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O novo agregador da advocacia 6 Junho de 2010 www.advocatus.pt Entrevista Cristina Arvelos Jornalista Advocatus | A crise também chegou à advocacia? Jorge Brito Pereira | Na socieda- de PLMJ, coordeno duas áreas: Direito Financeiro e Mercados de Capitais. Esta última ressente-se da crise. Operações de mercado, de expressão, são muito poucas. A área de Direito Financeiro é me- nos cíclica, pois existem opera- ções que se fazem em momentos de crise e de expansão económi- ca, nomeadamente de financia- mento. Mas o ano tem sido inte- ressante no Mercado de Capitais “Não me acho um tubarão mas também não sou golfinho” Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ “Não me acho um tubarão. Mas também não sou golfinho e penso que os outros advogados também não o são”, afirma Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ, onde coordena as áreas de Direito Financeiro e de Mercados de Capitais, acrescentando que o mercado está em permanente mudança: “Quando comecei a advogar, era uma enorme vantagem saber falar e escrever em inglês. Hoje em dia, falar mandarim ou/e alemão é uma vantagem, mas falar inglês é um dado adquirido. O mercado mudou e acredito que ainda vai mudar mais” Ramon de Melo

Entrevista a Jorge Brito Pereira

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“Não me acho um tubarão mas também não sou golfinho”

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Page 1: Entrevista a Jorge Brito Pereira

O novo agregador da advocacia6 Junho de 2010

www.advocatus.ptEntrevista

Cristina ArvelosJornalista

Advocatus | A crise também chegou à advocacia?Jorge Brito Pereira | Na socieda-de PLMJ, coordeno duas áreas: Direito Financeiro e Mercados de Capitais. Esta última ressente-se da crise. Operações de mercado, de expressão, são muito poucas. A área de Direito Financeiro é me-nos cíclica, pois existem opera-ções que se fazem em momentos de crise e de expansão económi-ca, nomeadamente de financia-mento. Mas o ano tem sido inte-ressante no Mercado de Capitais

“Não me acho um tubarãomas também não sou golfinho”

Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ

“Não me acho um tubarão. Mas também não sou golfinho e penso que os outros advogados também não o são”, afirma Jorge Brito Pereira, sócio da PLMJ, onde coordena as áreas de Direito Financeiro e de Mercados de Capitais, acrescentando que o mercado está em permanente mudança: “Quando comecei a advogar, era uma enorme vantagem saber falar e escrever em inglês. Hoje em dia, falar mandarim ou/e alemão é uma vantagem, mas falar inglês é um dado adquirido. O mercado mudou e acredito que ainda vai mudar mais”

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português. Já tivemos a oferta pú-blica de aquisição da CSN sobre a Cimpor. Não estou pessimista.

Advocatus | A retoma acontece-rá ainda em 2010?JBP | Vamos ter muitos soluços nesta retoma e vivemos actual-mente um deles. Estamos numa situação complicada, num mo-mento difícil para Portugal.

Advocatus | São para tubarões as áreas em que trabalha?JBP | Não gosto dessa expres-são. Primeiro, não me acho um tubarão. Mas também não sou golfinho e penso que os outros advogados também não o são. Os advogados, que trabalham nestas áreas, começaram há 20, 25 anos. É uma área para advogados com algumas particularidades, mas que não correspondem à imagem dos tubarões – dos grandes advo-gados que fazem negócios extra-ordinários.

Advocatus | O que o levou a es-colher estas áreas?JBP | O acaso, uma coincidên-cia. Fui estagiário de José Miguel Júdice, que começou a trabalhar nesta área nos anos 90. Na altura, tivemos uma operação enorme: a oferta pública de aquisição sobre a Sofinloc, em que José Miguel Júdice foi advogado e eu o esta-giário. Gostei, entusiasmei-me, fiz a minha tese de mestrado nesta área, escrevi livros sobre OPA. Uma Oferta Pública de Aquisição, hostil em particular, é uma opera-ção com adrenalina, estratégia e muitos termos jurídicos com com-plexidade. Acredito que só não há mais advogados nesta área, por-que o mercado é pequeno.

Advocatus | A componente in-ternacional nesta área está mais presente do que nas outras. Certo?JBP | Quem trabalha nesta área sente-se cidadão da Europa. Não há nenhuma operação do merca-do que não tenha uma compo-nente internacional. Os mercados europeus estão abertos, o capital circula com velocidade, em parti-

cular dentro da Europa, mas tam-bém para fora. Qualquer operação de mercados envolve advogados estrangeiros, bancos de investi-mento internacionais.

Advocatus | Nos contactos in-ternacionais há algum que tenha como uma efectiva mais-valia?JBP | Sim. Não individualizando ninguém, acho que a advocacia de negócios portuguesa enrique-ceu muito com os contactos com a inglesa. Os nossos métodos de trabalho mudaram, melhoraram muito, o que faz com que a prática da advocacia portuguesa corres-ponda aos melhores padrões da advocacia internacional.

Advocatus | O que mudou?JBP | O panorama jurídico portu-guês mudou radicalmente. Passou de um mercado fechado com meia dúzia de advogados de grande qualidade, com uma prática indi-vidual para um mercado comple-tamente aberto, com uma vertente internacional e que deixou de estar focalizada em seis indivíduos para se focalizar num conjunto de es-critórios de advogados, entidades que actuam de forma colectiva e procuraram especialização, maior eficiência. Quando comecei a ad-vogar, era uma enorme vantagem saber falar e escrever em inglês. Hoje em dia, falar mandarim ou/e alemão é uma vantagem, mas fa-lar inglês é um dado adquirido. O mercado mudou e acredito que ainda vai mudar mais.

Advocatus | A advocacia dos ne-gócios faz-se à mesa em almo-ços e jantares?JBP | Essa imagem está colada a uma certa advocacia de negócios, mas não é real. A advocacia de negócios é mais uma prática de escritório, um trabalho de equipa persistente, feito sobre papéis, muito menos entusiasmante do que se vê em filmes americanos, em que acontecem sempre umas coisas extraordinárias.

Advocatus | Nunca desiste?JBP | Não sou de desistir. A per-sistência, muito mais do que gran-

lhar. Já tive processos fantásticos em que correu tudo bem e outros terríveis em que correu tudo mal. Se mantivermos a relação certa com o cliente, ele percebe que os advogados não são responsáveis por tudo, quer quando corre bem, quer quando corre mal. Os advo-gados são apenas um dos facto-res dos processos.

Advocatus | é o dinheiro que move as pessoas e as socieda-des de hoje?JBP | Não. É verdade que a área de Direito Financeiro e a de Mer-cado de Capitais lidam sobretudo com dinheiro. Isto não significa que daqui se possa tirar uma fo-tografia aplicável à sociedade. Sou daqueles que acredita pia-mente que não é o dinheiro que move a sociedade e as pessoas. O dinheiro é apenas um elemento muito importante na nossa vida. Como costumo dizer aos meus alunos: é melhor ser rico, bonito e com saúde do que pobre, feio e doentinho. Mas continuo a achar que os elementos fundamentais

“Uma Oferta Pública de Aquisição, hostil em particular, é uma operação com adrenalina,

estratégia e muitos termos jurídicos com complexidade”

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“Os arranques e recuos com a tributação das mais-valias são um

péssimo sinal do que se deve fazer. O caminho tem de ser marcado

de forma firme e determinada”

des qualidades intelectuais, é uma das maiores características que alguém pode ter. Tento que ela es-teja na minha vida e admiro mui-to as pessoas persistentes com quem trabalho.

Advocatus | A persistência não pode levar à obstinação?JBP | Às vezes. Por isso, deve ser temperada com outras qualida-des, nomeadamente por alguma clarividência. Se assim não for, acontece o mesmo que a algumas pessoas nas maratonas: não de-sistem, apesar de não se sentirem bem, e morrem.

Advocatus | E quando as coisas não correm bem com os clien-tes?JBP | O acompanhamento aos clientes tem uma parte jurídica, mas tem também outra psicológi-ca – a que se utiliza para se estar ao lado do cliente nos momentos difíceis. O cliente não procura no advogado apenas um trabalho bem feito. Quer também que o ad-vogado seja capaz de o aconse-

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estão nas pessoas e não no di-nheiro.

Advocatus | O que move então a sociedade?JBP | Mal está a sociedade em que o seu elemento fundamental e es-sencial é o dinheiro. Acredito que a sociedade portuguesa tem um conjunto de valores nas pessoas, na família, que move muito mais do que o dinheiro. Vivemos um mo-mento complicado e, por isso, o dinheiro é actualmente um elemen-to catalisador pelas piores razões. Passa a ter importância, sobretudo para as pessoas que não o têm e que dele precisam para dar respos-ta às necessidades que criaram. Os últimos anos foram de fortís-simo endividamento das famílias portuguesas.

Advocatus | Quais são, a seu ver, os valores essenciais para me-lhorar a sociedade?JBP | A família traz valores funda-mentais, que tenho como fortes referências da minha vida. Cultivo muito a minha família e a relação com os meus filhos, os meus pais, os meus sogros. Há outro elemen-to que também cultivo muito des-de há 15, 20 anos, que é a procura da felicidade individual através do bem-estar. Gosto muito de traba-lho, trabalho muito, mas sei que a minha felicidade não é ali que está. Está num conjunto de outras coi-sas que faço, que ajudam a equili-brar-me e a ser feliz.

Advocatus | A legislação portu-guesa afasta os investidores?JBP | Temos uma legislação desi-gual. Na área do Direito Financeiro, temos uma legislação que corres-ponde, sob o ponto de vista técni-co-jurídico, ao que de mais sofisti-cado existe na Europa. Mas sempre tivemos um sério problema em olhar para o mercado, para aquilo sobre o que estamos a legislar. Há países na Europa que perceberam, há várias décadas, que a legislação é um factor de competitividade e estruturaram o seu sistema jurídico de forma a que fosse atraente para os estrangeiros investirem, deslo-carem sedes, terem regimes fáceis,

flexíveis, sob o ponto de vista fiscal estáveis e interessantes. O Luxem-burgo, a Holanda, a Irlanda são bons exemplos disso. Infelizmente, Portugal não percebeu.

Advocatus | E abusa na carga fis-cal…JBP | O problema já nem se põe tanto na carga fiscal. Põe-se na estabilidade do regime. A principal razão que leva vários investidores estrangeiros a não contemplarem Portugal como sede para as suas operações é não confiarem na esta-bilidade. Ninguém sabe para onde vai evoluir o nosso regime fiscal a cinco, dez anos e as expectativas são más. Nós não somos capazes de dar confiança aos investidores estrangeiros e portugueses.

Advocatus | Como têm sido as experiências em Angola e no Brasil?JBP | São mercados muito diferen-tes e interessantes, que vivem uma fase de crescimento económico. O mercado brasileiro tem um nível de maturidade, em particular por cau-sa da aproximação aos Estados Unidos. No mercado angolano as coisas estão a ser construídas há menos de uma década. Mas Ango-la é um país de que gosto muito.

Advocatus | Porquê?JBP | Há cerca de sete anos, tinha a guerra acabado há seis meses, fiz com dois amigos uma viagem inesquecível por Angola. Na altura, se soubesse escrever, tinha escrito um romance, se soubesse pintar, tinha pintado um quadro. Como não sabia fazer nem uma coisa nem outra, escrevi um livro de di-reito angolano, que foi publicado com a ajuda de duas colegas, uma das quais angolana. Foi a forma de agradecer a viagem extraordiná-ria, os amigos que ainda tenho em Angola. Sem ter sangue ou ascen-dência africana, fiquei sempre com uma ligação próxima com Angola.

Advocatus | Porque é que os ri-cos querem sempre ser mais ri-cos: pelo prazer de negociar ou pela costela Tio Patinhas?JBP | Não sei se saberei respon-

“A persistência, muito mais do que grandes qualidades intelectuais, é uma das maiores

características que alguém pode ter”

“A advocacia de negócios portuguesa

enriqueceu muito com os contactos com a

inglesa”

Há três anos e meio, pesava 100 quilos, ouviu de um ex-aluno que chegavam seis meses de preparação para correr uma maratona. Nessa semana, começou a correr, sempre ao pé do Tejo, em Lis-boa, e meio ano depois, com menos 14 quilos, estava a participar na maratona de Londres. Chegou até ao fim, “não no melhor esta-do”, e não parou mais. Corre três vezes por semana e duas vezes por ano participa em maratonas. A última foi em Boston, que fez em 3h37. No seu dia-a-dia não prescinde ainda de ler e de cozi-nhar. A tarefa de fazer o jantar está a seu cargo. Gosta e gostam dos seus cozinhados. Na leitura, anda fascinado por José Eduardo Agualusa. A música é um dos seus maiores prazeres. Faz parte da banda rock-blues “Fora da Lei”, só composta por advogados. Toca guitarra e escreve as letras. Confidência: “Acredito que as letras são a maior contribuição que dou, pois de outra forma não me deixariam tocar na banda”.

Maratonista, chef e fora da lei

HÓBIS

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der. Não sou rico e, se fosse, tenho dúvidas de que quisesse ainda ser mais. Mas é normal que quem é rico pela qualidade do seu trabalho, não esteja com vontade de parar de trabalhar. São pesso-as para quem o trabalho é mui-to importante. A nossa tradição judaico-cristã tem uma relação terrível com o dinheiro, ao contrá-rio do que acontece em tradições com uma raiz mais protestante, em particular os Estados Unidos.

Advocatus | é um professor tra-dicional ou aberto?JBP | Adoro, tenho paixão por dar aulas. Comecei por acaso, esta-va no 5.º ano, em 1989. Adoro a

“A principal razão que leva vários investidores

estrangeiros a não contemplarem Portugal

como sede para as suas operações é não confiarem na estabilidade. Nós

não somos capazes de dar confiança aos investidores estrangeiros e portugueses.”

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relação com os alunos, aprendo imenso com eles, é muito enri-quecedor e obriga-me a estar actualizado. Acho que sou justo nas avaliações e um dos meus maiores gostos é ter alunos com sucesso.

Advocatus | Como é trabalhar na PLMJ, a maior sociedade de advogados do país?JBP | Nunca estive noutra. A fi-delidade ao escritório onde se trabalha é uma qualidade, mas também é normal que os advo-gados mudem quando entendem. O meu escritório foi o primeiro a ter presente que o futuro esta-va no crescimento orgânico e a

apostar nos seus estagiários, há 20 anos. Hoje em dia vejo esta-giários meus a fazerem o mesmo caminho que eu fiz na sociedade. Para mim, trabalhar na PLMJ é natural, como respirar. E para ser sincero não me vejo a trabalhar noutro sítio.

Advocatus | Qual é o seu maior desafio para 2010?JBP | É o sucesso da área de Direi-to Financeiro na PLMJ. É chegar ao final do ano, olhar para trás e en-contrar uma área estabilizada, com uma carteira de clientes fiel, um conjunto de advogados de grande qualidade a trabalhar em equipa. Acredito que vamos conseguir.

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