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ETILISMO GESTACIONAL E AFECÇÕES ENVOLVENDO O SISTEMA
NERVOSO FETAL
Matheus Ribeiro Nasser Silva¹; José Mikael Régis Monteiro²; Larissa Maria Figueiredo Teixeira³;
Jully Ane Bonfim Ataides4; Ezymar Gomes Cayana5.
Universidade Federal de Campina Grande, ¹[email protected]; ²[email protected];
³[email protected]; [email protected];
Resumo: O álcool é uma droga lícita que tem seu uso difundido em quase todo o mundo e o seu
consumo é uma causa comum de retardo mental nos filhos de mães etilistas, configurando-o como um potente teratógeno. Este artigo se propõe a realizar uma revisão bibliográfica atualizada acerca
da ingestão de álcool durante a gestação e sua relevância no desenvolvimento do sistema nervoso fetal, utilizando 12 artigos produzidos entre 2005 a 2015, disponíveis integralmente e nos idiomas português e inglês, buscando como descritores: Síndrome Alcoólica Fetal, Síndrome Alcoólica
Fetal e gestação, e gestação e álcool, na base de dados LILACS. O etilismo na gestação pode levar à expressão de distúrbios de ordem psicossociocomportamental, o que caracteriza a Síndrome
Alcóolica Fetal (SAF) ou o Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF). Acredita-se que o álcool prejudique principalmente a migração neuronal, provocando uma desorganização no córtex em formação, embora os mecanismos específicos para tal fim ainda não estarem bem elucidados.
Não houve consenso entre os estudos em relação à dose consumida necessária para provocar esses efeitos, mas sabe-se que o álcool pode atuar sobre o feto ou embrião durante toda a gestação. As
consequências decorrentes do etilismo materno se expressam de maneira variada ao longo da vida, caracterizado por distúrbios na linguagem, atenção, memória, aprendizado, entre outros. Dessa maneira, devem ser intensificadas pesquisas que investiguem a dosagem de álcool necessária para
desenvolvimento da SAF e TEAF. Palavras-chave: álcool, gestação, teratógenos, sistema nervoso, síndrome alcoólica fetal.
Introdução
O álcool é uma droga perigosa para o
feto, pois passa facilmente através da
placenta. Seu consumo, através de bebidas
alcoólicas, é responsável por um gama de
defeitos embrionários.
A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é
uma síndrome caracterizada por danos ao
sistema nervoso central (SNC), que incluem
déficits nas funções cognitivas, atenção,
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memória, processamento das
informações, habilidades motoras, entre
outros, e por alterações fenotípicas comuns,
exemplificando-se o lábio superior fino,
hipoplasia do maxilar, nariz antevertido e
curto, ptose palpebral, microcefalia,
anormalidades de estruturas cerebrais, dentre
outras (LAMÔNICA et al., 2010).
A SAF pode ter seu diagnóstico
facilitado por meio da identificação da sua
tríade: (1) déficit no crescimento pré e pós-
natal, (2) disfunção do SNC e (3)
características faciais inerentes, descritas
anteriormente neste artigo (GANTHOUS,
ROSSI & GIACHETI, 2015; LAMÔNICA et
al., 2010).
Ganthous, Rossi & Giacheti (2015) e
Momino, Sanseverino & Schüler-Faccini
(2008) enfatizam que nem todas as pessoas
afetadas pela teratogenia do álcool durante
seu período embrionário devem ser
caracterizadas como portadoras da SAF, pois
estas podem apresentar apenas desordens
decorrentes que não são adequadamente
designadas como uma síndrome. Quando isso
ocorre, esses indivíduos são enquadrados no
Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal
(TEAF).
Lamônica et al. (2010), Mesquita &
Segre (2010) e Souza, Santos & Oliveira
(2012) concordaram quanto à inexistência de
uma faixa limítrofe de consumo alcoólica que
seja segura para a mãe durante seu período
gravídico, consumo esse que não cause
anormalidades ao feto.
A probabilidade da criança, na gravidez,
ter seu desenvolvimento afetado pelo álcool
vai depender de diversos fatores que incluem
a dosagem e frequência do consumo, período
gestacional, metabolismo materno e fetal e a
genética de ambos (GONÇALVES et al.,
2009; MESQUITA & SEGRE, 2010).
Segundo Andrade, Micheli & Fisberg
(2013), até o décimo sexto dia após a
fertilização, substâncias teratógenas (e isso
inclui o álcool) tendem a ter efeitos absolutos
ou efeito algum, ou seja, ou promovem um
aborto ou não causam qualquer tipo de
alteração. Contudo, após esse período e até
cerca da oitava semana, o embrião está mais
susceptível a sofrer sob ação de agentes
teratógenos, pois é uma época de
desenvolvimento dos órgãos.
Em relação ao sistema nervoso central,
especificamente, não houve consenso entre os
artigos sobre em quais semanas o consumo de
álcool é mais perigoso para o feto ou embrião,
o que está de acordo com a literatura vigente.
Segundo Momino, Sanseverino & Schüler-
Faccini (2008), o sistema nervoso central
pode ser acometido pelo álcool durante
qualquer trimestre embrionário, pois todos
esses períodos são importantes para seu
desenvolvimento.
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Ponto positivo desse cenário é o fato de
todas as alterações provocadas pelo álcool
poderem ser prevenidas pela abstenção do
consumo de bebidas alcoólicas antes da
fertilização e durante a gravidez (MESQUITA
& SEGRE, 2010; SOUZA, SANTOS &
OLIVEIRA, 2012).
É importante salientar que o álcool
passa pela barreira hematoencefálica e atua
por um mecanismo complexo, não muito
conhecido, e de maneiras diferentes no
sistema nervoso central do bebê. Em alguns
casos, o álcool pode promover a destruição
celular e, em outros, pode alterar a fisiologia e
funcionamento das células. Isso faz com que
um déficit cognitivo possa estar
correlacionado, ou não, a uma alteração
estrutural (GONÇALVES et al., 2009;
MESQUITA & SEGRE, 2010).
Segundo Garcia, Rossi & Giacheti
(2007) não necessariamente as características
faciais peculiares precisam estar presentes nos
portadores de SAF.
Torna-se relevante abordar a teratogenia
do álcool, dada a transição entre o padrão de
consumo do álcool pelo público feminino nas
últimas décadas (principalmente mulheres em
idade fértil). Esse aumento, entretanto, não foi
seguido da atenção necessária que requer a
associação entre o consumo de álcool pela
mãe durante a gestação e distúrbios no
desenvolvimento fetal, devendo-se
intensificar os estudos e pesquisas
relacionados ao mecanismo de ação do etanol,
bem como maior empenho para a
conscientização da população, devido ao
desconhecimento de muitas mulheres e
escassa mobilização acerca dos efeitos
deletérios do consumo de bebidas alcoólicas
durante a gravidez.
O objetivo deste trabalho é demonstrar
como a exposição ao etanol por gestantes
pode afetar o desenvolvimento do sistema
nervoso fetal.
Metodologia
Trata-se de uma Revisão Bibliográfica
atualizada, em que se fez um levantamento
sobre a ingestão de álcool durante a gestação
e sua relevância no desenvolvimento do
sistema nervoso fetal a partir da base de dados
eletrônica Literatura Latino Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),
fazendo uso de 12 artigos.
Foram incluídos artigos disponíveis
integralmente nas suas plataformas; nos
idiomas português e inglês, produzidos entre
os anos de 2005 a 2015 e que envolvessem
como temáticas aspectos embriológicos e
tóxicos do álcool, seu consumo entre
gestantes, bem como as alterações presentes
em nascituros portadores de SAF e TEAF.
Não foi considerada a faixa etária dos sujeitos
das pesquisas como critério de exclusão.
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Foi utilizado como critério de exclusão
artigos que envolvessem outras drogas, além
do álcool, como teratógenas.
Os descritores utilizados foram:
Síndrome Alcoólica Fetal, Síndrome
Alcoólica Fetal e gestação e gestação e álcool.
Tabela 1 – Descritores usados na seleção dos artigos
Descritores Síndro
me
Alcoólica Fetal
Síndro
me
Alcoólic
a Fetal
e
gestação
Gestaç
ão e
álcool
Total
Trabalhos
encontrados
46 21 132 199
Disponíveis
integralme
nte
23 14 79 116
Dentro do período
23 13 83 119
Em
português
ou inglês
33 20 120 173
Estudos
dentro do
tema abordado
37 15 47 99
Estudos
selecionado
s
repetidos
6 6 6 18
Estudos
selecionado
s para pesquisa
4 2 6 12
Resultados
Em sua totalidade, a pesquisa
encontrou 199 artigos, fazendo de uso 12 que
estão de acordo com os critérios de inclusão
descritos pelo presente trabalho. Segundo a
tabela da Metodologia, na qual se mostram os
artigos incluídos, dos 199 artigos encontrados
pela pesquisa, apenas 116 estavam
disponíveis integralmente, 119 foram
publicados dentre os anos de 2005 até 2015,
173 estavam nos idiomas português e inglês e
99 envolviam a temática desta revisão,
embora apenas 12 tenham sido escolhidos,
excluindo os artigos repetidos.
Dos 12 artigos selecionados, todos
abordaram a capacidade do álcool de provocar
alterações no sistema nervoso fetal. Destes, 3
abordaram a embriologia defeituosa do
sistema nervoso causada pelo álcool, 2
trouxeram à tona o consumo de álcool por
gestantes e 7 explanaram sobre características
gerais e específicas sobre indivíduos afetados
pelo consumo de álcool gestacional, sendo 3
destes relatos ou estudos de caso. Ainda,
desses 7 artigos, 1 avaliou o desempenho
intelectual, 1 as habilidades de comunicação,
1 a linguagem e 1 aspectos da fluência oral,
todos estando correlacionados a indivíduos
afetados pelo etilismo gestacional.
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Tabela 2 – Descrição dos artigos analisados pela revisão
Autor Delineamento
Objetivos Resultados Principais conclusões
Andrade,
Micheli &
Fisberg, 2013.
Estudo de caso.
Avaliação de aspectos
da linguagem oral e
escrita de indivíduos portadores de SAF.
Participante que recebeu
intervenção
psicopedagógica
apresentou melhores
resultados que aquele
que não tinha recebido nenhuma intervenção.
Diagnóstico precoce é
fundamental para minimizar as sequelas da SAF.
Aversi-
Ferreira &
Nascimento, 2008.
Revisão. Comparar os efeitos
agudo e crônico do
etanol sobre o
desenvolvimento do
sistema nervoso através
da análise da estrutura
ontogênica neural dos mamíferos.
São necessários mais
estudos sobre os efeitos
agudos do etanol em
dias específicos da gestação.
O consumo agudo de etanol
entre mulheres próxima à
oitava e nona semanas de
gestação têm demonstrado
ser potencialmente perigoso
para o tecido neural do feto.
Aversi-
Ferreira &
Penha-Silva, 2005.
Revisão. Analisar os efeitos do
etanol sobre o
desenvolvimento do sistema nervoso fetal.
A exposição crônica de
ratas grávidas ao etanol
desencadeia ectopia,
heterotopia e
despopulação
neuronial, promovendo a SAF.
A exposição crônica ao
etanol afeta a migração
neuronial, produzino
alterações graves na
estrutura do neocórtex.
Ferreira et al., 2013.
Relato
de série de casos.
Descrever o
desempenho intelectual
em uma amostra de
crianças e adolescentes
que sofreram exposição pré-natal ao álcool.
Dificuldades no
processamento
sequencial e habilidade
matemática,
desempenho cognitivo e
intelectual baixos e
déficit na capacidade de
organização e
desenvolvimento de estratégias.
O prejuízo cognitivo
causado pelo uso do álcool
na gestação pode se
manifestar em crianças em
idade escolar por meio da
dificuldade de aprendizagem
e da dificuldade de estabelecer interações sociais
Ganthous,
Rossi &
Giacheti, 2013.
Estudo
de caso.
Comparar a fluência da
narrativa oral de
crianças com TEAF com
indíviduos com
desenvolvimento típico
da linguagem, pareados
segundo gênero e idade.
Ocorrência de
disfluências durante a
leitura de indivíduos
com TEAF. Também foi
observado repertório
lexical reduzido em
individuos com TEAF e SAF.
A frequência aumentada de
pausas e hesitações dos
indivíduos com TEAF pode
ser decorrente de
dificuldades na elaboração da
narrativa oral de histórias,
justificando a menor taxa de
velocidade de fala
apresentada por esses
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indivíduos.
Ganthous,
Rossi &
Giacheti, 2015.
Revisão. Identificar os
procedimentos e
achados na área da
linguagem para a
condição clínica do
TEAF.
Foram selecionados 21
artigos bastante
heterogêneos em seus
instrumentos de análise,
os quais abordam
especificamente
aspectos da linguagem falada no TAEF.
Diversos fatorem têm
influência no grau de
comprometimento da
linguagem falada de
indivíduos com TEAF:
quantidade de álcool
ingerida, período de gestação
em que ocorreu o consumo e
a susceptibilidade individual do feto ao álcool.
Garcia,
Rossi &
Giacheti,
2007.
Avaliaçã
o
Fonoaud
iológica
Clínica,
comple
mentada
por
aplicaçã
o de ITPA.
Caracterizar o perfil de
habilidades de
comunicação e o
desempenho nos
subtestes do Teste
Illinois de Habilidades
Psicolingüísticas (ITPA)
de dois irmãos com
diagnóstico da Síndrome Alcoólica Fetal.
S1: Não foram obtidos
dados relativos ao
desempenho no ITPA.
S2: Pontuação inferior
no ITPA, principalmente
em questões de
habilidades perceptivas auditivas.
Pode-se especular que
prejuízos mais graves em
habilidades comunicativas de
S1 podem estar relacionados
a níveis mais elevados de
exposição ao álcool durante
etapas críticas do desenvolvimento fetal.
Gonçalves et
al., 2009.
Estudo
de caso-controle
Analisar a composição
metabólica de áreas
encefálicas através da
espectroscopia de
prótons por ressonância
magnética em crianças
com transtornos do
espectro alcoólico fetal e crianças normais.
As crianças acometidas
apresentaram
diminuição da razão
colina/creatina
(p=0,020) no estriado
esquerdo, e aumento da
razão mio-
inositol/creatina
(p=0,048) no cerebelo esquerdo.
Evidências mostram que o
estriado e o cerebelo
esquerdos são acometidos
pela exposição intra-uterina
ao álcool. Estudos adicionais
com amostras maiores são
essenciais para expandir
nosso conhecimento dos
efeitos da exposição fetal ao álcool.
Lamônica et al., 2010.
Relato de caso.
Caracterizar o perfil de
habilidades
comunicativas de cinco irmãos com FASD.
Variabilidade no
desenvolvimento das
habilidades de
desenvolvimento,
principalmente
comunicativas e
comportamentais, dos irmãos em estudo.
Necessidade de acompanhar
crianças com histórico de uso
de álcool pela mãe, dado o
impacto no desenvolvimento
global destes indivíduos.
Mesquita & Segre, 2010.
Estudo
observac
ional
transvers
al
Identificar a presença de
SAF, desordens do
desenvolvimento e/ou
outros defeitos
congênitos em RNs
cujas mães consumiram
Foram encontradas 3
crianças com SAF, 6
com defeitos congênitos
relacionados ao álcool e
67 com desordens de
desenvolvimento
Os RNs de mães
consumidoras de álcool
podem apresentar
malformações congênitas de
diversos órgãos e sistemas.
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analítico. álcool durante a gestação.
relacionadas ao álcool.
Momino,
Sanseverino
& Schüler-
Faccini, 2008.
Revisão. Analisar os distúrbios
comportamentais
relacionados à
exposição pré-natal ao
álcool.
Os jovens com efeitos
do espectro alcoólico
fetal estão sob risco
maior de terem
comportamento social
atípico, entre outros problemas psíquicos.
O pediatra, mesmo que
difícil, deve fazer o
diagnóstico de transtornos
decorrentes do consumo de
álcool para fins de melhores chances de recuperação.
Souza,
Santos &
Oliveira,
2012.
Estudo
transversal.
Verificar em puérperas
internadas em um
hospital brasileiro o
padrão de consumo
alcoólico antes e durante
a gravidez, e fatores de
risco associados a esse uso.
Constatou-se
preocupante consumo
alcoólico durante a
gestação, principalmente
entre as gestantes com
menor escolaridade ou
que não conviviam com companheiro.
Verificou-se número
relativamente alto de
mulheres que consumiram
álcool durante a gestação, e
que fatores como
escolaridade e convívio com
companheiro influenciam nesse consumo.
Discussão
1. Embriologia do Sistema Nervoso
O desenvolvimento do SNC humano e
suas camadas corticais é dependente de
processos migratórios neuronais, os quais, em
sua maioria, ocorrem na fase pré-natal. O
córtex, em especial, é formado por seis
camadas horizontais e laminadas distintas,
divididas, também, em colunas, que precisam
estar em perfeita formação para que haja o
funcionamento ótimo do SNC (AVERSI-
FERREIRA & PENHA-SILVA, 2005).
A regulação dessas migrações neuronais
é promovida por diversos mecanismos e por
populações celulares diferentes. As diferentes
classes de neurônios precursores, os quais
definem as propriedades funcionais da região,
chamados de neuroblastos, migram em
estágios específicos pelo prolongamento dos
seus axônios, por meio da glia radial,
composta por células que não só auxiliam a
migração neuronal, mas também são
responsáveis pelo suporte, nutrição e geração
de novos neurônios (AVERSI-FERREIRA &
PENHA-SILVA, 2005).
Os primeiros neurônios a migrar vão
formar as camadas mais profundas, enquanto
os neurônios que migram tardiamente
formarão as camadas mais superficiais da
organização cortical. Isso promove uma
estruturação cerebral ideal para as funções
cognitivas e motoras normais do SNC
(AVERSI-FERREIRA & NASCIMENTO,
2008). Dessa forma, esse processo de
migração neuronal não pode ser atrapalhado,
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pois problemas na formação das camadas
podem resultar em distúrbios anatômicos e
funcionais.
Os neurônios, ao encontrar seu loco
específico, competem com seus semelhantes
por conexões sinápticas. Esse cenário é
explicado pelo fato de o sistema nervoso em
desenvolvimento produzir muito mais
neurônios do que os sobreviventes no adulto.
Isso promove uma alta densidade de conexões
entre neurônios, bem como uniformiza a
densidade neuronal entre diferentes regiões
cerebrais (AVERSI-FERREIRA & PENHA-
SILVA, 2005).
2. Mecanismo de atuação do álcool
Geralmente, o álcool impede a migração
correta dos neurônios para áreas específicas
do cérebro, pois essa migração é, em parte,
dependente de células da glia radial
(AVERSI-FERREIRA & PENHA-SILVA,
2005).
Em decorrência da ação vasoconstritora
do álcool sobre os vasos umbilicais, essas
células sofrem uma baixa na oxigenação e na
oferta de nutrientes, o que implica
diretamente na alteração de sua função
normal. (ANDRADE, MICHELI &
FISBERG, 2013). Desta maneira, o neurônio
chega a seu destino em um tempo,
geneticamente falando, errado, promovendo
uma alteração na composição estrutural do
córtex (AVERSI-FERREIRA & PENHA-
SILVA, 2005).
Outras regiões cerebrais podem
apresentar alterações na sua estrutura normal,
apresentando ectopia generalizada (neurônio
fora de sua área habitual) e redução do
número de neurônios nos lobos do neocórtex
(AVERSI-FERREIRA & NASCIMENTO,
2008).
Os artigos salientam que os mecanismos
específicos pelos quais o álcool atua sobre o
feto ainda não estão bem elucidados.
3. Desenvolvimento pós-natal
A exposição pré-natal ao álcool, sem
dúvidas, causa deficiências cognitivas que
incluem dificuldades de planejamento,
atenção, organização, aprendizado, memória,
linguagem, diminuição do QI e muitas outras
características similares. (ANDRADE,
MICHELI & FISBERG, 2013; GANTHOUS,
ROSSI & GIACHETI, 2015; GARCIA,
ROSSI & GIACHETI, 2007; LAMÔNICA et
al., 2010).
Os artigos não foram expositivos ou
conclusivos quanto a quantidade, frequência e
dose do consumo de álcool em gestantes,
correlacionando-os com os déficits
psicossociocomportamentais apresentados
pelos nascituros de mães etilistas.
Estudos realizados com dois adultos
jovens que possuem SAF (ANDRADE,
MICHELI & FISBERG, 2013) mostraram
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déficits no desenvolvimento neuropsicomotor
durante a infância e sérios comprometimentos
relacionados à expressão e compreensão da
linguagem.
Foram observadas deficiências na
linguagem, incluindo falhas na categorização
e definição de palavras e em testes que
envolviam memória curta. Também,
percebeu-se que houve alteração no
entendimento oral das tarefas, bem como na
sua realização, indicando falha no sistema de
comunicação dos dois jovens. Ademais,
notou-se uma dificuldade em iniciar e manter
conversas, não fazendo uso de palavras mais
elaboradas e de regras gramaticais. A
estruturação dos seus vocabulários era pobre e
a construção das sentenças era feita durante a
conversação, o que indica um comportamento
infantil típico. A capacidade de aprendizagem
dos dois mostrou-se prejudicada por exibirem
dificuldades em manter o ritmo de seus
colegas de escola. (ANDRADE, MICHELI &
FISBERG, 2013).
Em estudo realizado com cinco irmãos,
sendo dois portadores de SAF e três de TEAF,
todos apresentaram atraso do
desenvolvimento neuropsicomotor (início da
marcha e da fala), bem como tinham
dificuldades de adaptação e acompanhamento
de atividades escolares. De uma maneira
resumida e generalizada, todos os irmãos
demonstraram atrasos referentes às suas
respectivas idades de comportamentos
motores, adaptativos, pessoal-social e de
linguagem. Outras características foram a
baixa independência em atividades diárias e
dificuldade de interação em ambientes sociais
(LAMÔNICA et al., 2010).
Em outro estudo realizado com dois
irmãos possuidores de SAF mostrou que
ambos tinham habilidades comunicativas
prejudicadas, exemplificando-se o uso da
linguagem oral. Ambos apresentaram
dificuldade de compreensão oral (GARCIA,
ROSSI & GIACHETI, 2007).
Um dos irmãos, denominado S1 pelo
estudo, partindo de uma avaliação oral,
apresentou ausência de emissão oral e
prejuízo significativo no reconhecimento e
execução de ordens simples, o que impediu
que fossem realizados testes necessários para
avaliação completa requerida pelo estudo. Já
o outro, S2, apresentou habilidade preservada
de compreensão de ordens simples e prejuízos
em compreender enunciados mais bem
estruturados que necessitavam de
interpretação não-literal das palavras
(GARCIA, ROSSI & GIACHETI, 2007).
Foi evidenciado em S2 dificuldades de
estruturação da narrativa oral, caracterizada
por ser curta e simplista e por falhas na
correlação lexical e no uso de elementos
gramaticais. O indivíduo demonstrou
habilidade para manter o tema abordado,
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embora tenha mostrado resistência a troca de
turnos e introdução de novos temas. Ele
também apresentou capacidade de simbolizar
ações, porém com dificuldades quanto ao uso
da linguagem oral como principal recurso de
comunicação (GARCIA, ROSSI &
GIACHETI, 2007).
Ademais, apresentou dificuldade em
responder tarefas que requeriam
compreensão, planejamento e execução de
uma situação-problema. Este desempenho
revelou baixa capacidade para raciocínio
lógico e matemática (GARCIA, ROSSI &
GIACHETI, 2007).
Nesse mesmo estudo, a variabilidade de
manifestações neurológicas foi relacionada às
habilidades de comunicação dos irmãos. O
caso mais grave do aspecto linguístico-
cognitivo foi de S1, embora S2 possua mais
fortemente as características faciais peculiares
da SAF. Isso indica que os sinais faciais da
SAF não estão completamente relacionados
ao grau de aspectos de comprometimento
neurológicos (GARCIA, ROSSI &
GIACHETI, 2007).
Um relato de série de 10 casos,
envolvendo jovens de 8 a 16 anos, foi feito
para análise do desempenho intelectual de
portadores de SAF. No estudo, foram feitos
diferentes tipos de testes para avaliar a
capacidade cognitiva dos participantes. De
uma forma geral, os indivíduos do relato
apresentaram QI limítrofe, situado entre 70 e
79 (quatro mostraram QI inferior e seis
limítrofe a médio) (FERREIRA et al., 2013).
Ao se avaliar o resultado dos outros
testes, foi demonstrada dificuldade na
memória curta e auditivo-verbal bem como no
processamento sequencial, o que está
altamente relacionado a habilidades
matemáticas. Também, foi indicada que há
resistência dos participantes para fazer
organizações lógicas, análise e síntese de
material não verbal, raciocínio fluido, atenção
para detalhes e integração visuomotora
(FERREIRA et al., 2013).
Por fim, percebeu-se dificuldade em
atividades verbais que avaliam conhecimentos
já adquiridos e dificuldade relativa em
atividades não verbais que necessitam de
capacidade de organização, desenvolvimento
de ideias e velocidade de processamento
psicomotor (FERREIRA et al., 2013).
Conclusões
O uso do álcool por gestantes pode
modificar o desenvolvimento pré-natal de
crianças, ocasionando efeitos do SNC pós-
natais que comprometam irreversivelmente
toda a vida do indivíduo por déficits na
linguagem, memória, aprendizado, atenção,
concentração, comportamento, dentre outros.
Ademais, devem ser intensificados estudos
que delimitem a capacidade das diferentes
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doses de etanol no comprometimento
cognitivo dos nascituros.
Referências
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