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ENTRE MINAS E A BAHIA: ENTRELAÇANDO HISTÓRIAS, CONSTRUINDO
SABERES
Ivana SACRAMENTO, SEC / UFBAEducação à distância na formação de professores
Introdução
A educação a distância vem se inserindo no campo educacional como uma nova
modalidade educativa e essa modalidade de ensino rompe a relação face a face entre
professores e alunos e o processo de ensino e de aprendizagem ocorre em ambientes
que transcendem o espaço da sala de aula tradicional, processando-se em outros
espaços e tempos que diferem dos marcados pelas escolas convencionais, atendendo a
demandas cada vez mais crescentes de segmentos diferenciados da sociedade. Os
cursos de formação continuada de professores nesta modalidade vêm crescendo a cada
dia, pois permite ao professor o aprimoramento da práxis pedagógica sem que seja
preciso o seu “afastamento” da sala de aula.
Nesse sentido, este relato de experiência tem por objetivo apresentar reflexões
sobre a elaboração de projetos de letramento num curso EAD, especificamente do
projeto feito por um professor licenciado em Letras, com pós-graduação Lato Sensu, da
cidade de Uberlândia (MG), que foi construído com alunos da EJA numa escola da zona
rural desta cidade. O professor elaborou o projeto a partir dos interesses reais de seus
alunos, interligando as práticas de letramento selecionadas a conteúdos curriculares de
outras disciplinas.
Não há dúvida de que o curso e os eventos de letramento oriundos das práticas
de letramento identificadas pelo professor junto aos estudantes modificaram a visão do
modelo pedagógico vigente na escola em questão, e a ação do professor e dos alunos da
EJA dessa escola.
2 Formação continuada na modalidade EAD – o curso “Caminhos da escrita” e as
práticas de letramento
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A busca pelos cursos a distância é perceptível, seja na formação inicial ou na
formação continuada. Essa modalidade de ensino é responsável por qualificar mão de
obra dos profissionais que já estão no mercado de trabalho e que dificilmente teriam
disponibilidade para frequentar cursos presenciais. Os cursos a distância diminuem o
elitismo educacional na medida em que também tornam possível o acesso à educação
àqueles indivíduos que residem em regiões ou cidades que não possuem universidades
ou instituições que ofertam cursos profissionalizantes ou Secretarias Estaduais e
Municipais que precisam ofertar formação continuada em serviço a seus profissionais.
No Brasil a legalização da educação a distância (EAD), enquanto modalidade de
ensino, se deu a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 (BRASIL,
1996). Posteriormente, o Ministério da Educação através do decreto lei 5.622 firmou as
diretrizes gerais da EAD em seu Art. 1º:
Para os fins deste Decreto, caracteriza-se a educação a distância comomodalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nosprocessos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios etecnologias de informação e comunicação, com estudantes eprofessores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou temposdiversos. (BRASIL, 2005)
O conceito de educação a distância está relacionado à utilização de algum
recurso tecnológico e didático para mediar a comunicação entre professores e alunos, em
espaço e tempos distintos. Deste modo, essa modalidade educacional é responsável por
romper com os paradigmas educacionais tradicionais na medida em que torna possível,
através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), estabelecer a relação de
ensino e de aprendizagem.
O curso Caminhos da Escrita é ofertado desde 2013 e faz parte da iniciativa do
MEC (Ministério da Educação) visando fortalecer as práticas de escrita dos alunos, por
meio da mediação dos professores para o ensino da escrita do Programa Olimpíada de
Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Trata-se de um curso on-line, com duração de
treze semanas e carga horária de oitenta horas (80h), realizado completamente a
distância, com ensino baseado na mediação intensa da aprendizagem e na colaboração
ativa entre os alunos. O curso compreende um eixo teórico, em que são estudados temas
relacionados a práticas de letramento, e um eixo prático, em que o participante analisa
vídeos, nos quais professores relatam projetos de ensino da escrita na escola. Ao final, o
professor cursista é orientado a elaborar um pré-projeto, que é comentado pelo mediador
e pelos demais colegas.
Realizar um curso em torno de projetos de práticas de letramento, sobretudo à
distância, na Comunidade Virtual da Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o
Futuro”, voltado para professores da rede pública, não é tarefa das mais simples, visto
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que muitas vezes o conceito de práticas de letramento, principalmente na elaboração dos
projetos, é confundido com outros conceitos, ou mesmo práticas arraigadas na cultura
escolar. A discussão sobre letramento não é muito fácil, apesar de algumas vezes
pensarmos que ela é óbvia em determinados contextos. Muitas vezes (e não são raras
essas ocasiões) nos deparamos com a confusão entre o letramento e a alfabetização,
entre os conceitos de eventos e práticas de letramento, entre outros. Portanto, o
letramento está relacionado com os usos da escrita em sociedade e com o impacto da
língua escrita na vida moderna (KLEIMAN, 2005).
Ao eleger como premissa as práticas de letramento como ponto de partida para
um trabalho significativo na sala de aula de língua portuguesa, é preciso deixar muito
claro para o professor cursista que:
as práticas de letramento são práticas culturais, presentes no nosso dia a dia,
histórica e socialmente contextualizadas, vinculadas às diversas esferas da vida
social;
é possível a transposição didática de tais práticas para o trabalho com leitura,
escrita, oralidade e conhecimentos linguísticos em Língua Portuguesa na escola.
Dessa forma, ao se pensar na pedagogia de línguas na contemporaneidade, é
pensar o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação, mas, principalmente,
é refletir sobre a diversidade cultural e a diversidade de linguagens na escola.
2.1 Práticas de letramento: alicerçando a prática docente e empoderando os
estudantes
Tradicionalmente, o sistema educacional concentra-se na preocupação em
estimular a racionalidade, relegando como aspecto secundário estímulos que envolvem a
afetividade e a sensibilidade. Em se tratando de EAD, o mais provável é que se pense
num contato mais distante, mais impessoal, já que não há a interação face a face. No
entanto, hoje temos uma educação que ressalta a relevância das questões afetivas no
transcorrer da aprendizagem, independentemente da idade ou do nível de escolaridade.
Ou seja, a dinâmica na comunicação entre indivíduos, o acolhimento, o apreço, o sujeito
afável e a procura pelo bem estar do grupo e de si mesmo. Nas palavras de Moran (2004,
p.1),
o afetivo dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados.Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união. O climaafetivo prende totalmente, envolve plenamente, multiplica aspotencialidades. O homem contemporâneo, pela relação tão forte com osmeios de comunicação e pela solidão da cidade grande, é muito sensívelàs formas de comunicação que enfatizam os apelos emocionais eafetivos mais do que os racionais.
No curso de formação continuada Caminhos da Escrita, são feitas muitas
atividades que, em certa medida, mexem com a afetividade, não só dos professores
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cursistas, como também dos mediadores. O conceito central do curso, que são as
práticas de letramento, por si só, nos leva ao envolvimento, seja de professores, alunos
ou mediadores, visto que práticas de letramento são “os modos culturais gerais de usar a
leitura e a escrita que as pessoas produzem num evento de letramento” (BARTON, 2000,
p. 11). Os eventos de letramento designam as atividades particulares em que a leitura e a
escrita têm um papel integral, as ‘práticas de letramento’ designam tanto os
comportamentos exercidos pelos participantes num evento de letramento quanto às
concepções sociais e culturais que o configuram, determinam sua interpretação e dão
sentido aos usos da leitura e/ou da escrita naquela situação particular.
Observamos que os usos da escrita no cotidiano da escola feitos pelos
professores pertencem ao domínio organizacional, da burocracia do sistema. Muitas
vezes são para responder às exigências internas, na maioria das vezes, burocráticas, tais
como: preenchimento de diários de classe (cadernetas), de fichas de aluno, de projetos,
de planejamento, relatórios pedidos pela SEC de algumas atividades realizadas nas
escolas. E o trabalho desenvolvido no curso EAD Caminhos da Escrita, em certa medida,
possibilitou o ingresso (ou o reconhecimento) em práticas de letramento diferentes das
práticas que os professores(as) do Ensino Fundamental e Médio vivenciam no seu
cotidiano escolar, e por meio dos olhares e interesses dos próprios alunos. De acordo
com Barton (2000, p.11), dentro de uma dada cultura, “há diferentes letramentos
associados às diferentes esferas de atividades”.
De alguma maneira, a participação no Curso permitiu aos professores cursistas
que mostrassem o seu trabalho, o que fazem efetivamente em sala de aula, as angústias
pelas quais passam, as dificuldades e também os sucessos, pois esses professores
vislumbraram a possibilidade de olhar para o seu trabalho por outros ângulos e
enxergarem novas possibilidades, a construção de novos conhecimentos a partir da
experiência que têm em suas salas de aula; o “saber produzido na experiência”, como
postula Mendes (2008, p. 60). Em alguns momentos percebemos que a abordagem
intercultural no ensino de língua portuguesa pode ser sim possível, quando o professor se
reconhece como participante ativo dessa língua, e não como instrutor de uma língua que
não é nem a dele, nem a do aluno, pois é a partir desse viés que muitas aulas de língua
portuguesa acontecem. Na abordagem de ensino intercultural (Mendes, 2008),
primeiramente precisamos nos esforçar para enxergarmos o outro, nos questionarmos
acerca de como vemos e lidamos com o diferente de nós. Visto dessa forma, a
abordagem de ensino intercultural vai orientar não somente o que professores de línguas
(aqui especificamente de língua portuguesa), elegem como conteúdos a ser ensinados,
mas, e sobretudo, como as escolhas do que e como ensinar dentro de uma língua pode
ser uma
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força potencial que orienta um modo de ser e de agir, de ensinar e deaprender, de produzir planejamentos e materiais culturalmente sensíveisaos sujeitos participantes do processo de aprendizagem, em busca daconstrução de um diálogo intercultural. (MENDES, 2008, p. 61)
Atualmente há um aumento significativo nas demandas curriculares e
pedagógicas, o que muitas vezes acarreta o desinteresse dos alunos pelas atividades e
dos professores também, pois muitas vezes acabam reproduzindo ano a ano os mesmos
conteúdos curriculares. Num trabalho com projetos de letramento, as escolhas e as
relevâncias partem dos alunos e não dos professores, pois ela é ditada pela dinâmica
social. Daí afirmarmos que o trabalho com práticas de letramento alicerça a práxis
docente e empodera os estudantes.
2.1.1 Refletindo sobre o processo de construção do projeto
Uma das turmas de 2015.2 do Curso Caminhos da Escrita, a qual mediamos, era
composta por 23 professores de escolas públicas de 07 estados do Brasil. O curso é
desenvolvido na plataforma AVA, que é um recurso tecnológico interativo com o objetivo
de promover o diálogo entre professores e alunos, bem como fomentar a transmissão do
conhecimento por meio de ferramentas apropriadas, dessas ferramentas podemos citar
os fóruns, os chats, a wiki. Durante todo o curso os fóruns foram os mais usados e foi por
meio de um dos fóruns de discussão abertos, que a construção do projeto de práticas de
letramento pelo professor cursista foi tomando forma.
Uma das primeiras atividades do curso pedia para que os professores assistissem
aos vídeos com os relatos de escritores consagrados, nos quais eles narravam suas
memórias de leitura e aquisição da escrita. Consideramos o trabalho com memórias algo
singular e de uma riqueza ímpar, porque nós incorporamos biograficamente os
acontecimentos e as experiências de aprendizagem ao longo da vida. Portanto, num
curso EAD, por meio do AVA, estávamos também promovendo uma maior aproximação
com o gênero textual trabalhado na atividade. Todos os professores cursistas elaboraram
seus relatos e foram textos singulares, carregados de lembranças e emoções. Depois da
construção dos relatos, foram feitas leituras teóricas sobre sobre os conceitos de práticas
de letramento, multimodalidade, multiletramentos, diversidade cultural, sobre os eixos
leitura, produção de textos orais e escritos e aspectos lingüísticos.
Após esses estudos, subsidiados pelos textos de apoio disponibilizados no AVA e
mediados pela tutora, foi pedido aos professores que identificassem práticas de
letramento que fossem significativas para os seus alunos e para isso, a escuta dos
estudantes seria imprescindível. Só depois disso é que começaram a escrever os
projetos. Foi nesta etapa que pudemos perceber algumas fragilidades teóricas dos
3070
professores e perceber a “real” aproximação que um curso desenvolvido na modalidade
EAD pode proporcionar.
Num dos fóruns intitulado “Pergunte ao mediador”, o professor da cidade de
Uberlândia escreveu:
(Fragmento 01)
Professora, estou com muita vergonha de teclar estas palavras quedaqui a pouco, como num passe de mágica estarão bem diante de teusolhos, mas o fato é que eu, com quase trinta anos de profissão não seifazer um projeto, ou o que é pior, nunca fiz um projeto. Sempredesenvolvi algumas atividades com meus alunos, mas nada desofisticado. Trabalho na Eja em quatro turmas, do 6º ao 9º período, ànoite, numa comunidade bastante carente. Ano passado, motivado poruma enorme insatisfação, inconformismo em ver que algumas pessoassimplesmente não se importam com as necessidades de letramento -aliás, palavra esta que até então me era totalmente desconhecida - dosnossos alunos, trabalhei com a criação de fábulas com todos eles, masnada de projeto. A ideia veio, uma colega mostrou-me alguns brevesvídeos, imprimi alguns textos e depois de trabalhar leitura, compreensão,etc, fui trabalhar com eles a criação de novos textos em forma defábulas. Professora, depois de ter lido seus textos, seu comentáriosem nossos relatos, suas interações com os cursandos, citando o nomede todos nós, fiquei maravilhado. Sinceramente nunca tinha visto alguémescrever tão bem assim e é por isso que estou lhe enviando essasegunda confissão: me ajuda a fazer um projeto, me dê o passo a passo,um modelo,ou algumas dicas a mais das que você já nos deu para queeu possa prosseguir. É que é tudo novidade para mim, nunca tinha feitoum curso a distância, estou me adaptando à nova ferramenta deescrever e os termos técnicos não me são ainda bem familiares. Desculpe-me pelo texto longo e pelo desabafo. Vi todos os seis vídeosdo módulo 4, ficaram todos muito bons e gostaria imensamente de estarfazendo o melhor, como aqueles e outros tantos professores fazemdentro do seu ambiente escolar em benefício de seus alunos e suascomunidades, sem buscar reconhecimento algum, mas pelo simples fatode querer o melhor para seus alunos. (FÓRUM, 2015)
Percebemos que para elaborar projetos de práticas de letramento nos quais os
alunos é que apontam a relevância do que aprender traz atrelado o contexto sócio-
histórico dos professores em formação continuada, que emoldura suas trajetórias de vida.
Na introdução à edição brasileira do seu livro Biografia e Educação, Delory-Momberger
(2008), faz alguns questionamentos:
[...] Existe uma relação entre a forma como os indivíduos representamsua vida e a maneira como eles adquirem competências e saberes sobreo mundo e sobre si mesmos? Como a família, a escola e a sociedadeelaboram modelos e trajetórias de formação? Como os indivíduosconstroem subjetivamente o percurso e a imagem de sua existência?(DELORY-MOMBERGER, 2008, p.25)
Acrescentaríamos a essas indagações: como os professores adaptam seus
conhecimentos, adquiridos ao longo de uma formação escolar desde a infância até os
estudos Lato Sensu, com os conhecimentos disseminados num curso de formação
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continuada, voltado para o seu objeto de trabalho, no caso aqui específico, a língua
portuguesa? Até que ponto os programas de formação continuada têm sido uma pressão
para os professores, que trazem um discurso de melhoria na prática pedagógica e de
respeito à identidade e ideologias, enquanto tenta moldá-los, impeli-los a adotar tal ou
qual teoria vigente, mesmo que sob um discurso de respeito às individualidades e
diferenças?
A partir da primeira mensagem postada no fórum pelo professor, começamos um
processo de diálogo intenso, inicialmente sobre as teorias, sobre o conceito de práticas
de letramento e do reconhecimento delas na fala dos discentes. Essa interação foi muito
interessante e profícua, pois alguns dias depois uma segunda postagem no fórum
mostrava que os conceitos trabalhados no curso começavam a tomar forma:
(Fragmento 02)
Estava na sala de aula, ao som de murmurinhos, pequenos barulhos decarteiras arrastadas e chamadas de celular quando fui surpreendido coma pergunta do Greison, um garoto de 17 anos do 9° período:
— Professor, quanto você ganha? Levei o maior susto, este meninodeve estar pensando que ganho muito bem. Tentei levar na esportiva edisse brincando:
— Por que, você que ser um professor também?
— Professor não, cê tá louco! Eu quero é ser caminhoneiro que nem omeu pai, disse ele para uma gargalhada geral da turma.
Levantei- me da carteira de onde estava sentado e comecei a conversarcom eles. Bom, o fato é que rolou uma enorme discussão. Teve alunopedreiro que queria ser engenheiro, teve aluno que queria ser peão deboiadeiro, polícia, enfermeira, dona de casa, etc. Teve de tudo um pouco,menos alguém querendo ser professor, ainda mais quando lhes disse oquanto ganhava. Saí caminhando entre cadeiras e carteiras ouvindo-os econversando com todos eles quando pensei comigo mesmo: "Esta aí anecessidade local, a ideia de projeto!". Mas o que eu faço agora,professora? Confesso-lhe que ainda estou um pouco receoso quanto aospassos seguintes a serem tomados, porém me pareceu uma boa ideiatrabalhar as questões de sonhos, profissões, metas e objetivos.(FÓRUM, 2015)
Respondemos que ele havia conseguido encontrar através das falas dos alunos, o
fio condutor para o projeto. Foi sugerido pela mediadora que ele poderia trabalhar com
“projetos de vida”, começando em torno do que os alunos fazem hoje, o que gostariam de
fazer no futuro e como poderiam se preparar para isso. A partir daí, os alunos
escreveriam, eles próprios, um projeto, "um projeto de vida", em que começariam com
uma espécie de memorial, contando o que já fizeram e fazem hoje e projetando o que
desejam fazer e o que precisam para consegui-lo.
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Dessa forma, o projeto foi construído pelo professor, mas com a participação
efetiva dos alunos. O professor cursista supracitado escreveu no seu projeto que
considerando os interesses e as necessidades dos alunos, surgiu o "Projetos de vida:
sonhar é preciso". O gênero de foco escolhido foi as memórias literárias - utilizando
como possibilidades materiais, aparelhos celulares, gravadores, a oralidade e a escrita
para entrevistar os diferentes profissionais da escola e também os moradores da
comunidade para saber um pouco mais sobre a profissão de cada um e suas
experiências vividas. As etapas do projeto contemplaram ainda, a leitura para os
discentes do memorial de leitura e escrita feito pelo professor no início do curso, que foi
um texto bem escrito e arriscamos a afirmar, um dos motivadores para a continuidade do
professor no curso, além de outro relato pessoal, que foi escrito espontaneamente, pois
não era exigência de atividade para certificação. Nas palavras do professor cursista
“mostrei-lhes os dois relatos que eu fiz e que você corrigiu e li para eles, para poderem
ver que se eu posso, eles também podem”.
Assim, coube aos estudantes fazer entrevistas com as pessoas para conhecerem
suas histórias. Além disso, receberam uma escritora para uma roda de conversa sobre o
seu processo de escrita de poemas. Depois de escreverem as memórias, fizeram um
sarau para apresentar os trabalhos a toda a comunidade. Além disso, o professor
participou de uma mostra de apresentações da EJA, promovida pela SEC municipal de
Uberlândia, na qual explanou sobre o processo de construção do projeto e levou como
exemplo o texto de “um aluno de mais idade, mas com muita vontade de aprender, para
mostrar a real necessidade deles” (FÓRUM, 2015). Segundo ele, a intenção em escolher
o trabalho do aluno com maior dificuldade de aprendizagem, foi reivindicar e mostrar as
autoridades presentes, a necessidade de um olhar mais sensível às especificidades da
EJA, inclusive em relação ao currículo, que, sob o seu olhar e sua experiência de quase
30 anos de docência, precisa ser revisto.
O posicionamento do professor mostra que o desenvolvimento das competências
necessárias ao profissional de hoje exige atitudes investigativas e reflexivas que se
configurem em instrumentos para a construção de conhecimentos dos sujeitos. Isso é
algo que só se conquista via prática de questionamento, argumentação, fundamentação,
manejo crítico e criativo das informações disponíveis. O professor, portanto, não pode
aprender essas práticas reflexivas quando está na condição de consumidor passivo de
informações, quando não lhe é oferecida a oportunidade de apresentar sua realidade e
questionar o que está recebendo como uma das formas de ensinar e aprender. Sendo
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assim, dispor de um espaço para a formação continuada é condição sine qua non para
alicerçarmos a práxis pedagógica (SACRAMENTO, 2011).
Consoante com a pesquisa (auto)biográfica que postula o reconhecimento da vida
como experiência formadora e da formação como estrutura de resistência (Delory-
Momberger, 2008), vimos que o trabalho com histórias de vida é tocante e possível
mesmo num ambiente virtual de aprendizagem. No entanto as histórias de vida apenas,
não são formadoras,
elas se situam, deliberadamente, do lado do processo de mudançaglobal da pessoa e da relação do formando com o saber e com aformação: elas formam para a formabilidade, ou seja, para a capacidadede mudança qualitativa, pessoal e profissional, engendrada por umaação reflexiva com sua “história”, considerada como “processo deformação.” (DOMINICÉ, 1990 apud DELORY-MOMBERGER, 2008, p.99).
Portanto, trabalhar com histórias de vida é trabalhar com a “ficção verdadeira do
sujeito” (op. cit.), em que sujeitos narram sua história, tomando-a por verdadeira (na hora
em que a enuncia) e na qual se constrói como sujeito individual e social. Dessa forma
creio que o professor cursista, ao optar por trabalhar com as memórias e os projetos de
vida dos alunos, promoveu uma aproximação mais direta e os levou a um compartilhar de
experiências, de empoderamento e de formação de ambas as partes.
Conclusão
Este relato de experiência teve como objetivo discutir sobre a elaboração de
projetos de letramento e a importância do Ambiente Virtual de Aprendizagem nesse
processo, não apenas como recurso tecnológico, mas também como ferramenta para
promover a interação e socialização de professores e alunos na EAD, especificamente
professores em formação continuada. Muitos professores que se integram a essa
modalidade de ensino desistem dos cursos e tal fato está intimamente associado à falta
de convívio social entre colegas e professores/mediadores.
Em se tratando de formação continuada para professores em exercício, muitos
deles há muito tempo, como é o caso do professor alvo deste relato, com quase 30 anos
de profissão, a EAD pode muitas vezes se configurar como um obstáculo ao
aprimoramento da práxis pedagógica desses profissionais, pois nessa modalidade o
aluno é sujeito ativo da sua aprendizagem, tem autonomia para definir horários de
estudos e quando e como irá acessar os recursos tecnológicos disponíveis e não há a
presença do professor diariamente solicitando a sua participação. Assim, a falta de
interação e de afetividade também são justificativas para a evasão na EAD.
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O nosso objetivo consistiu em destacar que é possível fazermos um trabalho
colaborativo e muito próximo, envolvendo os professores cursistas, os alunos desses
professores e os mediadores do curso, e fundamentalmente tornar a EAD uma
modalidade de ensino dinâmica e humana.
Concluimos este relato com as palavras do professor cursista “Às vezes é preciso
que alguém desperte esse gigante adormecido que está dentro de nós. Cabe também a
nós, professores, não deixar que essa chama de esperança que existe em cada um de
nossos alunos se apague. [...] Que ela fique sempre acesa incendiando projetos e vidas,
até formar uma fogueira enorme dentro de cada um, transformando-se num furacão de
promoções e realizações. É por acreditar na capacidade de seus alunos que professores
buscam na idealização de projetos, uma melhor maneira de incentivá-los e orientá-los”.
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