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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA À EDUCAÇÃO
BÁSICA NA MODALIDADE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
HÁBITOS DE LEITURA DE MUNDO: UMA INVESTIGAÇÃO COM A TURMA 2007 DO PROEJA-IFRS – CAMPUS BENTO GONÇALVES
Everton Luis Dieter
Orientador: Prof. Dr.Vilmar Alves Pereira
Bento Gonçalves
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA ___________________________________________________________________________ D565h Dieter, Everton Luis
Hábitos de leitura de mundo: uma investigação com a turma 2007 do PROEJA - IFRS – Campus Bento Gonçalves / Everton Luis Dieter ; orientador Vilmar Alves Pereira. – Bento Gonçalves, 2009.
20 f. Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS.
1. Educação. 2. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com
a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 3. PROEJA. 4. Leitura de mundo – Leitura literária – Hábito de leitura – Qualidade de vida. 6. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves. I. Pereira, Vilmar Alves. II. Título
CDU 374.7:028
_____________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável - CRB10/979)
3
Refiro-me a que a leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquela. (FREIRE, Paulo)
HÁBITOS DE LEITURA DE MUNDO: UMA INVESTIGAÇÃO COM A TURMA 2007 DO PROEJA-IFRS – CAMPUS BENTO GONÇALVES
Everton Luis Dieter1 Vilmar Alves Pereira2
Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão sobre a relação da leitura de mundo e a leitura literária da turma PROEJA 2007 do Instituto Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves (IFET-BG). Será apresentado em três etapas, sendo que num primeiro momento estaremos realizando uma revisão bibliográfica; num segundo, foram identificados e analisados hábitos de leitura desses estudantes e a inferência que a volta aos bancos escolares tem na leitura de mundo; num terceiro, foi desenvolvida uma proposta de intervenção onde surgiram algumas sugestões de ampliar os horizontes literários da turma.
Palavras-chave: leitura de mundo, leitura literária, hábito da leitura, qualidade de vida.
Resumen: Este artículo hace una reflexión sobre la relación de la literatura del mundo y la lectura literaria del grupo PROEJA 2007 del Instituto Federal de Educación Tecnológica de Bento Gonçalves (IFET-BG). Será presentado en tres etapas, siendo que en el primer momento realizaremos una revisión bibliográfica; en un segundo momento se presentarán los hábitos de lectura de esos estudiantes, que fueron identificados y analizados, así como la interferencia que el retorno a la escuela tiene en la lectura del mundo; en un tercer momento, será presentado el desarrollo de una propuesta… de intervención donde surgieron algunas sugerencias de ampliar los “horizontes” literarios del grupo. Pallabras-chave: lectura del mundo, lectura literária, hábito de lectura, calidad e vida.
Introdução
Voltar para os bancos escolares é uma forma de redimensionar a vida. Ampliar o campo
de visão para concretizar o sonho de entender melhor o mundo que nos circunda diz muito
para um estudante do PROEJA. Voltar para a escola, sistema que de alguma forma, afastou
esse cidadão no passado, é um desafio enorme para todas as pessoas que o fazem. Superam o
medo da exposição, ultrapassam a barreira da experiência negativa acumulada no passado e
retornam para as salas de aula. Fazem parte de um mundo onde todos buscam um
aperfeiçoamento, são humildes ao dizerem que precisam estudar mais porque a expectativa de
melhorar a qualidade de vida esbarra sempre na escolaridade baixa, na falta de oportunidades
dos que não tem o estudo formal e o diploma escolar. Decidem pagar com seu tempo o que 1 Aluno do curso de Especialização Em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos. 2 Professor orientador, Dr. em Educação e docente de Filosofia e Metodologia da Pesquisa.
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não tiveram oportunidade ou apoio para fazer num tempo passado, que teria sido sem dúvida,
mais hábil e gerador de melhores resultados para os dias atuais, ou seja, aprimorar seus
conhecimentos em salas escolares determina para eles o que fazem e o que ganham para
sobreviver. Teorizar sobre essas vivências de como a leitura de mundo muda a vida dos
estudantes é uma forma de entender melhor esse processo.
Trabalhamos, nesse estudo, com as seguintes hipóteses: acreditamos que a maioria dos
alunos entende que a continuação dos estudos melhorará a sua condição de vida; que a leitura
literária não tem um espaço relevante na vida dos estudantes por causa das atribulações
diárias de trabalho, família, estudos e lazer; que os gostos de leitura são bem diversificados;
que os colegas, professores e familiares são necessários para compartilhar as leituras feitas e
para fomentar as leituras futuras.
A leitura é um hábito e como tal só existe se tem condições de ser desenvolvido e
praticado. A maioria dos estudantes do PROEJA não têm muito tempo para se dedicarem à
leitura, uma vez que trabalham e cuidam de suas vidas. No entanto o fator mais importante
para tal fenômeno, o de não priorizarem a leitura, é a vivência escolar e familiar que eles
tiveram durante sua infância e adolescência. Formar leitores é uma tarefa que começa na
primeira infância e continua por toda a vida com um permanente contato com o mundo
literário, com incessante estímulo, e necessariamente com a vivência desse hábito, que por sua
vez requer um círculo social que tem as leituras como assunto rotineiro.
A leitura de mundo, que precede todas as outras formas de leitura, está presente na
vida desses estudantes; uma vez que todos sabem que uma qualificação profissional melhora
os ganhos salariais, as relações interpessoais e o grupo social. Muitos estão indignados com a
violência porque ela gera sérios problemas sociais. Todos se preocupam em manter suas
fontes de renda num tempo de crise. Respeitam e aprendem com a diversidade da sala de aula.
Têm uma idéia de família, de transcendência, de amizade, de alteridade entre outros fatores
fundamentais para a sobrevivência da sociedade na qual estão inseridos. A leitura de mundo,
isto é, da sua realidade, ajuda-os a superar os imensos desafios que se lhes apresentam em
todos os âmbitos de seu dia-a-dia.
Para entendermos melhor como acontece esse fenômeno faremos três análises: a
primeira abordagem tem um enfoque teórico em que são consultados vários autores que
fundamentam o tema proposto, como Paulo Freire, Demo, Perrenoud, entre outros. Num
segundo momento, utilizaremos a metodologia fenomenológica, através da aplicação de
questionários aos alunos, com perguntas sobre preferências e hábitos de leitura, a fim de
obtermos um melhor entendimento sobre o tema, bem como sobre os sujeitos envolvidos na
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pesquisa. Para concluir apresentaremos possibilidades de intervenções pedagógicas que
podem auxiliar no fomento às leituras, respeitando o modo de vida e as condições gerais que
norteiam esse processo de formação de leitores cada vez mais assíduos e pontuais.
Tentaremos apontar possíveis estratégias que possam levar os estudantes a ler com mais
profundidade a sua própria realidade.
1 PERCEPÇÃO SOBRE LEITURA LITERÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA LEITURA
DE MUNDO
1.1 CONTEXTUALIZANDO A LEITURA
Na medida, porém, em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que melhor
o percebia e o entendia na ‘leitura’ que dele ia fazendo, os meus temores iam
diminuindo.” (FREIRE, 2006, p.15).
Atualmente o educando participa de práticas de ensino voltado a sua realidade. Nessa
modalidade são mostrados os fatos a partir de um contexto mais aproximado da vida do aluno
e também se apresenta seus possíveis agravos ou melhorias. A decorrência disso a partir de
uma perspectiva freireana é a primeira leitura de mundo, possibilitando a construção de uma
visão mais crítica e consciente dos acontecimentos.
Demo revê a questão do livro didático e argumenta que esse deve ser apenas um
instrumento de pesquisa e que o estudante deve esquadrinhá-lo para usar suas informações e
colocá-las em seus escritos. Dessa forma cada sujeito do processo torna-se, obrigatoriamente
um autor de seu aprendizado que é construído a partir de sua vivência. Todos os âmbitos
desse movimento devem ser considerados de extrema relevância: sua visão de mundo, sua
relação com as informações e suas leituras e releituras. Os livros não têm função menor nesse
processo, porém, o sujeito da aprendizagem deve interagir e tê-los como fonte de informação
para, a partir deles, também, elaborar sua visão ampliada de mundo. “A escola não pode girar
em torno do livro didático, mas tê-los na abundância e variedade necessárias para que sejam
estudados, esquadrinhados, desconstruídos, dentro da idéia de que lemos um autor para nos
tornarmos autores.” (p.74) Temos a mesma visão de todas as leituras do estudante, uma vez
que, de nada adiantaria frequentar uma escola se não fosse para ampliar horizontes e tomar as
rédeas de nosso entendimento.
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O aluno não vem para a escola escutar aula. Vem para reconstruir
conhecimento e arquitetar sua cidadania integral (corporal, emocional e espiritual).
Sala de aula é, antes de tudo, ambiente de estudo e pesquisa, pela razão simples de que
pesquisa é o ambiente de aprendizagem (Demo, 1996a).
Para Morin o educando deve assumir sua própria educação, o que implica ser o
maestro dessa ópera. Buscar o que se quer saber é primordial para que saibamos aonde aplicar
esse conhecimento, e no que possivelmente ele implicará em nossa vida. Temos que ter a
certeza que aprendemos algo relevante, ou jamais fará sentido nos dedicarmos a essa árdua
tarefa.
A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir
a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar um cidadão. Um cidadão
é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a
sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional. (p.65)
Encontrar e assumir nossa identidade como cidadão de uma nação, de um estado, de
uma região, de uma cidade e de uma família, de um grupo determina muita pesquisa.
Observar o mundo e fazer uma leitura detalhada dele é um modo para consolidarmos nossa
identidade. Os estudantes do PROEJA podem ser levados a admirar sua história de vida,
desde que ela seja aproveitada com fonte de estudos da cidadania.
Alves traz a idéia do sonho para dentro da área educacional. Para ele tudo o que existe,
existiu antes dentro do sonho. A leitura mexe com nossos sonhos. Podemos experimentar nos
livros o que há de mais diverso, ou seja, não há limites nos livros, podemos ser o herói ou o
bandido, experimentar sem comprometer ninguém e sonhar para correr atrás e realizar. Há
também os níveis de leitura e aprofundamento de idéias. O autor destaca: “O leitor dominou a
técnica da leitura quando não precisa pensar em letras e palavras: só pensa nos mundos que
saem delas; quando o ler é o mesmo que viajar.” (p. 64) As grandes tragédias não precisam
ser vividas, podem ser repugnadas pela humanidade se forem experimentadas nos livros e
fizerem parte do imaginário coletivo. Grandes modelos de homem e sociedade vêm sempre
antes de concretos, em forma de verbo, ou seja, palavras. Saber ler é um legado que a escola
deve priorizar, a fim de garantir ao estudante a possibilidade de projetar sua vida, para que ele
tenha as rédeas do destino em suas mãos para traçar suas metas.
Aristóteles indica uma trajetória coerente para toda pesquisa e relacionamento: “Toda
arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer; e por
isso foi dito, não sem razão, que o bem é aquilo a que as coisas tendem.” [Livro 1; Cap. 1;
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1094a] A escola deve ser para o bem e por isso o processo tem que ser bom. O bem se funde
com o ser em termos de qualidade, de quantidade, de relação, de tempo e de espaço; ou seja,
se a escola é um espaço do bem o sujeito que está vinculado a ela será bom. A busca, com
ética, pelo melhor para cada um deve fazer parte de todo fazer político e pedagógico da
comunidade escolar. Dessa forma o estudante terá a capacidade de planejar o bem,
arquitetando um mundo melhor para e para a sociedade em que está inserido.
Freire, no livro “A importância do ato de ler” dá seu testemunho sobre o seu mundo da
leitura. “a leitura do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino
antecipado em homem, um racionalista de calças curtas.”(pg. 15) O autor relata que foi
alfabetizado no chão do seu quintal; tendo como quadro, o chão e como giz, gravetos.
Expressa sua avaliação de como um educador deve agir pedagógica e politicamente para ser
coerente com a proposta emancipadora das classes populares:
Quem apenas fala e jamais ouve; quem “imobiliza” o conhecimento e o transfere a
estudantes, não importa se de escolas primárias ou universitárias; quem ouve o eco
apenas de suas próprias palavras, numa espécie de narcisismo oral; quem considera
petulância da classe trabalhadora reivindicar seus direitos; quem pensa, por outro lado,
que a classe trabalhadora é demasiado inculta e incapaz, necessitando, por isso, de ser
libertada de cima para baixo, não tem realmente nada que ver com libertação nem com
democracia. Pelo contrário, quem assim atua e assim pensa, consciente ou
inconscientemente, ajuda a preservação das estruturas autoritárias. (pp. 26 e 27)
Na sequencia do livro afirma: “O Brasil foi ‘inventado’ de cima para baixo, autoritariamente.
Precisamos reinventá-lo em outros termos.”(pg. 35) Na lida diária com a educação devemos
deixar de lado a nossa presunção de nos considerar mais preparados, e assim salvar a pessoa
que está na mesma sala de aula que nós. Temos que ter a certeza que não só ensinamos, mas
também aprendemos quando exercemos nossa profissão de educadores. A sala de aula é um
espaço para descobertas em que o grupo todo é protagonista, e o professor deve fazer parte
desse grupo. Reinventar o Brasil, na área educacional, é deixar de levar para dentro da sala de
aula as noções elitistas que se consideram donas dos modelos melhores e enquadram tudo
dentro de seu molde. Temos que estudar a cultura e a realidade das pessoas que compõem a
turma, não impor a cultura e a nossa visão mundo. Partir do Brasil real, que excluiu esses
jovens e adultos nalgum momento de sua história de vida, que negou as condições que tão
bem garantiu e garante a elite. Não para transformá-los em algo nosso, mas para que ao
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desenvolverem consciência histórica tenham a capacidade de decidirem como agir, deixando
de serem simplesmente marionetes da sociedade em que vivem.
Freire ressalta essa importância de partir da realidade do estudante, de respeitar sua
bagagem anteriormente acumulada e ampliar a leitura de seu mundo, no livro “Educação e
atualidade brasileira” lemos:
É nesse sentido que podemos afirmar que o homem não vive autenticamente enquanto
não se acha integrado com a sua realidade. Criticamente integrado com ela. E que vive
vida inautêntica enquanto se sente estrangeiro na sua realidade. Dolorosamente
desintegrado dela. Alienado de sua cultura. (p.11)
Já na obra, Pedagogia da autonomia, enfatiza a ética profissional que devemos ter para
entender e, por conseguinte valorizar a cultura das classes populares. Os frutos de seu trabalho
pedagógico são o reflexo de seus testemunhos, a exemplo do nosso Presidente da República,
que era metalúrgico, aprendeu a valorizar suas idéias chegou ao governo; os movimentos
populares que lutam por justiça social emergiram da Proposta Político-pedagógica Freireana.
Veja: “Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e que
jamais deixou de provar que o ser humano é maior que os mecanismos que o minimizam.” (p.
115) A leitura de mundo deve adentrar a escola, fazer parte dela como instrumento de
trabalho do professor através do Projeto Político Pedagógico. O autor é enfático nessa
questão:
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a
disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a
constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida?
Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais
aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?
A poesia de João Cabral de Melo Neto, além da denúncia da miséria em “Morte e vida
severina”, traz poemas como “A lição de pintura”: “Quadro nenhum está acabado, disse certo
pintor; se pode sem fim continuá-lo, primeiro, ao além do outro quadro que, feito a partir de
tal forma, tem na tela, oculta, uma porta que dá a um corredor que leva a outra e a muitas
outras.”(p.29); que podem ser relacionados com o tema da leitura, pois sabemos que como a
pintura desse pintor, a leitura nunca está acabada, ao contrário; uma leva à outra e muitas
outras. A realidade do estudante é “o quadro” em que está inserido, e quando ele conhece esse
quadro é que poderá repintá-lo, submetê-lo à sua vontade, interferir em seus traços, tomar em
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suas mãos a sua vida e conduzi-la de acordo com sua vontade. O educador, por sua vez, deve
querer ver esse quadro para somente depois opinar sobre possíveis intervenções e soluções.
Todos são desafiados a mergulhar na leitura de mundo e depois buscar apoio na leitura
literária para que possam realizar intervenções coerentes com os seus anseios e necessidades.
Vilmar Alves Pereira faz justamente a leitura de mundo partindo de um dos grandes
pensadores da história. Repare nesse título: “3.4. A possibilidade de resgatar o pensamento de
Rousseau a partir de uma leitura atual” (p.101) As relações precisam ser estabelecidas e a
obra traz esse aspecto, os estudantes podem ser instigados a inter-relacionar suas leituras e um
dos desafios do PROEJA é propiciar uma educação integrada.
Os organizadores do livro: “Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA:
Produções da Especialização PROEJA/RS”, promoveram os trabalhos mais bem elaborados
da turma anterior para publicar nessa coletânea. Ela serve de base para quem quiser continuar
as reflexões sobre o PROEJA, mais especificamente no CEFET-BG. No estudo intitulado: “A
construção e reconstrução dos saberes da educação de jovens e adultos”, de Celso Panno, fica
clara a necessidade do estudo para melhorar a relação com mundo em que vivemos: “... o
retorno à escola tem resolvido alguns problemas no convívio familiar... os pais precisam
constantemente se atualizar, precisam ter condições de apoiar os filhos no percurso escolar,
cuidar de sua saúde e o seu próprio cotidiano.”(p. 277)
1.2 DEFININDO LEITURA
A leitura é a finalidade de toda a produção textual. A leitura é a decodificação de uma
palavra e ou de uma situação, mas não tão somente isso, ela requer uma interpretação e essa
interpretação é pessoal e interfere no mundo de cada indivíduo. A visão de mundo que temos
é o resultado de nossa capacidade de leitura. Nossas ações estão intrinsecamente ligadas à
leitura que fazemos de tudo que nos circunda, isto é, de nosso mundo.
Encontramos diversas definições para ‘leitura’. Colocamos algumas aqui para
demonstrar que ela é tão necessária quão fascinante. Segundo o sítio Wikipédia:
A leitura, que é um testemunho oral da palavra escrita de diversos idiomas,
com a invenção da imprensa, tornou-se uma atividade extremamente importante
para o homem civilizado, atendendo múltiplas finalidades.
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Podemos vincular o conceito de leitura ao processo de literacia, numa
concepção mais ampla do processo de aquisição das capacidades de leitura e escrita
e principalmente da prática social destas capacidades. Deste modo, a leitura nos
insere em um mundo mais vasto, de conhecimentos e significados, nos habilitando
inclusive a decifrá-lo; daí a noção tão difundida de leitura de mundo.
A escrita deve ter um sentido para quem lê, pois saber ler não pode ser
representar apenas a decodificação de signos, de símbolos. Ler é muito mais que
isso; é um movimento de interação das pessoas com o mundo e delas entre si e isso
se adquire quando passa a exercer a função social da língua, quando sai do
simplismo da decodificação para a leitura e reelaboração dos textos que podem ser
de diversas formas apresentáveis e que possibilitam uma percepção do mundo.
A leitura surgiu com os primeiros desenhos rupestres, que datam de aproximadamente
quatorze mil anos. Desde então o homem achou um jeito de transmitir mensagens para seu
semelhante sem estar presente. No dicionário Aurélio lemos:
leitura: sf. 1. Ato, arte ou hábito de ler. 2. Aquilo que se lê. 3. Tec. Operação de
percorrer, em um meio físico, sequências de marcas codificadas que representam
informações registradas, e reconvertê-las à forma anterior (como imagens, sons, dados
para processamento).
Com o passar dos milênios a técnica foi aperfeiçoada e acredita-se que a dez mil anos
foi criado o primeiro código de símbolos que podiam ser combinados de diversas maneiras e
dessa forma nossos antepassados desenvolveram a habilidade de interpretar mensagens. Como
as línguas são vivas e nunca param de se desenvolver, os mecanismos que usamos para nos
comunicar jamais deixam de evoluir. Cegalla descreve-a desse jeito:
leitura sf 1 arte de ler: a leitura permite uma viagem no tempo e no espaço. 2 aquilo
que se lê: Machado de Assis é uma leitura indispensável para os vestibulandos. 3
hábito de ler: A leitura de jornais contribui para a formação do senso crítico do
adolescente. 4 modo de compreender; interpretação: Este poema oferece variadas
alternativas de leitura. 5 a soma de textos lidos por um indivíduo: Falta leitura ao
rapaz.
Se hoje usamos a internet e nos comunicamos em tempo real com qualquer pessoa
conectada à rede, em qualquer lugar do planeta, devemos isso ao tempo que surgiu a grafia
em pedras, peles de animais, em papiro... A imprensa tirou grande poder dos monges copistas
da Idade Média, mesmo que Johannes Gutenberg tenha começado a imprimir a Bíblia por
11
volta do ano 1450 d.C. Falar em leitura nos obriga a lembrar desse tempo e do poder da Igreja
Católica Apostólica Romana que controlava o mundo intelectual, decidia o que poderia ser
lido e quem poderia ler. Controlava todas as públicações ocidentais e mesmo que tentou de
todas as formas deter os avanços científicos, não conseguiu anular a curiosidade humana. A
leitura e o espírito do conhecimento venceram essa fase difícil para a profusão das idéias e
descobertas.
1.3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Falar de leitura requer que falemos de escola. Institucionalisar o estudo no Ocidente, e
por conseguinte a leitura, começou seguramente no século XVI, e as primeiras aulas foram
ministradas por religiosos Jesuítas para os abastados da época. Nessa época somente os
aspirantes à vida religiosa e alguns nobres tinham acesso à escola. O conhecimento era visto
como algo perigoso e justamente por isso era controlado rigidamente pela Igreja.
A maioria dos estudos eram voltados para a Bíblia. Esse livro fantástico que hoje
lidera o rankign dos mais vendidos e mais lidos no mundo, já foi restrito aos religiosos
católicos. Lutero foi expulso da Igreja Católica e uma das suas teses era o acesso de todos à
escritura Sagrada. Acreditamos que esse rompimento colaborou para a difusão da leitura, pois
já que os luteranos podiam ler a Bíblia tinham que saber ler. Logo surgiram escolas nas quais
os meninos eram alfabetizados.
Passam séculos e a universalização da escola finalmente hoje é defendida no Brasil.
Hoje o acesso e permanência na escola estão assegurados a quase todos os brasileiros menores
de 16 anos. Embora nem a metade de nossas crianças e adolescentes terminem o ensino
fundamental, todos entram na escola. Já aprender a ler é bem mais complicado segundo dados
do IBGE:
Em 2007, 2,1 milhões das crianças de 7 a 14 anos de idade freqüentavam escola e não
sabiam ler e escrever.
Embora entre as crianças e adolescentes de 7 a 14 anos de idade, faixa etária
correspondente ao ensino fundamental, o ensino esteja praticamente universalizado
(97,6%), os resultados da pesquisa mostram que este alto índice de freqüência à escola
nem sempre se traduz em qualidade do aprendizado. Entre as 28,3 milhões de crianças
de 7 a 14 anos, que pela idade já teriam passado pelo processo de alfabetização, foram
encontradas 2,4 milhões (8,4%) que não sabem ler e escrever. Isto não significa que
estas crianças não estejam na escola: 2,1 milhões delas, ou seja, 87,2%, das que não
12
sabiam ler e escrever, frequentavam estabelecimento de ensino. Deste grupo de 2,1
milhões, 1,2 milhão vivia no Nordeste do país.
Outros dados devem preocupar-nos em relação à leitura, temos no censo de 2007:
Entre as crianças de 10 anos, idade adequada à 4a série, que não sabiam ler e escrever,
85,6% destas crianças estavam na escola. Aos 14 anos, idade em que se deveria
concluir o ensino fundamental, o percentual de crianças que ainda não sabe ler e
escrever é menor (1,7%), o que representa 58,1 mil pessoas. Porém, quase metade
destas (45,8%) estava na escola. Chama atenção o número de crianças de 14 anos fora
da escola, cerca de 204,8 mil.
A defasagem ano/série gera outros problemas na educação, muitos desistem do ensino
regular para entrar em supletivos. As escolas com cursos supletivos têm carga horária
reduzida para cada etapa. Os estudantes ganham tempo e perdem aprendizagens importantes
para sua formação.
Quando os estudantes voltam e decidem continuar seus estudos em salas regulares, o
insucesso é muito grande. As tribulações rotineiras da vida adulta exigem tempo e dedicação
quase exclusiva, e aí aparecem as dificuldades em conciliar educação com trabalho, família,
filhos, casa, amigos... Muitos desistem da educação porque entre as necessidades básicas a
educação deixa de ser a primordial para o nosso povo. Quando o emprego está condicionado a
frequência escolar, tudo muda de figura, e os estudantes tendem a encarar os estudos com
mais seriedade. Muitas empresas devem oportunizar a conclusão dos estudos dos seus
colaboradores por causa dos programas de qualidade e por isso auxiliam seus funcionários
para que possam terminar o ensino fundamental e médio. Há empresas que ajudam no custeio
de cursos superiores, não tanto pelos programas de qualidade, mas pelo incentivo fiscal.
Notamos que a leitura de mundo feita pelos empresários mostra que uma pessoa que
estuda numa escola tem mais a dar quando se depara com obstáculos no seu local de trabalho.
O relacionamento entre as pessoas com maior escolaridade também tende a ser melhor, assim
evita-se desentendimentos e outros conflitos que atrapalham a produção. Temos também
várias firmas que empregam somente profissionais especializados, ou seja, além de terem a
escolaridade ainda têm cursos específicos para realizarem os trabalhos daquela empresa.
Os ganhos salariais geralmente variam conforme o tempo de estudos que o trabalhador
tem. Quando menos estudou menor o salário médio, e quanto maior foi o tempo na escola,
maior é o salário. O fator salário influencia a volta aos bancos escolares, se por um lado têm
pessoas que estudam para manterem seus respectivos postos de trabalho, ou para ampliar sua
13
visão de mundo; há estudantes que querem melhorar financeiramente e optam fazer isso
através da educação.
1.4 PROEJA/ CEFET BG
Com base nas mudanças do contexto nacional e internacional das dimensões em
relação à educação, abordaremos uma delas, o PROEJA, que prevê qualificação profissional e
elevação de escolaridade para boa parte dos trabalhadores maiores de 18 anos, que não
conseguiram terminar o ensino médio regular na sequência de seus estudos, logo após
terminarem o ensino fundamental.
A EJA (Educação de Jovens e Adultos) foi implantada no CEFET- BG em 2006,
integrando o Ensino Médio na modalidade profissionalizante na área de Comércio e Serviços.
Na turma de 2006, foram matriculados 35 alunos entre 19 e 46 anos; a segunda turma,
em 2007, era constituída por 38 alunos numa faixa etária entre 20 e 58 anos, e a terceira
turma, em 2008, conta com 25 alunos entre 18 e 58 anos.
A concepção metodológica do PROEJA/CEFET- BG é crítico-reflexiva, concepção
Freireana voltada à educação popular, com uma proposta de avaliação formativa e
emancipatória. Tem como objetivo oportunizar aos jovens e adultos a conclusão do Ensino
Médio, assim como articular as experiências da vida com os saberes escolares; preparar
cidadãos para a vida com perspectiva de educação continuada, visando à inclusão social.
O PROEJA deve ser um espaço de valorização das individualidades e uma
oportunidade para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, onde aconteça, conforme
Freire (1996, p.59), “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético
e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.” Para ele, somente a educação
básica de qualidade pode promover justiça social. No CEFET-BG, o PROEJA está organizado
em: fase 1) Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores, com 1200 horas de formação
geral de nível médio, integrada a uma formação profissional de 200 horas, voltada para o
mundo do trabalho; fase 2) Composta por módulos direcionados para a formação técnico-
profissional, com uma carga horária de 600 horas, englobando o curso de educação
profissional técnica de nível médio, em conformidade com o que estabelecem dos Decretos
5.154/04 e 5.478/05.
A volta aos bancos escolares revela que os educandos do PROEJA necessitam
aumentar sua escolaridade. A leitura que fazem de sua realidade faz com que retornem aos
14
estudos. Saber como esse processo de percepção dos estudantes sobre a sua leitura literária e a
construção de sua leitura de mundo ocorre é o que veremos na sequência desse trabalho.
2 PESQUISA DE CAMPO: A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES DO PROEJA DO
IFET - BG SOBRE A SUA LEITURA LITERÁRIA E A AMPLIAÇ AÕ DE SUA
LEITURA DE MUNDO
Nesta análise estaremos apresentando os resultados da pesquisa de campo, realizada na
Turma 2007 do PROEJA do IFET-BG. A aplicação desse questionário tem como objetivo
uma maior compreensão das leituras que os estudantes fazem, seja no âmbito da leitura de
mundo, seja na leitura literária que é sempre interesse da escola. O questionário trouxe dez
questões qualitativas, pelas quais os vinte e três entrevistados puderam participar sua relação
com a leitura. Em outras oportunidades conversamos com os estudantes sobre suas práticas de
leitura. Para fins de registro dessa pesquisa utilizaremos nomes fictícios para os entrevistados,
acreditamos que é uma forma de proteção física e moral dos estudantes que tão gentilmente
participaram desse projeto.
Num segundo momento, através de explanação, buscamos ver a percepção dos
estudantes sobre a leitura literária e sobre a construção da leitura de mundo de cada um. No
momento da entrevista não pedimos para colocar o nome no questionário, mesmo assim
alguns entrevistados assinaram a entrevista. Para a finalidade desta pesquisa, utilizaremos
nomes fictícios, visando à proteção física e moral dos entrevistados.
2.1 QUESTIONÁRIO APLICADO AOS EDUCANDOS
1) Qual a sua relação com a Literatura?
a) Você está lendo um livro? Qual? Alguém pediu para você ler esse livro?
b) Você compra livros? Não( ) Sim( ) Qual tipo?
c) Com que frequência você vai à biblioteca?
d) O que você lê? Com que frequência?
e) O que você de sua atual e ou de sua última leitura?
f) Você relaciona o que lê nos livros com o seu dia-a-dia? Exemplifique.
g) Que leitura você indicaria a seu amigo?
h) Você busca soluções para sua vida em livros? Explique.
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i) Na cabeceira de sua cama tem livros? Sim( ) Não( )
j) Você acredita que já leu o suficiente? Por quê?
k) Como você vê sua história de vida antes do PROEJA, e agora durante o curso?
l) Há leituras que lhe inquietam, que desestabilizem você?
2.2 ANALISANDO A RESPOSTA DOS EDUCANDOS
A maioria dos estudantes está lendo um livro, mas somente dois estão lendo por
indicação de outrem. Dos onze entrevistados que não estão lendo um livro no momento dois
têm um em mente por indicação de colegas, como podemos ver nessa declaração: “Não estou
lendo um livro no momento, mas quero ler O Caçador de Sonhos porque os colegas falam
muito desse livro.” Dos treze que estão lendo; um está lendo um documentário, outro um
Best-seller, seis estão lendo romances, um a Bíblia e quatro estão lendo livros espíritas e de
auto-ajuda.
Dez entrevistados compram livros, sendo que dois compradores não estão lendo
nenhum livro no momento. O consumo é bem diversificado a parecem todos os gêneros que
os estudantes costumam ler.
Um dado preocupante é que nove entrevistados nunca vão à biblioteca. As
justificativas mais comuns são a falta de tempo; “Nunca vou, o tempo não me permite.” Dois
chegam mais cedo e lêem o jornal ou revistas diariamente. Dois usam semestralmente a
biblioteca para fazer algum trabalho, os outros vão semanalmente ou mensalmente para retirar
livros.
Quando perguntamos “O que você lê? Com que frequência?” Dezenove afirmam ler
jornal. Revistas, livros, contos, polígrafos, receitas, e os outros gêneros já citados apareceram.
Jéssica escreveu: “Revistas, jornais, mas os livros são os meus prediletos, leio muito, tenho
sempre um livro na cabeceira da cama.” Roque é enfático: “Tudo que aparece, sempre que
tenho um tempinho estou lendo.”
Somente dois não lembram nada da última leitura. Todos os outros vinte e um
contaram em poucas palavras o enredo do que leram. José relata: “da história de Samuel
Klaen em sua juventude na Alemanha e sua família no campo de extermínio.” Bruna traz uma
frase da Bíblia: “Se Deus é por você, quem será contra você?” Joviana comenta: “Lembro da
crueldade do acidente que matou os três irmãos, onde o criminoso fugiu sem prestar socorro,
deixando toda sociedade e familiares em choque.” João lembra da notícia do dia: “A
escalação do Inter contra o Guarani de Campinas.” Fátima escreve: “da atual, fala muito sobre
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o aborto, a ganância, e outros assuntos interessantes, o último que eu li, foi excelente, ‘A
Cabana’ ele fala de sentimentos, de Deus de uma maneira encantadora.”
Sobre a relação entre as leituras e o dia-a-dia, dois alunos não fazem relação alguma
entre as leituras e a sua vida. Romana relata: “Sim. Muitas vezes o que estou lendo pode ser
considerado, em partes, ao que acontece no meu dia-a-dia.” Já Cibele menciona: “Sim.
Quando leio o horóscopo me identifico muito. Na maioria refere-se a minha pessoa ou estado
em que me encontro no dia.” Romeu argumenta: “Têm coisas parecidas que acabam, de certa
forma, acontecendo conosco.” João: “Sim. Vou assistir ao jogo hoje.” Karen escreve: Sim.
Tudo tem a ver com nosso dia-a-dia, exemplo Política.” Jéssica: “Sim. Os livros espíritas
trazem palavras e ensinamentos que relaciono com o meu dia-a-dia, não soa praticante, mas
adoro essas leituras.”
Todos têm livros para indicar a um amigo. Acompanhe algumas argumentações: “Eu
indico Violetas na janela, o Pequeno Príncipe e Diário de Nina”; “Diria para ler O Código da
Vinci, Meu pé de laranja lima e Em busca da felicidade”; “Eu indicaria a todos lerem a Bíblia
e o livro Eu e minha boca grande.” Doze entrevistados indicaram a Bíblia e outros livros
relacionados ao transcendente.
Dezesseis entrevistados procuram soluções para sua vida em livros. Três buscam
informações e usam essas informações para melhorarem suas vidas, mas pensam antes sobre o
assunto, isso é processam a informação. Um não respondeu e outros três não buscam em
livros soluções em suas leituras. Vamos a alguns relatos dos que buscam soluções nos livros:
“Sim. Busco conhecimentos que possam me ajudar na vida profissional, afetiva, etc...”;
“Gosto de ler livros de auto-ajuda para clarear as idéias.”; “Sim, na própria Bíblia abro Ela e
Ela me conduz e diz o que devo fazer.”; “Quem mexeu no meu queijo qualificou minha
vida.”; “Sim. Eu busco a solução dos meus problemas do dia-a-dia na Bíblia porque ela é a
palavra viva e eficaz, o que você necessitar você encontra na Bíblia.”; “Sim; porque quando
você está sem solução, você lê um livro e fica inspirada para buscar algo que realmente vale a
pena.”; “Sim, pois todo ser humano que busca aperfeiçoamento precisa ler, e acima de tudo
ter amor à leitura.” Dos que não buscam diretamente: “Diretamente em livros não, mas vindas
de colegas que certamente leram e me ajudam com palavras e vivências dos livros.”;
“Soluções? Não. Informações? Sim.”; “Eu não diria soluções, mas esclarecimentos e
compreensão para certos acontecimentos.” Dos que não buscam somente dois comentaram:
“Não. Porque a vida de hoje ta muito corrida.”; “Não. Porque as soluções têm que ser
resolvidas sem ter que depender de alguma coisa.”
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Quatorze educandos dizem ter livros na cabeceira de sua cama, enquanto nove não têm
o hábito de ler ao deitar na cama.
Quando questionamos se acreditavam já ter lido o suficiente, houve unanimidade de
que nunca é o suficiente. Descrevemos algumas citações: “Não. Pois tenho muito que
aprender aperfeiçoar-me através dos livros.”; “Não. Nunca é demais, quanto mais lemos mais
aprendemos.”; “Não porque nunca faço uma leitura.”; “Não. Quanto mais nós lemos, mais
informados estamos, e temos mais conhecimento.”; “Não porque nunca é suficiente, com a
velocidade que as informações andam, no mundo globalizado e com a tecnologia em
renovação a cada instante, temos e necessitamos da leitura, qualquer que seja.”; “Não, eu
acredito que preciso ler muito para aprimorar os meus pensamentos e aprender mais,
principalmente na escola, mal comecei a aprender.”; “Não. Porque a leitura me fascina, não
consigo ficar sem um livro para ler. A cada livro que leio, aprendo mais, conheço novas
palavras e as utilizo em meu dia-a-dia.”; “Não. Sempre procuro comprar novos livros, pois é
neles que muitas vezes neles eu procuro meu desabafo ou algo que preencha o espaço vazio
que existe dentro de mim.”; “Não, porque ainda tenho muito que aprender, também porque
tudo evolui e as coisas se renovam.”; “Não, porque quando eu estou junto com outras pessoas
sinto muito a falta de ter mais assuntos para conversar com essas pessoas, e acabo me
isolando demais.”
Quando perguntamos sobre a sua história de vida antes do PROEJA, e agora durante o
curso queríamos averiguar a leitura de mundo em relação à escola. Todos os depoimentos
colhidos são bem emocionantes e há um sentimento comum de amor aos estudos.
Descrevemos alguns depoimentos que sintetizam o sentimento da turma em relação aos
estudos: “Vejo que só cresci vindo para o PROJA, onde oportunidades apareceram e consegui
mudar de emprego e por obter novos conhecimentos.”; “Antes do PROEJA eu era quieta e
tinha poucos amigos, agora eu tenho mais amigos e melhorei um monte.”; “Era boa, mas
agora melhorou um pouco.”; “Sou mais capacitada em tudo que faço...”; “Antes minha mente
era um pouco bitolada. Abriu e vejo novos horizontes, novas amizades, sei que estou sendo
preparada para uma nova jornada em minha vida.”; “Antes eu era mais parada. Agora sou
mais confiante em mim,...”; “Antes de voltar as aulas minha vida era monótona. Mas agora
vejo a vida com outros olhos, com entusiasmo, com vontade de aprender.”
Apenas quatro estudantes não se inquietam com leituras. Os outros dezenove se
preocupam e se inquietam com a violência, com a corrupção na política e na polícia, as
injustiças sociais, falta de segurança pública, o sistema de saúde, a educação básica.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura exige uma decodificação e uma interpretação. Analisamos a percepção
literária dos estudantes do PROEJA e encontramos uma gama de textos bem diversificados.
No entanto a maioria das leituras desses estudantes são romances clássicos da literatura; o
tema “transcendente” também ocupa um bom número de leitores; com livros como a Bíblia,
espíritas (psicografados) e de auto-ajuda. Aparece um leitor de Best-sellers e outro de
documentários e biografias.
A evolução literária de cada indivíduo depende muito do meio em que convive. A
influência dos amigos, colegas, familiares, professores determina nossos gostos e o nosso
consumo literário. Quando somos crianças lemos os clássicos e literatura específica dessa
idade, mas com o passar dos anos e com o amadurecimento começamos a buscar leituras com
temas mais sólidos e enredos mais complexos. Essa busca não depende somente de
inquietações pessoais, e sim do que somos instigados a ler. Os professores influenciam
diretamente nessas escolhas. Quando a literatura começa a ser assunto nas rodas de conversa
dos intervalos, o consumo literário aumenta e se dá o amadurecimento literário dos
estudantes.
Como professores, devemos incentivar todos os movimentos de leitura dos estudantes,
mas não podemos deixar de difundir as leituras que são consideradas clássicas, e que abordam
assuntos universais à condição humana. Todos os ávidos leitores têm exemplos de pessoas
que os inspiraram a ler mais e melhor.
Uma pessoa que lê durante toda a vida somente livros de auto-ajuda tem uma visão
literária pouco aprofundada, e isso interfere na sua leitura de mundo. As grandes questões de
ética, civismo, psicologia, lutas de classe, medos, vitórias e conquistas humanas não estão
descritas nesse tipo de literatura. Não conseguiremos ler todos os livros que deveríamos ler,
no entanto nunca teremos uma plena visão de Brasil do século XIX, se não lermos Machado.
Como podemos nos dizer letrados sem termos lido o escritor brasileiro mais estudado no
exterior em mestrados e doutorados em literatura. No ensino médio muitos colegas são
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forçados a abordarem os títulos e autores que as universidades usam para elaborar as provas
de vestibular. No PROEJA, o vestibular é assunto mais afastado do que no ensino médio
regular. As pessoas não estudam com a finalidade exclusiva de prestar vestibular e entrar
numa boa faculdade, mas nem por isso a literatura deve ficar em segundo plano.
3.1 Proposta de Intervenção
O PROEJA é uma experiência educacional bem-sucedida em todos os âmbitos. Quando
lemos os depoimentos dos estudantes sobre como transformaram suas vidas após voltarem aos
bancos escolares, temos uma idéia de quão intensa é essa proposta educacional. Os
professores são fundamentais para esse sucesso, uma vez que são protagonistas pela
permanência e entusiasmo dos educandos. Notamos que o progresso da turma 2007 é
resultado de um trabalho sério e muito bem elaborado.
Podemos sugerir que os estudantes sejam levados à biblioteca com mais frequência
durante o período de aula. Que ocorram debates sobre leituras e literatura nas aulas e que se
busquem instrumentos para incluir as leituras nas conversas casuais dos estudantes. Estimular
a leitura depende de um movimento social na escola e isso pode ser feito com a valorização de
atividades prazerosas envolvendo leituras, debates literários, seminários, a criação de um
jornal pela turma ou até mesmo de um sítio onde os alunos publiquem seus textos na internet.
Para ler mais, precisamos estar sempre perto do mundo da literatura.
Podemos afirmar que a leitura de mundo dos estudantes do PROEJA está dentro de uma
perspectiva mercantilista de subsistência, ou seja, muitos alunos voltaram para a escola para
melhorarem seus ganhos financeiros. Uma vez na escola, os estudantes se depararam com o
mundo do conhecimento e assim ultrapassaram sua expectativa inicial. Por isso acreditamos
que os educadores podem aproveitar a oportunidade para ampliar o consumo literário dessas
pessoas.
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OBRAS CONSULTADAS
ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência / O dilema da educação. 13 ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2005. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo, SP: Martin Claret, 2004. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES.
Plano de curso de PROEJA. Bento Gonçalves: CEFET-BG, 2006.
DEMO; Pedro. Ser Professor é cuidar que o aluno aprenda. 5 ed. Porto Alegre, RS: Mediação, 2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira S.A., 2003. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 21 ed. São Paulo, SP: Cortez, 1988. FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3 ed. São Paulo, SP: Cortez, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 31 ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1996. MACHADO, Luiz Raul (org.). Seletas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2002. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. PEREIRA, Vilmar Alves. A Pedagogia de Rousseau – Desafios para educação do Século XVIII. Passo Fundo: Clio Livros, 2002. SANTOS, Simone Valdete dos et al. (orgs.). Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA: Produções da Especialização PROEJA/RS. Porto Alegre: Evangraf Ltda, 2007.
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Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Leitura dia 14/06/2009> Acesso em: 22 de abril 2009. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticiavisualiza.php?id_noticia=1233&id_pagina=1> Acesso em: 21 de junho2009.