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SiEJA ORIGINAL! DIGANAO Direo;:aode ACOPIA Jose Mattoso i1iJ 978:-989'644·132-6 ISlt: Urt..:l!fo de leitores}: 978-972-42-4(527-7 c.... " design grM',-· :::m l'Jtr.ign de mapas e grafkos Le!i.nor Antunes Poaina,aa OF Ciomotipo ortografica catos PinneirCJJoao Quina Edl):oes ©101 i Circulo de P Temas e Debates edu;ao par", a lingua portuguesa I""ressa e eneadem.do em Abril de 2011 ElKu,aa graflc. BIKo Grafico llTidade Industrial da Maia BIl;aa 0.": 7204 OIp<\slta-legal: 315 778:/10 N<capa: Pormenor de urn. pintura a 610o, Sem titulo (2005), da autoria de DK>nnda Fonseca. particular. Foto: A, Sequeira. de Ana Nunes de Almeida ---:-------- ........ - .... •••••••••_____Hi%___

f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

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Page 1: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

SiEJA ORIGINAL

DIGANAO DireoaodeACOPIA

Jose Mattoso

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Leinor Antunes

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H~isao ortografica

catos PinneirCJJoao Quina Edl)oes

copy101 i C irculo de ~ejtores P Temas e Debates

~eira eduao par a lingua portuguesa

Iressa e eneademdo em Abril de 2011

ElKuaa graflc BIKo Grafico

llTidade Industrial da Maia

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OIpltslta-legal 315 77810

Nltcapa Pormenor de urn pintura a 610o Sem titulo (2005) da autoria de

DKgtnnda Fonseca Colec~ao particular Foto A Sequeira

Coordena~ao de Ana Nunes de Almeida

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6

16 SANDRA MARQUES PEREIRA

48 VERONICA POLICARPO

wlfljofjiillis do UilfiIQil1lltibm(l eiogkt velO1jaemiddot 80 SOFIA ABOIM

Te~~5ces talan~BS 112 CLAuDIA CASIMIRO

[))i1ll

rtJ~ 142 ANA NUNf$ DE ALMEIDA

114 MAhle IitNUEL VIEIRA

JilIeI~IC1l en~~Z ~ da 208 UA PAPpAMIKAll

lJldZl5 e a gtmc~ 242

Fes TeRESA USANO MONTEIRO

278

Mregcli e ntretenimento TERESA lfBNO MONTEIRO E VERONICA POllCARPO

308

i[~ierv~rHa~) dOl I(ARINWAll

fami~D~ 340

243

Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0

corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio

fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do

modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy

tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada

familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros

o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade

portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy

panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se

tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto

publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem

priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada

pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade

Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas

socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy

ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0

Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy

lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos

(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas

de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de

associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas

que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os

movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate

chegar as agendas dos partidos politicos

As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c

ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda

de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer

parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem

aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar

a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas

como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo

quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio

No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio

do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram

a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo

Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es

Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5

e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do

seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy

lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy

tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e

disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias

os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$

o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem

nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada

corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo

e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste

sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes

corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo

e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)

ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy

res da burguesia foram apenas alguns deles

A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada

cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy

des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam

ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja

aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem

11

1 1

Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos

LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul

STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511

ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL

Tr(111)f~11ft I illinscXiJ

bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em

Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans

1012 para a retirad a da

cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o

medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS

nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da

campanha

eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso

A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo

social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais

basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam

obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro

politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e

disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo

dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho

No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero

no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no

movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es

e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy

jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como

potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos

o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a

exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da

familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas

aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional

Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)

em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do

controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo

m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy

tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas

primeiras laquoferiasraquo

o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades

laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda

e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas

instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso

vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da

Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e

regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo

catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades

145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida

Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita

com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta

das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy

mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza

nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses

procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de

enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de

exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica

dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy

tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio

estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo

pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr

Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo

por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu

pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e

Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)

alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se

segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI

1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)

para colonra 1947) desde

cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade

urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais

carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao

((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com

controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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~

do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

-------~-- -_ -- --------shy _-shy

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 2: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

6

16 SANDRA MARQUES PEREIRA

48 VERONICA POLICARPO

wlfljofjiillis do UilfiIQil1lltibm(l eiogkt velO1jaemiddot 80 SOFIA ABOIM

Te~~5ces talan~BS 112 CLAuDIA CASIMIRO

[))i1ll

rtJ~ 142 ANA NUNf$ DE ALMEIDA

114 MAhle IitNUEL VIEIRA

JilIeI~IC1l en~~Z ~ da 208 UA PAPpAMIKAll

lJldZl5 e a gtmc~ 242

Fes TeRESA USANO MONTEIRO

278

Mregcli e ntretenimento TERESA lfBNO MONTEIRO E VERONICA POllCARPO

308

i[~ierv~rHa~) dOl I(ARINWAll

fami~D~ 340

243

Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0

corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio

fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do

modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy

tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada

familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros

o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade

portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy

panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se

tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto

publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem

priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada

pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade

Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas

socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy

ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0

Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy

lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos

(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas

de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de

associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas

que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os

movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate

chegar as agendas dos partidos politicos

As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c

ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda

de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer

parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem

aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar

a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas

como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo

quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio

No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio

do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram

a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo

Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es

Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5

e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do

seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy

lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy

tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e

disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias

os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$

o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem

nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada

corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo

e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste

sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes

corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo

e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)

ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy

res da burguesia foram apenas alguns deles

A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada

cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy

des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam

ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja

aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem

11

1 1

Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos

LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul

STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511

ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL

Tr(111)f~11ft I illinscXiJ

bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em

Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans

1012 para a retirad a da

cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o

medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS

nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da

campanha

eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso

A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo

social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais

basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam

obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro

politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e

disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo

dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho

No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero

no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no

movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es

e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy

jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como

potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos

o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a

exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da

familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas

aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional

Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)

em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do

controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo

m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy

tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas

primeiras laquoferiasraquo

o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades

laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda

e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas

instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso

vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da

Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e

regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo

catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades

145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida

Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita

com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta

das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy

mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza

nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses

procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de

enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de

exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica

dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy

tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio

estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo

pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr

Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo

por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu

pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e

Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)

alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se

segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI

1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)

para colonra 1947) desde

cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade

urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais

carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao

((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com

controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 3: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

243

Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0

corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio

fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do

modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy

tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada

familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros

o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade

portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy

panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se

tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto

publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem

priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada

pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade

Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas

socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy

ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0

Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy

lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos

(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas

de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de

associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas

que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os

movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate

chegar as agendas dos partidos politicos

As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c

ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda

de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer

parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem

aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar

a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas

como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo

quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio

No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio

do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram

a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo

Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es

Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5

e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do

seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy

lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy

tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e

disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias

os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$

o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem

nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada

corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo

e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste

sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes

corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo

e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)

ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy

res da burguesia foram apenas alguns deles

A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada

cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy

des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam

ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja

aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem

11

1 1

Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos

LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul

STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511

ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL

Tr(111)f~11ft I illinscXiJ

bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em

Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans

1012 para a retirad a da

cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o

medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS

nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da

campanha

eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso

A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo

social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais

basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam

obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro

politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e

disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo

dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho

No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero

no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no

movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es

e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy

jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como

potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos

o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a

exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da

familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas

aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional

Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)

em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do

controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo

m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy

tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas

primeiras laquoferiasraquo

o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades

laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda

e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas

instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso

vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da

Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e

regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo

catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades

145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida

Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita

com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta

das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy

mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza

nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses

procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de

enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de

exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica

dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy

tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio

estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo

pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr

Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo

por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu

pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e

Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)

alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se

segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI

1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)

para colonra 1947) desde

cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade

urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais

carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao

((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com

controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 4: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

11

1 1

Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos

LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul

STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511

ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL

Tr(111)f~11ft I illinscXiJ

bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em

Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans

1012 para a retirad a da

cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o

medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS

nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da

campanha

eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso

A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo

social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais

basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam

obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro

politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e

disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo

dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho

No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero

no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no

movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es

e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy

jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como

potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos

o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a

exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da

familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas

aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional

Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)

em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do

controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo

m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy

tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas

primeiras laquoferiasraquo

o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades

laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda

e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas

instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso

vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da

Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e

regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo

catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades

145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida

Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita

com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta

das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy

mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza

nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses

procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de

enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de

exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica

dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy

tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio

estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo

pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr

Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo

por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu

pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e

Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)

alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se

segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI

1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)

para colonra 1947) desde

cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade

urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais

carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao

((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com

controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 5: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)

para colonra 1947) desde

cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade

urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais

carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao

((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com

controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 6: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias

Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da

Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem

de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy

a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo

Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca

o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de

supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd

indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar

avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela

tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em

meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo

Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida

As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o

mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy

cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel

maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu

ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza

do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0

exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos

o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime

nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica

atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas

de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos

colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I

disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais

amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento

de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p

pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires

no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia

associada alaquovida de rua e de cafe))

Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio

energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram

nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy

tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo

associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando

a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade

dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy

tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo

laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy

mentais para a saude publicaraquo

Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material

e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na

popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos

como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao

do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy

sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy

Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo

1955 Fotol

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 7: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0

laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J

aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era

raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico

sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes

Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria

carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos

espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e

produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy

jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente

longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive

Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga

Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias

ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q

tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia

social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar

sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre

o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados

sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na

decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre

tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0

corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy

tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

~-~-

Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

-------~-- -_ -- --------shy _-shy

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 8: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252

A

emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das

privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho

quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel

durantes As laquosopas

cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho

eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy

g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG

nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas

domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na

pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra

um conjunto de mazelas e enfermidades

Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e

Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia

o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos

Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais

ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 9: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

255 Historia da Vida Privada em Portugal Os

Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que

estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites

burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy

los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes

endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais

exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional

sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo

A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um

impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy

das Os moldes apresentados nas passagens de modelos

organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente

frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy

ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares

e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos

mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as

modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes

lt crfidas desde que andam tAo

onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que

transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas

eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao

culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat

ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no

prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is

frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da

epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05

homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em

1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto

laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as

engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel

Manta in (orvos II VOUriI2

casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente

uma elite feminina que dominava a Ici~Jra

Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de

alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a

profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema

estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais

camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy

raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas

cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico

com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza

Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham

tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de

ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como

os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio

do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy

mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas

suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino

ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade

Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina

estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres

Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida

As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas

e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo

atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo

apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto

publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela

Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy

laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da

MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem

1953 c ~elh

que n50 lrdllslglsern indecentcs~

nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma

ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas

bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy

rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao

do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade

Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho

Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot

tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de

laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_

Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio

comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy

cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia

mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos

I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do

L

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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~

do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

-------~-- -_ -- --------shy _-shy

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 10: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S

laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS

comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais

irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse

cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef

portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda

quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar

a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma

Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel

(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias

joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano

A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio

A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que

o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino

Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179

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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso

Ver pactina 181

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 11: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

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do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

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XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 12: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

~ yen bull

j 1 l

xx ~

_J~

o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224

)I

~

do mftiw Fetlval Mouros 1971

Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225

-------~-- -_ -- --------shy _-shy

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 13: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

-------~-- -_ -- --------shy _-shy

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 14: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

XXIV

Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211

A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212

Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257

exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)

oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal

laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~

Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma

rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf

mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina

ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes

clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas

Foto Arquivn Diario de Notfcias

~

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 15: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

I

259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~

Anulldo de 19460 usa da brilhantina

~ ~

(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado

masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles

deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO

Fetos Colecltaa particular e AI~lT

Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de

revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no

inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol

proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca

Municipal de Lisbod

Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a

for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy

poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e

cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido

No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy

mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados

Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-

ARTED~EMBELEZAR ASCABECA

eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia

e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival

e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 16: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

I 261

I f~~ f~

Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os

Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos

espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50

pela comercializa~ao da pilula

pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52

urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de

Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas

(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os

dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia

AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0

corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy

middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos

Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual

A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se

G)rno senhora do e do seu destino Apesar de

lima muiher

ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 17: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

I ~

Hist6ria daVida Privada em Portugal 05

Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a

mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer

Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos

(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine

Semoncirio Feminino 1967

Foto ANTT

A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0

ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente

Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca

~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida

Tu eacalca

reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO

tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~

ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras

o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es

de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy

vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular

a excita-ao dos sentidos

HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de

bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja

bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 18: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias

ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy

segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo

esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma

rllultidao samente todos os passos

capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma

indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e

cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente

e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se

distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn

5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias

o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada

mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol

em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos

de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco

decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI

As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa

Do lado do avesso mundos experiencias de vida

As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado

Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social

Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI

poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante

Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~

saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco

de Lisbod

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 19: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os

I ~

Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental

Esquerda

nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo

Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido

aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas

eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos

de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma

de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais

europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual

de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos

com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos

media e da publici dade

11

No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente

amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy

ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a

entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy

zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy

tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma

sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de

ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais

mundanos e informals

As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de

causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e

combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida

pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao

de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona

mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem

proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos

ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e

conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es

corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos

espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy

gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das

Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida

gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao

corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do

corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties

posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne

alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram

varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto

tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver

intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal

A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em

meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de

personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a

Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos

executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos

Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 20: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal

l-I I

o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico

privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da

e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo

activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte

de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc

explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer

imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade

sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda

ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa

a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel

Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem

Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no

Do lado do avesso mundose experiencias de vida

~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar

Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0

desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos

Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado

laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot

corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a

os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo

~ auto-estima e dO

otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein

o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50

reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos

orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny

271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

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271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal

Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy

num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se

do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos

acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho

pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de

ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos

descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou

outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy

gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como

o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos

Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra

acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se

outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje

em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da

Do lado do avesso mundos e experiencias de vida

juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto

muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria

conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando

ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais

e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do

corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das

suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da

amplialtao das suas capacidades e sentidos

A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande

parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao

e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50

atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos

Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas

tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn

ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas

servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do

externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da

excepltiio e invadem a vida quotidiana

Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem

elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos

media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy

tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio

corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio

de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem

como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao

a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a

actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy

gerada

Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy

gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles

cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao

----- - -

273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 22: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

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273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS

ninguem me abandonaram para que

05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~

quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a

de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell

nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E

nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de

Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05

comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo

dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0

corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal

com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados

Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano

plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy

poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy

torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original

fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta

Do lado do avesso mondos e experiencias de vida

mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que

estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre

um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy

zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios

A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas

vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da

vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico

mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder

de produzir e regular a Figura e a gesta corporal

o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao

ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob

a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao

cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que

considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy

savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu

proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade

lilLer lorn () Iniu L(Jtiln

de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages

e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de

vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao

atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car

diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente

atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy

cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy

tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)

Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao

do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem

corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy

tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais

subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 23: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal

rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas

de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos

constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento

para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy

ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas

normas e pad roes corpora is

Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy

rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de

institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy

gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy

cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma

regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio

sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina

sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas

em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No

frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um

etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu

corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar

na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos

Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy

mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou

nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy

tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto

natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir

um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores

mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um

corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy

mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um

projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais

muito estritos e conservadores

Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados

pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina

em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo

como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel

na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-

Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida

creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na

guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy

peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina

da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0

corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy

deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy

nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo

estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as

gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a

mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem

Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas

nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas

(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a

sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da

postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas

urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy

micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas

um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no

proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a

comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa

contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos

de identickde pessoal de cada individuo

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado

Page 24: f'3~N 9N~~~~I!III!IIIJIJIJI~II,vitorsergioferreira.net/wp-content/uploads/2014/12... · SiEJA ORIGINAL! DIGANAO . ACOPIA . Direo;:aode. Jose Mattoso . i1iJ . f'3~N . 978:-989'644·132-6

Historia da Vida Privada em Portugal Nossos

Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na

forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente

fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy

bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca

e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos

Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade

pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos

valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio

privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy

lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar

EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e

disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy

davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados

a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma

a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar

sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores

Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado