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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA
ENSINO SUPERIOR E AS LICENCIATURAS EM MÚSICA (PÓS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS 2004): um retrato do habitus conservatorial nos
documentos curriculares
CAMPO GRANDE/MS
2012
MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA
ENSINO SUPERIOR E AS LICENCIATURAS EM MÚSICA (PÓS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS 2004): um retrato do habitus conservatorial nos
documentos curriculares
Relatório de tese apresentado ao Curso de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor.
Orientador: Profa. Dra. Fabiany de Cássia
Tavares Silva
CAMPO GRANDE/MS
2012
MARCUS VINÍCIUS MEDEIROS PEREIRA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Ciências
Humanas e Sociais, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor.
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________________
Profa. Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
_________________________________________
Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton
Universidade de São Paulo
_________________________________________
Profa. Dra. Eurize Caldas Pessanha
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
_________________________________________
Profa. Dra. Margarita Victoria Rodriguez
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
_________________________________________
Profa. Dra. Alda Maria do Nascimento Osório
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campo Grande, de agosto de 2012.
AGRADECIMENTOS
A Deus, força inspiradora e sentido de tudo.
À Luana, pela compreensão das ausências e pelo carinho diário.
Aos meus pais, Ronaldo e Isis, por terem me apresentado à vida, aos livros, e à
musica.
Aos meus irmãos, Lúcio e Viviane, pelo incentivo e parceria desde sempre.
À minha orientadora, Professora Fabiany, pela orientação sempre firme e generosa, e
por ter me conduzido, com sua competência e refinada perspicácia, nos diálogos sociológicos
entre Música e Educação.
Ao amigo Manoel Rasslan, que me apresentou a linha de pesquisa Escola, Cultura e
Disciplinas Escolares como possibilidade de percurso, pelos diálogos, leituras e tantos cafés
festivos.
Às professoras Maria da Graça Jacintho Setton, Teresa Mateiro, Alda Maria do
Nascimento Osório e Margarita Victoria Rodriguez pelas valiosas contribuições durante a
qualificação.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS pelas
possibilidades de discussão nos primeiros passos desta pesquisa.
À querida professora e amiga Cecília Cavalieri França pelo carinho, pelo incentivo, e
por ter colocado à minha disposição sua preciosa biblioteca particular.
Aos amigos do Grupo de Estudos e Pesquisas Observatório de Cultura Escolar por
dividirem comigo esta trajetória de pesquisa, em especial à Ana Paula Tiete Mendes, Andrea
Faustino e Rafael Maldonado.
Aos meus alunos do curso de Licenciatura em Música da UFMS, sempre fontes de
motivação, dúvidas e reflexões.
Enfim, ao longo destes anos de pesquisa tive o privilégio de receber o apoio e carinho
de muitas pessoas. A todas elas, meu reconhecimento e gratidão.
A insignificante aluna é treinada pelo guru musical,
que é o mediador entre ela e o grande compositor.
Serão necessários muitos anos para que a garotinha
seja plenamente iniciada. (...) Duvido que essa
aluna, em particular, esteja ouvindo musica ou
discutindo-a com seu professor, e é pouco provável
que ela seja incentivada a improvisar ou a compor.
Ela deverá desistir de tocar dentro de alguns anos.
Porém, nem sempre tem de ser assim.
Keith Swanwick
RESUMO
Considerando-se o momento histórico da educação musical no que se refere à aprovação da
Lei 11.769/2008, o objetivo principal deste trabalho pode ser traduzido no mapeamento e na
análise da presença de um habitus conservatorial na construção de currículos das
Licenciaturas em Música que estejam em vigor após a aprovação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Graduação em Música de 2004 (Resolução CNE/CES 2/2004 de 8 de março
de 2004). Trabalha-se com a hipótese de que a seleção cultural efetuada pelos professores na
formulação das propostas curriculares parece refletir um habitus conservatorial, próprio da
formação destes professores e que esta seleção, mesmo com a crise instaurada pelo
cruzamento das culturas sociais e escolares, não permite uma adequação à realidade,
revelando, desta forma, relações de poder que determinam o currículo e a cultura escolar
destes cursos. O desenho metodológico desta investigação está orientado pela técnica da
perspectiva qualitativa de um estudo comparado de caráter bibliográfico-documental. São
fontes documentais desta pesquisa quatro documentos curriculares de quatro diferentes cursos
de Licenciatura em Música brasileiros: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). As áreas de comparação
eleitas para análise são: conhecimento oficial; seleção e distribuição dos conhecimentos; e
profissionalização dos conhecimentos. Estas áreas delineiam-se pela construção da noção de
habitus conservatorial e pela investigação de como esta noção toma e dá forma nos/aos
currículos de formação de professores de música. Para a construção da noção de habitus
conservatorial, apresenta-se o movimento histórico do ensino de música no Brasil – com
vistas à sua inserção no ensino superior, bem como uma análise das diretrizes curriculares
para os cursos de graduação em Música e para a formação de professores para a educação
básica. As análises confirmaram a influência de disposições conservatoriais nas práticas
curriculares, desde a elaboração de Diretrizes (DCN Música 2004) até a interpretação das
mesmas na materialização dos documentos. Desta forma, os resultados apontam que o habitus
conservatorial – próprio do campo artístico musical – está transposto (convertido) ao campo
educativo na interrelação estabelecida entre estes dois campos; e é incorporado pelos agentes
ao longo do tempo no contato com a instituição, com suas práticas, com seu currículo
enquanto objetivação de uma ideologia. Assim as instituições de ensino musical – como
resultado da história iniciada pelos conservatórios – podem ser entendidas como opus
operatum: campo de disputas que tem no habitus conservatorial o seu modus operandi.
Palavras-chave: Ensino Superior. Licenciatura em Música. Habitus Conservatorial.
Currículo.
ABSTRACT
Considering the historical moment of musical education with regard to the adoption of the
Law 11.769/2008, the main objective of this work can be translated in mapping and analyzing
the presence of a conservatorial habitus in the curricula for the Music Teachers Education
Programs that are in force after the approval of the National Curriculum Guidelines for Music
Undergraduate Programs (Resolution CNE / CES 2/2004 of March 8, 2004). We work with
the hypothesis that a cultural selection made by teachers in the formulation of curriculum
proposals seem to reflect a conservatorial habitus, proper of the teacher training process and
that this selection, even with the crisis brought by the intersection of social and school
cultures, does not allow an adaptation to reality, revealing thus the relations of power that
determine the school culture and the curriculum of these courses. The methodological design
of this research is guided by the technique of qualitative perspective: a comparative study of
bibliographical and documentary character. Documentary sources of this research are four
curricula documents from four different Music Teachers Education Programs in Brazil:,
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) and Universidade Federal de São
João Del Rei (UFSJ). The comparison areas chosen for comparison are: official knowledge,
selection and distribution of knowledge, and professional knowledge. These areas are outlined
by the construction process of the notion of the conservatorial habitus and by the
investigation of how this makes sense and gives shape in the curricula for music teachers
training. For the construction of the notion of the conservatorial habitus, we present the
historical movement of music education in Brazil – including its inclusion in Brazilian higher
education, as well as a review of curriculum guidelines for undergraduate courses in Music
and for the teachers training for basic education. The analysis has confirmed the influence of
the conservatorial practices in curriculum shaping, from the Guidelines prescriptions (DCN
Music 2004) to the interpretation of them in the materialization of the curricula documents.
Thus, the results showed that the conservatorial habitus – that is inherent to the field of
Arts/Music – is transposed (converted) to the field of Education in the established
interrelation between these two fields, and is incorporated by agents over time in contact with
the institution, with its practices, with its curriculum as an objectification of ideology. Thus
the institutions of musical education - as a result of the story begun by conservatories - can be
understood as an opus operatum: a field of disputes that has in the conservatorial habitus its
modus operandi.
Keywords: Higher Education, Music Teachers Training. Curriculum. Conservatorial Habitus.
RÉSUMÉ
En tenant compte du moment historique de l'éducation musicale à l'égard de la ratification de
la loi 11.769/2008, l'objectif principal de ce travail peut être traduit dans l´investigation et
l'analyse de la présence d'un habitus de conservatoire dans la construction de programmes
d´études de licences de Musique en vigueur après la ratification des Diretrizes Curriculares
Nacionais (Directives de Programmes d´études Nationales Brésiliennes) pour les licences de
Musique de 2004 (CNE / CES 2/2004 du 8 Mars 2004). Nous avançons l'hypothèse que la
sélection culturelle faite par les enseignants à l'élaboration des propositions des programmes
d´études semble refléter un habitus de conservatoire, propre de la formation de ces
enseignants et que cette sélection, malgré la crise provoquée par l'intersection des cultures
sociales et scolaires, ne permet pas une adaptation à la réalité, révélant ainsi les relations de
pouvoir qui déterminent le programme d´études et la culture scolaire de ces cursus. La
conception méthodologique de cette recherche est guidée par la technique de la démarche
qualitative d'une étude comparative de caractère bibliographique et documentaire. Les sources
documentaires de cette recherche sont quatre documents de programme d´études de quatre
licences différentes de Musique au Brésil: l´Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
l´Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), l´Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) et l´Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Les zones de
comparaison retenues pour l'analyse sont les suivantes: la connaissance officielle, la sélection
et la distribution des connaissances, et la professionnalisation des savoirs. Ces zones sont
délimitées par la construction de la notion d´habitus de conservatoire et par l´investigation de
comment cette notion prend forme dans les programmes d´études et donne une forme aux
programmes d´études de formation des enseignants de musique. Pour la construction de la
notion d´habitus de conservatoire, nous présentons le mouvement de l'histoire de
l'enseignement de musique au Brésil - en vue de son inclusion dans l'enseignement supérieur -
, ainsi qu´une analyse des directives des programmes d´études pour les licences de Musique et
pour la formation des enseignants pour l'éducation de base. Les analyses ont confirmé
l'influence de dispositions de conservatoires dans les pratiques des programmes d´études, de
l´élaboration de Diretrizes (Directives - DCN Musique 2004) à son interprétation dans la
matérialisation des documents. En outre, les résultats indiquent que l´habitus de conservatoire
- propre du champ artistique musical - est transposé (converti) au champ éducatif dans la
corrélation établie entre ces deux champs; et il est intégré par les agents au long du temps en
contact avec l'institution, avec ses pratiques, avec son programme d´études en tant qu´une
objectivation d´une idéologie. Ainsi, les établissements d'enseignement musical – comme un
résultat de l'histoire commencée par les conservatoires - peuvent être compris comme opus
operatum: champ de bataille qu'il a sur l´habitus de conservatoire son modus operandi.
Mots-clés: Enseignement supérieur. Licence de Musique. Habitus de conservatoire.
Programme d études.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Quadro comparativo - Distribuição do conhecimento no Brasil Colônia,
Conservatório, INM e DCN Música (2004) ............................................................................. 95
Figura 2 - DCN Música (2004) e DCN Licenciatura (2002) .................................................. 201
Figura 3 - UFSJ - Práticas de Formação por modalidade ....................................................... 209
Figura 4 - Formação Musical.................................................................................................. 217
Figura 5 - Conhecimentos Pedagógicos Comuns ................................................................... 220
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Relatórios de Tese e de Dissertação ....................................................................... 19
Tabela 2 – Objetos de estudo dos relatórios de dissertação por área de conhecimento ........... 21
Tabela 3 – Objetos de estudo dos relatórios de tese por área de conhecimento ....................... 21
Tabela 4 – Conteúdos da disciplina Pedagogia Musical (1937) ............................................... 64
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise
Musical da UFMG .................................................................................................................. 162
Quadro 2 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Contraponto
da UFMG ................................................................................................................................ 162
Quadro 3 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise
Musical da UFMS .................................................................................................................. 163
Quadro 4 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto I da UFMS163
Quadro 5 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento Musical
Flauta Transversal da UFMS .................................................................................................. 164
Quadro 6 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento ou Canto da
UFSJ ...................................................................................................................................... 164
Quadro 7 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto da UFSJ 165
Quadro 8 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Análise Musical da UFSJ 165
Quadro 9 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Harmonia e
Morfologia da UFRJ ............................................................................................................... 166
Quadro 10 - Ementas da disciplina História e Música do curso da UFMG .......................... 167
Quadro 11 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da
Música da UFMS .................................................................................................................... 168
Quadro 12 - Música erudita como conhecimento oficial na disciplina História da Música
Ocidental da UFSJ ................................................................................................................. 168
Quadro 13 - Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da
Música da UFRJ .................................................................................................................... 169
Quadro 14 - Disciplinas de Formação Musical Prática .......................................................... 170
Quadro 15 - Disciplinas de Formação Musical Teórica ......................................................... 173
Quadro 16 - Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Percepção Musical da
UFMG ..................................................................................................................................... 175
Quadro 17 - Centralidade da música notada na disciplina Percepção Musical da UFSJ ....... 175
Quadro 18 - Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Introdução à Música
da UFMS ................................................................................................................................ 176
Quadro 19 - Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMG177
Quadro 20 - Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMS178
Quadro 21 - Música Popular na disciplina Canto Popular do Curso de Licenciatura em Música
da UFSJ .................................................................................................................................. 178
Quadro 22 - Música Popular na disciplina Prática de Música Popular do Curso de Licenciatura
em Música da UFSJ ............................................................................................................... 179
Quadro 23 – Disciplinas de formação pedagógica geral ........................................................ 221
Quadro 24 – Disciplinas de formação pedagógica musical .................................................... 223
SUMÁRIO
NOTAS INTRODUTÓRIAS ................................................................................................. 14
1 DO CONSERVATÓRIO À UNIVERSIDADE: MÚSICA E ENSINO SUPERIOR NO
BRASIL ................................................................................................................................... 43
1.1 A FORMAÇÃO DO MÚSICO – O CONSERVATÓRIO COMO UM MODELO DE
FORMAÇÃO ........................................................................................................................... 43
1.2 O PROFESSOR DE MÚSICA INSERIDO NO CAMPO ESCOLAR – A MÚSICA
COMO FERRAMENTA .......................................................................................................... 53
1.3 MÚSICA E ENSINO SUPERIOR: DA FEDERALIZAÇÃO DOS CONSERVATÓRIOS
ÀS ATUAIS LICENCIATURAS EM MÚSICA ..................................................................... 62
1.4 A HISTÓRIA FEITA NATUREZA – DOXA E NOMOS DA LICENCIATURA EM
MÚSICA ................................................................................................................................... 75
2 DA UNIVERSIDADE: OS MEANDROS DA CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAS
CURRICULARES PÓS DCN 2004 ...................................................................................... 80
2.1 DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO AO NEOLIBERALISMO EDUCACIONAL:
DO LUGAR DAS POLÍTICAS CURRICULARES ................................................................ 80
2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS QUE REGULAMENTAM AS
LICENCIATURAS EM MÚSICA ........................................................................................... 87
2.2.1 As DCN para o curso de graduação em Música (2004).............................................. 90
2.2.2 As DCN para a formação de professores da Educação Básica (2002) ...................... 98
2.2.3 Currículos para os Cursos de Licenciatura em música no Brasil e em alguns outros
países ...................................................................................................................................... 103
2.2.4 Os cursos de Licenciatura em Música no Brasil: uma visão panorâmica .............. 109
3 DOCUMENTOS CURRICULARES E HABITUS CONSERVATORIAL: DUAS
CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE ....................................................................................... 113
3.1 AS INSTITUIÇÕES ......................................................................................................... 113
3.2 HABITUS CONSERVATORIAL: ANOTAÇÕES PARA UMA PRÁTICA ..................... 119
3.2.1 A hegemonia das práticas conservatoriais ................................................................ 121
3.2.2 A morfologia das práticas conservatoriais ................................................................ 122
3.2.3 As práticas objetivadas – o currículo conservatorial e o artista como civilizador 127
3.3 O HABITUS CONSERVATORIAL ................................................................................... 132
3.3.1 Sintetizando: as dimensões do habitus conservatorial .............................................. 145
3.4 EXCURSUS FINALIS - HABITUS CONSERVATORIAL E A TEORIA DOS
CÓDIGOS DE BERNSTEIN (1990) – UMA APROXIMAÇÃO ......................................... 150
4 TRADUÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL EM DOCUMENTOS
CURRICULARES: CONHECIMENTO OFICIAL, SELEÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE
CONHECIMENTO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS ........................ 156
4.1 AS ÁREAS DE COMPARAÇÃO ................................................................................... 156
4.2 A MÚSICA ERUDITA COMO CONHECIMENTO OFICIAL ..................................... 161
4.3 A SELEÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DO CONHECIMENTO ESTRUTURADAS E
ESTRUTURANTES DE/POR UMA IDEOLOGIA DE SUPREMACIA DA MÚSICA
ERUDITA ............................................................................................................................... 191
4.4 A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS: MÚSICA X EDUCAÇÃO .. 218
4.5 COMPARANDO: TRADUÇÕES E IMPLICAÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL
................................................................................................................................................ 226
5 NOTAS FINAIS (ou DA MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIAL E SUAS
IMPLICAÇÕES CURRICULARES) ................................................................................. 231
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 244
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Esta pesquisa relaciona-se com minha trajetória como músico e professor do Curso de
Licenciatura em Música – e as inquietações constantes no decorrer do exercício destas
profissões. Foi minha mãe quem, quando eu decidi estudar música, ensinou-me as ―primeiras
letras‖ musicais. Anotou em um papel os principais códigos musicais (pentagrama, claves,
figuras de valor, etc.) e disse que, com isso, eu estaria apto a ler/executar algumas peças mais
fáceis.
Com o ingresso na Universidade, e, cursando paralelamente as disciplinas específicas
de música e as disciplinas pedagógicas, fui descobrindo a presença do conservatório na minha
formação, ao passo que novas possibilidades musicalizadoras me eram apresentadas. Abracei
a causa das novas metodologias, certo de estar ajudando a ―suavizar‖ os efeitos negativos da
sombra conservatorial na formação musical dos meus alunos.
Apesar de bacharel e mestre em piano, prestei concurso para educação musical – e, de
repente, tornei-me um professor formador de professores. Senti-me responsável por continuar
a lutar contra a figura – quase mítica a esta altura – do conservatório.
Foi em reuniões sobre a construção de um novo projeto pedagógico (ou curricular) que
senti, de maneira mais acentuada, como o conservatório era recriado, como suas propostas
eram revividas na estruturação do ―novo‖ currículo. Novo entre aspas, porque, na realidade,
pouco – ou quase nada – compreendia uma verdadeira modificação.
Nas incursões teórico-metodológicas do grupo de pesquisa ―Observatório da Cultura
Escolar‖ pude organizar instrumentos teóricos que me permitiram explicar aquilo que eu
vivenciava no processo de reestruturação curricular do curso de Licenciatura em Música. Não
me satisfaziam as explicações dadas, até então, de que um modelo era reproduzido,
perpetuado. Durante a reestruturação curricular, existia a consciência de que algo havia de
errado, mas as reformas eram orientadas na mesma direção, como se originassem de uma
mesma matriz.
Acabei por descobrir que eu mesmo trazia ―o conservatório dentro de mim‖. Apesar de
orientar meus alunos a respeitarem os discursos musicais de seus próprios alunos, reconheci
nutrir, ainda que intimamente, certas ―reservas‖ quanto a trabalhar com funk, sertanejo, axé...
Era partidário de utilizar essas músicas en passant, como uma ponte para a verdadeira música,
o tesouro da humanidade, os grandes autores, uma música que valia realmente a pena.
Além disso, no decorrer das análises e aprofundamentos teóricos, percebi que ―o
conservatório dentro de mim‖ ia ainda mais longe: ensinar música era, para mim, ensinar o
15
código musical – não da maneira como era feito no conservatório, mas utilizando as novas
metodologias, que respeitassem a construção concreta que preparasse para a posterior
abstração.
O conservatório, contra o qual eu lutava, estava dentro de mim, orientando minhas
ações e regulando minhas percepções. O habitus conservatorial, que eu queria desvelar nas
ações dos outros, estava incorporado em mim.
O Curso de Licenciatura em Música sempre me provocou inquietações,
principalmente em relação às questões do mercado de trabalho. Se, por definição1, a
Licenciatura no Brasil prepara profissionais para atuarem nas escolas de educação básica2 e a
música não figurava no rol de disciplinas destas instituições; e, além disso, os bacharéis em
música atuavam como professores de seu instrumento antes mesmo da conclusão do curso
superior, qual a real função da Licenciatura em Música?
A aprovação da Lei 11769/2008, que tornou obrigatório o conteúdo de música nas
escolas regulares do país, acabou por amenizar este paradoxo. Amenizar e não resolver, uma
vez que a música, de acordo com a referida lei, não se torna uma disciplina, mas um conteúdo
obrigatório dentro da disciplina Arte. Além disso, o veto presidencial à necessidade de
formação específica para lecionar tal conteúdo permite às Secretarias de Educação do país
exigir dos professores de Arte o ensino do conteúdo musical.
De certa maneira, o paradoxo do Curso de Licenciatura em Música ainda existe. Em
período anterior à aprovação da Lei e até a sua total implementação, os licenciados em
Música buscavam outros espaços de atuação que não as escolas regulares, como
conservatórios de música, escolas especializadas e organizações não-governamentais, entre
outros. Espaços estes, é bom lembrar, divididos com os bacharéis. Com o término deste
período de implementação, em 2011, observa-se que pouco foi feito no sentido de possibilitar
a inserção da música nas escolas, pois além de poucas contratações de profissionais
especializados para tal, estes mesmos profissionais ainda preferem outros locais de trabalho,
ausentando-se das escolas regulares.
______________ 1 A Licenciatura é definida pelo Parecer CNE/CP 28/2001, aprovado pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional
de Educação em 02 de outubro de 2001, como uma ―autorização, permissão ou concessão dada por uma
autoridade pública competente para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade com a
legislação. (...) O diploma de licenciado pelo ensino superior é o documento oficial que atesta a concessão de
uma licença. No caso em questão, trata-se de um título acadêmico obtido em curso superior que faculta ao seu
portador o exercício do magistério na educação básica dos sistemas de ensino, respeitadas as formas de
ingresso, o regime jurídico do serviço público ou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)‖. (BRASIL,
CNE/CP, PARECER 28/2001, p. 2). 2 De acordo com a LDB de 1996, artigo 21, a educação básica é formada pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio.
16
Apesar disso tudo, o fato é que, com a implementação da Lei N. 11769/2008, a
educação básica torna-se objetivamente um campo de atuação profissional, abrindo uma nova
perspectiva de atuação do egresso das Licenciaturas em Música e imprimindo a necessária
reorganização na formação destes futuros profissionais.
Não podemos esquecer que a obrigatoriedade do estudo de música é fruto da luta dos
profissionais do setor, que reagiram ao progressivo esvaziamento do conteúdo musical no
interior das escolas, desde a criação da disciplina Educação Artística, estabelecida pela Lei n.
5.692/19713, e prosseguiu após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394 de 1996.
Diretriz essa que, mesmo incluindo a música na área de conhecimento Artes, não garantiu
uma mudança significativa dessa situação.
O momento atual é, portanto, bastante decisivo para a educação musical e, por que não
dizer, para a música, e sua relação com a escolarização básica dos brasileiros. Esta ―volta‖ do
ensino de música às escolas da educação básica do país traz consigo a ideia de educação
musical para todos. Tal ideia opõe-se sobremaneira às tradições do sistema conservatorial de
ensino de música, que segue seu modelo de escola para a elite. De acordo com Penna (1995),
a função social básica deste modelo é:
[...] formar tecnicamente, pelo e para o padrão da música erudita, os
profissionais para um entretenimento de elite – em outras palavras, os
músicos para as salas de concerto. Ou, ainda, cumprem a função de
enriquecer, através da prática musical, a formação pessoal daqueles que têm,
socialmente, a possibilidade de acesso a essa forma artística. (PENNA, 1995,
p. 14, grifos no original)
A concepção do ensino de música estava vinculada, portanto, a uma formação artística
(ensino da arte e para a arte), na qual a presença do ―músico professor4‖ se fazia necessária.
Entretanto, a reorganização da estrutura escolar e as novas finalidades atribuídas à escola no
decorrer da história obrigaram a adaptações nos procedimentos de ensino musical.
Nesta perspectiva, o músico formado pelo sistema conservatorial notadamente não
parece servir à demanda contemporânea da educação musical. Se a proposta do ensino
______________ 3 Criou a perspectiva de um profissional polivalente no campo das artes e que terminou por diluir os conteúdos
específicos de cada área (cf. PENNA, 2008, p.123) ou mesmo por excluí-los da escola (LOUREIRO, 2003, p.
69). 4 Utilizaremos aqui a categorização proposta por Jardim (2008) de dois profissionais distintos: o ―músico
professor‖ – de formação especializada com caráter essencialmente técnico, estético, artístico e profissional
(com forte apelo à performance) –; e o ―professor de música‖ – profissionais preparados para ensinar música
no espaço escolar.
17
musical nas escolas é a intermediação entre músicas e seres humanos, este músico pouco
serve ao espaço escolar. Portanto, a formação do profissional que atuará neste espaço deve ser
outra.
A proposta da educação musical para todos implica no confronto entre o chamado
―conhecimento erudito‖ e o ―conhecimento popular‖. Somados a este confronto encontram-se
as concepções do governo, da mídia e do senso comum: a música aparece como atividade
recreativa, lúdica, cujas finalidades são sempre auxiliar nas disciplinas realmente importantes,
promovendo maior concentração, coordenação motora e propiciando atividades coletivas,
tudo de maneira prazerosa e relaxante. Além de que os alunos dos cursos de licenciatura não
têm interesse em atuar nos espaços escolares, seus professores não buscam formas de criar
esse interesse e o currículo dos cursos geralmente não favorece a reflexão de referenciais que
possibilitem a entrada no espaço escolar.
A crise está instaurada. Para entendê-la, o eco das perguntas levantadas por Forquin
(1993) levariam à reflexão sobre os cursos de licenciatura em música, a partir dos seguintes
questionamentos: O que ensinar? Quais as razões para se ensinar determinados conteúdos e
não outros? Quais as relações entre a seleção implicada no conceito de currículo e o processo
de desigualdade social? Quais as relações entre cultura erudita e cultura popular no contexto
da elaboração do currículo escolar?
Estas questões são pertinentes a este estudo, não apenas para operar um currículo para
a disciplina música nas escolas básicas, mas, principalmente, iluminam a reflexão sobre o
currículo da formação daqueles que atuarão nestas escolas.
A pesquisa em música é bastante recente, especialmente no Brasil: o primeiro Curso
de Mestrado, implantado na Escola de Música do Rio de Janeiro (UFRJ), data de 1980; já o
primeiro curso de doutorado em Música do país foi implantado em 1995, na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Em estudo sobre a produção discente (teses e dissertações) em educação musical dos
cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros, pertencendo, assim, ao campo da pesquisa
em educação musical no Brasil (FERNANDES, 2000), foram apresentadas as seguintes
especialidades da subárea Educação Musical:
(1) Filosofia e Fundamentos da Educação Musical
(2) Processos Formais e Não-formais da Educação Musical (I, II e III Graus)
(3) Processos Cognitivos na Educação Musical
(4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical
(5) Educação Musical Instrumental (Banda, Orquestra)
(6) Educação Musical Coral
18
(7) Educação Musical Especial.
A especialidade (4), na qual este estudo se enquadra, continha, até o ano 2000, menos
de 5% do total5 de relatórios de teses e dissertações produzidas em programas da área da
Música/Educação Musical. Nos relatórios analisados da área da Educação (56 no total), o
autor observou um discreto aumento na especialidade (4):
Nas dissertações e teses analisadas na área da educação, também
encontramos um aumento - muito pequeno, mas real - nos trabalhos da
especialidade (4) Administração, Currículos e Programas em Educação
Musical (7%), mostrando que a especialidade é um pouco mais valorizada na
área da Educação, mas ainda é carente. Acreditamos que seja por causa do
interesse dos pesquisadores, ligado a uma distância do campo prático
relativo a ela, a uma formação não direcionada a esse campo e a uma falta de
literatura específica (FERNANDES, 2000, p. 50).
Na listagem apresentada ao final do artigo, identificamos apenas dois relatórios que
tratam de documentos curriculares do ensino superior em música: o relatório de tese de
doutorado de Vanda Lima Bellard Freire de 1992 (Faculdade de Educação da UFRJ),
intitulada ―Musica e sociedade: uma perspectiva histórica e uma reflexão aplicada no ensino
superior de Música‖; e o relatório de dissertação de mestrado de Terezinha Aparecida de
Freitas de 1997 (Mestrado em Educação – UnB), intitulado ―O ensino da música na proposta
curricular do Curso de Educação Artística – Habilitação em Música – da Universidade
Federal de Uberlândia: uma visão‖.
Fernandes, em artigos publicados em 2006 e 2007, realiza novo balanço da produção
discente em cursos de pós-graduação de diversas áreas entre os anos de 2002 e 2005. Nesta
análise, foram levantados 267 relatórios de teses e dissertações, sendo apenas 7 deles na área
(4) Administração, Currículos e Programas em Educação Musical.
A partir deste levantamento demos início à busca por relatórios de teses e dissertações
em duas bases digitais: Domínio Público6 e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações7.
A principal questão norteadora do levantamento de relatórios de teses e dissertações
foi: ―Como o Ensino Superior em Música já foi estudado?‖ O que não impediu de serem
analisados os demais estudos sobre educação musical. Esta busca foi orientada pela utilização
______________ 5 O autor encontrou 50 relatórios no total.
6 www.dominiopublico.gov.br
7 www.bdbtd.ibct.br
19
dos seguintes descritores:
ensino superior‖
―música‖
―currículo‖
―sociologia‖
―licenciatura‖
―conservatório‖
Foram encontrados 32 relatórios de teses e dissertações, sendo 11 deles relatórios de
tese e 21 relatórios de dissertação. Estes relatórios estão listados na tabela a seguir:
Tabela 1 – Relatórios de Tese e de Dissertação
Título Autor Ano de
Publicação
1 Os cursos de Licenciatura e a formação do professor: A
contribuição da Universidade Federal de Uberlândiana
construção do perfil de Profissionais da Educação
Olenir Maria Mendes
(Ms)
1999
2 Representações sociais sobre práticas de ensino e
aprendizagem musical: um estudo etnográfico entre
congadeiros, professores e estudantes de música
Margarete Arroyo
(Dr)
2000
3 A construção do professor de música: O modelo
conservatorial na formação e na atuação do professor de
música em Belém do Pará
Lia Braga Vieira (Dr) 2000
4 A reestruturação da educação superior no Brasil e o processo
de metamorfose das universidades federais: O caso da
Universidade Federal de Goiás
João Ferreira de
Oliveira (Dr)
2000
5 Teorias curriculares e suas implicações no ensino superior de
música: um estudo de caso
Magali Oliveira
Kleber (Ms)
2000
6 A formação de professores de música sob a ótica dos alunos
de licenciatura
Cristina Mie Ito
Cereser (Ms)
2003
7 A identidade das Licenciaturas na área de Música: múltiplos
olhares sobre a formação do professor
Nair Aparecida
Rodrigues Pires (Ms)
2003
8 ―Os sons da República‖ – O Ensino da Música nas Escolas
Públicas de São Paulo na Primeira República – 1889 - 1930
Vera Lúcia Gomes
Jardim (Ms)
2003
9 Dando o tom: música e cultura nas ruas, salões e escolas da
cidade de São Paulo (1870-1906)
Ailton Pereira Morila
(Dr)
2004
10 Por que a Licenciatura em Música? Um estudo sobre escolha
profissional com calouros do curso de Licenciatura em
Música da UFRGS em 2003
Ana Lídia da Fontoura
Prates (Ms)
2004
11 Música Educação e Democracia Marco Antônio
Carvalho Santos (Dr)
2004
12 Ser docente universitário – professor de música:dialogando
sobre identidades profissionais com professores de
instrumento
Ana Lúcia Marques e
Louro (Dr)
2004
13 A formação inicial do professor de música no curso de
licenciatura em música da EMBAP (1961 – 1996)
Cristiane Denardi
(Ms)
2006
14 A melodia da formação: um estudo das trajetórias de
formação musical de estudantes da Escola de Música da
UFMG
Francisca Schaich
Prates (Ms)
2006
15 Os saberes que permeiam o trabalho acadêmico dos
professores universitários de música
Fernando Stanzione
Galizia (Ms)
2007
16 Evaluación Del currículo em los Conservatorios de Grado
Superior de Musica de Andalucía
Alejandro Vicente
Bujez (Dr)
2007
20
Título Autor Ano de
Publicação
17 ―O Florão mais belo do Brasil‖: O Imperial Conservatório de
Música do Rio de Janeiro / 1841 – 1865
Janaina Girotto da
Silva (Ms)
2007
18 A música, a narrativa e a formação de profesores Liana Arrais Seródio
(Ms)
2007
19 Da arte à educação: A música nas escolas públicas 1838 –
1971
Vera Lúcia Gomes
Jardim (Dr)
2008
20 Percepção Musical: Situação atual da disciplina nos cursos
superiores de música
Cristiane Hatsue Vital
Otutumi (Ms)
2008
21 A formação de professores de música da faculdade de artes do
Paraná: concepções filosófico-pedagógicas
Solange Maranho
Gomes (Ms)
2008
22 O piano complementar e a interdisciplinaridade: performance,
apreciação e criação integradas na formação acadêmica do
bacharelado e da licenciatura
Maria Inêz Lucas
Machado (Ms)
2008
23 Estudar e trabalhar durante a graduação em Música:
Construindo sentidos sobre a formação profissional do
músico e do professor de música
Cíntia Thais Morato
(Dr)
2009
24 Implementar uma instituição de formação musical: Uma
história do Conservatório de Música Joaquim Franco,
Manaus/AM
Hirlândia Milon
Neves (Ms)
2009
25 A formação do percussionista no Rio de Janeiro: Relações
entre suas práticas, o ensino superior e o mundo do trabalho
Marcello Teixeira
(Ms)
2009
26 Cotidianos sonoros na constituição do habitus e do campo
pedagógico musical: Um estudo a partir dos relatos de vida de
professores da UFC
Maria Goretti
Herculano Silva (Ms)
2009
27 A formação do professor para a escola livre de música Luciana Goss (Ms) 2009
28 Canto Popular: Pensamento e procedimentos de ensino da
Unicamp
Alexei Alves de
Queiroz (Ms)
2009
29 Discursos acadêmicos em Música: cultura e pedagogia e
práticas de formação superior
Eduardo Luedy (Dr) 2009
30 História e memória da educação musical no Piauí: das
primeiras iniciativas à universidade
João Valter Ferreira
Filho (Ms)
2009
31 A abordagem AME- apreciação musical expressiva – como
elemento de mediação entre teoria e prática na formação de
professores de música
Zuraida Abud Bastião
(Dr)
2009
32 Possibilidades para a articulação entre teoria e prática em
cursos de licenciatura
Edna Falcão Dutra
(Ms)
2010
Fonte: Seleção feita para este trabalho a partir dos sites www.bdbtd.ibct.br e
www.dominiopublico.gov.br
Operando com a análise dos relatórios, identificamos certas similaridades entre os
assuntos abordados nas investigações o que permitiu agrupá-los em: (a) estudos curriculares
do Ensino Superior em Música; (b) estudos relacionados às Licenciaturas em Música; (c)
estudos sobre os Bacharelados em Música; (d) estudos sobre os professores universitários de
Música; (e) estudos de disciplinas específicas do Ensino Superior em Música; (f) estudos
sobre a criação de cursos superiores em Música; (g) estudos que utilizam o conceito de
habitus nas investigações sobre o ensino superior de Música; e (h) estudos históricos sobre a
música nas escolas.
As tabelas 2 e 3 (abaixo) mostram a concentração destes objetos de estudo em
programas de Mestrado e Doutorado em Música, Educação e História Social:
21
Tabela 2 – Objetos de estudo dos relatórios de dissertação por área de conhecimento
Objeto (Mestrado) Música Educação História Social
Currículo 2 3
Licenciatura8 4 3
Disciplinas 2
Bacharelado 2
Criação de cursos 1 1
Habitus 1
Históricos 1
Conservatório 1
Fonte: Análise realizada para este trabalho dos relatórios de dissertação levantados
nos sites www.bdbtd.ibct.br e www.dominiopublico.gov.br
Tabela 3 – Objetos de estudo dos relatórios de tese por área de conhecimento
Objeto (Doutorado) Música Educação
Currículo 1
Licenciatura 1 1
Professores Universitários 3
Históricos 3
Conservatório 1
Ensino Superior 1
Fonte: Análise realizada para este trabalho dos relatórios de tese levantados
nos sites www.bdbtd.ibct.br e www.dominiopublico.gov.br
É possível observar um equilíbrio na produção dos relatórios de teses e dissertações
entre as áreas de Música e Educação. Quase a totalidade deles foi produzida nas regiões Sul e
Sudeste do país, havendo, entretanto, algumas produções oriundas da região Nordeste (com
destaque para o programa de pós-graduação – mestrado e doutorado – da Universidade
Federal da Bahia).
O currículo nos cursos de graduação em Música foi mais investigado em cursos de
Mestrado, tanto na área da Educação quanto na área da Música. O número mais expressivo de
trabalhos (9 no total) trata de diversos aspectos das Licenciaturas em Música, com enfoque
______________ 8 Envolvendo temas como estágio, alunos, formação de professores.
22
nos licenciandos – suas opiniões, suas trajetórias de vida, análise do acesso ao curso superior,
formação de professores, estágios supervisionados.
Os relatórios de tese na área da Música concentram-se na investigação dos professores
universitários: seus saberes e discursos. Já na área de educação, são maioria os estudos
históricos envolvendo Música, Educação e Sociedade.
As pesquisas selecionadas para esta análise que têm como objeto de estudo os
documentos curriculares para o ensino superior – especialmente os que tratam das
licenciaturas em música – denunciam a predominância do conteúdo específico em detrimento
do conteúdo pedagógico, como já era sinalizado por Mendes (1999) no estudo dos
documentos curriculares de todos os cursos de licenciatura da Universidade Federal de
Uberlândia. Para a autora, prevalece uma valorização do saber específico em detrimento do
saber pedagógico: 72% das disciplinas oferecidas estão relacionadas com os conteúdos das
matérias específicas9.
Em se tratando dos cursos de música, Denardi (2006/2008) e Kleber (2000) explicitam
algumas características importantes reveladas pelos documentos curriculares. De acordo com
estas autoras, os conteúdos selecionados nestes documentos são destituídos de dimensão
política, uma vez que são oriundos de currículos concebidos como neutros e ideais, a partir
dos modelos estéticos europeus dos séculos passados, e com pouca articulação com a
realidade brasileira contemporânea. (DENARDI, 2006, p. 87).
Existe um consenso com relação à caracterização dos currículos dos cursos superiores
de música como do tipo técnico-linear (FREIRE, 1992; KLEBER, 2000; DENARDI, 2006).
Os modelos curriculares, em sua maioria, apontam para uma prática em que as disciplinas se
apresentam de forma fragmentada e estanque, e os conteúdos são privilegiados em relação ao
processo. O currículo, corriqueiramente, é entendido e tratado de uma forma reduzida,
―unicamente como estrutura curricular‖ (KLEBER, 2000, p. 15).
As alterações percebidas nos desenhos curriculares estudados por estes autores são
periféricas, recaindo apenas sobre os nomes de disciplinas, alterações de cargas horárias e
ementas. Apesar disso, a essência da concepção curricular permanece sempre a mesma.
As pesquisas evidenciam a vontade de se construir um novo projeto pedagógico
pautado no processo coletivo, em que se contemplem a diversidade, o compromisso político-
social, a competência profissional, vislumbrando contribuir para a transformação da sociedade
______________ 9 É importante ressaltar que este estudo é anterior à publicação das DCN para os Cursos de Formação de
Professores para a Educação Básica (2002).
23
(KLEBER, 2000, p. 244). Entretanto, percebem-se vácuos no entendimento do papel do
professor, do aluno e da instituição, no que se refere à organização e operacionalização num
trabalho dessa natureza. Outra dificuldade encontrada está na definição sobre o que privilegiar
e como selecionar o conhecimento musical tendo como perspectiva o interesse do aluno e,
também, o universo do professor, para realizar um trabalho que dê condições de uma atuação
profissional competente.
Estas adversidades podem encontrar algumas respostas na falta de ―identidade‖ dos
cursos de licenciatura em música evidenciada pelos estudos de Pires (2003) e confirmados na
investigação de Gomes (2008).
Os estudos curriculares levantados neste trabalho ressaltam a expressão de práticas
conservatoriais nos currículos do ensino superior de música e enfatizam a falta de conexão
deste com a realidade social. Ampliam esta noção mostrando uma fragmentação do
conhecimento e o privilégio conferido aos conteúdos – conteúdos estes tidos como neutros e
ideais.
Estas investigações explicitam o desejo de reformas, aliado à constatação de que é
necessário incluir as práticas musicais contemporâneas nos currículos dos cursos superiores
de música, entretanto, reforçam que este desejo não é concretizado nas reformas curriculares,
sempre com alterações cosméticas.
Emerge destas leituras uma questão inquietante: como se pode explicar a manutenção
de determinadas práticas, de determinados modelos de formação, apesar de todos os estudos
realizados sobre os problemas oriundos de tais concepções?
Os relatórios que tratam especificamente das licenciaturas em música abordam: a
perspectiva dos licenciandos com relação ao seu curso (CERESER, 2003); as razões da
escolha pela licenciatura em música (PRATES, 2004); a formação profissional que se dá no
curso bem como nas atividades profissionais exercidas pelos estudantes paralelamente à sua
formação (MORATO, 2009); as dificuldades de acesso ao curso superior de música
(PRATES, 2006); a preparação oferecida pelos cursos de licenciatura para a atuação em
escolas específicas de música (GOSS, 2009); e a articulação entre teoria e prática na
realização do estágio supervisionado (BASTIÃO, 2009).
Estes estudos demonstram que os licenciandos sentem falta de uma identidade no
curso de licenciatura (CERESER, 2003) – como indicado por Pires (2003) e Gomes (2008).
Demonstram também que os estudantes das licenciaturas em música estão preparados para dar
24
aula a quem gosta de música, não para os que não gostam – o que poderia justificar a ausência
dos licenciados no contexto da escola regular (CERESER, 2003, p. 137).
Pode-se observar que as licenciaturas em Música têm sido estudadas sob diferentes
perspectivas teóricas, abordando vários problemas na formação de docentes em educação
musical. Todos estes estudos acabam por tocar em pontos centrais para esta investigação,
como a falta de relação do curso superior com a realidade social, a falta de conexão entre as
disciplinas e revelam ainda as opiniões de alunos e de professores sobre os problemas e
acertos dos cursos de licenciatura.
Dos trabalhos que focaram os saberes e discursos dos professores universitários pode-
se depreender que os professores do ensino superior em música se percebem mais como
músicos do que como professores, da mesma forma que acontece nas licenciaturas em
música: os alunos, além de buscar a formação musical no ensino superior, têm esta
perspectiva referendada pelos currículos, onde o ensino específico de música prevalece sobre
o conteúdo pedagógico. Além disso, os estudos reforçam, mais uma vez, a manutenção de
práticas ligadas ao conservatório, além de revelar o incômodo que isto provoca nos
professores.
Os estudos que tratam do Bacharelado em Música problematizam a
presença/ausência/necessidade da música popular. Estes trabalhos mantêm relações estreitas
com os estudos sobre as Licenciaturas em Música: a necessidade de contextualização das
práticas universitárias em relação às práticas musicais contemporâneas.
Algumas das pesquisas encontradas descrevem a criação de cursos superiores em
música, ligando as origens destes cursos aos conservatórios de música locais. É o caso dos
relatórios de dissertação de Neves (2009) – sobre a trajetória do conservatório Joaquim
Franco em Manaus/AM até sua integração à UFAM; e Filho (2009) – que oferece uma
retrospectiva histórica das iniciativas de Educação Musical no estado do Piauí no recorte
temporal compreendido entre a fundação de Oeiras, primeira capital piauiense, até os dias
atuais, quando analisa o ensino desenvolvido no interior da UFPI. Silva, J. (2007), por sua
vez, descreve a criação do primeiro conservatório de música do Brasil – o Imperial
Conservatório de Música, no Rio de Janeiro do século XIX – que viria a se tornar o primeiro
curso superior de Música no país.
Como a presente pesquisa trabalha com o conceito bourdieusiano de habitus,
procuramos observar também aqueles estudos que se utilizaram deste conceito em suas
25
investigações – ainda que com diferentes enfoques e objetivos. É o caso de Prates (2004) e
Silva (2009).
Prates (2004) utilizou o conceito de habitus como um dos fatores que explicariam a
escolha dos alunos pelo curso superior em música. Silva, M. (2009) buscou compreender
como os professores de um curso de educação musical se constituíram em docentes dessa
área, detendo o olhar sobre suas trajetórias de vida. Essa autora se propôs a investigar o
processo de constituição do habitus e do campo pedagógico-musical na trajetória de docentes
do curso de Educação Musical da UFC, com o objetivo de compreender como esses agentes
se constituíram em professores do curso de Educação Musical e em que medida suas
trajetórias possibilitaram a convergência para atuarem em um mesmo campo.
Segundo Silva, M. (2009), as disposições agregadas pelos agentes – quer na família,
na escola, na universidade ou em outros espaços e contextos de formação – conduziram suas
ações, deliberaram estratégias, dentro de um plano, que, mesmo não sendo intencional
incorpora um sentido do jogo da vida social. Nessa caminhada a prática revelou-se como
fundamento para a construção das concepções e formas de agir dos agentes dentro do campo.
Isso se destacou em uma formação amplamente fundamentada em contextos da prática
musical, desenvolvida em âmbitos da informalidade e legitimada nos espaços acadêmicos
(SILVA, 2009, p.109).
Outros estudos – como o de Prates, F. (2006) – utilizaram também a obra de Bourdieu
como referência, sem que o conceito de habitus fosse utilizado centralmente nas
investigações. A utilização deste conceito nos relatórios selecionados para esta análise está
atrelada à investigação da vida de professores e alunos que optam por uma carreira ligada ao
ensino musical.
Embora não tratem especificamente do ensino superior, três relatórios encontrados
(JARDIM, 2003; MORILA, 2004; e SANTOS, 2004) tratam da música nas escolas e, por
refletirem sobre a Música no contexto das escolas regulares, estes estudos auxiliam na
compreensão deste lócus para o qual o licenciado é formado no Brasil, conduzindo, desta
maneira, à reflexão sobre os currículos que prescrevem esta formação.
Em síntese, a revisão da produção de relatórios de dissertações e teses selecionados
nos mostra que vários estudos tratam de questões envolvendo, de alguma forma, a hegemonia
da música erudita em contraposição às práticas musicais atuais, resistindo à entrada da música
popular, por exemplo, no ensino superior de música.
26
Neste sentido, a investigação sobre currículos, alunos e professores do ensino superior
acabam por abordar os problemas da falta de conexão entre a universidade e a realidade
social. São encontradas permanências de práticas historicamente situadas, problemas na
seleção curricular, e ainda assim parece que muito pouco foi feito em relação a isto. Nota-se
uma resistência muito forte a mudanças nos paradigmas tradicionais de formação musical.
Este estudo pretende contribuir para a compreensão destas permanências já
identificadas, buscando explicações para a manutenção de determinadas práticas históricas
apesar da demanda contemporânea apontar para outras direções. Nesta perspectiva, na
tentativa de aprofundar na compreensão das questões que emergiram a partir das leituras,
optamos por analisar os documentos curriculares dos cursos de Licenciatura em Música a
partir dos conceitos de habitus e campo propostos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Os campos, na concepção bourdieusiana, são espaços de relações objetivas que
possuem uma lógica própria. Bourdieu (2008, p. 50) afirma ser o campo tanto um campo de
forças, ―cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos‖, quanto um
campo de lutas, ―no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados
conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação
ou a transformação de sua estrutura‖.
Neste sentido, o ensino superior de música – especialmente as licenciaturas – pode ser
compreendido na inter-relação dos campos educativo, artístico, social, econômico, simbólico
e cultural. Assim, encontra-se inserido em um espaço relacional, permeado por lutas de
conservação e transformação das suas estruturas. Desta forma, o ―modelo conservatorial‖
pode ser encarado não como algo que vem sendo simplesmente reproduzido, passado de
geração em geração; mas como um conjunto de disposições que vem sendo recriado,
atualizado e portanto, continuamente re-produzido (produzido de novo) no decorrer da
história.
Os campos são produtos da história, das disposições que foram sendo inventadas no
decorrer dessa história e que, aos poucos, foram se inscrevendo nos corpos ao longo do
processo de aprendizagem (BOURDIEU, 2001, p. 129). Para Bourdieu (2003, p. 122), ―é toda
a história do jogo, todo o passado do jogo, que estão presentes em cada acto de jogo‖.
O conceito de campo está intrinsecamente ligado ao de habitus na sociologia de
Bourdieu. Bourdieu define como habitus:
[...] sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e
27
estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente
―reguladas‖ e ―regulares‖ sem ser o produto da obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins
e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e
coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um
regente (BOURDIEU, 1983, p. 61, grifos no original).
Neste sentido, Vandenberghe (2006, p. 27) afirma que ―[...] o habitus é a
interiorização ou incorporação de estruturas sociais, enquanto o campo é a exteriorização ou
objetivação do habitus‖. A forma como o agente consome, produz e acumula todas as coisas
será fortemente influenciada/determinada pela posição que ele ocupa no interior do campo.
Todo campo possui uma estrutura, uma doxa (opinião consensual, senso comum,
aquilo em que todos estão de acordo) e um nomos (leis que o regem e que regulam a luta pela
dominação do campo). A estrutura do campo é um estado da relação de forças entre os
agentes ou as instituições envolvidas na luta pela hegemonia no interior do campo, um estado
da distribuição do capital específico que, acumulado no decorrer das lutas anteriores, orienta
as estratégias posteriores (BOURDIEU, 2003, p. 120)
A doxa, segundo Bourdieu (2008, p. 120), é um ponto de vista particular, o ponto de
vista dos dominantes, que se apresenta e se impõe como ponto de vista universal. Um
conjunto de crenças fundamentais que nem sequer precisam se afirmar sob a forma de um
dogma explícito e consciente de si mesmo.
E o nomos, por sua vez, é uma lei tácita (BOURDIEU, 2008, p. 127), fundamental,
que avalia (rege e regula) o que se faz aí, as questões que aí estão em jogo, de acordo com
princípios e critérios irredutíveis aos de outros universos (BOURDIEU, 2008, p. 148).
Segundo Bourdieu (2001, p. 117), nomos é uma palavra que se traduz em geral por "lei" e que
seria preferível verter por "constituição‖, que lembra melhor o ato de instituição arbitrária, ou
por ―princípio de visão e de divisão‖. De acordo com o autor, é uma lei irredutível e
incomensurável a qualquer outra: ela nunca pode ser referida à lei de um outro campo ou ao
regime de verdade aí implicado. Todo campo, como produto histórico, tem um nomos
distinto.
As lutas no interior do campo giram em torno do conflito pela dominação que se dá
pela via da violência simbólica daqueles que dominam contra aqueles que têm a pretensão à
dominação. Esta é, em geral, não-evidente, não-explícita, mas sutil e violenta. A violência
simbólica, por sua vez, se dá com a cumplicidade daquele que a sofre:
28
Bourdieu (1992, p. 52) ressalta que em relação às camadas dominadas, o
maior efeito da violência simbólica exercida pela escola não é a perda da
cultura familiar e a inculcação de uma nova cultura exógena (mesmo porque
essa inculcação, como já se viu, seria prejudicada pela falta das condições
necessárias à sua recepção), mas o reconhecimento, por parte dos membros
dessa camada, da superioridade e legitimidade da cultura dominante. Esse
reconhecimento se traduziria numa desvalorização do saber e do saber-fazer
tradicionais – por exemplo, da medicina, da arte e da linguagem populares, e
mesmo do direito consuetudinário – em favor do saber e do saber-fazer
socialmente legitimados. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 16)
É importante considerar que o campo é caracterizado tanto pelas relações de força
resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso, quanto pelas pressões externas a ele.
Os campos se interpenetram, se inter-relacionam. O campo possui uma autonomia, dada pelo
volume e pela estrutura do capital dominante. Thiry-Cherques (2006, p. 41) trabalha com a
idéia de que esta autonomia provoca uma espécie de refração destas inter-relações, influências
e contaminações ao ingressarem em cada campo específico, interpretando-as. A idéia de
refração nos auxilia a compreender que o que ocorre no interior do campo não é mero reflexo
de pressões externas, mas uma expressão simbólica, uma tradução, refratada pela sua própria
lógica interna.
O conceito de habitus se mostra como uma ferramenta teórica capaz de responder à
questão central que se coloca em relação às práticas conservatoriais: disposições estruturadas
e estruturantes que atuam como matrizes de percepção e ação que são continuamente re-
criadas no decorrer da história do campo, constituindo doxas e nomos que orientam as
reformas curriculares e metodológicas. Ou seja, este ―modelo conservatorial‖ pode ser
entendido, na verdade, como um habitus incorporado pelos agentes do campo em questão,
que orienta as estratégias dos agentes nas relações de força deste campo. Não se trata,
portanto, de um modelo fechado, acabado, mas de disposições em constante atualização, que
estruturam o ensino e as práticas musicais e são, por conseguinte, também estruturados por
elas.
O habitus conservatorial, aqui tomado como objeto de pesquisa, seria próprio do
campo artístico musical e estaria transposto (convertido) ao campo educativo na interrelação
estabelecida entre estes dois campos. E seria incorporado nos agentes ao longo do tempo no
contato com a instituição, com suas práticas, com seu currículo enquanto objetivação de uma
ideologia. Assim as instituições de ensino musical – como resultado da história iniciada pelos
conservatórios – podem ser entendidas como opus operatum: campo de disputas que tem no
habitus conservatorial o seu modus operandi.
29
É neste sentido que o objetivo central deste estudo pode ser traduzido no mapeamento
e na análise da presença deste habitus conservatorial na construção de currículos das
Licenciaturas em Música que estejam em vigor após a aprovação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Graduação em Música de 2004 (Resolução CNE/CES 2/2004 de 8 de março
de 2004).
Para tal, outros objetivos mais específicos podem ser delineados, com vistas à
consecução do objetivo principal. São eles:
— Descrever o movimento histórico da música no ensino superior brasileiro;
— Analisar as relações do ensino superior com os conservatórios de música, na
perspectiva da construção da noção de habitus conservatorial;
— Compreender algumas propostas curriculares das Licenciaturas em Música a partir
da produção bibliográfica da área e da produção documental, que regula o ensino de música
no ensino superior e na educação básica;
— Identificar formas de produção e de regulação presentes nos documentos
curriculares das licenciaturas em música;
— Identificar os pressupostos ideológicos e os interesses sociais dos grupos
dominantes na seleção e organização do conteúdos cognitivos e culturais do ensino superior
de Música;
— Comparar quatro projetos pedagógicos do ensino superior de música de diferentes
Instituições de Ensino Superior brasileiras, buscando evidenciar a manutenção do habitus
conservatorial nos currículos de formação de músicos professores e professores de música no
Brasil.
Nesta perspectiva, este estudo apresenta um cunho qualitativo, sendo
metodologicamente orientado pelas técnicas dos estudos comparados de natureza
bibliográfico documental. De acordo com Chizzotti (2003, p. 221), o termo qualitativo
implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa,
para extrair deste convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a
uma atenção sensível e, após esse tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto,
zelosamente escrito, com perspicácia e competências científicas os significados patentes ou
ocultos do seu objeto de pesquisa.
No caso deste estudo, buscando explicitar um sistema complexo de significados que
foram analisados e comparados à luz da teoria crítica do currículo e da sociologia da cultura,
30
trabalhamos com documentos curriculares e normativos produzidos para a Licenciatura em
Música e a Educação Musical no ensino superior. Como aponta Neves (1996, p. 1, grifos no
original):
A expressão ―pesquisa qualitativa‖ assume diferentes significados no campo
das ciências sociais. Compreende um conjunto de diferentes técnicas que
visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema complexo
de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos
fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e
indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação.
Schneider e Schimitt (1998, p. 1) afirmam que a comparação pode ser considerada
como inerente ao processo de construção do conhecimento nas ciências sociais:
É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos
descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir
modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidades,
semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que
regem os fenômenos sociais. (SCHNEIDER e SCHMIDTT, 1998, p. 1)
As autoras mostram ainda que:
A princípio, o que se espera, é que o método comparativo, se bem aplicado,
possa servir como uma bússola para que o cientista social consiga realizar
sua viagem explorando os caminhos que se abrem no decorrer do processo
de investigação sem se afastar demasiado, no entanto, de um trabalho
sistemático sobre as interrogações que o motivaram no início de seu
trabalho. (SCHNEIDER e SCHIMITT, 1998, p. 36)
O método de comparação foi empregado na análise de documentos intencionalmente
selecionados, a saber: os projetos pedagógicos de quatro diferentes Instituições de Ensino
Superior. A análise destes projetos orientou-se pela bibliografia analisada e pelos documentos
oficiais que regulamentam o ensino de música nos níveis superior e básico de ensino.
No tocante à pesquisa bibliográfica consideramos ―[...] um excelente meio de
formação científica quando realizada independentemente – análise teórica – ou como parte
indispensável de qualquer trabalho científico, visando à construção da plataforma teórica do
estudo‖ (MARTINS e THEÓPHILO, 2007, p. 54). Diante disso, desenvolvemos como
estratégias para operacionalizá-la o levantamento, a seleção e a análise de referenciais vindos
do campo da sociologia crítica do currículo, da escola e da cultura. Acresce-se a isso o
31
aprofundamento de análises em tornos de obras específicas da educação musical
contemporânea.
Quanto às fontes documentais10
, trabalhamos com a seleção de quatro projetos
pedagógicos, das Licenciaturas em Música das Universidades Federal de Minas Gerais
(UFMG), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e
Federal de São João Del Rei (UFSJ); escolhidos segundo os seguintes critérios: a UFRJ tem
suas origens na primeira instituição destinada especialmente ao ensino de música no país, o
Conservatório de Música do Rio de Janeiro; a UFMG por se tratar de um curso originado pela
federalização de um conservatório de Música e por afirmar a tentativa, no projeto pedagógico
atual, de romper com o modelo conservatorial (BARBEITAS, 2002); a UFMS pela criação
específica da Licenciatura em Música com Habilitação em Educação Musical, distante da
perspectiva de conservatório; e a UFSJ por apresentar o curso de Licenciatura em Música com
habilitação em Educação Musical e em diferentes instrumentos musicais (piano, canto, violão,
etc.). Além disso, buscamos selecionar projetos pedagógicos que estivessem em vigor após a
publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Música, aprovadas e
publicadas em março de 2004.
Os documentos levantados e utilizados como fontes para a análise são:
Decisão CEPE de 19 de abril de 2001 – que aprova as diretrizes de flexibilização
curricular dos cursos de graduação da UFMG.
Proposta de Reforma Curricular do Curso de Graduação em Música da Escola de
Música da UFMG (1999).
Projeto Pedagógico dos cursos noturnos da Escola de Música da UFMG (2001).
Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Música da UFMS (2011).
Curso de Licenciatura em Música da UFRJ – Projeto Pedagógico (2008).
Matriz Curricular do Curso de Licenciatura em Música da UFRJ (2009).
Projeto Pedagógico – Curso de Música da UFSJ (2008).
______________ 10
Os documentos curriculares da UFSJ e da UFRJ foram obtidos nos sites
http://www.ufsj.edu.br/cmusi/projeto_pedagogico.php e www.musica.ufrj.br, respectivamente. Já os
documentos da UFMS e UFMG foram enviados por e-mail pelos responsáveis dos colegiados de cada um dos
cursos.
32
Cristofoli (2009, p. 2) nos lembra que a comparação é um meio e não uma finalidade.
É importante frisar que não visamos uma classificação, ou uma hierarquização, mas sim
explicitar e buscar sentido para as semelhanças e diferenças nas construções curriculares para
os cursos de Licenciatura em Musica no Brasil.
Concordamos com Ferreira (2009, p. 158) que é pertinente considerar a educação
comparada como componente pluridisciplinar das Ciências da Educação que deve debruçar-se
comparativamente sobre dinâmicas do processo educativo, considerando contextos diversos
definidos em função do tempo e/ou espaço, de modo a obter conhecimentos que não seria
possível alcançar a partir da análise de uma só situação.
Dessa forma, neste estudo comparado utilizamos conceitos advindos de diferentes
áreas do conhecimento, como Sociologia, História, Currículo e Música. Estas áreas nos
auxiliam a compreender os processos envolvidos na construção curricular dos cursos de
Licenciatura em Música uma vez que nos auxiliam a ―olhar para seu funcionamento interno e,
simultaneamente, encarar suas relações com as dimensões política, econômica, social e
cultural que o envolvem, condicionam ou determinam (FERREIRA, 2009, p. 158)‖.
Schriewer (2009, p. 78) argumenta que as análises comparadas da sociologia do
conhecimento têm mostrado a persistência das estruturas acadêmicas impressas pela tradição
e, além disso, têm demonstrado como disciplinas particulares continuam a tirar, e até mesmo a
renovar, as suas principais orientações paradigmáticas do ―espírito de suas respectivas
tradições teóricas‖. É neste sentido que conduzimos a comparação dos projetos pedagógicos
destes cursos: no intuito de verificar se as práticas e concepções conservatoriais de música e
de ensino de música (o espírito da tradição musical) estão introjetadas nos currículos do
ensino superior, orientando ainda hoje a formação de músicos professores e professores de
música.
Para tanto, foram elencadas as seguintes áreas para a realização do estudo comparado
dos projetos pedagógicos:
Conhecimento Oficial;
Seleção e distribuição de conhecimento;
Profissionalização dos conhecimentos.
Estas áreas, que serão desenvolvidas mais aprofundadamente no terceiro capítulo deste
trabalho, permitem explicitar a manifestação do habitus conservatorial na prática da escrita
33
curricular dos cursos de licenciatura em música após as DCN de 2004 por ressaltarem
determinadas características que evidenciam a incorporação de disposições ligadas a um
modelo próprio do conservatório.
O habitus conservatorial atuaria de maneira bastante marcante na legitimação do
conhecimento oficial, na forma como este conhecimento é selecionado e distribuído e, nas
tensões que se estabelecem entre os diferentes tipos de conhecimento selecionado com vistas
à formação profissional dos professores de música. Além disso, estas mesmas áreas permitem
a análise das próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
Música na perspectiva de encontrar também aí traços das práticas dos conservatórios.
Para dar sustentação a essas análises operamos, também, com o levantamento de
documentos legais que regulamentam o ensino básico e o superior de Música, bem como os
documentos que tratam dos cursos de Licenciatura.
Nesta perspectiva, este estudo está inserido no campo da teoria crítica que, segundo
Popkewitz e Fendler (1999, p. xiii, tradução nossa):
[...] aborda as relações entre escolaridade, educação, cultura, sociedade,
economia e governo. O projeto crítico em educação parte do pressuposto de
que as práticas pedagógicas estão relacionadas às práticas sociais, e que é
tarefa do intelectual crítico identificar e resolver as injustiças nestas práticas
11.
Desta maneira, a compreensão das práticas curriculares dos cursos superiores12
de
Música no Brasil buscou relacionar estes currículos com a sociedade e suas práticas culturais,
na perspectiva de identificar possíveis falhas e injustiças. De acordo com Moreira e Silva
(1995, p. 27):
[...] a idéia de cultura é inseparável da de grupos e classes sociais. Em uma
sociedade dividida, a cultura é o terreno por excelência onde se dá a luta pela
manutenção ou superação das divisões sociais. O currículo educacional, por
sua vez, é o terreno privilegiado de manifestação desse conflito.
______________ 11
Critical theory addresses the relations among schooling, education, culture, society, economy, and governance.
The critical project in education proceeds from the assumption that pedagogical practices are related to social
practices, and that it is the task of the critical intellectual to identify and address injustices in these practices. 12
Entende-se ―ensino superior‖ os referidos nos incisos I e II do artigo 44 da lei n. 9394 de 20 de dezembro de
1996 (I – cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que
atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio
ou equivalente; (Redação dada pela Lei nº 11.632, de 2007). II - de graduação, abertos a candidatos que
tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo).
34
Além de ―terreno privilegiado de manifestação‖ dos conflitos sociais, os autores
mostram que:
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em
relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e
interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais
particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele
tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de
organização da sociedade e da educação. (MOREIRA e SILVA, 1995, p. 7 –
8)
Goodson (1999, p. 21) afirma que o currículo escrito ―[...] não passa de um
testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para, mediante
sua retórica, legitimar uma escolarização‖. Neste sentido, prossegue o autor, o currículo
procura justificar determinadas intenções básicas de escolarização, à medida que vão sendo
operacionalizadas em estruturas e instituições. Sintetizando:
[...] o currículo escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte
documental, um mapa do terreno sujeito a modificações; constitui também
um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da
escolarização. (GOODSON,1999, p. 21)
Os documentos curriculares do Ensino Superior em Música (em especial os da
Licenciatura) foram tomados como ―testemunhos‖ de uma seleção cultural efetuada para a
institucionalização dos processos de ensino e aprendizagem de Música. A questão que
propusemos foi compreender a quem interessa a seleção cultural realizada nestes documentos,
que relações de poder estão implícitas neles e quais os problemas que decorrem destes fatores.
Como afirmam Moreira e Silva (1995, p. 29, grifos no original):
Por um lado, o currículo, enquanto definição ―oficial‖ daquilo que conta
como conhecimento válido e importante, expressa os interesses de grupos e
classes colocados em vantagem em relações de poder. Desta forma, o
currículo é expressão das relações sociais de poder.
Acresce-se a isso,
Preocupar-se com questões de poder – (...) com a forma como as distinções
de classe social, raça e sexo penetram as escolas controlando professores e
35
alunos e imiscuem-se no conteúdo e na organização do currículo – é assumir
o peso da responsabilidade dos muitos homens e mulheres que ajudaram a
formar aqueles de nós que trabalham por uma sociedade mais
democratizada. (APPLE, 1995a, p. 41)
Foi necessário, portanto, pensar numa perspectiva histórica do Ensino Superior em
Música no Brasil, a fim de se compreender as formas pelas quais estas relações de poder
foram incorporadas aos currículos e mantidas até hoje. Apple (1995a, p. 46) ressalta ainda
que:
[...] uma vez que as pressões e demandas dos grupos dominantes são
intensamente mediatizadas pela história de cada instituição educacional e
pelas necessidades e ideologias das pessoas que de fato nela trabalham, os
objetivos e resultados serão também frequentemente contraditórios. Sejam
quais forem esses objetivos e resultados, entretanto, o fato é que há pessoas
de verdade sendo tanto ajudadas quanto prejudicadas dentro desses edifícios.
O aprofundamento na compreensão do currículo e da história dos cursos superiores de
Música pode contribuir para a identificação das formas pelas quais as pessoas vêm sendo
afastadas de uma experiência musicalmente enriquecedora.
Giroux e McLaren (1995, p. 142), mostram ainda que as escolas são instituições
históricas e culturais que sempre incorporam interesses ideológicos e políticos. Desta forma,
[...] as escolas são terrenos ideológicos e políticos a partir dos quais a cultura
dominante ―fabrica‖ suas ―certezas‖ hegemônicas; mas são também lugares
onde grupos dominantes e subordinados se definem e se reprimem
mutuamente em uma batalha e um intercâmbio incessantes, em resposta às
condições sócio-históricas ―propagadas‖ nas práticas institucionais, textuais
e vivenciais que caracterizam a cultura escolar e a experiência
professor/aluno dentro de determinados tempo, espaço e local. (GIROUX e
MCLAREN, 1995, p. 142, grifos no original)
Na análise dos documentos curriculares, pretendeu-se observar como as formas
musicais hegemônicas são selecionadas como conhecimento musical oficial nos cursos
superiores de música – em especial no caso da Licenciatura, afetadas pelo fato de que estas
formas hegemônicas são frequentemente rejeitadas nas práticas de ensino musical das escolas
regulares além de serem pouco familiares a grande parte das crianças (cf. FERNANDES,
2000; SUBTIL, 2003).
O que se pretendeu aprofundar nesta pesquisa foi a compreensão de como se dá (e se
realmente ocorre) a manutenção do modelo conservatorial na estrutura das Instituições de
36
Ensino Superior (IES) de Música. Este modelo seleciona como música legítima quase que
exclusivamente a música erudita e, este foco na música erudita pode ser compreendido como
a idéia de arbitrário cultural presente na obra de Bourdieu. Nogueira et al (2002) afirmam que
Bourdieu se aproxima aqui de uma concepção antropológica de cultura onde, de acordo com
essa concepção, nenhuma cultura poderia ser obviamente definida como superior a nenhuma
outra.
Assim, os valores que orientariam cada grupo em suas atitudes e comportamentos
seriam, por definição, arbitrários: não estariam fundamentados em nenhuma razão objetiva,
universal. Segundo Nogueira et al (2002), esses valores – ou seja, a cultura de cada grupo –
seriam vividos como os únicos possíveis ou, pelo menos, como os únicos legítimos. O mesmo
ocorreria no caso da escola para Bourdieu:
A cultura consagrada e transmitida pela escola não seria objetivamente
superior a nenhuma outra. O valor que lhe é concedido seria arbitrário, não
estaria fundamentado em nenhuma verdade objetiva, inquestionável. Apesar
de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente reconhecida como a cultura
legítima, como a única universalmente válida. Na perspectiva de Bourdieu, a
conversão de um arbitrário cultural em cultura legítima só pode ser
compreendida quando se considera a relação entre os vários arbitrários em
disputa em uma determinada sociedade e as relações de força entre os grupos
ou classes sociais presentes nessa mesma sociedade. No caso das sociedades
de classes, a capacidade de legitimação de um arbitrário cultural
corresponderia à força da classe social que o sustenta. De um modo geral, os
valores arbitrários capazes de se impor como cultura legítima seriam aqueles
sustentados pela classe dominante. Para Bourdieu, portanto, a cultura
escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como
legítima pelas classes dominantes. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 14)
De acordo com Nogueira et al (2002) Bourdieu observa, no entanto, que a autoridade
pedagógica, ou seja, a legitimidade da instituição escolar e da ação pedagógica que nela se
exerce, só pode ser garantida na medida em que o caráter arbitrário e socialmente imposto da
cultura escolar é dissimulado. Apesar de arbitrária e socialmente vinculada a uma classe, a
cultura escolar precisaria, para ser legitimada, ser apresentada como uma cultura neutra:
Em poucas palavras, a autoridade alcançada por uma ação pedagógica, ou
seja, a legitimidade conferida a essa ação e aos conteúdos que ela transmite
seriam proporcionais à sua capacidade de se apresentar como não arbitrária e
não vinculada a nenhuma classe social.
Uma vez reconhecida como legítima, ou seja, como portadora de um
discurso não arbitrário e socialmente neutro, a escola passa a poder exercer,
na perspectiva bourdieusiana, livre de qualquer suspeita, suas funções de
reprodução e legitimação das desigualdades sociais. Essas funções se
37
realizariam, em primeiro lugar, paradoxalmente, por meio da eqüidade
formal estabelecida pela escola entre todos os alunos. Segundo Bourdieu
(1998, p. 53), para que sejam favorecidos os mais favorecidos e
desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola
ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e
técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades
culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Tratando
formalmente de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente, a
escola privilegiaria, dissimuladamente, quem, por sua bagagem familiar, já é
privilegiado. (NOGUEIRA et al, 2002, p. 15)
No ensino superior de Música esta cultura dominante seria representada pela música
erudita, ligada a uma cultura da elite. Essa escolha da música erudita seria legitimada como
cultura universal, dissimulando sua ligação com uma classe dominante através de um habitus
inculcado pelo modelo conservatorial.
Desta forma, por meio deste habitus introjetado pelo modelo conservatorial, a música
erudita seria justificada pelos professores como universal e legitimada no espaço escolar.
Ocorre que para Bourdieu (1992) a comunicação pedagógica exige que os receptores
dominem o código utilizado na produção desta comunicação para sua plena compreensão e
aproveitamento. Ou seja, o grau em que esta comunicação pedagógica é compreendida e
assimilada pelos alunos dependeria do grau em que os alunos dominam o código necessário à
decifração dessa comunicação. O que se observa hoje é que os alunos não dominam os
códigos necessários à decifração desta comunicação pedagógica instaurada no curso: a música
erudita não faz parte do cotidiano da grande maioria deles. Ainda assim os professores não
alteram os seus paradigmas, reforçando as relações de poder que influenciam o currículo do
curso, o que resulta em violência simbólica.
E este reconhecimento da superioridade da música erudita por parte dos alunos em
detrimento da música que eles estavam habituados a ouvir e a fazer é visível em suas falas e
em seus trabalhos escolares.
O currículo é determinado, desta forma, pelas relações de poder existentes no curso e
pela cultura escolar deste curso. Viñao Frago (2000) define a cultura escolar como um
conjunto de práticas, normas, idéias e procedimentos que se expressam em modos de fazer e
pensar o cotidiano da escola. Estes modos de fazer e pensar são amplamente compartilhados,
assumidos, não postos em questão e interiorizados:
Este termo, de significado ambíguo e polissêmico, compreende, em sua
perspectiva histórica, uma série de maneiras de fazer e de pensar, crenças e
práticas, atitudes e comportamentos sedimentados ao longo do tempo e
38
partilhados no seio das instituições educativas, que são transmitidos aos
novos membros da comunidade escolar, especialmente a professores e
alunos, e que proporcionam estratégias para integrar-se com elas mesmas,
interagir e realizar, sobretudo na aula, as tarefas cotidianas que se espera de
cada um, assim como, ao mesmo tempo, fazer frente às exigências e
limitações que os implicam e envolvem13
. (FRAGO, 2000, p. 6, tradução
nossa)
Sugerimos, neste sentido, a existência de um habitus conservatorial, matriz das idéias
e dos procedimentos expressados pelo currículo e que determina e é determinado pela cultura
escolar do ensino superior de música.
Forquin (1993, p. 168), por sua vez, entende cultura como ―[...] um mundo
humanamente construído, mundo das instituições e dos signos no qual, desde a origem, se
banha o indivíduo humano, tão somente por ser humano, e que constitui como que sua
segunda matriz‖. O autor define, desta forma, a cultura escolar como ―[...] o conjunto dos
conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ―normalizados‖,
―rotinizados‖, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto
de uma transmissão deliberada no contexto das escolas‖. (FORQUIN, 1993, p. 167, grifos no
original)
Depreende-se deste conceito que o habitus conservatorial possa ser decisivo na
seleção cultural efetuada no currículo do ensino superior de música, organizando,
normalizando e rotinizando as transmissões escolares da música.
Entendendo o currículo como uma seleção da/na/pela cultura, é significativo localizar
este currículo no centro de um cruzamento de culturas. A proposta de compreender o
cruzamento de culturas que se dá na escola (cf. PÉREZ-GOMEZ, 2001), leva-nos à premissa
de que ela e o sistema educativo em seu conjunto seriam entendidos como uma instância de
mediação cultural entre os significados, sentimentos e condutas da comunidade e o
desenvolvimento das novas gerações (PÉREZ-GOMEZ, 2001, p. 11).
Segundo o autor, os docentes e os estudantes, mesmo vivendo as contradições e os
desajustes evidentes das práticas escolares dominantes, acabam reproduzindo as rotinas que
geram a cultura da escola, com o objetivo de conseguir a aceitação institucional. O
______________ 13
―Este término, de significado ambiguo e polisémico, comprende, en su perspectiva histórica, un conjunto de
modos de hacer y pensar, de creencias y prácticas, de mentalidades y comportamientos sedimentados a lo largo
del tiempo y compartidos en el seno de las instituciones educativas, que se transmiten a los nuevos miembros
de la comunidad escolar, en especial a los profesores e alumnos, y que proporcionan estrategias para integrarse
en las mismas, interactuar y llevar a cabo, sobre todo en el aula, las tareas cotidianas que de cada uno se
esperan, así como, al mismo tiempo, para hacer frente a las exigencias y limitaciones que implican o
conllevan.‖
39
cruzamento de culturas que ocorre nos espaços escolares é o responsável definitivo da
natureza, do sentido e da consciência do que os alunos e alunas aprendem em sua vida
escolar.
Esta perspectiva dialoga com o pensamento de Giroux e McLaren (1995, p. 148):
Ou seja, se quiserem efetivamente entender e contestar a ideologia
dominante que age nas escolas, terão de interrogar e apoiar criticamente as
vozes oriundas de três diferentes esferas e cenários ideológicos. São elas: a
voz da escola, a voz do aluno e a voz do professor. Cada uma dessas vozes
aponta para conjuntos de práticas que se influenciam mutuamente e
cooperam para produzir experiências pedagógicas específicas no âmbito de
diferentes configurações de poder. Os interesses frequentemente
representados por essas três vozes distintas têm de ser analisados menos
como em oposição (no sentido de operarem para contrariar-se e
desqualificar-se mutuamente) e mais como correspondendo a uma interação
de práticas dominantes e subordinadas que exercem influências recíprocas,
em uma contínua luta em torno do poder, do significado e da autoria.
Para a reflexão sobre as relações de poder existentes nos cursos de Música e suas
influências no projeto pedagógico e na cultura escolar do curso, propusemos como referencial
teórico as obras de Young (2007) e Bernstein (1990).
O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e
avalia os saberes destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu
interior e a maneira pela qual aí se encontra assegurado o controle social dos
comportamentos individuais. (BERNSTEIN apud FORQUIN, 1993, p. 85).
Forquin (1993) ressalta que, de acordo com Bernstein, estudar os determinantes e
efeitos sociais dos modos de estruturação e de transmissão dos saberes escolares supõe
reconhecer o currículo, a pedagogia e a avaliação também como ―sistemas de mensagem‖ que
obedecem a princípios de produção e de regulação que podem variar segundo os contextos
institucionais e sociais e aos quais Bernstein dá o nome de ―código dos saberes escolares‖.
Desta forma, propusemos investigar estes sistemas de mensagem nas licenciaturas em
música e tentar identificar a forma de produção e de regulação presentes neste espaço. No
sentido de discutir o conhecimento escolar no currículo do curso de música, buscamos auxílio
na idéia das fronteiras de conhecimento propostos por Bernstein (1990), observando o papel
central destas fronteiras de conhecimento como uma condição para a sua aquisição e como
uma incorporação das relações de poder que estão envolvidas na pedagogia. Bernstein (1990)
apresenta, então, os conceitos de ―classificação‖ e ―enquadramento‖. O primeiro, relacionado
40
ao grau de isolamento entre as categorias de discurso; e o último, referindo-se ao controle dos
professores e alunos na escolha e organização dos conhecimentos a transmitir.
A aplicação destes conceitos à seleção cultural feita através do currículo do curso de
música auxiliou na reflexão sobre este mesmo currículo, observando as fronteiras entre
conteúdos específicos de música e os conteúdos pedagógicos – fundamentais na formação do
professor de música. Neste sentido, as questões propostas por Young (2007) para uma
investigação do currículo tornaram-se pertinentes neste estudo: a verificação das diferenças
entre formas de conhecimento especializado e as relações entre elas; como esse conhecimento
especializado difere do conhecimento que as pessoas adquirem no seu cotidiano; como os
conhecimentos cotidiano e especializado se relacionam entre si e como este último é tratado
em termos pedagógicos (como ele é organizado ao longo do tempo, selecionado e
seqüenciado para diferentes grupos de alunos).
Estas questões nos auxiliaram na perspectiva de que a solução não está em retirar a
música erudita do currículo e focar na música que os alunos têm acesso em seu cotidiano, mas
sim na maneira em que a música como conhecimento escolar se relaciona com a música
cotidiana. Pois, caso contrário, não há nenhuma utilidade para os alunos na construção de um
currículo em torno do conhecimento musical que eles já possuem ou que eles podem muito
bem adquirir fora do espaço escolar.
As noções de ―conhecimento poderoso‖ e de ―conhecimento dos poderosos‖,
propostas por Michael Young (2007), também foram empregadas nesta reflexão sobre o
currículo da Licenciatura em Música. Assim, buscamos questionar se o conhecimento
proporcionado no decorrer deste curso é realmente um ―conhecimento poderoso‖ – conceito
que se refere ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer explicações
confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo, auxiliando, portanto, na
consolidação de uma educação musical de qualidade nas escolas públicas; ou um
―conhecimento dos poderosos‖ – definido por quem detém o conhecimento (YOUNG, 2007,
p. 1294).
Buscou-se, portanto, na investigação dos processos de seleção e organização dos
conteúdos cognitivos e culturais do ensino, identificar os pressupostos ideológicos e os
interesses sociais dos grupos dominantes – aqui inclusos os professores dos cursos. Pretendeu-
se, com o estudo comparado dos projetos pedagógicos do ensino superior de música, observar
se ocorria a atuação determinante de um habitus conservatorial na seleção cultural efetuada
nestes currículos.
41
Neste sentido, procurou-se identificar possíveis causas de dificuldades na
implementação da Música como conteúdo/disciplina obrigatória nas escolas regulares
brasileiras, identificando matrizes de percepções, práticas e seleções culturais impeditivas
para a democratização do ensino musical. Intentou-se, também, contribuir com a identificação
de possíveis contradições entre os perfis delineados pelos cursos de ensino superior em
música e os demandados pela realidade escolar. E, a partir desta identificação, iluminar
questões referentes à reflexão sobre o perfil desejável, neste momento histórico, de um
licenciado em Música.
Além disso, a compreensão do movimento histórico da Música no ensino superior
brasileiro se revelou útil na compreensão deste curso e de sua função no mundo
contemporâneo. Sabe-se que o currículo escrito não corresponde ao currículo que é praticado,
mas, ao refletir sobre o documento oficial escrito, buscou-se propiciar fundamentos tanto para
uma mudança de paradigmas quanto para uma transformação significativa em algumas
práticas obsoletas e ultrapassadas, contribuindo para a inserção da música não somente como
conteúdo obrigatório na escolarização básica, mas como área do conhecimento tão
fundamental para a vida cotidiana como a língua vernácula e a matemática.
Com a construção da noção de habitus conservatorial, pretendeu-se contribuir para a
reflexão não somente sobre as questões curriculares, mas também sobre o que
compreendemos como música e, por conseguinte, a formação da Licenciatura em Música. A
consciência de uma matriz que orienta nossas percepções e ações poderá ser útil no processo
de transformação tão necessário para a inserção da música no espaço escolar e na vida dos
que nele ingressam; além de nos auxiliar num processo de auto-conhecimento, de maneira
especial na descoberta do conservatório que possivelmente existe dentro de cada um de nós.
Para tanto, organizamos a exposição deste estudo em quatro capítulos, dos quais o
primeiro, ―Do Conservatório à Universidade: Música e Ensino Superior no Brasil‖ dedica-se à
análise do ensino superior de Música no Brasil, na perspectiva de compreendê-lo como
resultado de processos históricos, instituidores de práticas e concepções que são incorporadas
nos indivíduos com o passar do tempo. Num primeiro momento, aborda-se a formação do
músico que tem o Conservatório como modelo. Em seguida, a presença do professor de
música no campo escolar é investigada, ressaltando o papel de ferramenta atribuído à música
neste espaço. O processo histórico da inserção da música no âmbito do ensino superior no
Brasil é apresentado e, como exercício final, explicita-se a doxa e o nomos da Licenciatura em
Música, evidenciando sua natureza historicamente constituída.
42
No segundo capítulo, ―Da universidade: os meandros da construção de programas
curriculares pós DCN 2004‖, debruçamo-nos sobre as Diretrizes Nacionais para os cursos de
graduação em Música e para a formação de professores da educação básica, contextualizando
a política curricular na década de 1990 que as origina. Um panorama da estruturação
curricular das Licenciaturas em Música no Brasil é apresentado, enriquecido com informações
sobre documentos curriculares de licenciaturas em Música no exterior.
A noção de habitus conservatorial é esboçada no terceiro capítulo, ―Documentos
curriculares e habitus conservatorial: duas construções em análise‖, onde são discutidas as
práticas conservatoriais, bem como sua hegemonia no ensino musical. A partir disso, estas
práticas são explicitadas na estruturação de um currículo conservatorial, permitindo a
construção do conceito de habitus conservatorial. Uma aproximação da teoria dos códigos de
Bernstein (1990) é esboçada como digressão final do exercício de construção da noção de
habitus conservatorial, com o intuito de se enfatizar a importância do código escrito e da
seleção por ele operada nos processos de educação musical.
O quarto capítulo, ―Traduções do habitus conservatorial em documentos curriculares:
conhecimento oficial, seleção e distribuição de conhecimento e profissionalização dos
conteúdos‖, traz a análise comparativa dos quatro projetos pedagógicos selecionados, na
perspectiva de um mapeamento das traduções do habitus conservatorial nos desenhos
curriculares, enfatizando as práticas históricas incorporadas e objetivadas no processo de
construção curricular. Verifica-se a centralidade ocupada pela música erudita na construção
curricular, entendida como o conhecimento legítimo a partir do qual todo o currículo é
estruturado. Consequentemente, destaca-se a predominância de conhecimentos próprios da
formação do músico, que reforça a presença de matrizes conservatoriais orientando a
estruturação curricular das Licenciaturas em Música no Brasil.
Nas notas finais, problematizamos o conceito de habitus conservatorial a partir de uma
reflexão sobre a luta por legitimidade, enfatizando as implicações curriculares da concepção
da música como um fenômeno social, o que entendemos possibilitar a abertura de futuras
perspectivas de pesquisas.
1 DO CONSERVATÓRIO À UNIVERSIDADE: MÚSICA E ENSINO SUPERIOR NO
BRASIL
Neste capítulo analisamos a constituição dos cursos de música como resultados de
processos históricos, cumulativos e incorporados pelos sujeitos neles inseridos, até a situação
atual dos cursos de Licenciatura em Música do Brasil, ancorados no conceito de campo.
É importante considerar que o campo é caracterizado tanto pelas relações de força
resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso, quanto pelas pressões externas a ele.
Os campos se inter-relacionam, e possuem uma autonomia relativa, pois cada um deles
estabelece as suas próprias regras, embora sofra influências e até mesmo seja condicionado
por outros campos, influências estas sempre mediadas pela estrutura particular do próprio
campo.
É assim que escolhemos observar a Licenciatura em Música como um resultado das
interrelações entre os campos artístico, educativo, econômico e social. Desta forma, é
imprescindível compreender a formação dos professores de música em nível superior como
um microcosmo de relações objetivas, com uma lógica que é própria, mas que é resultado das
refrações das lógicas destes outros campos mais abrangentes. A partir desta escolha é que
pretendemos discutir o movimento histórico das Licenciaturas em Música, no Brasil, a partir
de considerações que auxiliem a encontrar a formação de habitus, doxas, nomos e estruturas
que promovam uma compreensão aprofundada do campo em estudo.
1.1 A FORMAÇÃO DO MÚSICO – O CONSERVATÓRIO COMO UM MODELO DE
FORMAÇÃO
Trabalhamos com a ideia de que a história está presente em cada ato do jogo, de que
os campos são produtos da história que foi se inscrevendo nos corpos dos agentes no passar
do tempo. Assim, a afirmação de Denardi (2006, p. 108) de que ―[...] grande parte dos
problemas vividos pelos cursos de Licenciatura remontam às suas origens e persistem não
resolvidos‖ oferece uma direção para as nossas análises.
Não pretendemos buscar ―origens‖ neste trabalho, seguindo o conselho de Bourdieu
(2010, p. 79), na tentativa de evitar o risco de um regressio ad infinitum. Entretanto, auxilia-
nos a compreensão estabelecer alguns marcos na constituição histórica dos cursos superiores
de formação de professor de música no Brasil.
44
A criação do Conservatório Imperial de Música, no Rio de Janeiro do século XIX, é,
sem dúvida, um importante marco na história da música e dos músicos brasileiros. Esta
importância não reside no fato de o conservatório ter instituído práticas que perdurariam até
hoje, mas, antes, por institucionalizar e legitimar práticas de ensino de música que vinham
sendo praticadas no Brasil desde os primeiros anos de sua colonização.
O ensino de música no Brasil esteve ligado, desde seu início, com as práticas
religiosas. Os jesuítas se ocuparam do ensino musical com vistas à evangelização dos índios e
negros e, com o passar do tempo, a música também foi se tornando símbolo da ostentação do
poder das grandes catedrais.
Castagna (2004c, p. 4) mostra que este ensino era dividido em duas modalidades: um
ensino de caráter mais teórico, ―especulativo‖, praticado nas grandes catedrais; e outro de
caráter mais prático, dominante, que visava o exercício prático do ofício musical nas
celebrações e festas religiosas. Desta forma, não só o ensino musical estava ligado à religião,
mas, também, à prática profissional do músico.
O ensino ―prático‖ funcionava aos moldes das corporações de ofício, onde um mestre
(exímio conhecedor de sua arte) cuidava da formação de seus aprendizes, como descreve
Castagna:
Os aprendizes eram os principiantes, que ainda não estavam aptos à atuação
profissional independente, mas que já podiam exercer algumas atividades,
sob a ordem e supervisão de seu mestre. Os oficiais eram já profissionais,
conhecedores e praticantes de seu ofício, mas que atuavam em grupos
liderados por um mestre, o máximo conhecedor de sua arte, também capaz
de ensinar seus aprendizes e dirigir um grupo de artistas que atuavam juntos.
O mestre recebia todo o montante pago por determinado serviço do grupo,
repassando aos seus membros - oficiais e aprendizes - a parte que lhes cabia,
a seu critério. (CASTAGNA, 2004h, p. 12, grifos no original)
Os signatários do requerimento de criação do Conservatório14
tinham todos, fortes
ligações com a Capela Imperial15
, que servia como uma grande corporação de ofício, uma
______________ 14
Sete músicos desta época formaram um grupo que dirigiu ao Imperador um pedido de criação do conservatório
de música na capital. São eles: Fortunato Mazziotti (português, compositor e cantor de prestígio da Capela
Imperial), Francisco Manoel da Silva (membro da Irmandade de Santa Cecília, autor do compêndio de Música
para alunos do colégio Pedro II publicado em 1838, mestre da capela Imperial e tido por muitos autores como
a figura mais importante no processo de criação do Conservatório), José Joaquim dos Reis (baiano, violinista
da Capela Imperial e professor de piano e canto), João Bartholomeo Klier (imigrante alemão, dono de uma loja
de instrumentos e de ―papel de música‖, fornecedor de música e instrumentos da Casa Imperial), o padre
Manoel Alves Carneiro (discípulo do padre José Maurício Nunes Garcia, violista da Capela Imperial),
Francisco da Motta (também discípulo do padre José Maurício, instrumentista da Capela Imperial, professor de
45
escola preparatória para o ofício musical: o aprendiz se formava durante a atuação já
profissional, nas cerimônias religiosas.
Foram condições sociais e históricas que possibilitaram a criação do Conservatório.
Segundo Silva, J. (2007, p. 23), a consolidação dos Estados Nacionais pela Europa no final do
século XVIII e ao longo do XIX, exigiu redefinições das diversas funções que estavam
pulverizadas entre Igreja, nobreza e monarquia. Foi principalmente a revolução francesa –
marco da luta antiabsolutista e pelo avanço do ideário liberal – que propiciou o surgimento
das idéias primordiais que estavam subjacentes às novas concepções do Estado Moderno em
que se previa a institucionalização burocrática de diversas áreas sociais, antes delegadas à
regulamentação leiga ou religiosa.
Além disso, a prática musical do Rio de Janeiro se alterou profundamente com a
transferência da capital administrativa do Reino para o Rio de Janeiro em 1808, resultado da
vinda da corte lusitana para o Brasil devido ao temor da invasão francesa em Portugal. No
período em que D. João esteve no Rio (1808-1821), ocorreu um extraordinário aumento na
demanda de música, em função do número de portugueses que chegaram ao Brasil,
interessados em manter o mesmo nível de prática musical a que estavam acostumados em
Lisboa.
Ocorreu, desta forma, uma ampliação das perspectivas profissionais, que atraiu para o
Rio de Janeiro músicos de várias regiões do Brasil, mas também de Portugal e de outros
países da Europa. Castagna (2004g, p. 7) afirma que se passou a exigir dos compositores e
intérpretes a criação de obras religiosas mais virtuosísticas e o trabalho com gêneros profanos
ainda pouco praticados no Brasil, como a ópera e a música instrumental. Assim, o Rio assistia
à chegada de um estilo cortesão de consumo, com o qual ainda não estava habituado, mas que
a ele teria rapidamente de se adaptar.
Este panorama levou ao requerimento da criação do Conservatório, que traria
benefícios não só para a classe profissional, mas seria interessante, também, às intenções do
Estado Moderno – o que, em última instância, representava uma parceria, uma sociedade que
para ambos os lados seria interessante. O Conservatório, além de atender às necessidades de
uma instância formadora de músicos profissionais, imprimiria ao povo brasileiro um verniz de
civilidade, através da formação musical diletante das elites.
__________________________________________________________________________________ fagote, flauta e corne-inglês, membro da Sociedade Musical Beneficente desde 1834) e, por último, Firmino
Rodrigues da Silva (cantor da Capela Imperial e provedor da Irmandade de Santa Cecília). 15
Originalmente Capela Real, fundada em 1808 com a chegada do Príncipe Regente D. João no Brasil.
46
Institucionalizava-se a formação de músicos voltada para a prática instrumental e
legitimava-se, ao mesmo tempo, a música erudita européia como o conhecimento oficial, que
conferia distinção social para seus praticantes. Nada mais natural, uma vez que a Europa era o
modelo de civilização e cultura da época.
Tratava-se, portanto, para o Estado, de uma questão de defesa da ordem pública para
conseguir o ideal da civilização, do progresso e da ordem social de forma pacífica. Segundo
Silva:
A criação do Conservatório de Música como uma instituição oficial, pode
ser considerada dessa forma: Como um dos elementos que buscavam criar
alternativas para a manutenção de uma ordem social que se tornava mais
complexa e múltipla, agindo como um elemento unificador da cultura
civilizadora, mas também uma alternativa – moderna e distinta – para a
ampliação e restituição da intensa atividade musical na cidade do Rio de
Janeiro que passava por um momento de atrofia dos principais organismos
musicais da corte. (SILVA, 2007, p. 31)
Desta forma, o governo sancionou o Decreto n. 496, de 21 de janeiro de 1847, criando
o Conservatório e estabelecendo as bases para o seu funcionamento imediato. O artigo 1º
define os objetivos principais que o Conservatório deveria alcançar: ―instruir na Arte da
Música as pessoas de ambos os sexos‖ e, também, ―formar artistas que possam satisfazer às
exigências do Culto e do Teatro‖ (BRASIL, 1847 apud SIQUEIRA, 1972, p. 16).
Silva, J. (2007, p. 66) entende que a matriz do conceito de Conservatório era
[...] a de fornecer acesso à música a quem a ela quisesse se dedicar, por isso
a instrução na arte da música para pessoas de ambos os sexos parece estar
destinada aos amadores ou mesmo os diletantes, que não tinham pretensões
profissionais nessa arte e acolhia principalmente mulheres, que utilizavam o
conhecimento musical em saraus e festas privadas. O segundo grupo
propunha claramente a formação de profissionais atendendo a um mercado
interno que crescia e no qual existia um déficit de profissionais da música
que vinha ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro desde pelo menos a década
de 1830, com suas atividades voltadas principalmente para suprir as
necessidades da Capela Imperial e dos teatros da cidade. (SILVA, 2007, p.
66)
O artigo 2º do Decreto n. 496 trata das aulas que constarão na estrutura do
Conservatório:
Art. 2º - Constará o Conservatório das seguintes aulas:
47
1º - Rudimentos preparatórios e solfejos;
2º - Canto para o sexo masculino;
3º - Rudimentos de canto para o sexo feminino;
4º - Instrumentos de cordas;
5º - Instrumentos de sopro
6º - Harmonia e Composição. (BRASIL, 1847 apud SIQUEIRA, 1972, p.
16)
A elaboração da estrutura curricular estava de acordo com a função e objetivo que o
Conservatório deveria exercer: fez-se uma escolha por separar a teoria da prática no
instrumento, o que mostra que existe uma nova orientação na educação da música –
contrastando com o antigo modelo do mestre de ofício. Silva, J. (2007) comenta que foi
estabelecida uma cadeira para o ensino específico de teoria musical, ao contrário da prática
antiga onde o ensino era conjunto ou de caráter mais prático que especulativo.
Apesar desta separação entre teoria e prática instrumental, quando observamos as
disciplinas escolhidas para compor as bases do ensino de música do Conservatório pode-se
notar que o ensino estava circunscrito apenas ao treinamento técnico, fundamentado apenas na
técnica musical em si, declinando de disciplinas de caráter mais humanista. Silva, J. (2007, p.
71) acredita que essa característica pode ser considerada ainda a continuação de uma tradição
em que se baseava a transmissão do conhecimento musical, voltado mais para a prática do que
para a especulação. Neste sentido, não se pensaria criticamente sobre música, a teoria seria
um pré-requisito para o início da prática.
Contudo, a disciplina de Harmonia e Composição nos remete a uma teorização sobre
música, uma forma de pensá-la. Este fato leva Binder e Castagna (1996) a afirmar que o
conservatório reuniu o estudo da música especulativa e da música prática. Apesar disto, o
ensino da música prática permanecia dominante.
Outro aspecto que evidencia a continuação da antiga tradição é o perfil do professor
que foi pensado nos primeiros anos do conservatório. Silva, J. (2007) observa uma
continuidade de elementos da prática musical antiga, que ainda permaneciam tanto em
Portugal como no Brasil. A escolha de um professor para ensinar vários instrumentos
demonstra que ainda não havia sido adotada a idéia de especialização por instrumento, de
maneira similar ao que acontecia nos antigos ofícios musicais. Esta mesma autora afirma,
―[...] a simples idéia de que um professor possa ensinar vários instrumentos, já na metade do
século XIX, indica que a esperada ruptura das antigas formas associativas e pedagógicas teve
que conviver com permanências‖ (p. 73).
48
A autora leva em consideração o fato de que esta questão se devia a uma contingência
da época, à falta de profissionais e/ou à falta de recursos financeiros. Entretanto, tal fato não
elimina a evidência de que ainda prevalecia e, mais ainda, que não havia problema, que uma
pessoa soubesse vários instrumentos.
Mas a figura do especialista vai se forjando ao longo do século XIX, conduzindo a
uma hierarquização no mundo musical até que, no fim deste século e início do século XX,
com algumas exceções, ―[...] o compositor apenas compõe, o regente rege, e o intérprete deve
ser um virtuose de seu instrumento e dificilmente irá dominar qualquer outro instrumento‖
(SILVA, 2007, p. 74). Ainda assim observa-se neste professor especialista um quer que seja
dos antigos mestres de ofício: são profissionais com exímio conhecimento em sua arte.
Esta concepção de professor e de músico foi incorporada com o tempo e permanece
até hoje nos cursos superiores de formação de professores de música do Brasil – como
também de outros países do mundo – como mostram vários estudos.
Bújez (2007), ao estudar os Conservatórios Superiores de Granada, na Espanha,
conclui que estes parecem seguir defendendo o modelo de ―artista‖ e de ―música culta‖ que
deu origem a estes centros educativos: uma música comprometida com a espiritualidade, com
o esforço para transcender o material, a criação da obra de arte pela obra de arte – sem uma
função social. Esta tendência, para Bújez (2007, p. 246), perdura em meio às mudanças
contemporâneas.
Para o autor, a chave da questão que envolve o ensino nos conservatórios superiores
espanhóis (e que podemos estender para os cursos superiores de música no Brasil) está no
modelo de artista e de música que se está reproduzindo nestes espaços e até que ponto este
modelo se adéqua às necessidades sociais tanto no campo artístico quanto no educacional.
Cereser (2003, p. 95), no estudo sobre licenciandos no Brasil, aponta que a expectativa
de grande parte dos estudantes por ela investigados é a formação musical. A autora mostra
que esta expectativa é referendada pelos currículos das licenciaturas, que reforçam a idéia da
formação de músicos e não de professores – à semelhança dos conservatórios. Assim, alguns
dos entrevistados relataram que a universidade não os prepara para a ―realidade lá de fora‖,
evidenciando a descontextualização do ensino praticado na universidade com relação às
necessidades demandadas pela sociedade contemporânea.
A Europa sempre se constituiu como um modelo a ser seguido pelos brasileiros. Com
a proclamação da República no Brasil em 1889, ocorreram várias mudanças na sociedade
carioca. A vida musical desta sociedade também passaria por significativas alterações, entre
49
elas, a extinção do Conservatório e a criação do Instituto Nacional de Música pelo Decreto n.
143 de 12 de janeiro de 1890.
Para a realização das mudanças e inovações no novo Instituto, o seu diretor, Leopoldo
Miguez, foi incumbido pelo governo brasileiro, em 1895, de ir à Europa e de estudar a
organização dos seus principais estabelecimentos de ensino musical. Muitas das reformas
empreendidas por Miguez foram reflexos deste seu estudo dos conservatórios na Europa.
Segundo Jardim (2008, p. 44) as reformulações e ações propostas por Miguez
causaram grande impacto e instauraram uma polêmica em torno daquilo que se considerava
tradição e modernidade, dividida em campos que se expressaram na defesa da música cantada
em italiano versus cantada em língua nacional; o ensino pelos postulados italianos versus
técnicas francesas; a valorização da música culta versus valorização da música popular e de
raízes folclóricas; e, em última análise, a música italiana versus a de Wagner e Debussy.
Alguns pontos, entretanto, merecem ser ressaltados. Como nos mostra Morila (2004),
a música erudita continuava sendo modelo de civilidade e esta ―valorização da música popular
e de raízes folclóricas‖ dava-se por uma releitura, erudita, das mesmas:
[...] tratava-se de definir o papel da música nesta nova sociedade. Discutiu-se
sua definição. As definições ―românticas‖ foram sendo substituídas por
definições científicas, positivas. A ―boa música‖, i.e., a música erudita
tornou-se índice de civilização, de progresso. Nação moderna é aquela que
cultiva a indústria, a agricultura, mas também as artes. Garantia-se assim um
espaço para a música erudita, ao mesmo tempo em que criava uma cisão
entre música popular e erudita. Se a música erudita era a ―boa música‖, a
popular – em oposição – era a música ruim. Mais um ponto de discordância.
Fazer tábula rasa da música popular partindo para um ecletismo não
nacionalista? Utilizar a música popular como tema para a música erudita? O
caminho vencedor conhecemos. O modernismo irá encampar a idéia de
utilizar a canção popular como tema, a exemplo do que ocorria em outros
países. Mas note-se bem, o músico erudito não mais comporá canções
populares. A canção popular tornar-se-á fonte de inspiração para a música
erudita. A divisão entre elas acentua-se. (MORILA, 2004, p. 239 – 240,
grifos no original)
A erudição européia, com ares de brasilidade, ainda era o símbolo de civilização.
Morila mesmo ressalta que, nesta época, ―da edição de partituras ao executante, passando pelo
compositor e a escola de música, não restava dúvida, a Europa era um modelo‖ (MORILA,
2004, p. 106).
E ainda o é hoje, como afirma Arroyo (2000, p. 245 - 246) em sua análise sobre um
conservatório de música mineiro. Para ela, o fazer musical praticado no Conservatório de
50
Música guarda vínculos estreitos com a cultura musical erudita européia, tanto pela origem
dessa modalidade de instituição de ensino no século XVIII na Europa, quanto pela
representação de superioridade daquela cultura musical sobre outras de acordo com o
eurocentrismo.
Em suas análises sobre as reformas empreendidas por Miguez e pelos diretores que o
sucederam, Jardim (2008) observa que os programas do curso de Solfejo e Teoria Musical
para as séries iniciais quase não sofreram modificações; no entanto nos programas de curso de
canto e instrumentos verificaram-se alterações interessantes. Dentre elas, a autora ressalta no
curso de canto a utilização de Métodos, Exercícios e Vocalizes de Panseron16
– também
adotados no Conservatório de Paris, e a inserção de obras francesas e brasileiras entre as
italianas; nos cursos de instrumentos – em especial no de piano – verificou-se a prescrição de
peças de Leopoldo Miguez, Barroso Neto, Francisco Braga, Alberto Nepomuceno, Henrique
Oswald, cujas obras introduziam elementos de renovação da linguagem musical.
Além do plano de ações do Instituto, as ações reformistas envolviam também
apresentações, encontros musicais, concertos e leituras de obras inéditas no Brasil, palestras e
apresentações de músicos de renome internacional, tradução de artigos, discussões e contatos
com artistas no exterior para que as novas idéias estéticas fossem difundidas, principalmente
entre os jovens alunos de composição.
Todavia, as reformas empreendidas implicavam em modificações significativas que
contemplavam um novo direcionamento da expressão musical, mas observa-se a mesma
rigidez dos programas de ensino.
A concepção da formação do músico não se alterou e Jardim (2008, p. 47) enfatiza a
ausência de discussões relacionadas à metodologia de ensino, às questões de ordem didática e
ao caráter pedagógico que envolve esta formação. A estrutura da formação do músico
permanece a mesma, iniciada e fundada pela teoria e solfejo, valorizados nas habilidades de
leitura, no estabelecimento de um programa de exercícios técnicos, de peças e formas
musicais, em quantidades determinadas de acordo com as séries, a serem cumpridos pelos
alunos e apresentados durante a realização dos exames, mediante o comprimento de um
programa extenso e de alto grau de exigência, a manutenção da tendência ao virtuosismo em
sua proposta de formação musical.
Outro exemplo que endossa a busca por um modelo europeu de ensino de música é o
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, inaugurado em 1906. Jardim (2008, p. 51)
______________ 16
Exercícios de técnica vocal compostos pelo francês Auguste Mathieu Panseron (1796 – 1859).
51
comenta que o Conservatório de Paris foi a grande inspiração para a criação do conservatório
paulista, cuja finalidade – de maneira similar à instituição francesa – seria a de ―dedicar-se ao
ensino da música, do teatro e, consequentemente da síntese das artes: a ópera; visando a um
só tempo ao professorado especializado, ao virtuosismo e, com igual importância, à arte
dramática‖ (JARDIM, 2008, p. 52).
No que diz respeito a esta formação do ―professorado especializado‖, Jardim (2008, p.
53) mostra que, às disciplinas do curso chamado de ―Normal‖ de Música – Português,
Línguas estrangeiras (francês, italiano, inglês), Aritmética, Geografia e Literatura (disciplinas
de formação geral); Rudimentos, Solfejo, Análise Musical, Harmonia, História da Música
(disciplinas mais teóricas) e Aulas de instrumento/canto – é acrescida a disciplina chamada
Pedagogia no curso de ―Magistério de Instrumento‖.
Contudo, Jardim (2008, p. 55) ao analisar as matrículas desta época no Conservatório,
constata uma baixa demanda no curso de Magistério de Instrumento, com uma ínfima
quantidade de formandos no período. Para a autora, este fato revela a vocação do
Conservatório para a formação de solistas e para o virtuosismo.
O Conservatório Mineiro de Música, criado em 1925, também oferecia uma disciplina
de pedagogia na formação de professores, como se pode observar em um trecho do livro
―Minas Gerais em 1925‖ de Victor Silveira, transcrito por Reis (1993, p. 20) em seu estudo
histórico sobre a escola de música da UFMG:
No Conservatório Mineiro exigia-se para a matrícula no 1º ano que os
candidatos tivessem preparo correspondente ao 3º ano do curso primário,
mas para tirarem o diploma de professor, eram ainda obrigados a prestar
exames de português, francês, aritmética, história da música, pedagogia e
literatura; de sorte que, ao concluírem os estudos respectivos, teriam os
alunos um cabedal e conhecimentos propedêuticos indispensáveis ao
verdadeiro profissional. (SILVEIRA apud REIS, 1993, p. 20)
A concepção de professor de música mantém o caráter de formação específica e
profunda no instrumento/canto, mas agora acrescida de uma disciplina pedagógica – o que
revela o início de uma preocupação com a formação didática do professor.
Jardim (2008, p. 56) relata uma importante função que o Conservatório de São Paulo
exerceu na sociedade, que é bastante significativa para a história destas instituições. Apesar da
escolha das instituições de ensino musical pela formação técnica e especializada, mais voltada
à atividade artística, estes propósitos não eram atingidos. A maior parte dos alunos (cerca de
90% no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo) era composta por mulheres em
52
busca do status de uma educação refinada. Segundo a autora, cursos noturnos foram criados
para incentivar a demanda de homens interessados na atividade profissional. Entretanto, a
atividade musical, nessa época, ―[...] incorporava outras significações sociais que
relacionavam uma prática musical diletante a uma elevação do status; era socialmente aceita
quando realizada em ambientes familiares e desqualificada como exercício profissional‖
(JARDIM, 2008, p. 56).
Há, portanto, uma inversão do público formado pela instituição: no início
predominava a formação de profissionais e, agora, a formação musical diletante torna-se
símbolo de status e distinção social. Por outro lado, Jardim (2008, p. 58) considera que se as
instituições de ensino musical (conservatórios/Instituto Nacional de Música) não proveram
quadros especializados para a prática artística, tornaram-se responsáveis por gerar – ainda que
lentamente – um movimento cultural de aceitação de apresentações musicais públicas.
Desta forma, provocaram mudanças de significados sociais, valorizando a prática
artística profissional. A autora lembra ainda que, devido à intensa procura feminina, as
instituições criaram também espaços e oportunidades profissionais para as mulheres. Além de
promover ações voltadas para a formação de platéia, que era exposta a um repertório que,
dependendo da instituição musical, poderia estar cristalizando uma visão estética dominante e
já instituída socialmente ou provocando renovações conceituais.
Observa-se, portanto, a atuação das instituições de ensino musical como formadoras
de gosto, um gosto ligado à elite dominante e que conferia status a quem o cultivava. No caso
do Conservatório de São Paulo, cristalizava-se a estética dominante da música erudita
européia e, no Instituto Nacional de Música, acrescia-se a esta estética, as tendências
modernistas brasileiras – também eruditas.
Nota-se que as reformas – ainda que com intenções nacionalistas – eram inspiradas em
um modelo de civilização européia, a concepção da formação do músico permanecia
inalterada e irrefletida, e acrescentaram-se disciplinas pedagógicas à formação do músico a
fim de garantir a ele o direito do exercício profissional do magistério. São estas concepções
que o Conservatório/Instituto leva para dentro da Universidade quando, em 1931, a instituição
foi incorporada à Universidade do Rio de Janeiro. Estas características também poderão ser
observadas como permanências nos currículos estudados no capítulo que se segue, o que
fortalece a concepção da formação da doxa e do nomos no subcampo.
53
1.2 O PROFESSOR DE MÚSICA INSERIDO NO CAMPO ESCOLAR – A MÚSICA
COMO FERRAMENTA
Até aqui, tratamos da formação institucionalizada pelo conservatório do músico –
profissional ou diletante; cujo aperfeiçoamento em sua arte aliado às disciplinas pedagógicas
conferia-lhe o título de professor. Não obstante, Jardim (2008) separa a trajetória do professor
de música junto ao campo escolar. Embora simultânea e inseparável da outra, didaticamente
faz-se necessário observá-las em separado, destacando suas particularidades.
Como mostrado anteriormente, Jardim (2008) propõe uma nomenclatura que
diferencia dois perfis de profissional:
- o músico professor: com formação ligada mais diretamente ao ensino nos
conservatórios, de caráter especializado, notadamente técnico, estético, artístico e
profissional, e com forte apelo à performance;
- o professor de música: profissionais que eram preparados para ensinar música no
espaço escolar.
Nos fins do século XIX e início do século XX, o Brasil republicano necessitava formar
um novo homem, um novo cidadão, com novos costumes, hábitos e valores representantes
dos ideais dominantes da época. Nas constituições republicanas como todos eram
considerados iguais perante a lei, incluindo negros e ex-escravos, era necessário criar
instrumentos para enfrentar ―o problema‖ – as diferenças e os diferentes. A crença na
formação da cultura e da identidade nacional como solução do ―problema‖ era hegemônica
entre as autoridades políticas e as elites intelectuais (PIRES, 2003, p. 12).
A difusão da educação estética é, pois, empregada como uma das estratégias políticas
de civilizar as classes inferiores, uma ferramenta aliada à concepção de educação entendida
como um instrumento capaz de regenerar, moralizar, disciplinar e unificar as diferenças.
Como diz Pires (2003, p. 13), educar para a civilidade envolvia a educação da razão, da
sensibilidade, do gosto estético.
A concepção do ensino de música estava, inicialmente, vinculada à formação artística,
e a presença do músico professor se fazia necessária. Contudo, a reorganização da estrutura
escolar e as novas finalidades atribuídas à escola obrigaram a adaptações no procedimento de
ensino musical. Essas alterações não se operaram imediatamente na atuação do professor e
54
nas suas práticas de ensino, mas impuseram novos conteúdos e técnicas para o ensino da
música nas escolas.
Segundo Jardim (2008, p. 89), pode-se depreender pelas atividades propostas nos
colégios paulistas deste período que a presença da música estaria mais ajustada à necessidade
do desempenho social do que como componente curricular, mas, ainda assim, apresentava um
caráter formativo. Para a autora, a valorização da música estaria vinculada às exigências e
expectativas dos padrões do comportamento social e a música era o meio de demonstrar e
exteriorizar o desenvolvimento de determinadas habilidades e o refinamento das aptidões que
era possível atingir por meio da educação.
Ao analisar os programas dos recitais que eram publicados nos jornais da época, esta
mesma autora deduz as opções de conteúdo e a abordagem do ensino da música: um
repertório que incluía compositores de música erudita européia, apresentando trechos de
ópera, sonatas, peças para canto, para piano solo e a quatro mãos, além de pequenos conjuntos
de câmara. Para tanto, era ministrada uma instrução especializada, mas por mais que os
programas se aproximassem de um repertório de qualidade reconhecida, era provável que não
objetivassem a prática artística, mas que tivessem um caráter escolar e educacional.
A concepção predominante do ensino de música, neste período, visava à preparação do
músico instrumentista como expectativa de formação integral e como requisito de adequação
social. As escolas e colégios de formação geral, funcionando como lócus para o ensino,
basicamente de canto e piano, supriam a falta de escolas especializadas para tal. Como esse
tipo de ensino não era oferecido gratuitamente, tornou-se elitista, símbolo de distinção social e
marca de ascensão cultural.
Com o aumento da importância social da escola e o consequente aumento do número
de escolas e de alunos, houve a necessidade de se adaptar o ensino a esta nova realidade,
alterando a concepção de atendimento individual como acontecia no caso da instrução
musical. Neste sentido, o aprendizado instrumental de ensino individual foi dando lugar a
outras práticas musicais, principalmente relacionadas com o canto em conjunto. Desta forma,
o ensino dos instrumentos musicais foi se encaminhando para os professores particulares,
forçando o aparecimento, mesmo que lento e tímido, de estabelecimentos de instrução
especializada.
A música no espaço escolar incorporou outros atributos distintos daqueles destinados
ao fazer artístico:
55
Não se aprendia música na escola em função da Arte ou de seus propósitos,
sequer para desenvolver dons artísticos, mas para privilegiar o
desenvolvimento da sensibilidade, para interiorizar os princípios éticos e
morais, religiosos ou cívicos, instigar a imaginação, cultivar a socialização e
ainda promover um ambiente agradável e ameno, favorável ao espírito e ao
aprendizado. (JARDIM, 2008, p. 93 – 94)
O ensino de música destinava-se a todos e não apenas aos mais talentosos e de
habilidade excepcional, visto que objetivava sua prática e não o resultado. Segundo Jardim
(2008), ensino de música no âmbito escolar tomou forma na Reforma de 1890, em São Paulo,
criando uma versão brasileira – paulista – de um projeto de educação musical, apropriando-se
de diversas propostas e modelos.
A música foi instituída como matéria escolar e incluída pela primeira vez no currículo
da Escola Normal de São Paulo pela Reforma da Instrução Pública de 1890. A prática musical
alinhava-se ao desenvolvimento de uma nova sensibilidade requerida pela educação para os
tempos da República: ―[...] por permitir a sensibilização, ‗tocados‘ pela música os sentidos do
aluno seriam conduzidos ao desenvolvimento intelectual, proporcionado pela racionalização e
compreensão do código específico de leitura e de escrita (notação musical)‖ (JARDIM, 2008,
p. 95, grifos no original). A prática musical possibilitava a sensibilização, o exercício do
raciocínio e a experiência do corpo em conexão com o espírito, integrando, desta maneira, o
desenvolvimento espiritual, o físico (por meio do aprimoramento e domínio gradativo do
aparelho fonador, auditivo e respiratório) e intelectual.
A música ia perdendo seu caráter de conhecimento especializado e ia adquirindo a
função de ferramenta para a aquisição de outros conteúdos. O professor especialista perde,
portanto seu lugar para uma nova figura: um professor generalista.
Pires (2003) registra a existência de uma prática não-formal veiculada nas escolas por
tradição oral, que denomina de ―musiquinhas de comando‖. Embora se evidencie neste
repertório musical a simplicidade da estruturação interna, as canções continham forte teor
ideológico com o objetivo de disciplinar, adestrar, e submeter os alunos a uma relação de
autoritarismo:
Diante dessa concepção de música, o perfil desejado do professor era de um
mestre que tivesse gosto artístico, sentimento, e, sobretudo, a inteligência do
canto, para que através de uma boa coleção de canções, pudesse ―incutir‖
nos alunos o amor pela música, educando-lhes os ouvidos e os sentidos,
produzindo dessa maneira o sujeito moderno – autônomo, sensibilizado e
dócil. (PIRES, 2003, p. 13, grifos no original)
56
A música não era propriamente uma matéria de ensino, mas uma estratégia para fixar
noções de socialização, de higiene, dos tempos escolares, da fixação de conteúdos e, além dos
períodos a ela destinados, acompanhava praticamente todas as atividades.
Jardim (2008, p. 108) reforça ainda que, mais importante do que o conteúdo musical,
eram os conteúdos expressos nas letras das músicas, ―[...] que procuravam indicar e inculcar
hábitos e comportamentos determinados, reforçar conceitos e definições pela repetição dos
cantos (...) e garantir a ordem e a disciplina‖. Neste sentido, a autora especifica uma educação
pela música, diferindo-a de outra que seria para a música. Assim, a Música era utilizada
como um recurso para atingir outros objetivos educacionais que não o aprendizado da música
em foco; embora inserissem o aluno num movimento de aproximação e de experiências com a
música.
As práticas escolares musicais ficaram a cargo das normalistas por cerca de quarenta
anos, a partir da determinação do decreto n. 27 de 12 de março de 1890, que estabelecia as
Escolas Normais (primárias e secundárias) como locais de formação do profissional que tinha
a incumbência de ministrar as aulas de música no Jardim da Infância, nas escolas
preliminares, escolas-modelo, grupos escolares, escolas distritais, escolas reunidas17
, rurais e
isoladas.
A partir da década de 1920, com o movimento escolanovista, a educação brasileira
entra em momentos de grande discussão. O período é marcado por intensa contestação social,
no qual idéias e práticas educacionais são atacadas. Pires (2003, p. 14) afirma que o
movimento da escola nova introduz na sociedade, através dos discursos e das práticas, uma
nova mentalidade educacional – a da racionalidade. Nesta esteira, ―de mãos dadas com a
ciência positivista‖, os agentes escolanovistas produzem novas formas de controle a partir da
homogeneização cultural – a unidade nacional representando a diferença e os diferentes.
É neste momento que a educação cívica aliada à educação artística tornam-se
instrumentos de promoção da cultura nacional e da cultura estética, munidas de forte cunho
moralizante e utilitarista.
A Reforma Francisco Campos, pelo decreto n. 19.941 de 30 de abril de 1931, instituiu
o canto orfeônico como matéria obrigatória no currículo do ensino secundário. Tal reforma
determinou que o programa de ensino desta disciplina fosse formado por hinos e canções
patrióticas e, a efetivação desta determinação legal encaminhou ao problema da
especialização do professor para ministrá-la.
______________ 17
Escolas compostas por agrupamentos de classes multisseriadas, sem direção geral (CAVALIERE, 2003, p. 34)
57
A música que integra o projeto pedagógico dos anos 1930 como instrumento de
mobilização das massas assume a posição estratégica de difundir os princípios norteadores da
constituição da nacionalidade, de forma controlada e fiscalizada, por meio da padronização
dos cursos, do currículo, dos livros didáticos, enfim, da centralização do sistema de ensino
federal. As ―musiquinhas de comando‖ perdem seu caráter dominante cedendo lugar ao canto
orfeônico: uma prática musical cívico-disciplinadora que entra para as escolas públicas na
década de 1930.
Como o professor seria o condutor destas novas finalidades do ensino, deveria haver
uma reorganização de sua formação e, consequentemente, uma nova ordenação curricular.
Logo, a formação do Professor de Canto Orfeônico deveria ser estabelecida. Assim, pelo
decreto-lei n. 4.993, de 26 de novembro de 1942, foi criado o Conservatório Nacional de
Canto Orfeônico (CNCO), instituição responsável pela formação destes professores.
Em 1942, o Maestro Villa-Lobos deixou a superintendência do Distrito Federal e
assumiu a direção do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, de âmbito federal, ―com a
finalidade de formar professores e de orientar o ensino musical em todo o país‖ (LEMOS JR,
2005, p. 24). Assim, o maestro iria se dedicar ao oferecimento de diretrizes para o ensino da
Música e Canto Orfeônico nas escolas brasileiras.
O Conservatório Nacional de Canto Orfeônico foi criado pelo Ministério da Educação
e Saúde e subordinado ao Departamento Nacional de Educação por meio do Decreto-Lei nº
4.993, de 26 de novembro de 1942. De acordo com o artigo 2º deste decreto, competia a essa
instituição recém-criada:
a) Formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos estabelecimentos
de ensino primário e de grau secundário;
b) Estudar e elaborar as diretrizes técnicas gerais que devam presidir ao
ensino do canto orfeônico em todo o país;
c) Realizar pesquisas visando à restauração ou revivescência das obras de
música patriótica que hajam sido no passado expressões legítimas de arte
brasileira e bem assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de
cantos populares do país, no passado e no presente;
d) Promover, com a cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema
Educativo, a gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do
Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à
Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que
devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país. (BRASIL, 1942,
p. 1)
58
De acordo com Lisboa (2005, p. 42), a implantação do CNCO representou a
concretização da expansão do movimento orfeônico para outras partes do país, o que
gradativamente já vinha acontecendo. Anteriormente, os cursos de formação de professores
oficialmente reconhecidos possuíam sua jurisdição restringida somente à cidade do Rio de
Janeiro (sob orientação da Superintendência de Educação Musical e Artística18
– SEMA – ,
pertencente ao Departamento de Educação do Distrito Federal e, mais tarde, também sob a
tutela da Universidade do Distrito Federal). A SEMA, entretanto, passou a aceitar,
posteriormente à sua implantação, a matrícula de professores residentes em outros estados do
país que, após o término de cursos de pequena duração, coordenavam atividades orfeônicas
em seus respectivos estados e locais de trabalho.
[...] foi a partir da implantação do CNCO que os cursos oficiais de formação
de professores de canto orfeônico passaram ao controle do governo federal,
que então tomou a incumbência de coordenar e fiscalizar, em âmbito
nacional, todas essas iniciativas da mesma natureza que já vinham surgindo
em várias outras partes do país. Além disso, essa instituição tornou-se o
estabelecimento padrão a que outras instituições com o mesmo objetivo – a
formação de professores de canto orfeônico que ministrariam a disciplina
nas escolas públicas – deveriam ser equiparadas ou reconhecidas, por meio
de inspeção federal. Dessa forma, tornou-se possível o surgimento de
estabelecimentos oficiais semelhantes em outras regiões do país, sendo
consolidada assim a expansão do ensino e prática orfeônica no Brasil.
(LISBOA, 2005, p. 43)
O artigo 30 do Decreto-lei nº 9.494/1946, ao tratar da admissão dos alunos do curso de
formação de professor apresenta algumas exigências como a idade mínima de dezesseis anos
completos e o certificado de conclusão do segundo ciclo em conservatório de música, ou
mesmo do curso de preparação nos conservatórios de canto orfeônico; além disso, o artigo
prevê provas de aptidão musical, que servirão de base para a classificação dos candidatos.
Percebe-se, desta forma, o caráter de ―especialização‖ do curso de formação de professores:
formação esta que contém disciplinas de caráter pedagógico que irão complementar uma
formação musical prévia.
Entretanto, como no início não havia professores capacitados para assumir a
disciplina, a SEMA, como solução emergencial, criou Cursos Rápidos com duração de um
mês, com a finalidade de preparar professores ―aptos‖ para o ensino da ―disciplina‖. Por se
______________ 18
A SEMA, segundo PARADA (2008, p. 177) tinha como atribuição planejar, orientar e desenvolver o estudo
da música nas escolas primárias, no ensino secundário e nos demais departamentos do município do Rio de
Janeiro.
59
destinarem à massa escolar, a metodologia utilizada nesses cursos se reduzia a métodos de
aprendizagem oral, visando apenas o ensino de um repertório vocal de caráter cívico. Pires
(2003, p. 15) afirma que, devido à fragilidade dessa formação musical, os alunos desses
cursos, em sua maioria professores egressos da Escola Normal, recebiam uma constante
realimentação musical, que lhes seria proporcionada pela SEMA.
O ensino musical elitista, individualizado, de caráter especializado, é forçado a ceder
lugar para um ensino de massa, de caráter geral e oralizado. Jardim (2008) apresenta os
conflitos que se deram entre os princípios de instrução musical de músicos tradicionais e as
novas práticas de ensino da música nas escolas – afastadas do saber especializado, como meio
para alcançar objetivos não-musicais. De acordo com a autora:
Os conflitos se estabelecem em torno de objetivos, técnicas e modos de
ensino, que correspondem ao momento em que uma nova proposta de ensino
musical, de domínio escolar, deriva-se da Música e se aparta dela, ao
constituir um objeto próprio e ao requerer um ramo específico de estudos,
cujo corpus de saberes e práticas precisaria ser criado com base em novos
pressupostos. É provável que as tentativas de ―didatizar‖ ou de ―facilitar‖ o
aprendizado musical poderiam ser interpretadas por músicos de formação
―clássica‖ como falta de rigor, a permitir que os menos dotados adentrassem
uma área que não lhes era facultada, visto ser a excelência, a
excepcionalidade, justamente as metas dessa vertente de formação.
(JARDIM, 2008, p. 128, grifos no original)
Percebe-se no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, uma tentativa de
desvincular a atividade educativa da idéia de instrução musical: enquanto no conservatório
tudo se resolvia pelo julgamento da aptidão e do talento (impregnados na concepção de
músico), na escola os procedimentos visavam a aproveitar as habilidades individuais em
processos que deveriam ser trabalhados em conjunto, driblando os desníveis e discrepâncias
entre os alunos. Segundo Jardim (2008, p. 129) estas ações eram vistas pelos músicos como
qualquer ação, ―menos música ou ensino de música‖.
Observamos, desta forma, que já havia disposições incorporadas sobre o sentido de
―aula de música‖ e ―formação do músico‖. Com isso, à medida que os conhecimentos
específicos de música não conseguem se adaptar e se aplicar ao contexto escolar e,
paralelamente, conteúdos educacionais encontram lugar de expressão na música ensinada na
escola, mais díspares se constituem as duas formas de ensino e também a qualificação de cada
profissional.
Chega-se então a um limite:
60
Conclui-se que, de fato, o que se faz na escola não é o ensino de música na
acepção erudita do termo, portanto, não é espaço para atuação do músico. As
competências profissionais do músico não se aplicam às necessidades
escolares e lhe são, inclusive, prejudiciais. Dessa forma, o professor de
música da escola é um profissional distinto, e para que o músico exercesse a
tarefa em questão, teria que receber a devida especialização para qualificar-
se profissionalmente. (JARDIM, 2008, p. 130)
A autora completa ainda dizendo que o espaço institucional conquistado pelo
Magistério Especializado – designação dada por Villa-Lobos aos professores de música na
escola de formação geral – tornou dispensável a presença do músico como profissional de
ensino, no âmbito escolar (não só dispensável como desqualificado).
A educação cívica e moral pela música, com seus cantos ufanistas, permanece
inalterada até meados da década de 1940 quando, com o fim do Estado Novo e a saída de
Villa-Lobos da SEMA, esta instituição torna-se menos rígida com relação à orientação dos
professores de música que, sem a realimentação musical, ficam em sua maioria sem saber o
que ensinar. A prática orfeônica vai se tornando menos intensa e, com o passar do tempo, vão
dando lugar ao que Pires (2003, p. 16) considera um ―outro momento de ruptura estética‖,
representada pela ―pedagogia da criatividade‖.
Neste momento, surge a proposta da ―arte-educação‖, com origem na Escolinha de
Arte do Brasil, fundada em 1948. Fundamentada no pensamento de Robert Head, a
―pedagogia da criatividade‖ torna-se um novo paradigma metodológico, com ênfase na
espontaneidade criativa e na experimentação.
Com ênfase na expressão criadora, no sentimento e na forma, esta pedagogia
foi desastrosamente [confundida] com a permissividade, com a ausência do
pensamento, com o „laisser-faire‟ e o espontaneísmo (SANTOS, 1990, p.31-
32). A prática pedagógica do professor de música resultou na banalização do
―deixar o aluno fazer arte‖ sem nenhuma intervenção do professor, como se
a criatividade não pudesse, não devesse ser educada. (PIRES, 2003, p. 17,
grifos no original)
A pedagogia da criatividade encontra seu apogeu na década de 1970, quando da
criação do professor polivalente de Educação Artística e das licenciaturas curtas. Para Penna
(2008, p. 123-4), a Lei n. 5692, de 1971, vem apenas oficializar a pró-criatividade, o enfoque
polivalente das Artes, tendência que já era dominante na prática pedagógica escolar. A
atuação deste professor polivalente foi marcada pela ausência de fundamentação teórica e de
objetivos claros, que, aliada à ideologia da não-intervenção do professor, propiciou o
61
desenvolvimento de uma prática pedagógica que se reduziu na maioria dos casos em uma
multiplicidade de atividades isoladas, fragmentadas e inconsistentes, que enfatizavam o
processo em detrimento do produto.
A década de 1980 é, para Pires (2003), uma síntese do percurso histórico do ensino
musical nas escolas públicas:
Com relação à prática pedagógica, FUKS (1991) identifica a presença de
uma série de canções de caráter diretivo que antecedem as diversas
atividades – as ―musiquinhas de comando‖; um repertório de hinos cívico-
escolares executados nas datas comemorativas; e, a pró-criatividade, que se
expressa de duas maneiras diferentes: o laisser-faire que se caracteriza pelas
atividades improvisadas, e, um conjunto de melodias do nosso folclore,
adaptadas com novos textos criados com o sentido de comando. Além das
formas cantadas, a autora aponta uma modalidade mais recente que se
caracteriza pelo silêncio – o ensino dissertado do canto. Essa convivência
metodológica, segundo FUKS (1991), é sem sombra de dúvida, uma herança
modernista e uma herança da criatividade, onde de maneira misturada ou
alternada soam o canto e o silêncio. (PIRES, 2003, p. 18, grifos no original)
Penna (2008, p. 125) mostra que os livros didáticos produzidos nas décadas de 1970 e
1980 apresentavam atividades nas várias linguagens (artes plásticas, desenho música e artes
cênicas), mas as artes plásticas eram definitivamente predominantes. Segundo a autora, a
música não consegue se inserir de modo significativo no espaço escolar, uma vez que
dominada, principalmente, pelas artes plásticas.
Todas estas questões foram sendo discutidas pela área, que pedia reformas urgentes na
estrutura do ensino. Estas vieram à baila com o fim do regime autoritário no início dos anos
80, juntamente com o movimento de redemocratização da sociedade. Este processo resultou,
após oito anos de tramitação em meio a acirradas polêmicas, na promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
Com esta legislação, a Educação Artística é extinta, devendo dar lugar ao ensino de
Arte, compreendido pelas linguagens música, artes visuais, teatro e dança, de conteúdo
obrigatório nos diversos níveis da educação básica. Os PCNs consideram a arte como objeto
de conhecimento e indicam os objetivos gerais, conteúdos e critérios para a sua seleção. No
entender de Loureiro (2003, p. 77), o desenvolvimento dos conteúdos propostos dentro de
cada eixo norteador em música (produção – experiências do fazer artístico; apreciação –
experiências de fruição; e reflexão) irão requerer profissionais com habilitação na área,
―envolvidos em um trabalho de reflexão crítica contínua sobre sua prática‖.
62
Entretanto, Mateiro (2003, p. 29) lembra que a Lei 9.394/1996 não esclarece em que
consiste o ensino de música, como e por quem será ministrada, permitindo, ainda, uma leitura
polivalente da proposta das quatro diferentes modalidades artísticas como integrantes da área.
A proposta polivalente persiste e os conteúdos musicais permanecem longe da
proposta de ensino de música na escola. A música na escola não se consolida, portanto, como
área de conhecimento. Está associada sempre aos benefícios que traz para a coordenação
motora, para o aprendizado de matemática e outras matérias realmente consideradas como
importantes, para o desenvolvimento da criatividade e o favorecimento da expressão, para a
recreação e para a ornamentação das festas escolares – enfim, como ferramenta, como meio,
nunca como um fim em si mesma.
1.3 MÚSICA E ENSINO SUPERIOR: DA FEDERALIZAÇÃO DOS CONSERVATÓRIOS
ÀS ATUAIS LICENCIATURAS EM MÚSICA
Pelo Decreto n. 19.852, de 11 de abril de 1931, o Instituto Nacional de Música foi
incorporado à Universidade do Rio de Janeiro. A esta época, o Instituto estava sob a
administração de Luciano Gallet (1893 – 1931). Siqueira (1972, p. 77) afirma que esta
reforma universitária empreendida por Francisco Campos ―possibilitou um retorno da música
à sua alta função educativa‖.
Segundo Brum (2007, p. 5), Gallet ficou encarregado de realizar a reforma do ensino
nesta instituição. Para tal, convidou Mário de Andrade e Sá Pereira para formarem uma
comissão para a elaboração dos currículos e realizar o projeto de incluir o Instituto na
Universidade. Desejosos de colocar o estabelecimento no mesmo gabarito universitário de
qualquer outra profissão liberal, Andrade e Pereira veem aqui uma possibilidade de dotar o
estudante de música de um melhor cabedal de conhecimentos - formação intelectual. A
maioria dos professores da congregação do Instituto, entretanto, conservadora, queria os
alunos concentrados exclusivamente na aprendizagem do instrumento.
Este fato reforça a idéia de que já se haviam incorporado disposições sobre o
significado da formação do músico, além de retomar a discussão acerca do binômio música
prática / música especulativa.
De acordo o Decreto n. 19.852/1931, o Instituto Nacional de Música oferecia três
graus de ensino: Fundamental, Geral e Superior. O artigo 252 informa que o Curso
Fundamental era preparatório do Curso Geral. Este, por sua vez, tem como objetivo formar,
63
principalmente, instrumentistas profissionais de orquestra e coristas; e o Curso Superior,
instrumentistas e cantores (professores), compositores e regentes (maestros) e virtuosos.
Nota-se, portanto, que quem ingressa no curso superior é a figura do músico professor:
ligado a uma formação prática, instrumental / vocal, erudita (o que encaixava perfeitamente
com a ―alta cultura‖ trabalhada no âmbito universitário), e cujo domínio de sua arte o fazia
professor da mesma.
No artigo 253, faz-se uma ressalva ao afirmar que, embora mantida a unidade técnica e
administrativa do Instituto Nacional de Música dos três cursos de que se compõe, só seria
considerado universitário para os efeitos do referido decreto, o Curso Superior. É importante
ressaltar que o curso superior guarda uma relação estreita com os cursos fundamental e geral
oferecidos pelo próprio instituto. É, pois, um prolongamento dos mesmos.
No que se refere aos diplomas oferecidos pelo instituto, os artigos 273 e 274 eram
bastante esclarecedores:
Art. 273. A habilitação no curso Superior de Canto e Instrumento dá direito
ao diploma de Professor, e no de Composição e Regência , em (sic) de
Maestro.
Art. 274. Os diplomas conferidos pelo Instituto, acrescidos das exigências
determinadas no Regulamento, asseguram preferência, em igualdade de
condições, para o provimento nos cargos do magistério e são títulos que
habilitam, legalmente, ao exercício do professorado particular. (BRASIL,
1931, s.p.)
Assim, o professor de música seria aquele que concluiu o curso superior de Canto ou
de Instrumento. Em 1937, com a promulgação da Lei n. 452 de 5 de julho, a Universidade do
Rio de Janeiro é reorganizada, alterando seu nome para Universidade do Brasil.
Consequentemente, o Instituto Nacional de Música passa a se chamar Escola Nacional de
Música.
À época, era diretor do Instituto o professor Guilherme Halfeld Fontainha (1887 –
1970). Siqueira (1972, p. 80) afirma que houve problemas de adaptação do instituto ao regime
universitário, forçando seu diretor a ―[...] renunciar às aspirações de ordem virtuosística para
se dedicar, de corpo e alma, às necessidades da vida administrativa‖.
Com a reforma de 1937, foram incorporadas algumas alterações nos programas de
ensino, que ainda eram publicadas com o nome do Instituto. Manteve-se a divisão do ensino
em três graus sequenciais: o fundamental (5 anos), o geral (2 anos) e o superior (2 anos).
64
A disciplina Pedagogia Musical, do curso superior de formação de professores de
instrumento/canto possuía um extenso programa dividido em cinco partes:
Tabela 4 – Conteúdos da disciplina Pedagogia Musical (1937) PARTES CONTEÚDOS
Primeira Parte Definições da Pedagogia antiga e moderna;
As concepções de ensino passivo, ativo ou
funcional;
A criança como centro do ensino.
Segunda Parte Questões relacionadas à psicologia pedagógica:
utilização, modificação e aquisição de
comportamentos;
Enfoque à necessidade de adaptar o ensino às
tendências naturais da criança e aos processos de
Ensino Intuitivo e Educação dos Sentidos;
Orientações a respeito da ―feição psicológica‖ do
período primário e dos processos de verificação de
aprendizagem.
Terceira Parte Técnicas de Ensino e metodologia da música:
conteúdos teóricos (solfejo, teoria, leitura, escalas,
modos, tons, etc.) com princípios de ensino
renovados e utilizando processos intuitivos.
Notada influência da pedagogia de Dalcroze no
ensino de conteúdos teóricos e técnicos como
fraseado, expressão musical, técnica instrumental,
pedal, treino, memorização.
Quarta Parte História da Pedagogia (da Antiguidade até a
atualidade) com enfoque dado às reformas do
século XX – escola ativa e Jardim da Infância –
principalmente para a reforma do ensino musical
por Jacques Dalcroze.
Quinta Parte Educação do Educador e Ética profissional.
Fonte: Jardim (2008, p. 65 – 67)
Jardim (2008, p. 68) comenta que esse curso de Pedagogia Musical proposto para o
professor de música, inseria-o num universo que até então não fazia parte de seu
conhecimento e de sua formação. Para a autora, demonstrava uma necessidade de acesso a
uma série de conhecimentos que estavam sendo estudados e buscando aplicação no espaço da
educação geral, mas que não figuravam nem na esfera da discussão nas práticas de ensino de
música.
As discussões sobre a pedagogia Dalcroze no Brasil já eram feitas à época da Reforma
Francisco Campos – Luciano Gallet. Mário de Andrade e Sá Pereira, convidados por Luciano
Gallet para a elaboração da reforma curricular do então Instituto Nacional de Música,
propunham a adoção do método Dalcroze. Jardim (2008, p. 65) mostra que essas propostas
encontraram resistências, tanto mais, porque criticavam a forma como era conduzido o ensino
musical, que priorizava a técnica instrumental e o virtuosismo. A reforma Campos–Gallet foi
65
vista como radical e inadequada, e as fortes reações acabaram por levar Luciano Gallet a
demitir-se do cargo (JARDIM, 2008; SIQUEIRA, 1972). Com Guilherme Fontainha, as
reformas foram implantadas lenta e gradualmente, visando ampliar o conceito de
aprendizagem musical. Observamos, portanto, as primeiras discussões acerca do ensino de
música que já estava cristalizado na instituição.
Ao analisar o currículo da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil
(praticamente igual ao currículo do Instituto de Música da Universidade do Rio de Janeiro
descrito anteriormente), Jardim (2008, p. 65 – 66) observa que esta nova disposição da
abordagem dos conteúdos conferia à formação do músico um caráter mais abrangente, posto
que não incluía apenas instruções intrínsecas da estrutura da música.
Entre 1920 e 1940, formou-se no Brasil um grupo em torno dos ideais modernistas e
nacionalistas, estabelecendo-se um vínculo entre os elementos musicais, detectados nas
manifestações dos povos, com a construção de uma nacionalidade. A construção de uma
música erudita brasileira alinhava-se à estética da música moderna como forma de expressar a
fusão dos elementos populares e nacionais.
Os fundamentos da construção de uma cultura (e uma música) nacional encontraram
apoio na política de Getúlio Vargas, que compôs um programa nacional ao qual se ligaram
intelectuais ligados ao movimento moderno-nacionalista. Para Jardim (2008, p. 73), os
reflexos desse movimento não foram sentidos na esfera do ensino musical especializado, mas
geraram iniciativas no campo da educação geral, nas escolas públicas, com a implantação do
Canto Orfeônico como disciplina obrigatória em nível nacional.
Como já discutido anteriormente, a implantação do Canto Orfeônico criou a
necessidade de formação de professores específicos, que necessitavam de uma especialização
além (ou até mesmo em substituição) do curso superior oferecido no Instituto Nacional de
Música. Logo, o professor de música (que atuaria na escola regular) era formado fora do
âmbito acadêmico. A figura do músico professor é que se fixava no ensino superior.
E fixava-se também uma concepção de formação para este músico professor, formado
nos moldes do conservatório, com caráter tradicional e erudito. Houve resistências a esta
formação tradicional, como o Grupo Música Viva, movimento encabeçado por Hans Joachim-
Koellreutter em meados da década de 1940.
De acordo com Jardim (2008, p. 75), embora marcantes, as experiências promovidas
pelo grupo não chegaram a produzir alterações imediatas na condução do ensino, na forma
conservatorial que se manteve nas instituições especializadas, com exceção aos locais
66
específicos de atuação do Koellreutter que, embora significativa, não alçou o status de
pensamento dominante. Esta ―forma conservatorial‖ já havia sido incorporada como princípio
de formação pelos agentes do campo.
A autora comenta, ainda, que na esfera do ensino de música, a polêmica gerada pelas
posições de Koellreutter propiciou a elaboração de um novo conceito que deveria conduzir
para um processo de educação musical, que, aos poucos, foi tomando forma e estrutura em
diversos segmentos, quer seja na educação geral, pública e particular, no ensino especializado,
na produção de material didático e no mercado editorial:
A concepção de uma estrutura de ensino, de práticas, de conteúdos, em face
de uma série de experiências que vinham se realizando, vão compondo o
conceito e o significado de Educação Musical, que necessitava de uma
alteração de base, nos conteúdos e métodos desde o início da formação do
músico. (JARDIM, 2008, p. 76, grifos no original)
Várias experiências puderam ser observadas neste sentido, como cursos de iniciação
musical e cursos infantis que introduziam os conteúdos e metodologias de forma que o
entendimento da iniciação ao estudo deveria se fundamentar em outros pressupostos, que não
aqueles ligados ao estudo da teoria e dos exercícios técnicos.
Jardim (2008, p. 77) sublinha o fato de que, curiosamente, a adoção desta vertente vem
reeditar práticas realizadas no âmbito das escolas de formação geral, muito anteriores a essa
época, que, ―[...] por meio de atividades musicais, buscavam a inserção do aluno num amplo
contexto cultural, sem, necessariamente, visar à formação do músico‖. Estas experiências já
vinham sendo amplamente testadas no âmbito da educação pública, o que não acontecia nos
cursos específicos de música:
A carência de bases sólidas para sustentar uma revisão, não apenas das
práticas, mas também dos conteúdos necessários para o aprendizado, fica
patente na ausência de discussões e publicações específicas e nas tentativas
de apresentar os mesmos elementos da teoria musical, mascarados com
novas roupagens, pretensamente adaptados à condição da infância. Da
mesma forma, sedimentando práticas antigas, os conteúdos teóricos
ainda mantinham a posição predominante de formação do músico. (JARDIM, 2008, p. 78, grifo meu)
Conforme mostra a autora, os interesses e propostas de modernização do ensino, bem
como as atuações dos intelectuais na defesa desse ideário, manifestaram-se, conjuntamente,
com os longos debates que envolveram a aprovação da Lei n. 4.024 de 1961, que definiu as
67
diretrizes e bases da educação nacional. Para Jardim (2008, p. 78), a partir da promulgação
desta LDB (Lei de Diretrizes e Bases), as disputas no campo da música tiveram um novo
caminho demarcado, muito embora as mudanças não tenham se operado no âmbito do ensino
especializado.
Com a LDB de 1961, uma nova concepção do ensino da música veio a substituir as
práticas orfeônicas (ao menos na legislação): a Educação Musical figurou, nesta legislação,
como disciplina optativa. É neste período que vários estabelecimentos oficiais do ensino
especializado de música no país passam a integrar as várias unidades das universidades
federais e também as estaduais, adquirindo a condição de ensino superior:
Conservatório Musical Carlos Gomes (São Paulo) – tornado instituição privada de
ensino superior de música mediante o Decreto n. 52.073, de 28 de maio de 1963;
Instituto Musical Santa Marcelina (São Paulo) – oficializado como ensino superior
em 1965;
Conservatório Mineiro de Música (Belo Horizonte) – transformado em 1962 em
Escola de Música da UFMG;
Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro – transformada em Escola de Música
da UFRJ em 1965;
Conservatório de Música de Pelotas – tornou-se instituição agregada da UFPel em
1968;
Conservatório de Música Joaquim Franco – transferido no final de 1968 para a
Universidade do Amazonas.
As especialidades dos cursos de música eram direcionadas para tocar, reger ou
compor. Pressupunham-se as atribuições de ensinar como inerentes às funções do músico:
―[...] o músico era considerado ‗mestre‘ do seu instrumento, independentemente de ter
recebido algum tipo de preparo para esse fim‖ (JARDIM, 2008, p. 79, grifo no original) –
cristalização da figura do músico professor.
Quando os conservatórios ou institutos foram elevados à categoria de nível superior
não houve alteração deste sistema. Ao proceder a uma análise destes currículos, a mesma
autora afirma que estes foram adaptados com relação à carga horária e à inclusão de matérias
adicionais obrigatórias, sem apresentar mudanças substantivas:
[...] no geral, a estrutura curricular do conservatório, na formação do
instrumentista, do regente, do cantor, foi mantida nos cursos superiores,
tendo seus currículos, praticamente, reproduzidos no novo grau de ensino.
Salvo exceções, o conservatório, de certa forma, foi transposto para a
universidade. (JARDIM, 2008, p. 79, grifo meu)
68
Pires (2003, p. 21) nos lembra que o curso de formação de professores para o ensino
primário e o pré-primário - ensino normal – era uma das modalidades de ensino médio da
época. De acordo com o art. 35 da LDB/1961, o currículo de cada ciclo do ensino médio
deveria constar de disciplinas e práticas educativas19
. Numa análise da legislação, a autora
constata que:
A pluralidade de lugares ocupados pela música na estrutura curricular –
disciplina optativa, prática educativa e atividades complementares de
educação artística, todas de caráter opcional - denota a falta de clareza das
políticas públicas com relação à importância da música e de seu ensino nas
escolas, porém deixa transparecer no discurso oficial a certeza do lugar que a
música não ocupava no currículo do ensino médio - o ―status‖ de disciplina
obrigatória. Por outro lado, revela a contradição da proposta, que permite à
música se encaixar em qualquer lugar (destinado a ela), mesmo sendo esses
de natureza e princípios contrapostos. (PIRES, 2003, p. 23, grifo no original)
Aos professores de práticas educativas não era requisitado o ―registro de professor‖,
como também não era exigido o diploma ou exame de suficiência, ―o que fatalmente fecharia
as escolas de algumas regiões à preciosa colaboração dos cantadores e violeiros, que não têm
diplomas, mas são representantes legítimos do nosso folclore, que é preciso, transmitir a fim
de preservar” (Parecer n. 898/65 apud PIRES, 2003, p. 23, grifo no original).
Contudo, se houvesse profissionais especializados na área da prática educativa
escolhida pela escola, os titulares de diplomas teriam preferência para a contratação. No caso
da música, esta era a situação do professor de Educação Musical, de nível superior. O
Conselho Federal de Educação havia fixado, em 1962, o currículo mínimo dos cursos
superiores de música, determinando sua duração em quatro anos, incluindo o de professor de
Educação Musical. Desta forma, como a primeira turma se formaria apenas em 1966, o
Ministro de Estado da Educação e Cultura resolve assegurar o registro de professor de
Educação Musical, no Departamento Nacional de Educação, aos diplomados até 31 de
dezembro de 1965 pelos cursos de formação de professor de instrumento ou de canto pela
Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil ou por escolas superiores de música.
Os formados em Educação Musical, a partir de 1966, atuariam na disciplina optativa
Educação Musical, que diferia do Canto Orfeônico, que era considerado prática educativa – e
______________ 19
As disciplinas, de finalidade informativa e caráter teórico, tinham seu campo de conhecimento delimitado, ao
passo que, as práticas educativas guardavam uma função formativa de natureza prática, ―obedecendo a
critérios mais elásticos‖, não se constituindo portanto em um campo de saber sistematizado. (PIRES, 2003, p.
21)
69
que poderia, portanto, continuar sendo ministrado por professores formados em nível médio
pelos Conservatórios de Canto Orfeônico.
Pires (2003, p. 1) afirma que os cursos de licenciatura surgiram no Brasil na década de
30, nas antigas Faculdades de Filosofia. A partir do Decreto-Lei 1.190 de 4/4/1939, esta
faculdade passa a contar com um curso de Pedagogia com duração de três anos que formava o
Bacharel em Pedagogia, e um curso de didática com duração de um ano que, quando cursado
por bacharéis, fornecia o título de licenciado, permitindo aos alunos egressos o exercício do
magistério nas redes de ensino. Este modelo de formação do professor, em que disciplinas de
conteúdo são justapostas às disciplinas de natureza pedagógica, ficou conhecido como o
famoso esquema 3 + 1, que perdurou até a década de 1990, quando da promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases – LDB 9394/1996.
Este foi o modelo que foi aplicado nos cursos superiores de formação de professor de
música a partir da década de 1960:
Na área de música, vamos encontrar até o início da década de 60 o Curso de
Professor de Música, de nível médio, vigente nos conservatórios, e em nível
superior, as três modalidades de cursos no país: Instrumento, Canto, e
Composição e Regência. Com a Resolução decorrente do Parecer nº383, de
dezembro de 1962, fica prevista a criação de mais dois cursos superiores de
Música: o curso de Professor de Educação Musical e o de Diretor de Cena
Lírica. Legalmente, pode-se dizer que na década de 60 os cursos superiores
de formação de professores de Educação Musical são criados com a mesma
estrutura curricular do modelo 3 + 1: disciplinas do conteúdo específico de
Música justapostas às disciplinas pedagógicas estabelecidas pelo Parecer nº
292 do Conselho Federal de Educação - CFE. (PIRES, 2003, p. 1 – 2)
O esquema 3+1 nos remete à formação do professor de música forjado no
conservatório (com a formação específica no instrumento / voz acrescido de uma disciplina
pedagógica) e também à complementação do curso superior em instrumento com a
especialização em canto orfeônico (de caráter predominantemente pedagógico). Legitima-se,
portanto, a formação do professor de música como: formação do músico + complementação
pedagógica.
Há neste período, portanto, múltiplas concepções da função da música na escola
(disciplina – teórica; prática educativa) e, consequentemente, múltiplas concepções do perfil
de professor de música que atuaria nas escolas.
Na década de 1970, a Lei 5692/1971 criava as licenciaturas em Educação Artística
com habilitações específicas em Artes Plásticas, Artes Cênicas, Música e Desenho. A
70
denominação de Licenciatura em Educação Artística se justificava depois da implantação da
Lei n. 5.692 em agosto de 197120
com a obrigatoriedade da Educação Artística nos programas
curriculares das escolas de primeiro e segundo graus – artigo 7º (cf. MATEIRO, 2003;
PENNA et al., 1995). Mateiro (2003, p. 26) esclarece que a Educação Artística passa a ser
obrigatória somente a partir da quinta série do primeiro grau — o que hoje corresponde ao
terceiro ciclo do ensino fundamental. Assim, pois, o ensino de música, a partir de 1971, ao
lado das artes plásticas, artes cênicas e desenho, passou a pertencer à área da Educação
Artística.
Penna et al. (1995, p. 147) afirmam que, tanto a Educação Artística no 1º e 2º graus
quanto a sua licenciatura são marcadas pela proposta polivalente. Tal proposta, para os
autores, se mostra ainda mais nefasta nas licenciaturas curtas21
, que pretendiam formar, no
curto espaço de dois anos, um professor capaz de atuar em todas as áreas artísticas.
Denardi (2008, p. 54) afirma que, naquele momento, a multiplicidade da área artística
e a polivalência das práticas pedagógicas, além do amparo legal, estiveram presentes nas
escolas brasileiras, principalmente nos cursos de formação de professores:
A Música tornou-se uma das linguagens artísticas, previstas para a Educação
Artística nas escolas nacionais. Por sua vez, esta era uma subárea de
conhecimento que, juntamente com o curso de Letras e Educação Física,
formava um campo maior de conhecimento, denominado Comunicação e
Expressão. Além disso, era uma ‗atividade‘ entendida como lazer, e não,
como uma disciplina, ou ainda, como área de conhecimento autônoma.
(DENARDI, 2008, p. 54)
O currículo mínimo para as Licenciaturas em Educação Artística foi fixado pelo
Conselho Federal de Educação do Ministério de Educação e Cultura, através da Resolução
n.23 de 23 de setembro de 1973. De acordo com o artigo 3º, desta resolução, o currículo
mínimo está composto por uma parte comum a todas as habilitações e uma parte diversificada
correspondente a cada uma das habilitações. A seguir, a relação das disciplinas que
compunham este currículo:
______________ 20
A Lei 5.692/71 modificou a estrutura da educação primária, secundária e colegial para primeiro e segundo
graus. 21
Refere-se aos cursos que habilitavam professores para o ensino infantil e fundamental (1º grau) de duração
menor que as chamadas licenciaturas plenas. As licenciaturas curtas surgiram no país a partir da Lei n.
5.692/71, em 1971, num contexto em que passou-se a exigir uma formação rápida e generalista para atender a
uma nova demanda de professores.
71
a) Parte comum: Fundamentos da Expressão e Comunicação Humanas,
Estética e História da Arte, Folclore Brasileiro e Formas de Expressão e
Comunicação Artística.
b) Parte diversificada para a Habilitação em Música: Evolução da Música,
Linguagem e Estruturação Musicais, Técnicas de Expressão Vocal, Práticas
Instrumentais e Regência. (BRASIL, 1979, p. 91)
A partir desta estrutura curricular mínima as instituições de ensino responsáveis pelos
cursos de Educação Artística poderiam acrescentar disciplinas complementares que julgassem
adequadas à formação do professor:
O artigo 29 da Lei 5.692/71 estabelece que a formação do professor de
primeiro e segundo graus deve ajustar-se às ―diferenças culturais de cada
região do país, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de
cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e
às fases de desenvolvimento dos educandos‖. Do mesmo modo, a duração do
curso pode variar o número de anos letivos desde que se cumpram as mil e
quinhentas horas (1.500) para a licenciatura de primeiro grau, também
conhecida como licenciatura curta, e as duas mil e quinhentas (2.500) para a
licenciatura plena. (MATEIRO, 2003, s.p.)
Penna et. al (1995, p. 147) ao falar do currículo das licenciaturas em Educação
Artística, comentam que este é sobrecarregado por um excesso de disciplinas de caráter
teórico-abstrato, de modo que as disciplinas voltadas para o domínio dos conteúdos
específicos da linguagem artística (objeto da habilitação) se revelavam insuficientes.
Os autores já apontavam a necessidade de se resgatar a formação em cada área
específica, tendo o cuidado de não permitir que o resgate destes conteúdos não caísse no
tecnicismo ou no academicismo, nem tampouco significasse deixar de lado as questões
próprias da prática educativa. Observam ainda que, o que vinha acontecendo era, na maioria
das vezes, uma não integração entre os conteúdos técnicos e pedagógicos:
Isto é, nas disciplinas práticas, que tratam do fazer artístico em cada
linguagem, não se estabelece uma ligação com os aspectos pedagógicos
envolvidos neste fazer. Ao mesmo tempo, nos poucos espaços curriculares
voltados para as questões pedagógicas, muitas vezes os conteúdos são
secundarizados, quando não totalmente ausentes, como no caso de
disciplinas de didática geral, que pretendem garantir a ação educativa do
futuro professor, independentemente dos conteúdos a serem ensinados.
(PENNA, et al., 1995, p. 147 – 148)
72
Além disso, consideram que essa falta de integração entre os diversos elementos
necessários a uma eficaz formação do professor, assim como o enfoque abstrato e genérico
que é dado às disciplinas pedagógicas, alimentavam uma postura bastante corrente, inclusive
entre os alunos, que relega as disciplinas pedagógicas a um segundo plano, como menos
importantes que as de caráter prático-técnico. Estas disciplinas (de cunho prático-técnico),
segundo os autores, seriam centrais num bacharelado, voltado para a formação do artista;
enquanto que na licenciatura tinha-se que assumir todas as implicações envolvidas na
formação do professor.
O fato é que, este tipo de formação na área de Educação Artística acabou por formar
profissionais com conhecimentos muito gerais de música, artes plásticas, teatro e desenho;
resultando em um prejuízo à concepção de Educação Artística. Os professores de Educação
Artística, com cursos que propunham um currículo muito abrangente, entre conhecimentos de
música, plástica e expressão corporal, acabavam enfatizando em sala de aula um fazer
artístico manual, apenas sensibilizando os alunos para a liberação da criatividade na
reprodução de técnicas mecanizadas, apoiadas nos livros didáticos. Ou para servir a outras
disciplinas, como no caso das canções, dos teatrinhos e da decoração das festas escolares
(fortalecimento do paradigma da música como ferramenta).
Segundo Penna (2008, p. 125), as críticas a esta situação se fortalecem por meio das
pesquisas e trabalhos acadêmicos, em congressos e encontros nos diversos campos da arte. E
a necessidade de se recuperar os conhecimentos específicos de cada área vão se refletir, após
um longo processo de elaboração, na promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996.
Como afirma Loureiro (2003, p. 74), além de reafirmar os compromissos do Estado
em relação à oferta de escola, a nova LDB imprime uma nova organização ao sistema escolar,
visando ampliar o tempo de escolaridade obrigatória.
A Lei n. 9394/1996 conferiu à União poder para estabelecer, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para cada uma das
etapas da educação básica. Estas teriam a função de nortear os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.
Entretanto, a Lei 9.394/1996 permite, ainda, uma leitura polivalente da proposta das
quatro diferentes modalidades artísticas, não esclarecendo em que consiste o ensino de
música, e como e por quem será ministrada. Penna (2010, p. 133), tendo em vista a falta de
73
clareza acerca da formação dos professores de Arte cuja qualificação não é indicada com
precisão quer na LDB, quer nos diversos Parâmetros22
, comenta que:
[...] a formação do professor é um ponto fundamental, na medida em que
define o seu domínio dos conhecimentos artísticos: sua formação é
específica em uma linguagem, ou mantém-se a visão geral das várias
modalidades? (...) a flexibilidade e multiplicidade interna dos PCN para Arte
no ensino fundamental e médio ainda permitem uma leitura polivalente da
proposta das quatro diferentes modalidades artísticas como integrantes da
área. Com isso, seria exigida do professor uma polivalência ainda mais
ampla e inconsistente que aquela promovida pela Educação Artística e já tão
criticada. A falta de uma definição clara da qualificação exigida do professor
para que possa assumir o trabalho pedagógico no campo da arte pode
favorecer esta leitura, como também a tendência de provas de concursos
públicos para professor de Arte (como anteriormente para Educação
Artística) serem muitas vezes elaboradas neste formato, abordando as
diversas linguagens – apesar de em alguns contextos esta situação estar
mudando, nos últimos anos (...). (PENNA, 2010, p. 133)
Entretanto, a lei ultrapassa a idéia hermética de currículos mínimos que perdurava
desde 1962 e, seguindo essa idéia de estrutura curricular flexível sem a determinação de
disciplinas fixas, seriadas e obrigatórias, foram elaboradas as diretrizes curriculares para os
cursos de música e encaminhadas ao Ministério de Educação e Cultura em junho de 1999,
sendo aprovadas pelo CNE apenas em 2004.
De acordo com Hentschke (2003, p. 53), o trabalho de confecção das Diretrizes
Curriculares estendeu-se por cinco anos, sendo concluído em 1999. Entretanto, foi apenas no
ano de 2002 que o CNE propôs as Diretrizes para os cursos de música. A autora, que
participou da comissão de elaboração das diretrizes afirma não ter havido uma homologação,
pois o documento proposto pela comissão não permaneceu na íntegra. Segundo ela, foi
realizado um ―corta e cola‖ do documento confeccionado pela Comissão de Especialistas do
Ensino de Música, com o apoio dos cursos de música no Brasil.
[...] as mudanças propostas atualmente estão muito longe de serem mudanças
cosméticas, de grade, de súmula ou carga horária. Elas demandam uma
mudança total de paradigma educacional, das práticas de ensino, das
múltiplas formas de aprendizagem, da seleção de conteúdo, da didática,
enfim, de todo o processo de formação profissional em nível de graduação,
diferente do que vem sendo praticado. (HENTSCHKE, 2003, p. 54).
______________ 22
A autora apresenta como exceção apenas as Orientações curriculares para o ensino médio (Brasil, 2006, p.
202) que explicitam a questão de a formação docente dever se dar em uma linguagem artística (PENNA, 2010,
p. 133)
74
A comissão propôs cursos de música — licenciatura e bacharelados — com sete
habilitações: Práticas interpretativas (Instrumento, Voz e Regência), Composição, Educação
Musical, Produção Cultural, Música Popular, Tecnologia em Música e Musicoterapia. A
estrutura curricular deveria seguir um núcleo comum para todas as habilitações. Para tal,
relacionam sete campos de conhecimento: instrumental, composicional, pedagógico,
fundamentos teóricos, formação humanística, conhecimento de integração (práticas
pedagógicas e outras aplicações) e campos de conhecimento de investigação.
O aumento de horas destinadas às práticas pedagógicas para os cursos de licenciatura
apresenta-se como possibilidade de uma nova significação na formação docente, rompendo
com o antigo modelo 3+1:
A Lei 9.394/96 estabelece um mínimo de trezentas horas (artigo 65), seguida
da Resolução do CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui
quatrocentas horas de prática e quatrocentas horas de estágio supervisionado.
Esta exigência legal nos remete a reflexões no tocante às concepções sobre a
formação de professores e, principalmente, às relações entre teoria e prática.
As diretrizes curriculares para os cursos de música (2002) no que se refere às
práticas de ensino indicam que essas atividades pedagógicas deverão ser
realizadas durante o curso, ao contrário do modelo até agora experimentado
— o estágio estava situado no último semestre. Ressalta, ainda, a
importância de ampliar o campo das experiências pedagógicas para além das
instituições escolares. (MATEIRO, 2003, p. 29)
Analisando as Diretrizes propostas em 2002, Mateiro (2003, p. 30) considera que elas
apresentam uma visão mais unificadora com respeito à organização das disciplinas, à relação
teoria e prática, à aprendizagem, à diversidade cultural, entre outros aspectos dos programas
curriculares das licenciaturas. Entretanto, a autora afirma serem três os principais fatores a
superar diante da aplicação das possibilidades da nova lei: a organização do saber, a relação e
a aproximação entre a formação acadêmica e a realidade e o quanto de música o professor
deve saber.
A mais recente alteração realizada na legislação referente ao ensino de Música no
Brasil foi aprovada em 2008, por meio da Lei n. 11.769/2008. Antes desta lei, a música estava
potencialmente incluída no componente curricular Arte (PENNA, 2010, p. 139). Sendo
resultado de vários anos de debates e mobilizações de entidades, músicos e educadores
musicais junto a parlamentares, a Lei n. 11.769 de 2008 alterou a atual LDB acrescentando-
lhe um novo parágrafo ao seu artigo 26. Este parágrafo explicita ser a música um conteúdo
obrigatório, mas não exclusivo do ensino da arte na educação básica.
75
O Artigo 3º da referida lei previa um prazo de três anos letivos para que os sistemas de
ensino se adaptassem a essa nova exigência, projetando sua implantação, a princípio, até
agosto de 2011.
De acordo com Penna (2010, p. 141), a Lei 11.769 abre múltiplas possibilidades para a
área de educação musical. A autora ressalta que as leis e outros dispositivos reguladores não
são dotados de uma ―virtude intrínseca‖ capaz de realizar mudanças na organização e prática
escolar, sendo necessária uma ação efetiva dos profissionais da área.
Entretanto, o veto à exigência da formação específica do professor traz à tona antigos
problemas: a falta de professores especializados e a indefinição com relação ao perfil deste
professor.
1.4 A HISTÓRIA FEITA NATUREZA – DOXA E NOMOS DA LICENCIATURA EM
MÚSICA
Na constituição histórica da formação do músico e do professor de música no Brasil,
vários aspectos podem ser destacados como permanências nas concepções desta formação.
Nossa proposição é compreender estas permanências como produtos de incorporações, nos
indivíduos inseridos neste subcampo23
das Licenciaturas em Música, de estruturas pré-
existentes e que se tornam, por sua vez, matrizes de percepções e formas de pensar e agir.
Estas permanências que acabaram por tornar-se um senso comum, uma opinião
consensual dos agentes do subcampo e, mediante a legislação e os documentos curriculares,
configuraram-se como leis que o regem e que regulam as lutas pela dominação no interior do
mesmo.
Observa-se nos currículos, um jogo de tensões entre conhecimentos musicais e
conhecimentos pedagógicos, entre a seleção de música como conhecimento oficial feita pelas
escolas regulares e pelos cursos superiores, enfim, entre os perfis de músicos professores e
professores de música.
À medida que, com o passar do tempo, os conhecimentos propriamente musicais são
esvaziados do espaço escolar, os licenciados em Música passam a procurar outros locais de
trabalho – retirando-se progressivamente da escola regular – como escolas específicas de
música e projetos sociais (espaços ideais para o perfil do músico professor). Desta maneira,
______________ 23
Tratamos o Curso de Música como um subcampo inserido em campos maiores, como o artístico, o educativo,
o econômico e o social.
76
ainda que sem perder a escola regular de vista, os currículos das licenciaturas passam a focar-
se prioritariamente na preparação de seus egressos para a atuação nestes espaços. Goss (2009)
confirma este fato, evidenciando que os licenciandos sentem-se preparados para atuação nas
escolas livres de música e reconhecem estes espaços como importante lócus de atuação
profissional.
O currículo da licenciatura passa a ser desenhado na perspectiva de formação do
músico professor. Este prossegue sendo formado a partir da doxa conservadora: uma
formação técnica, erudita, aos moldes do conservatório, do ofício medieval, voltada
extensivamente para a execução musical, complementada com disciplinas de caráter
pedagógico.
O senso comum corrobora na afirmação do perfil do músico professor: ninguém pede
para aprender Música, a intenção é sempre de aprender um instrumento em particular.
Movidos por este ideal, todos vamos procurar professores que dominem o instrumento objeto
de desejo: em geral procuramos os melhores instrumentistas creditando à destreza técnico-
instrumental a perícia docente.
Embora este perfil de professor não seja o mais indicado para o trabalho nas escolas,
como professor de música, os currículos de formação dos educadores musicais parecem
preocupar-se mais com a formação específica da prática/teoria musical do que com a
formação pedagógica do mesmo. A imagem do músico professor, constituindo a doxa do
campo, estabelece, inconscientemente, as leis de formação do professor de música. E, tendo
sido incorporado, cria naqueles que o procuram a expectativa do aprofundamento e
continuidade dos estudos músico-instrumentais ou mesmo o desejo de estar convivendo no
ambiente das artes, da cultura, e especificamente, da música e dos saberes a esse respeito,
circunscritos no capital institucionalizado da academia. (PRATES, 2004, p. 121).
A imagem do músico professor, de caráter conservador e tradicional, mostra-se
presente, também, no discurso dos formadores, como mostra Luedy (2009) em seu estudo:
Parte importante do que se toma, aqui, como discurso acadêmico em música,
aponta, pois, para uma política cultural de efeitos conservadores, evidentes
na maneira de hierarquizar campos de saber; na seleção dos saberes,
habilidades e valores que servirão para o estabelecimento de critérios de
admissão a candidatos a vagas num curso superior de música; na defesa de
padrões de excelência e do mérito, definidos em termos estritos e relativos à
chamada ‗alta cultura‘ ocidental; na aceitação da primazia do conhecimento
de ‗status superior‘; mas, principalmente, na maneira de afirmar o que conta
como conhecimento legítimo em música. (LUEDY, 2009, p. 185, grifos no
original)
77
Outro fato que merece destaque é a falta de clareza, no decorrer da história e até
mesmo hoje, do que seja um músico artista, um músico professor (também artista), e um
professor de música – e as funções e espaços de atuação de cada um.
Os mestres de ofício eram músicos artistas, e se faziam músicos professores. Quem
atuava na formação das normalistas, em 1890, eram professores vindos dos conservatórios
e/ou grandes mestres europeus: a formação das professoras de música ficava a cargo de
músicos professores. Posteriormente, com o canto orfeônico, a função de professor de música
deveria ser ocupada por alunos oriundos do conservatório (músicos artistas) que, com uma
complementação pedagógica, seriam licenciados para exercer a função de professores de
música nas escolas. Entretanto, nas escolas especializadas (conservatórios, institutos) os
professores eram sempre os grandes artistas, os grandes instrumentistas, maestros e cantores.
Na década de 1960, com a promulgação da LDB/1961 e a reforma universitária de
1968, o canto orfeônico dá lugar à Educação Musical, que exigia como professor aquele que
fosse oriundo do ensino superior. Nesta época, o ensino superior em música ocorria nos
conservatórios, que foram incorporados às Universidades, e cujo objetivo era a formação do
músico professor e não do professor de música.
Com a Educação Artística, na década de 1970, os professores de música tinham uma
formação musical bastante superficial, devido à crença na polivalência do ensino das artes:
não eram nem músicos artistas/professores e nem professores de música.
Hentschke (2003), ao considerar as transformações oriundas das Diretrizes
Curriculares propostas para os cursos de graduação em música face às mudanças ocorridas em
decorrência da LDB de 1996, constata que:
Mesmo havendo consciência, por parte dos educadores musicais, da
necessidade de mudanças, os cursos de licenciatura não são ministrados
exclusivamente por ―educadores musicais‖ (stricto sensu), mas por músicos
instrumentistas, regentes, compositores, que, na sua maioria, não possuem
uma formação pedagógica. É inegável que existe uma disparidade de
formação pedagógica entre o que denominamos de ―educador musical‖ e o
músico instrumentista ou musicólogo que atua como docente nos cursos de
graduação. Os educadores musicais, além de terem uma formação
pedagógica sólida, estão continuamente atualizando-se, no sentido de buscar
formas mais adequadas e contextualizadas para a sua prática docente. Por
outro lado, tradicionalmente, o músico docente universitário (daí falo
enquanto estereótipo) tem praticado uma proposta educacional mais
tecnicista e tradicional de educação. O objetivo desses docentes é a formação
do músico profissional (erudito, na maioria dos cursos), baseado em critérios
absolutos de perfil de profissional. (HENTSCHKE, 2003, p. 54, grifos no
original)
78
Ou seja, a autora observa o músico professor atuando no ensino superior, como
formador de músicos professores. Reforça-se, portanto, a idéia de que o perfil do músico
artista/professor é ainda predominante nos cursos de formação de músicos e de educadores
musicais, indicando uma permanência do paradigma dos mestres de ofício medieval.
A Lei 11769/2008 desestabiliza esta situação, forçando o ajuste do foco da licenciatura
em Música para as escolas regulares. Historicamente já se notou a inadequação do modelo de
formação do músico professor ao espaço escolar, demandando uma adaptação às necessidades
da realidade das escolas.
Por sua vez, as escolas continuam exigindo do professor de música a utilização da
mesma como ornamentação de festas, apresentações, momentos lúdicos e de lazer, ferramenta
para os outros conteúdos – a doxa da função da música escolar. Observe que, mesmo com os
PCNs da década de 1990 concebendo a Arte (e, por conseguinte, a Música) como objeto de
conhecimento, tal fato não garantiu uma mudança na situação da disciplina nas escolas: ―[...]
foram muitos anos de uma prática educacional, no interior de nossas escolas, com aspecto e
função de atividade descartável, alijada da hierarquia das disciplinas escolares‖ (LOUREIRO,
2003, p. 77).
A concepção da música como uma ferramenta para outros fins externos a ela
perpassou séculos de história, criando disposições de comportamentos em professores e
alunos. Fixa-se, no senso comum, a idéia de que a música não importa por si mesma, como
linguagem simbólica, mas sim por ser um meio eficaz de inculcação de ideologias, de
comportamentos e de civilidade, além de oferecer momentos de descanso, de ludicidade e
recreação.
É necessário, portanto, analisar as diretrizes nacionais para a elaboração dos
documentos curriculares das atuais licenciaturas em música e, assim, observar na legislação se
e como este conflito está representado. Como estes documentos são apenas diretrizes, é
importante analisar também a construção de projetos pedagógicos para a formação superior.
Desta forma, poderemos observar quais princípios têm orientado a concepção de
professor de música, em outras palavras, quais disposições duráveis se mantiveram no campo,
incorporando-se nos agentes e transformando-se em matriz de ações e percepções na
formação do educador musical.
Utilizando-nos da metáfora do jogo, podemos sintetizar as regras inerentes aos cursos
de Licenciatura em Música da seguinte maneira: Elegendo a música erudita como interesse
principal, os cursos de Música distanciam-se do espaço escolar. Neste local, após o
79
progressivo esvaziamento dos conteúdos propriamente musicais – e o consequente
afastamento dos profissionais especializados, cria-se a necessidade de um mediador entre
seres humanos e músicas. Músicas no plural que englobam não somente a música erudita, da
elite, mas também a música midiática, das massas, do cotidiano, a música popular e folclórica,
a música de protesto, as canções de trabalho.
Entretanto esta mediação também se perde num espaço onde a música tem status de
ferramenta, ornamentação e recreação. Não só a formação erudita afasta o professor da
realidade escolar, mas a própria escola o repele com suas concepções arraigadas sobre a
função e o papel música. Além disso, num tempo de economia neoliberal e de mercantilização
da educação, o oferecimento da música na escola torna-se um atrativo na concorrência por
alunos-clientes. Pois a música não só auxilia a coordenação motora e a interiorização de
outros conteúdos, como confere uma camada de verniz cultural na formação dos estudantes.
Cria-se um jogo onde, conforme já apontava Bourdieu, cada ato está impregnado de história.
O capítulo que se segue busca contextualizar este jogo diante da política educacional e
as práticas musicais contemporâneas. Além disso, as Diretrizes Nacionais para os cursos de
Graduação em Música e para a formação de professores da educação básica são analisadas na
perspectiva de se encontrar nestes documentos vestígios incorporados das práticas históricas
descritas neste primeiro capítulo.
2 DA UNIVERSIDADE: OS MEANDROS DA CONSTRUÇÃO DE PROGRAMAS
CURRICULARES PÓS DCN 2004
Da constituição histórica dos cursos de música até a situação atual dos cursos de
Licenciatura em Música do Brasil, analisadas no capítulo precedente, incursionamos aqui pela
busca da contextualização das diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Música e
para a Formação de Professores para a Educação Básica, que regulamentam o curso de
Licenciatura em Música no cenário político, econômico e sóciocultural de finais do século
XX.
A partir desta contextualização, apresentamos algumas reflexões sobre as diretrizes,
relacionando-as com o panorama delineado e identificando as concepções oficiais de música e
de professor de música manifestadas nestes documentos. Para tal, realizamos o exercício de
aproximação às questões concernentes às políticas curriculares da década de 1990 –
especialmente no Brasil – a fim de elucidar as propostas contidas nas diretrizes curriculares
para os cursos de graduação formuladas após a promulgação da LDB, de 1996.
Em seguida, introduzimos algumas questões que problematizam a Música e a
Educação Musical na sociedade contemporânea. Assim, delineiam-se os conflitos em torno da
seleção curricular e, por conseguinte, das relações entre música, escola e sociedade. Por
último, analisamos as Diretrizes Curriculares para os cursos de Graduação em Música (2004)
e para a Formação de Professores para a Educação Básica (2002), que regulamentam a
construção curricular dos cursos de Licenciatura em Música no Brasil.
2.1 DO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO AO NEOLIBERALISMO EDUCACIONAL:
DO LUGAR DAS POLÍTICAS CURRICULARES
Para compreender os rumos tomados pelas políticas educativas, em especial as
curriculares, no Brasil a partir dos anos 1990, é fundamental contextualizá-las no bojo das
transformações econômicas do período em questão. Nagel (2001, p. 4), afirma que as políticas
educacionais brasileiras desta década não podem ser examinadas ―[...] independentemente dos
fatores, estratégias ou ações, que fazem do final do século XX uma fase de revigoramento
(mundial) das idéias (neo)liberais estimuladoras da nova forma de acumulação capitalista‖.
O neoliberalismo reinventa o liberalismo clássico, porém com uma nova roupagem
dada às diferenças do momento histórico em que é retomado. Para Souza e Lucena (2008, p.
81
1), o projeto neoliberal pauta-se em idéias mercadológicas que salientam a importância da
liberdade individual e a necessidade de restrição das intervenções do Estado nas políticas
públicas educacionais.
Assim, as propostas neoliberais envolvem o enfraquecimento da intervenção estatal e,
consequentemente, o progressivo fortalecimento das leis do mercado. Neste sentido, a base
material do projeto político e ideológico neoliberal é o processo de reestruturação produtiva
do capital. A reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação
resultou em práticas como a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do
trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal (SOUZA e LUCENA, 2008, p. 3).
Voltando a atenção para a implicação destas questões no campo educativo, Nagel
(2001, p. 16) mostra que as reformas educativas ―[...] alinham-se na atualização e/ou na
formação do homem dentro da perspectiva do neoliberalismo, que o BANCO MUNDIAL
detalha e regulamenta com competência‖. Desse modo, a educação passa a ser concebida
como uma instituição que qualifica pessoas para a ação no mercado de trabalho. E o cidadão,
por sua vez, passa a ser entendido como um cliente em busca de qualidade de formação.
Qualidade esta que o torna competitivo na luta individualista por boas posições no mercado.
Silva, M. (2007) ressalta que a educação, em tempos de neoliberalismo, passa a ser
confundida com o conceito de formação: a educação voltada para o trabalho. Para este autor,
os anos 1990 representaram a consagração da formação como direito de todos, em especial
quando se trata dos adultos, ―[...] agora colocados numa linha de montagem no quadro do que
poderíamos designar como indústria da formação‖ (SILVA, M. 2007, p. 208).
O autor afirma existir uma ambivalência entre os conceitos de educação e formação
nos documentos mundiais publicados nos fins do século XX e início do XXI. Aliás, esta falta
de precisão no uso de termos e conceitos é apontada como uma característica desta época,
destacando-se a falta de preocupação com contradições ou incongruências, explicitadas, como
característica dos discursos educativos produzidos pelos órgãos internacionais, a valorização
de refrões bastante aceitáveis pelo senso comum em detrimento de estudos ancorados em
critérios de cientificidade.
Silva, M. (2007, p. 220) corrobora com este pensamento, explicitando a
[...] necessidade de legitimação do ilegitimável por parte dos sectores
hegemónicos da sociedade, legitimação essa que, para ser eficaz, tem de ser
apresentada como um corpo de proposições naturalizadas, muito próximas
ou miscigenadas do/com o senso comum e sem evidente articulação com
qualquer fonte doutrinária.
82
Além da ambivalência entre educação e formação, percebe-se ainda um ―deslizamento
semântico‖ do conceito clássico de educação para o de aprendizagem. A ideia de
aprendizagem, num contexto neoliberal, possui conotações muito precisas, dada a articulação
que nele é efetuada entre competitividade, produtividade e excelência das organizações e a
responsabilização, o mérito e as competências de sujeitos individualmente considerados e que
competem entre si por posições raras no mercado.
Macedo (2000), em artigo que articula currículo, cultura, ensino e poder, defende que
a política educativa brasileira centra-se numa articulação entre princípios de eficiência e
mobilidade social, embora busque se justificar primordialmente por referências à ideia de
igualdade democrática. Considerando esta combinação de princípios como bastante díspares,
mostra que embora se contraponham em vários aspectos, eles se reforçam em outros.
A metáfora da ―igualdade democrática‖ é fundamentada pelo entendimento da
educação como um bem público; e se operacionaliza em três ações:
a formação do cidadão (as referências à cidadania se constroem, na maioria das
vezes, sobre o chão de uma cultura comum que precisa ser partilhada pelo conjunto
dos sujeitos);
a igualdade de tratamento na escola (base da igualdade democrática);
a igualdade de acesso à educação. (cf. MACEDO, 2000, p. 3).
O caráter público da educação aparece também na metáfora da ―eficiência social‖, na
qual a articulação entre escola e mundo produtivo é assumida como fundamento central.
Deste modo, entra em cena a já discutida concepção de formação, a partir da qual entende-se
que a sociedade conta com a escola para garantir o capital humano necessário ao seu
desenvolvimento.
Por sua vez, a ―eficiência social‖ apresenta duas possibilidades de operacionalização:
o vocacionalismo - vinculação entre currículo e mercado de trabalho, entendendo que aquele
deveria ser montado para atender aos interesses deste último e; a estratificação – propalada
como fruto de capacidades individuais, justifica a diferenciação de acesso proposta pelos
eficientistas.
Na medida em que o mercado necessita de pessoas para as mais diferentes posições, o
vocacionalismo centra-se na diferenciação entre a educação oferecida aos sujeitos, nisso se
diferenciando grandemente das propostas da igualdade democrática.
83
O princípio da igualdade de tratamento é indesejável para a eficiência social,
já que a economia capitalista não oferecerá espaços iguais para os diferentes
sujeitos sociais. Ao contrário, torna-se necessária a criação de fortes
mecanismos de estratificação que garantam a ocupação dos diversos postos
de trabalho. (MACEDO, 2000, p. 4)
Assim, o vocacionalismo conduz à estratificação: embora haja uma preocupação com
o desenvolvimento de toda a sociedade, a partir de uma educação efetiva e universal, o
tratamento dispensado a cada grupo de sujeitos na escola deve permitir diferenciá-los.
A metáfora da ―mobilidade social‖ centra-se na educação como um bem privado cuja
finalidade é garantir o status individual daqueles que a ela têm acesso. Neste sentido, esta
metáfora se diferencia das demais. A ―mobilidade social‖ assegura que a escola deve
propiciar a cada estudante as credenciais necessárias para se desenvolver na estrutura social,
focalizando fundamentalmente as necessidades individuais dos consumidores.
A despeito de compartilhar com a idéia de eficiência social a estreita
associação entre escola e mercado de trabalho, a mobilidade social fixa-se
nos níveis de desenvolvimento individuais, sendo a educação vista como um
bem de consumo. Interessa ao consumidor que o bem que está consumindo o
diferencie dos demais consumidores. (MACEDO, 2000, p. 4).
A educação torna-se, desta maneira, um bem privado, dotado de um valor de troca.
Este valor situa-se, pois, fora do campo educativo, onde troca-se este bem por emprego,
prestígio e conforto. Logo, a escola precisa adaptar-se aos interesses do mercado. Por sua vez,
a escolarização precisa de instrumentos de estratificação, pois não há, no mercado, lugar para
todos. É a partir disto que as metáforas de mobilidade e eficiência social se aproximam, ao
mesmo tempo que distorcem a ideia de igualdade democrática, que se restringe à igualdade de
acesso.
É importante ressaltar que, como alerta Silva, M. (2007, p. 218), a formação, por si só,
não é garantia de emprego e mobilidade social. Ao contrário, a formação poderá ser utilizada
como forma de controle e seleção, ao invés de atuar como promotora de bem estar e
mobilidade social.
Outra faceta das políticas neoliberais centra-se na ideia de descentralização. Para
Pacheco (2000, p. 145), a origem das políticas de descentralização está nos imperativos da
eficácia, de participação nas decisões, de transparência dos serviços, de delimitação de
funções, de reconhecimento dos contextos locais, conjugados com a necessidade do
redimensionamento do papel do Estado.
84
No campo da educação, ocorre um deslocamento da centralidade da nação e dos
cidadãos para o aluno na sua diversidade social e local. Entra em cena a imagem do Estado-
regulador, que adota a estratégia de responsabilização dos professores e das escolas pelo
estado da educação.
O dedo acusador do neoliberalismo vai para as escolas, em geral, e para as
burocracias letárgicas que as controlam, em particular, tornando-as
irresponsáveis tanto para os pais como para o Estado. Daí que as escolas
deixem de ser controladas pelo Estado e passem a funcionar de acordo com
os princípios do mercado livre, isto é, entregando aos pais a escolha e gestão
das escolas que desejam para os seus filhos. (PACHECO, 2000, p. 147)
Há, desta maneira, uma ênfase no individualismo, a partir da qual o currículo, numa
perspectiva neoliberal, deve contribuir para a competitividade, meritocracia e eficiência. O
Estado-regulador irá minimizar suas ações a nível macro, ao passo que fortalecerá seu papel
de definidor do conhecimento oficial, das normas e dos valores (PACHECO, 2000, p. 147).
Por isso a ideia de uma (re)centralização dos poderes do Estado a partir de políticas
descentralizadoras: o Estado centraliza a seleção, organização e avaliação do conhecimento
escolar ao mesmo tempo em que enfraquece sua intervenção no processo de implementação.
Este controle curricular realizado pelo Estado, representado pelo Ministério da Educação, tem
se dado a partir de uma série de intervenções. O estabelecimento de guias/diretrizes
curriculares, que buscam normatizar os diferentes graus de ensino, é a primeira destas
intervenções – fortemente ligada à avaliação e hierarquização das instituições:
O cumprimento das diretrizes curriculares passa a ser então objeto de
verificação e essa verificação condiciona a atuação do estado no sistema
educacional, uma atuação balizada não pela intervenção no sentido de
construção de uma escola de qualidade, mas pela certificação dos
estabelecimentos que permitiria aos ―consumidores‖ com maiores
possibilidades de escolha a aquisição de um bem melhor. Nesse sentido, a
associação entre Estado e cidadão é substituída pela lógica que gere as
relações entre prestador de serviços e consumidor e a estratificação das
opções é garantida e informada pelo próprio Estado. (MACEDO, 2000, p.
10, grifo no original)
Direcionando o foco para o ensino superior, Catani et alli (2001, p. 74), ressaltam que
a idéia básica do Ministério, no caso do ensino superior, foi adaptar os currículos às mudanças
dos perfis profissionais. Para tanto, os autores mostram que os princípios orientadores
adotados para as mudanças curriculares dos cursos de graduação foram: flexibilidade na
85
organização curricular; dinamicidade do currículo; adaptação às demandas do mercado de
trabalho; integração entre graduação e pós-graduação; ênfase na formação geral; e definição e
desenvolvimento de competências e habilidades gerais.
É possível depreender destes princípios, que a flexibilização da estrutura dos cursos de
graduação foi o objetivo geral que orientou a reforma curricular nesta época:
Ao mesmo tempo, o CNE aprovou, em 3 de dezembro de 1997, o Parecer
no. 776/97 que trata da orientação para as diretrizes curriculares dos cursos
de graduação. Neste documento, o Conselho assume posição em favor da
eliminação da ―figura dos currículos mínimos‖, que teria produzido
―excessiva rigidez‖ e ―fixação detalhada de mínimos curriculares‖,
especialmente no que tange ao ―excesso de disciplinas obrigatórias‖ e
ampliação desnecessária do tempo de duração dos cursos. No lugar dos
―mínimos‖, o CNE propõe uma maior flexibilidade na organização de cursos
e carreiras profissionais que inclui, dentre outros, os seguintes princípios:
ampla liberdade na composição da carga horária e unidades de estudos a
serem ministradas, redução da duração dos cursos, sólida formação geral,
práticas de estudo independentes, reconhecimento de habilidades e
competências adquiridas, articulação teoria-prática e avaliações periódicas
com instrumentos variados (CATANI et alli, 2001, p. 75, grifos no original).
Os cursos de graduação são considerados, neste sentido, como etapa inicial da
formação dos profissionais, pois o acompanhamento das mudanças do mercado de trabalho irá
exigir uma formação continuada. De acordo com Catani et alli (2001), a flexibilização
curricular da educação superior naturaliza o espaço universitário como espaço de formação
profissional em detrimento de processos mais amplos, reduzindo o papel das universidades.
A noção de competências, em oposição à definição de conteúdos, tem sido central nas
reformas educacionais orientadas pelo neoliberalismo e, portanto, na definição das diretrizes
curriculares para o ensino superior. Aliados a esta noção estão os conceitos de
performatividade, individualismo, mercado de trabalho e avaliação – característicos do
neoliberalismo educacional.
Diante disso, a noção de competência mantém o caráter comportamental e a estrita
associação entre escolarização e mundo produtivo que formaram a base da teorização clássica
de currículo, diferenciando-se dos modelos funcionalistas clássicos por serem estabelecidas
numa perspectiva individual.
No que diz respeito à relação entre a noção de competência, performatividade e
individualismo:
86
A organização curricular com base nos objetivos comportamentais, a
estruturação curricular com base nas competências e o planejamento do
currículo com base na divisão de tarefas fazem parte da mesma lógica que
engendra mecanismos de controle do trabalho docente e discente, de forma a
garantir a eficiência e a eficácia do sistema de ensino. A diferença das
teorias tradicionais de outras épocas e a cultura da performatividade hoje
instituída reside no fato de que, com as primeiras, visava-se à eficiência do
sistema de ensino tendo por base a funcionalidade do sistema social em uma
base coletiva de controle. Em tempos de valorização da performatividade, no
entanto, o foco é o indivíduo e sua possibilidade de se auto-regular por meio
do autoconhecimento. Em outras palavras, na atualidade, é a auto-regulação
das performances do indivíduo que é entendida como base de manutenção do
funcionamento do sistema. (LOPES, 2006, p. 47)
A performatividade pode ser compreendida como um mecanismo de controle indireto
que, ao invés de intervir, prescrever e controlar a realização de cada tarefa estabelece
objetivos/competências e cobra o seu desenvolvimento. Desta forma, a ideia de Estado-
regulador proposta por Pacheco (2000) adquire significado, bem como sua interpretação das
políticas descentralizadas como uma (re)centralização, conforme mostrado anteriormente.
A avaliação de competências em nível nacional evoca a idéia de uma cultura comum,
ou seja, de uma seleção cultural que é universalizada. Tal fato compromete a adaptação
curricular aos contextos, uma vez que as particularidades não serão contempladas nas
avaliações – e no âmbito de uma avaliação nacional não há como ser.
Desta forma, os discursos de uma cultura comum e de performatividade tornam-se
hegemônicos, para Lopes (2006), no que concerne às políticas curriculares contemporâneas:
O discurso que valoriza a cultura comum é potencializado pelo discurso que
valoriza as tradições acadêmicas das disciplinas escolares, pois, de forma
geral, é em nome da legitimidade conferida aos saberes das disciplinas
científicas que são sustentadas as posições que valorizam um conjunto de
saberes entendido como necessário a toda e qualquer pessoa. A cultura da
performatividade, por sua vez, é fortemente alicerçada pela concepção
prescritiva de currículo, na medida em que essa cultura engendra a
concepção de que existe um conjunto de performances adequadas a serem
formadas no indivíduo. Admitindo-se tal conjunto de performances como
desejável ou necessário, admite-se igualmente que existe um determinado
modelo de currículo capaz de formá-lo, sendo importante a difusão de
orientações para sua constituição na prática das escolas. O que, por sua vez,
reforça a concepção de uma cultura comum voltada para a formação de
desempenhos adequados ao mercado ou ao contexto social mais amplo,
confirmando o entrelaçamento desses discursos. (LOPES, 2006, p. 49)
Pode-se depreender que as políticas curriculares contemporâneas expressam, em seus
discursos, as influências do neoliberalismo econômico. Estas expressões, que podem ser
87
compreendidas por neoliberalismo educativo, englobam uma série de contradições no afã de
direcionar a educação como foco do desenvolvimento econômico das sociedades. Cultura
comum e performatividade passam a ser palavras-chave da prescrição curricular, englobando
o individualismo, a avaliação, as competências, o vocacionalismo, a estratificação, a
descentralização e a contextualização.
É neste contexto que se situam as atuais diretrizes que regulamentam os cursos de
graduação em Música e a formação de professores para a Educação Básica no Brasil. E é a
partir deste contexto que propomos a análise destas diretrizes.
2.2 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS QUE REGULAMENTAM AS
LICENCIATURAS EM MÚSICA
A construção dos projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Música – em
nível superior de ensino – é norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o
curso de Graduação em Música (aprovadas pela Resolução n. 2, de 08 de março de 2004 do
Conselho Nacional de Educação / Câmara de Ensino Superior) e pelas DCN para a Formação
de Professores para a Educação Básica (aprovada pela Resolução CNE/CP n. 1 de 18 de
fevereiro de 2002).
As diretrizes representam uma reação à rigidez resultante dos currículos mínimos
fixados pelo Conselho Federal de Educação, de acordo com a antiga Lei de diretrizes de
Bases da Educação Nacional 4.024/61 e, posteriormente, também a Lei de Reforma
Universitária 5.540/68.
Estes ―currículos mínimos‖, de acordo com o Parecer CNE/CES 67/200324,
apresentavam normas gerais válidas para todo o país, numa perspectiva de igualdade de
oportunidades, assegurando ao estudante os mesmos conteúdos e até a mesma duração e
denominação em qualquer instituição. Desta forma, garantia-se uma uniformidade mínima
profissionalizante, objetivado em um diploma profissional (que assegurava o exercício dos
direitos e prerrogativas das profissões), e facilitavam-se as transferências entre uma
instituição e outra de diferente localidade.
Obtinha-se, desta maneira, um elevado detalhamento de disciplinas e cargas horárias, a
serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser reconhecido o curso, ou até de não ser
ele autorizado a funcionar quando de sua proposição. Tal fato inibia as instituições de inovar
______________ 24
Este parecer se constitui como um referencial para a elaboração das DCN dos cursos de graduação.
88
projetos pedagógicos, na concepção dos cursos existentes, para atenderem às exigências de
diferentes ordens.
O Parecer CNE/CES n. 67/2003 compreendeu a questão dos currículos mínimos como
um entrave à qualidade almejada dos cursos de graduação, sobretudo no que dizia respeito à
sua contextualização no espaço e no tempo. Os currículos mínimos encerravam uma
compreensão fechada e engessada de ―profissão‖ e ―profissional‖, de forma que, como afirma
o aludido parecer, quando formados, os profissionais já se encontravam despreparados para o
exercício profissional, cujas características se alteravam vertiginosamente em uma sociedade
neoliberal e globalizada.
A proposição de diretrizes busca, justamente, uma flexibilização na construção
curricular que promova ―[...] a inovação e a diversificação na preparação ou formação do
profissional apto para a adaptabilidade‖ (BRASIL, 2003, p. 2).
Percebe-se claramente, na proposição das diretrizes, as indicações feitas por Catani et
alli (2001) quanto às intenções do governo de flexibilização do ensino superior com vistas à
adaptação frente as mudanças de perfis profissionais.
A questão da educação vista como ―formação‖, relacionando educação e mercado de
trabalho, exposta por Silva, M. (2007) também se faz presente no documento, da mesma
forma que a redução do papel das universidades à formação de profissionais em detrimento de
processos mais amplos de reflexão e pesquisa (cf. CATANI et alli, 2001).
Estar ―apto à adaptabilidade‖, a formação para o mercado de trabalho e a flexibilidade,
podem ser encarados como um reflexo, nas DCN brasileiras, de documentos de órgãos
internacionais. Estes, por exemplo, são temas amplamente abordados no Relatório ―Educação:
um tesouro a descobrir‖ (UNESCO, 1996) elaborado pela Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI da UNESCO.
De acordo com este Relatório, ―estruturas de emprego evoluem à medida que as
sociedades progridem‖ e, consequentemente ―em matéria de qualificação as exigências são
cada vez maiores‖ (UNESCO, 1996, p. 143). Assim, a comissão propõe:
A preocupação com a flexibilidade obriga a preservar, sempre que possível,
o caráter pluridimensional do ensino superior, a fim de assegurar aos
diplomados uma preparação adequada à entrada no mercado de trabalho.
(UNESCO, 1996, p. 147)
A tônica está na ―educação ao longo da vida‖ o que justifica a necessidade do
profissional ―aprender a aprender‖, ou seja, ―estar apto à adaptabilidade‖. É imbuído deste
89
espírito que os referenciais contidos no Parecer CNE/CES n. 67/2003 estabelecem os
princípios para a elaboração das DCN:
1) Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na
composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos
currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem
ministradas;
2) Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-
aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de
conteúdos específicos com 3 cargas horárias pré-determinadas, as quais não
poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
3) Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de
graduação;
4) Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro
graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de
exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados
tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
5) Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva
autonomia profissional e intelectual do aluno;
6) Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e
competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se
referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de
formação considerada;
7) Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades
de extensão;
8) Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem
instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca
do desenvolvimento das atividades didáticas. (Parecer CNE/CES n.
776/1997, p. 2 – 3)
Estes princípios contêm uma clara reação aos currículos mínimos, preocupando-se
com a inserção do graduado num mercado de trabalho cada vez mais complexo. Conforme
afirma Catani et alli:
O ideário hegemônico preconiza uma redefinição da Teoria do Capital
Humano na medida em que articula educação e empregabilidade. Na ótica
empresarial tem prevalecido o entendimento de que os novos perfis
profissionais e os modelos de formação exigidos atualmente pelo paradigma
de produção capitalista podem ser expressos, resumidamente, em dois
aspectos: polivalência e flexibilidade profissionais. Isto estaria posto, com
maior ou menor intensidade, para os trabalhadores de todos os ramos e para
todas as instituições educativas e formativas, especialmente as escolas e as
universidades. (CATANI et alli, 2001, p. 71)
90
Além da flexibilidade e da criatividade garantidas pela elaboração das DCN, o parecer
também confere às universidades a responsabilidade de (não) atender às demandas sociais de
sua região:
Nesse quadro, era mesmo necessária uma espécie de ―desregulamentação‖,
de flexibilização e de uma contextualização dos projetos pedagógicos dos
cursos de graduação, para que as instituições de ensino superior atendessem,
mais rapidamente, e sem as amarras anteriores, à sua dimensão política, isto
é, pudessem essas instituições assumir a responsabilidade de se constituírem
respostas às efetivas necessidades sociais - demanda social ou necessidade
social -, expressões estas que soam com a mesma significação da sua
correspondente ―exigência do meio‖ contida no art. 53, inciso IV, da atual
LDB 9.394/96. (BRASIL, 2003, p. 7, grifos no original)
Observa-se também, a centralidade das ―competências‖, sua relação com o mercado de
trabalho, com a performatividade, e com a avaliação institucional como ―eixo balizador para o
credenciamento e avaliação da instituição, para a autorização e reconhecimento de cursos,
bem como suas renovações, adotados indicadores de qualidade, sem prejuízo de outros
aportes considerados necessários‖ (BRASIL, 2003, p. 8).
Materializa-se, portanto, a imagem do Estado-regulador que minimiza sua atuação na
definição dos currículos mínimos, flexibilizando a construção curricular, mas fortalece sua
posição reguladora, verificando / avaliando a qualidade do ensino superior por meio das
competências desenvolvidas nos graduados. Ou, como bem definiu Macedo (2000),
elaborando um ranking de qualidade das universidades e colocando-o à disposição de pais e
alunos para a escolha do produto que melhor lhes convier.
2.2.1 As DCN para o curso de graduação em Música (2004)
O Parecer CNE/CES n. 0195/2003 apresenta as propostas de Diretrizes Curriculares
dos cursos de graduação em Música, Dança, Teatro e Design. As DCN Música vieram a ser
aprovadas um ano depois, em março de 2004.
O referido parecer afirma que as DCN propostas levaram em consideração as
contribuições de cada área e registra que estas foram acolhidas em grande parte, ―[...] não só
por haver concordância com as idéias suscitadas no conjunto do ideário concebido‖, mas
também ―[...] como forma de reconhecer e valorizar a legitimidade do processo coletivo e
91
participativo, que deu origem à elaboração dos documentos sobre Diretrizes Curriculares
Gerais dos Cursos de Graduação‖ (PARECER CNE/CES 0195/2003, p. 3).
De acordo com Hentschke (2003, p. 53), que participou da elaboração das diretrizes
como membro da Comissão de Especialistas do Ensino de Música, não houve uma
homologação do documento produzido, mas um ―corta e cola‖. No parecer, os relatores
alegam como motivo para o não acolhimento de todas as propostas apresentadas a existência
de algumas divergências nas formas de visão e de concepção do processo educativo. Observa-
se, assim, a atuação reguladora do Estado na participação da comunidade acadêmica no
processo de definição das normas a serem legitimadas.
As DCN Música (2004) estabelecem que a organização do curso se expressa por meio
do projeto pedagógico, que deve abranger:
[...] o perfil do formando, as competências e habilidades, os componentes
curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades
complementares, o sistema de avaliação, a monografia, o projeto de
iniciação científica ou o projeto de atividade, como trabalho de conclusão de
curso – TCC, componente opcional da instituição, além do regime
acadêmico de oferta e de outros aspectos que tornem consistente o referido
projeto pedagógico. (BRASIL, 2004, p. 1)
O projeto pedagógico deverá especificar uma clara concepção do curso de graduação
em Música, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização. E apresenta
sua estrutura, que deverá abranger os seguintes elementos:
I - objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções
institucional, política, geográfica e social;
II - condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III - cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;
IV - formas de realização da interdisciplinaridade;
V - modos de integração entre teoria e prática;
VI - formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VII - modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VIII - cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades especialização
integrada e/ou subseqüente à graduação, de acordo com o surgimento das
diferentes manifestações teórico-práticas e tecnológicas aplicadas à área da
graduação, e de aperfeiçoamento, de acordo com as efetivas demandas do
desempenho profissional;
IX - incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de
ensino e como instrumento para a iniciação científica;
X - concepção e composição das atividades de estágio curricular
supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, observado
o respectivo regulamento;
XI - concepção e composição das atividades complementares;
92
XII – inclusão opcional de trabalho de conclusão de curso sob as
modalidades monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de
atividades centrados em área teórico-prática ou de formação profissional, na
forma como estabelecer o regulamento próprio. (BRASIL, 2004, p. 1)
Na estruturação do projeto pedagógico já se pode perceber algumas características
suscitadas anteriormente, como a preocupação com o contexto em que o curso está inserido –
levando em consideração não só a tradição universalista, mas também as particularidades e
necessidades locais, regionais e nacionais; a atenção às inovações tecnológicas, que
influenciam não só a educação, a sociedade e o mercado de trabalho, como também processos
musicais que vão desde sua produção à sua distribuição; e o direcionamento amplo e irrestrito
para o mundo do trabalho, dotando a ―formação‖ superior com atividades de preparação
profissional com vistas à melhor inserção no mercado, como estágios, pesquisas e atividades
complementares.
O perfil desejado do egresso do curso de graduação em música é apresentado no
Artigo 3º:
O curso de graduação em Música deve ensejar, como perfil desejado do
formando, capacitação para apropriação do pensamento reflexivo, da
sensibilidade artística, da utilização de técnicas composicionais, do domínio
dos conhecimentos relativos à manipulação composicional de meios
acústicos, eletro-acústicos e de outros meios experimentais, e da
sensibilidade estética através do conhecimento de estilos, repertórios, obras e
outras criações musicais, revelando habilidades e aptidões indispensáveis à
atuação profissional na sociedade, nas dimensões artísticas, culturais,
sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da Música. (BRASIL,
2004, p. 2)
Nota-se que o perfil é bastante amplo, uma vez que as DCN admitem diferentes
modalidades e linhas de formação específica. Este perfil mais geral se refere, com maior
ênfase, a atividades composicionais, focando em procedimentos técnicos tradicionais e
contemporâneos – envolvendo as novas tecnologias – além da preocupação com o
desenvolvimento de uma ―sensibilidade artística‖ e ―estética‖ – indo de acordo com a idéia de
transcender aspectos meramente mecanicistas e tecnicistas da música.
Não se pode afirmar que as diretrizes definem, no perfil do egresso, uma concepção de
música legítima. Aliás, o perfil fala de estilos, repertórios, obras e criações musicais – todos
no plural, revelando uma preocupação com a diversidade e com a conexão com as demandas
sócio-profissionais. Da mesma forma, não se tem uma definição clara de artista/músico, senão
93
pistas de engajamento social e cultural, além de um profissional reflexivo, sensível e atento às
inovações tecnológicas.
O Artigo 4º apresenta as competências e habilidades que deverão ser desenvolvidas no
graduando:
O curso de graduação em Música deve possibilitar a formação profissional
que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades para:
I - intervir na sociedade de acordo com suas manifestações culturais,
demonstrando sensibilidade e criação artísticas e excelência prática;
II - viabilizar pesquisa científica e tecnológica em Música, visando à criação,
compreensão e difusão da cultura e seu desenvolvimento;
III - atuar, de forma significativa, nas manifestações musicais, instituídas ou
emergentes;
IV - atuar nos diferenciados espaços culturais e, especialmente, em
articulação com instituição de ensino específico de Música;
V - estimular criações musicais e sua divulgação como manifestação do
potencial artístico. (BRASIL, 2004, p. 2)
As competências definem o graduado em música como um agente cultural (agente
aqui referindo literalmente a uma postura ativa) que revele ―excelência prática‖, capaz de
lidar com as mais diversas formas de manifestações musicais – sejam elas as tradicionalmente
instituídas ou emergentes. Fica evidente a noção de que este profissional lidará, entre outras
possibilidades de atuação profissional, com o ensino específico de Música – o que nos remete
ao que Jardim (2008) apresenta como o perfil do ―músico professor‖:
O músico, cantor ou instrumentista, não recebe apenas, uma instrução para
capacitar-se no domínio de seu instrumento, mas também desenvolve,
durante o processo de sua formação, competências, técnicas e treinamentos
que são condições essenciais para sua realização. Por essa razão, se não for o
único capaz, certamente, o instrumentista será o mais indicado para ensinar o
seu instrumento. Contudo, existe uma distância entre saber fazer e ser capaz
de transmitir o seu conhecimento, visto que, entre tocar e lecionar, o
profissional mobiliza diferentes habilidades (JARDIM, 2008, p. 31).
Logo, o documento prevê, além do desenvolvimento de competências relacionadas à
―excelência prática‖, outras de dimensão pedagógica, o que revela uma clareza na situação
profissional do músico na sociedade contemporânea que encontra na docência, grande parte
das vezes, sua principal fonte de subsistência.
A seleção e a distribuição do conhecimento são orientadas pelo Artigo 5º:
94
O curso de graduação em Música deve assegurar o perfil do profissional
desejado, a partir dos seguintes tópicos de estudos ou de conteúdos
interligados:
I - conteúdos Básicos: estudos relacionados com a Cultura e as Artes,
envolvendo também as Ciências Humanas e Sociais, com ênfase em
Antropologia e Psico-Pedagogia;
II - conteúdos Específicos: estudos que particularizam e dão consistência à
área de Música, abrangendo os relacionados com o Conhecimento
Instrumental, Composicional, Estético e de Regência;
III - conteúdos Teórico-Práticos: estudos que permitam a integração
teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e do desempenho
profissional, incluindo também Estágio Curricular Supervisionado, Prática
de Ensino, Iniciação Científica e utilização de novas Tecnologias. (BRASIL,
2004, p. 2)
A distribuição do conhecimento, expressa pelas diretrizes, guarda certa semelhança
com o ensino de música praticado pelos jesuítas no Brasil colônia e que Binder e Castagna
(1996) afirmam terem sido unificados na instituição do Conservatório. Observe-se a Figura 1,
na página a seguir, que esquematiza estas semelhanças:
95
Figura 1 – Quadro comparativo – Distribuição do conhecimento no Brasil Colônia, Conservatório, INM e DCN Música (2004)25
______________ 25
As estruturas curriculares do Conservatório Imperial (1848) e do Instituto Nacional de Música (1930) estão de acordo com os decretos que instituíram os mesmos: Decreto
n. 496, de 21 de janeiro de 1847, o primeiro; e Decreto n. 143 de 12 de janeiro de 1890, o último.
96
Os Conteúdos Básicos corresponderiam ao estudo especulativo, ou seja, o estudo de
outras áreas do conhecimento, em interface com a música, que conduzirão a uma reflexão
sobre o fazer musical, inserindo-o em contextos mais amplos, sejam eles antropológicos,
sociológicos e/ou psicopedagógicos.
A escolha por enquadrar os estudos ligados à composição como referentes a uma
maior especulação sobre música justifica-se pelo fato de estes estudos, também teóricos,
conduzirem a uma reflexão sobre música: processos estruturais, intenções harmônicas e
estéticas; diferentemente da teoria rudimentar intrinsecamente ligada à execução prática.
A música prática – que à época dos jesuítas abordava de maneira unificada teoria e
prática, sendo a primeira em favor da última – estaria representada pelos Conteúdos
Específicos de Música e pelos Conteúdos Teórico-Práticos. Nota-se que o Conservatório
separou a teoria da prática, conferindo àquela um status de disciplina. Apesar de ―teoria‖, no
âmbito do Conservatório, referir-se aos conhecimentos sobre a partitura (notação musical,
percepção, solfejos), podemos trabalhar com a idéia de ―teoria‖ de uma maneira mais ampla e
notar que, nas DCN Música (2004), teoria e prática devem ser novamente integradas visando
o exercício da prática musical e um bom desempenho profissional.
Não há também, neste artigo 5º das DCN, uma indicação sobre a concepção de música
– dados que norteiem a seleção cultural, indicando um conhecimento musical oficial,
legitimado. Encontra-se apenas uma referência à primazia da performance, representada pela
prática instrumental, composicional e de regência, de maneira similar aos conteúdos
trabalhados pelo Conservatório / Instituto Nacional de Música. Mais uma vez há a referência
às novas tecnologias, indicando uma conscientização dos avanços tecnológicos e de seus
impactos na área musical.
A flexibilidade na distribuição do conhecimento está garantida pelas DCN, uma vez
que não há a fixação de disciplinas e/ou carga horária, cabendo às IES a decisão sobre a
operacionalização destes conteúdos.
As DCN conferem flexibilidade também quanto ao regime acadêmico, que poderá ser:
regime seriado anual;
regime seriado semestral;
sistema de crédito por disciplina ou por módulos acadêmicos, com a adoção de
pré-requisitos ou outros modelos operacionais que atendam pelo menos, aos
mínimos de dias letivos ou semestre ou ano, independentes do ano civil, ou ao
crédito/carga horária atribuídos a cada curso.
97
O Artigo 7º trata especificamente do Estágio Supervisionado, atividade de integração
teoria/prática e voltada para a aquisição de competências a partir de experiências concretas no
mercado de trabalho. Este deve ser regulado por documento elaborado por cada curso, e
poderá acontecer na própria IES – como atividades de ensino em projetos de extensão, recitais
didáticos direcionados à comunidade acadêmica e externa, etc.
As experiências adquiridas em ―laboratórios‖ profissionais remetem ao pensamento
pragmático de Dewey (2010) e as possibilidades da educação pela experiência26.
As Atividades Complementares a que se referem o Artigo 8º possibilitam às
Instituições de Ensino Superior o reconhecimento de habilidades e competências do aluno
adquiridas até mesmo fora do ambiente Acadêmico – não se confundindo com as atividades
de estágio curricular supervisionado – por meio das quais o mesmo alargará o seu currículo
com experimentos e vivências internos ou externos ao curso. Elas podem incluir: projetos de
pesquisa, monitoria, iniciação científica, projetos de extensão, módulos temáticos, seminários,
simpósios, congressos, conferências, além de disciplinas oferecidas por outras instituições de
ensino ou de regulamentação e supervisão do exercício profissional, ainda que esses
conteúdos não estejam previstos no currículo pleno de uma determinada Instituição mas nele
podem ser aproveitados porque circulam em um mesmo currículo, de forma interdisciplinar, e
se integram com os demais conteúdos realizados.
Estas atividades podem ser entendidas também como características de flexibilidade: o
reconhecimento do desenvolvimento de competências e habilidades por meio de atividades
que ocorram fora das tradicionais disciplinas, em contato direto com atividades profissionais.
O que nos remete, novamente, ao Relatório da UNESCO (1996) e seu conceito de educação
ao longo da vida: ―Em suma, a ‗educação ao longo de toda a vida‘, deve aproveitar todas as
oportunidades oferecidas pela sociedade‖ (UNESCO, 1996, p. 117, grifo no original).
Os demais artigos das DCN Música tratam da opção de se incluir um Trabalho de
Conclusão de Curso e suas implicações e da duração do curso – que será fixada em parecer
próprio. Em se tratando da formação de docentes – licenciatura plena, o Artigo 12 afirma que
______________ 26
John Dewey (1859 – 1952) é conhecido como um dos mais importantes pensadores e filósofos da educação da
era moderna. De acordo com Boto (2006, p. 601), Dewey é representante do pragmatismo e desenvolve sua
perspectiva acerca da educação a partir de uma interpretação das próprias ideias de cultura e democracia. Na
obra ―Experiência e Educação‖, escrita em 1938, o autor desenvolve as ideias de uma filosofia da educação
baseada na experiência, criticando os modelos representados pela escola tradicional e pela chamada ―escola
progressiva‖. Dewey imagina as escolas como grandes laboratórios que promovem a educação a partir
experiências ricas, cujo objetivo final é o desenvolvimento, nos alunos, da capacidade de discriminação crítica
e da habilidade de raciocinar.
98
os cursos de graduação em Música deverão observar as normas específicas relacionadas com
essa modalidade de oferta.
É possível inferir que as DCN Música (2004) refletem as políticas educacionais do
período, buscando flexibilização, performatividade e a inserção do graduado no mercado de
trabalho. Além disso, o documento enfatiza a relação com a sociedade contemporânea e suas
manifestações culturais, entendendo a necessidade de se atender às demandas regionais e aos
avanços tecnológicos.
2.2.2 As DCN para a formação de professores da Educação Básica (2002)
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena foram instituídas pela
Resolução CNE/CP n.1, de 18 de fevereiro de 2002.
O Artigo 1º declara que estas diretrizes constituem-se de um conjunto de princípios,
fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de
cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação
básica. Além disso, no Artigo 2º, fica clara a influência da Declaração de Jomtien (Tailândia,
1990) ao se tratar da necessidade de ―acolhimento e trato da diversidade‖ e do ―ensino voltado
à aprendizagem do aluno‖.
Silva, M. (2007), como informado anteriormente, analisou o ―deslizamento
semântico‖ de educação para aprendizagem (education out e learning in). Para este autor, este
dado pode traduzir um indicador de mudança conceitual no campo educativo, acompanhando
as tendências mais gerais de individualização que vêm caracterizando as sociedades atuais
(SILVA, M. 2007, p. 210). Souza e Lucena (2008, p. 8) relacionam o conceito de
individualismo como uma acepção de cidadania derivada dos ideais neoliberais, o conceito de
cidadania sob a lógica do capital é marcado por um acentuado individualismo, uma
exacerbada competitividade, sendo que o cidadão é visto como cliente na concepção do
estado.
Relacionado ao individualismo, estão sempre os conceitos de competitividade,
meritocracia, eficiência, produtividade, temas constantes do pensamento neoliberal. Neste
sentido, a educação é ofertada para todos, como o declarado em Jomtien (1990), o sucesso
dependerá de cada um, de sua luta/estratégia individual para a aquisição/manutenção de
posições no campo social. Entretanto, esquece-se de que o acesso à educação, aos
99
conhecimentos legitimados pela escola, está intimamente ligado à história de cada um, à
acumulação de capital de cada família, que, por sua vez, depende de fatores econômicos,
culturais e sociais.
Conclui-se que a educação é, pois, para todos, todos aqueles que têm condição de
acessá-la em sua plenitude. A ideia de igualdade democrática prende-se à oferta, mas não
garante o acesso. Logo, eficiência e mobilidade social estão comprometidas e a culpa é
colocada no cidadão.
Segundo a resolução CNE/CP n.1, a formação de professores que atuarão nas
diferentes etapas e modalidades da educação básica deve observar princípios norteadores
desse preparo para o exercício profissional específico, que considerem:
I - a competência como concepção nuclear na orientação do curso;
II - a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro
professor, tendo em vista:
a) a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar
similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na
formação e o que dele se espera;
b) a aprendizagem como processo de construção de conhecimentos,
habilidades e valores em interação com a realidade e com os demais
indivíduos, no qual são colocadas em uso capacidades pessoais;
c) os conteúdos, como meio e suporte para a constituição das competências;
d) a avaliação como parte integrante do processo de formação, que
possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados alcançados,
consideradas as competências a serem constituídas e a identificação das
mudanças de percurso eventualmente necessárias.
III - a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez
que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a
ação, como compreender o processo de construção do conhecimento.
(RESOLUÇÃO CNE/CP 01/2002, p. 2)
Nesse sentido, reitera a ―formação‖ por meio do desenvolvimento de ―competências‖ e
a necessidade de se buscar uma contextualização entre a formação do professor e sua prática,
levando em consideração a realidade da sociedade contemporânea e as demandas locais.
Os artigos que se seguem continuam focando nas ―competências‖ necessárias à
formação do futuro professor e sua atuação profissional, competências estas que deverão ser
norteadoras, tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da
organização institucional e da gestão da escola de formação. Logo, percebe-se que o
desenvolvimento de competências está no centro do processo educativo.
De acordo com o Artigo 5º, o projeto pedagógico deverá levar em conta que:
100
I - a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas
na educação básica;
II - o desenvolvimento das competências exige que a formação contemple
diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor;
III - a seleção dos conteúdos das áreas de ensino da educação básica deve
orientar-se por ir além daquilo que os professores irão ensinar nas diferentes
etapas da escolaridade;
IV - os conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser
tratados de modo articulado com suas didáticas específicas;
V - a avaliação deve ter como finalidade a orientação do trabalho dos
formadores, a autonomia dos futuros professores em relação ao seu processo
de aprendizagem e a qualificação dos profissionais com condições de iniciar
a carreira. (BRASIL, 2002, p. 2)
Neste artigo fica clara a necessidade de se levar em consideração as demandas da
educação básica. Além disso, a questão da seleção de conteúdos também merece destaque,
uma vez que há algumas orientações a este respeito: em primeiro lugar, determina-se que os
conteúdos não devem limitar-se àquele que será ensinado nas diferentes etapas da
escolaridade; além disso, deve-se procurar uma articulação do conhecimento específico com o
conhecimento pedagógico que lhe é peculiar. Neste sentido, nota-se uma preocupação em não
conferir à formação pedagógica como um adendo à formação específica, concebendo-as de
maneira articulada, evitando uma repetição do antigo modelo 3+1.
Com relação à avaliação, existe, também, um direcionamento para que esta não seja
pensada e aplicada meramente com caráter punitivo, somativo. Ao contrário, esta deve ser
uma resposta para os professores formadores orientarem seu trabalho (assumindo um caráter
diagnóstico) e orientarem suas ações. Quanto aos futuros professores, percebe-se que a
avaliação também reforça o individualismo, ao conferir-lhes ―autonomia em relação ao seu
processo de aprendizagem‖.
As competências dão o tom do Artigo 6º, bem como as pistas sobre a seleção do
conhecimento necessário para o desenvolvimento das mesmas: comprometimento com
valores inspiradores da sociedade democrática; compreensão do papel social da escola;
domínio dos conteúdos específicos – relacionados com diferentes contextos; caráter
interdisciplinar dos conteúdos; domínio do conhecimento pedagógico; inserção em atividades
de pesquisa; autonomia profissional. O artigo deixa claro que este conjunto de competências
listadas não esgota as possibilidades de formação do professor, mas pontua demandas
importantes oriundas da legislação vigente. Além disso, reforça-se a importância de constante
articulação com a educação básica.
O parágrafo 3º deste artigo afirma que:
101
§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de
competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes
etapas da educação básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo
mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o
conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência,
contemplando:
I - cultura geral e profissional;
II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí
incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais
especiais e as das comunidades indígenas;
III - conhecimento sobre dimensão cultural, social, política e econômica da
educação;
IV - conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino;
V - conhecimento pedagógico;
VI - conhecimento advindo da experiência. (BRASIL, 2002, p. 3)
O conhecimento específico deve estar amplamente contextualizado com a realidade
globalizada, levando em consideração questões culturais, sociais e econômicas. A seleção dos
conhecimentos está especificada neste parágrafo e denota uma preocupação que transcende o
domínio do conhecimento específico e pedagógico, conferindo ao professor o perfil de um
profissional consciente das mais variadas questões que afetam o local onde ele está inserido.
O Artigo 11 trata da organização da matriz curricular, ou seja, da distribuição do
conhecimento, que se expressa em torno dos seguintes eixos:
I - eixo articulador dos diferentes âmbitos de conhecimento profissional;
II - eixo articulador da interação e da comunicação, bem como do
desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional;
III - eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;
IV - eixo articulador da formação comum com a formação específica;
V - eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos
conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a
ação educativa;
VI - eixo articulador das dimensões teóricas e práticas. (BRASIL, 2002, p. 5)
Os eixos visam preparar o futuro professor para a ação educativa, buscando a
articulação entre todos os conhecimentos selecionados para a formação: profissionais,
específicos e pedagógicos.
A duração do curso, de acordo com o Artigo 12, será definida em parecer apropriado.
É a Resolução CNE/CP 2 de 19 de fevereiro de 2002 que determina a duração mínima de três
anos letivos e a constituição da carga horária do curso, de 2800 horas. Estas horas são
divididas da seguinte maneira:
102
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular,
vivenciadas ao longo do curso;
II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do
início da segunda metade do curso;
III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de
natureza científico-cultural;
IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-
científico-culturais.
Parágrafo único. Os alunos que exerçam atividade docente regular na
educação básica poderão ter redução da carga horária do estágio curricular
supervisionado até o máximo de 200 (duzentas) horas. (BRASIL, 2002a, p.
1)
A prática deverá, segundo as DCN (2002), estar articulada com o curso desde o seu
início, não se restringindo ao estágio supervisionado. Todas as disciplinas deverão ter sua
dimensão prática, não se restringindo às disciplinas de caráter pedagógico. Mais uma vez
pode-se notar a preocupação com a formação pedagógica permeando todo o período de
formação, evitando o modelo de complementação pedagógica dos bacharelados (modelo
3+1).
O Artigo 13 dá mais instruções com relação à prática, recomendando que esta seja
desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em
situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de
situações-problema. Além disso, o artigo mostra que a prática não prescinde de ação e
observação diretas, podendo ser enriquecida com tecnologias da informação, incluídos o
computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos,
situações simuladoras e estudo de casos.
No que tange ao estágio, o Artigo 13 informa que este deverá ser realizado a partir da
segunda metade do curso, em escolas da educação básica; devendo ser avaliado
conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio.
Os últimos artigos reforçam a importância da flexibilidade e da interdisciplinaridade
no processo de formação, além de sugerirem mecanismos de formação continuada (o que
novamente nos remete à ―educação ao longo da vida‖) que permita o retorno ―planejado e
sistemático às agências formadoras‖ (BRASIL, 2002a, p. 6).
Em suma, as diretrizes reafirmam características do neoliberalismo educativo, com
ênfase na formação para o trabalho estruturada pelo desenvolvimento de competências,
marcada pela flexibilidade e a interdisciplinaridade. A ligação com as escolas da educação
básica é fundamental, e presente em todo o documento, demonstrando a necessidade de
articulação entre os diferentes graus de ensino. O documento expressa o cuidado em evitar o
103
modelo 3+1, de complementação pedagógica, norteando a construção de cursos com uma
identidade própria.
2.2.3 Currículos dos cursos de Licenciatura em Música no Brasil e em alguns outros
países
As diretrizes normalizam a construção curricular para a formação de professores de
música no Brasil. Entretanto, cabe às instituições interpretar estas diretrizes e materializar o
currículo de formação, objetivando seu conceito de professor de música, aí inseridos também
não somente a concepção de música, como a de educação musical, estética, artística.
No contexto de grandes e rápidas mudanças, Aróstegui (2011, p. 1) adverte que
ensinar música assume um novo sentido de possibilidades e desafios: isto exige que a
formação de professores de música seja repensada e re-imaginada.
Na revisão da literatura produzida sobre as questões curriculares concernentes às
licenciaturas em Música (FREIRE, 1992; KLEBER, 2000; PIRES, 2003; DENARDI, 2006;
BÚJEZ, 2007; JARDIM, 2008; LUEDY, 2009; entre outros), delineiam-se algumas questões
principais, como a divergência na concepção do perfil do profissional responsável pelo ensino
de música na educação básica, a dicotomia música x educação (conteúdo específico x
conteúdo pedagógico), a integração do conhecimento e a falta de relação com a realidade
escolar (extra-universitária). Problemas estes, aliás, que são considerados na formulação das
diretrizes brasileiras.
Aróstegui (2011) percebe, em suas análises, a existência de um paradigma educacional
tradicionalmente aplicado em educação musical (e, por conseguinte, nos cursos de
licenciatura em música) que incide, geralmente, sobre o conteúdo musical, muitas vezes como
um processo conducente apenas à realização de habilidades musicais. Entretanto, a integração
entre conhecimento específico e pedagógico é bastante enfatizada pelas diretrizes curriculares
nacionais.
Neste sentido, a diversidade, ou a ausência de uma direção clara, do papel que a
música deveria desempenhar na educação obrigatória é refletida cursos de Licenciatura em
Música, que apresentam, por sua vez, uma concepção muito ampla do perfil de seu egresso.
Esta discussão influencia na definição do perfil do egresso ensejado pelos cursos de
licenciatura da área e, consequentemente, na sua construção curricular.
104
A definição do perfil do egresso acaba por conduzir, na estruturação curricular de sua
formação, a uma dualidade entre Música (conteúdo específico) e Educação (conteúdos
pedagógicos). Em estudos realizados em cursos no exterior responsáveis pela formação do
professor de música (HEILING, 2011; CISNEROS-COHERNOUR, 2011; LAURICICA,
2011; MATEIRO, 2011; ARÓSTEGUI, 2011; MALBRÁN, 2011), percebe-se que esta
dualidade está presente tanto nas preferências dos alunos (que se sentem atraídos e se dedicam
mais às disciplinas relacionadas à música) como na distribuição do conhecimento: o
quantitativo de disciplinas relacionadas às habilidades musicais e de disciplinas relacionadas
aos conteúdos pedagógicos (gerais e específicos do ensino de música).
Na Suécia, Heiling (2011) mostra que os alunos, que têm liberdade para escolher seu
percurso curricular, têm uma formação musical aprofundada, que os prepara também para
atuar como músicos. Desta forma, dividem o seu tempo entre a atividade musical e a
docência, preferindo atuar na educação secundária (onde o ensino tende a ser mais
especializado).
Já no México, Cisneros-Cohernour (2011) ressalta que 90% do curso são focados em
educação e apenas 10% em Artes. Além disso, as disciplinas relacionadas à música são
ensinadas como se fossem conteúdos musicais e não conteúdos para estudantes que estão
sendo formados para ensinar música. Não há uma ênfase em ―didática musical‖ ou numa
pedagogia musical (CISNEROS-COHERNOUR, 2011, p. 61).
Na Universidade Pública de Navarre, na Espanha, Lauricica (2011, p. 80) mostra que
o currículo vai de disciplinas mais gerais nos primeiros anos em direção a conteúdos mais
específicos e práticos. O primeiro ano é focado em bases teóricas mais gerais – o que inclui
bases psico-sócio-pedagógicas da educação e o desenvolvimento das crianças nas escolas. O
segundo ano inclui o ensino específico relacionado à base cultural comum e dispensa especial
atenção ao treinamento musical teórico e prático. Já o terceiro ano encerra a formação em
educação musical com conteúdos pedagógicos e aplicados.
Esta dualidade entre música e educação expressa-se também na dicotomia músico–
professor. Malbrán (2011) trata desta questão quando analisa o currículo da Universidade
Nacional de La Plata – Argentina:
Dar sentido ao currículo de Música envolve a diferenciação entre um
professor com alguma formação musical e um músico que foi também
formado como um pedagogo. O primeiro é um professor que atua nas salas
de aula responsável pelas matérias das escolas primárias que teve algum tipo
de treinamento musical. O segundo é um músico capaz de ensinar em todos
105
os níveis educacionais. A duração dos estudos e a qualificação final devem
ser diferentes27
(Malbrán, 2011, p. 108, tradução nossa).
No Brasil, Mateiro (2011) comenta que 48% dos estudantes da UDESC gostariam de
ser professores, mas nenhum deles cita a escola regular como lócus de atuação. Este dado é
bastante significativo, uma vez que os cursos de Licenciatura no Brasil visam, especialmente,
a formação de professores para a educação básica. A formação do professor de música que
atuará em outros espaços que não a escola regular deve se dar em que curso: no Bacharelado
ou nas Licenciaturas? Deve-se abrir uma modalidade especial para estes casos ou deve-se
formar um profissional polivalente (ideal na sociedade neoliberal)?
Estas são questões que devem ser respondidas por cada instituição na organização de
seus projetos pedagógicos, aonde indicarão a vocação do curso e detalharão o perfil dos seus
egressos.
Assim, pode-se inferir que a dualidade entre Música e Educação se reflete em
diferentes desenhos curriculares que, por sua vez, formam diferentes tipos de profissionais:
músicos, músicos professores de músicos, músicos professores de música, professores
especializados em música, professores com treinamento musical, etc.
A partir da leitura destes estudos de caso organizados no livro Educating Music
Teachers for the 21st century por Aróstegui (2011), podemos explicitar também algumas
questões que os permeiam e que ilustram, com exemplos de diversos países, algumas
dificuldades que podem ocorrer na interpretação das diretrizes brasileiras.
A questão das competências, por exemplo. Na visão de Heiling e Aróstegui (2011, p.
204), a construção de um currículo a partir de competências implica em perder a visão
holística que qualquer curso – e até mesmo que qualquer experiência humana – propicia a
todos os estudantes que estão além das análises. Para os autores, o todo é sempre maior do
que a soma de suas partes e estes elementos, em sistemas complexos como a formação de
professores de música, não podem simplesmente ser enumerados. Não importa quão
abrangente e detalhada a lista de competências de um curso: ela nunca estará completa, uma
vez que todas as experiências que o programa propicia têm partes que não podem ser
expressas em termos de competências e habilidades. Para Heiling e Aróstegui (op. Cit.) as
______________ 27
"Giving meaning to the curricula for Music involves differentiating between a teacher with some music
training and a musician who has been also formed as a pedagogue. The first is a classroom teacher in the
matters of primary schools who has done some musical training. The second is a musician able to teach in all
educational levels. The length of studies and the final qualification must be different."
106
competências não são o problema, mas o desejo de definir os programas de formação apenas a
partir delas.
Outra questão enfatizada pelas diretrizes brasileiras e abordada nos estudos de caso
organizados por Aróstegui (2011) é a falta de conexão entre o curso superior e a realidade, por
exemplo. Alunos do México, Espanha e Brasil se queixam da disparidade entre a formação
deles e a realidade encontrada nas escolas já nos estágios. Aróstegui (2011, p. 197) fala, por
exemplo, do repertório infantil utilizado nas aulas que, apesar da diversidade de gêneros
utilizados, na maioria das vezes não se enquadra à realidade cultural dos alunos nas escolas.
Lauricica (2011, p. 97) comenta que ―[...] os professores atuantes também afirmaram que o
grau oferecido é um caminho idílico que não leva em consideração a realidade que os
estudantes irão enfrentar quando eles ingressarem no mercado de trabalho28.‖
A relação estreita com a educação básica, tão defendida nas diretrizes brasileiras,
pode ser a forma mais eficaz de evitar esta visão idílica, entretanto, é preciso estar claro que
esta relação não é fácil quando colocada em prática.
Outro problema relatado diz respeito à presença de uma visão tradicional de educação
musical vinculada ao século XIX. Esta visão engloba vários pontos já abordados, como a
questão da formação do músico em detrimento da formação do professor e o distanciamento
da realidade cultural fora dos cursos de formação.
No caso da Suécia, Heiling (2011) utiliza conceitos de Basil Bernstein para pensar o
currículo de formação de professores. De acordo com o autor, percebe-se na Suécia, nas
últimas décadas, um movimento em direção a um currículo mais integrado. Como razões,
Heiling (2011, p. 40) aponta a necessidade de adaptação a um rápido aumento de novos
corpos de conhecimento, a necessidade de adaptação dos conhecimentos de formação para um
mercado de trabalho mais flexível, a promoção da democracia e igualdade pelo currículo
integrado com um fraco enquadramento além do que esta integração auxilia os indivíduos a
criar sentidos em um mundo complicado por meio do próprio esforço em fazer analogias e
sínteses. Parece-nos que este currículo integrado é o objetivo das diretrizes brasileiras, que
apresenta justificativas bastante similares às razões suecas.
No currículo integrado o conhecimento é organizado por um princípio no qual
matérias e cursos estão subordinados a ideias mais amplas, o que apaga as fronteiras entre as
disciplinas (e que nos remete aos eixos apresentados pelas DCN, 2002). Em oposição a esta
______________ 28
―(...) in-service teachers also affirmed that the degree is offered in an idyllic way without taking into account
the reality that students will face when they enter the workplace‖.
107
ideia, há o currículo coleção, onde o conhecimento é hierarquicamente organizado em forma
de disciplinas isoladas, onde o poder está nas mãos do professor – que controla o quê, quando
e como os alunos devem aprender. Para Heiling (2011, p. 40), um exemplo de código de
coleção está na velha tradição mestre-aprendiz – típica dos conservatórios.
Os professores especialistas, para Heiling (2011, p. 44) representam o currículo
coleção, e são os que apresentam dificuldades por terem de se adaptar às novas tendências
escolares suecas – tendências para um currículo mais integrado. Para o autor, construir um
programa de formação de professores baseado na integração e manter o conceito de músico
especialista é uma empreitada delicada, mas necessária. Ele ainda relaciona o currículo
coleção à tradição musical ocidental em oposição aos ideais voltados ao pluralismo cultural:
Com uma ênfase na tradição musical ocidental que permeia o predominante
código de coleção com forte classificação e enquadramento, o pluralismo
não será alcançado29
. (HEILING, 2011, p. 47, tradução nossa)
No Brasil, Mateiro (2011) ressalta, que a música erudita ocidental é hegemônica nos
cursos de formação de professores, em detrimento da música popular, que faz parte da
realidade cultural das escolas regulares do país:
Um estudante ressaltou, durante sua apresentação dos resultados, que a
música erudita é tida em alta conta nos cursos de música, enquanto a música
popular brasileira não tem um papel importante na universidade. Eu sei que
esta afirmação é relevante e também verdadeira, então, é tempo de pensar
sobre novas alternativas porque parece que a introdução de variados estilos
de música nas diferentes disciplinas do curso na universidade não é
suficiente30
. (MATEIRO, 2011, p. 170, tradução nossa)
A visão de educação musical do século XIX, fortemente ligada à música erudita
ocidental e focada na formação do músico virtuose, influencia sobremaneira as relações
tecidas entre Música e Educação nos programas de formação de professores. A idéia de que
formar músicos equivale a formar professores de música é característica desta visão – como
pode ser observado no capítulo anterior – e várias implicações curriculares estão ligadas a ela.
______________ 29
―With an emphasis on the western music tradition that permeates the predominant collection code with strong
classification and strong frames the pluralism will not be reached.‖ 30
―A student highlighted during the presentation of the results that classical music is held in higher esteem in
music degrees, whereas Brazilian popular music does not play an important role at the university. I know that
this statement is important and also true, so it is time to think about new alternatives because it seems that the
introduction of varied music styles in the different subjects of the degree at university is not enough.‖
108
Bouiji (1998) e Bladth (2002) estudaram a formação de professores de
música da perspectiva dos estudantes. Eles concluíram que os programas que
formam músicos especialistas defendem, principalmente, a identidade do
"músico" e têm problemas na construção da identidade do professor. A
prática de ensino geralmente oferece experiências negativas; as crianças não
são motivadas, seu conhecimento música é pouco e o trabalho com eles não
é garantido pela identidade de músico do professor, que é arraigada
profundamente. Logo, o ensino não é o que os alunos escolhem se eles
tiverem alternativas. E alternativas eles têm; eles podem ser músicos.
Entretanto, se o curso de formação de professores de música oferecer espaço
para ambas identidades e promover também a construção da identidade do
professor - isto é, contextualizá-la numa realidade familiar e construí-la junto
com outros estudantes - o programa irá obter sucesso na preparação dos
estudantes para as tensões da vida profissional31
. (HEILING, 2011, p. 47 –
48, grifo no original, tradução nossa)
O autor mostra que os alunos têm alternativas no mercado de trabalho e as
experiências negativas com a educação fazem com que estes escolham outros lugares de
atuação que não as escolas regulares. O perfil do músico não se adéqua às necessidades das
escolas: em geral, músicos são treinados para lidar com pessoas interessadas em música –
realidade muitas vezes diversa das escolas da educação básica em se tratando de música
erudita.
Para Malbrán (2011, p. 102), a tarefa de formatar um currículo para educadores
musicais deve ser ao mesmo tempo realista e visionária: realista sobre o papel da música nas
escolas hoje e visionário para fornecer uma visão mental antecipatória do tipo de escola que
desejamos para as próximas décadas.
Aróstegui (2011) ressalta que a tradição de uma didática da expressão musical, que
vem das escolas normais e conservatórios do século XIX, pode estar levando os professores a
utilizar um método de ensino de uma forma desarticulada. Segundo o autor, os formadores de
futuros professores podem não estar conscientes o suficiente do motivo pelo qual eles mantêm
o modelo de professor de música que eles treinam: eles apenas reproduzem um modelo.
______________ 31
―Bouiji (1998) and Bladth (2002) have studied music teacher education from the student perspective. They
found that music specialist programmes primarily support the role identity of a ―musician‖ and have problems
with fostering a teacher identity. Teaching practice often gives negative experiences; the kids are not
motivated, their music knowledge is low and to work with them does not support the student teacher‘s
musician identity, which is deeply rooted. So teaching is not what alumni choose if they have alternatives.
And alternatives they have; they can be musicians. However, if the teacher education programme gives space
for both identities and that also the teacher identity can be situated, i.e. be grounded in a familiar reality and be
constructed together with other students, the programme might succeed in preparing students for the strains of
the working life.‖
109
Em suma, inferimos que não existe uma ideia comum sobre o papel que a música deve
desempenhar na escolarização obrigatória dos indivíduos. Disto resulta uma grande
diversidade de concepções dos perfis dos professores de música.
Heiling e Aróstegui (2011, p. 217) afirmam que há uma grande lacuna entre teoria e
prática em educação que é maior ainda na educação musical devido à forte ligação entre a
música e a prática. Para eles, acreditar que ser um bom músico significa ser um bom professor
de música é uma ilustração vívida desta lacuna não somente entre teoria e prática, mas entre
educação e música.
Pensar no professor de música moderno para o século XXI implica em aceitar que esta
visão não é mais possível. Como também não é possível mais entender a educação musical
como uma ornamentação para o currículo escolar sendo relevante apenas nos eventos e
comemorações escolares. A compreensão da educação musical como uma contribuição para
os objetivos gerais do currículo, para o desenvolvimento global dos seres humanos, onde está
incluído o desenvolvimento de habilidades criativas e artísticas, torna-se uma meta.
2.2.4 Os cursos de Licenciatura em Música no Brasil: uma visão panorâmica
As Licenciaturas em Música no Brasil são oferecidas em universidades; centros
universitários; e faculdades integradas, faculdades, institutos ou escolas superiores. Mais
especificamente, os cursos estão abrigados, de acordo com Mateiro (2010), em Institutos ou
Centros de Arte, Centros de Ciências Humanas e Sociais ou Centros de Letras e Artes.
Várias são as denominações destes cursos no Brasil: Licenciatura em Educação
Artística com Habilitação em Música; Licenciatura em Música; Música – Licenciatura Plena;
Licenciatura em Educação Musical; Licenciatura em Artes com ênfase em Música;
Licenciatura em Educação Musical com Habilitação em Ensino Musical Escolar (MATEIRO,
2010, p. 33) e Licenciatura em Música com Habilitação em Instrumento ou Canto. Nota-se
ainda, portanto, uma multiplicidade de denominações como indicado por Pires (2003).
A maioria dos cursos tem a duração de quatro anos, com uma carga horária média de
3024h (MATEIRO, 2009, p. 60). De maneira geral, exige-se, para ingresso no ensino superior
de Música, uma prova prática específica além dos tradicionais exames vestibulares. Estes
testes de habilidades específicas constituem-se normalmente de uma prova instrumental e/ou
vocal e uma prova teórica, que pode incluir aspectos de percepção musical e/ou questões
dissertativas.
110
Segundo Mateiro (2009), alguns cursos realizam somente a prova de teoria musical,
enquanto outros incluem ainda uma entrevista sobre educação musical. Na pesquisa realizada
com 15 projetos pedagógicos de cursos de Licenciatura em Música no Brasil, a referida autora
nos mostra que o objetivo geral expresso nestes projetos é formar professores de música para
atuarem em escolas de ensino fundamental e médio. Entretanto, em alguns documentos o
objetivo se amplia ao campo da educação musical, incluindo toda e qualquer atividade de
ensino e aprendizagem.
Ressalta, ainda, que todos os projetos afirmam que o aluno-egresso deve ser professor
de música; entretanto, outros perfis profissionais são indicados, como: músico, educador,
artista, musicista, agente cultural, animador sociomusical, regente coral, regente de pequenas
orquestras, bandas ou outras formações instrumentais, pesquisador e, ainda, ser coordenador
de oficinas culturais, escolas livres, instituições de formação sociopedagógica e/ou arte-
terapêutica.
O conhecimento científico básico (música), nesses currículos, desfruta de uma posição
privilegiada, seguido do conhecimento aplicado (pedagogia) e, por fim, do desenvolvimento
das habilidades técnicas da prática profissional.
Pode-se dizer que os cursos superiores de formação de professores de
educação musical durante anos têm estado fundamentados no modelo do
profissional formado a partir da seguinte premissa: o professor de música é
um músico. O alto status do conhecimento científico no currículo é evidente
fomentando assim a identidade do músico em detrimento da identidade do
professor. (MATEIRO, 2009, p. 64)
Apesar das dimensões continentais do país, e das diretrizes curriculares afirmarem
uma flexibilidade para a adaptação aos contextos específicos de cada região, é possível
observar mais semelhanças do que diferenças na concepção da formação docente em
educação musical.
[...] as provas específicas durante o processo vestibular; a duração de quatro
anos, com uma média de 3024 horas, e a organização dos cursos por
semestres; os requisitos exigidos para a obtenção do diploma; a distribuição
da carga horária atendendo a Resolução CNE/CP 2/2002 (Conselho Nacional
de Educação, 2002b); a ênfase nas disciplinas obrigatórias, com carga
horária superior a 2400 horas; o maior peso curricular dado ao componente
musical e o menor à formação cultural; a avaliação discente e docente como
aspectos centrais no processo de análise e acompanhamento dos projetos
pedagógicos; e o objetivo de formar professores para atuar no ensino
111
fundamental e médio, assim como diversos outros perfis profissionais.
(MATEIRO, 2009, p. 64)
Grande parte das disciplinas e conteúdos correspondentes é comum a todos os cursos,
estando sequenciadas de forma bastante similar, podendo-se nomear: História da Música,
Percepção, Harmonia e Contraponto, Prática Coral, Instrumento, Didática da Música,
Psicologia da Educação, entre outras. O que difere, para Mateiro, é a oferta de alguma(s)
disciplina(s) direcionada(s) a um determinado conhecimento.
A forma de desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem está centrada no
modelo tradicional da relação entre professor e aluno, sendo o conhecimento selecionado a
partir de conteúdos programáticos. Além disso, a maior parte dos programas oferece a
disciplina de Instrumento, permitindo que os estudantes optem por estudar um ou dois
instrumentos conforme suas preferências, com a prevalência do violão, flauta doce, piano e/ou
teclado. A voz – canto, expressão vocal, técnica vocal – é disciplina obrigatória em todos os
programas.
Apesar da multiplicidade de nomes, o que, para Pires (2003) reflete a falta de uma
―identidade‖ nos cursos brasileiros de Licenciatura em Música, refletir certa diversidade de
concepções, Mateiro defende a existência de uma identidade das licenciaturas em música a
nível nacional, tanto no que se refere à estrutura curricular quanto ao modelo de professor de
educação musical:
Os cursos estão direcionados à formação de professores de música para as
escolas de ensino fundamental e médio, entretanto existe uma intenção de
formar também profissionais capazes de trabalhar com a educação infantil,
com adultos e idosos, com crianças portadoras de necessidades especiais,
como regentes corais, regentes de pequenas orquestras, bandas ou qualquer
outro tipo de conjunto musical. Os espaços indicados para a atuação do
egresso são múltiplos. (MATEIRO, 2009, p. 65)
Com base nestas análises, uma mesma formação é idealizada, a nível nacional, para
todos os professores de música. Decorre deste fato um paradoxo, pois, se o curso pretende
formar profissionais com diferentes perfis deveria oferecer meios para tal, pois ―[...] os
professores que irão trabalhar na educação infantil estão recebendo a mesma formação
daqueles que serão regentes de corais adultos – ou qualquer outra especialidade‖ (MATEIRO,
2009, p. 65).
112
Como uma solução para este caso, a oferta de licenciaturas com diferentes
modalidades, como professores com especialidade em tecnologia musical, música brasileira,
rock, música erudita; professores de música com especial formação para trabalhar com a
educação infantil ou com crianças com necessidades especiais; professores regentes corais ou
grupos instrumentais, entre outros.
Percebe-se, pois, que as expectativas das diretrizes não têm alcançado êxito nas
interpretações e construções curriculares no Brasil. Os programas têm apresentado pouca
flexibilidade; a formação do professor não tem se adaptado aos contextos regionais, mantendo
um perfil comum; e a integração entre conhecimento específico e pedagógico não se dado de
maneira efetiva.
A partir deste panorama nacional, bem como das informações sobre o contexto
internacional, da formação de professores perspectivadas nos Cursos de Licenciatura em
Música, das análises das diretrizes e do movimento histórico de constituição do subcampo das
Licenciaturas em Música, passamos à construção do conceito de habitus conservatorial, no
capítulo que se segue, com vistas ao estudo posterior dos quatro projetos pedagógicos
intencionalmente selecionados para tal.
3 DOCUMENTOS CURRICULARES E HABITUS CONSERVATORIAL: duas
construções em análise
Neste capítulo, apresentamos, inicialmente, informações sobre as quatro instituições
cujos projetos pedagógicos (ou curriculares) são objeto de análise. A seguir, esboçamos
alguns apontamentos na construção da noção de habitus conservatorial. O objetivo é observar
se e como a história de constituição do subcampo das Licenciaturas em Música, discutidas no
primeiro capítulo, influencia na configuração desse habitus e, a partir da construção do
conceito, orientar a análise dos projetos político-pedagógicos que definem a formação de
professores de música (ou de músicos professores), na busca por suas traduções.
3.1 AS INSTITUIÇÕES
a) A Escola de Música da UFRJ
A história do Curso de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro confunde-se
com a própria história da institucionalização do ensino de música no Brasil, uma vez que tem
suas origens no antigo Conservatório Imperial de Música.
Com o fim da Educação Artística, a UFRJ implantou um Curso de Licenciatura em
Música em 2002, sediado na própria Escola de Música, sem excluir a participação de outras
unidades da UFRJ, sobretudo da Faculdade de Educação e do Colégio de Aplicação.
O atual projeto pedagógico do curso de licenciatura da Escola de Música da UFRJ é
uma versão reformulada daquele originalmente elaborado por ocasião da criação do curso em
2002. Esta nova versão foi aprovada no contexto de uma ampla reforma curricular finalizada
no ano de 2008. Este projeto foi reformulado e finalizado observando-se: as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Música, as Diretrizes para a
Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, de Licenciatura Plena, os
pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação, as resoluções do CEG/UFRJ e de
sua Comissão Permanente de Licenciatura (CPL), além de consultas a diversos projetos
curriculares afins, em vigor em universidades brasileiras e estrangeiras.
De acordo com o Projeto Pedagógico, há uma procura pela evidência da Licenciatura
como projeto independente do Bacharelado, embora articulado com ele, conforme instituem
as Diretrizes Curriculares para as Licenciaturas e as Diretrizes Curriculares para os Cursos
Superiores de Música (UFRJ, 2008, p. 4).
114
A instituição oferece, hoje, vinte e cinco habilitações no curso de Bacharelado em
Música além do curso de Licenciatura. As habilitações do bacharelado32
são:
Instrumento de Orquestra (Flauta, Oboé, Clarineta, Fagote, Trompa, Trompete,
Trombone, Tuba, Harpa, Percussão, Violino, Viola, Violoncelo e Contrabaixo)
Órgão
Cravo
Composição
Violão
Bandolim
Canto
Saxofone
Regência Coral
Regência de Orquestra
Regência de Banda
Piano
A Escola de Música da UFRJ possui um corpo docente formado por 80 professores
distribuídos em 5 departamentos: Instrumentos de Teclado e Percussão, Composição,
Instrumentos de arco e cordas dedilhadas, Musicologia e Educação Musical, Vocal,
Instrumentos de Sopro e Música de Conjunto. Os cursos funcionam em horário integral e os
recursos materiais e humanos necessários são compartilhados pelos cursos de Bacharelado e
Licenciatura. A instituição conta com um programa de pós-graduação – o primeiro do país – e
abriga Laboratórios de Música e Tecnologia e de Etnomusicologia.
Além disso, oferece cursos de extensão como o Curso de Musicalização Infantil, o
Curso Básico e o Curso Intermediário. O Curso de Musicalização Infantil, com três anos de
duração, é destinado a crianças entre sete e oito anos de idade, com o objetivo de propiciar ao
aluno já alfabetizado em língua portuguesa a alfabetização da linguagem musical através de
seus elementos básicos e essenciais, assim como desenvolver as potencialidades artísticas do
aluno, proporcionar o contato com instrumentos musicais e o canto coral.
O Curso Básico tem duração de quatro anos e é aberto a jovens com idade entre nove e
dezesseis anos. Tem como objetivo promover o estudo da música para alunos com nenhum ou
pouco conhecimento musical ensinando os elementos básicos da linguagem musical com
ênfase na prática instrumental voltada para a execução e interpretação. Já o Curso
Intermediário tem como objetivo formar músicos instrumentistas e cantores de nível médio
______________ 32
Informações obtidas no site www.musica.ufrj.br, acessado em 29/11/2011.
115
com ênfase nas atividades de prática instrumental individual ou em conjunto. É o curso
destinado também àqueles que desejam se preparar para o Teste de Habilidade Específica do
vestibular da UFRJ. Podem se inscrever candidatos com o mínimo de 14 anos sem restrições
com relação à idade máxima.
A instituição oferece também à comunidade, séries temáticas de concertos, como
Panorama da Música Brasileira Atual, Ópera na UFRJ, Série Órgão Sauer, Retrospectiva da
Música Brasileira, O Piano na Música de Câmara entre outras. Para tanto, possui diversos
grupos estáveis que fazem a representação institucional não só da unidade, mas também da
própria UFRJ.
Entre os grupos instrumentais destaca-se a Orquestra Sinfônica, criada em 1924, e
mais antigo conjunto da Escola de Música, com atuação ininterrupta por mais de oitenta anos.
Há ainda a Orquestra de Sopros e a UFRJazz Ensemble – uma big-band que se dedica ao jazz
e a música brasileira e internacional instrumental. Entre os grupos vocais destaca-se o Coro
Sinfônico, formado a partir da reunião em um só organismo das diferentes turmas da
disciplina canto coral, os conjuntos vocais Brasil Ensemble e Sacra Vox e o Coro Infantil da
UFRJ, grupo tradicional formado com as crianças inscritas nos cursos básico e intermediário
da Escola de Música e com destacada atuação no calendário de concertos da cidade.
Vale ressaltar que esta escola se encontra em um dos grandes centros culturais do país,
a cidade do Rio de Janeiro, com uma intensa programação artística não só em termos de
música erudita, mas também na música popular, teatro e dança.
b) A Escola de Música da UFMG
A Escola de Música da UFMG tem sua origem no Conservatório Mineiro de Música,
criado em 1920 (cujo início se deu efetivamente em 1925). O objetivo do Conservatório era
―[...] ministrar a instrução musical em todos os seus ramos, formando professores de música,
de instrumentos e de canto, compositores e regentes de orquestra‖ (UFMG, 2001a, p. 18).
Desde seu início, se preocupou com a formação de professores de música. ―O músico e o
professor de música andam juntos, é parte inerente da atividade musical a formação de outros,
seja no ensino regular ou através das impressões que a performance musical aporta‖ (UFMG,
2001a, p. 18).
Em 1962 o Conservatório foi incorporado pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e, em 1972, adotou o nome de Escola de Música. Atualmente, a Escola de Música da
116
UFMG possui dois departamentos: Departamento de Instrumentos e Canto e Departamento de
Teoria Geral da Música, o primeiro com 35 docentes e o segundo com 25.
A Escola oferece tanto a modalidade Bacharelado, quanto Licenciatura. De acordo
com informações contidas na página da escola33
, no Bacharelado, a formação do aluno visa,
principalmente, à atuação profissional como instrumentista, cantor, compositor ou regente. As
habilitações oferecidas na modalidade Bacharelado são: Composição e Regência, Canto,
Instrumentos (Oboé, Clarinete, Flauta, Fagote, Saxofone, Trompa, Trompete, Trombone,
Harpa, Piano, Percussão, Violino, Viola, Violoncelo, Contrabaixo e Violão), Música Popular
e Musicoterapia. As habilitações Composição e Regência têm duração padrão de dez
semestres. Todas as demais habilitações do Bacharelado prevêem oito semestres. Na
Licenciatura, o aluno é preparado para atuar como professor de Música na rede pública de
ensino fundamental e médio e em outras instituições e escolas de música.
A Escola de Música conta com um Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em
Música, que tem por objetivo gerar novos conhecimentos por meio da pesquisa e da prática
musical, integrando reflexão teórica e produção artística, tendo como meta primordial a
formação artística, técnica e científica de profissionais da área tanto para a prática acadêmica,
quanto para sua inserção no mercado de trabalho e no meio cultural do país. Conta também
com ações de extensão voltadas para a formação musical da comunidade, como o Centro de
Musicalização Infantil, o Curso de Instrumentos e Canto, o Curso de Percepção e Apreciação
e o Curso de Apreciação e Musicalização na Maturidade.
Os grupos estáveis da unidade são a Orquestra Sinfônica da Escola de Música da
UFMG, o Grupo de Música Barroca e Representação, o Coro de Câmara da Escola de Música
da UFMG, a Gerais Big Band, a Banda Sinfônica , o Grupo de Percussão e o Coral de
Trombones.
Acresce-se a esse quadro o oferecimento, semanal, de concertos de música erudita e
popular na Série Viva Música. A cidade de Belo Horizonte também oferece várias atividades
artísticas no campo musical em instituições como a Fundação de Educação Artística, o
Palácio das Artes (Fundação Clóvis Salgado) e o Conservatório UFMG, entre outros.
Seu atual projeto pedagógico foi elaborado em 2001, tendo em vista uma reforma
curricular realizada a partir de diretrizes de flexibilização propostas pela UFMG.
______________ 33
www.musica.ufmg.br
117
c) O Curso de Música da UFSJ
De acordo com o projeto pedagógico deste curso, a opção pela criação da Habilitação
em Educação Musical se deu em razão da alta demanda regional para a formação de
educadores musicais. Esta habilitação privilegia o conteúdo didático para a formação desse
profissional, prescindindo de uma formação instrumental mais específica e aprofundada.
A cidade de São João Del Rey é uma importante cidade histórica de Minas Gerais, que
ao longo de sua história, sempre foi bastante diversificada e expressiva. Principalmente em
relação à música sacra, presente nas cerimônias religiosas e conhecidas em todo o País sendo
celebradas como patrimônio cultural vivo, que se mantém desde o século XVIII.
O Curso de Música e o Departamento de Música, criados em 2006, em sua
potencialidade de conservar as tradições e desenvolver a cultura local, possibilitam à UFSJ:
contribuir para a preservação da tradição histórico-cultural da cidade de
São João del-Rei;
contribuir para o desenvolvimento da cultura artística e musical da
cidade;
devolver, gradativamente, a São João del-Rei o status de ―cenário
musical significativo‖, reconhecido nacionalmente e perdido ao longo
dos anos;
contribuir para o desenvolvimento do turismo cultural na cidade, com
produções musicais realizadas pelos próprios alunos e professores do
curso;
contribuir para o incentivo de outros aspectos de natureza
socioeconômica da cidade. (UFSJ, 2008, p. 18, grifos no original)
O curso de música está situado em uma cidade histórica que detém um rico acervo de
música colonial que, embora conhecida e celebrada nacionalmente, não foi pesquisada nem
registrada o suficiente para ser historicamente reconhecida como própria da cultura musical
local, nem tampouco ensinada regularmente em escolas especializadas. De acordo com o
projeto pedagógico, apesar de haver ainda um pequeno número de músicos amadores que
mantêm a tradição, a forma tradicional de execução desse repertório tende a se perder com o
passar das gerações.
É nesse sentido que o Departamento de Música na UFSJ e o próprio Curso de Música
possibilitam, segundo o seu projeto pedagógico:
1- desenvolver trabalhos de pesquisa sobre a forma tradicional de
execução do repertório sacro em São João del-Rei e região e sobre as formas
118
tradicionais e informais de ensino dessa prática musical, para preservá-la e
afirmar sua originalidade e sua identidade cultural;
2- desenvolver trabalhos de pesquisa sobre o acervo musical disponível
nas entidades musicais da cidade, como orquestras e bandas de música,
contribuindo para situar a cidade e a UFSJ como um centro de pesquisa e
produção de conhecimento sobre a música colonial mineira;
3- contribuir para a preservação das tradições musicais mineiras por
meio de projetos de extensão universitária, oferecendo cursos de reciclagem
para instrumentistas, cantores, maestros de bandas de música etc.;
4- criar e manter vínculos de estágio supervisionado de ensino e de
performance musical para os alunos do Curso de Música nas entidades
musicais de São João del-Rei e região, respeitando e aprendendo suas
tradições de prática e ensino e ajudando a manter as tradições culturais;
5- afirmar a posição da UFSJ como preservadora e promotora da secular
tradição musical de São João del-Rei e de Minas Gerais. (UFSJ, 2008, p. 23)
Um fato importante a ser considerado é a tradição do ensino nas Bandas e Orquestras,
além da manutenção de doze Conservatórios Estaduais de Música no Estado de Minas Gerais
(Minas é, atualmente, o Estado com o maior número de Conservatórios de Música do País).
Segundo o projeto pedagógico, os Conservatórios de Música estão sob a coordenação
da Secretaria de Estado da Educação e uniformemente localizados em todo o estado de Minas,
constituindo uma rede de ensino regular de música no estado. São também centros de
referência cultural das diversas regiões em que se inserem e possuem forte vínculo social
nessas comunidades, sendo também agentes da pesquisa de manifestações culturais da região
e de sua divulgação. São João Del-Rey é uma das doze cidades que abrigam um conservatório
estadual.
O documento ressalta ainda que, nesses estabelecimentos, há uma grande demanda de
formação de professores em nível superior na área de licenciatura em música necessidade
manifestada pela maioria do seu corpo docente, que possui apenas o curso técnico. Além do
interesse dos mesmos pelo desenvolvimento profissional na área, objetivando-se, sobretudo, a
excelência na qualidade do ensino oferecido, sentem-se também pressionados pela nova LDB,
que determina a habilitação específica, em nível superior, para o magistério (também
exigência da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais para a contratação do corpo
docente dos Conservatórios Estaduais de Música).
O Departamento conta com uma Orquestra de Extensão, Coral de Trombones, além de
projetos para a ―Terceira Idade‖, Editoração de Manuscritos e realização de concertos,
espetáculos e shows para a comunidade. A unidade conta com 19 docentes e oferece apenas
cursos de Licenciatura (com habilitação em Instrumentos/Canto e Educação Musical), não
havendo, portanto, o curso de Bacharelado.
119
d) O Curso de Música da UFMS
De acordo com o histórico do curso, apresentado no projeto pedagógico, até a sua
criação (2002), os interessados na área musical eram forçados a procurar outros locais de
formação, fora do Estado. Muitos dos interessados em estudar Música ingressavam no curso
de Artes Visuais, em busca de uma formação superior.
Depois de vários encontros e seminários realizados em Campo Grande, o Curso de
Licenciatura em Música foi criado em 2002, com as modalidades de bacharelado e
licenciatura, sendo que apenas o curso de licenciatura funciona até o presente momento.
O curso foi pensado para oferecer formação superior a músicos e professores de
música que atuavam em ―[...] orquestras, bandas municipais, seis bandas militares,
aproximadamente quarenta coros religiosos, trinta coros de empresas, três coros
universitários, coros municipais e inúmeras formações musicais eruditas e populares‖ que
ansiavam por qualificação (UFMS, 2011, p. 5). E, segundo o projeto pedagógico, ―[...]
embora o curso seja de formação de professores, o embasamento prático-teórico permite ao
egresso atuar no meio‖ (UFMS, 2011, p. 5). O Curso de Licenciatura em Música da UFMS
oferece apenas a Habilitação em Educação Musical.
A UFMS tem o curso de música lotado no Centro de Ciências Humanas e Sociais, que
teve recentemente sua estrutura reformulada e os antigos departamentos foram extintos. A
unidade conta apenas com sete docentes e, como a UFMG, oferece o curso no período
noturno.
A Universidade possui um Coro de Câmara, e o Curso de Música conta com o Grupo
Vocal Maria Bonita (integrado por professoras, alunas e ex-alunas do curso), a Banda
Sinfônica da UFMS (integrado por alunos e ex-alunos do curso, além de interessados da
comunidade) e a Camerata UFMS (formada por instrumentistas de cordas sendo eles também
alunos, ex-alunos e interessados da comunidade).
O curso organiza também uma série de concertos, intitulada Movimento Concerto, que
tem trazido para a cidade de Campo Grande importantes músicos e grupos musicais do país.
3.2 HABITUS CONSERVATORIAL: ANOTAÇÕES PARA UMA PRÁTICA
Ao esboçarmos o conceito de habitus conservatorial operamos com uma hipótese de
síntese do percurso analítico percorrido até aqui: do movimento histórico de configuração dos
cursos de graduação em Música no Brasil; das políticas curriculares para o ensino superior – e
120
o contexto que as produziu –; e, finalmente, de uma primeira aproximação analítica dos
quatro documentos selecionados34
.
Nos limites desta investigação, estamos considerando os cursos de Licenciatura em
Música como lócus das práticas em análise. Desta feita, estes cursos são compreendidos como
parte de um universo societário que existe, conforme Peters (2006, pp. 53/54, grifos no
original) sob duas formas necessariamente articuladas:
a) como um espaço objetivamente estruturado de relações entre agentes
diferenciadamente posicionados segundo uma distribuição desigual de
recursos materiais e simbólicos, isto é, de capitais múltiplos que operam
como meios socialmente eficientes na concorrência pela apropriação de bens
materiais e ideais escassos, ainda que bastante diversificados nos casos das
sociedades altamente diferenciadas em diversos ―campos‖ de atividade que
caracterizam o Ocidente moderno;
b) como um conjunto de esquemas simbólicos subjetivamente internalizados (via
socialização) de geração e organização da atividade prática mental e corporal
dos agentes individuais, esquemas que tomam a forma de disposições ou
modos potenciais socialmente adquiridos e tacitamente ativados de agir,
pensar, sentir, perceber, interpretar, classificar e avaliar.
Tomamos, pois, as Licenciaturas em Música no Brasil, como um subcampo que se
origina na interrelação entre o campo artístico e o campo educativo: um curso diretamente
relacionado com as artes – neste caso especialmente com a Música – e com os processos
educativos que envolvem a produção de arte e de artistas e, mais além, a produção de agentes
cujo ofício de professor tem, como conteúdo a ser ensinado, a música.
As práticas eleitas para análise neste trabalho são as práticas curriculares, objetivadas
sob a forma de documentos curriculares (projetos político-pedagógico dos cursos). É no
processo de objetivação destas práticas que pretendemos observar a manifestação de um
habitus próprio do campo artístico-musical e de sua forma de pensar e estruturar o ensino de
música. Pois, como nos diz Peters (2006, p. 81): ―[...] o habitus, incapaz de funcionar em um
vazio situacional, só pode ser analiticamente reconstruído por meio do estudo dos seus
produtos‖.
______________ 34
Os documentos serão analisados mais extensivamente no quarto capítulo, na perspectiva de uma investigação
das traduções do habitus conservatorial nos diferentes projetos pedagógicos.
121
3.2.1 A hegemonia das práticas conservatoriais
A partir da revisão bibliográfica realizada sobre a educação musical e o ensino
superior de Música no Brasil, foi possível constatar a hegemonia, na área em questão, das
práticas de ensino de música oriundas dos conservatórios.
Ancorado no conceito gramsciniano de hegemonia, Apple (2006) a define como um
processo que atua para saturar a consciência
[...] de maneira que o mundo educacional, econômico e social que vemos e
com o qual interagimos, bem como as interpretações do senso comum que a
ele atribuímos, se torna o mundo tout court, o único mundo. Assim, a
hegemonia se refere não à acumulação de significados que estão em um
nível abstrato em algum lugar ―da parte superior de nossos cérebros‖. Ao
contrário, refere-se a um conjunto organizado de significados, valores e
ações que são vividos. (APPLE, 2006, p. 39, grifos no original)
O conservatório, desde a sua criação, tem dado o tom da educação musical, instituindo
as práticas possíveis, organizando os significados, valores e ações referentes ao ensino
musical. E o consenso sobre estas práticas conservatoriais perpassa não somente os cursos de
Licenciatura em Música, como também as escolas especializadas, projetos sociais e as
representações do senso comum sobre música e ensino musical.
A visão de música, de músico e, por conseguinte, de ensino musical forjados no
conservatório pode ser caracterizada como hegemônica na medida em que, quando
experimentados como práticas, são tidos como a versão natural do possível, como realidade,
como verdade. Contudo, deve-se ressaltar que não é uma organização estática, apesar de
durável e estável; ela é re-produzida e atualizada a todo instante, impulsionadas pelo
movimento da história, sem perder suas características principais.
O Conservatório foi criado com o status de instituição responsável pelo ensino da
música, o ensino de uma cultura musical dominante, com vistas à sua conservação,
perpetuação. Esta cultura dominante passa a ser incorporada não só por aqueles que passam
pelo espaço do conservatório, mas por todos os que, de alguma forma, entram em contato com
seu sistema de práticas e valores.
Ao transmitir esta cultura dominante, o Conservatório segue realizando o que
Williams (1976) chama de tradição seletiva, ou seja, um processo de transmissão de uma
seleção da cultura entendida como ―a tradição‖, selecionando ―o passado significativo‖. Desta
forma, determinado tipo de música e, portanto, de práticas de se fazer e ensinar música, são
122
escolhidos e legitimados; ao passo que todas as outras formas de se pensar e fazer música são
negados, excluídos e destituídos de valor.
Com a naturalização deste processo, foi-se instituindo um paradigma, uma cultura
musical dominante, foi-se estabelecendo um sistema de valorização do capital musical, a
partir do qual práticas e sentidos musicais vêm sendo hierarquizados. Tudo isto não ocorre
sem lutas, com certeza. Neste jogo que se configura, pode-se perceber a luta pela valorização
de outras formas de fazer música, outras formas de percebê-la, ensiná-la e de pensá-la. Esta
luta pode ser apreendida como uma disputa dos agentes pela valorização do seu próprio
capital, na tentativa de alcançar posições mais privilegiadas no interior do campo.
Mas, como pretendemos demonstrar, estes embates não têm alcançado êxito porque as
reivindicações dos dominados são feitas a partir do esquema de valores e sentidos dos
dominantes, o que acaba, de um lado, por enfraquecer a reivindicação e, de outro, por
fortalecer a ordem estabelecida.
Ressaltamos ainda que esta ideologia musical instituída pelo conservatório não é
própria apenas de uma classe, ou de determinadas escolas de música. Não é uma ideologia
imposta. É, antes disso, compartilhada por todos, em maior ou menor grau. É hegemônica.
Interessa-nos, portanto, empreender análises que nos auxiliem a compreender as
maneiras pelas quais deixamos que valores e compromissos atuem inconscientemente por
meio de nós mesmos (APPLE, 2006, p. 177). Para tal, passamos a descrever a configuração
deste sistema de valores, práticas e significados que vem sendo re-editado desde sua
instituição pelo conservatório. Num segundo momento, relacionaremos este sistema
conservatorial com os documentos curriculares. Finalmente, procuramos compreender o
processo de incorporação e manifestação destas práticas a partir do conceito bourdieusiano de
habitus.
3.2.2 A morfologia das práticas conservatoriais
A primeira observação a ser feita sobre a morfologia das práticas instituídas pelo
conservatório e perpetuadas historicamente nos processos de ensino musical é a sua profunda
ligação com o campo artístico.
Jardim (2008, p. 49) elenca uma série de atividades que, no Brasil, caracterizaram
práticas que visavam à instrução técnica e especializada para a atuação profissional que,
123
―mesmo quando ligadas a funções de ensino, estavam afastadas de uma realidade
educacional‖. São elas:
- a criação da Capela Imperial, em 1808, no Rio de Janeiro (e, com ela, o início de
uma tradição européia de se realizar cerimônias religiosas com características de
concertos musicais, vocais ou instrumentais que ―geraram um movimento de formação
especializada e a necessidade de uma excelência musical que moveu músicos ilustres
do Rio de Janeiro para conseguirem da Coroa a instalação de estruturas organizadas
voltadas para esse fim‖ [JARDIM, 2008, p. 48]);
- a chegada de imigrantes italianos ao Brasil, que contribuiu para instalar uma prática
de ensino baseada na estética e na metodologia dos conservatórios europeus pela
presença, no Rio de Janeiro e em São Paulo de professores italianos de piano, canto,
flauta e outros instrumentos que ministravam aulas particulares em suas residências;
- a existência de agremiações culturais que promoviam saraus com a presença de
artistas locais e estrangeiros, ligados à música vocal operística, à música instrumental,
e a espetáculos musicais de caráter recreativo – segundo Jardim (2008, p. 49), ―grande
parte dessas agremiações oferecia algumas formas de treinamento musical, tanto para
iniciar diletantes quanto para preparar futuros profissionais‖.
Neste sentido, a criação do Conservatório acaba por consolidar um processo de
formação do músico/artista para o campo artístico-musical, uma educação com vistas à
atuação profissional. Deste apontamento inicial depreendem-se outras importantes
características do ensino conservatorial, todas interconectadas entre si:
- o ensino aos moldes do ofício medieval;
- o músico professor como objetivo final do processo educativo (artista que, por
dominar a prática de sua arte, torna-se o mais indicado para ensiná-la);
- o individualismo no processo de ensino: princípio da aula individual com toda a
progressão do conhecimento, técnica ou teórica, girando em torno da condição individual; a
existência de um programa fixo de estudos, exercícios e peças (orientados do simples para o
124
complexo) considerados de aprendizado obrigatório, estabelecido como meta a ser
alcançada35
;
- o poder concentrado nas mãos do professor36
- apesar da distribuição dos conteúdos
do programa se dar de acordo com o desenvolvimento individual do aluno, quem decide sobre
este desenvolvimento individual é o professor; a música erudita ocidental como conhecimento
oficial; a supremacia absoluta da música notada – abstração musical; a primazia da
performance (prática instrumental/vocal);
- o desenvolvimento técnico voltado para o domínio instrumental/vocal com vistas ao
virtuosismo; a subordinação das matérias teóricas em função da prática;
- o forte caráter seletivo dos estudantes, baseado no dogma do ―talento inato‖.
Nettl (2002) ilustra estas características situando-as como uma ―cultura musical
acadêmica ocidental‖:
A cultura musical acadêmica do ocidente é certamente uma das mais
especializadas, no sentido de que o músico é primeiramente envolvido em
um único aspecto do processo de ―distribuição do conhecimento musical‖
(―musical delivery‖ process) – composição, performance, ensino, etc. É,
além disso, especializada em separar vários tipos de músicos uns dos outros.
Cantores nos Estados Unidos não são membros da união dos músicos.
Violinistas solistas raramente tocam em orquestras. O pianista é reconhecido
principalmente como um solista, ou acompanhador, ou um músico de
conjuntos de jazz. Até o percurso na educação musical é muito semelhante
para todos. Normalmente começa-se com um instrumento (mesmo que se
torne posteriormente um cantor), e quase todos, em algum ponto deste
percurso, aprendem a tocar piano. As lições de piano normalmente começam
com exercícios técnicos, e o terror dos iniciantes é a necessidade de, antes de
tudo, dominar a execução de escalas em todas as tonalidades e sempre
começar o estudo praticando-as, sabendo que, mesmo que se tornem
virtuosos, a necessidade de praticá-las não findará. Depois de atingir certa
proficiência no instrumento, o aluno é levado ao estudo da teoria musical,
uma matéria que é teórica não somente no uso comum da palavra, mas
também pelo fato de que se aprende um assunto que não é diretamente
aplicável na produção do material sonoro, mas que é generalizável a todos os
aspectos da atividade musical. Até recentemente, a teoria musical
______________ 35
Jardim (2008, p. 50) afirma que não existe um planejamento prevendo a distribuição de conteúdos, assim, o
cumprimento deste programa se dá de acordo com o desenvolvimento individual do aluno. (JARDIM, 2008, p.
49 – 50) 36
Enquadramento forte, na visão de Bernstein (1990).
125
concentrava-se exclusivamente na harmonia e começava com a tipologia dos
acordes, em unidades básicas37
. (NETTL, 2002, p. 32, tradução nossa)
O que o autor ressalta é que, apesar de individualista, existe um mesmo modelo de
ensino que é aplicado para todos os tipos de músicos: um modelo onde o professor ensina
uma ampla gama de conceitos teóricos, aliados a ―gymnastic exercises” e, num momento
posterior, é possível que se chegue a algumas obras do repertório.
Gainza (2002), educadora musical argentina, corrobora da descrição de Nettl,
fortalecendo as características supracitadas. Para ela:
Em termos gerais, a capacitação básica oferecida pelos conservatórios até a
atualidade inclui:
a) O solfejo (lido e entoado), em distintas claves, tonalidades, ritmos, etc., e
a compreensão dos signos e indicações escritas referentes a matizes,
articulações, etc;
b) A exercitação técnico-instrumental progressiva, mediante a aplicação de
textos e materiais didáticos que, em sua maioria, datam do século XIX;
c) O repertório musical, integrado pelas obras do gênero clássico ou erudito
internacional e nacional, abarcando um período de cerca de duzentos anos
sem ultrapassar as duas ou três primeiras décadas do século XX38
.
(GAINZA, 2002, p. 155, tradução nossa)
Nettl (2002, p. 34) completa, ainda, ressaltando o fato de um estudante ocidental de
música aprender um sistema teórico baseado amplamente numa parte específica do seu
repertório – neste caso o do período entre 1720 e 1900 –, indica o que nós consideramos como
______________ 37
―Western academic musical culture is surely one of the most specialized, in the sense that a musician is
primarily involved in one aspect of the ―music delivery‖ process – composing, performing, teaching, etc. It is
further specialized in rather rigorously separating various kinds of musicians from each other. Singers in the
United States are not even members of the musicians‘ union. Solo violinists rarely play in orchestras. A pianist
is regarded mainly as a soloist, or accompanist, or jazz ensemble musician. Yet the course of musical
education is very much the same for all. One normally begins with an instrument (even if one ends up as a
singer), and almost everyone at some point learns to play piano. Piano lessons normally begin with exercises,
and the terror of serious beginning students is the requirement that, before all else, they must master the scales
in all of the keys and always begin practice with them, with the knowledge that even if they become virtuosos,
they need for practicing these scales will not abate. After becoming somewhat proficient on an instrument, one
is likely to take up the study of music theory, a subject that is theoretical not in the general sense of the word
but rather in that one learns material which does not apply directly to the making of musical sounds but is
generalizable to all aspects of musical activity. Until recently, music theory concentrated almost exclusively
on harmony and began with types of chords, in basic units.‖ 38
―En términos generales, la capacitación básica ofrecida por los conservatorios hasta la actualidad incluye:
a) el solfeo (leído y entonado), en distintas claves, tonalidades, ritmos, etc., y la comprensión de los signos
e indicaciones escritas referidas a matices, articulaciones, etc;
b) la ejercitación técnico-instrumental progresiva, mediante la aplicación de textos y materiales didácticos
que, en su mayoría, datan del siglo XIX;
c) el repertorio musical, integrado por obras del género clásico o erudito internacional y nacional,
abarcando un período de alrededor de doscientos años sin superar las dos o tres primeras décadas del
siglo XX.‖
126
mais importante em nossa experiência musical e, de forma paradoxalmente interessante,
contrasta com a tendência natural do ser humano a valorizar a inovação.
Apesar de soar redundante, trazemos estes dois exemplos para ilustrar como a visão do
modelo conservatorial de ensino não se limita às fronteiras do Brasil, mas vem sendo notado
por vários outros estudiosos mundo afora. É forçoso, portanto, reconhecer a existência de uma
ideologia musical que sustenta, legitima e naturaliza estas práticas. Ideologia que é trabalhada
de maneira magistral por Lucy Green (1988) em seu Music on Deaf Ears.
Para Green (1988, p. 2), a ideologia confere significado àquilo que chamamos de
―verdade‖. Esta ideologia musical baseia-se na des-socialização da experiência musical:
[A ideologia musical] baseia-se na suposição de que a música é uma criação
atomizada e fragmentada de indivíduos isolados, e que alcança
grandiosidade quando transcende sua aparente singularidade e passa a
pertencer ao universal, ao eterno, ao a-histórico39
. (GREEN, 1988, p. 5,
tradução nossa)
Nesta perspectiva, a autora mostra que esta ideologia, ao despir a experiência musical
de seu caráter social, não apenas nega a historicidade e mutabilidade da música, dos valores e
experiências musicais, mas, ao fazê-lo, constrói-se implicitamente como um sistema para a
cotação do valor musical: ―quanto mais capaz de reificação, mais grandiosa é a música40
‖
(GREEN, 1988, p. 11, tradução nossa).
Quando incorporada nos agentes, esta ideologia ratifica e mantém, imanentemente, a
hegemonia de uma instituição musical que, junto de seus produtos reificados, fazem-se ser
vistos como superiores. Entra em cena a tradição seletiva, que separa a música superior de
uma música de massa, profana, que são classificadas como não sendo realmente musicais.
Ao ser incorporada nos agentes, esta ideologia cria disposições que orientam as
práticas, as percepções, enfim, os significados musicais. Para Green (1988, p. 11), esta
ideologia musical e as práticas dela resultantes, juntamente com os produtos musicais,
formam um pequeno mundo social, ou mundo musical:
[…] uma rede de funções tanto mentais quanto materiais, que se suportam e
legitimam umas às outras, mas também fragmentada, dividida e oposicional.
______________ 39
―It [musical ideology] is based upon the assumption that music is the atomised and fragmented creation of
isolated individuals, and that it achieves greatness when it transcends this apparent singularity and pertains to
the universal, the timeless, the ahistorical.‖ 40
―(…) the more capable of reification, the greater the music.‖
127
Este sistema social não sobrevive autonomamente, mas é reproduzido
através de uma relação recíproca com o sistema social mais amplo, do qual é
apenas uma parte cujas divisões das práticas musicais são perpetuadas
materialmente, divisões estas legitimadas e mantidas ideologicamente41
.
(GREEN, 1988, p. 11, tradução nossa)
Tudo isto nos leva ao conceito de habitus, a interiorização da exterioridade, a
incorporação de disposições, a manutenção de práticas ideologicamente orientadas. Ou, como
bem sintetiza Penna: ―O conservatório que está tanto fora quanto dentro de nós, quer em
nossa prática ou em nossa formação, quer nos compêndios didáticos ou nos modelos que
adotamos‖. (PENNA, 1995, p. 140)
Uma vez delineada a morfologia das práticas, passamos a observar como estas práticas
são objetivadas nos currículos, exteriorizando a interioridade, revelando as disposições
incorporadas, desvelando o habitus.
3.2.3 As práticas objetivadas – o currículo conservatorial e o artista como civilizador
A partir de uma primeira aproximação analítica dos documentos curriculares
selecionados (diretrizes e projetos pedagógicos) foi possível observar como esta ideologia
musical e as demais características conservatoriais elencadas se materializam nos projetos
pedagógicos dos cursos.
As DCN Música (2004) indicam a manutenção do ensino da música prática e
especulativa: os conteúdos devem ser distribuídos em Específicos, Teórico-Práticos e Básicos.
A formação abrange, portanto, outras áreas do conhecimento em diálogo com a música,
inserindo-a num contexto mais amplo.
Os Conteúdos Específicos não são detalhados, mas indicam a centralidade da
performance ao prescrever a abrangência ao ―conhecimento instrumental, composicional,
estético e de regência‖. Este caráter dominante da performance é reforçado nos Conteúdos
Teórico-Práticos, que abrangem ―o exercício da arte musical‖.
Ao trabalharmos com a possibilidade de uma matriz disposicional que orienta a
construção curricular, espera-se que a análise dos documentos selecionados confirme uma
______________ 41
―[...] a network of functions both mental and material, supporting and legitimating one another, yet also
fragmented, divided and oppositional. This social system does not survive autonomously, but is reproduced
through a reciprocal relationship with the wider social system, of which it is only a part divided musical
practices being perpetuated materially, their divisions legitimated and maintained ideologically.‖
128
mesma concepção do que seja ―conhecimento específico‖ musical, orientada pela distribuição
do conhecimento musical em disciplinas realizada historicamente pelos conservatórios. Neste
sentido, o habitus conservatorial orientaria esta distribuição de conhecimento específico
musical em disciplinas como: Prática Vocal (Coral, Técnica Vocal), Percepção Musical,
História da Música, Análise Musical e Harmonia.
Além disso, o habitus conservatorial manteria a separação entre o estudo teórico da
música (Percepção) do estudo prático, instituída pelo conservatório. A noção de habitus
explicaria essa uniformidade na distribuição do conhecimento musical apesar de não haver
nenhuma prescrição nas Diretrizes, indicando-nos uma disposição incorporada que orienta a
prática curricular. Ainda que existam pequenas variações, poderíamos reconhecer o que
Bourdieu chama de homologia das práticas, ou seja, uma diversidade na homogeneidade
(BOURDIEU, 2009, p. 99).
O habitus conservatorial faria com que a música erudita figurasse como conhecimento
legítimo e como parâmetro de estruturação das disciplinas e de hierarquização dos capitais
culturais em disputa. Neste caso, a História da Música se referiria à história da música erudita
ocidental, o estudo das técnicas de Análise teria como conteúdo as formas tradicionais do
repertório erudito, a Harmonia corresponderia, na maioria dos casos, ao modo ocidental de
combinar os sons, investigando, quase sempre, as regras palestrinianas que datam do barroco
musical.
Este mesmo habitus faria com que a notação musical ocupasse um lugar central no
currículo. Dela dependem a maior parte das disciplinas que tratam da música erudita. O foco
quase cego na escrita musical é severamente criticado por Penna (1995): o tratamento dos
mecanismos de representação gráfica como um código abstrato que se esgota em si mesmo,
acaba por fazer com que o referencial sonoro se perca. A partir daí, os princípios de
organização formal (como as regras do tonalismo, o contraponto, harmonia, etc.) tornam-se
um jogo de regras ―matemáticas‖ que movimenta as notas no papel, e não no manejo
consciente de relações sonoras. O aprendizado musical torna-se mais visual do que auditivo,
por mais paradoxal que isso possa parecer.
A notação musical é produto de uma abstração, permitindo registrar a
estruturação musical, sendo útil para pensar a organização dos sons na sua
ausência, mas não é música, uma vez que esta só se realiza em sua
concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música,
enquanto fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só;
ela representa os sons – mas só representa efetivamente quando se liga a um
129
significado sonoro, correspondendo a uma imagem auditiva; quando ao ser
lida, pode ‗soar na cabeça‘‖. (PENNA, 1994, pp. 16/7, grifo no original)
O conhecimento musical erudito encaixa-se perfeitamente nas quatro dimensões
definidas por Young (1971, pp. 37/8) que descrevem os critérios pelos quais o conhecimento
de status elevado organiza os princípios que fundamentam o currículo acadêmico:
i) Letramento – ênfase na escrita em oposição à expressão oral;
ii) Individualismo – tendência de evitar o trabalho em grupo ou a cooperação
entre pares42
;
iii) Abstração do conhecimento e sua estruturação e compartimentação
independentemente do conhecimento do aluno. Esta abstração desconsidera a
experiência social individual enquanto a compartimentação restringe a conexão
entre o indivíduo e o mundo;
iv) Falta de relação do currículo acadêmico com a vida cotidiana e a experiência
comum.
Dessa forma, cria-se uma estrutura curricular de estudo da música que, por si só,
privilegia a música erudita e afasta outras possibilidades de práticas musicais que estariam
mais relacionadas com a vida cotidiana dos alunos. Esta estrutura ganha ainda mais força com
sua adequação aos critérios de seleção do conhecimento escolar.
Quando as ―outras músicas‖ são abordadas no currículo, ou o são por meio de sua
excentricidade, ou esta abordagem se dá a partir da lógica erudita, ou seja, como conteúdo a
ser trabalhado a partir do instrumental erudito.
Ainda que os conhecimentos pedagógicos musicais se refiram às formas de como
ensinar o conhecimento musical legitimado (em especial a notação), pode-se esperar uma
crescente preocupação com a figura do professor de música, pois a universidade não está tão
alienada das demandas da sociedade, embora a figura do músico professor ainda seja
predominante.
Estas mudanças indicam que o conservatório não é meramente reproduzido, mas
atualizado. E as atualizações – neste caso inovações curriculares, ou de maneira mais precisa,
tentativas de reformas curriculares – são realizadas a partir de matrizes conservatoriais
incorporadas.
______________ 42
Feichas (2006) ressalta o forte caráter individualista das atividades de leitura e escrita musicais (solfejos,
ditados, etc) que ocupa a maior parte da estrutura horário dos estudantes. Este individualismo está presente
tanto no decorrer do processo de aprendizagem quanto na forma com que o produto é apresentado.
130
Na nossa proposta de práticas curriculares orientadas por um habitus conservatorial,
os conhecimentos específicos elencados para os currículos das licenciaturas acabariam por
delinear a formação de músicos (artista) – ou, nos termos de Jardim (2008), do músico
professor – de forma análoga ao que era almejado (e efetivado) no conservatório.
Gaztambide-Fernández (2008) relaciona este modelo de currículo a uma visão do
―artista como civilizador‖. Para este autor, a visão que se tem do artista está ligada à
instituição que o produz. É necessário, portanto, situar esta produção histórica e
sociologicamente, desafiando a crença de que ser um artista é simplesmente uma questão de
inspiração, talento ou habilidade intrínseca e que o papel deste artista reduz-se meramente a
produzir grandes obras de arte que são valiosas por si só.
Esta visão ideológica não somente carece de uma base na realidade social,
mas é também uma frágil fundação sob a qual teoriza-se o currículo da
educação artística e reflete-se sobre os desafios contemporâneos enfrentados
pelos jovens artistas. O currículo da educação artística deve engajar os
jovens artistas numa exploração deliberada de seus objetivos e escolhas
como produtores culturais43
. (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 238,
tradução nossa)
Desta feita, a visão do artista como um civilizador caracteriza os artistas com talentos
especiais cujo papel é produzir (e reproduzir) grandes e belas obras que contribuem para o
projeto civilizador da modernidade (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 239).
Esta visão do artista está imbricada na noção de ―arte pela arte‖, onde a arte é sua
própria justificação: a arte existe, em primeiro lugar, para satisfazer as necessidades da arte. O
paradigma da ―arte pela arte‖ não se separa, por sua vez, da idéia de arte como uma
contribuição para a civilização e Gaztambinde-Fernández (2008) chega mesmo a afirmar que
cultura e civilização, neste caso, tornam-se quase sinônimos.
O conservatório, instituição que surge com o objetivo de formar este artista, determina
quem se torna um músico, como ele se torna um músico, quando eles estão aptos a praticar
sua arte, e afetam ainda, a forma como sua arte é produzida, praticada e tornada disponível
para o público.
______________ 43
―This ideological view not only lacks a grounding on social reality, but it is also a thin foundation on which to
theorize the curriculum of artistic education and to think through the contemporary challenges facing young
artists. The curriculum of artistic education must engage young artists in a deliberate exploration of their aims
and choices as cultural producers.‖
131
Gaztambibe-Fernández (2008, p. 251) afirma que desenvolver apenas ―talentos‖ e
―habilidades‖ não é somente ingênuo como também negligencia as complexidades da
produção cultural, além de fomentar o papel das artes na reprodução e opressão sócio-cultural.
Neste sentido, mostra como a instituição que fundamenta seu currículo na visão de artista
como civilizador isola-se do caráter social do fenômeno musical:
Instituições que promovem experiências educacionais fundadas na visão do
artista como um ―civilizador‖ focam, principalmente, na proficiência de
habilidades e técnicas que configuram os domínios nos quais os artistas
trabalham para empurra-los em direção a novos desafios. Estas instituições
aproximam o seu trabalho de uma perspectiva ―de base‖ na qual aos jovens
artistas são ensinados fundamentos de estética; assim eles irão batalhar por
originalidade e aprender a arte da crítica para engajar-se em instituições que
irão julgar os seus trabalhos e legitimá-los como artistas. Os estudantes
aprendem a história dos seus domínios, de modo que eles são informados
sobre as direções do seu trabalho dentro do seu campo de prática. Nós
devemos imaginar que esta visão de artista requereria experiências que
levariam os estudantes através de um caminhos de sofisticação técnica e de
refinamento do talento natural num relativo isolamento do mundo social,
onde o gênio pode encontrar seu caminhos sem ser atrapalhado por
influências externas44
. (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 253, grifo
no original, tradução nossa)
O papel da educação musical, nesta perspectiva, é separar os talentosos (herdeiros) dos
comuns. Isto tem sérias implicações sociais, relacionadas à condição reprodutivista da escola.
Categorias sociais como raça, gênero e classe social acabam por estar intrinsecamente
relacionadas à determinação de quem é talentoso e quem não é. A profecia do ―White male
genius‖ acaba por cumprir-se, paralelamente à profecia do fracasso dos pobres e
desvantajados (GAZTAMBIDE-FERNÁNDEZ, 2008, p. 253). O discurso do mérito
acadêmico individual acaba por fortalecer as inequidades estruturais – assim como a retórica
do talento artístico.
Debates envolvendo esta temática são freqüentes nas publicações da área de Educação
Musical. A partir dos anos 1990, Bresler (2003) nota que há um crescente interesse em
______________ 44
―Institutions that provide educational experiences grounded on the view of the artist as ―civilizer‖ focus
primarily on mastering the skills and techniques that shape the domains in which artists work in order to push
towards new exemplars. These institutions approach their work from a ―foundational‖ perspective in which
young artists are taught the fundaments of aesthetics so that they will strive for originality and learn the craft
of critique to engage in institutions that will judge their work and legitimate them as artists. Students learn the
history of their domains so that they are informed about the directions of their work within their field of
practice. We might imagine that this view of the artist would require experiences that lead students through a
path of technical sophistication and the refinement of natural talent in relative isolation from the social world,
where genius can find its way without being shunned by external influence.‖
132
enquadrar a música em contextos e idéias sócio-culturais mais amplas. Isto pode ser
observado, por exemplo, nas duas publicações do Handbook of Research on Music Teaching
and Learning (COLWELL, 1992) e The New Handbook of Research on Music Teaching and
Learning (COLWELL, RICHARDSON, 2002). O intervalo de dez anos de publicação acaba
por mostrar uma profusão de estudos sobre a música inserida em contextos sociais – ainda que
seja uma produção minoritária.
Este distanciamento da realidade social, como resultado da incorporação de
disposições conservatoriais, seria também uma característica marcante nos documentos
curriculares cuja escrita é produto destas disposições – a despeito das orientações das
diretrizes irem exatamente no caminho contrário. Já podemos observar isto a partir da
homologia entre as propostas curriculares dos cursos de Licenciatura em Música em todo o
território brasileiro verificada no estudo de Mateiro (2009).
Apesar de toda a produção em torno da compreensão da música como fenômeno social
e não como uma entidade espiritual autônoma da realidade, o que se pode observar é que os
currículos permanecem fundados nas velhas tradições curriculares conservatoriais, o que
fortalece a nossa hipótese inicial.
Mesmo algumas mudanças observadas atualmente em alguns projetos pedagógicos –
como poderemos notar mais adiante nos casos da UFRJ e da UFMG, por exemplo: existe uma
maior atenção sendo dada aos conhecimentos pedagógicos, tendendo a um equilíbrio com o
corpo tradicional de disciplinas específicas de música (o que muito se deve à influência das
DCN Licenciatura de 2002), mas a essência curricular permanece a mesma. Ou ainda, o
pensamento de professores e alunos ainda reflete a ideologia musical conservatorial, como se
esta estivesse incorporada na forma de disposições duráveis que se tornam matriz de ações e
percepções. Tanto as práticas curriculares, quanto as práticas e discursos de professores e
alunos investigados na literatura (LUEDY, 2009; GALIZIA, 2007; CERESER, 2003;
FREIRE, 1992) evidenciam a incorporação da exterioridade, do conservatório, de um habitus
conservatorial.
3.3 O HABITUS CONSERVATORIAL
O conceito de habitus trabalhado por Pierre Bourdieu em sua obra é produto de
investigações empíricas, estudos de práticas. Procuramos, de maneira análoga, buscar nas
133
práticas de escrita curricular (de recontextualização das DCN) vestígios de um habitus ligado
à ideologia musical instituída e perpetuada pelos conservatórios de música.
Para tal, estamos ancorados não somente na análise dos documentos curriculares,
como também na história das instituições de ensino musical, iniciada, oficialmente, com a
criação do Conservatório Imperial de Música no Brasil.
Nossa proposta é similar à tarefa que Bourdieu (1992) atribui à Sociologia: ―[...]
descobrir as estruturas enterradas de maneira mais profunda nos diversos mundos sociais que
compõem o universo societário, bem como os ‗mecanismos‘ que tendem a assegurar sua
reprodução ou transformação‖ (p. 7, grifo no original).
Assumimos, portanto, a noção de que o habitus é ―[...] história incorporada, feita
natureza, e por isso esquecida como tal‖; é ―presença operante de todo o passado do qual é
produto: no entanto, ele é o que confere às práticas sua independência relativa em relação às
determinações exteriores do presente imediato‖ (BOURDIEU, 2009, p. 93, grifo no original).
O passado operado torna-se passado operante, funcionando como capital acumulado e,
assim, produzindo história a partir da história. É desta forma que Bourdieu (2009) explica a
permanência na mudança que faz o agente individual como ―mundo no mundo‖ (p. 93).
A ideia de um habitus conservatorial responde de maneira satisfatória às questões
postas no início desta investigação, pois explica como é possível a tradição perpetuar-se na
inovação, fazendo com que as reformas propostas acabem por se tornar cosméticas e
periféricas. Também elas são produtos do mesmo habitus que criticam:
Produto da história, o habitus produz as práticas, individuais e coletivas,
portanto, da história, conforme aos esquemas engendrados pela história; ele
garante a presença ativa das experiências passadas que, depositadas em cada
organismo sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação,
tendem, de forma mais segura que todas as regras formais e que todas as
normas explícitas, a garantir a conformidade das práticas e sua constância ao
longo do tempo. Passado que sobrevive no atual e que tende a se perpetuar
no porvir ao se atualizar nas práticas estruturadas de acordo com seus
princípios, lei interior por meio da qual se exerce continuamente a lei de
necessidades externas irredutíveis às pressões imediatas da conjuntura, o
sistema das disposições está no princípio da continuidade e da regularidade
que o objetivismo concede às práticas sociais sem poder explicá-las e
também das transformações reguladas das quais não podem dar conta nem os
determinismos extrínsecos e instantâneos de um sociologismo mecanicista
nem a determinação puramente interior, mas igualmente pontual do
subjetivismo espontaneísta. Ao escapar à alternativa das forças inscritas no
estado anterior do sistema, no exterior dos corpos, e das forças interiores
motivações surgidas, no instante, da decisão livre, as disposições interiores,
interiorização da exterioridade, permitem que as forças exteriores sejam
exercidas, mas segundo a lógica específica dos organismos nos quais estão
134
incorporadas, ou seja, se maneira durável, sistemática e não mecânica:
sistema adquirido de esquemas geradores, o habitus torna possível a
produção livre de todos os pensamentos, de todas as percepções e de todas as
ações inscritas nos limites inerentes às condições particulares de sua
produção e somente daquelas. (BOURDIEU, 2009, pp. 90/1, grifo no
original)
E, ao adjetivar o conceito como conservatorial, intentamos relacionar este habitus
com a instituição a que ele permanece historicamente ligado: o Conservatório. Não como um
bloco monolítico de práticas que são reproduzidas e conservadas indistintamente através do
tempo, mas como disposições incorporadas que funcionam como matrizes de ações e
percepções; durável, mas não estático.
Existe, portanto, uma dependência histórica mútua entre estruturas e agentes, que é
revelada no fato de que a história objetivada em instituições (o Conservatório, neste caso) só
pode continuar em movimento pela ação de indivíduos dotados de habitus (conservatorial)
que os/as capacitam a ―habitá-las‖ e mantê-las em atividade, a retirar a instituição
persistentemente de uma estaticidade inerte por meio do reavivamento prático e cotidiano dos
sentidos e exigências nelas depositados pela história anterior.
Como nos mostra Peters (2006, p. 126/7), este reavivamento pode exigir, por sua vez,
a imposição de revisões e transformações reguladas destinadas a mantê-las em marcha sem
desfigurar sua identidade, garantindo assim a reprodução na mudança.
É necessário ter sempre em mente a cumplicidade ontológica entre os conceitos de
habitus e campo, pois, é na relação dialética entre eles que se encontra o princípio da gênese
das práticas sociais que articulam inextricavelmente os pólos da ação e da estrutura.
Wacquant (2007, p. 69) ilustra esta cumplicidade ontológica ao afirmar que:
[...] o habitus não é um mecanismo auto-suficiente para a geração da acção:
opera como uma mola que necessita de um gatilho externo e não pode
portanto ser considerado isoladamente dos mundos sociais particulares, ou
―campos‖, no interior dos quais evolui.
Vandenberghe (2006, p. 27) completa ainda esta ideia argumentando que a ligação
entre habitus e campo dá-se ao ponto de cada um referir-se à mesma coisa, porém considerada
de um ângulo diferente: como ergon (opus operatum) ou energeia (modus operandi). A
instituição, história objetivada vista como opus operatum, e o habitus, história incorporada,
por sua vez, como modus operandi.
135
Neste sentido, o habitus conservatorial seria próprio do campo artístico musical e
estaria transposto (convertido) ao campo educativo na interrelação estabelecida entre estes
dois campos. E seria incorporado nos agentes ao longo do tempo no contato com a instituição,
com suas práticas, com seu currículo enquanto objetivação de uma ideologia. Assim as
instituições de ensino musical – como resultado da história iniciada pelos conservatórios –
podem ser entendidas como opus operatum: campo de disputas que tem no habitus
conservatorial o seu modus operandi.
É possível entender o subcampo das Licenciaturas em Música como um campo
magnético, que pode ser diagnosticado por meio do registro estatístico de seus efeitos sobre as
práticas de qualquer agente situado no alcance efetivo de sua ―gravidade‖, capaz assim de
exercer um impacto causal inescapável sobre as propriedades e conseqüências de tais práticas
(PETERS, 2006, p. 66).
Nesta perspectiva, ao adentrar no subcampo, os agentes aceitam as regras do jogo, e
passam a estar suscetíveis à gravidade daquele campo magnético: suas estratégias de
sobrevivência no campo se ajustam às regras do jogo, incorporando um senso prático. O
habitus conservatorial desperta, em cada um, conflitos e aceitações, e traz à tona outros
habitus incorporados em processos anteriores de socialização. Os ―herdeiros‖ sentem-se ―em
casa‖, como um ―peixe dentro d‘água‖; os outros ou se adaptam a ele ou são excluídos.
O conceito de habitus, retrabalhado em relação às suas origens aristotélico-
tomistas, torna-se assim princípio de uma descrição típico-ideal das
modalidades de consumo material e simbólico que ensejam os estilos de vida
dos atores que integram diferentes classes ou frações de classe. (PETERS,
2006, p. 72)
Tal ideia é reforçada por Vandenberghe (2006), que ressalta que esta relação entre
habitus e campo não é puramente circular. Nesta esteira, o habitus não simplesmente reproduz
as estruturas. O modelo é ideal-típico, o que significa que ele nunca ocorre na realidade e,
portanto, é puramente heurístico (idéia diretriz na pesquisa dos fatos).
Desta forma, compreendemos o conceito de habitus conservatorial como uma
descrição típico-ideal das modalidades de valoração musical que organizam as práticas de
seleção e distribuição de conhecimento musical. O conceito abrange ainda a concepção de
formação de professor de música, baseada nestes esquemas de valoração e organização das
práticas, que legitimam a música erudita ocidental e seu valor inerente como conhecimento
oficial específico a ser incorporado pelos agentes.
136
Resulta, portanto, na concepção de músico professor, e, consequentemente, na rejeição
da idéia de professor de música. O músico professor, concebido como artista civilizador,
relaciona-se às habilidades prático-musicais, à supremacia da performance, ao
desenvolvimento da virtuosidade técnica. Referendando a ideia de que para ser um bom
professor de música, deve-se ser, primeiro, um bom músico. Por conseguinte, o habitus
conservatorial dificulta o levar em conta dos significados delineados45
da música, ou seja, da
compreensão da música como fenômeno social.
A despeito da realidade e das demandas escolares, este habitus procura reproduzir nos
espaços de educação musical o modelo dos conservatórios de música, ligados a uma ideologia
musical que engendra e possibilita a reificação e a legitimação da supremacia da música
erudita e submete as outras práticas musicais aos seus sistemas de valoração e modos de
estudo que acabam por excluí-las do conteúdo escolar, destituindo-as de importância. Este
habitus privilegia, neste caso, os significados inerentes da música.
O habitus conservatorial acaba por inculcar um senso prático ―correto‖ a ser seguido
no meio musical. Assim, as portas da música escrita (notação musical) e da preparação
técnica encontram-se não somente abertas, como os agentes são incentivados a cruzá-las. O
habitus conservatorial acaba por manter um forte enquadramento nas relações educativo-
musicais, conferindo o poder ao professor; e uma forte classificação (fronteira) entre
conhecimentos musicais e conhecimentos pedagógicos (estando os primeiros – dominantes –
sempre em posição hierarquicamente superior em relação aos segundos – dominados).
______________ 45
Lucy Green (1988, 1997) esboça uma distinção teórica entre dois aspectos do significado musical: o
significado inerente e o delineado. O primeiro lida com as interrelações dos materiais sonoros, ou
simplesmente, com os sons da música (GREEN, 1997, p. 27). Segundo a autora, para que uma experiência
musical ocorra, os materiais sonoros precisam ser organizados com alguma coerência e essa coerência precisa
ser racionalmente percebida pelo ouvinte. Desta forma, a organização do material sonoro age na construção
do significado musical inerente – são inerentes porque estão contidos no material sonoro e têm significados
uma vez que estão relacionados entre si. Green (1997, p. 28) ressalta que os significados inerentes são
artificiais, históricos e aprendidos: as respostas e compreensão dos ouvintes dependem da competência e da
referência em relação ao estilo musical. Dessa forma, o ouvinte deverá ter alguma experiência musical prévia
desse tipo de música e estar familiarizado ou deter algum conhecimento do estilo musical. Do contrário,
poucos significados serão percebidos.
Para Green (1997), enquanto este aspecto do significado musical é necessário à experiência musical, ele é
apenas parcial e não ocorre nunca per se. Os contextos de produção, distribuição e o contexto de receptividade
afetam a nossa compreensão musical. Para a autora, estes contextos não são meros aparatos extra-musicais,
mas também, em vários graus, compõem uma parte do significado musical durante a experiência do ouvinte.
Sem algum entendimento que música é uma construção social, não seremos capazes de identificar nenhuma
coleção sonora específica como musical. Quando escutamos música, afirma a autora, não podemos separar,
inteiramente, nossas experiências dos seus significados inerentes de uma maior ou menor consciência do
contexto social que acompanha sua produção, distribuição ou recepção. Desta forma, Green (1997) sugere o
segundo aspecto do significado musical, qualitativamente distinto do primeiro, a que chama ‗significado
delineado‘. Por esta expressão a autora transmite a idéia de que música, metaforicamente, delineia uma
pletora de fatores simbólicos. (GREEN, 1997, p. 29).
137
Capacidade de antecipação prática de probabilidades prospectivas de
―sucesso‖ e ―fracasso‖ em empreendimentos diversos constitui um pilar
fundamental do habitus, sendo edificada ao longo das experiências de
socialização do agente, nas quais um repertório particular de disposições e
interesses práticos e de esquemas cognitivos e avaliativos é duradouramente
tecido (a ponto de tornar-se uma espécie de ―segunda natureza‖, na
expressão ciceroniano-pascaliana retomada por Bourdieu) a partir de
inumeráveis influências sócio-ambientais transmitidas parcialmente através
de recomendações e sanções expressas realizadas pelos agentes de
socialização mais próximos e constantes, como pais e professores, mas
também, e principalmente, por meio do mimetismo prático e inconsciente
através do qual certos modos de conduta socialmente tipificados, são
aprendidos em uso, isto é, de prática a prática, sem passar pelo discurso
consciente, em um processo que é mais acentuado na infância e na
adolescência. (PETERS, 2006, p. 74, grifo no original)
A ideia de um modelo típico-ideal – que não acontece na realidade – nos remete a
questões relativas à formação do habitus, aos processos de sua incorporação. Para Wacquant
(2007, p. 67/8) o habitus fornece ao mesmo tempo um princípio de ―sociação‖ e de
―individuação‖:
[...] sociação porque as nossas categorias de juízo e de acção, vindas da
sociedade, são partilhadas por todos aqueles que foram submetidos a
condições e condicionamentos sociais similares (assim podemos falar de um
habitus masculino, de um habitus nacional, de um habitus burguês, etc.);
individuação porque cada pessoa, ao ter uma trajectória e uma localização
únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de esquemas.
[grifos no original]
Por isso o conceito é típico-ideal, porque cada indivíduo apresenta um processo
próprio de socialização, incorporando diferentes disposições ao longo da vida. O habitus
individual não será, portanto, uma réplica de uma única estrutura social, na medida em que é
―[...] um conjunto dinâmico de disposições sobrepostas em camadas que grava, armazena e
prolonga a influência dos diversos ambientes sucessivamente encontrados na vida de uma
pessoa‖ (WACQUANT, 1997, p. 68).
Retomando a metáfora do campo magnético, o habitus conservatorial corresponderia
à força magnética que move e organiza as disputas no subcampo dos cursos de música, mas
sua incorporação (ação da força magnética) ocorre em função das propriedades particulares
dos habitus que, já se encontram incorporados nos indivíduos, de maneira análoga à
diversidade de formas como cada elemento químico se comporta quando expostos à força
magnética devido às suas particularidades atômicas.
138
As práticas resultantes mostram-se não de maneira idêntica, mas homólogas. Existe
uma semelhança estrutural, apesar das variações individuais. Isto poderá ser observado na
análise dos projetos pedagógicos: apesar de diferentes, estão ligados por uma semelhança
estrutural. O foco desta pesquisa não está na apreensão individual do habitus conservatorial,
mas no desvelamento de sua essência, de sua estrutura geral. Interessa-nos aqui, compreender
as disposições do habitus conservatorial e suas implicações nas práticas curriculares e, por
conseguinte, nas práticas de educação musical. Indicar as disposições de um habitus próprio
das instituições de ensino de música, que orientam as práticas educativas musicais e, portanto,
influenciam as práticas culturais dos indivíduos na sociedade – moldando, nesta sociedade,
um esquema perceptivo destas práticas relacionadas à música que conferem ou não distinção
pela expressão de um gosto musical individual.
Por outro lado, da mesma forma que as primeiras experiências de socialização
possuem um peso determinante bem mais significativo na configuração de quaisquer habitus
(PETERS, 2006, p. 74), ao tomarmos os cursos de Licenciatura em Música como formação
inicial de professores, o habitus conservatorial com o qual os licenciandos entram em contato
neste estágio de formação torna-se determinante nas suas ações futuras como professor de
música – e como músico.
Isto se deve ao fato de entendermos a gênese do habitus como uma série
cronologicamente ordenada de estruturas:
[...] uma estrutura de posição determinada especificando as estruturas de
posição inferior (portanto, geneticamente anteriores) e estruturando as de
posição superior, por intermédio da ação estruturante que ela exerce sobre as
experiências estruturadas geradoras destas estruturas. (BOURDIEU, 1983, p.
81).
Assim, as disposições e esquemas de produção da conduta gerados pelas primeiras
experiências de socialização formam uma espécie de filtro subjetivo através do qual as
experiências subsequentes são apreendidas e novos esquemas e disposições integrados ao
habitus (PETERS, 2006, p. 75).
Tal fato nos conduz a uma complexidade na compreensão das práticas individuais,
pois a forma como o habitus conservatorial será agregado às disposições individuais depende
sobremaneira das primeiras instâncias socializadoras (família, escola e mídia). As diferentes
formas de incorporação do habitus conservatorial nos indivíduos – e, consequentemente, as
práticas resultantes desta incorporação – convertem-se, desta forma, num interessante objeto
139
de pesquisa cuja empiria transcende os limites documentais adotados para a presente
investigação.
Apesar desta complexidade, as práticas engendradas pelo habitus conservatorial que
esperamos encontrar nos documentos analisados e que, nos estudos curriculares da literatura
revisada (KLEBER, 2000; FREIRE, 1992; MATEIRO, 2009; ARÓSTEGUI, 2011) têm se
mostrado extremamente coerentes e unificadas, apesar de pequenas variações individuais –
um habitus durável, apesar de mutável, como já afirmado anteriormente.
Entendemos estas variações individuais como resultado dos processos de individuação
dos agentes, como variantes estruturais, uma vez que é obviamente impossível que quaisquer
membros do mesmo grupo tenham vivenciado a mesma trajetória experencial. Insistimos no
caráter homólogo de situações e condicionamentos enfrentados pelos agentes, o que nos
conduz à idéia de que o habitus conservatorial não se restringe aos limites das instituições de
ensino de música, mas fazem parte do senso comum, das representações cotidianas sobre as
práticas musicais. Desta forma, algumas disposições básicas do habitus conservatorial seriam
incorporadas deste os primeiros processos de socialização.
Prova disso é passível de ser observada todos os dias, por exemplo, quando eu me
apresento como pianista e confirmo a habilidade de ler partitura. Fato mais interessante é que
algumas pessoas – desconhecendo a existência do curso superior de Música – ainda
prolongam a conversa questionando se eu cursei os nove anos de formação do conservatório.
Além disso, existe uma aura de respeito à música erudita, mesmo entre os que não a apreciam.
A figura do conservatório e de suas práticas está inscrita no imaginário coletivo, povoado de
figuras como divas da ópera e suas jóias espetaculares, maestros e instrumentistas sempre
trajados elegantemente e se apresentando em salas de concerto que se assemelham a grandes
templos da arte. A visão do gênio, do talentoso, do diferente.
A conduta passa a ser baseada em conhecimentos com origem em discussões
das quais os sujeitos não participam e nem teriam condições de participar.
Estão em um nível de elaboração em que, como leigos, não poderiam
contribuir. Apenas assumem e respeitam a legitimidade que esses sistemas
adquirem na sociedade. (SETTON, 2002, p. 67)
Não seria esta uma explicação para a sobrevivência da doxa conservatorial na
sociedade contemporânea? A música erudita trabalha com códigos com os quais os sujeitos
leigos não conseguem operar. Assim, eles apenas assumem e respeitam a legitimidade que
esses sistemas adquirem na sociedade.
140
A não necessidade de formação específica para a atuação como professores de música
nas escolas – assegurada pelo veto presidencial ao artigo 2º da Lei 11768/2008 – pode refletir
mais do que a ausência de profissionais formados para exercer esta função. Pode refletir a
ciência de que a instituição formadora de professores de música fala outra linguagem, opera
outras músicas, enquanto que os leigos falam ―na língua‖ das escolas, dos alunos... Seria
reflexo, portanto, da perda da autoridade das instituições formadoras na sociedade
contemporânea – uma vez que estas não têm dado conta de responder às necessidades das
escolas, estando ainda presas nas teias do habitus conservatorial.
A espantosa coerência das práticas conservatoriais pode ter como uma de suas razões
de ser a ativação destas disposições do senso comum interiorizadas desde as primeiras
instâncias de socialização. Além disso, após o ingresso no subcampo das Licenciaturas em
Música, por mais diversa que seja a origem social, por mais diferentes que tenham sido os
processos de socialização, a aderência às práticas conservatoriais acabam por tornar-se
estratégia de sobrevivência no campo.
E as disposições conservatoriais são tão fortes que é freqüente encontrar músicos
populares planejando aulas, nas primeiras atividades de estágio, que envolvem a apresentação
de todo o conteúdo abstrato dos elementos constituintes da notação musical. Ou ainda na
adoção dos cachecóis como adereço obrigatório de cantores e cantoras que ingressam no
mundo erudito (exteriorização das disposições, hexis corporal).
O fato é que, após o ingresso no subcampo, os agentes integram-se em um grupo, no
interior da instituição de ensino musical, e passam a compartilhar um sistema organizado de
orientação das ações e percepções, traduzindo sistematicamente práticas coerentes e
articuladas nas múltiplas esferas aonde atuam.
[...] o conceito de habitus permite compreender como as condutas levadas a
cabo pelos atores tendem a se adaptar estrategicamente às condições
objetivas de suas ações, não sendo essas, no entanto, fruto de um cálculo
racional e deliberado (as condições para o cálculo quase nunca são dadas na
prática); da obediências consciente a regras explicitamente definidas
(concepção que Bourdieu define pejorativamente como ―juridiscismo‖) ou
de uma determinação mecânica e automática por causas coletivas
insconscientes, mas sim de um processo em que os atores atualizam
continuamente as intuições tácitas de um senso prático adquirido a partir de
sua experiência societal, ou, mais precisamente, da exposição continuada e
recorrente a condições semelhantes de ação em um campo específico de
disputa ou em uma classe social particular. As disposições socialmente
estruturadas e unificadas sob a forma de um habitus que articula
sistematicamente, mesmo na ausência de uma intenção explícita de
sistematicidade, as diversas práticas ou dimensões dos estilos de vida dos
141
atores, de acordo com o teorema da ―transponibilidade‖ entre esferas da vida
social, permitem a Bourdieu explicar a regularidade, inteligibilidade
intersubjetiva, unidade e coordenação intra-grupal e inter-grupal das ações
sociais sem reduzir essas características à operação funcional de mecanismos
sistêmicos (como em Durkheim, Parsons ou Luhmann) ou às maquinações
individuais de calculadores estratégicos (como na teoria da ―escolha
racional‖, na versão, por exemplo, do norueguês Jon Elster). (PETERS,
2006, pp. 78/9, grifos no original)
Concordamos com Setton (2009) que são os próprios indivíduos que tecem as redes de
sentido que os unificam em suas experiências de socialização (SETTON, 2009, p. 297). Desta
forma, o habitus conservatorial seria característico do curso de música como instância
formadora. Assim, cabe a cada indivíduo a construção (sempre inconsciente) de seu habitus
individual, confirmando a tese de que habitus não é destino.
O curso de música seria um espaço social, um dos espaços freqüentados pelos
indivíduos e responsável pela inculcação de valores, modos de pensar e agir, ideologias. Este
espaço social insere nos indivíduos matrizes sociais de cultura, que se imbricam às matrizes
que já foram incorporadas nos processos primários de socialização. Os cursos de música são
pensados também como instâncias que promovem a socialização, que, através da imposição
de padrões específicos de cultura, influenciam sobremaneira na geração de padrões de
conduta e pensamento relacionados à música.
Intrigante é, entretanto, como esta estrutura geral mantém-se com poucas variações,
apesar das grandes mudanças que ocorrem na sociedade. Ora, se compreendemos o habitus
como conceito mediador entre sociedade e indivíduo, e rejeitamos a idéia de um
determinismo das práticas – habitus como memória sedimentada e imutável (SETTON, 2010,
p. 25), é curioso perceber a força da tradição frente às inovações contemporâneas.
Tal fato pode ser explicado pela propriedade do habitus conservatorial, como
ideologia musical inculcada, de dissociar a música erudita de seu contexto social de produção.
Assim, neutralizam-se as influências das transformações contemporâneas, ou elas são filtradas
para serem apropriadas de ―maneira correta‖.
É o caso, por exemplo, do emprego das tecnologias na composição musical. Elas
encontram espaço na academia e a produção, tanto de repertório quanto de pesquisas sobre o
assunto, tem crescido em número e qualidade. Entretanto, a aceitação das mesmas pelo
público (tanto de músicos profissionais quanto de leigos) não reflete o mesmo interesse dos
acadêmicos envolvidos em sua produção. A resistência na apreciação deste tipo de música
142
pode, inclusive, revelar-se como interessante objeto de pesquisa que investigue a atuação do
habitus conservatorial na formação do gosto individual das pessoas.
É fato que o habitus conservatorial influencia na formação do gosto musical – sem
configurar-se, entretanto, como destino, como força determinadora. É, contudo, uma ―força
forte‖, com o perdão do pleonasmo.
A ideologia musical incorporada como habitus conservatorial determina o gosto
legítimo, próximo ao dos grupos dominantes; e o gosto ilegítimo – próximo ao gosto popular.
Isto está relacionado diretamente ao conceito de ―boa música‖ e, portanto, torna-se basilar na
seleção da música que conta como conhecimento legítimo.
O habitus conservatorial é marcante nas trajetórias sociais daqueles que se envolvem
com música, especialmente os que decidem ingressar num curso superior, influenciando seus
processos de aprendizagem, atuando na legitimação do arbitrário cultural e,
consequentemente, na escrita dos currículos.
Bourdieu detectou uma forte relação estatística entre as práticas de
assistência a teatros, frequência a bibliotecas, museus, concerto de música
erudita e o consumo cultural dos segmentos altamente escolarizados. Além
disso, constatou uma heterogeneidade de julgamentos de gostos bem como
observou uma correlação entre posse de uma competência estética
(adquirida, sobretudo na família e complementada pela escola) e uma
propensão a apreciar a arte. Com base em expressivas taxas de
correspondência entre essas variáveis, o autor pôde inferir que a apropriação
de práticas e a apreciação de obras relativas ao universo erudito dependiam
de um trabalho escolar que oferecia ao espectador instrumentos, códigos
genéricos e específicos, como também oferecia esquemas de interpretação
propriamente artísticos e estéticos adequados a cada obra em particular.
Lembra o autor que a posse de tais esquemas seria a condição de
compreensão das mesmas. Para ele, no domínio da cultura erudita, o tipo de
aprendizado, ainda que muitas vezes processado de maneira difusa pela
família, deveria ser complementado pelo trabalho metódico da escola.
(SETTON, 2010, p. 27)
Observe a relação direta entre ―música erudita‖ e ―segmentos altamente
escolarizados‖. Não estaríamos diante de uma gradação: quanto mais escolarizado, mais
próximo do gosto legítimo, e, portanto, exposto às influências do habitus conservatorial por
mais tempo, incorporando-o?
A ―propensão a apreciar a arte‖, não traria embutida em si a noção de ―boa arte‖, arte
legítima, cultura dominante? A escola instrumentaliza os indivíduos com ferramentas estéticas
possibilitando a apreensão simbólica da arte elevada, do gosto refinado. Neste caso, ao eleger
o universo erudito como único digno de atenção, como parâmetro de julgamento das outras
143
músicas, o habitus conservatorial influencia os currículos a oferecerem apenas os
instrumentos, códigos, esquemas de interpretação artísticos e estéticos relativos ao universo
erudito, que não se aplicam aos outros universos.
Como resultado disto, temos a exclusão da música popular, da música cotidiana, da
música de massa como conhecimento digno de atenção. O habitus conservatorial dificulta a
compreensão da música como fenômeno social. Dificulta, portanto, a mediação entre músicas
(no plural) e seres humanos. Não possibilita o desenvolvimento de uma crítica individual
sobre as músicas às quais os indivíduos têm acesso. Antes disso, fornece os parâmetros para
que a crítica seja feita – sempre privilegiando o conhecimento erudito e subjugando as outras
formas de fazer musical. Como possibilitar a compreensão das outras músicas como
fenômeno social se os esquemas que são distribuídos privilegiam apenas o significado
inerente, ignorando os significados delineados?
O problema não está na música erudita em si, mas na sua preferência, na escolha desta
música e de suas características próprias como balizadoras de toda a experiência musical. Isso
agrega problemas sociais muito grandes, como a desvalorização das outras formas de
conhecimento; a exclusão e a impossibilidade de compreensão de outras formas de produção
musical. A compreensão da existência de um habitus conservatorial permite a
conscientização de que a música erudita não é autônoma, neutra, espiritual, mística..., mas
fortemente ligada às condições sociais.
O aperfeiçoamento na música erudita é um problema quando inserido no espaço
escolar. Esta afirmação está ligada à nossa concepção de educação musical e sua função nas
escolas de educação básica. Nada impede que alguém se especialize em música erudita.
Entretanto, ao acreditar que a música está nas escolas na perspectiva de contribuir para uma
educação integral do indivíduo, é necessário rever as implicações do habitus conservatorial
neste sentido, pois ele atuaria como um sério limitador. Ao acreditar na educação como
possibilitadora de desenvolvimento de seres humanos críticos, que refletem continuamente
sobre a realidade social que os cerca, o habitus conservatorial torna-se um problema, pois já
oferece a crítica e seus parâmetros de julgamento, não permitindo que cada um desenvolva
sua maneira de pensar, de julgar. Ele fornece a maneira ―correta‖, ―apropriada‖ de julgar. Ele
define a crítica.
É como se os cursos de música, através do seu habitus, tornassem-se instituições a-
históricas. A ideologia musical própria destes espaços sociais não permite observar o ingresso
de um estudante plural. Existe uma tensão entre os significados inerentes e delineados da
144
música. Nos cursos, observa-se a illusio de apreensão do significado inerente, enquanto a
sociedade pede também pela atenção aos significados delineados.
Segundo Setton (2010, p. 28), a teoria da legitimidade cultural ou das distinções de
gosto desenvolvida por Bourdieu propôs compreender sociologicamente as funções da cultura
dos dominantes e os poderosos efeitos ideológicos dessa cultura sobre os grupos mais
carentes. Neste sentido, o que se pode verificar, de acordo com a autora, é uma disputa pela
autoridade de um poder simbólico no mundo social nas lutas pela produção de uma visão
legítima de um gosto, e pela imposição de uma concepção estética ou de uma opção a outra
prática de cultura. O habitus conservatorial seria, portanto, ferramenta inconsciente na
disputa pela autoridade da música erudita, pela legitimação do gosto dominante. E, nos cursos
superiores de música, o currículo escrito a partir desta matriz disposicional acaba por alcançar
êxito nesta luta.
Dito com outras palavras, a partir da visibilidade simbólica do gosto dos
grupos dominantes, desvelam-se os mecanismos ideológicos da imposição
de um gosto ou de um estilo legítimo, no entanto arbitrário, de consumir
cultura, de se vestir, morar ou viver ou mesmo se divertir. De certa forma,
esta abordagem avança, indo além da contribuição do pensamento clássico,
reintroduzindo na análise das práticas de cultura o caráter ideológico e
arbitrário das instâncias de produção e consagração cultural – escolas,
conservatórios, museus, mídias. (SETTON, 2010, p. 29)
A música erudita e seus mecanismos de estudo e análise dispostos nos currículos do
ensino superior (e, muitas vezes, nas escolas especializadas) torna-se como que uma moeda
legitimada e institucionalizada pelo sistema de ensino e demais instituições promotoras e
difusoras de símbolos distintivos (SETTON, 2010).
O habitus conservatorial seria uma força que luta para impor uma única escala de
legitimidade cultural. Apesar de ser amplamente aceita, não quer dizer que seja a única. Pode-
se dizer, entretanto, que sua atuação é bastante ampla, não se restringindo apenas ao espaço
das instituições de ensino musical. Insistimos na afirmação de que o habitus conservatorial
está presente – de maneira diferenciada, é verdade – na concepção de música forjada no senso
comum, e, apesar de não ser unânime é, sem dúvida, muito forte.
Tão forte que vem dificultando a realização de reformas nos currículos dos cursos
superiores, por exemplo. A música popular vem lutando por um espaço nas universidades,
mas peca ao submeter-se às forças deste habitus. O que quer a música popular na
universidade? Legitimidade, reconhecimento, status. Mas a própria música popular opera
145
seleções em seu ingresso na universidade: não é toda e qualquer manifestação popular que
adentra no âmbito do ensino superior, mas ―a boa música popular‖. Quais os critérios para
esta seleção? Critérios estabelecidos pela ideologia musical incorporada, não todos, mas parte
deles – complexidade, espiritualidade, universalidade... Tal fato reflete a luta pela posição
privilegiada, a luta por uma maior cotação no valor como capital cultural.
É importante lembrar que, no caso da música popular, não é apenas o habitus
conservatorial que dificulta as suas lutas. A música erudita, e suas formas de transmissão
encontraram eco nas propostas de forma e organização escolar. A música popular tem de
vencer não apenas as barreiras impostas pelo habitus conservatorial, mas as dificuldades em
sua adaptação às formas e organizações escolares. A não necessidade de um programa rígido
de ensino, a significativa diminuição da autoridade pedagógica do professor, a oralidade,
todas são características que se chocam não apenas com o habitus conservatorial, mas com o
habitus escolar.
3.3.1 Sintetizando: as dimensões do habitus conservatorial
Peters (2006, pp. 82-85) identifica três dimensões analiticamente distinguíveis do
habitus: ethos (esquemas práticos), eidos (esquemas lógicos) e hexis (sistemas de ação
corporal). Esta separação em dimensões justifica-se apenas para um aprofundamento da
análise, uma vez que funcionam de maneira inevitavelmente entrelaçada na prática dos
agentes.
Sobre a primeira dimensão, Peters explica que:
A dimensão disposicional do habitus recoberta pela noção hegeliana de
ethos, por exemplo, aponta para o diagnóstico do fato de que a conduta dos
atores é efetivamente regulada por princípios de escolhas práticas que são
valorativamente orientadas, isto é, guiadas por um senso intuitivo (derivado
da experiência social) do que se deve e do que não se deve fazer em
situações socialmente tipificadas, sem que isso implique, entretanto, à
maneira de certo escolasticismo juridicista, a suposição de que tais princípios
corporifiquem uma ética, no sentido de um corpo sistematicamente
articulado e explicitamente formulado de máximas morais de
comportamento operando de modo expressamente intencional na prática dos
indivíduos. (PETERS, 2006, pp. 82/3)
Nesta dimensão, identificamos as disposições incorporadas que orientam as práticas
dos agentes. Neste sentido, entendemos disposições como uma predisposição, uma tendência,
146
uma propensão, uma inclinação incorporada nos atores decorrentes da especificidade do
processo de socialização por eles percorrido (CASANOVA, 1995, p. 49). Ou ainda, de
maneira mais genérica, ―[...] uma propensão estratégica numa relação social, uma atitude face
aos condicionamentos e virtualidades de uma determinada posição social e, portanto, inerente
a essa posição‖ (CASANOVA, 1995, p. 62).
A partir da análise das práticas curriculares, podemos identificar como disposições do
ethos conservatorial:
- tendência a organizar as práticas de formação do músico para atuação profissional ou
diletante no campo artístico;
- forte propensão a compreender este processo de formação aos moldes dos ofícios
medievais, onde a figura do professor é atribuída ao mestre, máximo conhecedor de
sua arte;
- inclinação para o favorecimento do individualismo, tanto no processo de ensino
quanto na atuação musical (fábrica de solistas virtuoses);
- tendência a forte enquadramento e forte classificação na organização curricular;
- favorecimento da música erudita ocidental na seleção do conhecimento oficial;
- supremacia do letramento musical;
- tendência à valorização da performance em detrimento de outras áreas de formação
(disposição ligada instrinsecamente à formação do músico como objetivo final do
processo);
- inclinação à separação disciplinar da teoria e da prática, mantendo-se a posição
propedêutica da primeira em relação à segunda;
- propensão à seletividade.
Estas disposições nada mais são do que a história do ensino musical –
institucionalizada pelos conservatórios – incorporadas na forma de habitus. Já o conceito de
eidos liga-se à orientação da percepção dos agentes frente às situações enfrentadas no campo:
[...] o conceito de eidos refere-se, por sua vez, à dimensão propriamente
cognitiva do habitus como sistema de esquemas mentais de ordenação
categorial e compreensão interpretativa dos fenômenos mundanos com os
quais os agentes se deparam em sua experiência cotidiana, esquemas a partir
dos quais esses fenômenos ganham inteligibilidade para tais agentes.
(PETERS, 2006, p. 83)
Esse esquema cognitivo – lógico – do habitus conservatorial é regulado pela ideologia
musical dominante descrita por Green (1988 / 2003). Como não poderia deixar de ser,
relaciona-se diretamente ao ethos descrito anteriormente.
147
A compreensão da música erudita ocidental (especialmente a européia) como alta
cultura musical orienta todo o esquema de percepção dos agentes. Acoplada a esta idéia,
figura a importância fulcral atribuída à notação musical nestes esquemas. Esta característica –
que ganha força ao pensarmos na inserção da formação do artista no campo educativo – é
central para a conservação das ―grandes obras‖ e para a construção da partitura musical como
objeto de estudo das disciplinas teóricas do currículo.
Nesta perspectiva, aquela música que prescinde da notação, que privilegia a oralidade,
é percebida como ilegítima, inadequada, menor. Toda a estrutura disciplinar construída com
base no letramento e na dominância da música erudita (características que, sem dúvida
alguma, estão fortemente ligadas entre si) acaba por delinear um coeso esquema de valoração
musical, que orienta (influencia) a percepção dos agentes. Neste sentido, as músicas cuja
importância recai sobre outras características que não estas privilegiadas pela eidos
conservatorial acabam por serem excluídas do processo de educação musical. Inclua-se aí
praticamente toda a vivência musical anterior dos estudantes dos cursos de música e também
da grande maioria da população.
O esquema de valoração musical que compõe a eidos conservatorial fundamenta-se na
atribuição à música legítima das propriedades de universalidade, eternidade, complexidade e
originalidade. As disciplinas específicas da área de Música objetivam a apreensão dos
movimentos históricos de originalidade e complexidade da música erudita ocidental que
acabaram por torná-la universal e eterna, destituindo-a de sua dimensão social. Com isso, o
currículo mostra-se como a exteriorização das disposições, mas, ao mesmo tempo, atua como
ferramenta de interiorização das mesmas.
Com relação à hexis:
[...] o ajustamento da subjetividade dos atores aos seus condicionamentos
societais objetivos também deriva grande parte de sua força do fato de que o
habitus constitui não apenas um sistema mental de produção e categorização
cognitiva, ética, estética e afetiva da conduta e dos significados objetivados
em instituições e produtos culturais, como também, e de maneira
indissoluvelmente articulada, um conjunto de estados habituais do corpo, o
qual se manifesta nos agentes como uma héxis corporal moldada e
interiorizada pela aprendizagem inconsciente e cotidiana de um certo
conjunto de posturas corporais, de modos de falar e de andar, em suma, se
maneiras internalizadas e duráveis de se relacionar com o próprio corpo que
encarnam ou ―somatizam‖ propriedades historicamente específicas de um
contexto social, em particular a identidade societal que o indivíduo assume
em função de seu posicionamento na estrutura do grupo, maneirismos que
tendem a ser percebidos, no entanto, como absolutamente naturais e
evidentes pelo ator e pelos demais atores que classificam-no, a ponto de
148
poderem até ser tomados como parte essencial da constituição biológica dos
indivíduos, como é mais óbvio no caso das formas de héxis corporal
associadas à construção social da masculinidade e da feminilidade, por
exemplo. (PETERS, 2006, p. 83, grifos no original)
Apenas com a análise curricular não é possível uma descrição da hexis corporal
moldada pelo habitus conservatorial. Entretanto, é possível encontrar vestígios de uma hexis
conservatorial naquilo que Lopes (2005, p. 43, grifos no original) chama de ―manuais de
civilidade‖:
Um conjunto de cartilhas ou breviários, a maior parte das vezes
encomendados por entidades públicas (autarquias, nomeadamente) que
sentem, no seu quotidiano, a partir de experiências de ―formação de
públicos‖ ou da acção de departamentos educativos, dificuldades que se
exprimem em considerações mais ou menos espontâneas sobre a ―falta de
preparação‖ dos novos públicos para a presença nos cenários de interacção
semipúblicos onde a cultura acontece, isto é, onde se apresenta e representa
(museus, galerias, salas de espectáculo…), ao mesmo tempo que os próprios
públicos se apresentam e representam, num duplo jogo ou lógica de
espelhos.
Segundo este autor, os manuais servem para ―domesticar‖ habitus pouco ou mal
preparados para os mundos da cultura, resultantes, em muitos casos, de capitais culturais
recém-incorporados, pouco consolidados e sujeitos a regressões, em particular quando os
agentes sociais já não estão institucionalmente integrados (como na escola) ou encontrando-
se, então, inseridos em lógicas de trabalho subalterno, desqualificado, alienado e alienante.
Um dos maiores selos de gravação da música erudita, a Naxos, oferece em seu site um
destes manuais, intitulado Getting Ready: How to enjoy a live concert46
. Uma das
―instruções‖ refere-se diretamente à maneira correta de se vestir para ir a um concerto.
Observe:
O que vestir
Ah, não existe uma simples resposta para a questão do que vestir para ir a
um concerto, porque cada concerto tem sua própria atmosfera e estilo. A
noite de abertura de uma ópera requer uma roupa mais formal, mas grande
parte dos concertos são menos formais do que isso. Em algumas ocasiões
você poderá se sentir deslocado caso você se arrume demais.
Usualmente você pode vestir aquilo que quiser. Como as pessoas estarão
vestidas com todos os tipos de roupas, você estará adequado de qualquer
______________ 46
Disponível em http://www.naxos.com/education/enjoy_intro.asp.
149
maneira. Se você gosta de se arrumar, aproveite a ocasião. Já se você não
gosta, vista-se com roupas confortáveis.
Se estiver preocupado, coloque o que você vestiria para um encontro de
negócios ou, melhor, para um casamento – acima de tudo, um concerto é um
tipo de celebração, então vista algo festivo! Concertos no final da tarde
geralmente inspiram o uso de mais acessórios do que os eventos que
ocorrem durante o dia.
Para obter um auxílio mais específico neste sentido, pergunte por aí, ou ligue
para a organização e pergunte o que as pessoas normalmente usam.
Como os concertos reúnem várias pessoas em um único recinto, é melhor
não usar perfumes muito fortes47
. (STEINMETZ, 2012, tradução nossa)
Apesar do autor do manual indicar que o expectador pode se vestir da forma que
quiser, existem algumas dicas para não se sentir deslocado: vestir-se para um encontro de
negócios ou mesmo para um casamento e não usar perfumes fortes.
A página oficial do Theatro Municipal do Rio de Janeiro traz a seguinte advertência:
―É terminantemente vedada a entrada de pessoas trajando bermuda, short, top, camiseta sem
manga, bem como chinelos, exceto para crianças de até 10 anos48
‖. Tal advertência é
fundamentada na Portaria FTM/RJ Nº 183 de 10 de novembro de 2010 (disponível no mesmo
site) que ainda a complementa indicando os trajes permitidos: traje de passeio ou esporte fino.
A hexis conservatorial pode ser observada no cotidiano, em comparações entre
concertos de música erudita e shows de música popular. Não há normas para se vestir ou se
comportar nestes últimos (exceto quando acontecem em casas com normas próprias). Ainda
que ao público de concertos eruditos seja permitido o ―traje passeio‖ é incomum encontrar
músicos que não estejam em ―black tie‖.
Lopes (2005, p. 45) utiliza como epígrafe, em seu texto, a seguinte ―dica‖ para os
ouvintes de música erudita: ―Não cante nem tente acompanhar o artista. Lembre-se que, por
mais que tente, nunca será tão bom como ele. Não é por acaso que não é você quem está no
______________ 47
―What to Wear
Alas, there is no simple answer to the question of what to wear to a concert, because every concert has its own
atmosphere and style. Opening night at the opera might require formal dress, but most concerts are far less
formal. At some performances you‘ll be out of place if you dress up too much!
Usually you can wear whatever you want. Because people will be wearing all manner of clothes, you‘ll fit in
no matter what. If you enjoy dressing up, take advantage of the occasion! If you hate dressing up, wear
comfortable clothes.
If you are worried, put on what you would wear to a business meeting or, better yet, to a wedding—after all, a
concert is a kind of celebration, so wear something festive! Evening concerts generally inspire dressier outfits
than daytime events.
To get more specific wardrobe advice, ask around, or call the organization and ask what people tend to wear.
Because concerts squeeze lots of people into one room, it‘s best not to wear strong fragrances.‖ 48
http://www.theatromunicipal.rj.gov.br/
150
palco‖. Analisando esta epígrafe na perspectiva de uma violência simbólica, o autor comenta
que:
Ao atentarmos nos manuais ou guias do espectador constatamos, desde logo,
que subsiste um padrão de cultura erudita ou cultivada. A frase em epígrafe
denuncia um contexto bem preciso: sala clássica, porventura à italiana;
audição de música e canto clássicos ou consagrados. Basta imaginar outros
contextos ou géneros musicais para prever que a participação dos públicos é
altamente suscitada e desejada, nomeadamente pelo incentivo ao canto
partilhado ou colectivo, a posturas corporais de intensa sociabilidade, à
irrupção do imprevisto no guião flexível do evento. (LOPES, 2005, p. 46)
Percebemos algumas características de uma hexis relacionada à música erudita, mas
que merece uma investigação empírica mais ampla e aprofundada.
Trazendo a discussão do habitus conservatorial para a discussão curricular, é
importante reconhecer que a noção de habitus confere uma interpretação mais dinâmica à
compreensão das práticas conservatoriais. A compreensão destas práticas como um modelo
reproduzido ad eternum não parece satisfatória, pois engessa-se num mecanismo
reprodutivista e determinista. O ―modelo conservatorial‖ é entendido como algo sólido,
acabado, enquanto que o habitus indica que estas práticas são constantemente re-produzidas,
atualizadas, e estas recriações das práticas se dão sempre a partir de uma matriz durável que
não é estática.
Neste sentido, como observado pela análise curricular aqui delineada, o conservatório
não está sendo reproduzido, mas, tem orientado a construção curricular e suas propostas de
reação a ele.
Entretanto, o que esperamos encontrar é uma concepção uniforme do que seja a
formação musical. Ainda que existam visões diferenciadas do que seja um professor de
música, o que acabaria por influenciar no formato das disciplinas pedagógicas do currículo, a
raiz da concepção de músico e de sua formação se remontaria, ainda, às determinações
instituídas historicamente pelo conservatório.
3.4 EXCURSUS FINALIS - HABITUS CONSERVATORIAL E A TEORIA DOS CÓDIGOS
DE BERNSTEIN (1990) – UMA APROXIMAÇÃO
Uma das características da ideologia musical incorporada na forma de um habitus
conservatorial é a centralidade ocupada pela escrita musical. Como vimos, toda a estrutura
151
disciplinar gira em torno da escrita musical – tanto específicos de música como os
pedagógico-musicais (que se preocupam com metodologias de ensino da escrita musical).
Segundo Apple (2006, p. 179), ―[...] muito da linguagem que utilizamos, embora
aparentemente neutra, não é neutra no impacto que causa, nem é imparcial no que diz respeito
às instituições de ensino existentes‖.
A teoria dos códigos proposta por Basil Bernstein (1990) nos permite um
aprofundamento na compreensão das disposições incorporadas na forma de habitus
conservatorial.
Segundo este autor, as relações sociais regulam os significados que nós criamos,
significados que expressamos através dos papéis constituídos por essas relações sociais
(BERNSTEIN, 1990, p. 134). Para Bernstein (1990, p. 143), ―[...] um código é um princípio
regulativo, tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de
realização e contextos evocadores‖. Dessa forma,
[...] o controle simbólico é o meio pelo qual a consciência recebe uma forma
especializada e é distribuída através de formas de comunicação, as quais
conduzem, transportam uma determinada distribuição de poder e categorias
culturais dominantes. (BERNSTEIN, 1990, p. 189).
A música erudita é uma disciplina49
que tem um código próprio, uma gramática
particular. Observe o que Vieira apresenta acerca da apreensão do código musical no interior
do modelo conservatorial:
Outro aspecto deste modelo [conservatorial], preso à prática instrumental
virtuosística, mas que juntamente com ele é negado na apresentação pública,
consiste no domínio do código musical. O ensino desenvolvido em
conservatório apresenta tanto a imposição da habilidade de decodificar uma
partitura como condição para a expressão e realização musicais, quanto a
imprescindibilidade de tornar invisíveis o código e o esforço da
decodificação (observa-se, por exemplo, como praxe em apresentações
públicas, competições e exames, a execução de cor pelo solista). Se, por um lado, a invisibilidade do código permite que a música retome a
primazia na realização musical, fazendo desconhecer sua relação de
dependência arbitrária com a teoria, por outro lado, alimenta a percepção
mágica do talento na percepção da performance. Isto porque o que se vê e o
que se ouve no ato da execução musical pública, livre de partituras, oculta a
______________ 49
Uma disciplina é um discurso separado, especializado, com seu próprio campo intelectual de textos, práticas,
regras de admissão, modos de exame e princípios de distribuição de sucessos e privilégios. (BERNSTEIN,
1990, p. 218) As disciplinas ou matérias singulares são, em geral, narcisistas, orientadas para seu próprio
desenvolvimento e não para aplicações fora delas mesmas. (BERNSTEIN, 1990, p. 219)
152
última das provas do esforço para o domínio da prática instrumental.
(VIEIRA, 2000, p. 5 – 6)
O habitus conservatorial está intrinsecamente ligado ao domínio do código musical.
Vieira nos mostra esta ligação ao explicitar este modelo recontextualizado nos cursos de
licenciatura de Belém do Pará:
[...] o conteúdo de disciplinas musicais do currículo das licenciaturas locais
manteve o sentido das disciplinas que compunham o currículo do curso do
Instituto Carlos Gomes [um dos conservatórios de Belém], na primeira fase
deste estabelecimento; isto é a aprendizagem dos elementos que compõem a
gramática universal da música erudita: notas, pautas, claves, valores
rítmicos, compassos, acidentes, intervalos, escalas, acordes. As regras dessa
gramática são estudadas e aplicadas em exercício de solfejo, análise, arranjo,
composição e redução. A construção desta gramática é contada na História
da Música, de forma linear-evolucionista, iniciando com música na
Antiguidade e culminando com a menção a compositores contemporâneos.
O Canto Coral e as práticas instrumentais são os espaços de execução
musical da gramática fixada, o que situa o repertório no âmbito da produção
até o século XIX. O Canto Coral e a Estruturação Musical aparecem como
espaços onde se introduzem atividades de composição e leitura, que também
abrangem a linguagem musical contemporânea, ainda que de forma
elementar, mas que favorece a ampliação da percepção musical, em relação
ao que é desenvolvido no Instituto e na Escola de Música. (VIEIRA, 2000, p.
69)
Observe no trecho que se segue como o código musical, além de ditar as formas do
ensino de música, seleciona o conteúdo (repertório) a ser trabalhado:
A história da música permite, ainda, dar conta de que o código musical
ensinado pelo modelo conservatorial corresponde ao conhecimento
produzido à época em que este modelo foi criado. Ao conservar este
conhecimento, o modelo conservatorial preserva um dos fatores que o
fundamentam, qual seja, uma cultura musical que compreende elementos de
uma música de um determinado momento histórico. Dessa forma, o modelo
conservatorial tende a preservar as bases musicais com as quais se identifica,
que correspondem à música erudita européia dos séculos XVIII e XIX.
(VIEIRA, 2000, p. 4)
E ainda:
As leis da linguagem musical fixadas na Renascença começaram,
claramente, a ser ultrapassadas no pós-guerra, sem que os conservatórios
disso tomassem tento. Seu ensino continuou a desconhecer as
transformações trazidas pela música eletrônica, por exemplo, da mesma
153
forma que se desconheceu outros sistemas musicais, como o oriental
(baseado na escala pentatônica), o dos grupos indígenas americanos etc. O
ensino do conservatório ainda se orienta pela linguagem fixada na
Renascença e na estética romântica do século XIX. (VIEIRA, 2000, p. 4 -5)
Dessa forma, podemos concluir que o código traz, em si, tanto a dicotomia
teoria/prática, observada como característica pedagógica do modelo conservatorial, como o
conteúdo da disciplina música: a música erudita europeia.
Como afirmamos anteriormente, este modelo é recriado continuamente, e não é,
portanto, um produto acabado. Em Freire (1992) podemos observar a luta contra um modelo
conservatorial que se traduz na inserção do repertório erudito brasileiro nos programas de
piano da UFRJ. Assim, não há um movimento contra-hegemônico, um movimento
anticonservatorial, mas sim, uma atualização deste modelo hegemônico, orientada pelo
habitus, incluindo-se a música erudita brasileira como conteúdo possível.
O ensino formal de música está sempre atrelado à aquisição do código musical e, por
isso, traz em si resquícios dos moldes conservatoriais. Como mostrado anteriormente, outro
fato que auxilia na construção desta hipótese é a questão da música popular na educação
musical e no âmbito do ensino superior.
No primeiro caso, observa-se a utilização da música popular como uma ferramenta
para a aquisição do código musical – uma forma de levar em consideração o discurso musical
do aluno (SWANWICK, 2003) na conquista do código musical. A música popular é utilizada
como exemplo de pulsos regulares, como matéria prima para ditados e solfejos, para o ensino
de estruturas musicais articuladas à forma. Entretanto os processos utilizados na
aprendizagem da música popular – processos não formais, que prescindem da notação escrita
(e, portanto, dos códigos musicais) não são levados em consideração.
Esses processos informais são descritos por Lucy Green (2002) na obra How Popular
Musicians Learn. Neste livro, a autora investiga os processos de aprendizagem de músicos
populares e afirma que estes processos informais de aprendizado na música popular são
negligenciados na educação musical formal:
Sintetizando, apesar do fato de que muitos músicos populares estão agora se
tornando professores formais e da recente inclusão da música popular nos
processos de educação musical de escolas e outras instituições, existem
bases que sugerem que as esperas formais e informais do ensino e
aprendizado musical continuam a existir quase independentemente uma da
outra, fluindo por trilhas separadas que podem ocasionalmente se cruzar,
mas raramente coincidem em uma mesma direção. Enquanto a educação
154
musical formal recebeu de bom grado a música popular em seus conteúdos,
isto não significa de maneira alguma a mesma coisa que receber abertamente
ou mesmo reconhecer as práticas informais de aprendizagem relacionadas
com a aquisição de conhecimento e habilidades musicais relevantes. Até
certo ponto, a inclusão da música popular, bem como do jazz e de outras
músicas do mundo, tanto na aula de instrumento quanto no currículo das
escolas representa a adição de um novo conteúdo musical, não
necessariamente acompanhado de mudanças correspondentes nas estratégias
de ensino50
. (GREEN, 2002, p. 184, tradução nossa)
Há sempre, na educação formal, uma preocupação com a notação musical. Processos
informais – como o tocar de ouvido, por exemplo – são negligenciados e, muitas vezes, vistos
como habilidades menores.
A centralidade da notação musical, característica do conservatório, está
intrinsecamente ligada às práticas de ensino formal da música. Ao olhar para a literatura, por
exemplo, não há tanta repercussão quando se propõem como referência os grandes clássicos.
Observe o que diz Émile Chartier sobre o aprendizado de uma língua, no livro Propos sur
education:
Como se aprende uma língua? Pelos grandes autores, e não de outra forma.
Pelas frases mais perfeitas, mais ricas, mais profundas, e não pelos absurdos
dos manuais de conversação. Aprenda primeiro, e depois abra todos estes
tesouros, essas joias, triplos segredos.51
(CHARTIER, 1932, p. 24, tradução
nossa)
Não será esta a filosofia conservatorial? Ensinar música como se ensina uma língua?
O código musical parece conter em si as formas de ensiná-la e o repertório a ser utilizado. O
código musical escrito traz em si mensagens veladas que influenciam as práticas de ensino de
música e a seleção musical utilizada. Ao se ensinar o código musical, não utilizaríamos os
grandes autores, as músicas consideradas les plus riches, les plus profondes?
______________ 50
―In summary, despite the fact that many popular musicians are now becoming formal teachers, and despite
formal music education‘s recent inclusion of popular music in schools and other institutions, there are grounds
to suggest that the formal and the informal spheres of music learning and teaching continue to exist quite
independently of each other, running along separate tracks with may occasionally cross, but rarely coincide to
pursue a direction together. Whilst formal music education has welcomed popular music into its ranks, this is
by no means the same thing as welcoming or even recognizing informal learning practices related to the
acquisition of the relevant musical skills and knowledge. Rather, the inclusion of popular, as well as jazz and
other world musics in both instrumental tuition and school curricula represents the addition of new
educational content, but has not necessarily been accompanied by any corresponding changes in teaching
strategy.‖ 51
―Comment apprend-on une langue? Par les grands auteurs, non autrement. Par les phrases les plus serrées, les
plus riches, les plus profondes, et non par les niaiseries d'un manuel des conversation. Apprendre d'abord, et
ouvrir ensuite tous ces trèsors, tous ces bijoux à triple secret.‖
155
Neste caso, a existência de um habitus conservatorial e sua incorporação estaria
atrelada à manutenção e centralidade do código escrito musical. A consciência da existência
deste habitus no ensino musical possibilita algumas reflexões cruciais para uma real tomada
de posição em relação às práticas conservatoriais. É possível ensinar música sem envolver a
notação musical? É possível realizar um movimento contra a hegemonia conservatorial? Até
que ponto este movimento é necessário?
No capítulo que se segue, apresentamos as análises dos projetos pedagógicos
selecionados, buscando identificar as traduções do habitus conservatorial na construção
curricular dos cursos de Licenciatura em Música.
4 TRADUÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL EM DOCUMENTOS
CURRICULARES: conhecimento oficial, seleção e distribuição de conhecimentos e
profissionalização dos conhecimentos
Uma vez delineado o que entendemos por habitus conservatorial, passamos à análise
propriamente dita dos documentos curriculares da UFMG, UFRJ, UFSJ e UFMS. Nesta
análise procuramos evidenciar as traduções do habitus conservatorial na materialização
curricular das interpretações das DCN operadas por cada instituição.
Com base em Moreira (1995), consideramos o currículo como um terreno permeado
por contradições e lutas. Estas, segundo Freire (1999, p. 13), expressam-se, na área de música,
por meio das diferentes concepções de música e funções sociais que elas desempenham. Nesta
perspectiva, a análise dos documentos curriculares visa à compreensão de como as diferentes
concepções de música têm sido expressadas em cada uma das instituições selecionadas para
estudo, revelando disposições de construção curricular que trazem, em si, traços da história
incorporada da educação musical.
Para tal revelação estamos orientados por três áreas de comparação, a saber:
conhecimento oficial, seleção e distribuição do conhecimento e profissionalização dos
conteúdos.
4.1 AS ÁREAS DE COMPARAÇÃO
Delineamos a seguir as áreas de comparação selecionadas para a orientação deste
estudo. Estas áreas, além de se constituírem em lentes por meio das quais procuramos
observar a expressão de práticas historicamente incorporadas (o habitus conservatorial) nas
decisões curriculares, emergem também dos referenciais teóricos adotados para a
fundamentação desta pesquisa.
a) Conhecimento oficial
O conhecimento oficial é produto de uma seleção da cultura que é tornada legítima
através da legislação. Esta seleção não é neutra, mas interessada, ou seja, serve aos interesses
de alguém. Como diz Apple (2006, p. 84):
157
Considerarei as escolas como instituições que incorporam tradições coletivas
e intenções humanas que, por sua vez, são os produtos de ideologias sociais
e econômicas identificáveis. (...) O currículo das escolas responde a recursos
ideológicos e culturais que vêm de algum lugar e os representa. Nem as
visões de todos os grupos estão representadas, nem os significados de todos
os grupos recebem respostas.
Young (2007) diferencia dois tipos de conhecimento: um conhecimento que é definido
por quem o detém – ―conhecimento dos poderosos‖; e outro tipo de conhecimento que é
definido por aquilo que ele pode fazer – ―conhecimento poderoso‖.
O conhecimento oficial, selecionado interessadamente, aproxima-se da definição do
conhecimento dos poderosos, que só será poderoso para aqueles que já o detém, ou que já
possuem as disposições necessárias para apreendê-lo:
Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que
diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores
implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre
outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A
herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais,
é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência
escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 2008, pp.
41/2)
Neste sentido, Apple (2006, 83) mostra que da mesma forma que há uma distribuição
relativamente desigual de capital econômico na sociedade, também há uma distribuição da
mesma forma desigual de capital cultural. Para o autor, as escolas desempenham um papel
crítico em dar legitimação a categorias e formas de conhecimento. Dessa forma, o próprio fato
de que certas tradições e o ―conteúdo‖ normativo sejam construídos como conhecimento
escolar é evidência irrefutável de sua legitimidade:
[...] o estudo do conhecimento educacional é um estudo ideológico, a
investigação do que determinados grupos sociais e classes, em determinadas
instituições e em determinados momentos históricos, consideram
conhecimento legítimo (seja esse conhecimento do tipo lógico, ―que‖,
―como‖ ou ―para‖). É, mais do que isso, uma forma de investigação
orientada criticamente, no sentido que escolhe concentrar-se em como esse
conhecimento, de acordo com sua distribuição nas escolas, pode contribuir
para um desenvolvimento cognitivo e vocacional que fortaleça ou reforce os
arranjos institucionais existentes (e em geral problemáticos) na sociedade.
Em termos claros, os conhecimentos aberto e oculto encontrados nos
ambientes escolares, e os princípios de seleção, organização e avaliação
desse conhecimento, são seleções governadas pelo valor e oriundas de um
158
universo muito mais amplo de conhecimento possível e de princípios de
seleção. (APPLE, 2006, 83, grifos no original)
Assim, é relevante reconhecer nos documentos curriculares o conhecimento que é
considerado legítimo e, além disso, tentar compreender os princípios que conduziram a sua
seleção. Compreender, portanto, a ideologia que inclui e exclui conhecimentos e o motivo
pelo qual ela o faz.
Apple (2006, p. 103) afirma que as escolas ajudam a controlar não somente as pessoas,
mas também os significados. E, ao preservarem e distribuírem um conhecimento tido como
legítimo, ―o conhecimento que todos devemos ter‖, as escolas acabam por conferir
legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos. Para o autor,
Qualquer tentativa séria de entender a quem pertence o conhecimento que
chega à escola deve ser, por sua própria natureza, histórica. Deve começar
por considerar os argumentos atuais sobre currículo, pedagogia e controle
institucional como conseqüências de determinadas condições históricas,
como argumentos que eram e são gerados pelo papel que as escolas
desempenham em nossa ordem social. (APPLE, 2006, p. 105)
Como as diretrizes não definem uma ―música oficial‖, esta chave permite-nos observar
como cada instituição tem expressado sua concepção de música e de educação musical,
legitimando a seleção cultural efetuada. Assim, a partir da comparação entre as diferentes
concepções analisadas, poderemos inferir princípios ideológicos que norteiam a definição de
música oficial e inserir esta discussão na trajetória histórica do ensino de música no Brasil.
b) Seleção e distribuição do conhecimento
Esta área pretende aprofundar a questão do conhecimento oficial, explorando, em cada
caso analisado, como os conhecimentos foram selecionados e distribuídos no projeto
pedagógico.
As diretrizes apontam uma organização curricular, definindo, em linhas gerais, como
deve ser operada a distribuição do conhecimento selecionado. A partir disto, será possível
observar até que ponto os cursos de Licenciatura em Música têm sido norteados pelas
diretrizes gerais dos cursos de Música e da Formação de Professores para a Educação Básica,
traduzindo, portanto, as tensões que envolvem a dicotomia Música (conhecimento específico)
x Educação (conhecimento pedagógico), músico x professor de música, bacharelado x
licenciatura.
159
c) Profissionalização dos conhecimentos
Observamos como tem sido pensada e direcionada a formação do profissional: quais
as relações estabelecidas entre a formação e o mercado de trabalho. Isto envolve compreender
como têm se dado, na construção curricular, os conflitos entre mercado e educação,
universidade e realidade social, música oficial e demandas da sociedade contemporânea.
Shulman (2005) elenca uma lista de conteúdos básicos de um professor:
Conhecimento do conteúdo;
Conhecimento didático geral, tendo em conta especialmente aqueles
princípios e estratégias gerais de manejo e organização da classe que
transcendem o âmbito da matéria (assunto);
Conhecimento do currículo, com um domínio especial dos materiais e
dos programas que servem como ―ferramentas para o ofício‖ do docente;
Conhecimento didático do conteúdo: um amálgama especial entre
matéria e pedagogia que constitui uma esfera exclusiva dos professores,
sua forma própria e especial de compreensão profissional;
Conhecimento dos alunos e de suas características;
Conhecimento dos contextos educativos, que abarcam desde o
funcionamento do grupo ou da classe, a gestão e financiamento dos
distritos escolares, até o caráter das comunidades e culturas; e
Conhecimento dos objetivos, das finalidades e dos valores educativos, e
de seus fundamentos filosóficos e históricos.52
(SHULMAN, 2005, p. 11,
tradução nossa)
Segundo o autor, entre todas estas categorias, o conhecimento didático do conteúdo
adquire um interesse particular porque identifica o corpo de conhecimentos próprios para o
ensino, uma vez que representa o amálgama entre o conteúdo específico e o pedagógico.
Para a análise da profissionalização dos conteúdos do currículo das licenciaturas em
música observaremos, de maneira especial, os conhecimentos específicos de música, os
conhecimentos pedagógicos gerais e os conhecimentos didáticos da música.
______________ 52
•Conocimiento del contenido;
•Conocimiento didáctico general, teniendo en cuenta especialmente aquellos principios y estrategias generales
de manejo y organización de la clase que trascienden el ámbito de la asignatura;
•Conocimiento del currículo, con un especial dominio de los materiales y los programas que sirven como
―herramientas para el oficio‖ del docente;
•Conocimiento didáctico del contenido: esa especial amalgama entre materia y pedagogía que constituye una
esfera exclusiva de los maestros, su propia forma especial de comprensión profesional;
•Conocimiento de los alumnos y de sus características;
•Conocimiento de los contextos educativos, que abarcan desde el funcionamiento del grupo o de la clase, la
gestión y financiación de los distritos escolares, hasta el carácter de las comunidades y culturas; y
•Conocimiento de los objetivos, las finalidades y los valores educativos, y de sus fundamentos filosóficos e
históricos.
160
Para auxiliar nesta reflexão, recorreremos às formulações teóricas de Bernstein (1990)
sobre classificação e enquadramento. A visão específica de Bernstein foi a de enfatizar o
papel central das fronteiras do conhecimento, como uma condição para a aquisição de
conhecimento e como uma incorporação das relações de poder que estão necessariamente
envolvidas na pedagogia. Classificação e enquadramento seriam, desta forma, duas dimensões
destas fronteiras dos conhecimentos.
A distinção entre estes dois conceitos está no grau de isolamento entre domínios de
conhecimento (classificação do conhecimento) e no grau de isolamento entre o conhecimento
escolar ou o currículo e o conhecimento cotidiano que os alunos trazem para a escola
(enquadramento do conhecimento).
Classificação refere-se ao grau de isolamento entre categorias de discurso, agentes,
práticas, contextos e fornece regras de conhecimento, tanto para transmissores quanto para
adquirentes, para o grau de especialização de seus textos (BERNSTEIN, 1990, p. 300).
Forquin (1993) esclarece ainda que Bernstein utiliza o termo em inglês ―classification‖ para
designar o fenômeno de compartimentação mais ou menos rigorosa entre os diversos tipos de
saberes que o currículo veicula (estejam eles organizados ou não sob forma de ―matérias
escolares‖).
A classificação do conhecimento pode ser forte – quando os domínios são altamente
isolados um do outro (como no caso de física e história) – ou fraca – quando há baixos níveis
de isolamento entre domínios (como nos currículos de humanidades ou ciências).
O enquadramento refere-se, por sua vez, aos controles sobre a seleção,
sequenciamento, compassamento e regras criteriais para a relação comunicativa pedagógica
entre transmissor/adquirente (s) e fornece as regras de realização para a produção de seu texto
(BERNSTEIN, 1990, p. 300). Seria, de acordo com Forquin (1993), uma demarcação mais ou
menos rígida entre aquilo que, no contexto da relação pedagógica e em matéria de escolha e
organização dos conhecimentos a transmitir, obedece ao controle dos professores ou dos
alunos e aquilo que escapa a esse controle. Young (2007, p. 1207) esclarece ao afirmar que o
enquadramento pode ser forte – quando o conhecimento escolar e o não-escolar são isolados
um do outro, ou fraco, quando as fronteiras entre o conhecimento escolar e o não-escolar são
diluídas (como no caso de muitos programas de educação adulta e alguns currículos
planejados para alunos menos capazes).
Desta forma, uma forte classificação entre o conhecimento específico musical e o
conhecimento pedagógico refletirá em pouca atenção dispensada ao conhecimento didático do
161
conteúdo musical. Ao passo que uma classificação fraca entre estes conhecimentos
possibilitará a presença de disciplinas que tratem do conhecimento didático-musical.
4.2 A MÚSICA ERUDITA COMO CONHECIMENTO OFICIAL
A partir das análises dos quatro projetos pedagógicos, foi possível observar a
centralidade ocupada pela música erudita, com grande ênfase na música européia.
Os quadros que se seguem apresentam algumas ementas extraídas dos documentos
analisados que comprovam esta afirmação. Nos Quadros 1 e 2, por exemplo, observamos
como as disciplinas de Análise Musical e Contraponto, no curso da UFMG, são estruturadas a
partir da história da música erudita ocidental:
162
Quadro 1 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise Musical da UFMG
UFMG – Ementas da Disciplina Análise Musical
Análise Musical I Estudo das ferramentas básicas de análise musical.
Estudo das formas barrocas: Suíte e Fuga. Análise
articulatória e motívica. Relações da harmonia
com a macroforma. Estudo comparativo da
transformação das formas Suíte e Fuga em
repertório do século XX.
Análise Musical II Estudo da Sonata clássica: esquemas formais,
harmonia, elaboração temática. O Lied: relação
texto e música. As formas no Romantismo:
Prelúdios de Chopin e exemplos de Wagner e
Brahms.
Análise Musical III Estudo das principais tendências musicais do
século XX. Debussy: a libertação da harmonia
funcional e as formas resultantes da manipulação
dos materiais. Strawinsky: o ritmo como elemento
de construção, a forma-montagem. Varèse: novos
paradigmas de sonoridade e organização formal.
Escola de Viena: a tonalidade e o dodecafonismo.
Exemplos de autores da segunda metade do século
XX.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).
Quadro 2 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Contraponto da UFMG
UFMG – Ementas da Disciplina Contraponto
Contraponto I Origens do contraponto. O uso dos modos na
polifonia do século XVI. Ritmo, melodia,
cadências, imitação. O contraponto renascentista a
2 e 3 vozes: estudo das espécies e contraponto
livre. Análise do repertório do século XVI (G.P.
Palestrina, O. de Lassus, C. Gesualdo.
Contraponto II Estudo das espécies a 4 vozes. Contraponto
renascentista a 4 e 5 vozes. Análise do repertório
do século XVI: missas de G.P. Palestrina.
Introdução ao contraponto bachiano: análise das
Invenções a 2 e 3 vozes de J. S. Bach.
Contraponto III Contraponto bachiano. Estudo sistemático de
elementos estruturais da Fuaga: sujeito, resposta,
contra-sujeito, partes livres, divertimentos, stretti
etc. Análise de Fugas do Cravo-Bem-Temperado,
enfocando as estruturações formal, polifônica,
harmônica e rítmica. Visão geral da obra de Bach.
Contraponto IV Conclusão do estudo da Fuga bachiana: análise da
Oferenda Musical e da Arte da Fuga. A Fuga pós-
bachiana: análise de obras de Mozart, Beethoven,
Brahms, Bartok, Villa-Lobos, Berg, etc.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).
O mesmo pode ser observado nas ementas da disciplina Análise Musical do curso da
UFMS, como mostra o Quadro 3 abaixo:
163
Quadro 3 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Análise Musical da UFMS
UFMS – Ementas da Disciplina Análise Musical
Análise Musical I Análise sistemática de obras do repertório musical
tradicional, procurando compreender os princípios
de organização dos materiais musicais
correlacionados aos aspectos formais, com ênfase
no repertório do século XVIII trabalhado à luz da
teoria schenkeriana.
Análise Musical II Análise sistemática de obras do repertório musical
tradicional, procurando compreender os princípios
de organização dos materiais musicais
correlacionados aos aspectos formais, com ênfase
no repertório do século XVIII trabalhado à luz da
teoria schenkeriana.
Análise Musical III Análise sistemática de obras do repertório musical
tradicional, procurando compreender os princípios
de organização dos materiais musicais
correlacionados aos aspectos formais, com ênfase
nos repertórios do século XIX e início do XX.
Análise Musical IV Análise sistemática de obras do repertório musical
tradicional, procurando compreender os princípios
de organização dos materiais musicais
correlacionados aos aspectos formais, com ênfase
nos repertórios do século XIX e início do XX.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).
Na disciplina Contraponto, a centralidade da música erudita fica clara na bibliografia
sugerida:
Quadro 4 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto I da UFMS
UFMS – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Contraponto I
Ementa Introdução ao pensamento contrapontístico e
resumo histórico de seu desenvolvimento.
Diretrizes básicas: conceitos de consonância e
dissonância; tratamento das dissonâncias;
movimento melódico e movimento harmônico a
duas vozes.
Bibliografia Básica CARVALHO, Any Raquel. Contraponto Modal
Manual Prático.Porto Alegre: Sagra Luzzatto,
2000.
KOELLREUTTER, Hans Joachin. Contraponto
Modal do século XVI – Palestrina.Brasília:
Musimed, 1996.
SCHOENBERG, Arnold. Preliminary Exercises in
Counterpoint. London: Faber & Faber, 1982.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).
E na disciplina Flauta Transversal, pelo repertório selecionado:
164
Quadro 5 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento Musical Flauta Transversal da
UFMS
UFMS – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Instrumento Musical Flauta Transversal
Ementa Estudo de repertório da literatura instrumental de
distintos períodos da história da música,
enfatizando a música brasileira e contemporânea.
Desenvolvimento das habilidades técnicas
necessárias à execução de obras da literatura
referida.
Bibliografia Básica ANDERSEN, K. J. 24 Studies, Op.33. New York:
International Music Co.
BACH, C. P. E. Sonata in a minor for solo flute.
Kassel: Bärenreiter, 1986. [Partitura].
BACH, J. S. Zwei Sonaten für Flöte und Basso
continuo, Zwei Sonaten für Flöte und obligates
Cembalo. Kassel: Bärenreiter, 1966. [Partitura].
DAVIES, J. Scales & Arpeggios for the flute.
London: Boosey & Hawkes, 1962.
GARIBOLDI, G. Vingt Petites Études. Paris:
Alphonse Leduc Éditions Musicales, 1952.
HAENDEL, G. F. Elf Sonaten für Flöte. Kassel:
Bärenreiter, 1995. [Partitura].
MOYSE, M. De la Sonorité. Art et technique.
Paris: Alphonse Leduc Éditions Musicales, 1934.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).
Na UFSJ, é possível observar o foco na música erudita na disciplina Instrumento ou
Canto, por exemplo:
Quadro 6 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Instrumento ou Canto da UFSJ
UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Instrumento ou Canto
Ementa Desenvolvimento de competências para a
interpretação de repertório solístico e camerístico
da música erudita ocidental e brasileira composto
para o instrumento.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).
E também, de maneira similar à UFMS, na bibliografia sugerida para a disciplina
Contraponto:
165
Quadro 7 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Contraponto da UFSJ
UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Contraponto
Ementa Desenvolvimento da compreensão e percepção do
contraponto modal e tonal, a duas e três vozes e do
estilo imitativo como recurso para análise musical.
Bibliografia Básica KOELLREUTTER, H.J.(Hans Joachim).
Contraponto modal do seculo XVI (Palestrina).
São Paulo: Novas Metas, c1989. 108p.
SCHOENBERG, Arnold. Exercícios preliminares
em contraponto. São Paulo : Via Lettera, 2001.
TRAGTENBERG, Lívio. Contraponto: uma arte
de compor. São Paulo: EDUSP, 1994. 266p.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).
E Análise Musical:
Quadro 8 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina Análise Musical da UFSJ
UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Análise Musical
Ementa Desenvolvimento da compreensão estrutural do
discurso musical, sob aspectos micro e
macroformais, tendo como referência um
repertório representativo da música ocidental e
brasileira, visando aplicação na interpretação
musical.
Bibliografia Básica GRELA, Dante. Análise musical: uma proposta
metodológica. Tradução Gilberto Carvalho. Belo
Horizonte: manuscrito do tradutor, [s.d.] (Original
em espanhol).
GUERRA–PEIXE C. Melos e harmonias acústica:
princípios da composição musical. São Paulo –
Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1988.
KOELLREUTTER, H. J. Harmonia funcional:
introdução à teoria das funções harmônicas. São
Paulo: Ricordi Brasileira, 1987.
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da
composição musical. 3. ed. Tradução Eduardo
Sencman. São Paulo: EDUSP, 1996 (Original
inglês).
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).
Na UFRJ, por sua vez, a música erudita como conhecimento oficial é explicitada, por
exemplo, nas ementas da disciplina Harmonia e Morfologia:
166
Quadro 9 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina Harmonia e Morfologia da
UFRJ
UFRJ – Ementas da Disciplina Harmonia e Morfologia
Harmonia e Morfologia I Harmonia a 4 partes. As cadências e as marchas
harmônicas. Os acordes dissonantes naturais e suas
resoluções. A cifragem do Baixo Dado. Análise de
trechos harmonizados.
Harmonia e Morfologia II A modulação aos tons vizinhos. Os acordes de 7ª
dissonante artificial e suas resoluções. Notas
melódicas. As marchas modulantes. O discurso
musical e seu paralelismo com o literário. As
pequenas formas binárias e ternárias.
Harmonia e Morfologia III Canto Dado uníssono e modulante. Notas
melódicas. Os retardos nos acordes de 3, 4 e 5
sons. Os vários tipos de imitação. As alterações
não artificiais nos acordes de 3 e 4 sons. Invenções
a duas e três vozes de J. S. Bach. A Suíte de forma
clássica e suas características formais.
Harmonia e Morfologia IV Alterações artificiais nos acordes de 3, 4 e 5 sons.
A modulação a tons afastados e seus diversos
tipos. O pedal e seus tipos. Análise dos Prelúdios e
Fugas de J. S. Bach.
Harmonia e Morfologia V O ―Canto e o Baixo Alternados‖. A variação.
Organização formal dos movimentos da Sonata
Clássica. Harmonia Instrumental. Introdução à
sonata de Haydn e Mozart.
Harmonia e Morfologia VI A Harmonia Instrumental. A Orquestra. Os valores
estéticos da expressão instrumental. Organização
formal dos movimentos da Sonata Clássica. Sonata
de Beethoven. A Sonata cíclica.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFRJ (2008).
Uma característica que merece ser destacada é a proposta do projeto pedagógico da
UFMG de romper com a tradição conservatorial. Esta proposta pode ser observada, por
exemplo, nas ementas da disciplina ―História e Música‖ (e não ―História da Música‖), que
não são apresentadas de maneira cronológica, seguindo os estilos da história da música
erudita ocidental, mas em temas que permitem o agrupamento de diferentes tipos de música:
167
Quadro 10 – Ementas da disciplina História e Música do curso da UFMG
UFMG – Ementas da Disciplina História e Música
História e Música A A música e os rituais humanos
A música como participante de diferentes
contextos rituais, sejam eles fundamentados em
tradição escrita ou oral. Análise comparativa e
histórica dos repertórios associados aos contextos
fundadores do discurso musical: tragédias gregas,
líricas, paixões e mistérios, canto gregoriano,
candomblé, ópera setecentista, wagneriana, etc.
Bases metodológicas para uma abordagem
antropológica da música.
História e Música B A música e seus suportes
Teoria acústica e contextos históricos. Formações
instrumentais de música de tradição oral. A técnica
e a linguagem musical no século XX. Análises
sincrônicas e anacrônicas comparativas de obras
musicais tendo como foco de discussão a
especificidade dos instrumentos.
História e Música C A música como linguagem
Signos e funções sociais de elementos
constitutivos da linguagem musical em diferentes
períodos da história: escalas, temperamentos,
modos, tonalidade, serialismo, elementos da
retórica, esquemas formais. Funções exercidas pela
escrita musical na elaboração da linguagem.
Estruturas em músicas de tradição oral.
Abordagem Histórica e crítica da análise musical
enquanto disciplina e suas correntes
metodológicas.
História e Música D Música e palavra
Estudo analítico e histórico das diversas relações
estabelecidas entre o texto (poético ou narrativo)
com a linguagem musical. Análise de situações
musicais diferenciadas, e estudo especial dos
gêneros: canto gregoriano, motetos do século XIV,
madrigais, recitativos, bel-canto, coral protestante,
missas (Machaut, Josquin Desprez, Palestrina,
Monteverdi, Mozart, teatro musical do séc. XX e
obras livres). Estudo comparativo das estruturas
musicais oriundas de gêneros poéticos estróficos e
os gêneros em prosa. Exploração acústica dos
fonemas: a música eletrônica e a poesia correta.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).
É importante ressaltar, entretanto, que apenas uma investigação de caráter mais
empírico permitirá afirmar, com certeza, de que maneira o professor trabalha a partir destas
ementas. Com isso, queremos dizer que é possível que o professor ainda trabalhe
prioritariamente com a música erudita – apesar da liberdade relativa oferecida pelas ementas –
devido a um habitus conservatorial incorporado.
168
Observe-se como a mesma disciplina é trabalhada da maneira tradicional nos outros
cursos:
Quadro 11 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da Música da UFMS
UFMS – Ementas da Disciplina História da Música
História da Música I Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais da música
antiga, da antiguidade clássica ao fim da Idade
Média.
História da Música II Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais da música do
renascimento.
História da Música III Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais da música
barroca e clássica.
História da Música IV Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais do
romantismo em música.
História da Música V Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais da produção
musical da primeira metade do século XX.
História da Música VI Conhecimento do desenvolvimento histórico, em
aspectos poéticos, estéticos e sociais da produção
musical da segunda metade do século XX até a
atualidade.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).
Quadro 12 – Música erudita como conhecimento oficial na disciplina História da Música Ocidental da UFSJ
UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina História da Música Ocidental
Ementa Estudo da criação musical nos diversos períodos
da música ocidental sob uma abordagem histórica
e estética.
Bibliografia Básica BENNET, Roy. Uma breve história da música.
Rio de Janeiro: Jg. Zahar, 1986.
CARPEUX, Otto M. Uma breve história da
música. São Paulo: Ouro, 1997.
KIEFER, Bruno. História e significado das formas
musicais. Porto Alegre: Movimento, 1981.
MAGNANI, Sérgio. Expressão e comunicação na
linguagem musical. Belo Horizonte: UFMG.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).
169
Quadro 13 – Música erudita como conhecimento oficial nas ementas da disciplina História da Música da UFRJ
UFRJ – Ementas da Disciplina História da Música
História da Música I Origem da Música. Música nos povos primitivos e
nas antigas civilizações orientais. Música grega,
romana, bizantina, primitiva igreja cristã.
Primórdios da polifonia. Trovadores. Notação
Musical. Instrumentos musicais na Idade Média.
História da Música II Desenvolvimento da polifonia. Fundação da ópera.
Monteverdi. Ópera italiana nos séculos XVII e
XVIII. Ópera alemã, francesa, inglesa. Música
instrumental nos séculos XVI e XVII. Teorias de
Zarlino e Rameau, J. S. Bach e Haendel.
História da Música III Música instrumental; início do século XVIII.
Origens da sonata e da sinfonia. Classicismo:
Haydn, Mozart, Beethoven. Romantismo: Weber,
Schubert, Schumann, Mendelssohn. Poema
Sinfônico. Ópera italiana, francesa, alemã do
século XIX. Wagner. Neo-classicismo. Pós-
romantismo.
História da Música IV Escolas nacionais: russa, escandinava, tcheca,
espanhola. Apogeu da escola fracesa: Fauré,
Debussy e música e música contemporânea. Escola
francesa após Debussy. Música germânica, russa,
italiana, inglesa, no século XX. Música nas
Américas. Música no Brasil. Atualidade musical.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFRJ (2008).
Na UFSJ, a abordagem tradicional da história da música fica clara também a partir da
bibliografia básica sugerida.
No primeiro capítulo, notamos que o ensino da música se caracterizava, nos primeiros
séculos de colonização, pela divisão em música especulativa e música prática, pensar a
música e fazer a música. A prática musical era mais comum, uma vez que a especulação
teórica ficava a cargo de poucos. O ensino da prática musical era feito à forma de ofícios,
onde um mestre ensinava a teoria musical (notação) de modo a permitir a prática.
As duas práticas de ensino musical foram reunidas e institucionalizadas pelo
conservatório que separou o ensino teórico (notação) da prática musical em disciplinas
diferentes – sem, entretanto, tirar da teoria o caráter propedêutico para a prática e, de ambas, a
centralidade do processo.
Este tornou-se, pela permanência histórica observada nos currículos do ensino de
música, o conhecimento oficial: a prática musical da música escrita, enriquecida por
informações sobre música (história, estética, e técnicas composicionais).
O quadro que se segue apresenta as diferentes disciplinas que envolvem o ensino da
prática musical nos cursos estudados:
170
Quadro 14 – Disciplinas de Formação Musical Prática
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Teclado (I e II)* Instrumento Harmônico (I
a IV)*
Instrumento Musicalizador
Teclado ou Violão I e II*
Instrumento Musicalizador
Teclado ou Violão I e II* Violão Complementar (I e
II)*
Técnica Vocal (I e II)* Técnica e Expressão
Vocal (I e II)*
Técnica Vocal (I e II)*** Técnica Vocal e Dicção I*
e II**
Técnica Vocal e Dicção I*
e II**
Fundamentos de Regência
(I e II)*
Regência Coral (I a IV)* Introdução à Regência I e
II*
Fundamentos da Regência
Coral e Instrumental*
Fundamentos da Regência
Coral e Instrumental*
Oficina de Regência** Regência de Corais
Escolares I e II ****
Regência e Pedagogia do
Canto Coral Infantil**
Regência e Pedagogia do
Canto Coral Infantil**
Laboratório de Criação (I
e II)*
Instrumentação e
Arranjos Musicais I*
Criação Musical* Criação Musical*
Instrumento ou Canto
(Clarineta, Fagote, Flauta,
Harpa, Piano, Oboé,
Regência, Saxofone,
Trompa, Trompete,
Trombone, Viola, Violão,
Violino, Violoncelo)**
Prática Instrumental
(Piano, Canto, Violão,
Cordas friccionadas,
Metais, Flauta
Transversal, Flauta Doce)
I a VIII**
Piano B, Órgão B, Cravo
B, Violão B, Bandolim B,
Violino B, Viola B,
Violoncelo B,
Contrabaixo B, Harpa B,
Canto B, Flauta B, Oboé
B, Clarineta B, Fagote B,
Saxofone B, Trompa B,
Trompete B, Trombone
B, Tuba B (I e II)****
Instrumento ou Canto I a
VIII*
Percussão I e II** Percussão I e II*
Recital** Recital*
Instrumento
Complementar
Licenciatura**
Instrumento Melódico (I a
IV)*
Instrumento Musicalizador
Flauta Doce I e II*; III e
IV**
Instrumento Musicalizador
Flauta Doce I e II*
Música de Câmara** Música de Câmara** Prática Musical em
Conjunto*
Oficina de Performance** Oficina Instrumental
(Teclado, Piano,
Percussão, Violão, Canto
e Flauta Doce) I a VI***
Oficina de Performance I a
IV*
171
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Formação de Conjuntos
Escolares ****
Piano Complementar**
Leitura de Partitura ao
Piano I e II**
Arranjo (I a IV)** Arranjo I* e II** Instrumentação e
Arranjos Musicais I* e
II****
Arranjos e Transcrições* Arranjos e Transcrições*
Improvisação (I a IV)**
Prática de Conjunto em
Música Popular**
Canto Coral** Canto Coral (I a IV)* Canto Coral (I a IV)*** e
(V a VI)****
Canto Coral A e B*; C a
F**
Canto Coral A, B, C e D*;
E e F**
Prática de Repertório
Coral**
Prática de Música Antiga A
e B**
Prática de Música Antiga A
e B**
Prática de Música
Contemporânea A e B**
Prática de Música
Contemporânea A e B**
Prática de Música Popular
A e B**
Prática de Música Popular
A e B**
Prática de Grandes Grupos
Instrumentais**
Prática de Grandes Grupos
Instrumentais**
Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).
Legenda
* Disciplina Obrigatória
** Disciplina Optativa
*** Disciplina Optativa de Escolha Restrita
**** Disciplina Optativa de Escolha Condicionada
172
A semelhança entre as disciplinas é flagrante, apesar de existirem algumas pequenas
diferenças. O número de professores no quadro permanente dos cursos influencia muito na
oferta de disciplinas, limitando a matriz curricular de alguns cursos – como é o caso da
UFMS. Mas todos os cursos propiciam uma formação prática instrumental (às vezes mais
aprofundada em um único instrumento, às vezes mais geral, tomando este instrumento como
ferramenta para a musicalização), priorizando o teclado, o violão e a flauta doce. Além da
regência, importante no âmbito escolar para a formação de corais e bandas estudantis.
As disciplinas musicais de caráter mais teórico também têm destaque na construção
curricular dos cursos de Licenciatura em Música. Ainda que variem alguns nomes de
disciplinas e o número de semestres que compõem o curso, a semelhança nos faz pensar até
que as diretrizes fazem prescrições neste sentido. A seguir, um quadro comparativo das
disciplinas teórico-musicais presentes nos documentos analisados:
173
Quadro15 – Disciplinas de Formação Musical Teórica
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Análise Musical I a III** Linguagem e Estruturação
Musical
I a IV*
Análise Musical I e II*, III** Análise Musical I e II*, III**
Evolução da Linguagem
Musical I**
Evolução da Linguagem
Musical**
Evolução da Linguagem
Musical**
Tópicos em Estruturação da
Linguagem Musical**
Acústica Musical** Acústica e Biologia
aplicadas à Música***
Apreciação Musical**
Contraponto I a IV** Contraponto I* e II** Contraponto** Contraponto**
Fundamentos de Harmonia I
e II*
Harmonia I a IV* Harmonia Vocal-
Instrumental I a IV***
Harmonia I e II*, III** Harmonia I e II*, III**
Harmonia I a IV** Harmonia Funcional I a
IV***
Harmonia ao Teclado I e II** Análise Harmônica I e II***
História e Música A a D* História da Música I a VI* História da Música I a IV*** História da Música Ocidental I
a IV*
História da Música Ocidental I
a IV*
História da Música Popular
Brasileira**
História da Música Popular
Brasileira*
História da Música Popular
Brasileira*
História da Música no Brasil
I e II*
Música Brasileira I e II* História da Música Brasileira* História da Música Brasileira*
Introdução à Física e
Psicofísica da Música**
Introdução à Música
Eletroacústica**
Música e Tecnologia I e II*
Percepção Musical
I a IV*
Introdução à Música I e II* Percepção Musical
I a IV*
Percepção Musical
I a VI*
Percepção Musical
I a VI*
Teoria e Percepção Musical I
a VI
Produção Musical
Rítmica
Transcrição I e II**
Treinamento Auditivo**
Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).
Legenda
* Disciplina Obrigatória
** Disciplina Optativa *** Disciplina Optativa de Escolha Restrita
174
Os nomes de algumas disciplinas suscitam algumas reflexões, e revelam concepções
arraigadas: a História da Música Ocidental é tratada à parte da História da Música Brasileira,
como se esta última não fizesse parte da primeira. E ainda, a Música Brasileira não inclui a
Música Popular Brasileira, que é tratada também em disciplina à parte.
Sobre a centralidade da música erudita européia, Feichas (2008, p. 1) mostra que:
A educação musical no Brasil se desenvolveu baseada em princípios
eurocêntricos, ou seja, numa pedagogia que legitima a música de concerto
européia como sendo superior e marginaliza outros tipos de música. Essa
herança pedagógica privilegia não só o repertório europeu como também as
metodologias de ensino da música com foco no ensino da notação tradicional.
Dessa forma considera-se educado musicalmente aquele indivíduo que sabe ler e
escrever música dentro das regras dessa notação. Outros saberes e competências
musicais como, por exemplo, aqueles vindos de práticas informais de
aprendizagem sempre ficaram à margem dos processos considerados válidos
pelos conservatórios e escolas de música.
O senso comum incorporou este fato: ninguém afirma querer aprender música, mas
sempre aprender a tocar algum instrumento ou a cantar. A primazia da música escrita também foi
incorporada: muitas vezes saber música, no senso comum, significa saber ―ler música‖, ou ler
partitura. Arroyo (2000, p. 252), ao entrevistar um professor de violão do Conservatório de
Uberlândia (MG), obtém dele a informação de que, ao entrar no conservatório para substituir uma
professora que estava grávida, o professor ―não tinha experiência com música, só com música
popular‖. Arroyo analisa esta declaração do professor:
Na relação entre escrita musical e competência musical, uma interpretação
possível da colocação de Júlio vincula-se à questão do domínio, ou não, da
escrita musical da cultura erudita européia e uma representação de música como
sendo esta escrita. O emprego da palavra música no caso, pode ser interpretado
como remetendo a duas representações: na primeira ocorrência – eu não tinha
experiência com música – ele parecia querer dizer que não dominava a notação
musical; neste caso, a palavra música significando notação musical; na segunda
ocorrência – só com música popular – passava a mensagem de que, pelo fato de
não dominar a leitura e a escrita musical, não sabia música. Também é possível
inferir ter-se referido ele a duas maneiras diferenciadas de conhecer música: um
conhecimento relativo à cultura da música erudita e outro, relativo à cultura da
música popular. [grifos no original] (ARROYO, 2000, p. 252 – 253)
175
Os quadros que se seguem ilustram a centralidade da música escrita nas disciplinas
teóricas dos currículos de Licenciatura em Música em análise:
Quadro 16 – Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Percepção Musical da UFMG
UFMG – Ementas da Disciplina Percepção
Percepção Musical I Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura
e da notação musicais, através do treinamento, da
análise e da criação. Escalas e modos diatônicos;
Linhas melódicas tonais; Tríades; Tempo pulsado
regular, tempo não pulsado; Funções harmônicas
principais.
Percepção Musical II Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura
e da notação musicais, através do treinamento, da
análise e da criação. Escalas e modos diatônicos;
Linhas melódicas atonais; Acordes de três sons;
Tempo pulsado regular, tempo não pulsado;
Funções harmônicas secundárias.
Percepção Musical III Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura
e da notação musicais, através do treinamento, da
análise e da criação. Polifonia tonal; Acordes de
quatro sons; Tempo pulsado irregular; Dominantes
individuais; Modulação.
Percepção Musical IV Desenvolvimento da percepção auditiva, da leitura
e da notação musicais, através do treinamento, da
análise e da criação. Outras formas escalares;
Polifonia atonal; Acordes de quatro tons; Tempo
pulsado irregular; Modulação.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMG (2001).
Quadro 17 – Centralidade da música notada na disciplina Percepção Musical da UFSJ
UFSJ – Ementas e Bibliografia Básica da disciplina Percepção Musical
Ementa Desenvolvimento da percepção dos elementos da
organização musical, por meio de atividades
práticas; utilização de elementos rítmicos,
melódicos e harmônicos da música.
Bibliografia Básica GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. 2. ed. Rio de
Janeiro: Perspectiva.
HINDEMITH, P. Adiestramiento elemental para
músicas. Buenos Aires: Ricordi América, 1946.
MED, Bohumil. Ritmo. 4. ed. ampl. Brasília:
MusiMed, 1986. 106p.
MED, Bohumil. Solfejo. 2. ed. Brasília: MusiMed,
1980. 150p. v. 31 n. 10, 1996.
MED, Bohumil. Teoria da Música. 4. ed. rev. e
ampl. [Brasilia, D. F.]: MusiMed, 1996. 416p.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFSJ (2008).
176
Na UFSJ, a centralidade da notação musical fica bastante clara pela sugestão
bibliográfica.
Já na UFRJ a disciplina Percepção Musical IV faz uma alusão direta à música escrita:
Percepção auditiva de acordes alterados e de qualquer alteração harmônica.
Percepção auditiva das resoluções excepcionais dos acordes dissonantes.
Percepção auditiva, representação gráfica e execução vocal de corais a 4
vozes. Pesquisa. (UFRJ, 2008, s.p., grifo meu)
Na UFMS, por sua vez, as disciplinas de Introdução à Música são propedêuticas às
disciplinas teóricas que se seguem, uma vez que as disciplinas teórico-musicais têm na notação
musical a sua base:
Quadro 18 – Centralidade da notação musical nas ementas da disciplina Introdução à Música da UFMS
UFMG – Ementas da Disciplina Percepção
Introdução à Música I Diferentes sistemas musicais. Grafia nos diferentes
sistemas musicais. Regras básicas de leitura
musical nos sistemas modais, tonal e pós-tonais.
Conceitos fundamentais ao desenvolvimento da
Música Ocidental.
Introdução à Música II Diferentes sistemas musicais. Regras básicas de
leitura e notação musical nos sistemas modais,
tonal e pós-tonais. Conceitos fundamentais ao
desenvolvimento da Música Ocidental.
Fonte: Quadro elaborado a partir de informações contidas em UFMS (2011).
É importante frisar que a música erudita ocupa um lugar privilegiado nos documentos
curriculares, mas não exclusivo. No curso de Licenciatura em Música da UFMG verifica-se a
presença de várias disciplinas relacionadas à música popular. Isto se deve, em grande medida,
pela existência de um bacharelado em Música Popular nesta escola. Assim, as disciplinas –
obrigatórias para o bacharelado – são optativas para os demais cursos – sendo a matrícula
condicionada à existência de vaga e à oferta como optativa pelo professor da disciplina.
O Brasil sempre teve sua atenção voltada para a música européia, desde a época da
colônia. A música européia, erudita, era sinal de civilização, tão buscada pelos brasileiros em sua
afirmação enquanto nação. Há, em determinados períodos da história, uma luta para a
177
nacionalização da música erudita no Brasil, que vai buscar temas populares (folclóricos) para
conferir um tratamento erudito. Freire (1992) aponta em seu estudo a luta pela incorporação, no
repertório do curso de piano, de músicas eruditas brasileiras. Ainda que essas atualizações
tenham sido feitas, estas sempre mantiveram o caráter erudito e escrito da música oficial.
Apesar disso, é possível notar a presença da música popular nos currículos, geralmente
como possibilidade de repertório e em disciplinas de caráter optativo. No Quadro 19, a seguir,
podemos observar exemplos de disciplinas que contemplam o repertório popular na UFMG:
Quadro 19 – Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMG
UFMG – Referências à Música Popular nas disciplinas
Canto Coral Prática coral alicerçada no conhecimento geral necessário para a vivência
de repertório brasileiro contemporâneo, folclórico e popular.
História da Música Popular
Brasileira
Discussão e análise dos processos de transformação da Música Popular
Brasileira, através tanto do estudo de aspectos históricos, sociológicos e
estéticos quanto de atividades práticas.
Improvisação I Estudo da harmonia e improvisação na música popular - Compreensão do
sistema tonal, escalas maiores e menores, cadências básicas, inclinação
(dominantes secundárias), notas melódicas, exercícios escalares, utilização
de tema na improvisação.
Violão Complementar I Estudo do repertório e da técnica violinística com ênfase em música
popular. Aspectos rítmicos e harmônicos do acompanhamento e leitura de
cifras.
Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFMG (2001).
A disciplina Violão Complementar I reforça a proposta de rompimento com a tradição
conservatorial ao dar ênfase à música popular, o que revela uma consciência dos possíveis usos
do violão nas escolas regulares.
Em apenas duas disciplinas da matriz curricular da UFMS encontramos referências à
música popular:
178
Quadro 20 – Música Popular nas disciplinas do Curso de Licenciatura em Música da UFMS
UFMS – Referências à Música Popular nas disciplinas
Cultura Popular Estudo da cultura popular com enfoque antropológico e sociológico;
conceitos e implicações. O folclore e suas diversas manifestações no
âmbito latino-americano, com ênfase ao folclore brasileiro. Folclore
aplicado: nos campos artístico e educacional.
Música Brasileira II Estudo da evolução da música erudita brasileira, desde Villa Lobos e seus
contemporâneos, até nossos dias, a partir de seus aspectos estéticos,
técnicos e filosóficos, considerando o desenvolvimento da música européia
no mesmo período. Música popular brasileira: rural, urbana, midiatizada e
da música em Mato Grosso do Sul.
Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFMS (2011).
Na disciplina ―Cultura Popular‖ observamos uma ênfase no folclore e na disciplina
―Música Brasileira II‖ é possível notar uma atenção à produção musical local, mas a ênfase na
música erudita brasileira é bastante clara.
Na UFSJ, por sua vez, as informações sobre a disciplina Canto Popular explicitam uma
concepção autorizada de música popular – revelam uma seleção legitimadora daquilo que é
entendido como música popular:
Quadro 21 – Música Popular na disciplina Canto Popular do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ
UFSJ – Música Popular na disciplina Canto Popular da UFSJ
Ementa Desenvolvimento de competências para interpretação da música popular brasileira,
composta principalmente no século XX, e breve experimentação do repertório da música
popular norte-americana.
Repertório Songbooks: Almir Chediak, Editora Lumiar
Noel Rosa, Dorival Caymmi, Ary Barroso, Noel Rosa, Braguinha.
Bossa Nova, v.1, 2, 3, 4 e 5.
Tom Jobim, v. 1 e 2
Vinícius de Moraes, v. 1, 2 e 3.
Marcos Valle, João Donato, Francis Hime, Carlos Lyra.
Caetano Veloso v. 1 e 2.
Gilberto Gil v. 1 e 2.
Chico Buarque v. 1, 2, 3 e 4.
Carlos Lyra v.1 e 2.
Edu Lobo v. 1.
Ivan Lins, Djavan. João Bosco, Rita Lee.
179
SEVE, Mário. Vocabulário do choro. Lumiar.
BRAGA, Luiz Otávio. O violão de 7 cordas – teoria e prática. Lumiar.
CAZES, Henrique. Escola Moderna de cavaquinho. Lumiar
Songbooks: Editora Irmãos Vitale
O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. I
O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. II
O MELHOR DO CHORO BRASILEIRO - Vol. III
O melhor de Adoniran Barbosa
O melhor de Alceu Valença
O melhor de Mutantes
O melhor de Nana Caymmi
O melhor de Gonzaguinha
O melhor de Beto Guedes
CARRASQUEIRA, Maria Jose. O Melhor de Pixinguinha - Melodias e Cifras. Irmãos
Vitale
Outras editoras: CABRAL, Sérgio. A música de Guinga. Gryphus.
CABRAL, Sérgio. A música de Guinga. Ed. Gryphus.
GUINGA . Noturno Copacabana Partituras. Gryphus
GUINGA. Noturno Copacabana Partituras. Gryphus
PASCOAL, Hermeto. Calendário do Som. Senac São Paulo PASCOAL, Hermeto.
Calendario do Som. Senac - São Paulo
Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFSJ (2008).
E no Quadro 22 notamos também o caráter seletivo com relação à música popular
(―especialmente o chorinho‖) e, além disso, as dificuldades representadas pela ausência de
material impresso (dificuldades de acesso a um repertório que não tem, como a música erudita,
forte ligação com a música notada):
Quadro 22 – Música Popular na disciplina Prática de Música Popular do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ
UFSJ – Música Popular na disciplina Prática de Música Popular da UFSJ
Ementa Conhecimento e prática do repertório de música popular brasileira adequada à execução
instrumental e vocal, executada por meio de arranjos e transcrições para grupos de
instrumentos e vozes.
Repertório Para cada semestre, o repertório será estabelecido com base no número e na variedade
de alunos e instrumentos musicais disponíveis, naquele semestre, para formação dos
grupos instrumentais. Obras para piano, violão e canto Repertório: bastante numeroso e
variado em todos os estilos da música popular brasileira, com muitas possibilidades de
arranjos e combinações com outros instrumentos; material impresso bastante disponível.
Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,
englobando diferentes formações instrumentais.
Obras para: flauta, clarineta e saxofone: Repertório: bastante numeroso e versátil,
podendo cobrir todos os estilos da música popular, especialmente o chorinho; material
180
impresso para piano, violão e canto é facilmente utilizado.
Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,
englobando diferentes formações instrumentais.
Obras para cordas: violino, viola, violoncelo e contrabaixo: Repertório: bastante
indicado para estilos mais melódicos; material impresso pouco disponível, necessitando
de arranjos ou adaptações.
Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,
englobando diferentes formações instrumentais;
Obras para trombones, trompa, trompete: Repertório: indicado para estilos mais
movimentados; material impresso pouco disponível, necessitando de arranjos ou
adaptações.
Obras completas ou movimentos de peças de autores modernos e brasileiros,
englobando diferentes formações instrumentais.
Fonte: Quadro elaborado a partir das informações contidas em UFSJ (2008).
Na UFRJ não há ementas que mencionem a música popular. Apenas a música folclórica é
abordada em disciplina própria (Folclore Nacional Musical I e II). Ainda que uma música popular
autorizada figure nos currículos, as disciplinas que compõem a formação musical do licenciando
são organizadas tendo como referência a música erudita ocidental européia notada53
.
Outro indício da centralidade da escrita musical como conhecimento oficial pode ser
observado na obrigatoriedade da disciplina Percepção Musical no curso de Música Popular da
UFMG (cf. a ementa da disciplina no Quadro 14).
Mesmo a música popular, caracterizada por prescindir da notação musical em suas
práticas cotidianas, ao adentrar o campo acadêmico submete-se ao conceito oficial de música.
Como entender, então, os princípios de seleção e de distribuição deste conhecimento oficial? Para
Apple (1995, p. 59, grifo no original):
O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum
modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de
uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo
acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e
concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um
povo.
______________ 53
Este assunto será trabalhado com mais profundidade na chave de análise ―seleção e distribuição do conhecimento‖.
181
Afirma ainda que esta tradição seletiva opera de modo que o capital cultural que
contribuiu para o surgimento e o domínio contínuo por parte de grupos e classes poderosas é
transformado em conhecimento legítimo, sendo usado para criar as categorias pelas quais se lida
com os alunos. Neste mesmo sentido, Silva indica que:
Nesse processo de ―tradição seletiva‖, as relações assimétricas entre classes e
grupos conflitantes atuam para valorizar um determinado tipo de conhecimento e
desvalorizar o de outros, para incluir as tradições culturais dos grupos e classes
dominantes entre os tipos de conhecimento digno e válidos de serem
transmitidos e para excluir as tradições culturais de classes e de grupos
subordinados. A definição daquilo que é considerado como sendo o
conhecimento, e particularmente, como sendo o conhecimento escolar, nunca é
um ato desinteressado e imparcial. É sempre o resultado de lutas e conflitos
entre definições alternativas em que uma delas conseguiu se impor. (SILVA,
1990, p. 61, grifo no original)
A política do conhecimento oficial exprime o conflito em torno daquilo que alguns vêem
simplesmente como descrições neutras do mundo e outros, como concepções de elite que
privilegiam determinados grupos e marginalizam outros. Em música, práticas culturais de elite
são privilegiadas e selecionadas como conhecimento válido, em detrimento de outras práticas
musicais.
A música erudita européia é uma prática cultural historicamente ligada à elite, uma vez
que sua produção esteve ligada ao prazer aristocrático e vinculada àquilo que a aristocracia
legitimava como prática musical adequada: o gosto da elite. O músico artista, segundo Elias
(1995), irá se desvencilhar deste gosto aristocrático e tomar as rédeas da liberdade de criação,
ditando ao público o seu gosto. Entretanto, a fruição desta prática cultural permaneceu ligada à
elite: o hábito de frequentar concertos e de dispensar uma quantia significativa de dinheiro à
aquisição de gravações de qualidade. Embora ligado, de certa forma, ao capital econômico, esta
elite é, antes de tudo, uma elite cultural, dotada de habitus culturais próprios e de posse de
elevado capital cultural.
Em essência, da mesma forma que há uma distribuição relativamente desigual de
capital econômico na sociedade, também há uma distribuição da mesma forma
desigual de capital cultural. Nas sociedades industriais avançadas, as escolas
desempenham um papel crítico em dar legitimação a categorias e formas de
conhecimento. O próprio fato de que certas tradições e o ―conteúdo‖ normativo
182
sejam construídos como conhecimento escolar é evidência irrefutável de sua
legitimidade. (APPLE, 2006, p. 83, grifos no original)
As escolas, portanto, legitimam o capital cultural de determinado grupo social,
selecionando-o em seus currículos. E sua distribuição, por conseguinte, se dará de forma
desigual. Giroux e Simon (1995) registram que
[...] o discurso dominante ainda define a cultura popular como o que sobra após
a subtração da alta cultura da totalidade das práticas culturais. Ela é vista como
banal e o insignificante da vida cotidiana, e geralmente é uma forma de gosto
popular considerada indigna de legitimação e acadêmica ou alto prestígio social.
(p. 97)
A alta cultura musical, representada pela música erudita européia, é selecionada para o
currículo dos cursos de música em detrimento da cultura popular. Para Bourdieu (1992), isto
corresponderia à noção de arbitrário cultural: o valor atribuído à cultura legítima é arbitrário, não
sendo fundamentado em nenhuma razão objetiva, universal.
Segundo Nogueira e Nogueira (2002), a conversão de um arbitrário cultural em cultura
legítima, para Bourdieu, só pode ser compreendida quando se considera a relação entre os vários
arbitrários em disputa em uma determinada sociedade e as relações de força entre os grupos ou
classes sociais presentes nessa mesma sociedade. Desta forma, a capacidade de legitimação de
um arbitrário cultural corresponderia, numa sociedade de classes, à força da classe social que o
sustenta. Entretanto esta legitimidade da cultura selecionada pela instituição escolar só pode ser
garantida na medida em que seu caráter arbitrário e socialmente imposto é dissimulado.
A elite cultural apresenta uma forma de relação com o que podemos chamar de consumo
de cultura que é determinado por habitus ligados às famílias e às formas de vida destas famílias.
Estes habitus serão determinantes no acesso que os alunos terão à cultura distribuída pela escola.
Entretanto, como afirmado por Nogueira e Nogueira (2002), a escola precisa ignorar a
distribuição desigual de capital cultural na sociedade e, ao fazê-lo, distribuindo o conhecimento
legítimo considerando a todos como iguais, a escola reproduz esta disparidade cultural:
Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os
mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos
conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos
183
critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes
classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais
desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e em deveres, os
sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da
cultura. (BOURDIEU, 2008, p. 53)
As provas de habilidades específicas exigidas para o ingresso nos cursos de Música
conferem aos calouros a certificação de igualdade perante a notação musical: além de uma prova
prática do instrumento, há uma prova de solfejo e leitura rítmica à primeira vista, que verifica e
assegura uma condição mínima para o ingresso no curso.
Como estas provas não têm assegurado um domínio mínimo da leitura musical54
, alguns
cursos têm optado por incluir em seu currículo uma disciplina de caráter nivelador, como pode
ser observado no projeto pedagógico da UFMS o caso da disciplina Introdução à Música (cf.
ementa no Quadro 18).
A ementa da disciplina deixa clara a ligação estreita entre Música e Grafia musical: a
introdução à música tem como conteúdos centrais a grafia musical e as regras básicas de leitura
nos diversos sistemas.
Entretanto, Bourdieu (2008) mostra que ainda assim o acesso a esta cultura oficial será
desigual, uma vez que é marcado pelas diferenças da herança cultural. É verdade que poucos têm
acesso à cultura musical erudita – a música não é trabalhada regularmente na educação básica até
mesmo em escolas particulares, e o acesso a esta música é uma possibilidade muitas vezes
excluída do cotidiano da grande maioria da população.
Neste sentido, crianças oriundas de um meio menos favorecido terão acesso a uma cultura
restrita, muitas vezes limitada à seleção feita pelos meios de comunicação de massa. Este contato
restrito com a cultura será determinante no acesso ao conhecimento oferecido pela escola.
A escola, aqui representada pela universidade, trabalha com um gosto de elite,
aristocrático, distante, portanto, do cotidiano da população. Bourdieu (2008, p. 54) fala de
produtos de um sistema voltado para a transmissão de uma cultura aristocrática em seu conteúdo
______________ 54
Deve-se observar que, à época do Instituto Nacional de Música, havia outros cursos oferecidos pelo próprio
instituto que capacitavam o estudante ao ingresso no curso superior (curso básico e geral). Hoje observa-se uma
carência destes cursos, esta preparação fica a cargo de escolas especializadas e os candidatos ao vestibular têm
apresentado deficiências no domínio da teoria musical básica. Alguns cursos vêm buscando solucionar o problema
oferecendo cursos de capacitação de extensão. O problema que tem ocorrido é a necessidade de preenchimento das
vagas oferecidas pelo curso superior para evitar o fechamento do curso, o que causa uma queda do nível de
exigência.
184
e espírito, produtos estes que os educadores se inclinam a desposar os seus valores, com mais
ardor talvez porque lhe devem o sucesso universitário e social:
É uma cultura aristocrática e sobretudo uma relação aristocrática com essa
cultura, que o sistema de ensino transmite e exige. Isso nunca fica tão claro
quanto nas relações que os professores mantêm com a linguagem. Pendendo
entre um uso carismático da palavra como encantamento destinado a colocar o
aluno em condições de ―receber a graça‖ e um uso tradicional da linguagem
universitária como veículo consagrado de uma cultura consagrada, os
professores partem da hipótese de que existe, entre o ensinante e o ensinado,
uma comunidade lingüística e de cultura, uma cumplicidade prévia nos valores,
o que só ocorre quando o sistema escolar está lidando com seus próprios
herdeiros. (BOURDIEU, 2008, p. 55 – 56)
Esta mesma analogia pode ser feita com a linguagem musical. A notação musical é
entendida como veículo de uma cultura consagrada, preservada pelos conservatórios, que os
professores tratam como se fosse compartilhada por todos, não só seu significado, mas a também
a relação com estes significados. Esta certeza é (ou deveria ser) garantida pela certificação
concedida aos alunos pela prova de habilidades específicas e, se não, pelas disciplinas como a
Introdução à Música.
A questão envolvendo um currículo de licenciatura em música se agrava quando
pensamos no ensino de música voltado para a educação básica, que vive um processo de
democratização do seu acesso. Esta massificação da escolarização implica em problemas com
uma forma de ensino que se destina a um pequeno grupo de herdeiros:
Nota-se, evidentemente, que um sistema de ensino como este só pode funcionar
perfeitamente quando se limite a recrutar e a selecionar os educandos capazes de
satisfazerem às exigências que se lhe impõem objetivamente, ou seja, enquanto
se dirija a indivíduos dotados de capital cultural (e da aptidão para fazer
frutificar esse capital) que ele pressupõe e consagra, sem exigi-lo explicitamente
e sem transmiti-lo metodicamente. A única prova de que ele possa realmente se
ressentir não é, como se vê, a do número, mas a da qualidade dos educandos. O
ensino de massa, do qual se fala tanto hoje em dia, opõe-se, ao mesmo tempo,
tanto ao ensino reservado a um pequeno número de herdeiros da cultura exigida
pela escola, quanto ao ensino reservado a um pequeno número de indivíduos
quaisquer. De fato, o sistema de ensino pode acolher um número de educandos
cada vez maior – como já ocorreu na primeira metade do século XX – sem ter
que se transformar profundamente, desde que os recém-chegados sejam também
portadores das aptidões socialmente adquiridas que a escola exige
tradicionalmente. Ao contrário, ele está condenado a uma crise, percebida por
185
exemplo como de ―queda de nível‖, quando recebe um número cada vez maior
de educandos que não dominam mais, no mesmo grau de seus predecessores, a
herança cultural de sua classe social (como acontece quando as taxas de
escolarização secundária e superior das classes tradicionalmente escolarizadas
crescem continuamente, caindo a taxa de seleção paralelamente), ou que,
procedendo de classes sociais culturalmente desfavorecidas, são desprovidos de
qualquer herança cultural. (BOURDIEU, 2008, p. 57 – 58)
Ora, a música aprendida nos cursos de licenciatura , que já não fazia parte da vida da
maioria dos alunos do curso superior, também não integra o cotidiano da grande massa que
adentra os portões da escola. É necessário, pois, perguntar, de que música estamos tratando? Que
música queremos trabalhar nas escolas?
Young (2007) nos auxilia nestas reflexões apresentando diferenciações entre o
conhecimento e o conhecimento escolar, mostrando que as questões educacionais sobre o
conhecimento se referem a como o conhecimento escolar é e deve ser diferente do não-escolar,
assim como a base em que é feita essa diferenciação. Para este autor, a escolaridade oferece o
acesso a um conhecimento especializado, incluído em diferentes domínios.
Neste sentido: que música deve ser selecionada para integrar o conhecimento escolar (e
aqui estamos pensando tanto no conteúdo da escola básica como no conteúdo da formação
superior de professores para a escola básica)?
Este mesmo autor apresenta outra questão importante para a reflexão sobre a seleção
curricular:
Para crianças de lares desfavorecidos, a participação ativa na escola pode ser a
única oportunidade de adquirirem conhecimento poderoso e serem capazes de
caminhar, ao menos intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais e
particulares. Não há nenhuma utilidade para os alunos em se construir um
currículo em torno da sua experiência, para que este currículo possa ser validado
e, como resultado, deixá-los sempre na mesma condição. (YOUNG, 2007, p.
1297)
Young nos ajuda a refletir sobre a questão da seleção do conhecimento legítimo ao
mostrar que o currículo não deve se restringir à música do cotidiano, entretanto, esta não pode ser
excluída do currículo escolar em favor de uma música tida como culta, erudita. Ao passo que a
música erudita também não deve ser excluída do currículo, pois a escola pode ser o único lugar
onde os indivíduos poderão ter contato com este tipo de música.
186
É necessário, pois, pensarmos em músicas, no plural – como propõe Penna (2010), e nas
formas de mediação destas músicas com os seres humanos. Ou seja, é preciso pensar em
estruturar o currículo musical de forma que permita aos indivíduos a condição de fazer
julgamentos e desenvolver um pensamento crítico sobre música – ou melhor, sobre músicas.
Não é uma questão de ―ou‖, como Dewey (2010) trata no livro Experiência e Educação,
mas uma questão de ―e‖. Não é excluir uma ou outra música/prática musical como não-escolar e
legitimar determinada cultura musical. É permitir o desenvolvimento de formas de pensar estas
músicas, estas práticas. Não é selecionar o conhecimento dos poderosos, mas o conhecimento
poderoso.
Entretanto, a despeito de tudo isso, a tradição musical escrita européia e ocidental ainda é
a base do currículo dos cursos de graduação em música, definindo os princípios de seleção e
distribuição de conhecimento não só no ensino superior, mas também na educação básica.
Para Green (2003), a centralidade da música erudita ocidental nos currículos pode ser
explicada a partir do conceito de ideologia, entendida como um conjunto de idéias, valores e
suposições que tendem a reificar e legitimar relações sociais (GREEN, 2003, p. 7).
Várias posições ideológicas acerca do valor da música floresceram durante os séculos
XIX e XX. Estas posições sugeriam, em geral, que o maior valor possível surge quando, à
música, podem ser atribuídas certas propriedades como universalidade (como a capacidade da
música de expressar a condição humana); eternidade (significando que a música tem valores que
nunca morrerão); complexidade (p.e., em harmonia, contraponto, forma ou exigências técnicas
necessárias para a performance); e originalidade (rompimentos com a convenção para se
estabelecer novas normas estilísticas que influenciarão futuras gerações).
Green (2003) considera que a atribuição e valorização destas propriedades podem ser
vistas como centrais às construções ideológicas sobre música, não porque são falsas ou
imprecisas, mas porque envolvem reificação e legitimação.
No que tange à reificação, a idéia de que uma peça de música é universal ou eterna,
envolve a sugestão de que a música deve ter um apelo imutável, inevitável e natural a todos os
seres humanos, independentemente de quem são, onde ou quando eles vivem. O valor da música
é, portanto, reificado, ou entendido como uma ‗coisa‘ que existe independentemente do mundo
social.
187
Com relação à legitimação, tais propriedades envolvem uma legitimação dos pontos de
vista dessas pessoas que fazem as reivindicações:
Por exemplo, se uma peça de música é tida como valiosa por ser ‗universal‘ ou
‗eterna‘, então isto implica no fato de que o valor da música deve ser
independente de quaisquer interesses das pessoas que a valorizam. De fato, a
música deve ser tão boa, que seria sempre boa para qualquer pessoa, em
qualquer situação social, e em qualquer período histórico. Isto, por sua vez,
significa que as pessoas que valorizam a música o fazem não porque podem
ganhar alguma coisa fazendo isso, e não porque estão em uma posição especial
que os autoriza a valorá-la; mas, pelo contrário, porque estão preocupados com o
valor da música para todas as pessoas, uma preocupação que vai além de seus
próprios interesses. Logo, suas opiniões são legítimas55
. (GREEN, 2003, p. 7 –
8, grifos no original, tradução nossa)
A música erudita ocidental é tida como o único estilo de música realmente valioso, e só
ela possui as características de universalidade, eternidade, complexidade e originalidade.
Entretanto, Green (2003) argumenta que, no final do século vinte, outras vozes surgiram
reclamando o valor da música popular, do jazz, da música de outros povos. Entretanto estas vozes
não contradisseram os padrões de avaliação dos partidários clássicos, mas procuraram aplicar a
estas músicas as mesmas propriedades antes depositadas apenas na música erudita. Assim,
independentemente da origem e da direção dos argumentos (se para os clássicos, se para os
populares), eles permanecem ideológicos na medida em que envolvem reificação e legitimação.
Autonomia é outro conceito importante trazido à baila por Green (2003) na discussão
sobre o valor musical. Quando as pessoas utilizam a palavra ‗autonomia‘ em relação com a
música, eles querem dizer que a música é muito valiosa, e que evoluiu de forma logicamente
ligada às formas e processos do estilo musical da época em que a música foi composta, sem
qualquer conexão com algumas contingências como ‗fazer dinheiro‘ ou ‗ser popular‘.
A música popular e outras músicas não eruditas estão abertamente e orgulhosamente
dependentes de tais fatores sociais para sua produção e modos de consumo. Nesta perspectiva,
______________ 55
―For example, if a piece of music is claimed to be valuable for being ‗universal‘ or ‗eternal‘, then this implies that
the music‘s value must be independent of any interests of the people who value it. Indeed the music must be so
good, that it would always be good, for any people in any social situation at any historical period. This in turn,
means that the people who value it do so, not because they can gain anything from doing so, or not because they
are in a special position from which to value it; but on the contrary, because they are concerned beyond their own
interests, with the music‘s value for all people. Therefore, their views are legitimate.‖
188
Adorno criticou asperamente a música popular e o jazz, que ele considerava fundamentalmente
como tipos de música inferiores e até prejudiciais:
Para ele [Adorno], estas músicas não são nem universais, eternas, complexas ou
originais; elas também carecem de autonomia. Por todas estas razões, elas
encorajam as pessoas a regredir para um estágio de desenvolvimento anterior,
infantil. Isto se dá porque, ao invés de um trabalho autônomo e progressivo com
a lógica musical independentemente de preocupações comerciais, elas repetem
várias vezes os mesmos padrões velhos e cansativos a fim de venderem-se para
um ouvinte que anseia por familiaridade. Ao mesmo tempo, para parecerem
variadas, elas acrescentam algumas diferenças superficiais aos velhos padrões,
enganando as pessoas ao fazê-las pensar que estas diferenças são novas e
frescas. Assim, as pessoas são ―alimentadas‖ pela mídia de massa com uma dieta
limitada e repetitiva, enquanto imaginam estarem recebendo algo variado. Para
Adorno, bem como para outros contemporâneos dele como Marcuse, uma ‗dieta‘
desta natureza ajudou a perpetuar as relações sociais, porque induziu a uma
‗consciência de massa‘ (um tipo de ‗falsa consciência‘), que impediu as pessoas
de pensarem independentemente e de desafiarem a organização social56
.
(GREEN, 2003, p. 9, grifos no original, tradução nossa)
Devemos ressaltar o fato de que tanto a visão de Adorno, como as propostas da
musicologia tradicional mensuram o valor das músicas comparando-as com a música erudita, ou
seja, tendo a música erudita em perspectiva como conhecimento oficial.
Neste sentido, a musicologia tradicional não é necessariamente adequada para o estudo da
música popular, uma vez que é estruturada a partir da, pela e para a música erudita. A
musicologia desenvolveu um vocabulário rico e sofisticadas aproximações para a compreensão
das qualidades musicais, como harmonia e forma, que são particularmente pertinentes no
contexto da música erudita ocidental. Entretanto, tanto o vocabulário quanto as aproximações não
apresentam a mesma riqueza de entendimento em relação a qualidades como ritmo, timbre,
______________ 56
―For him [Adorno], these musics were neither universal, eternal, complex or original; they also lacked autonomy.
For all these reasons, they encouraged people to regress to an earlier, infantile, stage of development. This was
because, instead of autonomously and progressively working through musical logic independently of commercial
concerns, they repeated the same, tired old patterns over and over again in order to sell themselves to a listenership
that craved familiarity. At the same time, so as to appear varied, they added superficial differences to these old
patterns, deceiving people into thinking that these differences were new and fresh. Thus people were being ‗fed‘ a
limited, repetitive diet through the mass media, whilst imagining they were receiving something varied. For
Adorno, as well as for others of his contemporaries such as Marcuse, a ‗diet‘ of this nature helped to perpetuate
social relations, because it induced a ‗mass consciousness‘ (a type of ‗false consciousness‘), which prevented
people from thinking independently and challenging the social organization.‖
189
textura, inflexões rítmicas e de altura, manipulações do som gravado, que são mais significativos
para a música popular, por exemplo.
Além disso, a musicologia tende a ter a música notada (partitura) como seu objeto de
estudo; e muitos dos parâmetros nos quais ela foca, como harmonia e forma, coincidem com
aspectos que são relativamente fáceis de serem grafados. Novamente, a música popular, bem
como outros tipos de música, requer uma aproximação diversa, porque, em muitos casos, ela é
transmitida oralmente e, desta forma, tanto a performance quanto a gravação – distintas de
qualquer notação – devem ser tidas como objetos de estudo.
Além de tudo o que já foi exposto, a musicologia lidou, nos últimos séculos, com um
cânone de ―obras primas‖ que foram consideradas como os maiores exemplos de valor musical.
Green (2003) ressalta que estas ―obras primas‖ apresentam uma série de características em
comum, como: todas elas estão notadas, todas foram publicadas na forma impressa, todas são
vistas como inovadoras em relação à era em que foram compostas, e todas foram escritas por
homens ocidentais. Mais uma vez, características que não se aplicam, necessariamente, à grande
parte das músicas populares. Entretanto, se estas características não são percebidas em alguma
música, os musicólogos irão assumir que falta-lhes valor.
Da mesma forma, os métodos tradicionais de estudo da música erudita não são adequados
para as ―outras‖ músicas. O que nos mostra que os currículos, ao perpetuarem determinadas
disciplinas como ―conteúdo específico‖ da área musical, excluem a música popular – ou melhor,
as músicas não eruditas – do contexto educativo: estão perpetuando uma ideologia que torna a
música erudita hegemônica.
Mais do que isto, inculcam nos alunos (e, portanto, futuros professores) formas de pensar
música que privilegiam a música erudita como a verdadeira música, conferindo-lhe valor.
O que isso significa é que o estudo da música clássica tem contribuído para a
crença de que esta música é a única baseada em harmonia, melodia e outros
parâmetros notáveis; que é sempre registrada na forma escrita; que é sempre e
progressivamente inovadora e complexa, composta individualmente por um
homem e assim por diante. O ponto relevante sobre esta crença, no que diz
respeito à ideologia, é que mesmo que ela não represente uma reflexão
inteiramente precisa sobre a música clássica, ela não prejudica a sua reputação:
na verdade, contribui para a reputação desta música como altamente valiosa. É,
190
portanto, parte integrante da avaliação ideológica da superioridade da música
clássica57
. (GREEN, 2003, p. 11 – 12, tradução nossa)
Ademais, a música popular e as outras músicas carecem de apoios financeiros oferecidos
amplamente à música erudita, como subsídios do governo, apoios de estudos universitários e até
de sociedades civis: ―ironicamente, a aparente autonomia da música erudita tem, de fato,
dependido pesadamente de diferentes tipos de apoio financeiro58
‖ (GREEN, 2003, p. 12, tradução
nossa).
O estudo da percepção musical, focado na partitura (notação), mesmo no curso de música
popular já foi demonstrado anteriormente como um componente curricular que fortalece a
hegemonia da música erudita grafada. Entretanto, outras disciplinas como Análise Musical,
Contraponto, Harmonia, Evolução da Linguagem Musical, Orquestração, História da Música – e
o caráter obrigatório destas disciplinas em todos os projetos analisados demonstra como o campo
vem sendo estruturado e, por conseguinte, estruturando as percepções sobre o que conta como
música legítima.
Mesmo em projetos que admitem certa flexibilidade na escola das disciplinas a serem
cursadas (como é a característica dos projetos pedagógicos da UFMG e UFRJ) apresentam a
Percepção Musical sempre como obrigatória e as outras disciplinas relacionadas acima, com o
status de ―optatória‖, ou seja, entre o rol de disciplinas que devem ser obrigatoriamente
escolhidas pelo aluno para a integralização do curso (estas características poderão ser melhor
observadas posteriormente quando tratarmos da distribuição do conhecimento).
Esta ideologia ―legitima o ilegitimável‖ estruturando a formação musical básica de modo
a permitir o arbitrário cultural: tudo está arquitetado para que os alunos aceitem a superioridade
da música erudita ocidental notada, uma vez que, a partir desta estrutura de formação, começam a
acreditar que falta valor à música de seu cotidiano. E a força desta ideologia pode ser observada
ao levarmos em consideração a hegemonia da música erudita ocidental notada como
______________ 57
―What it does mean, is that studying classical music has contributed to the appearance that classical music is only
based on harmony, melody and other notable parameters; that it is always fixed in notated form; that it is always
progressively innovatory and complex, individually composed by men, and so on. The relevant point about this
appearance with reference to ideology, is that even though it may not represent an entirely accurate reflection of
classical music, it does not harm the reputation of classical music: in fact it contributes to the reputation of
classical music as highly valuable. It is therefore part and parcel with the ideological evaluation of classical
music‘s superiority. 58
―ironically, the apparent autonomy of classical music has actually relied heavily on this sort of financial support‖
191
conhecimento oficial legitimado, como cultura comum, apesar da força das mudanças de
comportamento musical na sociedade contemporânea.
4.3 A SELEÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO DO CONHECIMENTO ESTRUTURADAS E
ESTRUTURANTES DE/POR UMA IDEOLOGIA DE SUPREMACIA DA MÚSICA
ERUDITA
Esta área está delineada pela comparação dos diferentes perfis do egresso de cada um dos
cursos compulsados. A seleção dos conhecimentos estará, logicamente, ligada ao perfil do
profissional que se deseja formar.
Em primeiro lugar, apresentamos o que dizem as DCN Música (2004) sobre o perfil do
graduado em Música:
O curso de graduação em Música deve ensejar, como perfil desejado do
formando, capacitação para apropriação do pensamento reflexivo, da
sensibilidade artística, da utilização de técnicas composicionais, do domínio dos
conhecimentos relativos à manipulação composicional de meios acústicos,
eletro-acústicos e de outros meios experimentais, e da sensibilidade estética
através do conhecimento de estilos, repertórios, obras e outras criações musicais,
revelando habilidades e aptidões indispensáveis à atuação profissional na
sociedade, nas dimensões artísticas, culturais, sociais, científicas e tecnológicas,
inerentes à área da Música. (BRASIL, 2004, p. 2)
Por sua vez, deve-se levar em consideração as competências necessárias para a formação
do professor de educação básica listadas pelas DCN (2002) específicas para tal (cf. Capítulo II, p.
119).
Nesta perspectiva, o perfil do egresso delineado pelo Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Música da UFRJ é assim apresentado:
[...] o egresso do Curso de Licenciatura em Música deverá ser um professor
músico, capacitado pedagogicamente para atuar na Educação Básica, bem como
em outros espaços de atuação que hoje se apresentam na sociedade, tais como
projetos sociais, escolas livres de música e outros. Esse perfil encontra respaldo
nas diretrizes para os Cursos de Formação de Professores para a Educação
Básica, que preconiza uma formação mais ampla, ou seja, que vá além dos
muros das escolas, que vá além dos conteúdos e práticas específicos a serem
ensinados nas diferentes etapas da Educação Básica e que vá além dos espaços
192
escolares estritos (artigos 5º. 6º. e 7º. das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Formação de Professores para a Educação Básica, em Nível Superior).
Objetiva-se, assim, um perfil condizente com um futuro profissional capacitado
teórica e praticamente, possuidor das diferentes ―competências referentes ao
domínio de conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes
contextos e sua articulação interdisciplinar‖ (artigo 6º das Diretrizes Curriculares
Nacionais para Formação de Professores para a Educação Básica, em Cursos
Superiores). (UFRJ, 2008, p. 14, grifos no original)
A primeira questão que pode ser ressaltada é a intenção de se formar um ―professor
músico‖. Esta definição é bem definida por Jardim (2008) como ―músico professor‖ e guarda
suas raízes no Conservatório/Instituto Nacional de Música, cujo diploma do Curso Superior
conferia o grau de ―Professor‖, como se pode notar pelos artigos n. 273 e 274 do Decreto 19.852
de 11 de abril de 193159
:
Art. 273. A habilitação no curso Superior de Canto e Instrumento dá direito ao
diploma de Professor, e no de Composição e Regência , em (sic) de Maestro.
Art. 274. Os diplomas conferidos pelo Instituto, acrescidos das exigências
determinadas no Regulamento, asseguram preferência, em igualdade de
condições, para o provimento nos cargos do magistério e são títulos que
habilitam, legalmente, ao exercício do professorado particular. (BRASIL, 1931,
s.p.)
Como pode ser observado, este diploma do Instituto Nacional também autorizava a
docência nas escolas de educação básica, como o diploma do Curso de Licenciatura oferecido
pela Escola de Música da UFRJ nos dias de hoje. Aliás, o perfil do egresso desta instituição prevê
uma ―ampla‖ formação, com vistas à capacitação de um profissional bastante polivalente:
músico, professor da escola regular, professor de ONGs e de escolas específicas de Música. Neste
sentido, um profissional com grandes potencialidades de inserção nos mais diversos ramos do
mercado de trabalho.
No caso do curso de Licenciatura em Música da UFMG, com Habilitação em Educação
Musical, o texto que propõe a reforma curricular (UFMG, 1999) afirma que a Licenciatura
procura combinar uma formação musical mais ampla e menos focada no domínio apurado de um
instrumento com uma preparação didática mais intensa. De acordo com o documento, não é
______________ 59
Decreto que incorpora o Instituto Nacional de Música à Universidade do Rio de Janeiro.
193
proposta uma formação radicalmente diferente do bacharelado, mas o que ocorre é uma
―adequação do currículo às exigências do mercado de trabalho específico que o licenciado em
música encontrará na sua vida profissional‖ (UFMG, 1999, p. 7).
O projeto pedagógico do curso afirma que sua vocação é contribuir para a democratização
do acesso à música como área de conhecimento. E apresenta como perfil do egresso:
Domínio dos conhecimentos específicos de música e pedagogia, aliados a uma
formação cultural ampla que o capacite para uma prática artística e de ensino da
música, em diálogo com a cultura brasileira e as aspirações da sociedade.
(UFMG, 2001a, p. 19)
A diferença mais marcante entre o perfil proposto pela UFMG e o proposto pela UFRJ é a
tentativa de rompimento com a idéia de ―músico professor‖. Aliás, no próprio documento de
reforma curricular, a Escola de Música da UFMG se revela preocupada em romper com a herança
conservatorial. A proposta de reformulação curricular do Curso de Graduação em Música da
UFMG inicia sua exposição indicando uma conscientização da necessidade de superação do
modelo conservatorial:
A inserção da Escola de Música no âmbito da Universidade Federal de Minas
Gerais (1962) e o abandono da antiga denominação de Conservatório Mineiro
de Música (1972) foram modificações cujos efeitos não se limitaram a uma
simples alteração do status da instituição. Hoje é possível analisá-las como
elementos provocadores de um processo de profunda reforma no seu
funcionamento, fruto de uma mudança de mentalidade e de uma nova
conscientização do significado da música para a sociedade. Merecem ser
destacados nesse processo o questionamento da idéia de ―Conservatório‖ – ou
seja, da idéia de uma instituição voltada predominantemente para o culto dos
valores passados – e a conseqüente abertura de novas possibilidades de atuação
para a Escola. Paralelamente a isso, iniciou-se também a superação da estreita
concepção que vê a música como uma atividade isolada, sem raízes e sem
compromissos com a realidade e que, dentro desses limites, acha suficiente
propiciar aos alunos um aprendizado centrado única e exclusivamente no
domínio de técnicas específicas, negligenciando a formação de uma visão crítica
e abrangente das implicações socioculturais de sua prática. (UFMG, 1999, p. 2,
grifos no original)
O texto da reforma curricular informa que buscou superar um modelo conservatorial que
vinha sendo seguido pela instituição desde o seu surgimento:
194
Graças a esse modelo – presente, reconheça-se, na quase totalidade dos cursos
de música na Universidade brasileira – constituiu-se um currículo e uma
dinâmica do ensino que sempre privilegiaram a formação de intérpretes solistas,
numa perpetuação do ideal romântico importado da Europa do século XIX.
(UFMG, 1999, p. 3)
O documento apresenta como consequências desta prática:
o fato de a instituição desprezar a maioria para, dentro da lógica do
―solismo‖, voltar-se apenas para a exceção, ou seja, para os alunos que
emergem da média por dominarem de forma extraordinária um instrumento
musical;
a concentração excessiva numa única forma de expressão e num
determinado repertório, ignorando outras diferentes possibilidades de
constituição da linguagem musical. (UFMG, 1999, p. 2 – 3, grifo no
original)
Neste sentido, o documento aponta a necessidade do oferecimento de um conjunto mais
diversificado de opções de percurso para os alunos, sendo incompreensível, por exemplo, que a
música popular continue afastada da Escola de Música.
Além disso, o documento ressalta que este processo ainda não foi concluído, bem como o
processo de inserção da Escola de Música à Universidade, uma vez que nem a Universidade
adaptou-se bem às muitas especificidades que a Música tem em relação às demais áreas do
conhecimento, nem tampouco a Escola de Música integrou-se à Universidade em todos os seus
aspectos.
Pode-se perceber também que esta tentativa de rompimento com o modelo conservatorial
é marcada pela ausência de uma formação instrumental aprofundada e da permissão da presença
da música popular. Entretanto, a música popular parece ser utilizada como ferramenta para a
aquisição de conhecimentos próprios da cultura erudita, como a notação, harmonia, estruturação.
Pois as propriedades inerentes à música popular e ao seu aprendizado – como o ―tocar de
ouvido‖, a ausência da figura do professor, a hegemonia da prática sobre a teoria (GREEN, 2002)
– permanecem não contemplados nos documentos curriculares. A música popular aparece como
um conteúdo, mas suas práticas não são exploradas, submetendo-a às práticas eruditas
tradicionais.
É interessante reforçar aqui que as práticas da música popular não se ajustam muito bem à
forma e organização escolares: o conteúdo a ser aprendido é sugerido pela prática, pelos alunos,
195
pela situação; o professor não direciona a aprendizagem, é apenas um consultor, alguém que está
à disposição para auxiliar no processo que está sendo desenvolvido. Isto difere profundamente
das práticas eruditas tradicionais, de forte enquadramento, onde conteúdo, técnicas de ensino –
portanto, o poder – se encontra nas mãos do professor.
A música popular contemplada apenas como ferramenta revela uma tentativa de
contextualização do ensino, de ponte para o conteúdo tradicional. Entretanto, o tradicional ainda
detém a hegemonia das práticas, observadas no enquadramento forte. A música popular é
enquadrada na estrutura ideológica que mantém a supremacia da música erudita.
A segunda diferença que pode explicitada tendo em vista os dois perfis apresentados é o
fato de a UFMG não ser específica quanto ao lócus de atuação de seu egresso. A UFRJ, por sua
vez visa capacitar para a educação básica, além possibilitar outras opções de atuação. É uma
formação também ampla, mas percebe-se certa ênfase na preparação para a escola regular.
A UFSJ será ainda mais específica: irá separar em duas modalidades a formação para a
escola regular e a formação para o conservatório (e demais locais onde ocorra o ensino
instrumental). São elas: a Licenciatura em Música com Habilitação em Instrumentos ou Canto e a
Licenciatura em Música com Habilitação em Educação Musical.
Com relação ao perfil do egresso das habilitações em instrumentos, o documento afirma
que:
O perfil do profissional formado pelo Curso de Música da UFSJ vem atender a
uma demanda específica criada pela sociedade local, que necessita não somente
de educadores musicais, mas de músicos instrumentistas e cantores, bem como
de professores de toda uma variedade de instrumentos como cordas, sopros,
metais, piano, violão e canto, que se fazem presentes e atuantes nos diversos
tipos de manifestações musicais da Cidade de São João del-Rei e da região. Por
essa razão, optou-se por iniciar o curso oferecendo as habilitações em
Instrumento ou Canto, que possuem uma ênfase significativa numa formação
versátil e intermediária entre os cursos tradicionais de Licenciatura em Música e
os cursos de Bacharelado, somando a sólida formação pedagógica dos primeiros
às práticas do ―fazer musical‖ dos segundos. (UFSJ, 2008, p. 31)
Este perfil assemelha-se ao da UFRJ, próximo da imagem do músico professor: uma
―formação intermediária entre os cursos tradicionais de Licenciatura em Música e os cursos de
Bacharelado‖.
196
Com a criação da habilitação Educação Musical, o curso pretende atender à demanda
criada pelas Leis 9.394/1996 e 11.769/2008, que colocam novamente a música como conteúdo
obrigatório nas escolas regulares. O perfil do egresso desta habilitação aproxima-se do ―professor
de música‖, definido por Jardim (2008), estando mais próximo do perfil proposto pela UFMG.
A habilitação em Instrumento ou Canto pretende formar um profissional versátil,
habilitado a atuar nas áreas da educação musical, do ensino de instrumento ou canto e
performance.
A habilitação em Educação Musical possui um núcleo curricular comum às demais
habilitações, mas sua proposta privilegia o aprofundamento do núcleo pedagógico do projeto.
Essa habilitação formará um profissional apto a atuar em espaços formais e não-formais60
de
ensino musical.
Percebe-se, portanto, que o curso está levando em consideração as demandas da sociedade
local: existe a necessidade nacional de formação de professores de música para a escola básica,
mas também há uma demanda por profissionais – licenciados – aptos a lecionarem nos
conservatórios. A universidade opta por direcionar a formação dos professores de modo a
contemplar as necessidades inerentes a cada tipo de atuação.
De acordo com o projeto pedagógico, o Curso de Música da UFSJ tem como objetivo
geral:
[...] capacitar professores na área de educação musical, para atuar com atitude
científica, consciência crítica, ética e responsabilidade social, em diversos
espaços formais e não formais de ensino, mais especificamente, na rede de
ensino fundamental e médio, e em instituições de ensino específico de música,
integrando sua prática ao seu entorno, visando o desenvolvimento cultural,
social e econômico, em âmbitos locais, regionais e nacionais. (UFSJ, 2008, p.
36)
E como objetivos específicos:
______________ 60
Para Libâneo (2007, p. 88-9), a educação não-formal é intencional, com baixo grau de estruturação e
sistematização. Por outro lado, a educação formal é caracterizada por um ensino também intencional, mas
sistemático, envolvendo uma preparação didático-pedagógica. Esta última pode, segundo o autor, ocorrer em
espaços institucionalizados ou não.
197
formar profissionais com competência musical e pedagógica para atuar de
forma articulada em escolas de ensino regular (Educação Básica), bem como em
escolas de ensino específico de música;
oportunizar aos futuros docentes uma vivência de formas diversificadas
de ação artístico-musical e pedagógica, dando ênfase ao trabalho
interdisciplinar,
preparar os educadores musicais para desenvolver projetos
interdisciplinares nas escolas, integrando a música às demais formas de
manifestação artística, bem como outras áreas de conhecimento e vivências do
ser humano.
oferecer oportunidades de aprofundamentos teórico e prático a partir do
exercício docente;
incentivar a reflexão sobre a própria formação docente por meio da
análise e questionamento da relação dialética entre teoria e prática;
respeitar e valorizar a identidade cultural dos alunos, incentivando e
promovendo a criatividade, a produção individual e coletiva e participando com
criatividade do seu desenvolvimento pessoal e social;
desenvolver práticas de educação holística por meio de abordagem
sistêmica de compreensão relacional do ser humano consigo mesmo, com o
meio social e sua cultura;
capacitar o profissional para desenvolver projetos de pesquisa nas áreas
pedagógico-musicais, tendo como meta o aprimoramento geral da área e a
criação de ações pedagógicas adequadas a uma região historicamente rica em
tradições seculares de ensino e prática musical, como é o caso de São João del-
Rei e região.
atender a uma demanda de músicos e professores de música atuantes mas
não titulados, como professores de Conservatórios Estaduais de Música, mestres
de Bandas de Música, regentes de coros e orquestras e professores da rede de
ensino fundamental e médio;
viabilizar o desenvolvimento musical e técnico-instrumental (e vocal) dos
alunos, possibilitando-lhes a atuar como instrumentistas e cantores, em
contextos e formações musicais variadas, como orquestras, coros, bandas de
música, conjuntos de diversos estilos e gêneros musicais.
viabilizar projetos de pesquisa interdisciplinares, relacionando a
performance e o ensino musical a várias áreas do conhecimento presentes na
UFSJ, como a Pedagogia, a Musicologia Histórica, a História, a
Etnomusicologia, a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia, a Literatura, o Teatro, a
Neurociência e a Educação Física, visando a compreensão, a difusão e o
desenvolvimento cultural das áreas mencionadas. (UFSJ, 2008, p. 36 – 37)
Como perfil do egresso, o curso espera que as predisposições iniciais, identificadas no
processo seletivo para o ingresso no mesmo, sejam potencializadas no âmbito das competências
para atuação efetiva na área, mobilizando conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas,
desenvolvidas durante a sua realização.
Como objetivo geral, o Curso de Licenciatura em Música da UFMS visa formar
Licenciados em Música, habilitados em Educação Musical, capacitados para a atuação no campo
198
da educação musical. De forma mais específica, objetiva interagir com os diversos segmentos da
sociedade; fomentar a prática musical, dentro e fora da Universidade; difundir variados
repertórios e estilos musicais; difundir o conhecimento científico; difundir e documentar a cultura
regional; propiciar a oferta de referenciais teóricos básicos que instrumentalizem os acadêmicos
para atuarem de forma criativa em situações diversas; oportunizar o ensino, pesquisa e extensão
universitária articulados com as demandas sociais; estimular uma postura ativa na busca e
construção dos espaços sociais para a definição de seus próprios caminhos e ressignificações de
suas práticas; desenvolver posturas críticas que ofereçam aos acadêmicos chances de trabalhar,
interagindo como sujeitos conscientes do seu papel na construção da história; e fomentar a
atuação e a manutenção de grupos musicais, vocais ou instrumentais (UFMS, 2011).
O perfil do egresso é assim delineado:
O perfil esperado do egresso do Curso de Música – Licenciatura – Habilitação
em Educação Musical/CCHS é de que ele demonstre capacitação para a
apropriação do pensamento reflexivo, da sensibilidade artística, da utilização de
técnicas composicionais, do domínio dos conhecimentos relativos à manipulação
composcional de meios acústicos, eletro-acústicos e de outros meios
experimentais, e da sensibilidade estética através do conhecimento de estilos,
repertórios, obras e outras criações musicais, e revelando habilidades e aptidões
indispensáveis à autação profissional na sociedade, nas dimensões artísticas,
culturais, sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da música. (UFMS,
2011, p. 12)
Não deixamos de observar que este perfil é uma cópia exata do perfil desejado do
formando do curso de Graduação em Música apresentado no Parecer CNE/CES 0195/2003 (cf. p.
3).
O documento afirma que, além do perfil acima descrito, o curso pretende formar um
profissional que atenda de imediato as principais carências existentes no mercado de trabalho.
Para tal, são desejáveis as seguintes características:
domínio dos conteúdos e das metodologias a serem ministradas nos
diferentes espaços de educação musical;
conhecimento na área musical: ler e executar partituras, cantar e tocar
algum instrumento, com razoável habilidade técnica, bem como ter condições de
reger grupos musicais diversos;
199
conhecimento na área pedagógica: conhecer e pautar sua prática em
princípios didáticos, fundamentados nos referenciais teórico-metodológicos da
educação musical;
autonomia e criatividade para as diversas situações pedagógicas,
utilizando-se de seus conhecimentos musicais e pedagógicos para atuar de forma
transformadora;
postura crítica e instigadora, buscando através da prática de pesquisa,
respostas às questões de sua realidade. (UFMS, 2011, p. 12)
O curso pretende que seus egressos revelem as competências e habilidades de:
interagir com as manifestações culturais da região, sem perder a visão da
totalidade, contribuindo para a organização, incremento e desenvolvimento
da música, posicionando-se como alguém comprometido com a produção e
difusão de conhecimento, nas dimensões artísticas, culturais, sociais,
científicas e tecnológicas;
conhecer, interagir e produzir conhecimento musical através de uma prática
pedagógica na visão de aprendizagem como assimilação crítica do
conhecimento;
ministrar aulas nas escolas da rede pública e particular, no âmbito do ensino
fundamental e médio; instituições ou quaisquer campos onde houver
possibilidades de projetos sociais e pedagógicos na área da educação
musical;
ministrar aulas de música práticas e/ou teóricas, nos mais variados espaços
onde haja a educação musical, incluindo a formação de grupos musicais
vocais e instrumentais;
compreender e dominar os elementos da linguagem musical e suas relações
compositivas, utilizado esses elementos para criar e improvisar música,
quando a atividade didática assim o requerer;
expressar-se musicalmente através do instrumento musical de sua escolha,
incluindo-se aí a voz, dominando para isto as habilidades técnicas;
ensinar rudimentos da execução instrumental, com enfoque na musicalização
do aluno, oferecendo contudo sólido embasamento técnico e interpretativo;
levar seus acadêmicos a reflexões conscientes e livres de preconceitos, da
realidade musical do país, região e local, formando assim ouvintes com
melhor senso crítico, e menos vulneráveis aos impactos causados pela
indústria cultural sobre a cultura regional. UFMS, 2011, p. 13)
Citando, em seguida, as habilidades e competências mínimas sugeridas pelo Parecer
CNE/CES 0195/2003 (cf. p. 4).
Percebemos novamente a presença do ―músico professor‖ associado ao ―professor de
música‖. O Curso de Música da UFMS define os conteúdos específicos de música, relacionando-
200
os à leitura e execução da partitura em instrumentos à escolha do aluno, com ―razoável habilidade
técnica‖. Nota-se uma alusão clara à centralidade da música notada, e ao domínio instrumental.
O perfil do egresso da UFMS aproxima-se da concepção polivalente de profissional
proposta pela UFRJ, direcionando seus egressos não somente para a educação básica, mas para
todos os espaços de ensino musical (formais e não-formais).
A flexibilidade curricular, caracterizada pela possibilidade de permitir ao aluno o desenho
de seu percurso curricular é bastante forte nas propostas da UFMG e da UFRJ. A UFSJ apresenta
também opções de percurso, embora de maneira não tão marcante quanto nas duas primeiras. A
UFMS, por sua vez, apresenta grande rigidez de percurso curricular, com poucas disciplinas
optativas – o que pode ser explicado pelo seu reduzido número de professores. Esta flexibilidade
nos remete à liberdade e à responsabilização individual: a oferta é igual para todos, o fracasso é
decorrente, pois, da escolha de cada um.
Em suma, percebe-se uma multiplicidade de perfis do egresso dos cursos de Licenciatura
em Música analisados. Esta multiplicidade está ligada às categorias de profissionais propostas por
Jardim (2008): músico professor, professor de música e uma terceira formada pela associação das
duas primeiras, um ―músico professor de música‖.
Existe uma ligação com a formação instituída pelo Conservatório, que vê o músico como
o professor ideal de música, compreendendo música como música prática, associada à música
erudita ocidental notada. Esta é uma atualização da concepção do mestre de ofício: o máximo
conhecedor da sua arte que ensina seus discípulos. Seguindo esta lógica, o músico é o mais
indicado para ensinar música.
A figura a seguir esquematiza a distribuição de conhecimentos proposta pelas DCN
Música (2004) e DCN Licenciatura61
(2002):
______________ 61
Apenas para facilitar a leitura, vamos nos referir às DCN para a Formação de Professores para a Educação Básica
de DCN Licenciatura.
201
Figura 2 – DCN Música (2004) e DCN Licenciatura (2002)
202
Este esquema servirá de base para o estudo da distribuição de conhecimento proposta por
cada instituição.
A Escola de Música da UFRJ projetou seu currículo na forma de módulos, abrangendo
três campos básicos de formação do licenciando:
Módulo I : Música;
Módulo II : Pedagogia;
Módulo III : Estudos Complementares
O Módulo I (1.020 horas) contempla os campos de conhecimentos sugeridos nas
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Música (Práticas Interpretativas, Composição,
Regência). O Módulo II (Pedagogia) abrange a formação de competências pedagógicas de cunho
mais geral e também mais específicas, como a Metodologia do Ensino da Música. Com carga
horária de 1.170 horas, acrescidas das 400 horas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado,
contempla conteúdos e práticas voltados para a formação de professores de música.
O documento enfatiza os seguintes aspectos deste módulo, baseados nas DCN
Licenciatura (2002):
integração entre teoria e prática, tanto dos conteúdos musicais quanto dos
pedagógicos;
equilíbrio entre os conteúdos específicos e pedagógicos, objetivando a
formação de professores competentes, tanto musicalmente quanto
pedagogicamente;
distribuição do estágio ao longo do curso e abrangendo um leque
diversificado de práticas musicais e pedagógicas e de situações diferenciadas
de Educação Musical;
articulação do estágio, enquanto prática, com os conteúdos teóricos e com
atividades docentes já exercidas;
indissociabilidade da pesquisa do processo de formação docente. (UFRJ,
2008, p. 16)
O projeto pedagógico mostra que o curso não pretende subordinar-se ao mercado de
trabalho, o que não implica em desconhecê-lo. Visando à formação de professores efetivamente
preparados para enfrentar a constituição plural da sociedade e da cultura, o documento afirma que
serão abrangidas ao longo do curso:
203
[...] diferentes concepções de música e diferentes práticas e gêneros musicais
(―populares‖ e ―eruditos‖, música escrita e de tradição oral, etc.); contextos
educacionais formais e informais (rede de Educação Básica, pública e privada,
creches, projetos sociais, organizações não governamentais, etc.); e alunados de
diferentes faixas etárias e de diferentes características sócio-culturais. Com isso
pretende-se concretizar uma prática de ensino rica e plural. (UFRJ, 2008, p. 16,
grifos no original)
O currículo não compreende as práticas de ensino previstas na legislação como
correspondendo a uma disciplina com este nome, mas como sendo absorvidas nas atividades
práticas, bem como nas atividades de Prática de Ensino de Estágio Curricular Supervisionado.
Entende que o conjunto denominado Prática como Componente Curricular também deve
contemplar a articulação teoria-prática, estando, neste projeto, distribuído nas disciplinas, de
maneira flexível e criativa, com um mínimo de 420 horas, em atividades articuladas, sobretudo,
com o conjunto Metodologia do Ensino da Música e com o conjunto Prática Instrumental, com
atividades coletivas e aplicadas.
O Módulo III (360 horas + 200 horas de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais),
intitulado Estudos Complementares, prevê ―o enriquecimento de conteúdos e experiências, e,
sobretudo, a preparação de um docente capaz de gerar respostas através da pesquisa‖ (UFRJ,
2008, p. 13).
Os conteúdos e práticas integrantes dos diversos módulos não estão concebidos,
necessariamente, de forma sequencial – à exceção daquelas que tiverem pré-requisitos, que serão
objeto de sequenciamento obrigatório. O documento enfatiza a importância do contato do aluno
com a figura de um Orientador Pedagógico, para que ele auxilie o aluno a delinear, dentro dos
limites propostos pelo currículo, seu próprio percurso.
Os eixos articuladores de teoria e prática, previstos nas DCN Licenciatura (2002) estão
expressos nos três módulos que configuram o currículo, de acordo com o texto do projeto
pedagógico.
O projeto prevê ainda a realização de uma Pesquisa Monográfica (a ser desenvolvida a
partir do quinto período); e a realização de práticas como componentes curriculares (420h) e de
Prática de Ensino de Estágio Supervisionado (400h), do primeiro ao oitavo semestre;
devidamente acompanhados e avaliados.
204
Existem disciplinas e requisitos curriculares complementares (RCCs) que são de caráter
obrigatório e perfazem um total de 1.540 horas, incluindo Prática de Ensino e Estágio
Supervisionado em Música, cuja carga horária mínima obrigatória é de 400 horas.
As disciplinas/RCCs optativas dividem-se em de escolha restrita e de escolha
condicionada. As primeiras são divididas em quatro grupos: Musicologia, Harmonia, Prática
Instrumental e Prática Vocal. Os alunos deverão cursar, em cada grupo, disciplinas de sua escolha
que perfaçam a carga horária mínima determinada para cada grupo, perfazendo ao menos um
total de 660 horas. Já as disciplinas/RCCs optativos de escolha condicionada são escolhidas
dentre disciplinas/RCCs listados para esse fim, perfazendo ao menos um total de 60 horas.
Estão previstas ainda Atividades Acadêmico-Científico-Culturais, com carga horária
mínima obrigatória de 210 horas e disciplinas/RCCs de livre escolha, com carga horária mínima
obrigatória de 510 horas62
.
A proposta da UFRJ procura uma síntese entre as duas diretrizes curriculares, dedicando
especial atenção às DCN Licenciatura (2002). Como diferencial, o projeto pedagógico aponta a
participação do licenciando como co-autor de sua estrutura curricular, sempre em consonância
com a orientação acadêmica.
A UFMG também prevê esta participação do licenciando na construção de seu percurso
curricular. Os conhecimentos selecionados foram organizados da seguinte forma:
Conteúdos da Licenciatura: Habilitação em Educação Musical: as disciplinas
pertencentes ao Núcleo Fixo e ao Núcleo Específico, pois neles é desenvolvida a base
do conhecimento musical e os saberes em torno da pedagogia geral e musical;
Conteúdos correlatos: as disciplinas que compõem grupos de disciplinas por áreas de
conhecimento em música, que são ofertadas como optativas.
Conteúdos complementares: as disciplinas e atividades em outras unidades da
Universidade, dentro da Flexibilização Curricular, que integralizam créditos como
Formação Complementar;
Conteúdos integrativos: as atividades acadêmicas que promovem a integração
discente/sociedade, como projetos de extensão (Programa Viva Música, Projeto
Cariúnas, Centro de Musicalização Infantil da UFMG, Coral de Trombones, dentre
______________ 62
Há uma discrepância entre a carga horária prevista no projeto pedagógico (de 2008) e na matriz curricular (2009) –
no primeiro, o texto afirma ser de 3150h a carga horária total do curso de Licenciatura enquanto que no segundo, a
carga horária total é de 2980h. Tal fato deve ser decorrente de possíveis ajustes/reformas realizadas na matriz.
Questionados por e-mail sobre o fato, não houve resposta por parte da coordenação e colegiado do curso.
205
outros); participação em eventos promovidos pela UFMG (Semana do Conhecimento,
UFMG Jovem) e participação em eventos culturais e artísticos na comunidade
acadêmica e geral;
Avanço de conhecimento: as disciplinas e atividades voltadas para a Iniciação Científica,
Monitoria e Iniciação à Docência.
Estes conteúdos são trabalhados em Atividades Acadêmicas Curriculares que
correspondem a aulas, atividades em grandes grupos (Grandes Grupos Instrumentais, Prática de
Repertório Coral), atividades orientadas, seminários, projetos de ensino, de pesquisa e extensão,
participação em eventos, trabalho de conclusão de curso e estágio curricular. As atividades
acadêmicas curriculares estão organizadas em:
a) Disciplinas obrigatórias de núcleo fixo (NF) e do núcleo específico (NE) no Curso de
Música
b) Disciplinas Optativas
c) Formação complementar aberta
d) Atividades geradoras de créditos
e) Formação livre
As 400 horas de prática previstas pelas DCN Licenciatura (2002) estão distribuídas em
diversas disciplinas na estrutura de música. O documento faz a ressalva de que a música,
diferentemente de outros cursos de Licenciatura, é rica no aspecto da prática como componente
curricular.
As 400 (quatrocentas) horas de estágio são compartilhadas entre a Escola de Música e a
Faculdade de Educação. O estágio ocorre tanto em escolas especializadas de música (nos dois
primeiros semestres) e nas escolas do ensino básico (dois últimos). O projeto pedagógico
apresenta a seguinte justificativa para tal:
Ocorre que a especificidade do ensino de música aliada à indefinição da lei a seu
respeito no ensino básico e profissional tem uma séria repercussão no mercado
de trabalho, onde o ensino regular de música está concentrado em escolas
especializadas. O ensino básico não tem nenhuma política clara para com esta
atividade. Portanto consideramos fundamental que o licenciado em música,
possa cumprir estágio nas duas situações, e assim esteja apto a articular sua
competência no confronto com o mercado de trabalho. Nos dois primeiros
semestres, seu estágio será realizado em escolas especializadas de música e nos
dois últimos em escolas do ensino básico. Neste momento estará interagindo
206
com as outras áreas da Licenciatura em projetos interdisciplinares. (UFMG,
2001a, p. 21)
As 1800 (mil e oitocentas) horas de conteúdos de natureza científico-cultural estão
contempladas nas disciplinas e atividades do curso. Sendo o currículo de música flexibilizado,
além das disciplinas de núcleo fixo e específico, aproximadamente 34% dos créditos serão
integralizados em disciplinas optativas.
As 200 (duzentas) horas de outras formas de atividades serão contempladas pelas
Atividades Geradoras de Crédito, segundo as normas estabelecidas pelo colegiado para sua
avaliação.
Além das disciplinas de caráter obrigatório (que abrangem uma formação básica musical,
pedagógica e músico-pedagógica), o aluno deverá cursar disciplinas optativas do próprio curso de
Música, que foram reunidas em cinco grupos de acordo com o seu conteúdo. De acordo com a
proposta de reforma curricular, estes grupos dialogam, sem coincidir integralmente, com os
chamados campos de conhecimentos sugeridos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para
estarem presentes nos cursos de Música em todo Brasil. São eles:
a) Grupo 1 – Estruturação da Linguagem Musical – inclui as disciplinas relacionadas aos
elementos constituintes da música como linguagem.
b) Grupo 2 – Teoria e Pesquisa em Música – inclui os conhecimentos que abordam a
música a partir da sua inserção na cultura e do seu relacionamento com a história das
idéias e das artes em geral.
c) Grupo 3 – Música de conjunto e práticas interpretativas – compreende as disciplinas
que tratam do domínio e da literatura dos instrumentos e da vivência musical em
conjunto.
d) Grupo 4 – Música e Pedagogia – inclui não só as disciplinas que tratam da pedagogia
dos vários instrumentos, mas também as que investigam os fundamentos psico-
pedagógicos e as metodologias da educação em Música.
e) Grupo 5 – Música e Tecnologia – compreende as disciplinas que abordam os novos
meios de composição musical, as novas técnicas de gravação e reprodução sonora, os
princípios acústicos e a relação geral que a música trava com a tecnologia.
O Colegiado do curso definiu números mínimos de créditos optativos que os alunos
devem cumprir em cada grupo. Cabe ressaltar que o Grupo 4, relativo à pedagogia musical,
equivale a 28% destes créditos optativos. Todo o restante é dedicado aos conhecimentos ligados à
prática e teoria musicais.
207
A UFSJ, por sua vez, afirma em seu documento que a formação profissional do licenciado
em música tem um caráter complexo, uma vez que envolve a formação e integração de áreas
distintas e correlatas. Nesse sentido, com base nas Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Música, organizou-se a estrutura curricular do curso em sete Campos de Conhecimento:
Por essa perspectiva, o profissional licenciado deve apresentar, para cada campo
de conhecimento, um determinado grupo de conhecimentos, habilidades,
atitudes e comportamentos que serão mobilizados, juntamente com conteúdos de
outros campos de conhecimento, para a construção das competências. (UFSJ,
2008, p. 39)
Os campos de conhecimento que agrupam as competências a serem desenvolvidas no
curso são os seguintes:
1. Campo de Conhecimento Instrumental e Vocal: competências para se expressar
musicalmente de forma prática por meio de um instrumento ou do canto, alcançando um
nível simbólico e artístico de discurso musical, com repertório adequado para tanto,
cobrindo vários estilos musicais, desde o erudito e seus períodos de época até o popular
e o folclórico.
2. Campo de Conhecimento Composicional: competências para compreender a
linguagem musical em sua sintaxe, estrutura e dimensão simbólica, modificando-a de
forma racional e intuitiva, em situações de criação, improvisação musical, elaborando
arranjos e transcrições, almejando um nível simbólico e artístico de criação e de
discurso musical;
3. Campo de Conhecimento dos Fundamentos Teóricos: competências para
compreensão e ação sobre a linguagem musical tanto em suas relações formais
intrínsecas, sua sintaxe, estrutura e dimensão simbólica quanto em suas relações
extrínsecas, como sua dimensão histórica e cultural, contextualizando os referidos
aspectos entre si;
4. Campo de Conhecimento da Formação Humanística: competência para
compreensão, reflexão e contextualização, baseada em fundamentos filosóficos,
científicos e históricos, que habilita o licenciado para um exercício fundamentado e
consciente da profissão. Contribui para a compreensão do papel da arte e da música na
história da cultura ocidental e, principalmente, para a construção de uma identidade
nacional e regional, dispondo de recursos e conhecimentos para integrar a experiência
musical à construção e manutenção dessa identidade. Compreende também o
desenvolvimento da consciência e da prática do autodesenvolvimento como sujeito,
integrando as experiências, conhecimentos e estratégias de estudo e aprendizado no seu
desenvolvimento pessoal e profissional;
208
5. Campo de Conhecimento Pedagógico: competências de ação e de compreensão dos
processos de ensino e aprendizagem musicais, relacionados ao desenvolvimento da
compreensão da linguagem musical e ao desenvolvimento instrumental e vocal,
vivenciado na Prática de Formação e no Estágio Supervisionado;
6. Campo de Conhecimento de Integração: competências para a conexão da teoria com
a prática;
7. Campo de Conhecimento da Pesquisa: competências para a análise, crítica e
investigação metodológica na busca de novos caminhos para a Educação Musical, para
a valorização da cultura nacional e local, para a preservação do um patrimônio histórico
cultural local e para a difusão da música como forma legítima de conhecimento e
identidade cultural do homem.
A proposta curricular do curso de Licenciatura em Música da UFSJ se diz centrada na
docência da educação musical básica, e pretende formar o educador capaz de pensar e
desenvolver a prática, a existência humana, a educação, a escola e o saber historicamente
produzido.
Sob essa perspectiva, a proposta de currículo do curso de Licenciatura em Música tem
como objetivo a formação do docente para o ensino da música em nível da educação básica; a
gestão do trabalho pedagógico, incluindo o planejamento, a execução e a avaliação de projetos
músico-educacionais na escola e em outros espaços educativos; e a compreensão do universo da
cultura e da produção do saber e a inserção crítica dos alunos nesse universo.
Baseados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Licenciatura (2002), o
projeto pedagógico segue a carga horária indicada:
I. 400 horas de prática de formação, como componente curricular, vivenciadas ao longo do
curso;
II. 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir do início da segunda metade do
curso;
III. 1.800 horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural;
IV. 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.
As práticas de formação, ou práticas de ensino, são definidas no projeto pedagógico como
[...] um processo de investigação-interpretação-explicação de uma determinada
realidade educacional-pedagógica concreta, quer seja em espaços educativos
formais ou não-formais. Constitui-se como espaço social de construção de
conhecimentos, saberes e sujeitos e mantém uma relação orgânica com o estágio
209
supervisionado, com base comum, eixos e temáticas do currículo. (UFSJ, 2008,
p. 70)
Dessa forma, a prática de formação no curso de Música da UFSJ, como componente
curricular, está dividida, além da orientação de monografia, em três modalidades de ―Oficinas‖,
que se completam mutuamente como formas integradoras de atividades artísticas, científicas e
pedagógicas. Nesse sentido, as Oficinas se desenvolvem em laboratórios das diversas realidades
profissionais, similares às que o aluno poderá encontrar em sua vida profissional, como
atividades de caráter vivencial, interativo e reflexivo da prática, numa metodologia multi e
interdisciplinar.
Com um total de 420 horas, as Práticas de Formação do Curso de Música da UFSJ, assim
se configuram:
Figura 3 – UFSJ – Práticas de Formação por modalidade. Fonte: UFSJ, 2008, p. 71
As Oficinas Pedagógicas, comuns a todas as habilitações, têm a proposta de funcionar
como laboratórios de vivências didático-musicais, oferecendo ao aluno oportunidades de
vivenciar situação de ensino e aprendizagem musical e instrumental/vocal.
Já as Oficinas de Performance, específicas para a Habilitação em Instrumento ou Canto,
caracterizam-se como ―laboratórios de performance musical‖, que têm como objetivo simular
vivências e situações variadas de performance musical. As Oficinas de Performance possibilitam
210
aos alunos uma oportunidade de desenvolvimento de habilidades de reconhecimento e controle
dos processos afetivos, cognitivos, psicomotores e comportamentais envolvidos na performance
musical. Tais processos se relacionam a uma série de atividades tanto de aprendizado, incluindo a
prática diária do instrumento ou canto, quanto de situações de performance musical propriamente
dita.
As Oficinas de Projetos, comuns a todas as habilitações, são caracterizadas no projeto
pedagógico como práticas de seminário de pesquisa, fórum de debates e apresentação de projetos,
palestras de pesquisadores, práticas de reflexão científica, atendendo demandas específicas dos
projetos de estágios supervisionados, projetos artístico-culturais, pesquisa na web, práticas de
grupos de estudos e, principalmente, o trabalho de conclusão de curso. Essas Oficinas cumprem a
função de integrar teoria e prática ao campo de conhecimento da pesquisa.
O Trabalho de Conclusão de Curso ou Monografia configura-se como um trabalho
obrigatório e individual, escrito e aprofundado sobre um só assunto, resultado do estudo
científico de um tema, ou de uma questão mais específica sobre determinado assunto, elaborado
de forma descritiva e analítica, na qual a reflexão é a tônica principal.
O projeto pedagógico do Curso de Licenciatura em Música da UFSJ entende o Estágio
Supervisionado como ―uma participação progressivamente atuante em atividades de prática e de
ensino musical em diversos ambientes formais e não formais de ensino‖ (UFSJ, 2008, p. 77).
Fazem parte desses ambientes as escolas das redes pública e particular de ensino regular, escolas
de educação infantil, educação especial e escolas especializadas de música, como os
conservatórios, as orquestras, bandas de música e corais.
Os estágios ocorrem a partir do terceiro período, justifica-se esta escolha ―pela
especificidade do Curso de Música, que recebe muitos alunos já atuantes profissionalmente e têm
como campos possíveis de estágio os mais variados ambientes de ensino e aprendizagem
musicais‖ (UFSJ, 2008, p. 77).
O projeto pedagógico prevê duas dimensões para o Estágio Supervisionado: a dimensão
estritamente Pedagógica e a dimensão Artístico-Pedagógica. Com relação à primeira dimensão, o
documento apresenta:
Em sua dimensão Pedagógica, o estágio supervisionado caracteriza-se como
período de observação e atuação didático-musical progressiva, em escolas
regulares ou especialistas de música e em agremiações musicais nas quais façam
211
presentes atividades de prática e de ensino musical, vocal e instrumental. (UFSJ,
2008, p. 78)
É desejável que o estágio supervisionado progrida de uma situação de observação para
uma situação de atuação efetiva do aluno-estagiário em atividades de ensino musical de vários
tipos, desde aulas de musicalização, apreciação musical, aulas de instrumento ou canto, condução
de grupos de canto coral, conjuntos instrumentais e outras atividades. O projeto pedagógico
afirma ser ―desejável‖ pois compreende que a realidade das escolas muitas vezes faz com que o
estagiário vá direto para uma atuação efetiva, pois não há professores de música no ambiente
escolar a ser observado.
A previsão é que nos dois primeiros semestres (terceiro e quarto períodos), é desejável
que o aluno realize estágio de observação em escolas especialistas de música, uma vez que,
nessas instituições, o ensino musical dispõe de aulas específicas de música, oferecendo melhores
referenciais didáticos. São lócus potenciais de realização destes estágios os próprios cursos de
extensão da UFSJ e o Conservatório Estadual.
Os dois semestres seguintes (quinto e sexto períodos) corresponderiam a uma fase
intermediária do estágio, para a qual é desejável que o aluno procure oportunidades de
progressiva atuação pedagógica, tanto em escolas especializadas de música quanto em escolas
públicas ou particulares da rede regular de ensino, uma vez que o aluno estará progressivamente
definindo suas áreas de interesse e trabalho dentro da educação musical, bem como seu perfil de
atuação pedagógica. Nestes semestres também serão realizadas observações e registros de
práticas docentes da educação não-formal, segundo opção do estagiário, em creches, educação
indígena, organizações não-governamentais, educação de jovens em situação de risco, clínica
para portadores de necessidades especiais, com o objetivo de elaboração de propostas de
implementação de educação musical nessas áreas.
Nos dois últimos semestres do curso, é desejável que o aluno procure oportunidades de
atuação pedagógica em escolas públicas ou particulares da rede regular de ensino, uma vez que
esse é um importante campo de trabalho em expansão, o que possibilitará um futuro
encaminhamento profissional do aluno naquela mesma instituição.
Em sua dimensão artístico-pedagógica, a UFSJ compreende ser importante dedicar uma
porcentagem da carga horária do estágio supervisionado a uma atividade que tenha como objetivo
dar oportunidade ao aluno de integrar, em situação de apresentação ou de performance musical,
212
várias facetas do futuro profissional, como o intérprete, o músico-instrumentista (ou cantor), o
educador e difusor cultural, além do educador humanista e democrático, consciente de seu papel
social e engajado numa proposta de levar um bem cultural diferenciado a vários espaços da
sociedade, muitos deles carentes desse tipo de cultura:
Além de instituições tradicionais de ensino, essa variação do estágio
supervisionado poderá ser realizada em instituições diversas, como hospitais,
creches, asilos, organizações não governamentais (ONGs) de fins sociais,
indústrias etc. Trata-se, portanto, de uma atuação que irá ampliar a futura
atuação profissional do estagiário na sociedade, envolvendo espaços culturais
mais amplos, mas não menos importantes do que a própria sala de aula. (UFSJ,
2008, p. 80)
Para esta modalidade de estágio supervisionado, o projeto pedagógico prevê 25% da carga
horária total do estágio, ou seja, 100h.
O projeto pedagógico entende por Atividades Complementares a Iniciação Científica,
participação em eventos científicos e acadêmicos, participação em projetos de extensão,
envolvimento em trabalhos multidisciplinares ou de equipe, participação em atividades culturais
e/ou artísticas, cursos de idiomas e/ou informática, atividades de monitoria e gestão ou
representação estudantil. Estas devem totalizar 200h e serão computadas de acordo com um
regulamento específico.
Os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural são divididos em unidades
curriculares obrigatórias e optativas. As unidades curriculares do tipo obrigatórias constituem um
núcleo comum de conteúdo curricular científico-cultural obrigatório a todas as habilitações, que
se diferenciarão, quando necessário, para atender ao itinerário de formação específico de cada
habilitação. Sobre a carga optativa:
No caso das unidades curriculares do tipo optativas, elas visam oferecer ao aluno
a possibilidade de um currículo mais personalizado, no qual ele pode adequar
sua formação a um perfil particular de musicista e educador, vinculando
conhecimentos complementares em qualquer um dos campos de conhecimentos
mencionados anteriormente. Por essa razão, o aluno terá o direito à livre escolha
dentre as que forem oferecidas. (UFSJ, 2008, p. 87- 88)
213
Estas unidades curriculares estão relacionadas aos sete campos do conhecimento
explanados anteriormente. São oferecidas Habilitações em Canto Lírico, Canto Popular, Violão,
Piano, Violino, Flauta Transversa, Viola, Violoncelo, Clarineta e Trombone, além da Habilitação
em Educação Musical.
A organização curricular da proposta da UFMS, por sua vez, está baseada nos seguintes
princípios:
Na primeira série, as disciplinas são direcionadas à fundamentação histórica e filosófica
da educação, além do nivelamento das competências musicais dos alunos;
Na segunda e terceira séries, concentram-se disciplinas de análise musical e as disciplinas
ligadas à história da música, as quais, de acordo com o documento, permitirão ao aluno
uma melhor compreensão da Linguagem Musical, e por conseguinte, o desenvolvimento
de um conhecimento mais aprofundado nesta área;
Permeia todo o currículo a ênfase dada à pesquisa e a preocupação com a realidade atual,
interferindo diretamente na prática pedagógica do acadêmico; este fato fica evidente, de
acordo com o projeto pedagógico, nas disciplinas de prática de ensino e no estágio
supervisionado;
As disciplinas, consideradas práticas, priorizam a pesquisa individual, podendo resultar
em produções individuais ou coletivas;
A última série do curso foi pensada para oferecer possibilidades plenas de integração dos
acadêmicos com a vida educacional e cultural da região;
A improvisação musical e composição de caráter pedagógico devem ser praticadas
durante todo o curso;
As aulas teóricas – ―sumariamente importantes para a prática musical e pedagógica‖
(UFMS, 2011, p. 14) - acontecem sempre referendando a prática e buscando reflexões que
aprofundem e agreguem valor aos conteúdos.
As disciplinas são divididas em Conteúdos de Formação Geral e Profissional, Conteúdos
Básicos, Conteúdos Específicos, Conteúdos de Formação Pedagógica, Conteúdos de Dimensão
Prática e Disciplinas Complementares Optativas.
Os Estágios Supervisionados são realizados exclusivamente na educação básica, e as
práticas de ensino, como se pôde observar, são compreendidas como disciplinas do currículo. O
projeto pedagógico da UFMS entende as práticas de ensino como um eixo articulador entre os
conhecimentos teóricos e práticos, que proporciona a interação dos conteúdos das demais
disciplinas do currículo, permitindo ao acadêmico vivenciar situações ligadas ao magistério e
mais especificamente ao ensino de música (UFMS, 2011, p. 43). Nestas disciplinas, os
acadêmicos são envolvidos em atividades focadas em referenciais teórico-metodológico ligados à
214
educação musical, nas quais são incentivadas e exigidas pesquisas e relatórios de leitura. Através
da organização de Seminários, os alunos são levados a ministrar conteúdos diversos,
compartilhando seus conhecimentos e sua experiência com os colegas, além de se auto-avaliarem
e avaliarem a atuação do restante da turma.
O projeto pedagógico considera como Atividades Complementares:
estágio não-obrigatório (desde regulamentado e validado pela COE);
projetos de pesquisa, monitoria, iniciação científica, projeto de extensão,
módulos temáticos, seminários, simpósios, encontros, fóruns, congressos,
conferências, excursões, visitas, etc;
disciplinas oferecidas por outros departamentos da UFMS e outras
Instituições de Ensino que desenvolvam os conteúdos do Curso de Música;
participação em palestras, oficinas e exposições artísticas;
cursos, mini-cursos e workshops relacionados às áreas da cultura e da
música;
participação em apresentações musicais, tanto como espectador como
instrumentista;
participação como produtor e/ou apresentador de programas de rádio na
área de música, envolvendo a produção e criação musical (jingles, spots, criação
de trilhas musicais, entre outras);
publicação de artigos em revistas especializadas e colunas de jornais;
participação em ações sociais (atividades desenvolvidas em asilos,
creches, hospitais, presídios, etc);
relatório de filmes e peças teatrais com ênfase à parte musical (trilha,
efeitos sonoros, etc.), sugeridos pelos professores do Curso de Música/CCHS.
resenhas de livros e textos, sugeridos pelos professores do Curso de
Música/CCHS; (UFMS, 2011, p. 45)
De acordo com o documento, outras Atividades Complementares poderão ser
consideradas a critério do Colegiado de Curso do Curso de Música, de acordo com o
Regulamento das Atividades Complementares.
É interessante, para os fins deste estudo, citar as considerações finais do projeto
pedagógico, que problematiza a questão da formação do instrumentista e a formação do
professor:
O presente projeto propõe um Curso de Música que atenda às demandas do
mercado e que contribua para o desenvolvimento cultural, especialmente, de
Mato Grosso do Sul. O que implica, inevitavelmente, no aprimoramento da
qualidade técnica e artística dos músicos que vivem e trabalham na região.
215
Atualmente, a maioria dos instrumentistas atuantes são também professores e
por isso uma dicotomia paradoxal se instaura: caso os músicos optem por um
estudo acadêmico como instrumentistas (Bacharelado), não poderão – de acordo
com a LDB – lecionar, e caso optem pelo curso de Licenciatura, não terão a
formação técnica e instrumental que lhe tornariam excelentes em seus
instrumento/Canto, perdendo mercado para outro.
Diante disso, a problemática se agrava, quando consideramos a necessidade de
articulação entre atuação musical e atuação pedagógica. Enquanto muitos
músicos profissionais, por necessidades de sobrevivência, desenvolvem
atividades pedagógicas, outros, também por necessidade, conciliam suas
atividades pedagógicas com execuções instrumentais diversas, contribuindo para
o incremento das atividades culturais e artísticas da cidade e do Estado. Nesse
sentido, este Curso busca - a despeito de ser uma Licenciatura - dar consistente
formação nas áreas da execução instrumental, regência e análise musical.
(UFMS, 2011, p. 45 – 46)
O curso posiciona-se no limiar da formação do músico professor e do professor de
música, tendo em vista ―demandas do mercado‖. Parece considerar a modalidade Licenciatura
apenas para possibilitar, aos egressos, uma certificação legal que os permitam lecionar – não
importando o lugar.
A distribuição dos conhecimentos nas propostas da UFRJ e UFMG apresentam certo
equilíbrio de carga horária entre a oferta de disciplinas musicais e pedagógicas (incluindo-se aí as
músico-pedagógicas). A UFMS apresenta clara predominância das disciplinas relacionadas à
teoria da música; enquanto a UFRJ, por sua vez, uma tendência à predominância de disciplinas
que envolvem a prática musical.
Apesar disto, é possível localizar as disciplinas musicais (de caráter prático e teórico) no
foco da estruturação curricular. As DCN Licenciatura (2002) são, em certa medida, responsáveis
pelo aumento da carga horária das disciplinas de caráter pedagógico, instituindo as 400h de
Prática de Ensino e as 400h de Estágio como obrigatórias. Também é necessário observar que o
equilíbrio observado nas propostas da UFRJ e UFMG pode ser quebrado facilmente com as
disciplinas optativas de escolha livre por parte dos alunos. A oferta de disciplinas musicais (de
caráter prático, principalmente) compõe a grande maioria de disciplinas optativas oferecidas
pelos cursos. Tal fato nos faz reafirmar que a prática musical e os estudos teóricos musicais
continuam sendo o grande pilar das propostas curriculares analisadas.
As diferentes propostas atendem às diretrizes nacionais, buscando uma ligação entre seus
documentos curriculares e as demandas/especificidades locais. Apesar disso, os documentos não
216
deixam claro se e como são contempladas as manifestações musicais – populares ou não –
específicas de cada região.
A formação musical, de caráter específico, apresenta-se com uma estrutura muito
semelhante nas propostas analisadas. Todos pensam esta formação a partir de disciplinas que
trabalham a notação musical associada à percepção auditiva, disciplinas de prática instrumental,
vocal e de regência, além de disciplinas que ‗pensam‘ a música, que informam a prática musical.
Esta formação específica guarda, em si, a estrutura disciplinar institucionalizada pelo
conservatório e que foi inserida na universidade com a anexação do Instituto Nacional de Música,
como se pode notar na figura a seguir:
217
Figura 4 – Formação Musical
218
Há, com certeza, pequenas diferenças individuais nas propostas, mas a estrutura de
formação está mantida. E apesar de haver disciplinas que se relacionam com práticas de
música popular (como Arranjo e Improvisação, por exemplo), esta estrutura apresenta uma
ligação estreita com a música notada ocidental européia. Como discutido anteriormente, é
uma estrutura que predispõe à seleção cultural deste tipo de música, e à crença da
superioridade desta seleção frente às outras manifestações musicais/culturais. Estas ocupam
uma posição periférica nos currículos, em caráter de concessão, de curiosidade, de
conhecimento do exótico.
Desta forma, já é possível detectar a presença de uma matriz conservatorial que tem
perdurado nos currículos e criado nos estudantes disposições que (re)produzem uma ideologia
ligada à hegemonia do valor da música erudita. Além disso, a formação do músico professor
apresenta-se como proeminente nas propostas curriculares analisadas, embora seja forçoso
admitir que, à exceção da UFMS, existe uma crescente preocupação com a formação
pedagógica dos licenciandos.
4.4 A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS: MÚSICA X EDUCAÇÃO
De acordo com Shulman (2005), entre todas as categorias de conhecimento listadas
para a formação do professor, o conhecimento didático do conteúdo adquire um interesse
particular porque identifica o corpo de conhecimentos próprios para o ensino, uma vez que
representa o amálgama entre o conteúdo específico e o pedagógico.
Para a análise da profissionalização dos conteúdos do currículo de formação de
professores observaremos, de maneira especial, os conhecimentos específicos de música, os
conhecimentos pedagógicos gerais e os conhecimentos didáticos da música, e as tensões que
se estabelecem entre eles. Estas tensões sendo analisadas a partir dos conceitos de
classificação e enquadramento propostos por Bernstein (1990).
Os conhecimentos específicos de música apresentam uma estrutura disciplinar
semelhante, embora varie o caráter destas disciplinas quanto à sua obrigatoriedade (se
obrigatórias, optativas com escolha obrigatória, etc.).
Em geral se estruturam de acordo com as DCN Música (2004): estudos que
particularizam e dão consistência à área de Música, abrangendo os relacionados com o
conhecimento instrumental, composicional e de Regência (cf. Figura 2).
219
As práticas instrumentais variam de acordo com o perfil do egresso de cada curso. A
UFRJ baseia sua estrutura curricular na formação do educador musical e do músico, com uma
sólida formação musical. Dessa forma, a formação instrumental ocorre durante todo o curso.
A UFSJ, na Habilitação em Instrumento/Canto, tem como foco a preparação do músico
professor, logo, a prática instrumental ocorre também por todo o curso. Na Habilitação em
Educação Musical, os licenciandos cursam disciplinas de Teclado, Violão e Flauta Doce
como instrumentos musicalizadores (isto é, como ferramentas próprias para a Educação
Musical) além de Percussão. Neste caso, a performance instrumental também perpassa todo o
curso, mas diluída em diferentes instrumentos. Não há, portanto, a escolha de um instrumento
principal, ao qual os estudantes dedicarão seus esforços para a aquisição / desenvolvimento de
domínio técnico.
A UFMG, cujo curso de Licenciatura procura combinar uma formação musical mais
ampla e menos focada no domínio apurado de um instrumento com uma preparação didática
mais intensa, apresenta em sua estrutura 4 semestres obrigatórios de Instrumento
Complementar. A UFMS, por sua vez, cujo curso busca – ―a despeito de ser uma Licenciatura
– dar consistente formação nas áreas da execução instrumental, regência e análise musical‖,
oferece 4 semestres de Instrumento Harmônico e 4 semestres de Instrumento Melódico, mas
existem Práticas Instrumentais optativas para os oito semestres do curso. Logo, a prática
instrumental está presente em todo o curso, com a possibilidade de escolha de um instrumento
principal.
Todos os cursos oferecem disciplinas de Introdução à Regência, Canto Coral e
Técnica Vocal. Da mesma forma, todos os cursos oferecem disciplinas de Percepção Musical,
História da Música, Harmonia, Arranjo e Análise.
Os conteúdos de formação pedagógica geral são também bastante semelhantes nos
projetos pedagógicos compulsados, com pequenas variações:
220
Figura 5 – Conhecimentos Pedagógicos Comuns
O Quadro 23, a seguir, discrimina as disciplinas de formação pedagógica geral de cada
projeto pedagógico analisado:
221
Quadro 23 – Disciplinas de formação pedagógica geral
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Didática de Licenciatura* Fundamentos de
Didática*
Didática* Didática, Avaliação e
Teorias Pedagógicas*
Didática, Avaliação e
Teorias Pedagógicas*
Política Educacional* Políticas Educacionais* Políticas Educacionais e
Organização da Educação
Básica no Brasil*
Políticas Educacionais e
Organização da Educação
Básica no Brasil*
Psicologia da Educação –
Aprendizagem e Ensino*
Psicologia do
Desenvolvimento e
Aprendizagem*
Psicologia da Educação* Psicologia da Educação I e
II*; III**
Psicologia da Educação I e
II*; III**
Sociologia da Educação* Fundamentos
Sociológicos da
Educação*
Sociologia da Educação I*
e II**
Sociologia da Educação I*
e II**
Educação Especial*
Filosofia da Educação no
Mundo Ocidental*
Filosofia da Educação** Filosofia da Educação**
Educação Brasileira*
Educação e Comunicação
II*
Educação e Arte** Arte e Educação** Arte e Educação**
LIBRAS*
Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).
222
Com relação aos conteúdos didáticos do conhecimento didático musical, as diferenças
são bastante marcantes, como pode ser observado no Quadro 24 que se segue:
223
Quadro 24 – Disciplinas de formação pedagógica musical
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Didática da Educação
Musical
Didática da Música I e II* Didática da Musicalização I
e II*
Didática da Musicalização I
a IV*
Didática do Instrumento Metodologia do Ensino
Instrumental (Teclado,
Percussão, Violão, Flauta
Doce)**
Didática do Ensino do
Instrumento ou Canto*
Didática em Música
Educação Musical na
Rede Regular
Folclore Musical e
Cultura Popular
Folclore Musical
Brasileiro**
Folclore Musical
Brasileiro**
Metodologia da Educação
Musical I e II
Fundamentos da
Metodologia do Ensino
da Música*
Metodologia do Ensino
da Música I a IV*
Oficina Pedagógica I e II Oficina Pedagógica I a III* Oficina Pedagógica I a V*
Prática Pedagógica em
Música
Prática de Ensino em
Música I a VIII*
Projeto de Ensino
Psicologia da Educação
Musical
Psicologia da aprendizagem
e da performance musical**
Psicologia da aprendizagem
e da performance
musical**
Sociologia da Educação
Musical
Introdução à Sociologia
da Música*
Tópicos em Música e
Pedagogia
Tópicos Especiais do
Ensino da Música
(Teclado, Violão)**
Tópicos Especiais em
Música e Pedagogia**
Tópicos Especiais em
Música e Pedagogia**
224
UFMG UFMS UFRJ UFSJ (Habilitação em
Instrumento ou Canto)
UFSJ (Habilitação em
Educação Musical)
Regência de Corais
Escolares I e II**
Regência e Pedagogia do
Canto Coral Infantil**
Regência e Pedagogia do
Canto Coral Infantil*
Formação de Conjuntos
Escolares**
Fundamentos da Educação
Musical*
Fundamentos da Educação
Musical*
Educação Musical e
Tecnologia A e B**
Educação Musical e
Tecnologia A e B**
Pedagogia do Ensino
Instrumental em Grupo A e
B**
Pedagogia do Ensino
Instrumental em Grupo A e
B**
Pedagogia da Performance
na Educação Musical**
Pedagogia da Performance
na Educação Musical**
Fonte: UFMG (2001); UFMS (2011); UFRJ (2009); UFSJ (2008).
225
O curso de Licenciatura em Música da UFRJ demonstra uma classificação fraca entre
os conteúdos musicais e os pedagógicos, relação esta que pode ser observada nas várias
disciplinas que tratam de conteúdos didático-musicais, como as obrigatórias: Fundamentos da
Metodologia do Ensino da Música, Metodologia do Ensino da Música (I, II, III e IV) e
Didática da Música (I e II). Além destas, a instituição oferece as optativas: Regência de
Corais Escolares, Formação de Grupos Escolares e Metodologia do Ensino Instrumental. As
disciplinas revelam uma preocupação com a didatização dos conteúdos específicos musicais e
uma atenção especial às práticas musicais na escola regular.
O curso de Licenciatura em Música da UFMG apresenta também uma fraca
classificação entre os conteúdos musicais e pedagógicos, demonstrada nas disciplinas que
tratam dos conteúdos didático-musicais: Didática da Educação Musical, Educação Musical na
Rede Regular, Sociologia da Educação Musical, Psicologia da Educação Musical, Oficina
Pedagógica (I e II) e Metodologia da Educação Musical. Além das optativas: Didática do
Instrumento, Expressão Corporal na Educação (I e II) e as disciplinas reunidas com o nome
Tópicos em Música e Pedagogia.
O curso de Licenciatura em Música da UFSJ possui também uma fraca classificação
entre os conhecimentos musicais e pedagógicos, talvez um pouco mais forte que as
observadas nos cursos da UFRJ e da UFMG pelo caráter optativo da maioria das disciplinas
que tratam dos conteúdos didático-musicais. As obrigatórias comuns para as duas habilitações
(em Instrumento/Canto e em Educação Musical) são: Fundamentos da Educação Musical e
Didática da Musicalização I e II. As optativas comuns são: Educação Musical e Tecnologia
(A e B), Pedagogia do Ensino Instrumental em Grupo (A e B), Tópicos Especiais em
Pedagogia da Música, Psicologia da Aprendizagem e da Performance Musical e Pedagogia da
Performance Musical. A Habilitação em Instrumento/Canto oferece como obrigatórias a
Didática do Instrumento, enquanto que a Habilitação em Educação Musical oferece as
disciplinas Didática da Musicalização III e IV.
O curso de Licenciatura em Música da UFMS é o que apresenta a classificação mais
forte entre os conhecimentos musicais e pedagógicos: não há disciplinas que se dedicam aos
conteúdos didático-musicais. Estes conteúdos parecem ser trabalhados nas disciplinas
práticas, intituladas pelo projeto pedagógico como Práticas de Ensino em Música.
Estas características são condizentes com os perfis do egresso apresentados pelos
projetos pedagógicos: a UFRJ preocupa-se com a formação do educador musical e do músico,
de maneira semelhante à UFMG e à UFSJ. Esta última prefere separar aquele que irá ser
226
professor do seu instrumento e aquele que será um educador musical mais voltado para a
educação básica. A UFMS, por sua vez, apresenta um projeto pedagógico condizente com a
idéia de enfatizar a prática musical.
As práticas de ensino obrigatórias de acordo com as DCN (2002), também receberam
atenção diversificada. Na UFRJ, as 400 horas estão distribuídas pelas disciplinas e RCCs ―[...]
em atividades articuladas, sobretudo, com o conjunto Metodologia do Ensino da Música e
com o conjunto Prática Instrumental, com atividades coletivas e aplicadas‖ (UFRJ, 2008, p.
17). Na UFMG, as 400 (quatrocentas) horas de prática estão distribuídas em diversas
disciplinas na estrutura curricular.
Na UFMS, a estrutura curricular prevê disciplinas de Prática de Ensino de Música. É
nestas disciplinas que deverão ocorrer a abordagem de todos os conteúdos didático-musicais.
A UFSJ dá um tratamento diferenciado às práticas, entendo-as não apenas como práticas de
ensino, mas como práticas de formação. Estas práticas estão distribuídas na estrutura
curricular, além da orientação de monografia, em três modalidades de ―Oficinas‖, que se
completam mutuamente como formas integradoras de atividades artísticas, científicas e
pedagógicas. Estas oficinas são como laboratórios das diversas realidades profissionais,
envolvendo performance, pesquisa e atividades de ensino.
Chama a atenção também o estágio obrigatório. Na UFMS, a escola regular é o único
lócus possível para a realização do estágio, diferentemente das outras três universidades,
aonde é permitido estagiar também em escolas específicas de música. Na UFSJ, na habilitação
em Instrumento/Canto, é até possível dedicar 100 horas do estágio para apresentações
públicas, entendendo isso como prática da profissão de músico.
4.5 COMPARANDO: TRADUÇÕES E IMPLICAÇÕES DO HABITUS CONSERVATORIAL
Como se pôde observar, há diferenças quanto aos conteúdos profissionalizantes
direcionados à atuação como professor de música, mas não quanto à atuação do músico. A
formação do músico é bastante semelhante e a UFSJ é quem melhor trabalha com essa
diferença, ao separar sua licenciatura em duas modalidades de formação. A UFMS, por sua
vez, é quem apresenta o projeto pedagógico mais próximo do currículo coleção, com uma
classificação forte entre conteúdos musicais e pedagógicos. Nesta universidade, o fato de a
escola regular ser o único lócus de realização de estágio revela um paradoxo com sua
organização curricular, que privilegia a formação do músico.
227
No perfil dos egressos dos cursos analisados, observa-se a multiplicidade de espaços
para os quais os licenciandos são formados: projetos sociais, escolas especializadas,
conservatórios, educação básica. É interessante que o curso eleja um foco de formação, como
o fez a UFSJ, para que esta se dê de maneira mais sólida. Pois é bastante difícil formar um
professor de instrumento que seja também apto a atuar na educação básica, uma vez que são
duas atividades que se diferenciam em demasia. Da mesma forma, a preocupação com a
escola regular deve estar presente em todos os cursos, pois, por mais que o licenciado em
música com habilitação em instrumento/canto tenha sido preparado para ser um músico
professor, o título de licenciado o habilita a ocupar a função de professor de música nas
escolas de educação básica.
A tensão entre Música e Educação reflete a idéia de campo de lutas, proposta por
Bourdieu. Quando o Conservatório institucionalizou a formação do músico (e,
consequentemente, a formação do músico professor), percebe-se, no campo artístico, uma
conversão de estratégias do campo educativo: a (re)produção do campo artístico (dos agentes
que integram o campo artístico) se dará nos moldes do campo educativo. O campo artístico
apropria-se da forma e organização escolar, organizando a formação de seus agentes em
disciplinas, utilizando-se da organização do tempo escolar, do percurso escolar, e do papel
desempenhado por agentes próprios do campo educativo – professores e alunos. O capital que
se encontra em jogo é a música erudita ocidental notada – cujas estratégias de aquisição se
adéquam perfeitamente à forma e organização escolar.
Quando o Instituto Nacional de Música é incorporado à Universidade, a formação de
músicos e de professores de música passa a ser objeto do campo educativo. O capital cultural
em jogo continua a ser a música erudita ocidental notada, cuja posse é convertida em capital
social (verniz cultural e diploma).
Ocorre daí uma problemática: a formação do músico (agente do campo artístico) se
dará nos cursos de Bacharelado em Música. Este músico será também o agente responsável
pela formação de outros músicos, assumindo a função de músico professor. A formação do
professor de música se dará em cursos de Licenciatura, formação de um agente próprio do
campo educativo, cuja atuação se dará nas escolas regulares.
Decorre deste entendimento que a formação do professor de música deve ater-se às
necessidades do campo educativo, o que nos remete ao vocacionalismo próprio da ideologia
neoliberal. Entretanto, o espaço escolar desenvolveu, ao longo da sua história, uma doxa com
relação à presença da música: esta é vista como um verniz cultural, como ferramenta para a
228
aquisição de outros conteúdos (higiene, civilidade, civismo, disciplina, coordenação motora,
matemática, partes do corpo, etc) e como ornamentação das festas escolares.
Por outro lado, a formação do músico também desenvolve uma doxa, ligada à
superioridade da música erudita ocidental notada e suas propriedades (universalismo,
complexidade, eternidade, originalidade e autonomia). Desta doxa decorrem nomos de
formação, próprios do campo artístico. Estas propriedades atribuídas à música erudita se
encaixam perfeitamente na concepção do liberalismo elitista brasileiro da década de 1930 que
via a universidade como lócus de transmissão da ―alta cultura‖. Também esta doxa encontra
força nas críticas à concepção ―formativa‖ da educação superior: o papel da universidade
ligado à educação, não se limitando ao contexto de atuação profissional, também próximo das
idéias de ―alta cultura‖.
Além destas duas concepções temos uma visão ideal do ensino de música, atenta às
necessidades de contextualização, ao discurso musical dos alunos, à concepção de músicas
(atenção à diversidade cultural), à visão do professor de música como mediador entre estas
musicas e seres humanos – como um agente que visa à emancipação do gosto das pessoas às
vicissitudes das mídias e da cultura de massas. O professor de música como agente que
conduz à compreensão da(s) música(s) como arte, como manifestação social, como prática e
processo humanos, como cultura. Um agente que permite às pessoas escolherem o que gostam
a partir de um repertório musical amplo e variado, sem hierarquização, sem uma civilização
do gosto. Esta é a visão que tem sido defendida pela área da educação musical, representada,
no Brasil pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical).
Estas três concepções têm mantido pouco diálogo. Observa-se que a ideologia
neoliberal provoca uma necessidade de vocacionalismo, de aproximação com o trabalho – ou
seja, da aproximação entre formação de professores de música e seu lócus de atuação: as
escolas. As escolas, com suas práticas e concepções incorporadas repelem o músico com suas
próprias práticas e concepções incorporadas. As instituições formadoras de professores de
música convertem, para o campo educativo, formas de se pensar a formação do professor de
música (e mesmo de se pensar a música), que são próprias do campo artístico – que, por sua
vez, afastam seus formados do espaço escolar.
Percebe-se que o perfil ideal, pensado e discutido pela área de educação musical,
encontra grande resistência para sua implementação. O que nos leva a acreditar que existem
habitus próprios da formação artística que têm impedido a aproximação entre professores de
229
música e escolas, entre música e educação; ao mesmo tempo que fortalecido doxas e nomos
das escolas com relação à música e suas funções em seu espaço.
As diretrizes curriculares não prescrevem uma formação musical, apenas se referem a
uma formação específica em música. Entretanto, as semelhanças entre as diferentes
interpretações no que se refere a esta formação musical nos leva a pensar em uma matriz
comum de percepções sobre a formação musical e, por conseguinte, do professor de música.
A prática da construção curricular pode revelar, desta forma, concepções arraigadas
sobre músico, professor, música e educação. Esta prática nos permite esboçar o conceito de
um habitus de formação do músico professor que não se adapta à realidade escolar e que
impede a concepção de projetos democráticos para a música e os cidadãos. O conceito de
habitus proposto por Bourdieu é um conceito chave nesta compreensão, uma vez que nos
permite compreender estas concepções não como práticas engessadas, repetições de modelos
arcaicos. Mas como práticas históricas que se encontram em constante atualização, mantendo,
entretanto, características incorporadas e acumuladas ao longo de sua história, sendo
reeditadas ao passo que o campo é reeditado, reeditando-o.
Assim, o Conservatório não é reproduzido na universidade, mas re-produzido,
produzido de novo, atualizado. O Conservatório e a visão da formação do músico, próprios do
campo artístico, têm influenciado nas formas de agir, pensar, perceber, conceber música e
educação, práticas musicais e práticas educativas. O que nos conduziu a esboçar um conceito
que tenta explicar estas dificuldades, este movimento de refração entre o campo artístico e o
campo educativo: a idéia de um habitus conservatorial.
As três áreas de comparação eleitas como lentes para o estudo dos projetos
pedagógicos selecionados permitiram a identificação das traduções do habitus conservatorial
nas prescrições curriculares para as Licenciaturas em Música. Este habitus, que denominamos
como conservatorial, sendo produto e produtor da história deste campo, vem influenciando a
elaboração curricular dos cursos de graduação em Música e, no caso específico das
licenciaturas, dificultando a inserção da disciplina/conteúdo no âmbito da escola regular. Isso
por auxiliar na construção de barreiras para a compreensão da música como fenômeno social,
atualizando uma ideologia musical erudita.
Entretanto, é possível perceber tentativas de rompimento com a tradição
conservatorial: atenção à música popular, preocupação com uma formação didático-musical,
atenção às necessidades da educação básica. Contudo, a presença desta tradição é ainda
marcante na estruturação dos currículos, influenciando principalmente a definição dos perfis
230
dos egressos e a obrigatoriedade de determinadas disciplinas ligadas à prática e à teoria da
música erudita notada.
Como exemplo concreto e auto-declarado dessa situação, citamos Barbeitas (2002),
que afirma que o projeto pedagógico da UFMG procurou romper com a tradição
conservatorial. Nota-se uma maior preocupação com a formação didática, entretanto, várias
características conservatoriais permanecem inalteradas: retira-se o foco na formação em um
único instrumento, mas a performance continua sendo privilegiada no currículo (técnica
vocal, violão complementar, canto coral, música de câmara, instrumento complementar, entre
outros); a construção curricular baseada em disciplinas tradicionais como Percepção,
Harmonia, Contraponto, Análise, História da Música, entre outras; a música popular foi
admitida na academia, mas sempre submetida ao esquema de valoração delineado pelo
habitus conservatorial.
Não se pode negar que alterações foram feitas, como o abandono do estudo
cronológico da História da Música e sua abordagem por temas. Entretanto, numa análise mais
profunda, pode-se depreender desta reforma que a cronologia é algo que já é sabido pelos que
ingressam no curso, pressupondo uma formação anterior que, em muitos casos, não existe.
Curioso é perceber que, mesmo a UFMS não tendo relação direta com nenhuma
instituição conservatorial, seu projeto pedagógico demonstra de maneira mais acentuada a
presença do habitus conservatorial. A UFRJ, ao contrário, apesar de ligada ao primeiro
conservatório brasileiro, luta contra as tradições e se preocupa em situar o curso num contexto
social mais amplo.
Desta forma, confirmamos a hipótese inicial que se refere à existência de um habitus
próprio do campo artístico-musical passível de ser mapeado pela análise dos documentos
curriculares das Licenciaturas em Música: o habitus conservatorial.
DA MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES
CURRICULARES (ou NOTAS FINAIS)
Os objetivos deste estudo consistiram em mapear e analisar a presença de um habitus
conservatorial na construção de currículos de cursos de Licenciatura em Música no Brasil em
vigor após a publicação das Diretrizes Curriculares em 2004.
Para tal, orientados pela noção bourdieusiana de habitus entendida como história
incorporada, feita segunda natureza, procuramos descrever – de maneira interessada na
explicitação de disposições que foram incorporadas – o movimento histórico da música e da
constituição do seu ensino superior no Brasil. A partir deste estudo, observamos como uma
doxa conservatorial foi forjada e perpetuada pelas ações dos agentes com o passar do tempo.
O estudo das diretrizes curriculares nacionais para a graduação em Música e para a
formação de professores para o ensino básico também foi revelador, no sentido de que nos
permitiu observar quanto desta doxa conservatorial está presente nas prescrições oficiais e
quanto é resultado da interpretação dos agentes orientados por um habitus internalizado.
A revisão da bibliografia produzida sobre o assunto foi crucial para compreendermos
como a problemática das licenciaturas em música e das práticas conservatoriais vem sendo
estudadas na contemporaneidade. Assim, situamos nossos questionamentos e identificamos
como eles vinham sendo respondidos até então. Tanto a revisão bibliográfica como a análise
documental nos permitiram identificar os pressupostos ideológicos vigentes na área musical,
procurando desnaturalizar as práticas e observá-las como produtos de uma ideologia
incorporada.
Os quatro documentos selecionados para comparação permitiram a visualização de
uma matriz geradora: o conservatório incorporado e constantemente atualizado, e das
individualidades de manifestação de disposições conservatoriais – uma vez que cada
documento é diferente dos demais, ainda que uma essência comum fosse evidente.
Na incursão pelo movimento histórico do ensino musical no Brasil, em especial pelas
instituições de ensino, foi possível observar a constituição de dois campos distintos, mas
interrelacionados: o campo artístico e o campo educativo. De um lado, a formação de artistas
(profissionais e diletantes). De outro, os caminhos percorridos pela música na escola regular.
Dois caminhos diferentes, mas em constante cruzamento.
A música, na escola, acaba por assumir outras funções, mais ligadas ao lazer, ao
entretenimento, à ―higiene mental‖. Permanece, entretanto, como símbolo de civilização.
232
A existência de dois perfis profissionais acaba por produzir tensões entre dois tipos de
cursos superiores de música disponíveis no Brasil: o Bacharelado e a Licenciatura. Num
primeiro momento, entende-se que o Bacharelado se destina a formar o músico: o especialista
(virtuose) em seu instrumento (ou voz), o compositor e o regente.
Do outro lado, tem-se a Licenciatura, destinada a formar professores de música para a
escola regular – que não tem, em sua estrutura, uma disciplina Música. Formava-se, desta
forma, um profissional para atuar num campo de trabalho praticamente inexistente –
praticamente porque a música estava diluída na Educação Artística e, posteriormente, nos
conteúdos da área de Arte.
Os licenciados, na procura de espaços mais salutares para o desenvolvimento de seu
trabalho, migram para outros lócus de atuação: escolas específicas, projetos sociais, por
exemplo. Mas, os músicos bacharéis – que também não encontravam um mercado de trabalho
promissor (afinal, ser concertista é uma profissão praticamente inviável no Brasil) – atuavam
como professores de seu instrumento.
A área de música passa a lutar por sua inclusão efetiva na educação integral dos
indivíduos e, com a Lei N. 11769/2008 alcança o status de obrigatoriedade – dentro do ensino
de Arte, e sem ser necessário ser formado para tal (de acordo com o veto presidencial).
Os alunos dos cursos de licenciatura ainda se recusam a ingressar na escola – terreno
inóspito para a concretização das práticas musicais aprendidas. Mas acabam por enfrentar este
desafio ―quando nada mais parece dar certo‖.
Entretanto, o ingresso na escola regular não é nada fácil, pois a música ainda não
ocupa um lugar consolidado no espaço escolar e, ainda que ocupasse, a ―música‖ da escola
não é a mesma ―música‖ que foi estudada no curso superior. É como se o curso superior em
Música se refugiasse numa realidade paralela (um campo artístico relativamente autônomo),
não ignorando o mundo lá fora, tal qual ele o é, mas, ainda assim, se ocupando de outras
práticas, de outras músicas.
É inevitável reconhecer que existe um confronto entre as práticas musicais do
cotidiano e as práticas musicais da universidade. O ensino de música mantém-se
profundamente ligado às raízes da tradição, às teias de sua história, ainda que conviva com
tentativas de inovação.
Não há problemas em se preservar tradições, em se dedicar à música erudita e ao seu
estudo. Paradoxalmente, na luta por uma diversidade musical, as universidades parecem ser
um refúgio seguro da música erudita – solapada na sociedade pela música popular. O
233
problema surge quando tratamos de uma licenciatura em música, que, por definição, deveria
preparar professores para a realidade da escola regular. Que, por sua vez, também não está
preparada para receber professores de música e suas propostas de trabalho.
Ao analisar a constituição histórica deste cenário conflituoso, percebemos que, ao
longo do tempo, várias crenças foram forjadas e interiorizadas pelas pessoas e pelos sistemas
de ensino.
No campo artístico, a doxa conservatorial, incorporada nos agentes, acabou por criar
nomos de formação. Ainda que, segundo Elias (1995), em determinado momento da história
tenha se passado de arte de artesão para arte de artista, a formação do músico manteve os
moldes das oficinas artesanais, onde o mestre se ocupava da educação de seus aprendizes.
O Conservatório instituiu um modelo curricular, no qual a prática musical estava no
centro dos objetivos e, em torno dela, gravitavam todas as outras disciplinas que a pudessem
nutrir. A seleção do conhecimento elegeu a música erudita como conhecimento oficial,
estruturando o currículo para a apreensão de seus códigos, de forma a possibilitar a
conservação de sua prática.
Paralelamente, a escola foi caminhando em outra direção, construindo para si uma
doxa musical que atribuía à música outros papéis, mais ligados à ornamentação, ao lazer. Os
alunos traziam, para o interior das escolas, as suas práticas musicais – por vezes distante da
música erudita. Práticas cotidianas, ligadas à família e à mídia.
No final da década de 1990, são elaboradas Diretrizes Curriculares para os cursos de
graduação. Estes documentos enfatizam a necessidade de contextualização social do curso
superior, na perspectiva de formar trabalhadores aptos a encarar a realidade do mercado de
trabalho.
Ainda assim os currículos das Licenciaturas em Música permanecem distantes da
realidade musical das escolas regulares. Trazem toda uma estrutura carregada de história,
constituindo-se na materialização de práticas que refletem a interiorização da instituição
conservatorial. A contextualização social torna-se impraticável.
A análise das diretrizes curriculares permitiu-nos observar que também elas carregam
vestígios históricos da instituição conservatorial. O entendimento de música como prática é o
mais evidente. Entretanto, não há prescrições curriculares. Ao contrário, como supracitado, é
central a exigência de contextualização social.
O estudo comparado, por áreas, dos currículos selecionados evidenciou um consenso
na interpretação das diretrizes. As áreas de comparação selecionadas permitiram o
234
desvelamento de matrizes de cultura que orientam a estruturação curricular. Além disto, os
projetos pedagógicos evidenciam as dificuldades de concepção do que seja o professor de
música, seus locais de atuação e, principalmente, a problemática oriunda do desejo de
preparar o licenciando para diferenciados locais de trabalho.
Uma mesma formação é pensada para esses diferentes locais. Uma formação
dessituada, descontextualizada – a não ser para a formação de professores de músicos
instrumentistas (eruditos, sem dúvida).
Por meio das áreas eleitas para a comparação dos projetos pedagógicos, identificamos
tensões entre quatro tipos de disciplinas: as específicas de música, relacionadas à prática
instrumental/vocal; as também específicas de música, mas relacionadas à teoria musical; as
disciplinas pedagógicas (de caráter geral e também as ligadas à pedagogia musical); e as
disciplinas não relacionadas à música ou à educação.
Estas tensões também têm origem no habitus conservatorial, que privilegia a
performance (e, consequentemente, mas em segundo plano, as disciplinas teórico-musicais).
Se o currículo tende a acreditar que o professor é o músico, as disciplinas pedagógicas
naturalmente ocupam um lugar menos privilegiado. Dentre elas, as relacionadas à educação
musical têm ainda um status melhor do que as que dizem respeito à escola regular – lócus de
um trabalho que os licenciandos preferem evitar.
Existe a consciência destes problemas, ao passo que reformas têm sido realizadas. Mas
as reformas são também produtos de disposições incorporadas, de uma ideologia musical
interiorizada. As reformas acabam por perpetuar a tradição, na tentativa de romper com ela.
Ao invés de transformar, as reformas acabam por conservar.
Carregado de uma ideologia musical própria dos conservatórios, o currículo das
licenciaturas destitui a música erudita de seu caráter socialmente situado, universalizando-a,
sacralizando-a. A música não é entendida como fenômeno social, mas como um conjunto de
obras míticas, puras, eternas. Os professores de música são preparados para perpetuarem este
sistema, ao invés de se constituírem como pesquisadores de cultura, da cultura dos seus
alunos.
O currículo acaba por tornar-se descontextualizado, uma ferramenta da sociedade para
a reprodução de seus valores eruditos, inquestionáveis. As práticas curriculares acabam por
comprovar a incorporação de um habitus, que aqui chamamos de habitus conservatorial. E,
mais além, transformam-se em instrumentos de inculcação deste habitus nas novas gerações
que passam pelo curso superior.
235
Este habitus faz com que, embora seja premente a necessidade de mudanças e
reformas no ensino da música, a tradição seja mantida, a história seja perpetuada, as práticas
conservatoriais sejam efetivadas.
A manutenção de práticas conservatoriais não é novidade na área da educação
musical. Entretanto, com o conceito de habitus, nos armamos de um instrumento teórico que
nos permite explicar porque, apesar de todas as pesquisas já realizadas, essas práticas são
mantidas.
Mais do que um modelo que vem sendo reproduzido, temos uma matriz de práticas,
que orienta não somente sua reprodução, mas também as tentativas inócuas de reformas.
A consciência de um habitus conservatorial provoca uma série de inquietações sobre o
ensino de música, desnaturalizando verdades. Percebe-se um consenso sobre como se ensinar
música, como se estruturar um currículo para tal. Esta estrutura é reflexo da interiorização da
história da educação musical, em especial do conservatório: teoria musical (notação), prática
instrumental, estudo histórico das práticas musicais (não de todas, mas da música que vale a
pena), da complexidade de sua linguagem – aí inclusas a harmonia e a análise de suas
estruturas formais.
Para ensinar a música erudita, com toda a sua complexidade, é necessário um artista
que domine sua linguagem, seus códigos, os meios de sua produção. Neste caso, o professor
de música mais indicado é realmente o músico. Mas, e se começássemos a nos libertar das
amarras históricas do significado musical? A música que queremos nas escolas é somente a
música erudita? Somente porque não se trata de excluir a música erudita do repertório escolar
– esta música é também parte da história cultural dos seres humanos e, portanto, digna de ser
objeto de estudo, mas não é a única.
Quando nos questionamos sobre o que significa música, sobre o significado das
práticas musicais na sociedade, temos a oportunidade de vislumbrar outras práticas e outros
currículos possíveis. Currículos que não sejam alienantes, mas que possibilitem os estudantes
a mobilizar-se a desafiar as fronteiras institucionais e sociais. Que permitam a compreensão
da música como manifestação da experiência humana, uma vez que feita por seres humanos.
A prática curricular orientada pelo habitus conservatorial não tem respondido a estas
expectativas. O que não significa que seja ruim e deva ser descartada. É necessário, por outro
lado, conscientizar-se do senso prático que temos incorporado quando se trata de educação
musical. Assim, poderemos organizar melhor os cursos de licenciatura em música,
236
repensando a seleção do conhecimento oficial, sua distribuição no currículo e, desta forma,
repensando a profissionalização dos conhecimentos.
Ao nos conscientizarmos que somos produtos da incorporação de uma ideologia
musical, temos a chance de nos emanciparmos do ciclo vicioso a que estamos submetidos.
Abre-se espaço para a pesquisa de novas possibilidades curriculares, não só para as
licenciaturas, mas também para o estudo da música popular, por exemplo. A noção de habitus
conservatorial nos convida a pensar em novas possibilidades, uma vez que desnaturaliza a
forma curricular vigente como a única possível.
É possível – e necessário – que continuem existindo cursos de aprofundamento nas
práticas da música erudita. Afinal, é uma música produto da história da humanidade.
Entretanto, é preciso refletir sobre outras possibilidades, outros objetivos, outras músicas.
A noção de habitus conservatorial permite, como propusemos ao longo deste estudo,
vislumbrar inúmeras possibilidades de pesquisa. O estudo das práticas de professores e alunos
no cotidiano dos cursos de música, da presença e ausência de vestígios deste habitus nas
representações de pessoas leigas – sem ligação direta com os cursos de música, da
manifestação deste habitus no interior das escolas regulares.
Ao conscientizarmo-nos de que a música é um fenômeno social, e que, por meio de
seu estudo podemos compreender os homens e mulheres que a produzem – e que dela são
produtos – encontramos novas diretrizes para a construção curricular.
Licenciatura em Música é uma terminologia que tem se mostrado muito ampla,
quando consideramos a música um fenômeno social. ―Música‖ não é uma coisa só, mas
várias. Ser professor de música significa mais do que ser professor de um instrumento
musical. Significa também inserir os indivíduos na compreensão de uma forma simbólica,
tipicamente humana. Significa mediar a interação entre indivíduos e as músicas presentes não
somente na sua história, mas em seu cotidiano. Significa ir além da ornamentação de festas
escolares, mas da compreensão do próprio ser humano.
Essa perspectiva minimiza a violência simbólica que as crianças têm sofrido ao entrar
em contato com o ensino tradicional de música. Violência simbólica que é permitida pela
adesão involuntária ao habitus conservatorial. A educação musical não deve, desta forma,
caracterizar-se por um arbitrário cultural, pela imposição de padrões e práticas culturais.
Antes disso, deve possibilitar a todos um engajamento ativo e consciente na conversação
musical.
237
Será possível, pois, permitir que a música torne-se algo significativo na vida de
pessoas e de grupos, e, como nos ensina Swanwick (1994, 2003), uma forma de interpretação
do mundo e de expressão de valores, um espelho que reflete sistemas e redes culturais e que,
ao mesmo tempo, funciona como uma janela para novas possibilidades de atuação na vida.
Ensinar música passa a ter um sentido mais amplo, de permitir a todos o acesso a um
universo sonoro-musical. Universo este que não é limitado a determinadas práticas, nem as da
tradição, nem as práticas cotidianas dos alunos: a palavra de ordem passa a ser ampliar o
repertório, enriquecendo e informando as práticas.
Não é fácil despir-se de ideologias arraigadas, incorporadas. O primeiro passo para
evitar que o habitus conservatorial continue sendo destino nos processos de educação musical
é a sua conscientização. Conhecendo as disposições incorporadas que orientam nossas
práticas e nossa percepção, teremos mais chance na luta para democratizar o acesso à música,
não somente à erudita, mas a esta forma simbólica que expressa o indizível, que dá forma e
expressividade a materiais sonoros, agregando-lhes significado e valor. Educação Musical que
possibilite não a civilização do gosto, mas a escolha consciente da música que gostamos e
queremos ouvir.
Desta forma, indo ao encontro do significado etimológico de ―educar‖: do latim
educare, por sua vez ligado a educere, verbo composto do prefixo ―ex” (fora) + ―ducere‖
(conduzir, levar), que significa literalmente ‗conduzir para fora‘, ou seja, preparar o indivíduo
para o mundo. Educação Musical, neste sentido, significaria conduzir os alunos para além da
música que eles já conhecem, ampliando seu repertório, permitindo um engajamento na
compreensão dos mecanismos simbólicos de sua produção.
Antes de modificar o conservatório que existe em nossos currículos, em nossas
práticas, é preciso (re)conhecer o conservatório que vive em nós. É imperioso reconhecer que
o habitus é um dos princípios dentre outros de produção das práticas, sendo possível romper
com o ajustamento imediato do habitus ao campo, substituindo-o pela ―computação racional e
consciente‖.
Como o próprio Bourdieu (1990) nos ensina, o habitus não apenas pode ser
transformado (ainda que dentro de fronteiras definidas) pelo efeito de uma trajetória social
que conduz o indivíduo a posições distintas das iniciais; como também pode ser controlado
por meio do despertar da consciência e pela sócio-análise.
O primeiro passo é, contudo, reconhecer a existência deste habitus. É o que
procuramos explicitar neste relatório de tese. A questão não está respondida em definitivo,
238
pelo contrário, ela abre espaço para novas investigações, que conduzam a um aprofundamento
empírico do conceito aqui esboçado. Apenas assim caminharemos para a desnaturalização,
desbanalização e des-essencialização das relações de dominação que são perpetuadas pelas
ações músico-educativas.
A conscientização de que somos produto e produtores de um habitus conservatorial,
permitirá, enfim, que as práticas de educação musical se desvinculem de suas arbitrariedades
históricas contingentes, essencializadas como a ordem natural das coisas; e permitam o
desenrolar de novas trajetórias no campo educativo-musical, resultado de estratégias
socialmente orientadas para a educação de todos.
“Todo sagrado tem seu profano complementar, toda
distinção produz sua vulgaridade e a concorrência pela
existência social conhecida e reconhecida, que subtrai à
insignificância, é uma luta de morte pela vida e pela morte
simbólicas. (...) O julgamento dos outros é o julgamento
derradeiro; e a exclusão social, a forma concreta do
inferno e da danação. É porque o homem é um Deus para
o homem que o homem é também o lobo do homem.”
PIERRE BOURDIEU
Leçon sur la leçon
De posse deste quadro de análise, intentamos construir alguns desdobramentos finais
tendo como fundamento dois aspectos centrais da Sociologia da Música enfatizados pela
inglesa Lucy Green (1997), a organização da prática musical e a construção social do
significado musical.
Para esta autora, a Sociologia da Música interessa-se por grupos sociais e suas
interfaces com a produção, distribuição e receptividade musicais. A esta área, Green (1997)
chama de ―organização da prática musical‖. Bourdieu (1982) também enfatiza a necessidade
de se enfocar esta área nos estudos sociológicos das relações estabelecidas numa economia
simbólica:
[...] uma análise interna da estrutura de um sistema de relações simbólicas só
consegue reunir fundamentos sólidos se estiver subordinada a uma análise
sociológica da estrutura do sistema de relações sociais de produção,
circulação e consumo simbólicos onde tais relações são engendradas e onde
se definem as funções sociais que elas cumprem objetivamente em um dado
momento do tempo. (BOURDIEU, 1982, p. 175)
239
Assim, a produção, em música, envolve questões sobre como a música foi composta,
improvisada ou tocada; que outras atividades estão envolvidas; se a música é resultado do
trabalho individual ou coletivo de profissionais, amadores, adultos ou crianças; e os locais
onde ocorre esta produção.
A distribuição envolve as maneiras pelas quais os bens materiais circulam pela
sociedade, por meio de quem e quem tem acesso ao consumo: como a música alcança a
plateia; como é passada de geração em geração; e quem a transmite.
Com relação ao consumo, ou receptividade quando o gênero é cultural, questiona-se
como estes bens são usados, quem os usa e em que circunstância as pessoas escutam, dançam,
usam-na como som ambiente ou estudam-na; usam-na para trabalho ou distração; compram
gravadas em disco ou impressas em partitura; ouvem em apresentações ao vivo ou a fazem
eles próprios; usam-na em salas de concerto, em suas próprias casas, salões de dança, salas de
aulas, e quem usa e que música nesses distintos tipos de situação (GREEN, 1997, p. 27)?
Quanto ao significado musical, a investigação sobre os significados da música que
determinado grupo social produz, disbribui e consome, quais são estes significados e como
eles são construídos, mantidos e questionados conduziram Green (1997) a considerar dois
aspectos do significado musical, o inerente e o delineado.
O significado inerente lida com as formas através das quais os materiais sonoros (sons
e silêncios) são organizados uns em relação aos outros. É a sintaxe musical, ou o significado
inter e intra-musical: relações de início e fim, repetição, semelhança, diferença, ou qualquer
outra relação pertinente. Tais interrelações estarão imanentes em todas as peças, mas elas
poderão emergir das experiências anteriores do ouvinte, de um número de peças que juntas
formam um estilo, sub-estilo ou gênero.
O significado delineado se refere a conceitos extra-musicais ou conotações que a
música carrega que são sociais, culturais, religiosas, políticas ou de outra ordem. Elas podem
ser delineações coletivas, mas também podem ser individuais e únicas, associadas a um
momento particular da vida de alguma pessoa. Toda música carrega significados delineados
originários não somente do seu contexto de produção, mas também dos contextos de
distribuição e recepção. Nenhuma música pode ser concebida num vácuo social, toda música
que é tida como autônoma carrega a própria noção de autonomia como uma de suas primeiras
delineações.
Green (2006) reforça que a distinção entre os aspecos inerentes e delineados do
significado musical é puramente uma abstração teórica. Quando nos engajamos com a música,
240
estes dois aspectos do significado são experienciados por nós como um todo. Nós não os
distinguimos, o que faz parecer, por exemplo, que as delineações sejam parte dos significados
inerentes, da própria obra musical. Neste caso, nossas respostas às delineações parecerão
inquestionáveis, imediatas, ou seja, não mediadas pela história e convenção, não construídas,
mas naturais, inquestionáveis e verdadeiras.
Isto colabora para os mitos – ideologia – em torno de uma obra de arte pura, autônoma
e autêntica. Como se a obra de arte (neste caso específico a música) fosse dotada de uma aura,
da forma como sugere Benjamin (1955, p. 3), ―uma figura singular, composta de elementos
espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja‖.
Esta aura conferiria, portanto, à música, significados inquestionáveis e verdadeiros e
uma imponência e valores naturais. Tudo isto bastante ligado com a autenticidade, ―o aqui e o
agora‖ (BENJAMIN, 1955, p. 2), características atribuídas à música erudita.
Os aspectos do significado musical propostos por Green (1988, 1997, 2006) vem ao
encontro desta investigação. O habitus conservatorial acaba por inculcar nos indivíduos uma
estética de superioridade da música erudita baseada numa autonomia do contexto social,
desconsiderando delineações, e supervalorizando os significados inerentes a serem estudados.
Os currículos desenhados a partir desta matriz disposicional ao desconsiderar as
delineações, acabam por negar o contexto social do qual a música é um produto. Assim, os
currículos selecionam a música que é considerada obra de arte autêntica, dotada de uma aura
cujo maior valor é a autonomia do contexto social. E não problematizam a organização da
prática musical, negligenciando processos culturais que produzem significados e influenciam
a aproximação entre indivíduos e músicas.
Neste contexto a busca pela compreensão da origem dos problemas ocasionados na
conversão de ideologias próprias do campo artístico musical para o campo educativo a partir
da construção da noção de um habitus conservatorial, torna-se aqui nosso ‗último‘ exercício
na busca das notas finais desta pesquisa.
Para tanto consideramos que os Conservatórios de Música são instituições que atuam
como instâncias de conservação e consagração de obras musicais produzidas, divulgadas e
consumidas de acordo com leis próprias do campo artístico musical – que, no decorrer de sua
história, acabou incorporado nos agentes na forma de um habitus conservatorial.
O campo artístico tem seu processo de autonomização relativa iniciado, para Bourdieu
(1982), a partir dos séculos XVI e XVIII. A vida intelectual e artística começa, neste período,
241
a se libertar da tutela da aristocracia e da Igreja – ―instâncias de legitimidade externas‖
(BOURDIEU, 1982, p. 100).
Tal fato acompanha o processo em que uma categoria socialmente distinta de artistas
ou de intelectuais e profissionais passa a levar em conta, cada vez mais exclusivamente, as
regras firmadas pela tradição propriamente intelectual e artística herdada do passado; e, além
disso, esta categoria torna-se cada vez mais propensa a liberar sua produção e seus produtos
de toda e qualquer dependência social.
De acordo com Bourdieu:
[...] o processo conducente à produção da arte enquanto tal é correlato à
transformação da relação que os artistas mantêm com os não-artistas e, por
esta via, com os demais artistas, resultando na constituição de um campo
artístico relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova
definição da função do artista e de sua arte (BOURDIEU, 1982, p. 101).
A música, entendida (legitimada) como sinônimo de música erudita, é, portanto,
concebida basicamente como ―a‖ expressão de arte ficando restrita, assim, à fruição no campo
estético. No entanto, como nos lembra Ikeda (2007, p. 1), além deste aspecto, o fazer musical
sempre se vinculou às mais variadas práticas, nas próprias comunidades ocidentais, assim
como em outras sociedades, fazendo-se presente nas atividades religiosas, nos momentos
solenes e de exaltação coletiva, no trabalho, na educação, nas expressões dramáticas e
coreográficas, servindo à demarcação identitária de pessoas, grupos e povos, e tantos vínculos
mais.
Ainda que um campo de produção cultural tenha conquistado uma autonomia quase
total em relação às forças e às demandas externas, como no caso das ciências mais puras, este
campo continua passível de uma análise propriamente sociológica. Uma legitimidade cultural
é sempre um arbitrário cultural dissimulado. Não é absolutamente autônomo da esfera social.
A abordagem sociológica torna-se ainda mais necessária quando o ensino da música é
levado – junto com todas as suas ideologias e seus habitus inculcados – para o interior das
escolas regulares. Dito de outra forma, quando o conservatório deixa de ser uma instituição de
conservação e consagração do campo artístico musical e passa a integrar o campo educativo.
Nesse sentido, ensinar música nas escolas é permitir o acesso de todos às
ideologicamente consideradas ―grandes obras musicais da humanidade‖, com vistas a uma
civilização e a um refinamento do gosto? Ou conduzir todos à compreensão das práticas
242
musicais enquanto práticas sociais, propiciando, desta forma, uma compreensão do lugar que
os indivíduos ocupam nestas mesmas práticas e também no mundo?
Ainda sem arriscar uma resposta definitiva, e para iluminar um pouco mais o debate,
retomemos a questão dos significados musicais.
Os dois tipos de significado musical não coexistem em níveis idênticos, e nem sempre
estamos conscientes de ambos, ou ainda de algum deles. Segundo Green (1997, p. 29), ―é a
habilidade própria de cada um dos significados de se tornar obscuro que tem causado, até
certo ponto, toda discussão e desentendimento sobre música‖.
Nesta perspectiva, por meio de um exercício que envolve a compreensão de respostas
extremadas para cada aspecto dos significados musicais, Green aponta três aspectos que
delineiam o envolvimento com a música: a ambiguidade, alienação e celebração.
Com relação ao significado inerente, é possível obter respostas altamente afirmativas
quando estamos familiarizados com um estilo, ou determinada peça, cuja audição nos é
confortável e segura. Num outro extremo, quando não compreendemos nada, não estamos
familiarizados com o estilo, há o que a autora nomeia de repulsa. Já uma resposta afirmativa
ao significado delineado, ocorre quando nos identificamos com o sentimento expresso, que
nos apoia socialmente; quando nos identificamos com a música por que ela delineia a nossa
classe social, nossas vestes, nossos valores políticos, ou qualquer outra coisa. A resposta
negativa, contudo, ocorre quando percebemos que a música representa outros valores, sociais
ou políticos, dos quais discordamos, ou grupos sociais dos quais não pertencemos.
A ―celebração‖ ocorre quando experimentamos uma afirmação positiva oriunda de
ambos aspectos do significado musical, inerente e delineado. De maneira oposta, ocorre
―alienação‖ quando obtemos uma resposta negativa dos mesmos.
Quando há contradição entre as respostas oriundas de cada um dos aspectos do
significado musical, a sensação é de ―ambiguidade‖. Para Green (1997), não apenas nossas
respostas aos significados inerentes e delienados podem ser conflitantes, como também uma
pode suplantar e influenciar a outra:
Se por um lado possuímos delineações negativas para uma música, muito
dificilmente estaremos susceptíveis às afirmações dos seus significados
inerentes; e em alguns casos, predispostos a não nos familiarizarmos,
impossibilitando que a afirmação dos significados inerentes aconteça. (...)
Por outro lado, se não estamos familiarizados com um estilo de música, e
desse modo não-receptivo aos seus significados inerentes, estaremos também
predispostos a responder negativamente às suas delineações. (GREEN, 1997,
p. 32)
243
Nesta perspectiva, o estudo da música erudita acaba por objetivar a celebração por
meio da compreensão dos significados inerentes de seu estudo sistematizado, gerando,
portanto, uma resposta afirmativa; ao mesmo tempo em que as delineações são cerceadas pela
idéia de autonomia (sendo ela própria, como Green mesmo nos mostra, uma delineação
primária) – meio pelo qual espera-se respostas afirmativas também quanto à participação em
uma atividade dotada de elevado valor estético e artístico.
Entretanto, não é isto que ocorre, pois os alunos já ingressam na universidade com
delineações bastante negativas em relação à música erudita: este tipo de música geralmente
não está presente em seu cotidiano, é sempre relacionada a algo chato e cansativo –
delineações ligadas a repostas negativas à não compreensão dos significados inerentes desta
música (cf. GREEN, 2006). Neste sentido, as delineações negativas conduzem a uma reação
de rejeição do estudo dos significados inerentes, o que acaba por gerar alienação.
E esta alienação acaba por ser reproduzida nas escolas regulares, pois os professores
formados por currículos influenciados por um habitus conservatorial acabam por perpetuar
estas relações entre indivíduos e os significados musicais.
Mas, a solução para isso é alterar a música oficial selecionada? Ao refletir sobre os
currículos das licenciaturas em música, precisamos nos perguntar: de que música estamos
falando? Ou melhor ainda, estamos falando da mesma música?
Música passa a ter um caráter polissêmico, como também ocorre com o conceito de
cultura. Ao tomarmos como pressuposto o conceito de cultura proposto por Williams (1992)
que a define como produtos e processos que impõem significado às práticas humanas,
consequentemente passamos a compreender que na palavra ―música‖ estão compreendidos
produtos e processos diversificados.
Entretanto, como observado na análise histórica e curricular realizada na presente
investigação, apenas um produto musical tem sido selecionado como oficial e,
consequentemente, o currículo é estruturado a partir de processos imanentes a este produto: a
música erudita.
Como procuramos demonstrar ao longo desta pesquisa , esta seleção é orientada pelo
habitus conservatorial entendido como uma ideologia própria do campo artístico que foi
incorporada nos agentes que passaram a atuar no campo educativo. Esta ideologia baseia-se
na superioridade da música erudita, ligada a uma suposta autonomia, a um vácuo social que,
contudo, não existe.
244
Bourdieu e Darbel (2003) tratam desta interrelação entre os campos artístico e
educativo ao discutir a formação da competência artística e, de acordo com eles, os
mecanismos que agem no interior do sistema de ensino (em geral) para a exclusão e a
seletividade são os mesmos que agem no campo artístico, pois se trata de uma única e mesma
questão, o acesso a uma cultura erudita, formal, que não é dado a todos na sociedade.
A seleção curricular operada nas escolas pressupõe experiências culturais prévias,
trazidas pelos alunos de sua vivência familiar e cotidiana. Ao legitimar a música erudita –
ainda que com a intenção de democratizar o acesso a este tipo de música – a escola,
pressupondo uma familiaridade anterior, não oferece meios de compreensão desta música
(não democratizando, portanto, o acesso), meios de aproximação dos seus significados
inerentes, fortalecendo, desta forma, as delineações negativas e afastando ainda mais os
indivíduos das manifestações musicais eruditas.
O currículo orientado pelo habitus conservatorial faz da música erudita a única
referência, privilegiando e trabalhando apenas com seus significados inerentes. Tagg (2011),
num viés mais próximo da semiótica, afirma que a institucionalização do conhecimento
musical trata mais (se não apenas) de elementos poiéticos – ligados à produção musical – que
estésicos – ligados à recepção. Privilegia-se, portanto, apenas um aspecto da organização da
prática social da música, o que confere ao ensino um caráter bastante parcial e limitado.
Este autor, ainda nos mostra que uma competência poiética da música como
conhecimento – ou seja, a criação, concepção, produção, composição, arranjo, performance
etc. – é aprendido nos conservatórios e escolas de música. O conhecimento metamusical – que
corresponderia à teoria musical, análise, identificação e nomeação de elementos e padrões da
estrutura musical – é trabalhado amplamente nos departamentos de musicologia e também nos
conservatórios e escolas de música. Os departamentos de ciências sociais, por sua vez,
tratariam do metadiscurso contextual, ou seja, da explicação de como as práticas musicais se
relacionam com a cultura e a sociedade, incluindo abordagens da semiótica, acústica,
negócios em música, psicologia, sociologia, antropologia, estudos culturais.
Nenhum lugar, todavia, cuida de uma competência estésica, isto é, lembrança,
reconhecimento, distinção de sons musicais, assim como suas conotações e funções
culturalmente específicas. Esta, que seria ―a mais popular forma de competência musical‖
(TAGG, 2011, p. 10), está geralmente ausente das instituições de ensino. Dessa forma, para o
autor, a competência estésica parece ser um assunto extracurricular e não acadêmico.
245
Green (1988, 1997, 2006) e Tagg (2011) estão praticamente construindo um mesmo
lugar de análise, qual seja, uma educação musical abrangente e socialmente significativa
deveria levar em consideração todos os aspectos da organização da prática musical (produção,
distribuição e consumo), bem como todos os aspectos do significado musical. Se quisermos
fazer da educação musical uma celebração, ou, de acordo com Tagg (2011, p. 10):
[...] se pensamos que a todas as pessoas deveria ser dado o direito de
entender como a música afeta suas ideias, atitudes e comportamento, e se
seguirmos as diretrizes educacionais básicas que dizem que os processos de
aprendizagem são mais efetivos quando calcados na experiência de nossos
alunos, então deveríamos incluir e utilizar sua ampla competência estésica
no nosso ensino de música.
As diretrizes curriculares nacionais falam de contextualizar, mas como fazê-lo se
assumimos que a música é boa por ser autônoma?Ao contextualizar o conhecimento musical
acabamos por nos confrontar com outro tipo de música presente no cotidiano da sociedade.
Uma música que é geralmente definida em oposição à erudita: a música popular. Mas como
definir ―música popular‖ e como incluí-la nos processos educativos musicais?
―Popular‖ confere à música uma relação de proximidade com o conceito de ―povo‖.
Mas, quem é o ―povo‖? Burke (2008) considera esta questão interrogando-se se o povo são
todos ou apenas quem não é da elite, alertando para o fato de que corremos sempre o risco de
cair numa homogeneização dos excluídos. Assim, pondera que talvez a melhor política seja
empregar os dois termos sem tornar muito rígida a oposição binária, colocando tanto o erudito
e o popular em uma estrutura mais ampla.
Canclini (2011) define o popular como o excluído:
[...] aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja
reconhecido e conservado; os artesãos que não chegam a ser artistas, a
individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos
―legítimos‖; os espectadores dos meios massivos que ficam de fora das
universidades e dos museus, ―incapazes‖ de ler e olhar a alta cultura porque
desconhecem a história dos saberes e estilos. (p. 205, grifos no original)
Nesta mesma direção, Tinhorão (2006, p. 165) afirma que ―Como tudo o que envolve
o conceito genérico de povo, a expressão música popular tem-se prestado, nos últimos
duzentos anos, às mais desvairadas qualificações‖.
246
Segundo esse autor, a música popular estaria ligada à idéia da existência de ―tradições
populares‖ paralelas à produção de cultura erudita ou oficial. Estas ―tradições populares‖
seriam as crenças, artes ou criações literário-musicais emanadas do chamado povo –
identificado como a gente das camadas baixas da população.
Em 1846, William John Thomas cunhou a palavra folklore, para se referir à existência
de um saber popular em evolução. Este folklore corresponderia ao testemunho de antigas
tradições ou às formas de saber espontâneo e vivo: heranças culturais encontradas entre o
povo que seriam estudadas pelos ―homens doutos da cidade como fenômenos ligados apenas à
gente do mundo rural‖ (TINHORÃO, 2006, p. 165).
Entretanto, com o aparecimento das modernas cidades contemporâneas do capitalismo
comercial e da produção manufatureira, a partir do século XVI, à existência de uma dualidade
de universos culturais (universo da gente do mundo rural x universo do moderno mundo
urbano) corresponderia não uma, mas duas músicas típicas do povo. Assim, Tinhorão (2006)
informa que, após a segunda guerra mundial, em meados do século XX, os temas de cultura
urbana começaram a merecer também a atenção dos estudiosos.
A música popular própria da gente rural estaria ligada às suas práticas coletivas de
vida, ao passo que a música popular urbana refletiria as regras de um individualismo burguês,
exemplificada na canção a solo, com acompanhamento pelo próprio intérprete.
A música folclórica sempre esteve presente nos processos de educação musical – em
especial àqueles direcionados à iniciação musical infantil. Várias metodologias ativas (Orff,
Kodály, e Villa-Lobos, no Brasil) debruçaram-se sobre o repertório folclórico na promoção de
vivências corporais dos parâmetros musicais. Há que se ter cautela, entretanto, para não
cairmos em um ―folclorismo‖ (PENNA, 2008, p. 96) no trabalho com a música popular
folclórica. Por ―folclorismo‖, se entende o congelamento e a fixação das práticas culturais, na
medida em que se trabalha com a idéia do ―típico‖, negando o dinamismo da cultura e caindo,
muitas vezes, em estereótipos. É preciso, pelo contrário, enfatizar o caráter vivo das práticas
culturais e artísticas, sem, mais uma vez, desconectá-las de seu contexto sócio-cultural.
Além disso, como o processo educativo é moldado por um habitus conservatorial, o
folclore acaba por tornar-se apenas um produto a ser tratado a partir de processos musicais
dominantes – os processos eruditos. Por exemplo, se tomarmos o trabalho de Villa-Lobos
com o material folclórico em seu Guia Prático para o Canto Orfeônico, será fácil observar
uma eruditização do popular, ou seja, ao material folclórico foi conferido um tratamento
erudito, legitimando-o e autorizando-o como música escolar. A música folclórica não foi
247
trabalhada em sua essência, com seus processos; mas apenas como produto a serviço da
ideologia musical estabelecida.
Por outro lado, a música popular urbana se aproxima da discussão sobre as influências
da indústria cultural, problematizando a sua apropriação nos processos educativos.
Tinhorão (2006, p. 169) nos mostra que desde o seu início a música popular urbana
esteve ligada aos processos técnicos de produção e divulgação, o que a transformava desde
logo em um produto vendável.
Este tipo de música ligou-se à democratização da imprensa, fato que pode ser
observado na publicação de folhetos vendidos nas ruas pelos cegos, que difundiam, em letras
de forma, os versos das cantigas que ora surgiam. Seguiram-se a isto o comércio de livretos,
partituras, rolos de pianola, discos perfurados, discos de gravação mecânica e elétrica, filmes
com som de leitura ótica, gravações em fios e fitas cassete, videotapes e em variados suportes
de CD de áudio e vídeo.
Alcançado este último estágio de música transformada em produto industrial
sonoro destinado ao lazer, não apenas se caracteriza definitivamente esta
música popular como criação típica da gente citadina, mas fica explicada
também a tendência à globalização dos próprios gêneros musicais lançados
sob seu influxo, como resultado necessário da alta concentração de capitais
na área da sofisticada tecnologia de sua produção. No plano cultural geral, é
claro, a conseqüência só pode ser o distanciamento cada vez maior entre as
duas músicas populares, acrescida da tendência ao progressivo sufocamento
dos sons regionais, por influência do modelo imposto pelos grandes centros
no processo de urbanização. (TINHORÃO, 2006, p. 169)
Isto acabou por conduzir à chegada de um tempo em que tal produto cultural da gente
das cidades, deixando de reger-se pelas leis da criação artística, passa a reger-se apenas pelas
leis do mercado.
A possibilidade de gravação dos sons a partir da invenção de Thomas Alva Edison
aprofundou as relações da música popular (agora como produto declarado da indústria
cultural) com os novos meios sempre renovados da difusão de sons. Da invenção do disco,
seguiu-se um vertiginoso avanço na difusão dos sons, culminando com o rádio e a TV que
exacerbaram o processo de mediação entre música popular, enquanto criação artística e seus
suportes materiais, enquanto produção industrial.
A música popular urbana passa a se caracterizar como produto de lazer e recreação
urbanos, próprio do cotidiano das pessoas e distante dos currículos escolares. A música do
povo rural, por sua vez, mantém-se presa a um modo de transmissão oral, tradicional,
248
obedecendo a mecanismos próprios, ligados a processos de evolução sócio-cultural-religiosos
particulares de cada região. Esta última música continua, como dantes, a ser objeto de
investigação dos homens doutos das (univer)cidades, principalmente na área da
etnomusicologia; enquanto que a primeira vai ocupando também um lugar de interesse
acadêmico principalmente a partir da segunda metade do século XX.
Apresentam-se questões estéticas determinantes na (não) seleção curricular da música
popular urbana: ela seria destituída de valor, uma vez que própria da cultura massificada e
homogeneizadora.
Retomando a idéia de aura sugerida por Benjamin (1955), a ―reprodutibilidade
técnica‖ influencia na autenticidade da obra de arte, no seu ―aqui e agora‖, destituindo,
atrofiando a aura da obra de arte massificada. Como o autor mesmo coloca, ―mesmo na
reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua
existência única, no lugar em que ela se encontra‖ (BENJAMIN, 1955, p. 2).
Sem esta aura de superioridade, esta música de massa influenciada pela evolução
tecnológica é destituída de valor e é considerada, portanto, indigna de figurar nos planos de
estudo. Questiona-se, inclusive, se estas músicas são realmente obras de arte, ou se passam a
ser apenas produtos descartáveis de consumo.
Bourdieu (1982) ao estudar o campo artístico identifica dois modos de produção de
bens simbólicos: o modo de produção erudita e a indústria cultural. É interessante ressaltar
que o autor não trata do modo de produção próprio do povo, uma vez que este sequer é
cogitado como obra de arte, mas como produto de práticas mais sociais do que artísticas. O
autor foca suas reflexões na oposição e na luta entre a produção erudita e a produção
massificada da indústria cultural.
O campo de produção erudita é, para Bourdieu (1982, p. 105), o sistema que produz
bens culturais (e os instrumentos de apropriação destes bens) objetivamente destinados (ao
menos a curto prazo) a um público de produtores de bens culturais que também produzem
para produtores de bens culturais. De outro lado, o campo da indústria cultural seria
especificamente organizado com vistas à produção de bens culturais destinados a não-
produtores de bens culturais (―o grande público‖) que podem ser recrutados tanto nas frações
não-intelectuais das classes dominantes (―o público cultivado‖) como nas demais classes
sociais.
O sistema da indústria cultural sujeita-se à lei da concorrência para a conquista do
maior mercado possível, enquanto que o campo da produção erudita tende a produzir ele
249
mesmo suas normas de produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei
fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente cultural concedido pelo
grupo de pares que são, ao mesmo tempo, clientes privilegiados e concorrentes.
Reafirma-se, portanto, que os produtos da indústria cultural não são autônomos e,
portanto, são destituídos de valor. Além disso, esta desclassificação pode ser legitimada
quando se aplicam a estes produtos os critérios de avaliação próprios da produção musical
erudita, hegemônicos no campo artístico.
Além disso, como consequência da evolução tecnológica, a música internacional
começa a influenciar sobremaneira a música nacional e assistimos a uma invasão cultural,
expressão que remete desde logo para uma idéia de luta e de poder: ―alguém baseado na
superioridade de sua força penetra em território alheio, e aí se estabelece, originando a
consequente realidade da existência de um dominador e um dominado‖ (TINHORÃO, 2006,
p. 183).
É interessante ressaltar que a indústria cultural aliada à globalização, acaba por buscar
uma homogeneização estética da música urbana, traindo, portanto a autenticidade tão cara às
obras de arte. E é importante reforçar que não é uma ―mundialização‖, como se refere Ortiz
(2000, p. 7) que transcende ―os grupos as classes sociais e as nações‖. Curiosamente, a
chamada globalização que prevê a universalização através da adoção, pela indústria cultural,
de padrões médios alheios ao regional, legitima o inglês como língua oficial e propõe como
gêneros universais os oriundos sempre da cultura do país que fala esta mesma língua.
Enquanto produto comercial dependente de suportes criados pela tecnologia da área da
eletroeletrônica, a música oficial urbana será aquela que tiver uma ligação estreita com as
nações expoentes nesta tecnologia transformando-se em simples matéria-prima na
diversificada produção da indústria do lazer.
[...] quem tiver o maior poder de colocar no mercado mundial as suas ofertas
culturais terá, automaticamente, o poder de determinar quais gêneros ou
estilos deverão figurar como ―o novo‖, ―a moda‖, ―o atual‖. E, naturalmente,
se se tratar de música com letra, a própria língua em que será cantada.
(TINHORÃO, 2006, p. 185)
Esta homogeneização de gostos acaba por afastar ainda mais este tipo de música dos
currículos escolares, posto tratar-se de cultura de massa, disponível no dia-a-dia dos alunos e,
portanto, dispensável de figurar como tema de estudo. Voltamos novamente a questões de
ideologia, estética, formação de gosto e distinção.
250
A classe média encontra-se favoravelmente aberta a tudo o que aparece com a
chancela de novo, moderno e atual, passando automaticamente a considerar estes produtos
como bons e desejáveis. Penna (2008, p. 89) comenta que os bens culturais tornaram-se
mercadorias e, assim, no caso da música, encontramos a repetição de fórmulas
composicionais, com pequenas variações para configurar uma novidade, mas uma novidade
que possa ser reconhecida como familiar, compreensível e significativa, e ao mesmo tempo,
―suficientemente ‗nova‘ para levar à compra do atual ‗sucesso das paradas‘‖.
É desta forma que a indústria cultural, que se dirige às camadas da população com
algum poder aquisitivo, acaba por naturalizar os processos ideológicos que envolvem a
difusão dos produtos culturais de massa.
Esta idéia de cultura de massa acabou por disseminar uma seletiva interpretação do
que é e não é importante para a história da música – e, mais além, para os currículos escolares.
A produção em massa é colocada em oposição à ―verdadeira arte‖. Apesar do conceito de
indústria cultural, pensado por Adorno, ser construído tendo como referência a superioridade
da música erudita (imbuído de um habitus conservatorial), é forçoso reconhecer que a própria
música erudita não passa ao largo desta indústria cultural.
Concordamos com Penna (2008, p. 89) quando esta afirma que embora sejam bem-
vindos estudos críticos sobre a indústria cultural, ―criar uma polarização entre ela e uma arte
dita ―verdadeira‖ ou ―superior‖ é uma atitude reducionista e improdutiva, que desconsidera,
inclusive o próprio processo histórico que cerca a produção artística‖.
Desta forma, ainda que a música popular urbana esteja imersa em processos também
ideológicos e que envolvem massificação e homogeneização de gostos e estilos de vida, não é
cabível negá-la ou excluí-la dos processos educativos, uma vez que esta música está presente
no cotidiano de praticamente todos os cidadãos brasileiros. Seria mais produtivo, portanto,
trabalhar a partir da realidade dos alunos e procurar desenvolver o seu senso crítico, tendo
como objetivo uma mudança na experiência de vida e, especialmente, na forma de se
relacionar com a música e com a arte no cotidiano.
Todavia, o fato é que, apesar disso, a elite – que detém o poder de seleção curricular e
de legitimação da cultura oficial – rechaça os produtos da cultura de massa a partir da
construção de pressupostos estéticos supostamente neutros – autônomos, autênticos –, que
validam a música erudita.
Ikeda (2007, p. 8) ressalta que, mesmo em sociedades não européias, o
estabelecimento de grupos de elite sempre estimulou práticas musicais exclusivas e distintas,
251
diferenciadas dos demais setores, que foram impostas de forma hegemônica, como
paradigmas do fazer artístico exemplar. Refletindo, desta forma, questões de poder, capitais
em disputa num campo de lutas.
Torna-se fundante para a luta no interior do campo estabelecer parâmetros que
valorizem determinado capital. Aqueles em posição dominante definem, desta forma, o que é
ou não obra de arte; o que conta e o que não conta como música.
Regelski (2007, p. 3) afirma que a teoria da atitude estética substituiu a "beleza" pela
noção de "objeto estético‖, o que foi mais um caso de institucionalização da prática sócio-
musical da classe alta do Iluminismo do que uma imposição de critérios estéticos.
O ideal da Ilustração foi o homem galante, universalmente culto. A teoria da música
estava preocupada em permitir às pessoas educadas formar seus gostos, entender os termos
teóricos, com a finalidade de discutir sobre música com entendimento.
Essa neutralidade de pressupostos estéticos, perpetuada até hoje por meio da
incorporação do habitus conservatorial, é própria da tentativa modernista de criação de uma
cultura universal , ou mesmo do culto à aura sobrenatural das obras de arte.
No século XIX, se cunha, pela primeira vez, a expressão ―a arte pela arte‖, que
permitirá a sua legitimação institucional – afastando, portanto, todas as formas de arte
―maculadas‖ pela indústria cultural e por quaisquer outros fatores que corrompam a sua
autonomia.
A estética musical legítima é objeto de distinção, o que fica claro nas palavras de
Debussy (apud SCOTT, 1990, p. 388): ―a arte não é absolutamente para o uso das massas‖; e
de Schoenberg (apud SCOTT, 1990, p. 388): ―Se é arte, não é para todos, e se é para todos,
não é arte‖.
Muitos ignoram convenientemente o fato histórico de que mesmo tão tarde como no
período clássico as pessoas conversavam, se moviam, mantinham relações sociais durante os
concerto63
. A etiqueta dos concertos públicos tal e qual conhecemos hoje – que envolvem
características como permanecer quieto e em silêncio, concentrando-se apenas na música – foi
sendo incorporada pouco a pouco entre o mundo dos intérpretes profissionais. E não chegou a
ser institucionalizada até depois da metade do século XIX, quando os concertos públicos de
amadores foram suplantados por grupos profissionais e virtuoses. O paradigma da ―percepção
desinteressada‖ é, portanto, algo socialmente construído. Sua objetivação e prática é o
______________ 63
Cf. Regelsky (2007).
252
resultado de processos históricos e não uma condição de critério estético (REGELSKI, 2007,
p. 5).
Forja-se, desta maneira, o sentido de que apenas uma resposta analítica conta como
compreensão da música enquanto obra de arte. Concordamos com Regelsky (2007) que isto
acaba por criar uma compreensão equivocada de que atender esteticamente à música é apenas
uma ação analítica, isto é, que o grau de profundidade do significado musical ou profundidade
estética é proporcional ao grau de claridade racional da análise. Assim, a melodia, harmonia,
ritmo, métrica, timbre, forma, são tomados como elementos independentes, autônomos, e cujo
conhecimento e percepção se propõem como necessários para uma resposta estética
inteligente.
A ideologia estética da arte legitimou-a como uma busca cujos objetivos são a
erudição e o elitismo – a distinção; e, portanto, a sacralização da cultura. Mas a
institucionalização da arte assegurou também a sua separação da vida (REGELSKI, 2007, p.
6).
Neste sentido, mais uma vez a música étnica e a música popular urbana são
desvalorizadas porque são populares e porque podem ser compartilhadas sem a necessidade
de condicionamentos intelectuais. Como ―bela arte‖, a música erudita é dirigida
especificamente à apreciação estética desinteressada e requer o gosto cultivado e a
compreensão do conhecedor, justificando a sua posição privilegiada nos currículos e,
consequentemente, a exclusão dos demais tipos de música desvalorizados.
Preocupa-nos não somente a exclusão das ―outras‖ músicas, mas a assimilação destas
músicas em processos eruditos já curricularizados – que tenderão, naturalmente, a
desvalorizá-las no interior da escola.
O habitus conservatorial garante aos currículos uma forma própria para o estudo da
música erudita ocidental que não é aplicável às músicas populares e étnicas – e até mesmo às
formas eruditas de música não ocidental. O trabalho com a cultura passa a lidar com produtos,
no plural, mas não com a pluralidade necessária de processos.
É mister, portanto, conscientizar-se de que os critérios de seleção curricular se
orientam por um habitus que privilegia apenas uma estética pretensamente autônoma que se
baseia apenas em significados inerentes da música erudita.
A inserção da música popular nos currículos acaba por levar consigo delineações
negativas dos professores com relação a esta música e a influenciar os alunos negativamente
ao submetê-la a uma forma de análise que não lhe é cabível. Nas palavras de Green (1988, p.
253
57), ―[...] a música Pop, tendo sido relegada por longo tempo aos currículos menos sérios, não
comunicou facilmente sua própria importância educacional e não delineou um valor
intrínseco‖. Em alguns casos, os professores encaram o trabalho com a música popular como
um descanso do trabalho sério, ou, ainda, um ponto de contato com alunos menos motivados
musicalmente.
O valor delineado negativamente à música popular deve-se à negligência a suas
peculiaridades: não se pode aplicar a este tipo de música os mecanismos de estudo da música
erudita. Assim, o significado inerente da música popular passa a gerar uma resposta negativa
que, aliada às delineações já negativas acabará por resultar também em alienação.
Shepherd (1982) comenta que muitas vezes a análise da música popular preocupa-se
mais com a sociologia do que com a música. Desta forma, existe uma tentação de se analisar a
letra ao invés da música: as palavras podem ser reproduzidas e comentadas com relativa
facilidade e as rimas são mais bem compreendidas do que acordes.
Muitas vezes corremos este risco ao assumir a música popular apenas como mais um
produto: não a analisamos como música, não nos preocupamos com seus próprios
significados inerentes, mas nos concentramos em outros aspectos – mais próximos dos
significados delineados. É necessária, portanto, uma preocupação com significados inerentes
que sejam próprios da música popular (que não necessariamente correspondem aos
significados inerentes da música erudita) além de suas delineações, também importantes neste
processo.
Green (2006), Tagg (2011) e Shepherd (1982) estão de acordo no que diz respeito à
necessidade de uma sociologia – e processos de trabalho, estudo e ensino – cujas categorias
de análise sejam mais amplamente aplicáveis, desenhadas, numa primeira instância, de
categorias imanentes às próprias obras. Isso quer dizer que os processos próprios da música
erudita, a terminologia desenvolvida pela musicologia tradicional, não têm evoluído com a
finalidade de analisar a música popular em termos de categorias imanentes à própria música
popular.
Chega-se ao extremo de, como Green (2006) pode observar em suas pesquisas, a
música popular deixar de ser considerada popular por ter sido introduzida na escola. Neste
caso, alerta-nos a autora: a familiaridade dos alunos com a música de massa não é suficiente
para se engendrar uma experiência positiva em sala de aula.
Logo, depreende-se que não basta apenas inserir outro tipo de produto no trabalho
músico-educativo, mas é fundamental aproximar-se de novos processos.
254
Ao ignorar os processos próprios da música popular, a sua inclusão nas práticas
educativas será insatisfatória, e provocará até mesmo um distanciamento dos alunos das
músicas que eles mesmos gostam .
Estas características dos processos informais de educação encontram severas
resistências ao adentrarem o espaço escolar. O enquadramento fraco destas práticas destoa do
controle que está nas mãos do professor – o mestre que é um exímio conhecedor de sua arte.
Ao tratar a música popular de maneira adequada, respeitando as suas próprias
necessidades, ligadas a práticas informais, obteremos uma resposta mais positiva com relação
aos significados inerentes deste tipo de música. O contrário do que é feito hoje quando se trata
a música popular a partir da pedagogia tradicional.
Green (2006) vai ainda mais longe, ao sugerir que estas práticas informais, quando
aplicadas no ensino da música erudita, acaba por aproximar os alunos deste tipo de música,
pois os libertam – ainda que momentaneamente – das delineações negativas que eles já trazem
consigo. Neste sentido, pressupostos negativos sobre a música erudita (velha e chata, por
exemplo) tornam-se mais fáceis de serem superados. As delineações são explicitadas como
contingências históricas, mais do que como partes fixas e imutáveis do significado musical.
Assim novas delineações tornam-se possíveis.
Segundo a autora, no caso da música popular – à qual os alunos já estão mais
inclinados – os significados inerentes tornam-se, por meio dos processos informais de
aprendizagem, mais facilmente disponíveis. As delineações não se afetam pelas chateações
típicas do ensino formal, da análise musical tradicional, mas acabam por estarem mais
próximas da realidade extra-escolar.
Já com relação ao trabalho com os significados inerentes da música erudita através das
práticas informais de aprendizagem, muitos alunos podem experenciar mudanças positivas em
suas respostas musicais – tanto inerentes quando delineadas.
Esta perspectiva levantada por Green (2006) vem reforçar que o ensino tradicional de
música está excessivamente relacionado com o produto, e pouco com o processo do fazer
musical.
Isto não significa abdicar dos processos e produtos tradicionalmente partícipes dos
currículos tradicionais. Significa apenas que ―uma vez que os ouvidos foram abertos, eles
podem ouvir mais e melhor. Quando eles ouvem mais, eles apreciam e compreendem mais‖
(GREEN, 2006, p. 115). Neste sentido, nós possibilitamos não somente respostas mais
255
saudáveis somente à música, mas também aos significados sociais, culturais, políticos e
ideológicos que a música traz consigo.
Mas, para estarmos abertos a estas possibilidades é necessário conscientizarmo-nos de
que nossas percepções e ações são guiadas pela nossa história incorporada, em maior ou
menor grau.
Ao considerar a música popular (com seus significados inerentes e delineados) como
possibilidade de conhecimento escolar oficial, podemos evitar a violência simbólica e o
arbitrário cultural. Mais do que isso, conduzimos os alunos a uma celebração, a uma
participação consciente nos processos musicais. Do contrário, fortalecendo o habitus
conservatorial, estaremos cumprindo nossa tarefa de alienar os cidadãos, afogando-os em
ideologias de superioridade e privando-os da liberdade de decisão e crítica, de uma verdadeira
distinção.
A questão que se coloca é: a licenciatura em música não pode reger-se exclusivamente
por nomos próprios do campo artístico. Nomos que definem as regras para uma música ser
considerada obra de arte e, portanto, automaticamente autorizadas a figurar nos currículos. A
licenciatura em música deve orientar-se por uma função social da música, de aproximação
entre indivíduos e músicas, de compreensão de suas próprias práticas musicais como práticas
sociais.
Se a música popular massificada é ou não obra de arte, detém ou não uma aura de
autenticidade e valor, não deveria ser o que mais importa para a seleção curricular das
licenciaturas em música. Por outro lado, parece-me ser mais importante instrumentalizar as
pessoas para emitir seus próprios juízos de valor, emancipados de ideologias preconceituosas,
pretensamente a-sociais, essas sim homogeneizantes, massificadoras e alienantes.
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