26
Estado, Nação e Nacionalismo Rufino Carlos Gujamo ISCTE, 2 de Novembro de 2016

Estado, Nação e Nacionalismo · A Polis na Grécia antiga é o ponto de partida para uma forma hodierna que grosso ... (Polis) em Roma teve como sucessora a civitas de onde emergiu

Embed Size (px)

Citation preview

Estado, Nação e Nacionalismo

Rufino Carlos Gujamo

ISCTE, 2 de Novembro de 2016

Conteúdo da Apresentação

1. Estado

2. Nação

3. Nacionalismo

4. Nação e Nacionalismo em África

O Estado e as Respetivas Origens

A Polis na Grécia antiga é o ponto de partida para uma forma hodierna que grossomodo corresponde àquilo a que damos o nome de Estado.

• Polis na metáfora de Aristóteles (agregação de aldeias; Aldeia conjunto de casas; acasa uma familia extensa assente no gregário animal;

Portanto, Aristóteles identifica:

• A primeira comunidade como sendo a casa (oikos) - uma comunidade complexaabarcando 3 tipos de relações (a relação de homem-mulher para a conservação daespécie; a relação de pais com filhos tendo em vista a sobrevivência e educaçãodestes; e a relação do chefe de casa enquanto unidade economica com osrespetivos depedentes;

O ESTADO e Respetivas origens: Continuação II

• A segunda comunidade e a aldeia (kome) – a união de várias casas e famílias quecontinunado a ter em vista a satisfação de necessidades vitais já nao se reduz apenas asatisfação apenas de necessidades quotidianas;

• Só depois da associação de várias aldeias pode surgir a polis (comunidade política).Contudo, Segundo Aristoteles nem todas as formas de associação de aldeias geraramuma polis, podendo, sim, gerar uma entidade qualitativamente diferente – a genos quepode ser a nação não faltando quem fale sobre pátria.

• Esta entidade (Polis) em Roma teve como sucessora a civitas de onde emergiu aRespublica e que na Europa dos séculos XII e XIII se transformou em Regnum (poderreal/autoridade real);

• A partir da Renascença aquela entidade evoluiu progressivamente em Estado – palavrainventada por Maquiavel reflectindo unidades de poder continuas, com um exercito,uma hierárquia de funcionários e uma ordem jurídica unitária, onde existe aconcentração num centro politico dos instrumentos militares, burocráticos e económicos.

Definição do Estado

• O Estado é uma entidade política (comunidade política) constituídapor um povo fixado num território de que é senhor e que dentro dasfronteiras desse território, institui por autoridade própria órgãos deelaborem as leis necessárias `a vida coletiva e imponham a respetivaexecução.

Elementos do Estado

• O Povo;

• O Território

• O Poder Político

• O Direito (Leis – O estado organiza-se através do direito a fim de realizar os principais objetivos do povo)

• Soberania

Fins do Estado

• A Segurança;

• A Justiça;

• O Bem-estar social;

Poder do Estado

• O Estado detém o poder de coação, isto é a legitimidade do uso da força.

A Nação: Origens do Conceito

• As origens do conceito de nação remontam aos séculos XVIII e XIX na

Europa.

• A revolução francesa foi um marco importante para os significados que,

historicamente, o termo nação foi assumindo de lá à esta parte.

• Trata-se de um conceito cujo significado parece estar ainda longe de ser

consensual.

Principais Abordagens sobre a Nação

Na sequência das várias iniciativas tendentes à padronização euniversalização do conceito nação, duas correntes principais despontaram,nomeadamente:

• Objetivista (culturalista ou naturalista): Esta corrente que têm comoprincipal referência o alemão Johann Gottlieb Fichte defende que umanação é marcada pela presença da língua, raça, cultura e geografia comuns.

Principais Abordagens sobre a Nação: Continuação II

• Subjetivista (voluntarista ou construtivista): Os subjetivistas cujo expoentemaior é o francês Ernest Renan, surgem em reação à perspetiva objetivista alemã,defendendo a importância de determinada unidade e vontade coletiva face a umpresente e destino comuns.

• Na perspetiva subjetivista, as nações são construídas a partir da ação políticanacionalista que mobiliza a suposta consciência nacional e o voluntarismo dosseus membros.

Principais Abordagens sobre a Nação: Continuação III

• Benedict Anderson (1983) considera a nação e o nacionalismo como sendo artefactosculturais de determinado tipo criados no final do século XVIII como resultado docomplexo cruzamento espontâneo de forças históricas discretas. Uma vez criados, estesartefactos tornaram-se modulares e passíveis de serem transplantados;

• Para Anderson, a nação é a comunidade política imaginada, sendo intrinsecamentelimitada e soberana (Anderson, 1983, 15);

• Na mesma esteira de pensamento, Eric Hobsbawn (1984) considera que as nações sãoresultado de um processo de invenção e/ou construção histórica. Nesta linha depensamento, o autor sublinha que «não vê a nação como sendo primária nem comoentidade social não alterável. Ela pertence exclusivamente a um período particular ehistoricamente recente.» (Hobsbawn, 1984, 13);

• Como se pode constatar, as abordagens apresentadas por Anderson e Hobsbawninserem-se no quadro do construtivismo.

Principais Abordagens sobre a Nação: Continuação IV

• Segundo Eric Hobsbawn, a nação «é uma entidade social somente enquanto serelaciona com certo tipo de Estado territorial moderno (Estado-nação), sublinhando queseria fútil discutir a nação e a nacionalidade fora do contexto em que ambas estãorelacionados com ele». (Hobsbawn, 1998, 13).

• Por sua vez, ao definir a nação como uma comunidade política imaginadaintrinsecamente limitada e soberana, Benedict Anderson, sugeriu que mesmo as naçõesmaiores em termos de dimensão populacional têm fronteiras finitas do ponto de vistaespacial, não sendo possível albergar toda a humanidade. (Anderson, 1983, 15-16).

• Deste modo, quer Hobsbawn, quer Anderson destacam o papel da delimitação territorialcomo um elemento importante na definição da nação. Isto é uma nação não é apenasproduto de um processo histórico mas também existe num determinado períodohistórico e em determinado espaço geográfico delimitado que pode configurar-se comoEstado-nação ou nação-Estado.

Proliferação de Nações e Respetivas Implicações

• Na sequência das lutas anticoloniais e dos processos de descolonização, apartir da segunda metade do século XX assistiu-se à proliferação de novosestados no terceiro mundo que se assumiram como nações e receberam oreconhecimento internacional como tal. Esta situação gerou o questionamentoem relação à crença na universalidade e no carácter natural das nações.

• Igualmente, o questionamento estava associado ao facto de unidades africanascomo a tribo não se encaixarem no padrão clássico europeu de nação.

• É importante sublinhar que o questionamento em referência resultou,sobretudo da ambiguidade dos critérios adotados para a definição de nação.Nem as definições objetiva nem subjetiva se mostraram satisfatórias,conduzindo ambas ao erro.

Proliferação de Nações e Respetivas Implicações: Continuação II

• Mesmo os esforços visando a construção de um conceito de naçãomais equilibrado, situando-se entre o objetivismo e o subjetivismoacabam por sofrer a influência mais saliente de uma ou de outraperspetiva.

• Esta situação torna ainda mais difícil a construção de um conceito denação e nacionalismo mais consensuais.

• Igualmente, a ausência de definições consensuais torna difícil a análiseda nação e do nacionalismo

A Nação na Europa

Segundo Anthony D. Smith, na Europa ocidental, a nação resultou da tripla revolução,nomeadamente:

(i) A revolução na esfera da divisão trabalho, gerando-se a maior especialização eprofissionalização, tornando a sociedade mais complexa, no contexto da transição dofeudalismo para o capitalismo;

(i) (ii) A revolução no controlo da administração que se tornou mais complexa ecentralizada, surgindo profissionais especializados na área de administração para arecolha de impostos e outros serviços importantes para o Estado e;

(i) (iii) a revolução na coordenação cultural. (Smith, 1986, 131).

A Nação na Europa: Continuação I

• A revolução cultural e educacional marcada, sobretudo, pela substituição da autoridadereligiosa por uma autoridade do Estado civil, com um papel na promoção da educação,fazendo surgir a cidadania e a classe intelectual com a liberdade de pensar fora doquadro religioso como era no Estado absolutista, contribuiu para a padronizaçãocultural. (Smith, 1986, 134).

• A centralização territorial, associada à consolidação dos padrões culturais, através dapromoção da educação massificada, contribuiu para a formação das nações (nações-Estado) europeias, relativamente homogéneas, cujas fronteiras étnicas e culturaiscorrespondem às fronteiras do Estado.

• São exemplos de nações-Estado, a Alemanha, Dinamarca, Grécia, Holanda e Portugal.Embora estes estados possam ter algumas minorias não deixam de ser homogéneos. Ėimportante referir que um estudo realizado por Walker Connor no qual são analisadas132 unidades que até 1971 se qualificavam como estados permitiu concluir quesomente 12 eram nações-Estado, sendo todos os restantes estados plurinacionais.

A Nação em África

• Na África subsaariana, com a exceção da Somália, parecem inexistentes asevidências de nações-Estado caracterizadas pela presença de uma populaçãosingular, falando a mesma língua, possuindo uma cultura comum e cujas fronteirasétnicas e culturais coincidem com as fronteiras do Estado;

• Se na experiência histórica da Europa ocidental as nações deram origem aoEstado, em África o Estado é que assumiu a tarefa de criação da nação numcontexto marcado pela multietnicidade. Portanto, na África Subsaharianapredomina o Estado-nação. Este é o caso da experiência de Moçambique noperíodo pós-independência.

Nação Territorial

• Analisando a construção da nação em África, especialmente no antigo Zaire

(atualmente, República Democrática do Congo), Crawford Young, identificou o que

chamou de nação territorial no sentido de que os diferentes grupos étnicos e os cidadãos

do Zaire, mesmo reconhecendo as suas diferenças (étnicas, culturais e linguísticas)

defendem a unidade do Estado. Isto é, os cidadãos do Zaire não aceitam a possibilidade de

divisão do Estado, mesmo tendo como base as fronteiras étnicas. Portanto, a identificação

dos indivíduos e grupos com o território comum é o elemento central da nação territorial.

(Young, 2012).

Nacionalismo

• De acordo com Hobsbawn, um autor manifestamente construtivista, o nacionalismoaparece antes da nação. Isto é, são os nacionalismos e os estados que criam as nações enão o contrário. (Hobsbawn, 1998, 14). Estes nacionalismos e estados que podem darorigem à nação localizam-se num determinado espaço territorial e temporal.

• Segundo Michel Cahen, o Nacionalismo é a expressão política da nação já existente.

• Assim, segundo Michel Cahen, não se pode falar sobre o nacionalismo e nação, emcasos como Moçambique, na medida em que estas são duas realidades inexistentes. Deacordo com esta perspetiva defendida por Michel Cahen, nos países sem nação como éo caso moçambicano marcado pela presença de vários grupos etnolinguísticos (isto énações entendidas na perspetiva manifestamente objetivista), o nacionalismo é umprojeto através do qual se procura construir uma nação. Isto é, neste contexto, onacionalismo não é a expressão política de uma nação pré-existente.

Nacionalismo II

• Anthony D. Smith define o nacionalismo como um movimento ideológico para

atingir e conservar a autonomia, a unidade e a identidade em nome de umapopulação que alguns dos seus membros consideram constituir uma «nação» realou potencial. (Smith, 1997, 97).

Nacionalismo: Continuação III

• Assim, no contexto desta apresentação, poder-se-á entender que em muitos estados da África

subsaariana marcados pela presença de múltiplos grupos etnolinguísticos diferenciados, partilhando

as mesmas fronteiras geográficas e políticas não há nações na pesrspetiva objetivista e nem

nacionalismos. Há sim um nacionalismo territorial que deve ser entendido como a consciência que

indivíduos ou grupos de indivíduos têm sobre a pertença a uma nação cujo denominador comum (ou

fator aglutinador) é a partilha do mesmo espaço territorial e a identificação daqueles com o mesmo,

independentemente das diferenças étnicas que possam existir. Contudo, é importante sublinhar que a

despeito do facto de a partilha do território constituir-se como um importante elemento aglutinador, a

consciência de pertença à nação não deixa de ter os seus alicerces históricos, políticos e culturais.

Considerações finais

• Se é verdade que nas sociedades ocidentais foi as nação que deu origem aoEstado, isto é nação-Estado ou pelo menos existe uma congruência entre a nação eo Estado;

• Já na África Subsahariana é o Estado que assumiu a tarefa de construir a naçãodando origem ao Estado-nação. Isto é, o nacionalismo não surgiu como aexpressão política de uma nação pré-existente.

• Pelo contrário na África Subsahariana o nacionalismo surgiu como uminstrumento através do qual se pretendeu construir a nação.

Bibliografia

Anderson, Benedict. Immagined Communities: Reflections on the Origins and Spread ofNationalism. London: Verso, 1983.

Baleira, Sérgio. «Noções concorrentes: estratégias de construção de identidade». Em Moçambique:Ensaios. org. Peter Fry, 157-179. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

Cahen, Michel. Ethnicité Politique: Pour Une Lecture Réaliste De L’identité. Paris: Editions L’Harmattan, 1994.

Cahen, Michel. «Anticolonialism and nationalism: deconstructing synonymy, investigantinghistocical processes: notes on the heterogeneity of former African colonial Portuguese areas». EmSure Road? Nations and Nationalisms in Guinea, Angola and Mozambique. ed. Éric Morier-Genoud, 1-28. Leyde: Brill Academlc Publishers, 2012.

Hobsbawn, Eric. A Questão do Nacionalismo: Nações e Nacionalismos Desde 1780. Lisboa:Terrramar, 1998.

Bibliografia II

Maltez, Adelino Princípios de Ciência Política: Introdução à Teoria Política.Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1996.

Smith, Anthony D. The Ethnic Origins of Nations. United Kingdom: BlackwellOxford, 1986.

Smith, Anthony D. A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva, 1997.

Young, Crawford. The Postcolonial State in Africa: Fifty Years of Independence,1960-2010. London: The University of Wisconsin Press, 2012.

FIM

Rufino Carlos Gujamo

Doutorando

Programa Interuniversitário de Doutoramento em História,

Intituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Lisboa

Email: [email protected]