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7/27/2019 ERIKSON, Philippe - Uma Singular Pluralidade
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U M A S IN G U L A R P L U R A L ID A D E : A E T N O -H IS T O R IA P A N O
r.
P h ili p p e E r ik s o n
T r a d u r i io : B e a t r i : P e r r O l l d lo i s e s
Ahistoria de que trata este capitulo nao
e n em a de UIl1 povo, nem a de uma
regiao, mas a de uma familia etnolin-
gufstica: a famflia Pano. Embora seu
objetivo primordial seja repertoriar e exami-
nar rapidamente as Fontes etno-historicas re-
lath'as a area pano, 0 estado da arte que apre-
sentamos em seguida pretende igualmente de-
linear os contornos pIincipais desse macrocon-
junto oeste-amazonico, caracterizado por sua
grande homogeneidade territorial, lingufstica
e cultural. Esperamos, destacando os pontos
mais importantes, justificar a posteriori 0parti-
pris de apresentar os Pano em bloco, apesar
de sua real diversidade interna.
Nosso objetivo sera atingido se este capf-
tulo deixar no leitor a impressao de que a etno-
hist6ria amazonica deveria interessar-se pela
logica das relac;oes interetnicas, mais do que
pela mera reconstituic;ao do contato entre um
detenninado grupo local e 0mundo ociden-
tal. 1\0 que diz respeito especificamente aos
PallO, tal ponto assume uma importancia ain-
da maior na medida em que sua uniformida-
de certamente resulta de uma evolu~ao hist6-
rica conjunta tanto quanto de uma origem
comum ...
As Fontes de que dispomos para conhecer
esse conjunto cultural - batizado com 0no-
me de urn de seus componentes hoje extintos
- estao certamente longe de ser homogeneas,
tanto em qualidade quanta em quantidade. Se
e possivel, por exemplo, retra~ar em detalhe
a evolu~ao da indumentaria conibo ao longo
de varios seculos (Myers, s.d.), parece que, ao
contrario, 0 etno-historiador esta condenado
a ignorancia quanta aos Yamina\\'a antes do fi-
nal do seculo XIX (Townsley, 1983). E, no en-
tanto, tudo leva a crer que os Yaminawa e os
Conibo, para ficar nesse exemplo, tiveram des-
tinos paralelos, cujo sentido pleno so emerge
a luz de uma dinamica pano global.
Por falta de espac;o, a se~iio bibliogd.fica
deste ensaio nao pode pretender a exausti\'i-
dade. Assinalamos, contudo, que esta sendo
elaborada uma bibliografia pano comentada,
obra conjunta de Ph. Erikson, K. Kensinger,
M. S. de Aguiar & B. IlIius, que deve ser pu-
blicada em breve, sob os auspfcios da Human
Relations Area Files. Nesse meio tempo, pode-
se consultar Chavarria Mendoza (1983), Frank
(1987), Kensinger (1986) e Santos Granero
(1988).
PA:\'ORA~IA PANO
Constitufda por aproximadamente 30 mil fa-
lantes, a familia etno-lingiifstica Pano ocupa,
na regiiio fronteiri~a entre Brasil e Peru, uma
area quase ininterrupta que se estende prati-
camente do alto Solimoes (50S) ate 0alto Pu-
rus (100S). Indo de oeste para leste,
encontram-se Pano desde 0 Ucayali e seus
afluentes da margem esquerda (75W) ate as
cabeceiras das bacias do Javari, do Jurua e do
Purus (700W).
Fora dessa zona principal, 0unico enclave
pano importante se situa na regiao limftrofe
entre Rondonia e a Bolivia, do alto Madeira
ao rio Beni, onde se encontram as popula~oes
Kaxarari, Karipuna, Chacobo e Pacaguara.
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Embora numericamente muito minoritirios,
esses grupos sul-orientais ocupam certamen-
te urn territorio proximo daquele de que se-
ria origimlrio 0 resto de sua familia lin.l,riiisti-ca, ja que 0 territorio atualmente ocupado pe-
los Pano foi muito provavelmente povoado por
sucessivas ondas de migra
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Shipibo-Conibo se Ihes assemelham muito
mais do que geralmente se diz. As especifici-dades induzidas pelo meio ecologico que ocu-
pam nao impedem de modo algum seu xama-
nismo (Illius, 1987) de parecer-se, por exem-
plo, com 0 dos ~Iarubo (Montagner Melatti,
1985). Existem atualmente cinco dialetos
Shipibo-Conibo, mutuamente inteligfveis
(Levy, s.d.). Populac;ao: 20 mil.
- Os YaminatL'a ("gente do metal"), por
muito tempo considerados como urn unico
grupo etnico, representam na verdade, segun-
do Townsley (1988), urn conjunto politicamen-
te heteroclito embora culturalmente homoge-
neo, de que fazem parte - alem das varias fra-c;6es batizadas Yaminawa - os Parquenawa
(recentemente contatados, tambem conheci-
dos como Yora ou ~awa), os Sharanawa, os Ma-
rinawa, os Mastanawa e varios outros "-nawa",
entre os quais alguns arredios. Townsley bati-
zou 0 conjunto desses grupos "Purus Pa-
noans", a nao confundir com a expressiio "Pa-
no do Jurui-Purus" freqiientemente empre-
gada em relac;ao aos Kaxinawa, Amahuaca e
Yaminawa reunidos. Populac;ao: 1700.- Os A.malwaca, embora lingiiisticamen-
te bastante diferentes dos Yaminawa, mantem
com eles relac;6es estreitas, quando nao qua-se simbioticas. Antigamente, seu nome reme-
tia indistintamente a drios outros grupos do
Jurua-Purus. Atualmente, 0 termo amahuaca,
transcric;ao pano de uma designac;ii.o de ori-gem arawak (Impetiniris, "gente do cabiai")
refere-se unicamente a um conjunto compos-
to por falantes de virios dialetos caracteriza-
dos por uma tonalidade muito marcada. Cada
um desses subgrupos possui uma ou mais au-
todesignac;6es temlinadas em -IlOlCO ou -bo, se-
gundo 0 costume pano (Woodside, 1980:92).
Populac;ao: mil.- Os famosos Kaxillau:a (no Peru, Cash i-
nahua), mais do que os outros subconjuntos
aqui definidos, apresentam as caracterfsticas
correntes de uma "etnia", em tennos polIticos,
matrimoniais e territoriais. ~Iuito mais bemconhecidos etnograficamente do
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AM
AR
AT
CB
CH
CO
CPKB
KN
KP
KR
KT
I~ ~MG
"IN
"IS
"ITMY
MZ
INK
NW
PC
PO
RE
SHSR
YA
IYM
YW
Amahuaca
Arara
Atsahuaca
Cashibo
Chacobo
Conibo
Capanahua
Korubo
Kaxim\wa
Kulina Pano
Karipuna
Kalukina
Kaxarar!
Marubo
Mangeroma
Marinahua
Maslanahua
Matis
Maya
Matses
Nukuini
Nawa
Pacaguara
Poyanawa
Remo
Shipibo
Sharanahua
Yamiaca
Yaminawa
Yawanawa
medio das mulheres raptadas. Dividem-se
atualmente em varias entidades nomeadas
(tres ou talvez quatro segundo Frank, 1990),
das quais a mais conhecida e 0gmpo chama-
do Catacaibo. Popula~ii.o: 1200.
- Designaremos como Pano medianos 0
conglomerado formado na regiao do alto Ta-
piche e alto Ipixuna pelos Poyanawa, Capana-
wa, Katukina (Waninawa, Shanenawa), Yawa-
nawa, Remo (atualmente reduzidos a uns cin-
qiienta Iskonawa e algumas familias Nukuini)
e Marubo (Melatti, 1985-6). Embora cada urn
dos componentes desse conjunto intermedia-
rio entre os Pano do Jurua-Purus e os Mayo-
runa (discutidos abaixo) seja independente,
subdivisivel e apresente caracteristicas espe-
dficas, este elo perdido (raramente evocado)da unidade pano reteni especialmente nossa
aten~ao, pois permite dar conta de uma evi-
dencia por muito tempo ignorada: a semelhan-
~a entre os Mayoruna e os outros Pano. Popu-
la~ao: 1300.
- Os Mayoruna (termo de origem qui-
chua), final mente, costumam aparecer como
fra~ao marginal de sua familia etnolingiifstica,
juntamente com os Cashibo, com quem com-
partilham a reputa~ao de ferocidade. De Ste-
ward a Lathrap, sao freqiientemente descritos,
nao sem candura evolucionista, como uma es-
pecie de reliquia proto-pano (ver Erikson.
1990). Por muito tempo confundido com urn
de seus componentes, os Matse, este bloeo
compreende, na verdade, VarIas outras fra~6es,
como os \latis, os Korubo, os Kulina-Pano, os
Maya e varios outros grupos, todos falantes de
dialetos mutuamente inteligfveis. Popular;io: mil.
ETNONI~IOS
I t importante notar que as sete categorias de-finidas acima nao eonstituem, certamente, 0
que se convem ehamar de "etnias". Trata-se,
antes, de reagrupamentos efetuados por ob-
servadores estrangeiros, que sem duvida cor-
respondem a uma incontestavel realidade em-pirica, mas sao pouco compatfveis com a vi-
sao indigena tradicional do que se poderia
chamar de "etnotaxionomia social". Os prin-
cipais interessados nao se reconhecem de mo-
do algum na maior parte dos termos enume-
rados acima, ou s6 0 fazem em situa~iio de
contata, curvando-se com condescendencia ou
por nao terem escolha a perspectiva de seu in-
terlocutor.
De modo geral, os Pano recusam a desig-
na~ao pela qual sac conhecidos, por urn lado
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de\ido a seu caniter exogeno (costuma ser im-
posta por urn grupo pano vizinho) e por outro
devido ao seu caniter geralmente pejorativo.
o morfema kaxi-, atribuido tanto aos Kaxina-wa quanta aos Cashibo, por exemplo, signifi-
ca "vampiro", ao passo que 0nome dos Maru-
bo deixa entender que seriam "carecas" (ma-
ru) ... Alguns autores prop6em, diante disso,
designa~6es alternativas, geralmente forjadas
a partir de urn vocabulo que significa "huma-
no, parente".
Manteremos, contudo, as designa~6es tra-
dicionais por tres raz6es basicas. Em primei-
ro lugar por sua comodidade, ja que so elas
permitem ao leitor localizar-se nas obras aqui
recenseadas. Alem disso, as solu~6es de subs-
titui~iio levariam 1 1 confusao num trabalho
comparativo, dada a semelhan~a lingi.iistica en-
tre as varias linguas pano: ate os especialistas
poderiam ter dificuldade em distinguir entre
'lUlli, holli, olli, odi e outros uni freqiientemen-
te propostos como alternativa. Finalmente,
porque em bora as recusem para si mesmos,
os Pano utilizam tais designa~6es para seus vi-
zinhos; porque seus etnologos, "estrangeiros"
que sao, nao deyeriam fazer 0 mesmo?
A questao dos etn6nimos, na area pano, e
na verdade insohlvel, e tanto mais instrutiva
justamente por isso.. \ razao disso e que a iden-tifica~ao se da ou no nive! mais imediato (gru-
po local, segmento de grupo local: Imi no sen-
tido de "parentes") ou, ao contrario, no nivel
mais generico possivel: 0 da area pano ("to-
dos os que tern tatuagens"; "todos os que tern
urn sistema social kariera como n6s": uni no
sentido de "humanos"). E como se se tentas-
se anular as etapas intermediarias, de modo
a deixar a porta aberta para alian~as que trans-
cendem 0 nivel "etnico", que tanto preocupa
os observadores ocidentais (missionarios, et-
n610go$, viajantes), frustrados em sua busca de
denomina~6es tribais claras e definidas ...o exame da pre-hist6ria e da hist6ria indi-
gena dos Pano certamente fornecera elemen-
tos explicativos para tais mecanismos de iden-
tifica~ao etnica originais, que sem duvida se
desenvolveram no quadro de uma polftica
marcada pelo confronto permanente com urn
exterior radicalmente estrangeiro. Mas antes
de abordar esse tema, examinemos rapidamen-
te as principais Fontes etnol6gicas e lingi.iisti-
cas indispensaveis para a compreensao dos Pa-
no contemponlneos.
FONTES
Para poupar ao mesmo tempo0
espa~o de quedispomos e a paciencia dos leitores, os princi-
pais estudos da panologia moderna serao sim-
plesmente apresentados sob a forma de qua-
dros assinalando 0 nome dos pesquisadores,
por ordem de antigiiidade. Os que se interes-
sarem por referencias completas podem recor-
rer as bibliografias mencionadas na introdu-
~ao ou 1 1 bibliografia pano anexada a Erikson,
1990.
india Shipibo
de urna rnissao
jesurta. Expedic;:ao
de Paul Marcoy
(1848-60).
~.~, ...\'"' . .~
'-"'~.
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Amahuaca
Missionar ios:KydeiRussel (dicionario. 154 p.), Sparing/Chavez (sintaxe)
Capanawa
M i s s io n a ri o s : L e o s
Cash,bo
Universitarios contemporAneos: Cortez-Mondragon
Missionarios: Shell (dicionario. 106 p.)
Chacobo
Missionarios: Prost; Zingg
KatukinaKaxarari
Universitarios contemporaneos: Muller de Oliveira, Sueli & Monserrat
Kaxi nawa
U n iv e r si t ar i o s c o n t em p o r A ne o s : Camargo. O'Ans
Missionarios: Cromack, Montag (dicionario, 621 p.)
Marubo
Universitarios contempor~neos:Carvalho
Mayoruna (Matse)
U n iv e r si t ar i o s c o n t em p o r an e o s: CostaMissionarios: Fields, Kneeland (gramatica didatica)
Poyanawa
U n iv e r si t ar i o s c o n t em p o r an e o s: Bethania
Ship,bo-Conibo
Un;versitar;os contemporaneos: Gillen Aguilar, Illius. Tournon
Missionarios: Loriot. Faust (gramatica didatica)
Tentativas de sinless:
Missionar:os: Shell (Iex;cologia pan-pano)
Amahuaca
Univers,tarios contemporAneos: Carneiro. Dole, Woodside, Zarzar
M i s s io n a ri e s : R u s s el
Cash/bo
Universitarios antig05: Montalvo, Trujillo-Ferrari
U n iv er s it ar i os c o nt em p or A n eo s : F r an k
Missionar ios: Wi strand
Chacobo
U n i ve r s it a r io s a n t ig o s : N o r de n s k io l d
U n iv er s lt ar io s c o nt em p or A n eo s : K e Ir n , B al za no , B o om
M i s s io n a ri o s : P r o st
fskobekebu-Remo
Universitarios antigos: Momsen
U n iv er s it ar io s c o nt em p or l in eo s : B r au n
KatukinaKaxarari
U n i ve r s it a r io s a n t ig o s : M a s o n . T a st e v in
Kaxinawa
Universitarios antigos: Abreu, Carvalho/Sobrinho, Schultz
U n i ve r s it a r io s c o n t em p o r an e os : K e n s in g e r, A q u i n o. D e s h ay e s J Ke 1 fg . .
nheim. McCallum. Lagrou
Missionarios: Cromack
Marubo
Universitarios contemporaneos: Melanl, Montagner Melani
Mayoruna (Matis. Matse)
Universitarios contemporaneos:. Romanoff, Calixto Mendez, Erikson
Missionarios: Fields, Kneeland
Shipibo-Conibo
Universitarios antigos: Tessmann, Karsten. Harner. Waisbard
Universitarios contemporAneos: Morin, Abelove. Roe. Behrens.
Gebhart-Sayer, lIIius
Trabalhos em curso: Bertrand-Rousseau. Levy,Foller, Basurto. Gar-
cia Rivera
Missionarios: Loriot. Eakin et alii.
Yaminawa (Sharanawa etc.)
Universitarios contemporil.neos: Siskind, Goussard, Townsley,Vers-
wijver. Reynoso
Tentativas de sintese:
Universitarios antigos: Farabee. Tessmann
Universitarios contemporaneos: Signorini
PRE-HlSTORIA
:\ regiiio do alto Amazonas, especialmente 0
Ucayali, cOllstitui uma (\as rams zonas das ter-
ms baixas sul-americanas para as quais dispo-
mos de uma abundante documenta~ao ar-
queologica. Dev'emos 0 essencial dessa dOCH-
menta~iio aos trabalhos pioneiros de Donald
W. Lathrap (1970), que Head. na historia da ar
queologia sul-amerfndia como 0 inspirador, e
muitas vezes 0 artifice, cla maior parte das in-
vestiga~ijes arqueologicas realizadas na .\ma-
zonia peruana na segunda metade de IlOSSO
seculo.
Lathrap, a quem logo vieram juntar-se al-
guns estudantes e colaboradores (Roe, 1982;
\Iyers, 1988), estimulou uma corrente de pes-
quisa gra~as a qual pode-se atualmente ter
uma ideia bem precisa da pre-historia dos Pa-
no. Por razoes tanto teoricas como pdticus,
quase nao se fizeram pesquisas nas zonas de
inted1uvio, 0que sem dLivida inflete nossa vi-
sao de eonjunto. Em compensa~iio, os grupos
que ocuparam as planfeies aluviais do Ucayali
estiio suficientemente bem documentados pa-
ra que se possa segui-Ios desde a sua chegada
ao Ucayali.
Pode-se razoavelmente postular que os an-
tigos Pano migraram em massa em dire~iio ao
Ueayali por volta de 100-:300 _\.0., aparente-
mente provenientes do norte da Amazonia bo-
liviana (regiiio do Beni e do Guapore). Produ-
ziam a ceramica do estilo chamado "paeaeo-
cha', ornamentada com motivos zoomorfos e
caracterizada pel a simplicidade de suas for-
mas. De resto, "viviam em malocas. Enterra-
yam seus rnortos em urnas dentro da casa em
que os sobreviventes continuavam viv-endo. Fo-
ram encontrados fusos indicadores de uma in-
dustria textil, e [provaveis indicios] de prepa-
ro de yuea amarga. Uma analise dos ossos in-
dica que0
milho era a b ase de sua dieta(\lyers, 1988:60)".
Os enterros eram do tipo secundario, e a
pnitiea da deforma~iio do cranio, caracterfsti-
ca dos Pano ribeirinhos da epoca historiea, ain-
da nao era aparentemente praticada. (Esse
costume, de origem andina, deve ter sido in-
troduzido mais tarde no Ucayali por invasores
tupi; vide abaixo.)
Os trabalhos de Weber (1975) e Braun (s.d.)
indicam que os povos da tradi~iio Pacacoeha,
poueo orientados em dire~iio aos rios,
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,' 1
. . . . . .:.., . . . .J
- - - - ~ - - - - - --~~::- - .
- - - -
Jeslocavam-se essencialmente por via terres-
tre. A aclimata~ao dessa gente do interfluvio
10meio ribeirinho efetuou-se, contudo. rapi-
damente, a ponto de logo dominarem todo 0
Uca}aIi, sobrepujando completarnente os ocu-
pantes precedentes, que deixaram de produ-
zir a ceramica mais sofisticada (do estilo cha-
mado Yarinacocha) gra~as a qual ficaram co-
nhecidos.
Embora os dados arqueol6gicos sejam ex-
tremamente escassos nas regioes de terra fir-
me ocupadas pelos Pano. pode-se imaginar
que alguns desses imigrantes recentes nao setenham estabelecido a s margens do Uca}'llli.
Esse poderiaser 0caso especial mente dos
proto-Cashibo. de urn lado. e dos antepassa-
dos dos grupos setentrionais (chamados Ma-
yoruna) cujo territorio tradicional se estende
de leste a oeste, do Tapiche ao )andiatuba, e
nao de suI a norte, seguindo 0eixo do Uca}'a-
Ii. (Diga-se de passagem que essas duas lin-
guas diferem mais do que a media das outras
linguas pano.)
Lathrap et alii. (1985:61 ss.) supoem que as
ondas de migra~ao pano deveram-se a expan-
sao concomitante dos Arawak ~faipuran da re-
giao de Mojos. Atribuem, alias..0 sucesso dos
recem-chegados a sua capacidade de ocupar
o int~rior (gra~as ao milho e a agricultura iti-
nerante), 0 que Ihes fornecia uma vantagem
tatica sobre seus adversarios, paradoxalmente
mais vulneraveis porque limitados a agricul-
tura intensh'a na vmea, e portanto menos mo-
veis. De qualquer modo, a ocupa~ao pano pa-
rece ter se efetuado rapidamente e ter inclu-
sive prosseguido em ondas sucessi\'as ao longo
dos seculos seguintes, tendo os ultimos trazi-
do inova~6es tecnicas que revelam influencias
dos Guarani (do Guapore).
Os Pano parecem, portanto. ter reinado ah-solutos sobre 0 Uca}'ali e seus principais
afluentes ate por volta de 700-800 d.C. Dois
acontecimentos importantes ocorreram enUio.
oprimeiro foi a intrusao dos Arawak, cortan-do a familia lingiHstica Pano em dais, um pou-
co abaixo do Pachitea (Myers, comunica~ao
pessoal), epis6dio de que nao se sabe muito
ate 0momento. AMm disso, um pouco mais
tarde, ocorre 0 aparecimento espetacular da
ceramica do tipo chamado Cumanca}'a. (Os es-
tudos glotocronol6gicos de O'Ans (1973) insi-
nuam, alias, que foi por essa epoca que a fa-
mt1ia Pano perdeu sua antiga homogeneidade
lingiiistica, come~ando a ocorrer di\'erg~lIc:ias
entre as linguas do interfludo e as do Uca}'a-
Ii, e entre estas ultimas.)
ocentro principal da ino\'aS'ao estilistica seencontra em Cumancapcocha, eponimo do
estilo. 'no medio Ucayali. .\ importancia do si-
tio estimula a imagina~ao, ja que estima-se que
possa ter sido ocupado simultaneamente por
varios milhares de habitantes, gra~as a pesca
excepcionalmente abundallte e ricas terras
alu\'iais para plantar milho.' Alem da cerami-
ca muito sofisticada mesclada com pe~as de
estilo pacacocha, encontram-se em Cumanca-
ya machados de cobre. tra~o inconteshhel de
uma conexao andina. A semelhanr;a elltre as
novas ceramicas e a de Sangay (Equador) per-
mitiu inclusive a\'an~ar teorias extremamente
especificas quanto a origem de Cumancaya e
suas rela~6es com as ch'i1izilS'0es das terras
altas.
De fato, as mitologias pano (especial mente
as dos Kaxinawa, Cashiho e Conibo) freqiien-
temente aludem a her6is culturais chamados
"Inka", e varios mitos shipibo evocam explici-tamente "a epoca em que \'i\'iamos em
Cumancaya sob 0 dominio do IlIka". ~funidos
dessa observa~ao e de uma documentar;ao tao
abundante quanto habillllente manipulada.
Lathrap et alii. (1985, 1987) construiram um
modelo segundo 0 qual ill\'usores equatoria-
1105 teriam instaurado em Cumancaya uma
chefia pluritHnica hierarquizada em beneficio
de uma classe dominante de lingua Qu'chua.
que dominava os Pano. caracterizados por sua
ceramica "pacacocha" comum.
A teoria gerou uma calorosa polemica (De-
Boer e Rarmond. 1987), fasdnante niio ape-
Tear de cintura
com instrumentalde canas e
madeiras diversas,
sendo a ala de
embira. IndiosKaxinawa.
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nas para os amantes da arqueologia mas tam-
bem para todos os que se interessam pela sim-
bolica dos motivos ucayalinos (Cow, 1988) epelo problema teorico da interpreta
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do Pachitea (urn sitio imenso foi localizado no
Tamaya.)
Os antepassados dos grupos capanawa, ka-
xinawa, shetebo e shipibo viram-se, assim, for-
\ados a trocar 0Ucayali por seus afluentes, co-
mo 0Pisqui e 0Aguaitia. Estas duas ultimas et-
nias so recuperariam urn habitat ribeirinho na
epoca historica, quando as epidemias impor-
tadas praticamente extinguiram a populaC;ao
Cambeba, deixando seu antigo territorio vago.
As outras iriam manter-se nos interfluvios, e al-
gumas delas viriam assim a aproximar-se dos
blocos sul-orientais e setentrionais que, sup6e-
se, nunca ocuparam 0Ucayali.
:\0 que parece, os contatos entre os Panoe os Tupi foram essencialmente belicosos e os
dois grupos nao pararam de se guerrear ate
a chegada dos brancos e as alianc;as intertri-
hais que esse fata originou (no interior das mis-
s6es ou, ao contrario, para se opor a elas em
bloco). Note-se, contudo, que os Cambeba
exerceram uma influencia consideravel sobre
os Pano ribeirinhos, influencia certamente
muito antiga, pois e possive! atribuir-lhes a ori-
gem de elementos culturais tao cruciais quan-
to a deformaC;ao dos cranios dos recem-
nascidos e, principalmente, os rituais de pu-
berdade feminina, eixo essencial da vida ceri-
monial do Ucayali.
De um certo modo, poder-se-ia ate postu-
lar a existencia de uma cultura comum piro-
conibo-cambeba, distinta da dos interfluviais
(Zarzar e Roman, 1983). Mas seria igualmen-
te possive! defender 0contrario, tanto a cons-ciencia de pertencer a um conjunto "pano"
(e nao somente a um determinado subgrupo)
parece forte nessa famuia lingiifstica. Como ex-
p!icar entao essas filia\oes incompativeis?
Retratos de
homens Matis:
Kwini e Tumi.
Retratos de
mulheres Matis:
Shono e Dani.
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A titulo de hipotese, talvez se pudesse su-
gerir que embora se mantivesse em larga me-
dida, 0antigo ideal de homogeneidade teriarecuado diante da intrusao dos brancos, cuja
chegada certamente provocou como rea~ao
uma mobiliza~ao geral (e portanto uma apro-
xima~ao) do conjunto dos grupos do Ucayali,
fossem Arawak, Pano ou Tupi. A instaura~ao
de uma cultura ribeirinha oposta a uma cul-
tura interfluvial poderia, portanto, decorrer
tanto de fatores politicos como economicos.
Em outras palavras, talvez tenha sido mais
enquanto via de penetra~ao dos brancos do
que enquanto meio ecologico especifico que
o Ucayali engendrou urn certo tipo de socie-
dade claramente distinto das dos interfluvios.Esta e pelo menos uma das leituras possiveis
da etno-historia pano a qual passaremos em
seguida.
ETNO-HISTORH
Os primeiros encontros entre europeus e
Pano ocorreram muito provavelmente no Uca-
yali na segunda metade do seculo XVI, em
1557, quando uma expedi~ao liderada por Juan
Salinas de Loyola (1897) subiu 0 rio pela pri-
meira vez. Myers (1974) identificou de modo
bastante convincente a Na~ao dos Pariaches,
encontrada' naquele momenta pelos Conquis-
tadores, como os antepassados dos atuais
Conibo.
Alem da dos Pari aches, Salinas atravessou
mais duas provincias, situadas uma a jusante
e outra a montante da sua. A primeira era cer-
tamente constituida pelos antepassados dos
Cocama (tupi) e a segunda pelos dos Piro (ara-
wak). Embora seus habitantes sejam descritos
como tendo a mesma aparencia fisica e rou-
pas semelhantes, esses territorios estavam se-
parados uns dos outros por trechos de "no
man's land", signa indiscutivel de hostilidade
entre as tres "na~6es" do San Miguel, depois
rebatizado Paru (nome pano) e finalmente
Ucayali.
Salinas nao economiza elogios nem sobre
as aldeias que atravessa, a s vezes formadas por
varias centenas de casas, nem sobre os habi-
tantes, enfeitados com metais preciosos. Ain-
da que certamente decepcionado por nao ter
ainda encontrado 0 EI Dorado prometido,
maravilha-se ao encontrar "naturais muito po-
lidos e galantes em suas roupas de algodao e
plumagens e joias de ouro, cujas aldeias ficam
nas barrancas dos rios, e em seu governo sao
mais ordenados do que os indios das outras
provincias acima descritas, porque sao maisobedientes e respeitam mais seus caciques
(1965, CCXLVIII:231)".
Se os indios impressionaram tanto nosso
cronista, a surpresa sem duvida foi reciproca.
Os Pariaches niio estavam certamente prepa-
rados para a intrusiio dos expedicionarios, e
principal mente niio estavam preparados para
as "pestes" que devem ter inevitavelmente
seguido.3
;\Iao devemos contudo exagerar a importan-
cia do choque intelectual que esse primeiro
contato deve ter representado. Afinal de con-
tas, bens ocidentais, signos precursores da in-trusao espanhola, podem muito bem ter che-
gada ao Ucayali muito antes de Salinas, por in-
termedio de comerciantes piro. AMm disso, a
chegada dos espanhois nao constituia de mo-
do algum a primeira incursao em territorio pa-
no de emissarios vindos de mundos radical-
mente estrangeiros. Signos externos de rique-
za, as joias dos habitantes do Ucayali ja nao
eram igualmente signos de inser~ao em vas-
tas redes comerciais que se estendiam ate os
Andes, de onde vinha 0metal? (Cf. artigos de
Roe, de DeBoer e de Myers in Francis etalii,
1981.)
]amais saberemos se Salinas e seus compa-
nheiros foram tornados por "Inka" pelos ribei-
rinhos cujo territorio atravessaram. De qual-
quer modo, isso ocorreu com muitos brancos
que os sucederam na regiao pano, como se ti-
vessem chegado apenas para ocupar 0lugar
dos andinos, trazendo laminas de a~o no lu-
gar de machados de bronze ...
A expedi~ao de Salinas foi seguida por al-
gumas outras que tambem tiveram a ocasiiio
de encontrar os Pano. Assim, embora a his to-
riografia espanhola tenha retido da viagem de
Pedro de U rsua em 1560 principal mente 0fim
tnigico e a revolta de Aguirre, nao deixou de
atribuir a esses Conquistadores 0privilegio de
terem sido - bem no inicio de s ua fuga -
os primeiros a encontrar Mayoruna. (E, alias,
a esse primeiro contato, que teria ocorrido no
Huallagua, que a lenda atribui, com pouca ve-
rossimilhan~a, a origem da famosa pilosidade
dos Pano mais tarde conhecidos como
"Barbudos". )
Isso posto, as expedi~6es apenas passavam,
e de modo geral se considera que esses pri-
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meiros contatos esponidicos do seculo XVI ti-
veram uma influencia basicamente indireta so-
bre os povos Pano. Sua importancia nao deve,contudo, ser subestimada: ninguem ha de ne-
gar que a face do mundo indfgena foi modifi-
cada pela introduc;ao de novas ferramentas, no-
vas especies, novas plantas de cultivo e, prin-
cipalmente, novos microorganismos. A econo-
mia pano, por exemplo, foi certamente trans-
formada nao somente pel os machados de ac;o,
como tambem pela banana-da-terra (que lo-
go se tomou urn dos elementos basicos da die-
ta pano) e pelos caes, preciosos auxiliares na
cac;a. Alem disso, as perdas populacionais re-
sultantes das epidemias e a existencia de no-
vos circuitos de troca devem ter causado rear-ranjos profundos no tabuleiro politico ...
Passou-se quase urn seculo entre a visita de
Salinas e as primeiras entradas missionarias no
Ucayali e seus afluentes. A primeira onda mis-
sionaria abateu-se sobre 0 Ucayali apenas na
segunda mebde do seculo XVII, ja que os fran-
ciscanos - ativos desde 1631 no Huallagua-
s6 fundaram sua primeira missao "pano" en-
tre 1644 e 1657; 1644 se admitirmos, com
Myers (1990), que os "Payansos" entao redu-
zidos eram realmente Shipibo do Aguaitia;
1657, se esperarmos 0 sucesso do padre Ca-
ballero junto aos Shetebo e Callisecas (certa-mente Shipibo do Pisqui).
o sucesso inicial dos franeiscanos teve curtadura
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polio piro sobre as vias de acesso aos locais
de troca com as terras altas. A hip6tese pare-
ce ainda mais verossfmil na medida em que,segundo Myers (1990:13), os Conibo estariam
certamente muito enfraquecidos demografica-
mente nesse perfodo e, portantO, muito neces-
sitados no mercado das alianc;as. Os religiosos
conseguiram aproveitar plenamente essas pre-
disposic;oes favoraveis. Conseguiram se insta-
lar, mas nao se manter.
Durante 0 seculo XVII, a atividade missio-
naria, apesar de basicamente concentrada nos
grandes rios, estendeu-se tambem aos Pano in-
terfluviais, como os Capanawa, os Mochovo, os
Coma\
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As fontes de que dispomos para 0 seculo
XIX incluem relatos de viajantes leigos, narran-do em geral sua expedic;ao dos Andes ao Para .
.-\ lista e longa, e pode ser encontrada na in-troduc;ao - preparada por J.-P. Chaumeil -
da reedic;ao de urn dos mais interessantes des-
ses relatos, 0de Marcoy (1869).0 italiano Co-
lini (1884) tambem fornece informac;oes pre-
ciosas, colhidas junto a seu compatriota Lu-
cioli, que viveu durante mais de trinta anos em
Sarayacu e entre os Conibo, casando-se com
uma mulher Conibo e adotando voluntaria-
mente seus costumes.
Lucioli informa, entre outras coisas, que as
epidemias (e 0a1coolismo) continuavam gras-
sando com forc;a nas missoes do seculo XIX.
Em trinta anos de permanencia no Vcayali,
constatou a diminuic;ao de urn terc;o da popu-
lac;ao das missoes. Mas a mortalidade decor-
rente do boom da borracha seria ainda pior.
Devido a limitac;ao de espac;o, e porque a
maior parte dos panologos contemporfmeos
trataram do assunto em relac;ao a etnia pela
qual se interessaram, nao entraremos em de-
talhes da hist6ria do seculo xx. Insistiremos
apenas numa de suas conseqiiencias raramen-
te evocadas e que se po de chamar de concen-
trac;ao sincretica dos sobreviventes.
Boa parte das "etnias" pano contemponi-
neas parece resultar de fusoes. No Brasil, os
~1arubo, por exemplo, se autodefinem como
urn aglomerado recente. 1'\0 Peru, a maioria
(senao a totalidade) das diversas frac;oes ma-
yoruna ainda independentes no infcio do se-
culo constitui uma unica frac;ao atualmente,
chamada "matse" (tambem presente no Bra-
sil). Considere-se, ainda, a famosa simbiose
Amahuaca-Yaminawa, ou 0proselitismo etni-
co de Bolivar Odicio, que tentou inculcar nos
Cashibo os valores essenciais shipibo (e em lar-
ga medida conseguiu, pelo men os por a1gum
tempo; ver Wraughton Gray, 1953). Delineia-
se claramente uma tendencia a simplificac;ao,
que tambem se reflete na abolic;ao da distin-
c;ao terminologica entre os Shipibo e os Coni-
bo, visfvel no emprego, atualmente sistemati-
co, do etnonimo "Shipibo-Conibo" (as vezes
Shipibo-Conibo-Shetebo) para se referir ao
conjunto dos Pano do Vcayali.
CONCLUSAO
Vma das caracterfsticas mais ongmais e
mais marcantes da etno-hist6ria pano e certa-
mente a impressao de continuidade, senao de
serenidade, que transmite. E como se os Pano
sempre tivessem sabido se acomodar a uma
forma de alteridade poderosa, ao mesmo tem-
po util e ameac;adora, atraente e desconcer-
tante, de que os brancos representariam ape-
nas 0 ultimo avatar em termos cronologicos.
De qualquer modo e notave! que os Pano te-
nham preservado tanto sua Ifngua quanta a
maior parte de suas tradic;oes, apesar de varios
seculos de contato e apesar de estarem, em
sua maioria, localizados num dos principais ei-
xos de comunicac;ao do oeste amazonico.
A polftica extern a sempre constituiu, sem
du\ida a1guma, um domfnio crftico na area pa-
no, em que sempre se cultivou a arte de con-
viver com estrangeiros (especialmente pelo
vies de um dualismo que concede urn lugar
de honra a uma metade "do exterior"). Mes-
mo grupos vivendo aparentemente em total
isolamento como os Matis constantemente re-
definem sua cultura em func;ao do impacto da
intrusao ocidental (ver Erikson, no prelo, a, b,
c) e 0 mesmo acontece afortiori com os habi-
tantes do Ucayali, cujas planfcies aluviais e re-
cursos de pesca facilmente acessfveis suscita-
ram muita cobic;a, e muitas invasoes, ao longo
dos seculos.
Diante de sua historia e de sua pre-historia
extremamente movimentadas, so se pode, na
verdade, admirar a constancia com que os Pa-
no souberam preservar sua coesao territorial
e sua homogeneidade cultural.
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(1) A importancia excepcional do sftio de Cumanca-ya explica-se por seu carater lacustre (Cumancayaco-
cha), e porque se tratava provavelmente de urn cen-tro polftico e comercial. Podemos contudo indagar sese trata realmente de urn sftio unico de propor~oesgigantescas, ou de varios, menores mas frequentemen-
te deslocados em fun~1io das cheias ... Note-se, alias,que embora os vestfgios do estilo Cumancaya cubram
urn vasto ten-it6rio, 0sftio de Cumancayacocha pare-
ce ser0unico desta tradi~ao que apresenta tal densi-dade populacional.
(2) Note-se que 0 imperio inca stricto sensu s6 se de-senvolveu no seculo xv. 0 termo "inka" nao pode,
portanto, ter sido introduzido entre os proto-Conibodo seculo VIII a nao ser que tambem fhesse parte dolexico dos proto-Qufchua do Equador, 0que teria de
ser comprovado. Isso posto, eventuais designa~6esmais antigas dos andinos podem ter sido tardiamen-
te substitufdas por "inka".(3) Segundo Myers (1990:22): "dad as as liga~6es en-tre os Andes e 0Amazonas, a pandemia andina de gri-
pe de 1.558-9 foi provavelmente sentida no Amazonas".
De modo que embora sua expedi~ao possa nao ter si-do diretamente responsavel por nenhuma epidemia,
Salinas foiprm"avelmente - e mesmo assim, por pou-co - 0unico europeu que pode observar as socieda-des do Ucayali antes do impacto do choque microbiano.(4) Os Shetebo fkariam em La Laguna ate 1790 (mais
tempo do que os jesuftas, expulsos em 17681), mistu-
rando-se aos Cambeba (a ponto de adotarem seu es-tilo de ceramica) e tomando-se rapidamente excelen-tes cristaos ne6f1tos. Separados, assim, do resto de suafami1ia Iingiifstica, passarao a lutar regularmente con-
tra os Shipibo, que acabarao, contudo, absorvendo-os
totalmente no seculo XIX. Pode assim ser corrigidauma flagrante injusti~a terminol6gica, a saber, que osPano tern seu nome derivado de uma das fra~6es she-tebo (pano = "tatu"), ou seja, dos mais marginais de
todos eles!(5) Sobre a historia especfflca dos Mayoruna, pode-se consultar Grohs (1974:57-60) e 0capitulo 4 de Erik-
son (no prelo, a).
(6) Entre as outras coletaneas que constituem fon-tes importantes para a etno-historia pano, menciona-remos Larrabure y Correa (1905-9), Maurtua (1906)
e Fuentes (1861-4).