Escritos+Contra+Marx M.+Bakunin

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    MikhailBakunin

    ESCRITOS CONTRA MARX

    TraduoPlnio Augusto Coelho

    Reviso:Jos Luis Solazzi

    Projeto de Capa:Plnio Augusto Coelho

    Ilustrao da Capa:Kopf mit deutscher Barttracht, 1920

    Av. Pompia, 2.549 conj. 01

    Vila Pompia

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    SUMARIO

    Apresentao: Bakunin versus Marx: Conflito de tits na Internacional dos Trabalhadores

    (A.I.T.)

    Carta ao Jornal La Liberte, de Bruxelas

    Escrito contra Marx

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    BAKUNIN VERSUS MARX

    Conflito de tits na Associao Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.)

    Srgio Augusto Queiroz Norte

    Experincia histrica dos trabalhadores europeus e a Internacional

    O capitalismo industrial necessita para sua reproduo de um crescente mercado mundial que se revelar,

    ideologicamente dentro do discurso burgus, nos apelos fraternidade entre os povos. de 1789 ONU. Ao advogar a paz entre

    as naes (fundamenta] para o processo de circulao de mercadorias), a burguesia tambm engendra a centralizao poltica;

    o Estado Moderno e a inevitvel disputa armada, ou no, entre os mesmos tomam-se paradigmas da evoluo histrica. Somem

    as diferenas nacionais, tnicas e culturais; o capital, para reproduzir-se, necessita da destruio constante daquilo que lhe

    diferente.

    Junto crescente centralizao estatal e produtiva, o capital organiza, em seu proveito, os escravos modernos. A classe

    operria desde o seu nascer teve de encarar o internacionalismo do capital J em 1833, um "Manifesto das classes produtivasda Gr-Bretanha" dirigido "aos governos e povos da Europa e da Amrica do Norte e do Sul" adotava uma postura

    internacionalista. No mesmo ano, a questo de uma aliana entre os trabalhadores da Inglaterra, Frana e Alemanha era discutida

    na imprensa operria britnica. No s esta questo era discutida, mas tambm o foi a supresso do Estado burgus e a sua

    gesto por uma federao dos produtores (Thompson, pp. 912-913). Na cruz dos combates entre capital e trabalho, uma

    conscincia coletiva e autonomista era gerada pela prtica operria.

    Ao fundar-se a Associao Internacional dos Trabalhadores em Londres, setembro de 1864, no tnhamos um ato

    conspiratrio de alguns revolucionrios ou a criao de mais uma seita entre os trabalhadores, mas sim uma decorrncia necessria

    e datada historicamente da experincia concreta e imaginria dos trabalhadores europeus.

    Essa vocao internacionalista dos trabalhadores estava entrelaada com o desenvolvimento de grandes Estados nacionais

    necessrios ao capital. Desde as revolues de 1848, em que a necessidade de unificao nacional encontrava-se com as

    reivindicaes operrias, houve a percepo de que a luta nacionalista era apenas um estgio no desenvolvimento da autonomiaoperria.

    A Internacional era composta, desde a sua fundao, por organizaes operrias que defendiam concepes, tendncias e

    tticas diversas, baseadas em estatutos gerais que nada tinham de rgido. Estas diferenas foram discutidas nos Congressos Inter-

    nacionais de Lausanne (1867), Bruxelas (1868) e Basilia (1869), nestes congressos foram debatidos temas de relevncia para a

    classe operria tais como: luta pela reduo da jornada de trabalho, a explorao da mo-de-obra feminina e infantil, a luta contra o

    desemprego, o papel dos sindicatos e organizaes operrias nas lutas contra o capital, a cooperao internacional do

    proletariado, o direito educao da classe operria, o papel da mulher no capitalismo, a coletivizao da terra e da indstria. Alm

    disso, a Internacional apoiou movimentos grevistas na Sua, Blgica, Frana e outros pases. Toda essa atuao militante

    despertou a ira dos governos constitudos e a consequente represso feroz aos internacionalistas.

    Aps o Congresso de Basileia (1869), duas tendncias eram preponderantes: a ao poltica para a conquista do poder

    estatal e o coletivismo antiestatista. A primeira era representada pelo Conselho Geral de Londres (sob a hegemonia de Marx eEngels) e pelos -blanquistas" franceses corrente inspirada em Auguste Blanqui; defendia a tomada do poder estatal por um

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    coeso grupo de revolucionrios e a implantao da ditadura revolucionria. O coletivismo antiestatal era representado pelas

    Federaes do Jura (Sua), da Espanha, da Blgica e da Itlia.

    Em 1871. realiza-se, em Londres, uma Conferncia da A.I.T. na qual se impe como obrigatrio o princpio da ao poltica e a

    formao de partidos operrios para a conquista do poder poltico; essa resoluo vista como uma ameaa ao princpio de

    autonomia das sees, um dos princpios bsicos da Internacional. A discrdia instaura-se no seio da A.I.T., no apenas como um

    coaflitode personalidades divergentes, mas, antes, como reflexo do prprio movimento e da experincia do proletariado europeu.

    II. O debate entre os autonomistas e comunistas autoritrios

    Bakunin considerava que o verdadeiro objetivo da Conferncia de Londres foi tentar impor A.I.T. a necessidade da conquista

    do poder poltico, ou com suas palavras, "transplantar para o programa e organizao da A.I.T. a ideia da autoridade e do poder

    poltico" (Bakounine, Oeuvres Completes, v. 3, p. 3). Bakunin proftico em suas crticas a Marx; muitos marxistas encontraro

    fortes argumentos, em sua obra, para o esforo crtico ao processo de burocratizao da revoluo sovitica. Em maro de 1872,

    em L'Allemagne et l communisme d'Etat, afirma: "A A.I.T., tal qual os comunistas autoritrios alemes a entendem, tender

    evidentemente criao de uma classe dominante e, por consequncia, uma nova burguesia constituda pelos operrios

    manufatureiros urbanos impostos como classe dominante, detentora do novo poder poltico e atuando como autoridade coletiva,

    porm fictcia, no real do Estado, sobre os milhes que cultivam a terra. Digo poder fictcio e no real, pois, evidente que num

    Estado centralizado, organizado e dirigido politicamente, no sero as massas trabalhadoras urbanas e sim seus dirigentes que

    podero governar; essa nova burguesia ou classe dominante , consequentemente, exploradora dos trabalhadores urbanos; teremos,

    ento, uma burguesia menos numerosa, porm, mais privilegiada, composta de diretores, representantes e funcionrios do dito

    Estado popular" (Bakounine, Oeuvres Completes, v. 3, p. 118).

    Em 1869, a Aliana Internacional da Democracia Socialista (organizao revolucionria fundada por Bakunin e amigos no ano

    anterior) aceita como seo da Internacional com aprovao do prprio Marx, e que depois ser um dos pilares das falsas

    acusaes contra os antiautoritrios. Marx, Engels e seus discpulos acusaro a Aliana bakuniniana de ser uma organizao

    secreta que tentava solapar a Internacional. Em verdade, a "Aliana secreta" de Bakunin no diferia muito da "Aliana marxista",

    como hoje nos mostra a intensa atividade epistolar de Marx e Engels com seus discpulos mais prximos. Bakunin acreditava que a

    sociedade secreta de Marx, a Liga dos Comunistas, ainda existia de uma forma ou de outra.

    , principalmente, o desenvolvimento da Internacional na Espanha que leva Marx a considerar a Aliana e Bakunin como

    inimigos. Aquilo que os historiadores e o pblico em geral souberam sobre a A.I.T. na Espanha foi muito restrito e falseado por Paul

    Lafargue (genro de Marx); nesta verso falseada baseia-se grande parte da historiografia sobre a A.I.T. e a Espanha. J em 1851,

    temos informaes sobre organizaes ejornais operrios na Espanha (El Trabajador);em 1865, acontece em Barcelona um

    congresso de quarenta sindicatos operrios que se renem numa federao e produzem o jornal El Obrero. Os operrios espanhis,

    em suas lutas conjuntas com os republicanos, (federalistas ou no), j percebiam o carter nefasto das intervenes militares e

    clericais na poltica. Quando da propaganda internacionalista na Espanha, os operrios j estavam preparados, maduros para as

    ideias de coletivismo, de anarquia, de atesmo e de revoluo social propagandeadas pelos libertrios da A.I.T. (Nettlau, pp. 7, 12, 15 e

    16).

    Na correspondncia de Bakunin com revolucionrios de toda Europa e no somente da Espanha, temos a explicitao de

    suas ideias e das diferenas com Marx. Quando fala de "aliados" ou "irmos" de outros pases, indica amigos e organizaes

    antiauto-ritrias que, sendo solidrias, no eram tuteladas por ele. Marx quis ver nessa correspondncia a prova de uma atividade

    secreta no seio da A.I.T, porm, podemos ver um testemunho de relaes voluntrias entre militantes revolucionrios.

    Em dezembro de 1872, o militante internacionalista espanhol Garcia Virias responde s intrigas do Conselho Geral com o pan-

    fleto Cuestin de Ia Alianzano qual reafirma a autonomia do movimento espanhol: "vocs falam da atividade da Aliana na Sua, na

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    Itlia, na Inglaterra e em outros pases, mostrem-nos as provas e cessem suas ridculas invenes... Vocs sabem muito bem que a

    Aliana foi fundada na Espanha sem nenhuma vinculao com o exterior, e que foi na Espanha onde seu programa e regras foram

    estabelecidos... Vocs sabem perfeitamente que esto mentindo e que a Aliana jamais recebeu ordens de qualquer pessoa... certo

    que a Aliana influenciou o desenvolvimento da A.I.T. na Espanha, mas no do modo que os detratores querem fazer parecer... A

    Aliana, podemos dizer em voz alta, no nada mais que uma sentinela avanada da Internacional" (Bakounine, Oeuvres Completes,

    v. 3, pp. XXI, XXII). Uma ligao orgnica entre a Aliana espanhola e Bakunin no pode ser documentada, pois nunca existiu.

    Os programas, estatutos e projetos de sociedades secretas elaboradas por Bakunin, a partir de 1864, refletem mais aevoluo de suas ideias do que a existncia de uma organizao. Bakunin percebia a necessidade de agrupar os militantes mais

    ntegros e enrgicos em ncleos que seriam o elo entre a prtica e a teoria revolucionrias. Todavia, na perspectiva bakuniniana,

    teoria e prticas socialistas visavam destruio de qualquer poder ou autoridade que pudesse destruir autonomias e liberdades

    operrias.

    Provavelmente Bakunin era um dos poucos que, na Internacional, opunha-se s ideias de Marx com conhecimento das suas

    concepes polticas e econmicas, era talvez o nico dos opositores a ter lido o Manifesto Comunista, pouco conhecido ento, e

    ainda no traduzido para as lnguas latinas. Ao responder s calnias e acusaes do Conselho Geral (inspiradas por Marx), Ba-

    kunin sempre reconhecer o papel revolucionrio de Marx e enfatizar que as divergncias entre eles eram terico-polticas e no

    pessoais.

    O socialismo surge como um projeto poltico da luta de classes e, tanto para Marx, como para Bakunin, a revoluo seria o

    resultado desta luta. Os antiautoritrios rejeitam o exclusivismo operrio na revoluo social e trabalham com o conceito de uma

    unidade entre os oprimidos contra a dominao burguesa.

    A postura de Bakunin ope-se "cientificidade" do pensamento marxista e insiste na despersonalizao causada pelo poder

    e pela autoridade que s ser rompida pela prtica revolucionria que subverta as relaes hierrquicas e aponte para relaes

    horizontais em que a diferena entre dirigente e dirigido tenderia a desaparecer.

    Para os libertrios, o caminho da revoluo passa pela autonomia da classe operria, pelo federalismo, e tem o seu centro na

    esfera da produo; para os marxistas, passa pelo partido poltico, pelo poder estatal centralizado e tem o seu centro na conquista do

    aparelho estatal. J que as relaes econmicas formam a base da sociedade, a que a ao revolucionria pode preparar o

    caminho do socialismo. A federao de associaes operrias preparam e antecipam a administrao social futura.

    Todavia, deixemos que o leitor perceba as diferenas destes dois projetos revolucionrios a partir dos textos de Bakunin que

    ora apresentamos. Importante conhecermos a posio de dois tericos e militantes marxistas a respeito do conflito entre Bakunin e

    Marx: Eduard Bernstein dir que do ponto de vista puramente humanitrio o papel desempenhado por Bakunin muito mais honrado

    que o de seu adversrio (Bakounine, Oeuvres Completes, v.3, p. LI); j Franz Mehring, por sua vez, tecer comentrios mais severos

    a respeito da atuao de Marx e dir, a respeito de Bakunin, "a histria lhe reservar um posto de honra entre os precursores e

    campees do proletariado internacional" (Mehring, p. 54).

    Assis (SP), maio de 1989

    Bibliografia Citada

    THOMPSON, E. P. - The Making ofEnglish Working Class. Lon-don, Penguin, 1963, v. 2.

    BAKOUNINE, Michel - Oeuvres Completes, v. 3 - MichelBakou-nine et ls conflits dans l'International - 1872. (Introduction et

    annotations de Arthur Lehning). Paris, Champs Libre, 1975.

    NETTLAU, Max - Miguel Bakunin: La Internacional y Ia Alianza en Espana 1868-1873. Madrid, La Piqueta, 1977.

    MEHRING, Franz - Carlos Marx - Histria de su vida. Barcelona, Grijalbo, 1971.

    Atas e discusses dos Congressos da Internacional, bem como documentos publicados pela mesma encontram-se em:

    FREY-MOND, Jacques - La Primera Internacional -2v., Madrid, Zero, 1973.

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    CARTA AO JORNAL LA LIBERTE, DE BRUXELAS

    Redao de La Liberte5 de outubro de 1872, Zurique

    Senhores Redatores,

    Depois de ter publicado a sentena de excomunho que o Congresso marxista de Haia acaba de pronunciar contra mim,

    achareis justo publicar minha resposta, no mesmo? Ei-la.

    O triunfo do Sr. Marx e dos seus foi completo. Certos de uma maioria que haviam longamente preparado e organizado com

    muita habilidade e cuidado, seno com muito respeito por esses princpios da Moral, da Verdade e da Justia que to amide

    encontramos em seus discursos e to raramente em seus atos, os marxistas retiraram a mscara e, como convm a homens

    apaixonados detem o poder, sempre em nome dessa soberania do povo que, doravante, servir de degrau a todos os

    pretendentes ao governo das massas, decretaram audaciosamente a escravido do povo da Internacional.

    Se a Internacional fosse menos vivaz, se ela estivesse fundamentada, como eles pensam, somente sobre a

    organizao de centros dirigentes, e no sobre a solidariedade real dos interesses e das aspiraes efetivas do proletariado

    de todos os pases do mundo civilizado, sobre a federalizao espontnea e livre das seces e das federaes operrias,

    independentemente de toda tutela governamental, os decretos desse nefasto Congresso de Haia, encarnao muito servil e

    fiel das teorias e da prtica marxistas, teriam sido suficientes para mat-la. Teriam tornado simultaneamente ridcula e odiosa

    esta magnfica associao, de cuja fundao, gosto de constatar, o Sr. Marx havia tomado parte de modo to inteligente

    quanto enrgico.

    Um Estado, um governo, uma ditadura universal! O sonho dos Gregrio VII, dos Bonifcio VIII, dos Carlos V e dos

    Napoleo, reproduzindo-se sob novas formas, mas sempre com as mesmas pretenses, no campo da democracia socialista!

    Pode-se imaginar algo de mais burlesco, mas tambm de mais revoltante?

    Sustentar que um grupo de indivduos, mesmo os mais inteligentes e os mais bem intencionados, ser capaz de tornar o

    pensamento, a alma, a vontade dirigente e unificadora do movimento revolucionrio e da organizao econmica do proletariado

    de todos os pases de uma tal heresia contra o senso comum e contra a experincia histrica que nos perguntamos, com

    perplexidade: como um homem to inteligente quanto o Sr. Marx pde conceb-la?

    Os papas, ao menos, tinham por desculpa a verdade absoluta que eles diziam ter em mos pela graa do Esprito Santo e

    na qual eram obrigados a crer. O Sr. Marx no tem absolutamente esta desculpa e no lhe farei a injria de pensar que ele cr

    ter inventado cientificamente algo que se aproxime da verdade absoluta. Mas a partir do momento que o absoluto no existe,

    no pode existir para a Internacional dogma infalvel nem, consequentemente, teoria poltica ou econmica oficial, e nossos

    congressos nunca devem assumir o papel de conclios ecumnicos proclamando princpios obrigatrios para todos os

    associados e fiis.

    S existe uma nica lei realmente obrigatria para todos os membros, indivduos, sees e federaes da

    Internacional, da qual esta lei constitui a verdadeira, a nica base: , em toda a sua extenso, em todas as suas

    consequncias e aplicaes, A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES DE TODAS AS PROFISSES E DE

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    TODOS OS PASES EM LUTA ECONMICA CONTRA OS EXPLORADORES DO TRABALHO. na organizao real desta

    solidariedade, pela ao espontnea das massas operrias de todas as lnguas e de todas as naes, e no em sua

    unificao por decretos, nem sob a batuta de um governo qualquer, que reside unicamente a unidade real e viva da

    Internacional.

    desta organizao cada vez mais ampla da solidariedade militante do proletariado contra a explorao burguesa que

    deve sair e surge, com efeito, a luta poltica do proletariado contra a burguesia. Quem pode duvidar disso? Os marxistas e ns

    somos unnimes nesse ponto. Entretanto, apresenta-se de imediato a questo que nos separa to profundamente dosmarxistas.

    Pensamos que a poltica, necessariamente revolucionria, do proletariado deve ter por objetivo imediato e nico a

    destruio dos Estados. No compreendemos que se possa falar da solidariedade internacional quando se quer conservar

    os Estados, a menos que se sonhe com o Estado universal, isto , com a escravido universal, como os grandes

    imperadores e os papas, o Estado, por sua prpria natureza, por ser uma ruptura desta solidariedade, , em consequncia,

    uma causa permanente de guerra. Tambm no concebemos que se possa falar da liberdade do proletariado ou da libertao

    real das massas no Estado e pelo Estado. Estado quer dizer dominao, e toda dominao supe a subjugao das massas e,

    desta forma, sua explorao em proveito de uma minoria governamental qualquer.

    No admitimos, nem mesmo como transio revolucionria, as Convenes Nacionais, as Assembleias Constituintes, os

    governos provisrios ou as ditaduras pretensamente revolucionrias; porque estamos convictos de que a revoluo s

    sincera, honesta e real, nas massas, e que, quando ela se encontra concentrada nas mos de alguns indivduos governantes,

    torna-se inevitvel e, imediatamente, reao. Tal a nossa crena, e este no o momento para desenvolv-la.

    Os marxistas professam ideias totalmente contrrias. Eles so adoradores do poder do Estado, e necessariamente

    tambm os profetas da disciplina poltica e social, os campees da ordem estabelecida de cima para baixo, sempre em

    nome do sufrgio universal e da soberania das massas, s quais reservam a felicidade e a honra de obedecer a chefes, a

    mestres eleitos. Os marxistas no admitem absolutamente outra emancipao seno a que eles esperam de seu Estado

    pretensamente popular (Volksstaat). Eles so to pouco inimigos do patriotismo que sua prpria Internacional traz muito

    frequentemente as cores do pangermanismo. Existe entre a poltica bismarckiana e a poltica marxista uma diferena sem dvida

    muito sensvel, mas entre os marxistas e ns h um abismo. Eles so governamentais; ns, anarquistas.

    Tais so as duas principais tendncias polticas que hoje separam a Internacional em dois campos. De um lado, s

    h, para dizer a verdade, a Alemanha; do outro, h, em graus diferentes, a Itlia, a Espanha, o Jura suo, uma grande parte

    da Frana, a Blgica, a Holanda e, em um futuro muito prximo, os povos eslavos. Estas duas tendncias chocaram-se noCongresso de Haia, e, graas grande habilidade do Sr. Marx, graas organizao completamente artificial de seu ltimo

    Congresso, a tendncia germnica venceu.

    Significa dizer que a terrvel questo foi resolvida? No foi sequer propriamente discutida; a maioria tendo votado como

    um regimento bem adestrado, esmagou toda discusso sob seu voto. A contradio existe, portanto, mais viva e mais

    ameaadora do que nunca, e o prprio Sr. Marx, apesar de toda a embriaguez do triunfo, no acredita, sem dvida, que

    possa safar-se assim to facilmente. E mesmo que tenha podido conceber por um momento to louca esperana, o protesto

    solidrio dos delegados jurassianos, espanhis, belgas e holandeses (sem falar da Itlia, que sequer consentiu enviar seus

    delegados para esse Congresso muito ostensivamente falsificado), este protesto to moderado na forma, mas muito mais

    enrgico e significativo no fundo, deve t-lo rapidamente desiludido.

    Este protesto em si mesmo , evidentemente, um fraqussimo preldio da oposio formidvel que vai eclodir em

    todos os pases verdadeiramente penetrados pelo princpio e pela paixo da revoluo social. E toda esta tempestade ter

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    sido provocada pela preocupao to infeliz dos marxistas em fazer da questo poltica uma base, um princpio obrigatrio da

    Internacional.

    Com efeito, entre as duas tendncias acima indicadas, nenhuma conciliao hoje possvel. Somente a prtica da

    revoluo social, de novas grandes experincias histricas, a lgica dos eventos podero conduzi-las cedo ou tarde a uma

    soluo comum; fortemente convictos da certeza de nosso princpio, esperamos que nesse momento os prprios alemes

    os trabalhadores da Alemanha, no seus chefes acabaro por se juntar a ns para demolir essas prises denominadas

    Estados e para condenar a poltica, que outra coisa no seno a arte de dominar e de tosquiar as massas.Mas o que fazer hoje? Hoje, a soluo e a conciliao no terreno poltico sendo impossveis, preciso tolerar-se

    mutuamente e deixar a cada pas o direito incontestvel de seguir as tendncias polticas que mais lhe aprouverem ou que

    melhor lhe parecerem adaptadas sua situao particular. Rejeitando, em consequncia, todas as questes polticas do

    programa obrigatrio da Internacional, preciso buscar a unidade desta grande associao unicamente no terreno da

    solidariedade econmica. Esta solidariedade nos une, enquanto as questes polticas fatalmente nos separam.

    certo que nem os italianos, nem os espanhis, nem os jurassianos, nem os franceses, nem os belgas, nem os

    holandeses, nem os povos eslavos, esses inimigos histricos do pangermanismo, nem mesmo o proletariado da Inglaterra e

    da Amrica, jamais se submetero s tendncias polticas que hoje a ambio de seus chefes impe ao proletariado da

    Alemanha. Mas, supondo at mesmo que, em consequncia dessa desobedincia, o novo Conselho Geral golpeie com a

    proibio todos esses pases, e que um novo conclio ecumnico dos marxistas os excomungue e os declare expulsos do seio

    da Internacional, a solidariedade econmica que existe necessria, natural e fatalmente, entre o proletariado de todos esses

    pases e o da Alemanha ser diminuda? Que os operrios da Alemanha faam uma greve, que eles se revoltem contra a

    tirania econmica de seus patres, ou que se revoltem contra a tirania poltica de um governo que o protetor natural de

    capitalistas e outros exploradores do trabalho popular, o proletariado de todos esses pases excomungados pelos marxistas

    permanecer de braos cruzados, espectador indiferente desta luta? No, ele lhes dar todo seu pobre dinheiro e, alm do

    mais, dar todo o seu sangue a seus irmos da Alemanha, sem lhes perguntar previamente qual ser o sistema poltico no qual

    eles acreditaro dever buscar sua libertao.

    Bis, portanto, onde se encontra a verdadeira unidade da Internacional: ela est nas aspiraes comuns e no movimento

    espontneo das massas populares de todos os pases, no em um governo qualquer, nem em uma teoria poltica uniforme,

    imposta por um Congresso Geral a essas massas. Isso de tal forma evidente que preciso estar bem cego pela paixo do

    poder para nada compreender disso.

    Concebo, a rigor, que os dspotas, coroados ou no, tenham podido sonhar com o cetro do mundo; mas o que dizer de

    um amigo do proletariado, de um revolucionrio que declara desejar seriamente a emancipao das massas e que, ao se colocar

    como diretor e rbitro supremo de todos os movimentos revolucionrios que podem eclodir em diferentes pases, ouse sonhar

    com a subjugao do proletariado de todos esses pases em um nico pensamento, gerado em seu prprio crebro?

    Penso que o Sr. Marx um revolucionrio muito srio, ainda que nem sempre muito sincero, que deseja realmente a

    insurreio das massas; e pergunto-me como faz para no enxergar que o estabelecimento de uma ditadura universal, coletiva

    ou individual, ditadura que faria, de certa forma, o trabalho de um engenheiro-chefe da revoluo mundial, regulando e

    dirigindo o movimento insurrecional das massas, em todos os pases, como se dirige uma mquina, que o estabelecimento

    de semelhante ditadura bastaria por si s para matar a revoluo, paralisar e falsear todos os movimentos populares? Qual o

    homem, qual o grupo de indivduos, por maior que seja seu gnio, que ousaria gabar-se de poder sozinho abarcar e

    compreender a infinita multido de interesses, tendncias e aes to diversos em cada pas, em cada provncia, em cada

    localidade, em cada profisso, e cujo imenso conjunto, unido mas no uniformizado por uma grande aspirao comum e por

    alguns princpios fundamentais que doravante estaro na conscincia das massas, constituir a futura revoluo social?

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    E o que pensar de um congresso internacional que, no pretenso interesse dessa revoluo, impe ao proletariado de

    todo o mundo civilizado um governo investido de poderes ditatoriais, com o direito inquisitorial e pontifical de suspender

    federaes regionais, proibir naes inteiras em nome de um princpio pretensamente oficial, que outro no seno o prprio

    pensamento do Sr. Marx, transformado pelo voto de uma maioria fictcia em verdade absoluta? O que pensar de um congresso

    que, para tornar, sem dvida, sua loucura ainda mais ostensiva, relega na Amrica esse governo ditatorial, depois de t-lo

    composto de homens provavelmente muito honestos, mas obscuros, suficientemente ignorantes e absolutamente

    desconhecidos dele prprio? Nossos inimigos, os burgueses, teriam razo, portanto, quando ridicularizam nossos congressose quando declaram que a Associao Internacional dos Trabalhadores s combate as velhas tiranias para estabelecer uma

    nova, e que, para substituir dignamente os absurdos existentes, deseja criar outro!

    Pela honra e pela prpria salvao da Internacional, no deve tendo aplicado durante tantos anos sua extraordinria

    inteligncia ao estudo dos fatos econmicos da Inglaterra, adquiriu um conhecimento muito detalhado e aprofundado das

    relaes econmicas do trabalho e do capital nesse pas. Todos os seus escritos comprovam isso, e, se fizermos abstrao de

    certo jargo hegeliano, do qual nunca se pde livrar, verificaremos que, sob o pretexto capcioso de que todos os outros

    pases, sendo mais atrasados do ponto de vista da grande produo capital ista, tambm o so necessariamente do ponto de

    vista da revoluo social, o Sr. Marx s tem em vista principalmente os fatos ingleses. Dir-se-ia um ingls falando s para

    ingleses.

    Isso no constitui, sem dvida, um grande mrito do ponto de vista da internacionalidade, mas pelo menos se pode

    concluir da que o Sr. Marx devia exercer uma influncia to legtima quanto salutar sobre os operrios da Inglaterra; e, com

    efeito, uma intimidade muito sria e uma grande confiana mtua pareciam haver existido durante muitos anos entre ele e um

    bom nmero de operrios ingleses extraordinariamente ativos, o que fazia com que todos pensassem que ele gozava, em

    geral, de uma autoridade considervel na Inglaterra, e isso no podia deixar de aumentar seu prestgio sobre o continente.

    Esperava-se, portanto, com tanta impacincia quanto confiana, em toda a Internacional, o momento em que, graas a sua

    propaganda enrgica e inteligente, o milho de trabalhadores que formam hoje a formidvel associao das Trade Unions 1

    passariam de armas e bagagens para o nosso campo.

    Esta esperana est a ponto de se realizar, pelo menos parcialmente. Uma Federao inglesa, formalmente aderente

    Internacional, acaba de se formar. Mas, coisa estranha, o primeiro ato dessa Federao foi romper abertamente toda relao

    de solidariedade com o Sr. Marx; e se julgarmos segundo o que revela o Vorwarts, e principalmente quanto s palavras amargas,

    as injrias que o Sr. Marx, no Congresso de Haia, lanou imprudentemente face dos trabalhadores ingleses, chegaremos

    concluso de que o proletariado da Gr-Bretanha recusa-se decididamente a curvar-se ao jugo do ditador socialista da

    Alemanha. Ter cortejado um povo durante mais de vinte anos para chegar a semelhante resultado! Ter cantado em todos os

    tons os louvores aos trabalhadores ingleses, t-los recomendado como modelos a serem imitados pelo proletariado de todos

    os outros pases e, em seguida, ver-se forado repentinamente a amaldio-los e a declar-los vendidos a todas as reaes!

    Que desventura e que queda, no para os operrios ingleses, mas para o Sr. Marx!

    Queda, por sinal, perfeitamente merecida. O Sr. Marx havia, durante muito tempo, mistificado os membros ingleses do

    Conselho Geral. Aproveitando, em parte, sua ignorncia sobre assuntos do continente e, em parte, tambm, de sua indiferena

    to lamentvel por esses assuntos, durante muitos anos ele havia conseguido fazer com que aceitassem tudo o que tivesse

    desejado. Parece ter existido entre o Sr. Marx e esses membros ingleses um tipo de acordo tcito, segundo o qual o Sr. Marx

    no devia imiscuir-se nas questes propriamente inglesas, ou s devia intrometer-se quando isso lhes aprouvesse; em troca, eles

    lhe entregavam toda a direo da Internacional no continente, que lhes interessava muito pouco. Para a honra desses cidados,

    deve-se supor que eles tivessem lido a maior confiana na lealdade e na justia do Sr. Marx.

    1Sindicatos. Em ingls no original. N. do T.

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    Sabe-se hoje a que ponto o Sr. Marx havia abusado dessa confiana. Sabe-se que todos os assuntos da

    Internacional, ou melhor, que todas as intrigas fomentadas secretamente, em nossa grande associao, em nome do Conselho

    Geral, foram combinadas e dirigidas por um crculo ntimo do Sr. Marx, composto quase exclusivamente de alemes, e que

    ocupavam de certa forma as funes de comit executivo: esse comit sabia de tudo, decidia tudo, fazia tudo. Os outros membros,

    que formavam a grande maioria do Conselho Geral, ao contrrio, ignoravam absolutamente tudo. Mostrou-se complacente

    para com eles at o ponto de poupar-lhes o trabalho de assinar seus nomes nas circulares do Conselho Geral; faziam-no por

    eles, de modo que, at o ltimo momento, no tiveram sequer a mnima ideia de todas as abominaes das quais os tornaramresponsveis sem seu conhecimento.

    Concebe-se que partido deviam tirar de uma situao to favorvel homens como Marx e seus amigos, polticos muito hbeis

    para se deterem diante de algum escrpulo. No necessrio dizer, creio, qual foi o objetivo da grande intriga. Foi o estabelecimento

    da ditadura revolucionria do Sr. Marx na Europa, por intermdio da Internacional. Novo Alberoni2, o Sr. Marx sentiu-se suficientemente

    audacioso para conceber e realizar tal pensamento. Quanto aos meios de execuo, devo observar que falou deles com uma

    superficialidade e um desdm pouco sinceros em seu ltimo discurso de Amsterd. verdade, como ele o disse, que, para

    subjugar o mundo, no possui sua disposio nem exrcitos, nem finanas, nem fuzis, nem canhes Krupp. Todavia, possui um

    extraordinrio gnio para a intriga e uma resoluo que no pra diante de nenhuma vilania; possui, alm do mais, a seu servio,

    um numeroso corpo de agentes, hierarquicamente organizados e agindo em segredo sob suas ordens diretas; um tipo de maonaria

    socialista e literria na qual seus compatriotas, os judeus alemes e outros, ocupam lugar considervel e manifestam zelo digno de

    uma melhor causa. Ele obteve, enfim, o grande nome da Internacional, que exerce um poder to mgico sobre o proletariado de todosos pases, e da qual, durante muito tempo, foi-lhe permitido servir-se para realizar seus projetos ambiciosos.

    Foi desde 1869, mas principalmente desde 1871, que o Sr. Marx entrou em campanha. At o Congresso de Basileia (setembro

    de 1869), ele soube mascarar seus projetos. Todavia, tendo as resolues desse Congresso excitado sua clera e seus temores,

    ordenou a todos os seus partidrios um ataque geral e furioso contra aqueles que comeou, da em diante, a odiar como adversrios

    irreconciliveis de seu princpio e de sua ditadura. Abriu-se fogo sucessivamente contra meus amigos e eu, mas

    principalmente contra mim, inicialmente em Paris, em seguida em Leipzig e Nova Iorque, enfim, em Genebra. Ao invs de obuses, os

    artilheiros marxistas lanaram-nos lama. Foi um dilvio de calnias estpidas e imundas. J na primavera de 1870 eu sabia, o Sr.

    Utin (um pequeno judeu russo que por todos os tipos de vilanias se esfora para obter uma posio nesta pobre Internacional

    de Genebra) contou a quem quisesse escut-lo, que o Sr. Marx lhe havia escrito uma carta confidencial, na qual lhe

    recomendava reunir contra mim todos os fatos, isto , todas as histrias, todas as acusaes, to odiosas quanto possvel, com

    aparncias de provas, acrescentando que se essas aparncias fossem plausveis, servir-se-iam delas contra mim no prximo

    Congresso. Foi a partir da que comearam a forjar a famosa calnia, fundamentada em minhas relaes passadas com o infeliz

    Netchaiev, relaes de que ainda me proibido falar, e das quais os marxistas da comisso de investigao acabam de se servir

    para decretar no Congresso marxista de Haia, tudo preparado antecipadamente, minha expulso.

    Para dar a medida da boa f dos agentes e dos jornais marxistas, que me seja permitido contar uma outra anedota. Estou de

    tal forma habituado a saber que, sistemtica e regularmente, sou difamado em quase todo nmero do Volksstaat, que

    normalmente no me dou sequer ao trabalho de ler as idiotices que ele debita contra mim. Excepcionalmente, meus amigos me

    mostraram uma dessas, que creio ser til mencionar aqui, ainda mais porque me parece muito prpria para ressaltar a lealdade e a

    veracidade do Sr. Marx. O respeitvel jornal de Leipzig, rgo do Partido da social-democracia na Alemanha, parece ter-se dado

    como misso provar que sou nada menos do que um agente pago pelo governo russo. Publicou com este objetivo os fatos mais

    inauditos, por exemplo, como meu falecido compatriota Alexandre Herzen e eu, recebamos todos os dois, subsdios

    2Ministro de Felipe V. Procurou assegurar Espanha uma posio dominante na Europa, mas, tendo fracassado, foi exilado. N. de Arthur

    Lehnng.

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    considerveis de um comit pan-eslavista estabelecido em Moscou sob a direo imediata do governo de So Petersburgo, e que

    depois da morte de Herzen tive a vantagem de ver dobrar a minha penso. Compreende-se que contra fatos to triunfantes

    nada tive de responder.

    No nmero 71 do Volksstaat, ,de 4 de setembro de 1872, conta-se a seguinte anedota: em 1848, Bakunin encontrando-se

    em Breslau, onde os democratas alemes haviam cometido a estupidez de receb-lo com plena confiana, sem perceber que

    ele fazia propaganda pan-eslavista, um jornal de Colnia, o Neue Rheinischer Zeitung, redigido pelos Srs. Marx e Engels,

    publicou uma correspondncia de Paris, na qual se escrevia que a Sra. George Sand havia se expressado de maneira muitoinquietante em relao a Bakunin, dizendo que era preciso tomar cuidado com ele, que no se sabia o que ele era nem o que

    desejava, que era, em resumo, um personagem muito equvoco etc, etc... O Volksstaat acrescenta que Bakunin nunca havia

    respondido a acusao to direta, que, ao contrrio, havia se eclipsado e, principalmente, que se havia refugiado na Rssia

    depois da publicao desta correspondncia, s reaparecendo em 1849, na Alemanha, para tomar parte, sem dvida como

    agente provocador, no movimento insurrecional de Dresden.

    Eis agora os fatos, em sua verdade. Os Srs. Marx e Engels haviam realmente publicado esta correspondncia de Paris

    contra mim, o que prova somente que, desde esse momento, j sentiam uma amizade bem afetuosa por mim e estavam

    animados desse mesmo esprito de lealdade e justia que os distingue hoje. No creio ser necessrio contar aqui os fatos

    que atraram sobre mim esta manifestao de benevolncia; mas eis algo que creio dever acrescentar, uma que o Volksstaat

    esqueceu ou negligenciou dizer: em 1848, eu era mais jovem, mais impressionvel, e, consequentemente, muito menos

    resistente e indiferente do que hoje; e, mal terminei de ler esta correspondncia parisiense do jornal dos Srs. Marx e Engels,

    apressei-me em escrever uma carta Sra. George Sand, que era naquele momento muito mais revolucionria do que parece s-

    lo hoje, e pela qual eu havia professado uma admirao muito sincera e viva. Esta carta, na qual lhe pedia explicaes pelas

    palavras que lhe atribuam sobre a minha pessoa, foi-lhe entregue por meu amigo Adolphe Reichel, hoje diretor de msica em

    Berna. A Sra. Sand respondeu-me por uma simptica carta, expressando-me a mais leal amizade. Ao mesmo tempo, endereou

    aos Srs. Marx e Engels uma carta enrgica, pedindo-lhes, com indignao, explicaes pelo abuso que ousaram fazer de seu

    nome para caluniar seu amigo Bakunin, pelo qual tinha tanto admirao quanto estima. De meu lado, solicitei a um amigo, o

    polons Kolcielski, que se dirigia para Colnia por seus prprios assuntos, que exigisse, em meu nome, dos Srs. redatores do

    Neue Rheinische Zeitung, uma retratao pblica ou uma reparao em duelo. Sob esta dupla presso, esses senhores

    mostraram-se muito indulgentes, muito amveis. Publicaram a carta que a Sra. Sand lhes havia endereado, uma carta

    muito desagradvel para o seu amor-prprio, e acrescentaram a ela algumas linhas nas quais expressavam seu

    descontentamento por terem inserido, em sua ausncia, em seujornal, uma correspondncia insensata dirigida contra a honra

    de seu "amigo Bakunin" pelo qual eles tambm tinham o corao repleto de afeto e estima. Compreende-se que, depois de

    semelhante declarao, o Volksstaatpode encontrar em um dos nmeros de julho ou de agosto do Neue Rheinische

    Zeitungde l 848, tanto quanto na lembrana dos Srs. Marx e Engels, que certamente no cometero o erro de reneg-la, no

    precisei mais exigir deles nenhuma outra reparao. Quanto a meu fictcio desaparecimento na Rssia, esses senhores sabem

    melhor do que ningum que s deixei a Alemanha em 1850, quando, depois de um ano de residncia forada na fortaleza de

    Knigstein, transportaram-me acorrentado para Praga, em seguida para Olmiitz, de onde, em 1851, fui transportado, sempre

    acorrentado, para So Petersburgo. Sinto um verdadeiro desgosto ao me ver forado a contar todas essas histrias. Fao

    isso hoje pela primeira e ltima vez, a fim de mostrar ao pblico que tipo de pessoas estou condenado a combater. Sua ferocidade

    contra mim, que nunca os ataquei pessoalmente, que sequer falei deles e que sistematicamente me abstive de responder as suas

    agresses imundas, esta persistncia odiosa com a qual, desde minha fuga da Sibria, em 1861, esforam-se por me caluniar e

    difamar em todas as suas correspondncias ntimas e em todos os seus jornais, constituem a meus olhos um fenmeno to estranho

    que at hoje ainda no consegui compreender. O que fazem contra mim no somente odioso, execravel, estpido. E esses senhores

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    no compreenderam que, atacando-me com essa ferocidade incrvel, fizeram mais por minha glria do que eu mesmo pude faz-lo;

    pois todas as histrias revoltantes que eles espalham com esse dio apaixonado contra mim, em todas as partes do mundo, cairo

    naturalmente sob o peso de seu prprio absurdo, mas meu nome permanecer, e este nome, que eles tero to poderosamente

    contribudo em fazer com que o mundo o conhea, permanecer ligado glria real, legtima, de ter sido o adversrio impiedoso e

    irreconcilivel, no de suas pessoas, das quais me ocupo muito pouco, mas de suas teorias autoritrias e de sua ridcula e odiosa

    pretenso ditadura do mundo. Se eu fosse, portanto, um presunoso, um vaidoso, um ambicioso, longe de incrimin-los por todos

    esses ataques, eu deveria agradecer infinitamente, pois, ao se esforarem em me denegrir, fizeram o que nunca esteve em minhasintenes nem em meu gosto fazer: projetaram-me.

    Em maro de 1870, sempre em nome do Conselho Geral e com a assinatura de todos os seus membros, o Sr. Marx lanou

    contra mim uma circular difamadora, redigida em francs e em alemo, endereada s Federaes regionais! S tive conhecimento

    dessa circular h seis ou sete meses, durante o ltimo processo dos Srs. Liebknecht e Bebei, no qual ela figurou e foi publicamente

    lida como pea de acusao contra eles. Nesse memorando dirigido, segundo parece, exclusivamente contra mim, e do qual

    ignoro ainda hoje os detalhes, o Sr. Marx recomenda, entre outras coisas, a seus ntimos, o trabalho subterrneo na Internacional;

    em seguida, volta-se contra mim e, entre muitas outras palavras injuriosas, lana-me a acusao de ter fundado na Internacional, e

    com objetivo evidente de destru-la, uma sociedade secreta perniciosa, denominada Aliana. Mas o que me parece o cmulo do

    ridculo foi que, enquanto eu permanecia bem tranquilamente em Locarno, muito longe de todas as sees da Internacional, o Sr.

    Marx me acusava de dirigir uma terrvel intriga, vede como algum se engana algumas vezes ao julgar os homens por si mesmo,

    uma intriga tendo por objetivo transferir o Conselho Geral de l .ondres para a Sua, com a evidente inteno de assentar minha

    diladura sobre ele. A circular termina por uma demonstrao muito sbia e completamente vitoriosa sobre a necessidade que havia

    e que no mais existe, hoje, segundo parece em manter o Conselho Geral em Londres, cidade que parecia ser ao Sr. Marx,

    ale o Congresso de Haia, o centro natural, a verdadeira capital do comrcio mundial. Parece que cessou de s-lo desde que os

    operrios ingleses se revoltaram contra o Sr. Marx, ou melhor, desde que adivinharam as suas aspiraes ditadura e tiveram

    conhecimento dos meios muito hbeis dos quais fez uso para conquist-la.

    Mas foi a partir de setembro de 1871, poca da famosa Conferncia de Londres, que comeou a guerra decisiva, aberta,

    contra nos; aberta tanto quanto, da parte de homens to governamentais : prudentes como o Sr. Marx e seus partidrios, podia s-

    lo. A catstrofe da Frana parece ter despertado no corao do Sr. Marx grandes esperanas, assim como os triunfos do Sr. Bis-

    inarck a quem, em uma carta semi-oficial que tenho sob os olhos o Sr. Engels, o alter ego e o amigo mais ntimo do Sr. Marx,

    apresenta como um servidor muito til da revoluo social despertaram nele uma grande inveja. Como alemo, sentiu-se na-

    turalmente orgulhoso, como social-democrata consolou-se com o Sr. Engels pelo pensamento de que no final das contas esse triunfo

    da monarquia prussiana devia se transformar cedo ou tarde no triunfo do grande Estado republicano e popular do qual ele o

    patrono; mas como indivduo, foi cruelmente mortificado ao ver outro que no ele fazer tanto barulho e subir to alto.

    Apelo para a memria de todos aqueles que tiveram a oportunidade de ouvir e ver os alemes durante os anos de 1870 e

    1871. Por pouco que se tenham dado a algum trabalho para descobrir a essncia de seu pensamento por meio das contradies

    de uma linguagem equvoca, eles diro comigo que com poucas excees, no somente entre os radicais, mas na imensa maioria dos

    prprios democratas socialistas, ao lado da tristeza muito real que sentiam ao ver uma repblica sucumbir sob os golpes de um

    dspota, houve uma satisfao geral diante da Frana cada to baixo e da Alemanha elevada to alto. Mesmo entre aqueles que

    lutaram mais corajosamente contra essa corrente patritica que havia invadido toda a Alemanha, mesmo entre os Srs. Bebei e

    Liebknecht que haviam pagado e que ainda pagam com sua liberdade seus protestos enrgicos contra a barbrie prussiana, em

    nome dos direitos da Frana, pode-se observar as marcas indubitveis desse triunfo nacional. Por exemplo, lembro-me de ter lido em

    um dos nmeros de setembro de 1870, do Volksstaat, a seguinte frase, da qual, por no ter o nmero sob meus olhos, no posso

    agora reproduzir o texto preciso, mas cujo sentido havia me chocado muito vivamente para que eu pudesse esquecer seu sentido e

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    seu tom geral: "Agora dizia-se, que, em consequncia da derrota da Frana, a iniciativa do movimento socialista passou da

    Frana para a Alemanha, grandes deveres nos incumbem".

    Nessas palavras, encontra-se todo o pensamento, toda a esperana, toda a ambio dos marxistas. Eles acreditam

    seriamente que o triunfo militar e poltico obtido ultimamente pelos alemes sobre a Frana marca o comeo de uma grande poca

    na histria, a partir da qual a Alemanha chamada a representar, sob todos os aspectos, o primeiro papel no mundo, sem dvida

    pela prpria salvao do mundo inteiro. A Frana e todos os povos latinos foram, os eslavos ainda no so, e por sinal, eles so

    muito brbaros para se tornar alguma coisa por eles mesmos, sem a ajuda da Alemanha; somente a Alemanha, hoje, . Resulta detudo isso nos alemes um triplo sentido. Em relao aos povos latinos, "outrora inteligentes e poderosos, mas hoje cados em

    decadncia", eles sentem um tipo de respeito misericordioso, misturado de indulgncia; eles so educados, ou melhor, procuram ser

    educados, pois a educao no est nem nos hbitos, nem na natureza dos alemes. Em relao aos eslavos, simulam o

    desprezo, mas neste desprezo h muito temor; seu sentimento real por eles o dio, o dio que o opressor sente por aquele que

    oprime e do qual leme as terrveis revoltas. Em relao a eles mesmos, enfim, tornaram-se excessivamente presunosos, so vaidosos

    deles mesmos, o que no os torna absolutamente mais amveis, e acreditam ser e poder alguma coisa sob o jugo unitrio e

    revolucionrio (acrescentaria sem dvida o Sr. Engels) de seu imperador panger-mnico.

    O que o Sr. Bismarck fez pelo mundo poltico e burgus, o Sr. Marx pretende hoje faz-lo pelo mundo socialista, no seio do

    proletariado da Europa: substituir a iniciativa francesa pela iniciativa e pela dominao alems; e como, segundo ele e seus

    discpulos, no existe pensamento alemo mais avanado que o seu, acreditou ter chegado o momento de faz-lo triunfar terica

    e praticamente na Internacional. Tal foi o objeto principal, nico, da Conferncia que ele reuniu, em setembro de 1871, em Londres.

    Esse pensamento marxista est explicitamente desenvolvido no famoso Manifesto dos comunistas alemes, redigido e

    publicado em 1848 pelos Srs. Marx e Engels. a teoria da emancipao do proletariado e da organizao do trabalho pelo Estado.

    Parece que no Congresso de Haia, o Sr. Engels, apavorado pela impresso detestvel produzida pela leitura de algumas passagens

    deste Manifesto, apressou-se em declarar que se tratava de um documento envelhecido, uma teoria abandonada por eles

    mesmos. Se ele disse isso, no foi sincero, pois, s vsperas deste Congresso, os marxistas esforaram-se em disseminar este

    documento em todos os pases. Por sinal, ele se encontra literalmente reproduzido, com todos os seus aspectos principais, no

    programa do Partido social-democrata dos operrios alemes. O ponto principal, que se encontra igualmente no manifesto redigido

    pelo Sr. Marx, em 1864, em nome do Conselho Geral provisrio, e que foi eliminado do programa da Internacional pelo Congresso de

    Genebra, a CONQUISTA DO PODER POLTICO PELA CLASSE OPERRIA.

    Compreende-se que homens to indispensveis quanto os Srs. Marx e Engels sejam partidrios de um programa que,

    conservando e preconizando o poder poltico, abre a porta a todas as ambies. Visto que haver necessariamente sditos,

    travestidos republicanamente de cidados, verdade, mas que nem por isso sero menos sditos, e que, como tais, sero forados

    a obedecer, pois sem obedincia no h poder possvel. Objetar-me-o que eles no obedecero a homens, mas a leis que eles

    prprios tiverem feito. A isso responderei que todo mundo sabe de que maneira, nos pases mais democrticos, mais livres, mas

    politicamente governados, o povo faz as leis, e o que significa sua obedincia a essas leis. Quem quer que no decida tomar fices

    por realidades dever reconhecer que, mesmo nesses pases, o povo obedece no a leis que ele prprio faz realmente, mas a leis

    que se faz em seu nome, e que obedecer a essas leis nunca tem para ele outro sentido seno submeter-se ao arbtrio de uma

    minoria tutelar e governante qualquer, ou, o que quer dizer a mesma coisa, ser livremente escravo.

    Existe nesse programa uma outra expresso que nos profundamente antiptica, a ns, anarquistas revolucionrios, que

    desejamos francamente a completa emancipao popular: o proletariado, o mundo dos trabalhadores apresentado como classe,

    no como massa. Sabeis o que isso significa? Nem mais nem menos que uma nova aristocracia, a dos operrios das fbricas e

    das cidades, excluso dos milhes que constituem o proletariado dos campos e que, nas previses dos Senhores social-democratas

    da Alemanha, tornar-se-o propriamente os sditos em seu grande listado pretensamente popular. Classe, Poder, Estado so trs

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    lermos inseparveis, cada um deles supondo necessariamente os dois outros, e todos juntos se resumem definitivamente por essas

    palavras: subjugao poltica e explorao econmica das massas.

    Os marxistas pensam que, assim como no sculo passado a classe burguesa havia destronado a classe nobiliria para

    tomar seu lugar e para absorv-la lentamente em seu corpo, partilhando com ela a dominao e a explorao dos trabalhadores,

    tanto das cidades quanto dos campos, o proletariado das cidades chamado hoje a destronar a classe burguesa, absorv-la e

    partilhar com ela a dominao e a explorao do proletariado dos campos, esse ltimo pria da histria, exceto se este se revoltar e

    demolir iodas as classes, todas as dominaes, todos os poderes, e, em unia palavra, todos os Estados, mais tarde.Assim, eles no rejeitam de maneira absoluta nosso programa. Censuram-nos somente por querermos apressar, superar a

    lenta marcha da histria, e desconhecer a lei positiva das evolues sucessivas. Tendo tido a coragem bem alem de proclamar, em

    suas obras consagradas anlise filosfica do passado, que a derrota sangrenta dos camponeses revoltados da Alemanha e o

    triunfo dos Estados despticos no sculo XVI haviam constitudo um grande progresso revolucionrio, tm, hoje, a coragem de se

    congraar com o estabelecimento de um novo despotismo em proveito, por assim dizer, dos operrios das cidades e em detrimento

    dos trabalhadores dos campos.

    sempre o mesmo temperamento alemo e a mesma lgica que os condduz diretamente, fatalmente, para o que denominamos

    socialismo burgus, e para a concluso de um novo pacto poltico entre a burguesia radical, ou forada a se fazer tal, e a minoria inte-

    ligente, respeitvel, isto , devidamente aburguesada, do proletariado das cidades, excluso e em detrimento da massa do prole-

    tariado no apenas dos campos, mas tambm das cidades.

    Tal o verdadeiro sentido das candidaturas operrias nos parlamentos dos Estados existentes, e o da conquista do poder

    poltico pela classe operria. Mesmo restrito ao ponto de vista do proletariado das cidades, em proveito exclusivo do qual se quer

    controlar o poder poltico, no est claro que a natureza popular desse poder nunca ser outra coisa seno uma fico? Ser,

    evidentemente, impossvel que algumas centenas ou mesmo algumas dezenas de milhares, melhor dizendo, alguns milhares de

    homens somente, possam efetivamente exercer esse poder. Eles devero necessariamente exerc-lo por procurao, quer dizer,

    confi-lo a um grupo de homens eleitos por eles mesmos para represent-los e govern-los, o que os far recair sem falta em todas

    as mentiras e em todas as servides do regime representativo ou burgus. Depois de um curto momento de liberdade ou de orgia

    revolucionria, cidados de um novo Estado despertaro escravos, joguetes e vtimas de novos ambiciosos.

    Pode-se conceber como e por que polticos hbeis se ligam com uma grande paixo a um programa que abre sua ambio

    um horizonte to amplo; mas que operrios srios, que trazem em seus coraes como uma chama viva o sentimento de

    solidariedade com seus companheiros de escravido e de misria no mundo inteiro, e que querem emancipar-se no em

    detrimento, mas pela emancipao de todos, para eles mesmos serem livres com todos e no para se tornarem, por sua vez, tiranos;

    que trabalhadores de boa f possam se apaixonar por tal programa, eis o que muito mais difcil compreender.

    Assim, tenho a firme confiana de que em poucos anos os prprios operrios da Alemanha, reconhecendo as

    consequncias fatais de uma teoria que s pode favorecer a ambio de seus chefes burgueses, ou ento de alguns raros

    operrios que procuram montar sobre os ombros de outros para se tornarem burgueses dominadores e exploradores, por sua vez,

    a rejeitaro com desdm e clera, e abarcaro com tanta paixo como o fazem hoje os operrios dos grandes pases meridionais, a

    Frana, a Espanha, a Itlia, assim como os operrios holandeses e belgas, o verdadeiro programa da emancipao operria, o da

    destruio dos Estados.

    Enquanto esperamos, reconhecemos perfeitamente seu direito de marchar na via que melhor lhes parea, desde que nos

    deixem a mesma liberdade. Reconhecemos inclusive que bem possvel que por toda a sua histria, sua natureza particular, o

    estado de sua civilizao e toda sua situao atual, eles sejam forados a marchar nesta via. Que os trabalhadores alemes, ameri-

    canos e ingleses se esforcem, portanto, para conquistar o poder poltico, visto que isso lhes apraz. Mas que permitam aos trabalha-

  • 7/30/2019 Escritos+Contra+Marx M.+Bakunin

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    dores dos outros pases marcharem com a mesma energia para a destruio de todos os poderes polticos. A liberdade para todos

    e o respeito mtuo dessa liberdade, eu disse, tais so as condies essenciais da solidariedade internacional.

    Mas o Sr. Marx no quer evidentemente esta solidariedade, pois se recusa a reconhecer esta liberdade. Para apoiar essa

    recusa, tem uma teoria toda especial, que no , por sinal, seno uma consequncia lgica de todo o seu sistema. O Estado poltico

    de lodo pas, diz ele, sempre o produto e a expresso fiel de sua situao econmica; para mudar o primeiro, basta transformar

    esta ltima. Todo o segredo das evolues histricas, segundo o Sr. Marx, est a. Ele no leva em considerao nenhum outro

    elemento da histria, tal como a reao, todavia evidente, das instituies polticas, jurdicas e religiosas sobre a situaoeconmica. Ele diz: "A misria produz a escravido poltica, o Estado"; mas no permite inverter esta frase e dizer: "A escravido

    poltica, o Estado, por sua vez, reproduz e conserva a misria, como uma condio de sua existncia; assim, para destruir a misria,

    preciso destruir o Estado". E, coisa estranha, ele que probe seus adversrios de incriminarem a escravido poltica, o Estado, como

    uma causa real da misria, ordena a seus amigos e a seus discpulos do Partido da social-democracia na Alemanha para

    considerar a conquista do poder e das liberdades polticas como a condio prvia, absolutamente necessria, da emancipao

    econmica.

    O Sr. Marx desconhece igualmente por completo um elemento muito importante no desenvolvimento histrico da humanidade:

    o temperamento e o carter particulares de cada raa e de cada povo, temperamento e carter que so naturalmente, eles prprios,

    produtos de um grande nmero de causas etnogrficas, climatolgicas e econmicas, tanto quanto histricas, mas que, uma vez

    dadas, exercem, mesmo fora e independentemente das condies econmicas de cada pas, uma influncia considervel sobre seus

    destinos, e at mesmo sobre o desenvolvimento de suas foras econmicas. Entre esses elementos e aspectos, por assim dizer

    naturais, h um cuja ao completamente decisiva na histria particular de cada povo: a intensidade do instinto de revolta, e, por

    isso mesmo, de liberdade, do qual ele est dotado ou que conservou. Esse instinto um fato completamente primordial, animal;

    encontramo-lo em diferentes graus em cada ser vivo, e a energia, a fora vital de cada um se compara sua intensidade. No homem,

    ao lado das necessidades econmicas que o impulsionam, ele se torna o agente mais poderoso de todas as emancipaes

    humanas. E como um caso de temperamento, no de cultura intelectual e moral, ainda que solicite comumente uma e outra,

    acontece algumas vezes que povos civilizados o possuam apenas em fraco grau, seja porque a prpria natureza de sua civilizao os

    tenha depravado, seja, enfim, porque, desde o comeo de sua histria, tenham sido menos dotados do que outros.

    Em um escrito precedente3, tentei provar que a nao alem se encontra precisamente neste caso. Ela possui muitas outras

    qualidades slidas que fazem dela uma nao totalmente respeitvel: laboriosa, parcimoniosa, racional, estudiosa, ponderada,

    sbia, simultaneamente grande argumentadora e apaixonada pela disciplina hierrquica, e dotada de uma fora de expanso

    considervel; os alemes, pouco ligados a seu prprio pas, vo buscar seus meios de existncia em todos os lugares, e, como j

    observei, adotam com facilidade, seno sempre, felizmente, os hbitos e costumes dos pases estrangeiros onde residem. Mas ao

    lado de tantas vantagens incontestveis, falta-lhes uma, o amor pela liberdade, o instinto de revolta. Eles so o povo mais resignado e

    mais obediente do mundo. Com isso, possuem um outro grande defeito, o esprito de aambarcamento, de absoro sistemtica e

    lenta, e de dominao, o que faz deles, principalmente neste momento, a nao mais perigosa para a liberdade do mundo.

    Tal foi em todo o seu passado, tal ainda hoje a Alemanha nobiliria e burguesa. O proletariado alemo, vtima secular de uma

    e de outra, pode tornar-se solidrio ao esprito de conquista que hoje se manifesta nas regies superiores desta nao? De fato,

    indubitavelmente no. Um povo conquistador necessariamente um povo escravo, e o escravo sempre ele. A conquista ,

    portanto, completamente oposta a seu interesse e sua liberdade. Mas sendo solidrio a ele em sua imaginao, permanecer

    solidrio enquanto no tiver compreendido que esse Estado pangermnico, republicano e pretensamente popular, que lhe prometem

    em futuro mais ou menos prximo, outra coisa no seria, se algum dia pudesse se realizar, seno uma nova forma de durssima

    escravido para ele mesmo.

    3O Imprio Cnuto-germnico, do qual s publiquei a primeira parte e me proponho a publicar o restante em breve.

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    At o momento, pelo menos, no parece t-lo compreendido, e nenhum de seus chefes, nenhum de seus oradores, nenhum

    de seus publicistas se deu ainda ao trabalho de explicar-lhe isso. Todos se esforam, ao contrrio, para conduzi-lo a uma via onde

    s poder encontrar a animadverso do mundo e sua prpria escravido; e enquanto obedecer sua direo, prosseguir essa

    terrvel iluso do Estado popular, e no ter, certamente, a iniciativa da revoluo social. Esta revoluo lhe vir de outra regio,

    provavelmente do sul, e ento, cedendo ao contgio universal, desencadear suas paixes populares e derrubar de uma s vez a

    dominao de seus tiranos e de seus pretensos emancipadores.

    O raciocnio do Sr. Marx chega a resultados absolutamente opostos. Tomando em considerao unicamente a questoeconmica, ele diz que os pases mais avanados e, em consequncia, os mais capazes de fazer uma revoluo social so

    aqueles nos quais a produo capitalista moderna alcanou o mais elevado grau de seu desenvolvimento. So eles que,

    excluso de todos os outros, so os pases civilizados, os nicos chamados a iniciar e a dirigir essa revoluo. Ela consistir na

    expropriao, seja sucessiva, seja violenta, dos proprietrios atuais, e na apropriao de todas as terras e de todo o capital pelo

    Estado, que, para poder desempenhar sua grande misso econmica, tanto quanto poltica, dever ser necessariamente muito

    extenso, muito poderoso e muito fortemente concentrado. O Estado administrar e dirigir a cultura da terra por intermdio de seus

    engenheiros remunerados, comandando exrcitos de trabalhadores rurais, organizados e disciplinados para essa cultura. Ao mesmo

    tempo, sobre a runa de todos os bancos existentes, estabelecer um banco nico, comanditado de todo o trabalho e de todo o

    comrcio nacional.

    Compreende-se que, de incio, um plano de organizao to simples, na aparncia pelo menos, possa seduzir a imaginao

    de operrios mais vidos de justia e de igualdade que de liberdade, e que imaginam loucamente que uma e outra possam existir

    sem liberdade, como se, para conquistar e consolidar a justia e a igualdade, pudssemos repousar sobre o prximo e

    principalmente sobre governantes, ainda que eleitos e controlados, como eles dizem, pelo povo! Na realidade, seria para o

    proletariado um regime de caserna, no qual a massa uniformizada dos trabalhadores e das trabalhadoras despertaria, dormiria,

    trabalharia e viveria ao tambor; para os hbeis e os doutos, um privilgio de governo; para os judeus, atrados pela imensido das

    especulaes internacionais dos bancos nacionais, um vasto campo de fraude lucrativa.

    No interior, ser a escravido, no exterior, a guerra sem trgua, a menos que todos os povos das raas "inferiores", latina e

    eslava, uma, fatigada da civilizao burguesa, a outra, mais ou menos ignorando-a e desdenhando-a por instinto, no se

    resignem a sofrer o jugo de uma nao essencialmente burguesa e de um Estado ainda mais desptico, porque se chamar

    Estado popular.

    A revoluo social, tal como representada, desejada e esperada pelos trabalhadores latinos e eslavos, infinitamente mais

    ampla do que a que lhes promete o programa alemo ou marxista. Para eles, no se trata, em absoluto, da emancipao

    parcimoniosamente medida, s realizvel a prazos muito longos, da classe operria, mas da emancipao completa e real de todo o

    proletariado, no apenas de alguns pases, mas de todas as naes, civilizadas e no civilizadas, a nova civilizao, francamente

    popular, que deve se iniciar por esse ato de emancipao universal. E a primeira palavra dessa emancipao s pode ser

    liberdade, no essa liberdade poltica, burguesa, to preconizada e recomendada como objeto de conquista prvia pelo Sr. Marx e

    seus adeptos, mas a grande liberdade humana que, destruindo todas as correntes dogmticas, metafsicas, polticas e jurdicas

    pelas quais todo mundo se encontra hoje oprimido, devolver a todos, coletividades tanto quanto indivduos, a plena autonomia de

    seus movimentos e de seu desenvolvimento, libertos, de uma vez por todas, de todos os inspetores, diretores e tutores.

    A segunda palavra dessa emancipao, solidariedade; no a solidariedade marxista, organizada de cima para baixo por

    um governo qualquer e imposta seja pela astcia, seja pela fora, s massas populares; no essa solidariedade de todos, que a

    negao da liberdade de cada um, e que por isso mesmo se torna mentira, fico, tendo por substituto real a escravido; mas a

    solidariedade que , ao contrrio, a confirmao e a realizao de toda liberdade, originando-se no em uma lei poltica qualquer, mas

    na prpria natureza coletiva do homem, em virtude da qual nenhum homem livre se todos os homens que o cercam e que

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    exercem a mnima influncia, direta ou indireta, sobre sua vida, no o so igualmente. Esta verdade se encontra

    magnificamente expressa nos Direitos do Homem, redigidos por Robespierre, que proclamam que a escravido do ltimo dos

    homens a escravido de todos.

    A solidariedade que pedimos, longe de dever ser o resultado de uma organizao artificial ou autoritria qualquer, s

    pode ser o produto espontneo da vida social, tanto econmica quanto moral; o resultado da livre federao dos interesses,

    das aspiraes e das tendncias comuns. Ela tem por bases essenciais a igualdade, o trabalho coletivo, tornado obrigatrio

    para cada um no pela fora das leis, mas pela fora das coisas, e a propriedade coletiva; por luz norteadora a experincia,isto , a prtica da vida coletiva, e a cincia; e por objetivo final a constituio da humanidade, consequentemente, a runa de

    todos os Estados.

    Eis o ideal, nem divino nem metafsico, mas humano e prtico4 que sozinho corresponde s aspiraes modernas dos

    povos latinos e eslavos. Eles desejam toda a liberdade, toda a solidariedade, toda a igualdade; em resumo, s desejam a

    humanidade, e no se contentaro, mesmo a ttulo provisrio e transitrio, com menos que isso. Os marxistas tacharo suas

    aspiraes de loucura; j faz muito tempo que o fizeram; isso no os desviou em nada de seu objetivo, e eles nunca trocaro a

    magnificincia desse objetivo pelas pobrezas completamente burguesas do socialismo marxista.

    A insurreio comunalista de Paris inaugurou a revoluo social. O que constitui a importncia desta revoluo no

    propriamente as bem fracas tentativas que ela teve possibilidade e tempo de fazer, so as ideias que agitou, a luz viva que

    lanou sobre a verdadeira natureza e sobre o objetivo da revoluo, as esperanas que despertou em todos os lugares, e, em

    consequncia, a poderosa comoo que produziu no seio das massas populares de todos os pases, mas principalmente na

    Itlia, onde o despertar popular data desta insurreio, cujo aspecto principal a revolta da Comuna e das associaes

    operrias contra o Estado. Por essa insurreio, a Frana retornou de uma s vez sua posio, e a capital da revoluo

    mundial, Paris, recuperou sua gloriosa iniciativa frente e sob o canho dos alemes bismarckianizados.

    O efeito foi to formidvel em todos os lugares que os prprios marxistas, dos quais todas as ideias haviam sido

    derrubadas por esta insurreio, viram-se obrigados a tirar o chapu diante dela. Fizeram ainda mais: ao contrrio da mais simples

    lgica e de seus verdadeiros sentimentos, proclamaram que seu programa e seu objetivo eram os deles. Foi um travestimento

    verdadeiramente bufo, mas forado. Tinham de faz-lo, sob pena de se verem ultrapassados e abandonados por todos, de tanto

    que a paixo que essa revoluo havia provocado em todo mundo tinha sido poderosa.

    Tambm preciso admirar a coragem tanto quanto a habilidade do Sr. Marx que, dois meses mais tarde, teve a

    audcia de convocar uma Conferncia da Internacional, em Londres, para apresentar-lhe seu pobre programa. Esta audcia

    se explica, por sinal, por dois fatos. Inicialmente, a Paris popular havia sido dizimada, e toda a Frana revolucionria, com raras

    excees, estava momentaneamente reduzida ao silncio. Em seguida, a grande maioria dos franceses que foram

    represent-la em Londres era blanquista, e creio ter exposto claramente as causas que levaram os blanquistas a buscarem a

    aliana com o Sr. Marx, o qual, longe de encontrar adversrios nesses representantes autoritrios da Comuna de Paris, em

    Londres, encontrou neles, naquele momento, um forte apoio.

    4Prtico no sentido de que sua realizao ser muito menos difcil do que a da ideia marxista, que, ao lado da pobreza de seu objetivo, ainda

    apresenta esse grave inconveniente de ser absolutamente impraticvel. No ser a primeira vez que homens hbeis, racionais, reconizadoresde coisas prticas e possveis, sero reconhecidos como utopistas, e que aqueles denominados utopistas, hoje, sero reconhecidos comohomens prticos no dia seguinte. O absurdo do sistema marxista consiste precisamente nessa esperana, segundo a qual, reduzindoexcessivamente o programa socialista para faz-lo ser aceito pelos burgueses radicais, transformar estes ltimos em servidores inconscientese involuntrios da revoluo social. Eis a um grande erro; todas as experincias da histria nos demonstram que uma aliana concluda entredois partidos diferentes volta-se sempre em proveito do partido mais retrgrado; esta aliana enfraquece necessariamente o partido maisavanado, diminuindo, deformando seu programa, destruindo sua fora moral, sua confiana em si mesmo; entretanto, quando um partidoretrgrado mente, ele se encontra sempre e mais do que nunca em sua verdade. O exemplo de Mazzini que, apesar de sua rigidez republicana,passou toda sua vida em transaes com a monarquia, e que, com todo o seu gnio, acabou sempre sendo ludibriado, este exemplo no deveser por ns esquecido. Quanto a mim, no hesito em dizer que todos os galanteios marxistas com o radicalismo, quer seja reformista, quer

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    Sabemos, por sinal, como esta Conferncia foi sabotada; ela foi composta pelos ntimos do Sr. Marx, selecionados

    por ele mesmo cuidadosamente, e mais alguns ludibriados. A Conferncia votou tudo o que ele acreditou ser bom propor-lhe, e o

    programa marxista, transformado em verdade oficial, encontrou-se imposto como princpio obrigatrio para toda a Internacional.

    Mas a partir do momento em que havia uma verdade oficial na Internacional, era preciso um governo para conserv-la. Foi a

    segunda proposio do Sr. Marx; ela foi votada, como a primeira. Da em diante, a Internacional se encontrava acorrentada ao

    pensamento e vontade do ditador alemo. Deram-lhe o direito de censura sobre todos os jornais e sobre todas as sees da

    Internacional. Reconheceram a urgncia da correspondncia secreta entre o Conselho Geral e todos os conselhos regionais;concederam-lhe, alm do mais, o direito de enviar agentes secretos a todos os pases, afim de intrigar em seu favor e levar-lhes

    desorganizao, para a maior glria do Sr. Marx; em resumo, investiram-no de um poder secreto completo.

    Para assegurar sua tranquila fruio, o Sr. Marx pensou dever tomar mais uma medida. Era-lhe preciso, a qualquer preo,

    desacreditar, perante a opinio pblica, os adversrios de sua ditadura, e me fez a honra de conceder-me o primeiro lugar entre essas

    pessoas. Para isso, fez vir de Genebra seu pequeno comparsa e compatriota, Sr. Utin, que, sem ter sido investido de alguma

    delegao oficial, parece ter ido a Londres somente para espalhar contra mim, em plena Conferncia, todos os tipos de infmias e

    horrores. Ignoro ainda agora o que ele disse, mas julgo pelo fato que se segue. O cidado Anselmo Lorenzo Asprillo, delegado da

    Federao espanhola, de volta Espanha, tendo sido interrogado por alguns de meus amigos, escreveu-lhes esta frase:

    "Se Utin disse a verdade, Bakunin deve ser um infame; se mentiu, Utin um infame caluniador".

    E observai que tudo isso se passou completamente sem que eu soubesse, e s tive conhecimento deste fato por esta resposta do

    Sr. Lorenzo Asprillo, que s me foi comunicada no ms de abril ou maio.

    Uma circular do Conselho Geral, transformado desta maneira cm governo oficial, comunicou, enfim, Internacional estupefata

    o golpe de Estado que acabara de sofrer. Creio que o Sr. Marx, enfatuado por seu triunfo, muito fcil para ser slido, e pelo poder

    ditatorial do qual o investiram, conduzira-se irrefletidamente a ponto de no desconfiar da terrvel tempestade que seu golpe de

    Estado devia provocar nas regies independentes da Internacional. A honra da primeira revolta pertence Federao do Jura 5.

    seja revolucionrio, dos burgueses, no podem ter outros resultados seno a desmoralizao e a desorganizao do poder nascente do

    proletariado, e, consequentemente, uma nova consolidao do poder estabelecido dos burgueses.

    5Aqui se interrompe o manuscrito.

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    ESCRITO CONTRA MARX

    Fragmento formando uma continuao de O Imprio Cnuto-germnico

    . . . para6 uma explorao e necessariamente tambm para uma compresso solidrias atravs de todas as fronteiras

    de todos os pases, e apesar de todas as diferenas polticas atualmente existentes entre muitos Estados.

    A explorao burguesa sendo solidria, a luta contra ela tambm deve s-lo; e a organizao dessa solidariedade

    militante entre os trabalhadores do mundo inteiro, tal o objetivo nico da Internacional. Este objetivo to simples e to bem

    expresso por nossos estatutos gerais primitivos, os nicos legtimos e os nicos obrigatrios para todos os membros, sees e

    federaes da Internacional, reuniu sob a bandeira desta Associao, no espao de tempo de apenas oito anos, bem mais

    de um milho de aderentes, e a fez uma verdadeira potncia; uma potncia com a qual os mais poderosos monarcas da

    terra se vem hoje forados a contar.

    Mas todo poder tenta os ambiciosos, e os Srs. Marx e companhia, que nunca se deram conta, segundo parece, da

    natureza e das causas desse poder, simultaneamente to jovem e to prodigioso da Internacional, imaginaram que poderiam

    fazer dele um degrau ou um instrumento para a realizao de suas pretenses polticas. O Sr. Marx, que foi um dos principais

    iniciadores da Internacional, eis um ttulo de glria que ningum lhe contestar, e que, durante oito anos seguidos,

    constituiu quase sozinho o Conselho Geral, deveria ter compreendido, portanto, melhor do que ningum, duas coisas que

    saltam aos olhos, eque somente a cegueira inerente ambio vaidosa pde faz-lo desconhecer:

    Que a Internacional s pde desenvolver-se e ampliar-se de maneira to maravilhosa porque eliminou de seu

    programa oficial e obrigatrio iodas as questes polticas e filosficas; 2 que s pde faz-lo porque, fundada principalmente

    sobre a liberdade das sees e federaes, havia sido privada de todos os favores de um governo centralizador, capaz de dirigir,

    isto , de impedir e paralisar seu desenvolvimento; o Conselho Geral tendo sido, at 1870, precisamente no perodo de maior

    desenvolvimento da Associao, um tipo de rei de Yvetot7 raciocinando sempre aps os acontecimentos, e se deixando, no

    por falta de pretenses ambiciosas, mas por impotncia e porque ningum o teria escutado, levar reboque do movimento

    espontneo dos trabalhadores da Blgica, da Frana, da Sua, da Espanha e da Itlia.

    Quanto questo poltica, todo mundo sabe que, se ela foi eliminada do programa da Internacional, no foi por culpa

    do Sr. Marx. Como se deveria esperar da parte do autor do famoso programa dos comunistas alemes, publicado em 1848 por

    ele e por seu amigo, seu confidente, seu cmplice, Sr. Engels, ele no deixou de colocar esta questo em primeiro plano na

    proclamao inaugural, publicada em 1864, pelo Conselho Geral provisrio de Londres, proclamao da qual o Sr. Marx foi onico autor. Nessa proclamao ou circular dirigida aos trabalhadores de todos os pases, o chefe dos comunistas autoritrios

    da Alemanha no se absteve de declarar que a conquista do poder polticoera o primeiro dever dos trabalhadores; ele at

    mesmo fez perfurar seu ouvido pangerinnico acrescentando que atualmente o principal objeti-vo poltico da Associao

    Internacional dos Trabalhadores devia ser o de combater o Imprio de todas as Rssias, objetivo sem dvida muito legtimo e

    nobre, ao qual, como amigo do povo russo, subscrevo de todo corao, persuadido como estou de que este povo no

    deixar de ser um miservel escravo enquanto este Imprio existir, - mas a que, inicialmente, no poderia reduzir-se, sem

    desnaturar completamente o carter e o objeto da Associao Internacional dos Trabalhadores; e que, em segundo lugar, para

    ser apresentado de maneira verdadeiramente justa, sria e til para a causa dos trabalhadores, deveria ser determinado de

    outra maneira. Se o Sr. Marx tivesse declarado guerra a todos os Estados, ou pelo menos aos Estados monrquicos,

    despticos, militares, como a Prssia, a ustria, a Frana imperial, ou mesmo republicana atual, e se tivesse dito que era

    6 As duas primeiras pginas do manuscrito esto perdidas. (Nota de Arthur Lehning).7 Pequena e inexpressiva regio da Frana governada por reis nos sculos XV c XVI. (N. do T).

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    preciso colocar, em primeiro plano, entre eles o Estado modelo, o Imprio de todas as Rssias, pelo menos no se poderia

    acus-lo de pangermanismo. Mas ao fazer abstrao do despotismo alemo, um despotismo muito insolente, muito brutal,

    muito gluto, e excessivamente ameaador para a liberdade dos povos vizinhos, como todo mundo pode constat-lo hoje, e

    ao se esforar para dirigir a indignao dos trabalhadores de todos os pases contra o despotismo russo, excluso de todos

    os outros, declarando at mesmo que este era a nica causa do despotismo que nunca deixou de reinar na Alemanha, desde

    que h uma Alemanha; ao rejeitar, enfim, todas as vergonhas e todos o.s crimes polticos desse pas da cincia e da obedincia

    proverbiais sob as inspiraes da diplomacia russa, o Sr. Marx manifestou-se inicialmente como um pssimo e muito poucoverdico historiador, e, em seguida, no como um revolucionrio socialista internacional, mas como um ardente patriota da

    grande ptria bismarckiana. Sabe-se que o primeiro Congresso da Internacional, ocorrido em Genebra, em 1866, refutou

    todas essas veleidades polticas e patriticas daquele que se coloca hoje como ditador de nossa grande associao. Nada

    restou delas no programa nem nos estatutos votados por esse Congresso, que doravante constituem a base da Interna-

    cional. Dai-vos ao trabalho de reler os magnficos considerandos que encabeam os nossos estatutos gerais e no encontrareis

    neles nenhuma dessas palavras com que ele fez meno da questo poltica:

    "Considerando:

    "Que a emancipao dos trabalhadores deve ser obra dos prprios trabalhadores; que os esforos dos

    trabalhadores para conquistar sua emancipao no devem tender para constituir novos privilgios, mas para

    estabelecer, para todos, os mesmos direitos e os mesmos deveres;

    "Que a sujeio do trabalhador ao capital a fonte de toda servido: poltica, moral e material;

    "Que, por esta razo, a emancipao econmica dos trabalhadores o grande objetivo ao qual deve

    estar subordinado todo movimento poltica', etc.

    Eis a frase decisiva de todo o programa da Internacional. Ela cortou o cabo, para me servir da memorvel expresso de

    Sieys, quebrou os elos que mantinham o proletariado acorrentado poltica burguesa. Ao reconhecer a verdade que ela

    expressa e ao se deixar penetrar por ela cada dia mais, o proletariado virou as costas resolutamente burguesia, e cada

    passo que ele der para a frente ampliar bem mais o abismo que os separa, doravante.

    A Aliana, seo da Internacional em Genebra, havia traduzido e comentado esse pargrafo dos considerandos nestes

    termos:

    "A Aliana rejeita toda ao poltica que no tiver como objetivo imediato e direto o triunfo dos trabalhadores

    contra o capital";em consequncia disso, ela assumia como objetivo a abolio do Estado, de todos os Estados, e a

    organizao da "associao universal de todas as associaes locais para a liberdade".

    Todavia, o Partido social-democrata dos operrios alemes, fundado no mesmo ano (1869), sob os auspcios do sr. Marx,

    pelos srs. Liebknecht e Bebei, anunciava em seu programa que a conquista do poder poltico era a condio prvia da

    emancipao econmica do proletariado, c que, por consequncia, o objetivo imediato deste partido devia ser a organizao de

    uma ampla agitao legal pela conquista do sufrgio universal e de todos os outros direitos polticos; seu objetivo final o

    estabelecimento do grande Estado pangermnico e pretensamente popular.

    Entre essas duas tendncias, pode-se v-lo, existe a mesma diferena, o mesmo abismo, que entre o proletariado e a

    burguesia. H razo para que nos surpreendamos, depois disso, com o fato delas se terem reencontrado na Internacional

    como adversrios irreconciliveis, e que continuem a se combater, sob todas as formas e em todas as ocasies possveis,

    ainda hoje, na Internacional? A Aliana, levando o programa da Internacional a srio, havia rejeitado com desdm todatransao com a poltica burguesa, por mais radical que ela se diga e por mais socialista que ela se caracterize, recomendando

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    ao proletariado como nica via de emancipao real, como a nica poltica verdadeiramente salutar para ele, a poltica

    exclusivamente negativa da demolio das instituies polticas, do poder poltico, do governo em geral, do Estado, e,

    como consequncia necessria, a organizao internacional das foras esparsas do proletariado em uma fora

    revolucionria dirigida contra todas as foras constitudas da burguesia.

    Os social-democratas da Alemanha recomendam, ao contrrio, aos trabalhadores que tm a felicidade de escut-

    los, adotarem, como objetivo imediato de sua associao, a agitao legal para a conquista prvia dos direitos polticos;

    subordinam, por isso mesmo, o movimento pela emancipao econmica ao movimento, de incio, exclusivamente poltico,e, por essa inverso ostensiva de todo o programa da Internacional, eles preencheram de uma s vez o abismo que ela

    havia aberto entre o proletariado e a burguesia. Fizeram ainda melhor do que isso, amarraram o proletariado reboque

    da burguesia. E evidente que todo esse movimento poltico pregado pelos socialistas da Alemanha, visto que deve

    preceder a revoluo econmica, s poder ser dirigido por burgueses, ou, o que ser ainda pior, por operrios

    transformados por sua ambio, ou por sua vaidade, em burgueses; e passando, na realidade, e como todos os seus

    predecessores, por cima da cabea do proletariado, esse movimento no poder deixar de condenar de novo, este ltimo, a

    ser apenas instrumento cego e infalivelmente sacrificado na luta entre os diferentes partidos burgueses pela conquista

    do poder poltico, isto , da fora e do direito de dominar as massas e explor-las. A quem quer que disso pudesse

    duvidar, bastaria que mostrssemos o que hoje se passa na Alemanha, onde os rgos da social-democracia cantam hi-

    nos de jbilo ao ver um Congresso de professores de economia poltica burguesa recomendar o proletariado da

    Alemanha elevada e paternal proteo dos Estados, e nas regies da Sua, onde prevalece o programa marxista, em

    Genebra, Zurique e Basileia, onde a Internacional desceu ao ponto de ser apenas um tipo de urna eleitoral em proveito

    dos burgueses radicais. Esses fatos incontestveis parecem-me mais eloquentes do que todas as palavras.

    Eles so reais, e so lgicos nesse sentido em que so um efeito natural do triunfo da propaganda marxista. E por

    isso que combatemos as teorias marxistas com ardor, convictos de que se elas pudessem triunfar em toda a Internacional,

    no deixariam de matar, em todos os lugares, pelo menos o esprito da Internacional, como o fizeram na maioria desses

    pases que acabo de citar.

    Lamentamos muito, sem dvida, e hoje continuamos a lamentar profundamente, a imensa perturbao e des-

    moralizao que essas ideias pangermnicas lanaram no desenvolvimento to belo, to maravilhoso e naturalmente

    triunfante da Internacional. Mas nenhum de ns sonhou algum dia proibir o Sr. Marx ou seus fanticos discpulos de

    propag-las no seio de nossa grande Associao. Teramos faltado a seu princpio fundamental, que o da liberdade mais

    absoluta da propaganda, tanto poltica quanto filosfica.

    A Internacional no admite censura, nem verdade oficial em nome da qual poder-se-ia exercer essa censura; da

    no as admite porque nunca, at aqui, havia se colocado como Igreja ou como Estado, e precisamente porque no o

    fez, no pela rapidez incrvel de sua extenso e de seu desenvolvimento, que pde surpreender o mundo.

    Eis o que o Congresso de Genebra, melhor inspirado do que o Sr. Marx, havia compreendido. Ao eliminar de HCU

    programa todos os princpios polticos e filosficos, no como objetos de discusso e de estudo, mas enquanto princpios

    obrigatrios, ele fundou a fora de nossa Associao.

    E verdade que no segundo Congresso da Internacional, ocorrido em 1867, em Lausanne, amigos desastrosos, no

    adversrios, sem se dar muito bem conta da verdadeira natureza da fora desta Associao, haviam tentado trazer para

    discusso a questo poltica. Mas felizmente s conseguiram esta declarao platnica, de que a questo poltica era

    inseparvel da questo econmica, uma declarao que cada um de ns pode subscrever, visto que evidente que a

    poltica, isto , a instituio e as relaes mtuas dos Estados, no tem outro objetivo seno assegurar, s classes

    governantes, a explorao legal do proletariado, donde resulta que a partir do momento que o proletariado deseja se

  • 7/30/2019 Escritos+Contra+Marx M.+Bakunin

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    emancipar, ele forado a levar em considerao a poltica, para combat-la e derrub-la. No assim que a

    compreendem nossos adversrios; o que eles quiseram e o que querem a poltica positiva, a poltica do Estado. Mas

    no tendo encontrado terreno favorvel em Lausanne, abstiveram-se sabiamente dela.

    A mesma sabedoria os havia inspirado, um ano mais tarde, no Congresso de Bruxelas. Por sinal, a Blgica,

    comunalista, antiautoritria e anticentralista em toda a sua histria, no lhes oferecia nenhuma chance de sucesso, e,

    mais uma vez, abstiveram-se sabiamente.

    Trs anos de derrota! Era muito para a ambio impaciente do Sr. Marx. Assim, ordenou a seu exrcito umataque direto, que foi, com efeito, executado no Congresso de Basileia (1869). As chances lhe pareciam favorveis. O Partido

    social-democrata havia tido tempo de se organizar na Alemanha sob a direo dos Srs. Liebknecht e Bebei: havia

    ampliado suas ramificaes na Sua alem, em Zurique, Basileia, e at mesmo na seo alem de Genebra. Era a

    primeira vez que delegados da Alemanha, se apresentavam em grande nmero em um Congresso da Internacional. O

    plano de batalha, aprovado pelo Sr. Marx, general-em-chefe do exrcito, havia combinado com o Sr. Liebknecht, chefe

    do corpo alemo, e os Srs. Brkli e Greulich, comandantes do corpo suo; os Srs. Amand Ggg8, Philippe Becker e

    Rittinghausen, o inventor da votao direta das leis e das constituies pelo povo, o plebiscitrio tudesco, agruparam-

    se a seu lado como auxiliares voluntrios. Alm disso, tiveram ao seu lado alguns alemes do