ser desassociados da obra comoum todo. E sua monumentalidade estaria justificada justamente por sua presena (o ornamento) ao fundar outraobra, ou gnero. Nesse aspecto, o carter decorativo deixa de estar num segundo plano para assumir seu papelde importncia fundamental na caracterizao da obra.

    sociais vinculadas a certas regies ou ao territrio brasileiro como um todo.9 Nessesentido, o relato de literatos e escritos de viajantes da poca, ao descreverem oscostumes da colnia brasileira, acabaram por identificar certos gneros como sendoprprios de uma localidade especfica, da metrpole ou da colnia. E isto serviu,inclusive, de distino entre os costumes reinis, portugueses nascidos na colnia,mestios e escravos.

    De qualquer modo, no queremos afirmar que havia no Brasil setecentista umaconscincia nacional nos moldes do que ocorrer aps a primeira dcada do sculoXIX por parte da populao aqui vigente; embora houvesse j uma anteviso deque o Brasil deveria permanecer uma extenso geogrfica unificada e no esfa-celada, e que a metrpole devia zelar para que isso ocorresse (Souza, 2006, p. 99).Ao contrrio, concordamos que essa conscincia ser lenta e paulatinamente cons-truda durante os primeiros sculos e amadurecida nos primeiros anos do sculoXIX (Novais, 2005). Tambm o controle das administraes locais, cada vez maisreivindicado e negociado com os entes sociais da colnia ser um dos maiores im-pulsos para um futuro Brasil desatrelado politicamente de Portugal (Russell-Wood,2000, p. 105-123).

    Ser, portanto, a partir dessas transformaes mnimas que a colnia brasileirair assumindo sua autonomia poltica e cultural, que de modo algum, parece semanifestar somente como ruptura, mas como diferenas sutis, verdadeiros orna-mentos-monumentos,10 que se assumem como divisores de gua, no mais na no-meao do mesmo, mas na identificao do outro. E justamente desse modoque entendemos as discusses relacionadas com a sncope presente no lundu eque discutiremos mais adiante.

    Insistimos, de nenhum modo estamos procura do paraso perdido, ou seja: nobuscamos os elementos primordiais que expliquem a brasilidade como um todo,pois neste caso ainda estaramos dentro da estrutura do mito da origem e, sobretudo,dentro de uma relao puramente determinista aos moldes ainda do sculo XIX(Ortiz, 2004; Travassos, 1993); tampouco estamos recolhendo caractersticas pas-sadas e apontando o futuro, outro tempo mtico, numa espcie de controle potico-poltico na construo de um Brasil ideal, e definindo retroativamente o que deve

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    11 Para um estudo mais abrangente do improviso, ver Ortiz (1967); citamos este tratado no somente por ser decompositor espanhol, mas por ter uma aceitao que extrapolou a Pennsula Ibrica mesmo em sua poca.

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    ou no ser considerado nacional. Ao contrrio, estamos tentando entender tanto acolnia brasileira como a futura nao brasileira como uma complexidade de forashistricas (e neste caso a cultura adentra essa lgica) que almeja certa autonomiaexpressiva, portanto cultural e, se possvel, social, aliada ou no a uma hegemoniapoltico-cultural, e isto, independente de uma maior ou menor conscincia nacional.Dizendo ainda de outro modo, buscamos entender o que foi a colnia brasileiranum momento especfico de sua histria e o que alguns gneros culturais, no casoo lundu e a modinha, significaram para os entes sociais, sobretudo, da poca. Seacaso h elementos que fundaram outras tradies, que assumiram traos advindosde outras culturas ou se ligam a traos ainda presentes na atualidade, isto seruma consequncia de nossas reflexes e no um modelo a priori em nossa condutainterpretativa.

    Justamente por compreendemos a colnia brasileira como uma sociedade quepropiciou certas aberturas culturais (Lima, 2010) que gostaramos de aprofundar aquesto da suposta origem ibrica ou espanhola do lundu. Os elementos espanhissublinhados pelos autores (Tinhoro, 1974, p. 45; Castanha, 2006) que adotamessa hiptese so: o uso de castanholas ou das mos dos danarinos em posiode piparote imitando a performance deste instrumento; uma insistncia na proxi-midade formal entre o mais antigo lundu instrumental conhecido, o Lundum, BrasilianVolkstanz encontrado no livro Viagem pelo Brasil (Spix & Martius, 1981 [1821]; verreproduo facsimilar in Merhy neste volume, transcrio no IX) e tambm o Primeiroe Segundo Lundus da Bahia, publicados no livro Cifra para Saltrio (Budasz, 2002),e as diferencias ou variaes, efetuadas pelos vihuelistas e guitarristas espanhisnos sculo XVI e XVII; e a presena de elementos coreogrficos advindos do fan-dango, dana de origem ibrica muito em voga nas colnias americanas.

    A msica para vihuela renascentista estava estruturada no contraponto imitativomodal e em formas baseadas em baixos ou harmonias fixas; no caso da guitarra (eestou a imaginar a guitarra de cinco ordens vigente em todo sculo XVII e primeirametade do XVIII), o improviso (diferencia), estava incorporado s mudanas na lin-guagem da poca, ou seja, a transio do modalismo para o futuro tonalismo.11 Foinessa poca que eclodiram as discusses relacionadas no somente com questesformais, mas tambm com questes estruturais; sobretudo, no que tange a umanova concepo de melodia acompanhada e ao nascimento da linguagem tonal,que ser de suma importncia para o futuro da msica no s na pennsula ibrica,mas em toda a Europa e, inclusive, nas colnias espanholas e portuguesas. E nesteaspecto, tenhamos em conta tambm que o final do sculo XVI e a primeira metade

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    Gallarda, Instruccion de musica sobre la guitarra espaola, 1697.

    do sculo XVII, mais precisamente at 1640, ser o perodo em que Portugal cairsob o controle de Madri, perodo definido politicamente como Unio Ibrica.Portanto, um longo perodo de proximidade entre os dois reinos e que trarconsequncias de suma importncia, inclusive culturais.

    A msica efetuada para vihuela que teve seu auge no sculo XVI est bastanteligada linguagem modal, imitativa ou no, e dentro de um estilo que poderamosclassificar de renascentista (Miln, 2000 e Tonazzi, 1974). J a msica efetuadapara guitarra barroca,12 participa da fundao da tonalidade, mesmo que ainda demodo bastante incipiente, e se desenvolver dentro desse novo pressuposto: atonalidade (Sanz, 1976 [1697) e Matteis, 1980). O improviso, ou diferencia, faziaparte seguramente de ambos os estilos. Alm disso, muitas das peas contidasnos tratados dessa poca, efetuadas para a guitarra barroca, tratam-se de msicasbaseadas em formas de danas, tais como canrios, folias, vilanos, alm dasarabanda e passacaglia, entre outras. O improviso nessas peas no s atestavaa capacidade dos msicos envolvidos na performance, mas tinham como funo,s vezes, estender essas pequenas peas, algumas vezes simples arcabouos deno mximo quatro compassos.

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    12 na passagem do sculo XVI para o XVII que a guitarra barroca adquire a quinta corda e estabiliza sua afinaocomo a conhecemos hoje: e, bb, gg, Dd, aa, ou e, bb, Gg, Dd, aa, ou ainda e, bb, Gg, Dd, Aa, s par citar as mais usa-das (Tonazzi, 1974).

    Enfatizamos ainda que o improviso no era prerrogativa de instrumentistas decordas pinadas, os guitarristas; era uma exigncia do modelo de performancedessa poca, absolutamente potencializado no que ser definido posteriormentecomo estilo barroco, e elemento importantssimo na elaborao do futuro bel canto.Este, o improviso, foi fartamente utilizado tambm por instrumentistas de tecla,como o rgo e o cravo, alm de instrumentistas de arco e sopros em geral, comoflautas e cornetos, entre outros. Portanto, o improviso no define um gnero deter-minado, mas um estilo que se aplicar a vrios gneros ao longo da histria da m-sica, no somente ocidental e devidamente adaptado s diversas conjunturas his-trico-musicais.

    Olhando de modo um pouco mais abrangente, o improviso foi praticado co-piosamente por msicos no s nos sculos XVI e XVII, mas adentrou o sculo XVIII

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    e persistiu no sculo XIX. Base da futura forma tema e variao, ser uma constantena msica ocidental desde o sculo XVI at o XIX, adentrando o sculo XX. Esta tc-nica permaneceu, portanto, nos dois sistemas de referncia modal para tonal.

    Quanto vihuela e guitarra barroca, ou guitarra espanhola como ficou conhecidaposteriormente em Portugal, consideramos que as experincias precedentes re-lativas a esses dois instrumentos sero seguramente a base da escola da guitarradurante o sculo XVII e incio do XVIII na Europa e, consequentemente, nas colniasligadas a tais pases. E tambm que essas experincias constituiro o substrato deuma forma bastante importante para a msica tonal e muito difundida a partir dosculo XVIII denominada tema e variao (Steins, 1979, p. 95). Portanto, no se faznecessrio retornar ao modalismo do sculo XVI para explicarmos o lundu da se-gunda metade do sculo XVIII, sobretudo porque o gnero tema-variao nessapoca, j est absolutamente ligado ao estilo e forma clssica, completamenteenraizada na msica da segunda metade do sculo XVIII.

    O que percebemos que lundus, instrumentais e cantados, comportam-se demodo diverso da msica de fins do Renascimento e incio do Barroco. O Lundum,Brasilian Volkstanz, um dos lundus mais analisados da histria desse gnero, iniciacom uma frase de cinco compassos em anacruse de colcheia, e se comporta comoum longo improviso alternando harmonicamente a tnica e a dominante de doisem dois compassos dentro de uma estrutura formal fraseolgica clssica: frasesde quatro compassos formadas por semifrases de dois, com padres quase semprerepetidos. O estilo das semifrases com colcheias pontuadas e s vezes duplamentepontuadas, tambm nos lembra motivos clssicos. No final da pea, e guisa decoda, h uma frase de seis compassos (cc. 98-103). Outro fator no menos impor-tante a insistncia nos arpejos, quando no se desenvolvem motivos meldicos,bastante dentro da tradio galante-clssica; e no do estilo barroco com baixosfixos sobre os quais se formam acordes. Sobretudo nos compassos 80 a 83, o usode acciacaturas, e tambm a presena sutil de staccatti, entre os compassos 25 e40, bem ao gosto das articulaes do sculo XVIII. Portanto, esta pea constitui,sim, um longo improviso, mas ao gosto do sculo XVIII e, como afirmado, dentro deum estilo galante-clssico.

    O Primeiro Lundum da Bahia, extrado do livro de Budasz (2002), alterna umaestrutura fraseolgica de dois em dois compassos, tambm insistindo nos acordesde tnica e dominante. Estes, por sua vez, so arpejos alternados de dois em doiscompassos onde, em alguns momentos, figuram pequenos trechos de melodia, guisa de improvisos, esboando sutilmente sncopes meldicas que sero carac-tersticas nos futuros lundus cantados da virada do sculo XVIII e dos instrumentaisdo sculo XIX. Mas a estrutura geral da pea e sua opo fraseolgica esto total-mente de acordo com o lundu comentado anteriormente.

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    Primeiro Lundum da Bahia (trecho), Cifras de Msica para Saltrio (Budasz, 2002).

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    13 Merece ser destacado que o fandango, gnero que participa da composio do lundu-dana, trata-se de umadana em mtrica ternria e os lundus analisados por Castanha, esto em mtrica binria. At o presente momen-to, lundus com mtrica binria composta, como Dizem que sou borboleta, pertencente ao arquivo musical CurtLange do Museu da Inconfidncia (Ouro Preto, em Minas Gerais), so raros. Com base neste exemplo, poderamosaproximar a pea Uma mulata bonita (Spix & Martius, 1981 [1821], p. 300), tambm em mtrica binria composta.A hiptese que aventamos de que se fossem efetuadas sncopes na interpretao dessas peas que no constamnos documentos, elas se ajustariam bem a uma performance em compasso binrio simples, portanto, dentro doslundus tradicionais.

    Outro fator que parece distanciar o lundu, pelo menos em sua parte musical, deuma origem somente ibrica ou espanhola a ausncia de hemolas, ou seja, aalternncia entre mtrica ternria e ajustes binrios presentes na msica espanhola,sobretudo por esta ocorrer em peas musicais em mtrica ternria ou em mtricacomposta onde divises internas deslocam os tempos contrariando os acentos con-vencionais da mtrica ternria simples ou composta.13

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    La follia, de Francesco Geminiani (16801762).

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    14 Para mais exemplos musicais, ver os lundus Eu venho achar os pezares (Morais, 2003, p. 140-2) e Esta noite, cusque dita, J. F. Leal, 1827 ().

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    Desengaemonos ya, de Jos Marn (1619-1699).

    Outro aspecto muito recorrente na msica de origem espanhola a presena decadncias frgias, ou seja, sequncia de acordes em tonalidade menor que partemda tnica em direo dominante, tambm conhecida como semicadncia (Kostka,2004, p. 150). A seguir, apresentamos um exemplo extrado do Concerto Grosso Lafollia, do compositor italiano Francesco Geminiani (1680-1762), que ao compor umgnero de origem espanhola, conserva a cadncia frgia, tpica desse estilo.

    Mesmo em peas em tonalidades menores, como o lundu Os me deixas que tuds, do cdice Modinhas do Brasil, datado do final do sculo XVIII (Lima, 201, p. 81-84), no apresentam essas caractersticas: nem a hemola meldica e nem asequncia harmnica frgia. Pelo contrrio, preferem polarizar a dominante pelasua dominante individual ou chegar tnica atravs da dominante precedida dasubdominante, com ou sem inverso, como ocorrer com vrios outros lundus tantodo sculo XVIII como do primeiro quartel do sculo XIX.14

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    Os me deixas que tu ds, Modinhas do Brasil (Lima, 2001).

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    15 De qualquer modo, a hemola ser uma tcnica fartamente utilizada no Renascimento e no Barroco, no somentena msica espanhola. Vamos encontrar essa prtica nas chansons francesas, na frottla e villanela da tradio re-nascentista italiana, nas canes de Orlando de Lassus, entre outros. O que defendemos que a hemola, com-pletamente enraizada na msica ibrica, constitui-se em um resqucio da tradio da notao do ritmo modaladvindo da Idade Mdia que ser mantido na tradio ocidental, enraizando-se com maior ou menor nfase emalguns povos.

    Nos lundus onde h a preponderncia da tonalidade maior, torna-se difcil a ela-borao de cadncias frgias, moda espanhola, como foi comentado. Tambm aopo pela mtrica binria, caracterstica do lundu, de modo algum permite as he-molas moda ibrica ou espanhola, considerando estes deslocamentos como usadostradicionalmente.15 Portanto, mesmo concordando com a tradio do improviso que

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    16 Optamos pelo mtodo de Gaspar Sanz (1976 [1697]), por ser um dos tratados de guitarra espanhola maisdifundidos na Pennsula Ibrica.

    se mantm na msica ocidental, o lundu no apresenta em suas escritas musicaiscaractersticas que nos remeteriam a traos espanhis, tais como a presena datradicional hemola e das cadncias frgias to comuns em tonalidades menorescomo discutido aqui. Muito pelo contrrio, mais tarde haver uma tendncia pelasmelodias sincopadas, ou seja, deslocadas em relao ao acento mtrico musicalconvencional, tanto nos lundus cantados quanto nos lundus instrumentais, mascom outras caractersticas, no aquelas espanholas.

    A fraseologia desses lundus deve ser compreendida como caracterizadora deum gnero que nasce da associao de elementos complexos, j dentro de um es-tilo absolutamente clssico. Corroborando o postulado aqui proposto, observamosque nos tratados dessa poca que sistematizaram o aprendizado da viola de aramee da guitarra inglesa em Portugal, como a Nova arte de viola, de Paixo Ribeiro(1789) e o Estudo de Guitarra, de Antnio da Silva Leite (1796), ao final, na tradicionalcoletnea de peas indicadas aos leitores como exemplos e exerccios, no constammais as peas que serviram de modelos para tratados do incio do sculo XVII, taiscomo jacaras, passacalles, espaoletas, flicas e canrios, entre outras (Sanz, 1967).16Mas os gneros que servem de exemplos musicais nos mtodos portugueses do l-

    Exemplo musical extrado da Nova arte de viola, de Paixo Ribeiro (1789).

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    17 O estilo e forma das peas contidas nesses mtodos apresentam as mesmas caractersticas do estilo clssicodiscutidas nos captulos precedentes, como frases articuladas e peridicas, organizadas em formas simtricas,sejam binrias ou ternrias.18 Para uma discusso mais detalhada sobre frases assimtricas, consultar Stein (1979, p. 31-34).

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    timo quartel do sculo XVIII so o minueto, a contradana, a modinha (Paixo Ri-beiro), a marcha, a fantasia, a fanfarra e a gavota (Silva Leite), dentro de um estilopreponderantemente clssico.17 Estas peas esto construdas dentro de pressu-postos formais clssicos: frases articuladas e peridicas, formas simtricas, comono exemplo musical extrado da Nova arte de viola, de Paixo Ribeiro (1789) (verpgina anterior).

    O lundu, tanto em sua forma danada quanto cantada, est absolutamente ligado complexidade cultural vigente na segunda metade do sculo XVIII, tanto presenteno continente americano, quanto na corte e, sobretudo, em Lisboa, mesmo que deum modo menos enftico. Como um gnero cultural, seja na forma de dana, sejana forma de cano, participa na construo da sociedade da poca: ou seja, se olundu dana se emancipa no gnero de cano, este j encontra nos aspectos for-malisticamente estabelecidos na poca em questo um porto seguro; ou se o lundutraz em seu arcabouo tendncias prprias, o que pretendemos discutir adiante.Porm, se na colnia brasileira, aproximaes entre camadas populares e elite fo-ram mais toleradas e na metrpole foram menos consentidas, isso no invalida astrocas culturais, mas as acentua ou minimiza. E nesse sentido que entendemosambas as formas de expresso do lundu no sculo XVIII, a danada e a cantada, esua relao com a expressividade da poca: e ser destas aproximaes e distan-ciamentos que o lundu poder se associar modinha e contribuir com algumas ca-ractersticas que consideramos prprias.

    Tanto o lundu Eu nasci sem corao, do cdice Modinhas do Brasil (Lima, 2001,p. 87-88), quanto o J se quebraram os laos, publicado no Jornal de Modinhas (Al-buquerque, 1996, p. 52-53) de autoria de Jos de Mesquita ressalte-se, ambosanteriores ao alvorecer do sculo XIX comportam-se como genunas formas tocomuns no sculo XVIII e absolutamente incorporados ao estilo galante-clssico. Oprimeiro lundu, Eu nasci sem corao, apesar dos arpejos introdutrios da viola dearame, tem a primeira parte construda por duas frases, a primeira de quatrocompassos (cc. 3-7), e a segunda contendo seis compassos (cc. 9-15), comportando-se como uma variao ornamentada da primeira, com uma extenso dos dois ltimoscompassos da frase.18 A segunda parte desse lundu comporta-se como uma nicafrase de nove compassos, formada por dois motivos: um que se repete trs vezes(cc. 17-22), outro que finaliza a pea dirigindo a melodia para a tnica (cc. 23-25,cf. Lima, 2001). Merece ser frisado que essa pea possui uma forma assimtrica,dentro dos pressupostos ainda do estilo galante (Grout, 2006, p. 480). Porm, seu

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    19 Na frase clssica formada por duas semifrases, geralmente sua primeira metade, denominada antecedente, fi-naliza suspensivamente (geralmente na dominante da tonalidade em questo); e sua segunda metade, que cami-nha para uma concluso, finaliza na tnica (Kostka, 2004).

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    Eu nasci sem corao, Modinhas de Brasil (Lima, 2001).

    fraseado no se comporta como um improviso livre, mas dentro dos pressupostosformalsticos j completamente absorvidos pela msica setecentista, buscando,sobretudo a repetio da frase ou, dizendo de outro modo, sua periodicidade; almdisso, os arpejos repenicados da guitarra ou viola potencializam o gosto clssico.

    Outros lundus e tambm modinhas pertencentes ao mesmo cdice se encaixamdentro de esquema formal ternrio, tais como Eu estando bem juntinho e Ganinha,minha ganinha (Lima, 2001, p. 91-2). Este ltimo est estruturado num esquemaformal ABA, em que A formado por uma frase de oito compassos iniciada emanacruse; o B, tambm contendo oito compassos, porm formado por uma frase dequatro compassos repetida, sendo a segunda uma variao da primeira; a terceiraparte do lundu, o A com oito compassos, sendo uma variao, da seo A inicial efinalizando suspensivamente, quebrando o esquema lgico antecedente-conse-quente da estruturao clssica,19 em uma forma absolutamente simtrica. Junte-se a essa questo seu acompanhamento em acordes arpejados, to comuns empeas setecentistas, mas pouco presentes em peas barrocas e renascentistas.

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    Ganinha, minha ganinha, Modinhas do Brasil (Lima, 2001).

    O lundu J se quebraram os laos pode ser dividido analiticamente em trs sees,em uma forma ternria, ABA: a primeira seo, o A (cc. 5-16) iniciada com umapequena introduo de quatro compassos a cargo do teclado efetuando um baixode Alberti alternando tnica e dominante na mo esquerda, enquanto a mo direitaefetua um motivo sincopado iniciado por pausa que ser reutilizado durante a peae retomado nos compassos 18 a 20, como elemento que divide a primeira da segundaseo e na sua finalizao. A segunda seo (cc.21-28) possui oito compassosformados por duas frases de quatro compassos cada. A seo terceira, o A (cc. 29-44) possui 16 compassos e iniciada com a terceira frase da parte A seguida poruma nova frase, iniciada, no entanto, com o mesmo material motvico da segundafrase da primeira seo na tera do acorde de tnica, a nota l. Nos compassos 37-44, o autor efetua a repetio, mas conduzindo o final para a nota f. Portanto, nosomente no esquema formal, mas toda a opo fraseolgica se encaixa dentro deuma busca classicizante: formalismo global da pea, frases articuladas, peridicase baixo de Alberti. A pea finaliza com o mesmo material temtico da introduo einterldio que tem carter, frisemos, absolutamente coreogrfico, acusando seuparentesco com os lundus danados, alm do motivo em sncope.

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    J se quebram os laos, Jornal de Modinhas (Albuquerque, 1996).

    Merecem destaque dois lundus, Dizem que sou borboleta, pertencente ao arquivoCurt Lange do Museu da Inconfidncia de Ouro Preto, e o lundu Eu j no sou crian-a, pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Apesar dessesdois lundus terem sido compostos em meados do sculo XIX, distanciando-se denosso foco principal, merecem um comentrio neste texto: ambos esto escritosem compasso binrio composto (6/8) e no apresentam o universo da cultura negra;ambos falam do amor em um sentido bastante idealizado, sem as Iais e Iois. Po-rm, ambos foram classificados, j em sua poca, e pelos prprios autores, supomos,como sendo lundus.

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    Dizem que sou borboleta (trecho), Museu da Inconfidncia de Ouro Preto.

    Eu j no sou uma criana (trecho), Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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    O que nos chama ateno e que nos remete a esses lundus, que no apndicedo livro de Spix & Martius (1981 [1821], p. 300), a pea Uma mulata bonita de Via-gem pelo Brasil (ver reproduo facsimile in Merhy neste volume, transcrio noVIII), antecipa em pelo menos 20 anos essas caractersticas e, como as duas peasprecedentes, bem poderia ser classificada de lundu; nela, inclusive, a presena damulata, pode corroborar esta concluso. A hiptese que aventamos que todasessas peas poderiam ser interpretadas com bastante liberdade aggica, trans-formando as divises ternrias do compasso composto em divises binrias comose estivessem escritas em compasso binrio simples ( ), ao gosto dos lunduscomentados antes. Entretanto, como ficou dito, isso uma hiptese; ainda que nototalmente impossvel.

    Nesse sentido, o lundu Prazer igual ao que sinto (Spix & Martius, 1981 [1821], p.298; ver reproduo facsimilar in Merhy neste volume, transcrio no IV) pode serbastante revelador, pois ao alternar dentro de uma mtrica binria (2/4) as tra-dicionais tercinas efetuadas na unidade de tempo com sequncias de figuras pon-tuadas e semicolcheias, dando a essa pea um balano bastante saboroso. Almdisso, a opo pelos versos em redondilha maior na quadra e seguidos por um re-fro com verso de oito slabas, e tambm a presena do cognome de tratamentoyay (sic), conferem a esta pea o perfil inconfundvel de um lundu. Portanto, es-te lundu parece funcionar como um elo (encontrado) entre os lundus Uma mulatabonita, Dizem que sou borboleta e Eu j no sou criana.

    Retornando ao epicentro de nossa poca, o lundu, tanto em sua forma cantadacomo na dos instrumentais liga-se perfeitamente s conquistas formais que domi-naram a msica a partir de meados do sculo XVIII e que iro formar um conjunto es-tilstico denominado Perodo Clssico, que engloba algumas tendncias, como a msicagalante, o estilo sentimental, ou Empfindsamer Still e o estilo clssico vienenseinaugurado por Haydn (Grout, 2006, p. 481). Mesmo que o mais conhecido de todosos lundus, Brasilian Volkstanz, e alguns dispostos no cdice de Morretes (Budasz,2002) ainda se utilizem de frases assimtricas, essas caractersticas constituem-se,na verdade, de tendncias ainda galantes ou rococs, mas j consideradas dentro doestilo clssico; ou seja, tm resqucios de um formalismo galante, ainda no totalmentesimtrico. E de modo nenhum necessitamos invocar os velhos guitarristas do sculoXVII, tais como Gaspar Sanz; muito menos os do sculo XVI, como Luiz Milan, porexemplo, pois entendemos que essas peas, mesmo que incorporem o improvisocomo elemento de linguagem, esto absolutamente dentro de uma tradio j vin-culada a uma musicalidade do sculo XVIII; frisemos, j eminentemente dentro depressupostos pertencentes ao que se convencionou chamar perodo clssico.

    Nesse aspecto, o que pretendemos destacar que o lundu, no s surgiu na co-lnia brasileira e existiu como uma manifestao a partir da segunda metade do

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    sculo XVIII e nisso concordamos com vrios autores20 mas tambm verdadeque, ao longo de sua trajetria, galgou vrias regies e tambm perpassou as vriascamadas sociais do sistema colonial luso-brasileiro, pois apesar de danado pornegros e mestios, seja ao som do batuque, da viola ou do teclado, foi incorporadopela classe mdia, galgando, em pouqussimo tempo, a corte, como afirmou TomsAntnio Gonzaga em sua Carta Chilena (Gonzaga, 2006 [1786], p. 156) e isto con-seguiu no obstante as crticas negativas de moralistas da poca (Arajo, 1963). Oque nos incomoda, o grande enigma, neste caso, que apesar do sucesso do lundu-dana aqum e alm-mar, no encontramos partituras anteriores ao sculo XIX. Di-to de outra forma: por que msicos dessa poca, mesmo os amadores, no se preo-cuparam em fixar em partitura a msica de to venturosa dana?

    A DANA DO LUNDU E A AUSNCIA DE PARTITURASApesar das primeiras notcias sobre a dana denominada lundu terem surgido a

    partir da segunda metade do sculo XVIII, no h, como afirmado aqui, nenhum re-gistro da msica que servia de suporte para a coreografia que acompanha a danaanterior ao advento do sculo XIX. Ao contrrio, o primeiro registro em partitura foiefetuado entre 1817 e 1821 por Martius e Spix por ocasio da viagem empreendidas terras do Brasil a fim de efetuarem pesquisa sobre a fauna e a flora brasiliensis(Spix & Martius, 1981 [1821]). Na partitura que se encontra no apndice da publi-cao consta apenas a melodia e, diferentemente das demais peas no h iden-tificao da regio onde fora recolhida. No lugar onde estaria essa identificao,consta apenas a informao Brasilian Volksdanz (dana popular brasileira), e nodana carioca ou dana baiana, por exemplo. O que parece indicar que o lundufoi, sem dvida, uma manifestao que transcendeu os limites regionais. De qualquermodo, trata-se do registro mais antigo da msica que acompanharia a dana dolundu.

    A hiptese que aventamos, levantada na primeira parte deste texto, de que oslundus instrumentais que serviam de suporte para a dana homnima eramseguramente improvisados21 e o incio de uma funo era marcado pela simplesalternncia entre tnica e dominante efetuando arpejos num tom confortvel, oupor algum tema tocado no instrumento como a rabeca, flauta e mesmo uma violade arame.22 Durante a dana do lundu, as palmas podiam corroborar, ajudando na

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    20 So eles: Arajo (1963), Kiefer (1977), Tinhoro (1991 [1974], 1998 e 2004), Morais (2000), Lima (2001; 2006) eNery (2005).21 No que diz respeito ao improviso ser ou no uma composio, concordamos com a viso de Marcelo Fagerlande(2008, p. 8-10), que defende o improviso como tendo carter composicional; porm, discutiremos este aspectoem textos posteriores.22 Como era conhecido o cordofone com trastes e com cinco ordens de metal descendente da popular guitarrabarroca (Ribeiro, 1789).

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    marcao do ritmo padro, juntamente com um ou mais instrumentos percussivos.J a presena de um coro entoando um refro,23 efetuado pelos participantes en-volvidos na manifestao, poderia ou no ocorrer, sem prejuzo da evoluo da dana.

    Para que possam ser bem tocados, necessrio que haja dois instru-mentos, um dos quais toca apenas o motivo ou tema, o qual sempreum bonito e simples arpejo; enquanto um outro improvisa sobre esteas mais deleitveis melodias. Nestas ocasies, d-se a imaginaoa maior e mais rica liberdades possvel e ocasionalmente pode ser quesejam acompanhadas por voz; nestes casos usual que sejam tam-bm improvisadas. (A.P.D.G., 1826, p. 220-221)

    Nesse aspecto, os lundus comentados aqui antes e a descrio do venturosoviajante que esteve alm e aqum-mar constituem excelentes exemplos de comose estruturavam musicalmente e sobre qual sonoridade se desenvolvia a dana ho-mnima. Acreditamos tambm, na medida em que eram praticados por camadasmais distantes dos ciclos cortesos e dos sales das classes mdias, que os dana-rinos tinham mais liberdade para desenvolver suas coreografias e se manifestarem,no sejamos ingnuos, tambm com maior liberdade. E a incorporao de instru-mentos de percusso ou outros instrumentos s viria a enriquecer uma determinadafuno.

    A QUESTO DA SNCOPEPor mais que queiramos super-la ou transform-la em uma discusso de cunho

    ideolgico e, portanto, em um embate poltico, reconhea-se, nem sempre ilegtimo a questo da sncope sempre esteve associada aos escritos do lundu. No entan-to, retornando ao mundo musical, mesmo que concordemos com Mrio de Andradeem seu Ensaio sobre a msica brasileira publicado em 1928.

    E ser tambm uma pobreza si se tornar obrigatria. A sincopa umadas constncias porm no constante nem imprescindvel no. Pos-sumos milietas de documentos folclricos em que no tem nemsombra de sincopado. (Andrade, 1962 [1928], p. 38)

    Porm, ao levantar a questo de que uma suposta identidade musical brasileirano pode se fixar na existncia ou no da sncope musical, a sua presena, ou seja,___________________________________________________________________________________________________

    23 E j que tocamos em assunto de importncia estrutural para o futuro dos lundus cantados, o refro ser umaconstante aps 1800, e se tornar verdadeira entidade na caracterizao dos saborosos lundus de autores comoJ. F. Leal, Padre Teles e Xisto Bahia, por exemplo.

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    o deslocamento rtmico entre acentos mtricos convencionais e no convencionais,como entendido tradicionalmente na msica ocidental, ser uma espcie de carac-terstica chave para a classificao da modinha e do lundu como gneros autnomosentre os sculos XVIII e XIX (Lima, 2006, p. 101-114).

    De fato, os dois gneros em questo nascem irmanados e, sobretudo se levarmosem conta aspectos no s musicais, mas tambm socioculturais. evidente que oideal portugus era o de, sem sombra de dvidas, transformar o Brasil em umimenso Portugal, integrado em um grande imprio colonial. Porm, uma poltica detal magnitude no poderia ser empreendida sem a criao de estruturas admi-nistrativas locais. E a construo de estruturas poltico-administrativas na colniaincorporou, evidentemente, essa sociedade.24 Acreditamos, portanto, que nessecontexto a modinha e o lundu puderam se influenciar mutuamente. Em outras pa-lavras, foi nessa conjuntura que traos culturais advindos de algumas etnias, so-bretudo aquela em zonas mais ligadas ao trfico negreiro (Mukuna, 2006) puderaminfluenciar e engendrar outros gneros musicais, como o lundu. E de modo algumpretendemos com essa afirmao simplificar as relaes humanas do final do sculoXVIII, sobretudo deste lado do Atlntico. Ao contrrio, pretendemos apenas integrarparte dessa complexidade em sua faceta musical.

    A sncope tem sido citada neste trabalho de um modo absolutamente tradicional,ou seja, como ela foi convencionada pela teoria tradicional advinda da cultura oci-dental: O deslocamento regular de cada tempo em padro cadenciado sempre nomesmo valor frente ou atrs de sua posio normal (Grove, 1994). Porm, paraque haja a sensao de um deslocamento, faz-se necessrio um pulso regular e, oque seria mais importante, uma mtrica regular,25 que no caso da msica ocidentalfoi instituda em uma frmula de compasso. De qualquer modo, essa maneira deentender a organizao rtmica est absolutamente vinculada maneira como oocidente organizou seu pensamento musical: ou seja, como um agrupamento sin-copado (irregular em relao a uma mtrica regular) se contrape a um agrupamentoregular; e que h, portanto, outros modos de interpretar agrupamentos rtmicos re-gulares e irregulares. Essa ideia s poder ser desfeita se admitimos que a sncopeno um conceito universal da msica (Sandroni, 2001, p. 21).

    O que interessa frisar que na msica ocidental a partir, sobretudo, das teoriasda msica mensural os agrupamentos rtmicos so obtidos a partir da diviso (re-gular ou irregular) do pulso ou tempo. Porm, pesquisas em etnomusicologia vmquestionando esse modo de obter agrupamentos rtmicos e, por consequncia, ana-lis-los. Na msica de origem africana tradicional, por exemplo, agrupamentos so___________________________________________________________________________________________________

    24 Para uma discusso mais detalhada sobre esta questo, ver Souza (2006).25 Pulses: a series of regularly recurring, precisely equivalent stimuli; [] Metric: the number of pulses between themore or less regularly recurring accents (Cooper e Meyer, 1960).

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    obtidos a partir de processos aditivos e no por diviso de tempos ou pulsos. Ouseja, no se estabelece uma frmula de compasso; mas um pulso que serve de li-nha guia (time-line) para as organizaes rtmicas e mtricas. Portanto, o que pa-ra o ocidente musical constitui uma irregularidade, para certas culturas noocidentais, como a africana, por exemplo, no seria encarado como tal (Sandroni,2001, p. 24). Alis, essa interpretao j havia sido anteriormente levantada porMrio de Andrade em seu Ensaio sobre a msica brasileira (1962 [1928], p. 36): Epela adio de tempos, tal e qual fizeram os gregos na maravilhosa criao rtmicadeles, e no por subdiviso que nem fizeram os europeus ocidentais com o com-passo.... De qualquer modo, o que queremos enfatizar que a sncope um conceitoabsolutamente ligado ao modo como o ocidente desenvolveu seus pressupostosrtmicos musicais.

    Nesse sentido, o etnomusiclogo Mieczyslaw Kolinski, ao estudar a msica afri-cana, elaborou os termos cometricidade, para padres que esto em acordo com o n-vel mtrico; e contrametricidade, para padres que esto em desacordo com o nvelmtrico (Sandroni, 2001, p. 21). Outra categoria importante para a anlise do time-line, ou linha guia j mencionada acima, a sucesso de pulsos que funcionam co-mo orientao (Sandroni, 2001, p. 25), como um ponto de referncia constante pe-la qual a estrutura da frase de uma cano, assim como a organizao mtrica li-near da frase so conduzidas (Mukuna, 2006, p. 93).

    Na msica africana, h uma infinidade de padres, mas alguns se relacionam maisproximamente com os lundus dos sculos XVIII e XIX (Mukuna, 2006). Descrevo aseguir os padres rtmicos mais comuns observados por Sandroni (2001) e Mukuna(2006):

    1.2.3.4.

    Esses padres rtmicos so encontrados abundantemente, sobretudo dentro doslimites das barras de compassos em lundus no sculo XVIII (tambm em modinhas)e em lundus do sculo XIX.26 Evidentemente, esses padres sero combinados dando

    ___________________________________________________________________________________________________

    26 Para nossa discusso, apesar das teorias sobre agrupamentos mtricos e rtmicos, dos conceitos de come-tricidade e contrametricidade e dos conceitos de time-line (linha-guia), no abandonaremos os conceitos tra-dicionais de compasso e diviso rtmica desenvolvida na msica ocidental. Sobretudo por entendermos que estamaneira de organizao musical no foi descartada. Ao contrrio, houve uma adaptao entre tendncias da m-sica negra e da msica ocidental no perodo em que estamos estudando (Sandroni, 2001).

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    origem a melodias mais longas, na elaborao de frases que ultrapassam os compas-sos; o que de fato ir ocorrer. O agrupamento 1 encontrado j nos primeiros com-passos da modinha Voc se esquiva de mim (Lima, 2001, p. 61-64) e se estende portoda a pea, como uma espcie de motivo padro que ora combinado formandofrases totalmente contramtricas, ou sincopadas na linguagem convencional, comonos compassos 7-8. Porm, ao analisarmos a partitura, percebemos quanto a peaabusa de construes mtricas e contramtricas dando um aspecto ora marcado,ora inconstante modinha, sobretudo se levarmos em considerao o acompa-nhamento da viola, em que o arpejo constante disposto em semicolcheias faz opapel de linha guia (time-line).

    Voc se esquiva de mim (trecho), Modinhas do Brasil (Lima, 2001).

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    Outras peas do mesmo cdice vo se comportar tal e qual essa modinha, comoo lundu Os me deixas que tu ds (Lima, 2001, p. 81-84): logo no incio, entre oscompassos 3 a 8, aps a pequena introduo em arpejos dispostos em sequnciasde quatro colcheias guisa de linha guia, a melodia est disposta em uma frasetotalmente sincopada; ou dito na linguagem de Kolinsky, contramtrica (Sandroni,2001, p. 21). A partir do compasso 9 o compositor efetua sequncias comtricasdispostas em semicolcheias articuladas de duas em duas, estendendo at o com-passo quinze O lundu Eu nasci sem corao (Lima, 2001, p. 87-88) uma espciede pedra de toque e j analisado anteriormente, inicia com uma frase de quatrocompassos (cc. 4-7) totalmente contramtrica em relao aos arpejos da viola (linhaguia), dando realmente uma sensao de flutuao em relao aos acentos mtricosconvencionais do compasso binrio efetuados pelos baixos dos acordes da viola.Ao repetir a frase, efetua uma variao ornamentada em coloraturas, desta feita,comtrica, somente quebrada entre os compassos 12 e 13 e entre 14 e 15, a fim deefetuar as to famosas terminaes femininas. Estas terminaes, enfatizamos,justamente como as terminaes das duas partes da frase precedentes, combinama terminao feminina, em tempo fraco do acento mtrico do compasso, ora emantecipao, ora em retardos, suavizando de tal modo a resoluo meldico-harmnica, que a denominamos de terminaes mais que femininas (Lima, 2001,p. 21).

    Outros lundus, como Menina voc que tem e Esta noite, de J. F. Leal, e tambmo lundu L no largo da s de Cndido Incio da Silva, j do sculo XIX, apresentaroas caractersticas destacadas nas peas anteriormente analisadas relacionadascom a questo das frases contramtricas dentro de estruturas musicais comtricas.Porm, o Lundum, Brasilian Volkstanz no apresenta na partitura escrita nenhumatendncia a contrametricidade. possvel que ela ocorresse no ato da interpretaoinstrumental, sobretudo se houver um segundo instrumento encarregado daharmonia, deixando o solista com maior liberdade, como destaca Mrio de An-drade, ningum no canta a msica talequal anda impressa (Andrade, 1962 [1928],p. 22). Porm, em um dos lundus apresentados no livro de Budasz, o Primeiro lunduda Bahia, a sncope, de modo bastante sutil, efetuada em uma variao do padrortmico n 1 (cc. 11 e 12, indicao 2 passagem).

    Em outro lundu bastante conhecido de pesquisadores do gnero, o Landum deMarru, (Biblioteca Nacional, Lisboa), no h sincopes, apesar de seu nome deixarbastante claro a qual gnero pertence. Acreditamos que este lundu deve ter sidodanado nos sales mais abastados e, segu-ramente, serviu de mote para os msicosefetuarem variaes sobre o tema, e estas, bem ao gosto clssico. O Landum deMarru parece ter sido um verdadeiro sucesso na poca em que foi composto,pois, alm da verso em sol maior apresentada aqui com duas variaes, e da ver-

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    so em r maior do livro de Budasz (2002, p. 38), h outras duas verses pertencentes Biblioteca Nacional de Lisboa: uma em si bemol maior, onde consta apenas a in-dicao Thema Ande. Sostenuto (sic) contendo cinco variaes virtuossticas e umFinal; a outra, em d maior, ainda mais virtuosstica e contendo treze variaes,traz no somente o nome da pea como seu autor e lugar: Variaes do Landum daMonrois Compsto pr D. Francisco da Ba Mrte Conego Regulr em S. Vicente deFora e 1805 (sic).27

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    27 As trs verses comentadas pertencem Biblioteca Nacional de Lisboa e esto catalogadas respectivamente sobos nmeros: M.M 4473, verso em Sol maior; M.P. 523 V, as verses em D e Si bemol maior.

    Landum do Marru, Biblioteca Nacional de Lisboa, Portugal.

    Neste aspecto, torna-se difcil afirmar que os lundus, fossem instrumentais ouos lundus cano, tenham origem nos improvisos dos guitarristas ibricos (espa-nhis), como quer Castanha (2006). Se o improviso ou a variao adentram a for-mao do lundu, parecem ser apenas algumas de suas caractersticas. O que deveser tambm considerado que a questo formal e as opes por frases articuladase peridicas, tanto em lundus instrumentais como em lundus cantados, com ousem variao, concorrem em sua formao. E note-se que falamos de formao, deconstruo e no de origem, como se um gnero cultural correspondesse a umorganismo predeterminado e definido em seu cdigo gentico.

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    Outro fator que aps as discusses de Sandroni e Mukuna, torna-se aindamais difcil no reconhecer a herana negra na formao musical do lundu. Nesseaspecto, a presena da sncope seria mais do que um modo de amolecer as di-vises rtmicas; mas verdadeiras combinaes estruturais, de padres e ciclos rt-micos utilizados na elaborao do lundu como gnero. Portanto, aquilo que numprimeiro momento interpretado como um simples deslocamento mtrico-rtmicomostra-se como uma combinao de tendncias musicais advindas da cultura negrapresentes nos lundus e algumas modinhas, na segunda metade do sculo XVIII;dando origem, por sua vez, a outro gnero musical.

    Merece ser destacado que ao identificar a sncope musical presente nos lundus,e tambm modinhas, com a cultura negra no Brasil colonial, no estamos querendoantecipar as tendncias nacionalistas de fins do sculo XIX e incio do XX. No cre-mos que nessa poca os luso-brasileiros, reinis, mestios e a populao negra,almejassem uma autonomia poltica para a colnia brasileira; mas cremos que al-mejavam reconhecimento social e, portanto, cultural, ou seja, alforria; e isto j te-ria sido bastante humano, mas no demasiado. Desse modo, querer minimizar acontribuio musical negra na formao do lundu negar a fora estrutural de mo-dos de construo rtmico-meldicos presentes em outras culturas e sua fora es-trutural na elaborao de formas musicais.

    O LUNDU CANO: ORNAMENTO-MONUMENTOLevando em considerao as discusses efetuadas nas linhas anteriores, no

    faz mais sentido defender que o lundu seja apenas um subgnero da modinha,como afirma Ruy Vieira Nery (apud Morais, 2000, p. 17). Evidentemente que emsua forma cantada, como msica de salo e posteriormente nos entremezes sete eoitocentistas, o lundu absorver os modelos vigentes na segunda metade do sculoXVIII e, tal e qual a modinha, ser elaborado dentro dos padres formais vigentesna poca. Em nossa viso parece mais preciso afirmar que tanto a modinha quantoo lundu, so subgneros das tendncias classicizantes que invadiram todas asesferas da expressividade musical durante o sculo XVIII, adentraram ao sculoXIX e se estenderam como concepo esttico-potica em parte da produo musicalat o alvorecer do sculo XX (Blume, 1954, p. 9).28

    Outra questo defendida por ns, que mesmo no encontrando partiturasanteriores ao sculo XIX (1817), a estrutura dos lundus parece obedecer formatema e variao, ou tema e improviso, mas j dentro de padres musicais clssicos.Nesse aspecto, o relato de Spix & Martius (1981 [1821], p. 180), bastante escla-___________________________________________________________________________________________________

    28 Nossa viso que, mais do que um perodo clssico-romntico, devemos observar as tendncias clssicas quecontinuam vigentes durante o sculo XIX, ou perodo romntico, no obstante outros modelos de composio, comoa msica programtica, por exemplo, menos calcada em aspectos musicais autnomos, terem sido elaboradas.

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    recedor: Dura s vezes, aos montonos acordes da viola, vrias horas sem inter-rupo. O que entendemos, que os montonos acordes da viola so as eternasalternncias arpejadas efetuadas pelo instrumento de cordas dedilhadas, enquantooutro instrumento flauta, violino ou mesmo outra viola, como descreveu A.P.D.G., efetua as variaes ou improvisaes; mesmo que no estejam calcadas empartituras. E embora esse relato tenha sido efetuado na passagem da primeirapara a segunda dcada do sculo XIX, assemelha-se muito a outras descries,tais como a efetuada pelo poeta Tolentino de Almeida, entre 1779 e 1780, Embandolim marchetado/Os ligeiros dedos prontos,/Loiro peralta adamado/Foi depoistocar por pontos/O doce londum chorado (apud Nery, 2005, p. 29), em que a frasetocar por pontos tem o sentido de dedilhar, portanto, combinando com a citaoprecedente.29

    Um terceiro diferencial seria a presena da sncope que, mais do que um amo-lecimento da rigidez rtmica e mtrica na msica da poca, uma verdadeiraadaptao de tendncias estruturantes presentes na musicalidade negra, a saber,nos padres e ciclos rtmicos, combinados e adaptados ao formalismo clssico e,levando-se em considerao sua busca de simetria, mais afeitos a adaptaesdeste gnero. E justamente nesse sentido que a sncope deixa de ser apenas umornamento para tornar-se um verdadeiro monumento: passa a ser, tambm,um dos traos fundadores de um gnero autnomo: o lundu!30

    O BATUQUE E O LUNDUConcordando com Jos Ramos Tinhoro:

    tal como o exame mais atento das raras informaes sobre essasruidosas reunies de africanos e seus descendentes crioulos deixaentrever, o que os portugueses chamaram sempre genericamente debatuques no configuram um baile ou um folguedo, em si, mas umadiversidade de prticas religiosas, danas rituais e formas de lazer.(Tinhoro, 2008, p. 55)

    E parece ser esse o sentido dado a essa reunio por Spix & Martius:

    Quase por toda parte aonde chegamos noite, ramos recebidoscom as toadas de violas, a cujo acompanhamento se cantava ou dan-

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    29 Jos Ramos Tinhoro (1991, p. 16) interpreta tocar por pontos, como sinnimo de ponteio, ou seja, modo tocadopelos violeiros nordestinos atuais. Entretanto, segundo a tcnica setecentista, a frase tocar por pontos sinnimode dedilhar, ou ferir as cordas nos pontos, ou nos trastes da viola, de acordo com a obra de Ribeiro (1789).30 Utilizamos aqui a interpretao do filsofo Gianni Vattimo (1999), que tem como base os escritos de H. G. Gada-mer (1979). Ver tambm nota 10.

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    ava. Na estiva, uma quinta solitria, com vastos campos magnficos,circundada ao longe de montanhas isoladas, estavam os moradoresem festa, danando o batuque [...]. O batuque danado por um bai-larino s e uma bailarina, os quais, dando estalidos com os dedos ecom movimentos dissolutos e pantomimas desenfreadas, ora se apro-ximam, ora se afastam um do outro. O principal encanto dessa dana,para os brasileiros, est na rotao e contores artificiais da bacia[...] Dura s vezes, aos montonos acordes da viola, vrias horassem interrupo, ou alternado s por cantigas improvisadas e mo-dinhas nacionais (Spix & Martius, 1981 [1821], p. 180)

    Ou seja, numa reunio desse tipo, tudo podia acontecer! De qualquer modo, adescrio parece se referir dana do lundu, tal e qual a conhecemos hoje. Porm,interessa-nos tambm que os ilustres viajantes foram convidados a participar dafuno assim como, acreditamos, os senhores reinis e sua famlia, desvelando, seno o aspecto sincrtico da reunio, pelo menos certa tolerncia. Alm disso, es-tamos aqui j no alvorecer do sculo XIX e a poucos anos da independncia polticado Brasil. Em todo caso, continuemos nossa viagem ao passado.

    Na descrio de Rugendas, apesar de posterior, h uma diferenciao entre obatuque e o lundu:

    A dana habitual do negro o batuque. Apenas se renem algunsnegros e logo se ouve a batida cadenciada das mos; o sinal dachamada e de provocao dana. O batuque dirigido por um figu-rante; consiste em certos movimentos do corpo que talvez pareamdemasiado expressivos; so principalmente as ancas que se agitam;enquanto o danarino faz estalar a lngua e os dedos, acompanhandoum canto montono, ou outros fazem crculo em volta dele e repetemo refro. Outra dana negra muito conhecida o lundu, tambmdanada pelos portugueses, ao som do violo, por um ou mais pares.Talvez o fandango, ou bolero dos espanhis, no passem de umaimitao aperfeioada dessa dana. Acontece muitas vezes que osnegros danam sem parar noites inteiras, escolhendo, por isso, depreferncias, os sbados e as vsperas dos dias santos. (Rugendas,1989 [1835], pp. 157-158).

    Porm, ao analisarmos duas litografias de Rugendas, ambas intituladas Danado Lundu (Diener, 2002, p. 132-133), a mesma cena representada contendobrancos, negros e mestios na primeira e negros e mestios na segunda: qual delas

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    teria sido totalmente idealizada? Em uma terceira litografia, denominada Dana doBatuque (Diener, 2002, p. 134), h somente a presena de negros. Portanto, o queentendemos que em uma situao de recolhimento, longe dos olhos controladoresdos reinis lusitanos, os negros podiam desenvolver a dana de um modo maislivre, mais prximo aos seus hbitos; mas na convivncia com outras camadassociais, adaptar-se-iam, seguramente, conjuntura. Interessante observar queRugendas, parece inverter a origem do fandango e do bolero, como sendo o lundu:Talvez o fandango, ou bolero dos espanhis, no passem de uma imitaoaperfeioada dessa dana. Em outra descrio, A.P.D.G. (1826, p. 288) j aquicomentada, o autor descreve o que chama de o frentico landum danado por umnegro e uma negra, tornando ainda mais indistintas certas manifestaes culturaisde nosso passado colonial ou imperial, no caso, o batuque e o lundu.

    Antecedendo ainda mais alguns anos, a descrio de Nuno Marques Pereira, emseu Compndio narrativo do peregrino da Amrica, obra do incio do sculo XVIII,descreve um ruidoso batuque ouvido durante a noite que o fez deixar os aposentos.O interessante nessa descrio que para nosso cronista o batuque se manifestavacomo uma confuso do Inferno; para o senhor, no passava de cantiga de ninar,enfatizando ainda mais a aceitao dos batuques por parte dos senhores da poca:

    No era ainda de todo dia, quando ouvi tropel de calado na varanda:e considerando andar nela o dono da casa, me pus de p; e saindo dacmara, o achei na varanda, e lhe dei os bons dias, e ele tambm amim. Perguntou-me como havia eu passado a noite? Ao que lhe res-pondi: Bem de agasalho, porm desvelado; porque no pude dormirtoda a noite. Aqui acudiu ele logo, perguntando-me, que causa tivera?Respondi, que fora procedido [devido ao] estrondo dos atabaques,pandeiros, canzs, botijas, e castanhetas; com to horrendo alarido,que se me representou a confuso do Inferno. E para mim me disse omorador, no h cousa mais sonora, para dormir com sossego. (Pereiraapud Tinhoro, 2008, p. 43-44)

    Nesse sentido, a descrio da 11 Carta Chilena de Toms Antnio Gonzaga(2006 [1786], p. 156) constitui um verdadeiro manifesto ao aproximar elementosadvindos das manifestaes negras ao mundo da populao branca. E num trechoda carta mais adiante, descreve: Fizemos esta noite um tal batuque:/Na ceia todosns nos alegramos.

    A carta bastante reveladora, pois alm da descrio da dana venturosa,que mais tarde conheceremos com o nome de lundu, descrevendo minuciosamenteos requebros e os trejeitos e at um possvel dilogo que poderia ser cantado de

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    improviso, como refro, como na descrio anterior de Spix & Martius; efetua acrtica de que este tal batuque, ou esta reunio, sara dos terreiros e casas humildese adentrara casa do senhor. No seria de todo inocente argumentar que os senhoresbrancos poderiam comparecer a uma funo deste tipo caso ocorresse no terreiroda fazenda, ou mesmo mais perto da senzala, ou mesmo nos largos e nas estreitasruas setecentistas, atestando a troca de valores culturais entre as diversas camadassociais durante o sculo XVIII.

    O que entendemos que h certa liberdade no uso do substantivo, uma espciede processo metonmico: o batuque o lugar onde, ao som da percusso e outrosinstrumentos (violas, rabecas, buzinas, balafons, calimbas etc.) danava-se e can-tava-se. A questo central, no entanto, : quem ou o qu? Acreditamos que emborao termo batuque esteja ligado em sua origem ao mundo negro, incluindo os ditoscalundus, haver um contato entre as camadas negras, mestias e reinis, e desdeos primeiros relatos. Esses encontros sero fundamentais para a formao de umacultura luso-brasileira durante os primeiros sculos e tambm nos seguintes. Oprprio improviso, presente na parte instrumental e no canto, poderia ter sido pra-ticado como elemento tambm na dana, conferindo uma liberdade sem pre-cedentes aos negros danarinos.

    Entendemos, portanto, que ser da estabilizao dos elementos coreogrficospresentes nesses batuques (entendido como reunies, encontros com carter ab-solutamente aberto) que se desenvolver a futura dana do lundu. E acreditamos(ou temos a esperana) de que os negros tiveram seus momentos de intimidade,no sem dificuldades, quando puderam se expressar longe dos olhos controladoreslusitanos, e objetivaram construir suas prprias identidades e sonharam com suafutura liberdade, tambm em sentido sociocultural. Portanto, e sem querer fazerapologia democracia racial, este to esperado porvenir, pretender separar com-plemente essas manifestaes e supostas camadas sociais durante os sculosXVIII e XIX, sobretudo, parece ser um contrassenso, seria negar a complexidade e odinamismo da sociedade luso-brasileira da poca, empobrecendo sua riqueza.

    O LUNDU INSTRUMENTAL PS 1817Diferentemente do final do sculo XVIII, em que no encontramos partituras de

    lundus instrumentais, durante o sculo XIX, alm de lundus cantados compostospor msicos de renome, tais como Francisco Jos da Silva, J. F. Leal, Incio Cndidoda Silva, lundus instrumentais sero compostos em maior profuso. Evidentementeo grande marco dessa produo continua sendo o Lundum, Brasilian Volkstanz deSpix e Martius, porm, outras publicaes contendo lundus instrumentais, iro surgir.

    O cdice Cifras de msica para saltrio, publicado por Rogrio Budasz (2002) ej citado em pginas anteriores, ser de grande contribuio, pois alm de vrios

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    gneros da poca, traz em seu contedo vrios lundus instrumentais com ascaractersticas aqui discutidas: arpejos alternados entre tnica e dominante, outemas para improviso, o que seria mais importante. Nesse sentido, sugerem lundusque serviram de suporte para a dana homnima. Ser, inclusive, nesse cdiceonde encontramos umas das quatro verses conhecidas do Lundum de Marru:no nesse cdice, mas nas duas verses pertencentes Biblioteca Nacional deLisboa, este lundu parece no ser mais destinado dana, mas sim usado comoum genuno tema para variaes, como discutimos aqui e, ressalte-se, dentro depressupostos absolutamente clssicos, ou seja: elaborado a partir de um formalismosimtrico com frases peridicas, articuladas e uso constante de baixo de Alberti...

    Lundum de Marru, Biblioteca Nacional de Lisboa.

    Nesse aspecto, a coleo de lundus instrumentais da Biblioteca Nacional do Riode Janeiro tem muito a revelar, pois ao lado de edies de modinhas e lundus paracanto e piano nos apresenta aproximadamente 40 lundus editados para piano entre1837 e 1900 (Sandroni, 2001, p. 57). Evidentemente que esta fase j no est maisno foco de nossas atenes e constitui apenas um olhar perifrico. De qualquermodo, no podemos nos furtar a alguns comentrios, mesmo que passageiros.

    As sncopes meldicas continuam em voga, mas nesses lundus, tendem a nose estender alm das barras de compasso, situando-se dentro do limites deste.

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    Talvez isso se deva ao fato de que no h um texto como elemento unificador entremsica e fala. E neste aspecto, a intuio de Mrio de Andrade sobre a relaoentre sncope e ritmo prosdico do texto muito interessante: Os amerndios epossivelmente os africanos tambm se manifestavam numa rtmica provindadiretamente da prosdica (Andrade, 1962 [1928], p. 30). De fato, tendemos aconcordar que os tipos de sncope encontrados no manuscrito da Biblioteca daAjuda (efetuadas no tempo, no compasso, e s vezes em frase de at trscompassos), constituem um verdadeiro banquete em diversidade (Lima, 2001).

    J no que diz respeito ao padro de acompanhamento, h uma combinao entrea sncope caracterstica ( ) que s vezes se repete dentro do compasso ou seguido por duas colcheias, e sua posterior estabilizao no padro da habanera( ). J na questo formal, o tradicional tema e variao dos lundus deBrasilian Volkstanz e o Primeiro lundu da Bahia, ceder lugar para formas binriasou ternrias, mais prximas da contradana, da marcha e, sobretudo, da polca,iniciando outra fase na histria desse gnero. Por ora, concluimos este estudo coma proposio de que a msica do lundu, no perodo aqui abordado, consistiu numaapropriao ou tropicalizao do estilo clssico vigente na poca, por meiodos elementos advindos da cultura negra que estavam na base do desenvolvimentodo gnero musical em questo.

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    EDILSON VICENTE DE LIMA Bacharel em Composio e Regncia, Mestre em Musicologia pelaUnesp (SP) e Doutor em Musicologia pela ECA-USP. Colaborou com partituras para a gravaode vrios cds com obras de Andr da Silva Gomes. Dirigiu e produziu o cds Modinhas de amor(2004) e Lundu de Marru (2008). Participou das publicaes: A arte aplicada de contraponto deAndr da Silva Gomes (1998), Msica Sacra Paulista (1999) e Msica no Brasil colonial Vol. III(2004). Publicou As Modinhas do Brasil (2001). Foi Professor convidado pela Universidade doEstado do Amazonas (UEA), onde ministrou as disciplinas de Prosdia Musical, Contraponto eHarmonia. Foi coordenador do Ncleo de Msica da Universidade Cruzeiro do Sul (2002-2008)onde Professor das disciplinas Histria da Msica e Histria da Msica Brasileira.