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SiEJA ORIGINAL
DIGANAO DireoaodeACOPIA
Jose Mattoso
i1iJ
f3~N 978-989644middot132-6 ~ 9N~~~~IIIIIIIJIJIJI~II
ISlt Co~((L Urtlfo de leitores 978-972-42-4(527-7
c design grM-middot
m (r0rnot~o
lJtrign de mapas e grafkos
Leinor Antunes
Poainaaa
OF Ciomotipo
H~isao ortografica
catos PinneirCJJoao Quina Edl)oes
copy101 i C irculo de ~ejtores P Temas e Debates
~eira eduao par a lingua portuguesa
Iressa e eneademdo em Abril de 2011
ElKuaa graflc BIKo Grafico
llTidade Industrial da Maia
BIlaa 0 7204
OIpltslta-legal 315 77810
Nltcapa Pormenor de urn pintura a 610o Sem titulo (2005) da autoria de
DKgtnnda Fonseca Colec~ao particular Foto A Sequeira
Coordena~ao de Ana Nunes de Almeida
~Ij ta~tplusmn~
----------- - -iliIIlIIIIIlll~1WtiIiRf~wfifil~S~if~rr~~~middot~J~Et~ampt~~~~~~lrn)ubullbullbullbullbullbullbullbullbull_____Hi___III~---------------------------------
6
16 SANDRA MARQUES PEREIRA
48 VERONICA POLICARPO
wlfljofjiillis do UilfiIQil1lltibm(l eiogkt velO1jaemiddot 80 SOFIA ABOIM
Te~~5ces talan~BS 112 CLAuDIA CASIMIRO
[))i1ll
rtJ~ 142 ANA NUNf$ DE ALMEIDA
114 MAhle IitNUEL VIEIRA
JilIeI~IC1l en~~Z ~ da 208 UA PAPpAMIKAll
lJldZl5 e a gtmc~ 242
Fes TeRESA USANO MONTEIRO
278
Mregcli e ntretenimento TERESA lfBNO MONTEIRO E VERONICA POllCARPO
308
i[~ierv~rHa~) dOl I(ARINWAll
fami~D~ 340
243
Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0
corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio
fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do
modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy
tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada
familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros
o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade
portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy
panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se
tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto
publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem
priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada
pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade
Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas
socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy
ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0
Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy
lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos
(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas
de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de
associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas
que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os
movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate
chegar as agendas dos partidos politicos
As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c
ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda
de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer
parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem
aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar
a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas
como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo
quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio
No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio
do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram
a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo
Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es
Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5
e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do
seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy
lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy
tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e
disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias
os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$
o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem
nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada
corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo
e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste
sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes
corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo
e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)
ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy
res da burguesia foram apenas alguns deles
A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada
cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy
des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam
ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja
aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem
11
1 1
Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos
LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul
STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511
ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL
Tr(111)f~11ft I illinscXiJ
bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em
Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans
1012 para a retirad a da
cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o
medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS
nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da
campanha
eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso
A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo
social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais
basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam
obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro
politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e
disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo
dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho
No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero
no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no
movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es
e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy
jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como
potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos
o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a
exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da
familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas
aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional
Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)
em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do
controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo
m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy
tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas
primeiras laquoferiasraquo
o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades
laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda
e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas
instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso
vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da
Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e
regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo
catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades
145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida
Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita
com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta
das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy
mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza
nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses
procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de
enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de
exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica
dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy
tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio
estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo
pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr
Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo
por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu
pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e
Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)
alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se
segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI
1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)
para colonra 1947) desde
cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade
urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais
carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao
((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com
controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
6
16 SANDRA MARQUES PEREIRA
48 VERONICA POLICARPO
wlfljofjiillis do UilfiIQil1lltibm(l eiogkt velO1jaemiddot 80 SOFIA ABOIM
Te~~5ces talan~BS 112 CLAuDIA CASIMIRO
[))i1ll
rtJ~ 142 ANA NUNf$ DE ALMEIDA
114 MAhle IitNUEL VIEIRA
JilIeI~IC1l en~~Z ~ da 208 UA PAPpAMIKAll
lJldZl5 e a gtmc~ 242
Fes TeRESA USANO MONTEIRO
278
Mregcli e ntretenimento TERESA lfBNO MONTEIRO E VERONICA POllCARPO
308
i[~ierv~rHa~) dOl I(ARINWAll
fami~D~ 340
243
Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0
corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio
fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do
modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy
tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada
familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros
o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade
portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy
panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se
tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto
publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem
priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada
pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade
Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas
socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy
ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0
Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy
lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos
(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas
de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de
associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas
que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os
movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate
chegar as agendas dos partidos politicos
As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c
ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda
de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer
parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem
aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar
a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas
como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo
quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio
No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio
do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram
a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo
Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es
Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5
e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do
seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy
lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy
tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e
disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias
os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$
o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem
nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada
corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo
e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste
sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes
corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo
e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)
ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy
res da burguesia foram apenas alguns deles
A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada
cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy
des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam
ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja
aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem
11
1 1
Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos
LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul
STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511
ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL
Tr(111)f~11ft I illinscXiJ
bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em
Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans
1012 para a retirad a da
cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o
medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS
nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da
campanha
eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso
A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo
social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais
basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam
obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro
politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e
disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo
dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho
No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero
no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no
movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es
e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy
jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como
potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos
o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a
exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da
familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas
aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional
Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)
em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do
controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo
m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy
tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas
primeiras laquoferiasraquo
o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades
laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda
e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas
instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso
vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da
Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e
regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo
catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades
145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida
Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita
com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta
das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy
mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza
nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses
procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de
enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de
exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica
dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy
tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio
estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo
pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr
Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo
por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu
pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e
Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)
alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se
segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI
1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)
para colonra 1947) desde
cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade
urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais
carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao
((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com
controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
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273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
243
Habitualmente percebido como uma materia individual e natural 0
corpo humane e tambem uma constrwao social Sendo 0 patrimonio
fisico que mais visivelmente representa a pessoa a sua manuten~do
modificaltao e controlo sao contudo mediad os por uma rede de instishy
tuiltoes e indivfduos que actuam tanto na esfera publica como na privada
familia escola medicina religiao meios de comunicaltao social entre muitos outros
o valor e a visibilidade social que 0 corpo adquiriu na sociedade
portuguesa ao longo da segunda metade do seculo XX tern sido acomshy
panhados de uma progressiva privatizOiao Ao mesmo tempo que se
tem assistido a sua gradual exposiltao e desnudamento no espalto
publico 0 corpo vem sendo socialmente entendido como um bem
priyado e individual uml propriedarlC sobre cuja intervenltao cada
pessoa entende ter pleno direito e responsabilidade
Tal nao tem acontecido ~em controversia Um conjunto de lutas
socia is surgiu no sentido da reivindicaltao do poder de autodeterminashy
ltlt10 e controlo pessoal sobre 0 cnrr) pr6prio nomeadamente contra 0
Estado Se algumas dessas lutas ficam pela informalidade de manifestashy
lt6es e reao6es individuais limitadas a espaltos publicos muito restritos
(como 0 caso dos-blogues porexemplo) outras vieram a adquirirformas
de cidadania mais amplas e organizadas dcsenvolvidas no ambito de
associalt6es ou movimentos sociais (como os movimentos feministas
que actuam em Portugal desde os anos 20 do seculo passado ou os
movimentos gay lesbico bissexual e transgenero desde os anos 80) ate
chegar as agendas dos partidos politicos
As causas tem side (jiversas como 0 direito) 11 contracepltao c
ao aborto ao prazer e a uma sexualidade livre ao aluguer ou 11 venda
de 6rgilos tecidos e fluidos corporais a livre modificaltao de qualquer
parte do corpo - desde a colocaltao de um simples piercing ou tatuagem
aalteraltao cirurgica dos seusorgaos - ate areivindicaltao limite de tirar
a vida ao corpo apelando ao reconhecimento legal de figuras juridicas
como 0 laquotestamento vital ou 0 laquosuiddio medicamente assistidoraquo
quando as condilt6es ffsicas eou mentais do indivfduo nao Ihe permitam exercer a vontade sobre si pr6prio
No contexte da sociedade portuguesa 0 processo de privatizaltiio
do corpo teve 0 seu inicio em meados do seculo XX quando comeltaram
a surgir com intensidade reaclt6es contra a cultura fisica impulsiol1ada pelo
Estado Novo Longe de considera-Io urn patrimonio pessoal sujeitoa oplt6es
Do lado clo avesso mundos e cxperiencia de vida lJiotic5
e escolhas 0 regime havia promovido 0 (orpo a lugar de visibilidade do
seu projecto politico Nao descurando a imagem os movimentos as emoshy
lt6es e a energia ffsica dos seus cidadaos desde a sua instauraltao constishy
tucional em 1933 0 Estado Novo tentou socializar classificar regular e
disciplinar as modas e05 modos de parecer agir e expressar as apetencias
os sentimentos e as capacidades corporals dos portuguese$
o objectivo ultimo era que os corpos reflectissem e reproduzissem
nova ordern moral e social pretendida para a na~ao portuguesa Cada
corpa indlvidualmente deveria entregar-se aautoridade do ideal colectivo
e deixartranspareceros principios cristiios e nacionalistas do regime Neste
sentidoo Estado Novo tentou inflectir alguns dos habitos e expressoes
corporals que inauglJrados no republicanisrno consideravJ Iibertariosraquo
e laquoviciososraquo Fumarcortaro cabelo curto (0 laganonne ou laquoa Joaozinhoraquo)
ou descobrir os ombros e as pernas habitos cultivados par rnuitas mulheshy
res da burguesia foram apenas alguns deles
A partir dos anos 30 qualquer manifesta~ao corporal considerada
cxcessiva pass a ser condenada Entendidas como reflexo das qualidashy
des morais do individuo a aparencia e a compostura denunciavam
ern Martu de Darlamentar do upr(5~ntou nz Is$embk~ja
aquilhagem permanente a menores de 18 anos e a cnao emanc1pado$)~ f vedava a todas os cidadaos a possbilidarle de aplicaltilo de piercings nil lingua Esta medida acabou por ser abamjonada devido aforte conestaao sodai par parte dos agentes economkos do sector bem
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Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos
LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul
STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511
ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL
Tr(111)f~11ft I illinscXiJ
bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em
Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans
1012 para a retirad a da
cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o
medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS
nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da
campanha
eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso
A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo
social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais
basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam
obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro
politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e
disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo
dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho
No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero
no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no
movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es
e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy
jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como
potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos
o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a
exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da
familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas
aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional
Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)
em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do
controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo
m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy
tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas
primeiras laquoferiasraquo
o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades
laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda
e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas
instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso
vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da
Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e
regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo
catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades
145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida
Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita
com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta
das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy
mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza
nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses
procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de
enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de
exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica
dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy
tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio
estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo
pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr
Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo
por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu
pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e
Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)
alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se
segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI
1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)
para colonra 1947) desde
cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade
urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais
carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao
((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com
controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
11
1 1
Hist6ria da Vida Privada ern Portugal Os i)ossos
LaJ1tamento PiJhlicD Campanha InternDcianul
STOP PITOlOGIlAf)IO TIlQS 2012 1I11801lTllBIO1511
ATRANSEXUAllllADE NAO EUMA DOENfA MENTAL
Tr(111)f~11ft I illinscXiJ
bullErn Ourubm de 2009 foi anpda em
Porlugal a par de outros pafses a campanha Stop Palologizaiio Trans
1012 para a retirad a da
cirurgia de de sexo quaisquer burocraticos politicos econ6mico5 ou de laquocoerr))o
medjca)~ (cO nao deve ter qualquer jurisdlao sobre os n05SOS
nomes l os n0550S corp05 e as nossas identidadesraquo le-se no manifesto da
campanha
eventuais transgressoes pando 0 seu portador em risco de acosso
A manutenltao do corpo individual sustentava a manuten~ao do corpo
social e mesmo na mais recolhida privacidade do lar e do lelto nos mais
basicos cuidados esteticas e comportamentos os corpos deveriam
obedecer e reiterar a ordem colectiva reflectindo os val ores morais euro
politicos do regime um ideal fisico de virtude e pudor obediencia e
disciplina sobriedade e austeridade higiene e robustez Um corpo
dedicado a Deus aPatria aFamilia e ao Trabalho
No sentido de adequar 0 modelo corporal prescrimiddotto puritano e austero
no aspecto humilde e cerimonioso na pose robusto e com nervo no
movimento -0 Estado Novo muniu-se de um conjunto de institui~6es
e mecanismos de controlo vigilancla e socializa~ao dos corpos Oobshy
jectivo era docilizar ~s imagens as esfor~os e as emocoes bem como
potenciltJr a forCJ e a energia de acordo com condiltoes e tracos fisicos qUe conderava distintivos
o 11~0 privilegiadv foi 0 corpo dos mais jovens e nao cedendo a
exclusiva responsabiiidade rela forma~ao destes nas maos da elcola da
familia 011 da igreJa crlouJs suas proprias -rganiza~6es para a laquoformacao integral da juventude) atribuindo diferentes estatutos e missoes ffsicas
aos corpos masculinos e femininos fundou a Organiza~ao Nacional
Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF)
em 1936 e em 1937 respectivamente A pensar sobretudo na forma~ao dos corpos dos trabalhadores e respectivos flIhos mais distantes do
controlo das instancias medicas e pedagogicas 0 regime criou aindo
m 1935 a Funda~ao Nadonal para a Alegria no Trabalho (FNAT) 1mtlshy
tui~ao alaves da qual muitas criancas desfavorecidas viveram as suas
primeiras laquoferiasraquo
o exercicio fisico as paradas os acampamentos e as actividades
laquoao ar livreraquo actividades colectivas devidamente ordenadas com farda
e apito em riste eram frequentemente desenvolvidos no ambito destas
instituiltoes Tentava-se evitar que a juventude portuguesa se tornassc (ltpervertidaraquo e laquodegeneradaraquo tornando-Ihe 0 (espinhalto rijo e 0 pulso
vigoroso) nas palavras de Carneiro Pacheco a ministro da pasta da
Instru~ao Publica em 1936 Revigorar 0 corpo robustecer as energias e
regenerar a moral das novas geraltoes no espirito de nacionalismo
catolico que engrandeda 0 regime eis a missao das suas Mocidades
145Do lada do aveSla mundo e experiemias de vida
Alias 0 trabalho destas institul(oes pretendia-se ern articularao estreita
com as classes eclesiastica medica e docente numa actuarao conjunta
das areas da educacao ffsica da saude publica e da profilaxia social Na medida em que os males fisicos eram assumidos como sintoshy
mas de fraqueza moral e quando propagados como indlcios de fraqueza
nacional 0 estfmulo do Estado Novo ao exercicio fsico dos portugueses
procurava produzir corpos robultos corados e verticais capazes de
enfrentar adversidades a bem da Naltao Mas nao erd qualquer tipo de
exercfcio fisko 0 mais recomendado 0 Regulamenlo de Educa~ao Fisica
dos liceus publicado em 1932 rctirava dos programas escolares a prashy
tica de desportos e jogos de competiltao considerando-as um meio
estrangeirado de laquodeformaltao fisicaraquo quando nao de laquoperversao moralraquo
pelos valores individualistas que promoviam Em substituiltao e oficialmente ldoptado 0 metodo de Pehr
Henrik Ling (1776-1839) vulgarmente conhecido por laquoginastica suecaraquo
por ter sido esse sueco a conceptualiza-Io a po-Io em pratica no seu
pais Trata-se de um sistema laquocientificoraquo de exercicios localizados e
Filiado5 da VlP desfilarn praia do ftoril Face a algumas manifesta~ijes de desobtdiencia raquitismo que alastravam 0 Estado Novo preocupou-se em enquadrar e djscpHnar (15 laquomocidades1)
alraves da organizaltb(~s ofjcials de juventude laquoZI mocidade Jisem Deus ntm Senhor que se
segue-se uma cOrlilante disclp1inada entezarn2nto que reinav3 na moddade escolar e extramiddotcscolar 5ubstituise Ic~ntdmente embora urna juventude adestrada aprumad a tonificada fisica e rnorairnentE) exortava Alberto dOliveira em 19~O proposito da pn3tica gjnastica nf Mocidadc Portugu2S8 FolC ANTI
1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)
para colonra 1947) desde
cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade
urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais
carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao
((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com
controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
~-~-
Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
1lgtlJjlQ YO V o IVOU() gtfI rVfluyd V)
para colonra 1947) desde
cedo fortdfecer 0 esqueleto toniflcar o musculo e desenvelver a vitaHdade
urna das praticas da FNAT era a orgilniza~o de col6nias de ferias para filho5 de trabaihadores mais
carenciados proporcionando-Ihes prattea de actividades fisicas ao
((ar Hvreraquo e contacto con eementos naturaL em sirnultaneo com
controlos medicos e sanitarios Fete Arquivo Dieirio de Notfcias
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
~-~-
Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
249 48 Hist6ria da Vida frivada em fortugal 05 Nassas Dias
Exame de graduadas da Mocidade Poruguesa Feminina rio Liceu Maria sequencialmente cadenciados promotores da
Imalia Vaz de Carvdlho decada dE e correc~ao dos movimentos Executados em colectivos sincronizados 1940bullEm 1949 a Portaria n 12773 e uniformizados de branco sugeriam uma imagem de disciplina e ordem
de 31 de Mar~o aprovou 0 model a oficial de fato de ginastica e estipulou de pureza fisica e moral de cooperaltao e exortaltao nacional que esbashy
a marcaltao de faltas as alunas que nao tia as singularidades de cada corpo ffsico em nome do corpo social o massem prpfessoras de Embora filiado no sistema de Ling 0 laquometod oficial portuguesraquo
Educ-li)3o Fislca porr2m j os seus oferecia uma versao catolica do mesmo ao jovem rapaz era intutido 0 prl)prios modlos de fato de ginascca
o qu motivou do gosto pela disciplina e obediencialigado a uma instru~ao miiitar preshycomissariado ao MEN paratoria sem contudo alinhar em propostas de seculahza~ao e de
supremacia racial como sucedia comas juventudes alemils italianas com eSSd
indisciplina COm passlvel repercussao ou francesas Ao mesmo tempo pugnava-se pelo adestramento de nas proprias aulas ja espontaneidades instintivas do peso e da forca mas sem se Ihe dcixar
avontade com que abandonar 0 corpo aos excessos da beleza apolinea e narcisista incenshyprof(gt5gtoras se apresenta[valm noquela
tivada por certos sistemas estrangeiros Estes faziam parte de umaindumentana m2smo fora das aulas tem causado estranheza cultura fisica contra a qual Carneiro Pacheco se insurgia na medida em
meio cscolarraquo que embora promotora da saude do indivfduo podia resvalar para a laquoideia pagaraquo do laquoculto do corporaquo
Do ladod() aveS50 mundos e experiencias de vida
As jovens raparigas por sua vez eram exclllfdas ~m de todas as actividades que exigissem um e$for~o
mais atletico privilegiaodo-se exercfdos que favoreshy
cessem a laquomissao natural de mulhep) no seu papel
maternal como os exercicios respiratorios Havia Iaioda fortes restri~6es puritanas a exibic6es e postu
ras corporais que pudessem laquoofender a delicadeza
do pudorfemininoraquo Ie-senosestatutosda MPFO lISO I de indumentaria mais descoberta ou jllsta ou 0
exercitar de certos ritmos cOllsiderados mais lascivos 1 - como a ginastica ritmica inicialmente apelidada de 1 laquoginastica modern araquo - eram altamente reprimidos
o objectiv~ de rectificaltao corporal do regime
nao ia portanto ao ellcontro de uma cuitura fisica
atetica com propositos de satisfaltao pessoal mas
de uma ctlltura fisic moralizadora com objectivos
colectivos de formaltao das conscielKias atraves da I
disciplina e submissao dos corpos 0 projecto de 1laquorevigoramento fisicodo POvOraquo servia um outro mais
amplo a regenera~ao moral da mocid30e da epoca 1Fomentdndo a regula~ao de urn certo relilxamento
de costumes associarlo a alguns estilo) rI Vida urbashy i nos 0 comedimento dos excessos dvitalidade 1 r~middot p
pubertaria ou ainda a ordenatao de tempOi Iires
no sentido de com bater ltl indisciplina e a indolencia
associada alaquovida de rua e de cafe))
Mas a debilidade e a preguilta dos jovens tal como 0 desperdicio
energetico e ernocional despendido em dramas folguedos e luxurias eram
nacionalmente combalidos nao apenas em nome da cormacao do caracshy
tepgt e do laquocomedimento dos costumtsraquo Acultura fisica do Estado Novo
associava-se ainda a interesses de odem econ6mica e higienica visando
a promo~ao da saude publica e a melhoric das condi~6es de salubridade
dos portugueses Com 0 incremento da actividade fisica sustentava Celesshy
tino Marques Pereira ern 1941 pretendia-se um laquomelhor rendimentoraquodo
laquotrabalho util dos corpos e par essa via a laquodlminuiltao das verb as onashy
mentais para a saude publicaraquo
Confrontada s com realidades sociais de extrema carencia material
e civilizacional as instancias medicas da epoca tentavam incutir na
popula~ao portuguesa regras e cuidados hoje considerados basicos
como a higiene do corpo do vestuario e do espaco publico A promoltao
do laquoculto da agua e do sabaoraquo e a punic50 de laquotodos os que se abaixasshy
sem ao ar livreraquo nomeadamenteeram objectivos aclamados pela Direcshy
Publicidltldeuro ao sistema american d~ exercicio ftsico (Tensao DinarT1icltr) vendido para criar uma silhuela masculina apolfnea bastante atacada pela doutrina corporal do Estano Novo
1955 Fotol
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
~-~-
Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
lt030 Geral da SaLide em 1950lntensificaram-se lambem as campanhas inauguradas pela Uga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) como a campanha contra 0
laquoindecoroso inestetico anti-higienico pe-des(al~o)J
aquela que foi uma das suas mais longas campanhas (1927-1965) Ou ainda a campanha (contra 0 habito de escarrarecuspir na via publicaraquo pratica de tal modo legitima nos anos 40 que justificava a LPPS laquonao era
raro vermos pessoas de posi~ao social mesmo senhoshyras incorrer nesta grave irreverencia 210 codigo das boas maneiras infringindo-o censuravelmente)) Asso dado ao alastramenlo da tuberculose esse habitofez popularizar 0 uso do laquoescarrador)) de bolsoou publico
sobretudo em espaltos onde os homens 5e juntavam como hoteis restaurantes e cafes
Num pais onde a pobreza extrema grassava e os baixos niveis de frequencia escolar anulavam a possibishylidade de acesso generalizado aos novos saberes e tecshynicas do corpo as medidas higienistas e de profilaxia social nao pretendiam atingirtanto os infantes das mocishydades portuguesas (uma popula~ao jovem maioritariashymente urbana e estuda ntil) mas sobletuda essa maioria
carenciada debilitada e suja rnal vestida mal calltada mal nutrida e scm maneiras que existia amargtgtm dos
espa~os emergentes de so(ializa~ao civilizacionai e
produltiio corpora As discipllnas destes corpas desposhy
jados e sofridos eram reguladas por outros ritmos quoshytidianos e por condi~6es de trabalho extremarnente
longas e duras Aqui 0 tempo para cuidardo corpaera escassonao ia muito alem daquiloquelhe permitia continuara laborartao eflcientementequanto possive
Cartaz ttilizado na oltcampanha de wmbatPao pe decal~oraquo da Uga
Portuguesa de Profilaxia Social A varias campanhas sanitarias
ernpreendjdas par aS50ci(3~~~Q
tinham [) obJectivo de dlvulgar principles civilizacionais de convivencia
social higienilaao dos espaos pllblicos ate ent50 difkeis de penetrar
sodedade portuguesa sobretudo nos seus mais pobr(~s As preocupa~6es de socializaltao e de controlo do Estado Novo sobre
o corpo nao foram portanto uniformes A realidade do corpa camposhynes por exemplo era bastante distinta dils vivencias e referendas corporais das elites urbanas eabastadas Ainda que 0 regimevalorizasse e difundisse atraves da sua maquina de propaganda a imagem bucoshylicamente idealizada e estilizada do campones trigueiro rijo e alegre tal imagem estava longe da realidade dos corpos suados e gretados
sujos e cansados pouco sorridentes e mal nutridos que caracterizam grande parte dos tres quartos da popula~ao que vivia nos campos na
decada df 50 Nesse Portugal rural e pobre 0 corpo era vivido e cuidodo sabre
tudo enquanto (utensflioraquo valorizado em fun~ao do rendimento c efishycacia laboral independentemente de categorias sexuais ou etarias 0
corpo campones via-se subordillado ao pragmatismo do seu usc quoshy
tidiano enquanto gerador de (for~a de trabalhoil Nurna sociedade em que 0 sistema de prodwao se baseava intensivarnente na mao-de-obra humana e animal 0 capital fisico era 0 unico recurso que garantia a subsistencia de uma papulaao desprovida de quaisquer outros Mesmo para os inumeros camponeses que no decorrer dos anos 50 corne~aram a migrar para a cidade ou para a estrangeira 0 cor po na sua energia e vitalidade continuava a ser 0 (mico ((capitalraquo vender como operarios
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
~-~-
Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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5 -0 -0 11gt 1iT -0 OJ T c 3 ~ 9 3 R rr 01 l
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
-------~-- -_ -- --------shy _-shy
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
253 Hist6ria da Vida Privada eurom Portugal Os Nossos 252
A
emjornashydas de 501 a sok nDstalgiu dos dias de corpo mot) e riestro confundem-sE coIll a magoa por veZ2S a revolta das
privaltOes e provacoes a que e55( corpo era sujeito quer do traboiho
quer pela pobreza [Saave dra 2010) Adireia Douro 1950 Num lontexto em que a comida esca~gt5eava o vinho era eonsideraclo indispensavel
durantes As laquosopas
cdnsado)) peda~os de pao au broa embebidos em vlnho
eram regulares na mesa da campenesa Fotes Bert HardyGettyimashy
g0S Archive PhotosGettyimagcsFPG
nas grandes industrias em desenvolvimento ou como empregadas
domesticas nas casas burguesas Os habitos alimentares deste sector da popula~ao traduziam na
pratica essa concepltao mecanicista do corpo enquanto tecnologia de trabalho Longe dos conselhos dos agentes sanitarios qlle alertavam para a necessidade de uma dieta variada e suficientem(nte cal6rica eram corpos que privilegiavam sempre que houvesse oportunidade para uma laquobueharaquo melhorada uma alimentaltao farta e bem regadaraquo ja que a fome entendida como total ausencia de allmento para sl e respectiva familia era uma amealta constante na vida da maioria Pao enchidos toucinho e claro esta 0 vinho eram prcsenltas obrigat6rias na dieta destas populalt6es A sua falta era imediatamente eonotada com uma eventual enfermidadeTratava-se entao de arranjar laquomezinhas) que a aeautelassem e abrissem 0 apetite perdido no sentido de procushyrar manter saudaveis eertos 6rgaos imprescindfveis ao trabalho contra
um conjunto de mazelas e enfermidades
Do lado do avesso mu ndos e eKperienCias de vida e
Marginal ao sistema produtivo e social ficava () corpo daqueies que nao tendo outro qualquer recurso material n1w conseguiam adaptar aos usos que dele se preterldiam corpos inabeis lou COS deforshymados ou doenes sujeitos a classificalt6es muitas vees jocosas e soeialmente estigmatizantes i inaptidao fisica destes carpos traduzia-se em inaptidaosocial na medida em que se viam incapacitados de desemshypenhar 0 papel que Ihes era social mente alIibufdo 0 trabalho 0 valor do esfono que este acarretava esta ti1mbem na base de ungt discurso de reprovaltiio da indolencia das ditas laquoclasses ociosas)) por parte do Estado Novo Estas contudo nao tinham de se preocupar com a sobrevivencia A haver preocupaltao no domfnio fisico era com il aparencia
o corpo das elites endinheiradas sobretudo as que viviam Em Lisboa e no Porto acabava por espelhar a ideologia do regime adoptando muishytas das suas doutrinas corporais (CllnO estrategias de disfnao social o aiinhoea cortesi a associadaa laquonaturalidade)l e laquoespontaneidaderaquo do carpo que 0 Estado Novo vaiorizava em confronto com a fraqueza a sujidade 0 desleixo e a falta de maneiras funcionavam como signos de cia sse altamente distintivos
Num tempo em que Portugal ainda nao conheda crmtros comerciais
ronde 5euro localizavarn as lojas cOflsogradd5 aeleyanciaraquo ((dim 1998 vol t p 288) Enlre estas destacavom~5e as Grandes Armazens do Chiado referenda naciona para as elites que frequ entavam as suas passagens de modelos Foto Arquivo Diana de Noticius
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
255 Historia da Vida Privada em Portugal Os
Tendo acesso a um conjunto de recursos materials e sociais que
estava vedado a outras camadas da popula~ao os corpos das elites
burguesas e abastadas civilizavam-se tambem por imita~ao dos modeshy
los distintivos estrangeiros quer os que eram usados par gentes
endinheiradas que se haviam refugiado em Lisboa fugindo a Segunda Guerra Mundial e que circulavam entre redes sociais
exclusivas e selectivasqueros modelos da moda internacional
sobretudo francesa institucionalizada como paradigma do bom gostoraquo e da laquoeleganciaraquo
A mooa tanto masculina ~omo feminina tinha um
impacto pouco imediato para alem das classes mais favorecishy
das Os moldes apresentados nas passagens de modelos
organizadas pelas principais casas de moda e exclusivamente
frequentadas por senhoras da laquoalta sociedaderaquo eram posteshy
ri0rmente confeccionados por maos de costureiras particulares
e de grandes casas de costura a partir de toiles (nome dado aos
mol des especiais que os costureiros franceses vendiam as
modistas e costureiros portugueses) compradas nas grandes
lt crfidas desde que andam tAo
onrluladIlt[IC1ltC ria face enos lablos algurnagtrao desproposiadamente que
transformarp d tJra em grotCSCd l em lidicula entendern que essas
eSI~all1alalaquo)sas exterioridades as colocarn em pe de igualdade 56 rlao
culdarn das maos e das unhas com que poderiam dar algumas garantias de asseioJ) (R~vi5ta Renasceuromat
ltcriada de servin) era uma figma com presen~d expressivd no
prlvado portugtHs nao porque era a condi~ao laboral rna Is
frequente entre as mulheres activas mas tambem porqu( era tida como uma amea~a da laquomoral ( bons costumesraquo da
epoca pel sua proximidade lisiea vulnerabilidade social vivia tentando 05
homensda~ casas que servia Numa sondagem da Miseric6rdia de Lisboa em
1959 a 395 prostitutas condufa-se que 73 destas tin ham sido de facto
laquocriadas de serVlrraquo cujos patroes haviam na rlia( muitas vezes depois de as
engravidarem (M6nkaf 1996 pp 219-720) Desenho de loao Abel
Manta in (orvos II VOUriI2
casas de moda parisienses As revistas qCc promoviam modas e modos eram igualmente dirigidas a ulTla elite nomeadamente
uma elite feminina que dominava a Ici~Jra
Alnda que 0 consumo de moda e produtos corporais nao fosse dernocratizadoo que de novo la sllIyindo no men-ado nao deixava de
alimentar sonhos e ambilt6es de distincao sxial que tentavam ser re1 lizados na medida das POSSES e conhecimentos detidos Por um lado a
profusao dos meios de comunica~ao social entre revistas e cinema
estendia os ideais e expectativas de (Cestar na modal) a cada vez mais
camadas socia is Por outro ainda que nao detivessem condilt6es cultushy
raise materia is de acesso a estasformas de comunica~ao muitas criadas
cozinheiras ou engomadeiras que privavam no quotidiano domestico
com as laquosenhorasraquo mantinham-se ao corrente das ultimas tendencias ditadas em termos de vestuario e beleza
Consciente de que os filhos e as fHhas das elites citadinas tinham
tempo e acesso a espaltos de socializa~ao sociabilidade e circula~ao de
ideias potencialmente libertarias e POllCO controlados pelo poder(como
os lugares mundanos e ludicos do cafe da festa da tertulia da exposiltiio
do cinema da revista ) 0 Regime apeiava desde cedo ao enquadrashy
mento regenerador e disciplinador da vontadel) desta mocidade nas
suas laquoorganiza~6es ofjciais de juventuderaquo onde 0 masculino eo feminino
ocupavarn lugares e papeis distintos A existencia de uma Mocidade
Portuguesa para rapaLes e de uma Mocidade Portuguesa Feminina
estabelecia uma clara clivagem na doutrina~ao social e adestramento dos (orpos de homens e mulheres
Do lado do avesso mundos lt ltxperiendas de vida
As raparigas foram um dos aivos preferenciais do conjunto dedoutrinas
e mecanismos sociais de controlo do comportamento flsico Desde logo
atraves da imp05i~ao de limites mora is a exposilt30 do seu corpo
apertado sob urn conjunto de interditos tanto mais severos quanto
publicanlcnte mais exposto Saoexernplares as restrilt6es impostas pela
Direc~ao Geral de Seguranlta Publica ap6s a instaura~ao da Constituishy
laquoNum artigo sabre a praia do Fstoril a articulista elogiou 0 fato de banho da
MPF e apelou leitoras para abandonashyrem o maillot feio e impr6prioI J Vest com orgulno D fato de banho da Mocidade eic faid por vos diz aos que v)s veem qupm v6s sois verdadeiras raparigas alegres euro saudltlveis - mas puras (Boletim da MPF Setembro de 1940)[ ] Em Junhode 194geem
1953 c ~elh
que n50 lrdllslglsern indecentcs~
nem andassem a passear em in(onvcshynirntes exibi~6es C US3ssem pelo cOl1trario urn fdio de banho com uma sala nao multo Lllr1a e sem excessivo demteraquo (Pimentel 2001 pp 348- 349) Fotos Col Jose Manuel Palma
ltao de 1933 sobre laquoas pr1iticas de nudismo nas praias portuguesas
bem como a exibi~ao de trajos que pela sua simplicidade ou transpashy
rencia ofend am a decencia e a moral publicaraquo Oaf a regulamentaltao
do fato de ginastica de modeio unico para as filiadas na Mocidade
Portuguesa feminina em 1939 bem como dos seus fatos de banho
Estes ultimos talhados dentro dos moldes da moral crista que se premiddot
tendia estendida as praias portuguesas tornaram-se uma especie de
laquovestido de banhoraquo quando 0 molde ofidaI da organiza~ao viu descido o maillot ate ao joelho_
Sem que houvesse propria mente restri~6es formais 0 proprio
comprimento das saias foi motivo de accsa discussao na imprensa espeshy
cializada no decorrer dos anos 40 e 50 Sendo demasiado curta a saia
mostraria 05 joelhos da senhora provocando 0 oihar cobi~ador dos
I homens Se durante a Segunda Guerra Mundial 0 uso da saia acima do
L
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
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Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
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XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
XVII256 Histoia da Vida Privada em Portugal Os NO~50S
laquo(Saias (urtas econ6mkas leves e hlgieuronicas ou salaS
comprida~ mais caras menos higienicas bastante mais
irlc6modas questionava-se a revista Vog(J em 1941 a saia fosse
cornprida e estreitZl dificultarld o andamento e proibiril a rnulhef
portuguesa dc subir para 0 (Iectrl(o au poderla provocar a sua queda
quando fosse salr Ou entao a d~susada coqueerle de leva n tar
a saia ate ao ioelho para poderem para a plataforma
Para alem disso deg lISO da saia daria urn gasto horrfvel
(Crdim 1998 voL I p 316) Foto Arquivo DIirio de Noticias
joelho havia sido legltimo como forma de gastar menos material e dinheiro tais raz6es deixam de fazer sentido depois da guerra telldendo portanto a alongar em gode Surgiu entao a controversia os detractores a invocar raz6es marais e de elegimcia as defensores raz6es economicas higienicas e de conforto quotidiano
A poHtica de controlo do corpo feminino passava pelaquestao do recatamento no vestir mas tambem pela regulaltao do exagero na posshytura Em nome da (dignidade feminina e cristij) recomendava-se as joven-s autodominio polidez e discriltao nos esparos de convivencia social 0 seu porte deveria caracterizar-se pela correeltao e elegfmcia de atitudes e movimentos assim como pela contenltao na expressao publica de certos gestos e express6es facia is como rir ou falar alto tagarear ou fazer esgares Em 19360 Ministerio da Instrucao Publica chega a impeshydir as professorasde usar maquilhagem e detrajar alem da laquosimplicidaderaquo e laquomodestia julgadas adequadas ao exercfcio do magisterio
A estrategia era portanto manter os corpos femininos 0 mais discretos e invisiveis posslvel nomeadamente os das mlJlheres que
o genera dpfine 0 n~crelo escolar feminino masculino
Fotogt arquivo Arquivo FotogrMICCJ Municipal de Usboa Ver pagina 179
~-~-
Transporte eseolar no concelho de Chaves (1991) Foto Rui de SousaArquivo Expresso
Ver pactina 181
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5 -0 -0 11gt 1iT -0 OJ T c 3 ~ 9 3 R rr 01 l
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
-------~-- -_ -- --------shy _-shy
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
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o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
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do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
-------~-- -_ -- --------shy _-shy
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
~ yen bull
j 1 l
xx ~
_J~
o publico portugufs m F64 e 1965 durante concenos de Sylvie Vartan e dos The Animals no Monumental Fotos Arquivo Diario de Noticias e ANTI Ver pagina 224
)I
~
do mftiw Fetlval Mouros 1971
Fetos Carlos Gil Ver pagi na 225
-------~-- -_ -- --------shy _-shy
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
-------~-- -_ -- --------shy _-shy
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
XXIV
Exemplos de publicidade ao (artao Jovem entre 1986 e 2009 Fotos ExpressofA Revista e colec~6es pdrticulares Ver pagina 211
A irnagem Inspiraria a Vicente Jorge srtva 0 terrno (geracao rascaraquo Foto IIfdio Teixeira Ver pegina 212
Do lado do avessa mundos e experiencias de vida 257
exercendo uma profissao mais visibilidade tinnam no espa~o publico Todos os indicios expressoes e adornos que pudessem captar olhares deveriam ser evitados ou cobertos 0 corpo santo da mulher de virtu dell deveria ser sacralizado e guardado nos donsraquo e atributos fisicos laquonatushyraisraquo que Deus Ihe proporcionou a fjm de desempenhar 0 seu laquosacrosshyslntoraquo papel de laquomae de familia)
oproprio espirito da moda europeia da cpocaera de certo modo conforme ao pensamento oficial portugues Os valores da laquofeminilishydaderaquo da laquoelegancia)) e da laquosobriedaderaquo clpregoados pela moda parishysiense nos anos 50 enquadravam-se perfeitamente na filo~0fia moralista e estetica do regime indo de encontro as estrategias de distinao social de muitas das raparigas filiadas em organiza~6es de inspiraao catolica Essas estrategias eram sobretudo movidas no sentido de elas se distinshyguirem dessoutra massa anodina de mulheres operarias e provincianas mulheres duvidosas e nao baptizadas mulheres mundanas e laquodonas de siraquo feministas e herdeiras do legado republica no pouco dispostas ainvisibilidade social e i disciplina corporal
laquoUma verdadeira rapariga nile e un1rvJmp Nao usa penteados (ompkados modas espavmtosas rlecotes eXJqerados Nao toma posic6es estudadas como a 5 estrelas~
Nao se faz Interessante com gritinhos oao nas vistas Uma
rdparigJ naturalidade e correeao E a Siplicidade que fat a elelanda d moda e das maneiras) (Revsta Merlina e Moa 19491 0 glomour das divas do cinema dos laquonos 40 e 50 como Brigitte Bardot (em Lisboa na foto) cujas imagens 5e passavam peios ecras e revistas atentava ontra () modelo oficial mo~a recatadaf
mas nao deixava de atrair as mais Jovens 1 silhueta feminina
ocultavnm as formus frnininas mas que pelo contrario se Ihes
clngindo cintura e busto an cas libertan do pernas
Foto Arquivn Diario de Notfcias
~
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
I
259 Hist6ria da Vida Privada em Portugal lossos~
Anulldo de 19460 usa da brilhantina
~ ~
(ra comum entre osmiddothomens cidade evitando 0 desalinho do pent~ado
masculino e abrilhdntando 0 cabele Ere obreluda com as parles
deveni t(r urn cuidddo particubr till ieuronnu dE ~ aplllnlO
Fetos Colecltaa particular e AI~lT
Quiosque de venda de jOmIS no Rossio 1 3 VeJa-se d proliferaao de
revistas cujas capas destacavarn estrelas do cinemaEfTl Portugal no
inrcio d05 nos 60 tambem surgiam as primeiras actrizeuros sex-symbol
proveniente sobretudo do teano ligciro e de revista como 10 Apoloni Foto Jean Diuzaide Hemeroteca
Municipal de Lisbod
Jii 0 investimeurorto politico na formaltao fsica dos corpos masculinos foi adequado a outros interesses 0 estimulo ao desenvolvimento das qualidadesfisicas dos rapazes estava sobretudo 1ocacionado para demonsshytralt6es d engrandecimento e exaltalt50 da Patria bem como a seutempo para a defsa dos interesses n~ciondis A forca e a tonicidade do corpo masculino bem como a ordem e disdplina colectiva que os jovens filiados nos quadrcs da Legiao ou da Mocidade Portuguesa demonstravam aquando uas mar chas publlcas serviam para projectar simbolicamente a
for~a do Estado sobre 0 territ6rio nacional e ultramarino Fora desses momentos deexaltacao nacional a expressao corshy
poral masculina no seu quotidiano deveria transmitir a imagem fide-
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
digna do laquochefe de familia) urn homem classico e s6brio maduro e
cmonimo asseado ebem cheiroso de cabelo aprumado fato impecavel e colarinhos engomados Nao deveria ser dado a modas e mod os um terreno deixado aos cuidados da esposa As recomendalt6es que esposhyradicamente surgiam sobre 0 universe masculino eram feita sobretudo em revistas fernininas 0 que toma claro 0 papel da mulher enquanto responsavei pela apresentaltao do marido
No decorrerdos anos SO esboltavam-seja alguns sinais no sentido da alteracao da tradicbnal clivagem masculino-reminino emergentes em contextos juvenis urbanos e socialmente privilegiados ideologkashy
mente distames das faclt6es sociais mais catolicas 0 cinema e mais tarde a teJevisao (em 1957 surge a RTP) tiveram 0 seu peso neste processo Estar na moda passou a ser para as laquoraparigas modernasraquo copiar nao os modelos senhoris das suas maes mas as formas sedutoshyras das divas de Hollywood As referencias cinematograficas eram de tal maneira importantes nas modas e costumes juvenis nos anos 50 que as revistds femininas dirigidas pelos sectores mais conservadores como a Menino e Moto embaixadora da MPF dedicaram muito do seu espalto a denunciar os laquoperigosraquo das imagens que chegavam do exteshyrior - desvelando segredos que a propos ito do seu corpa ate at se supunham guardados
Outras revistas mais modernas como a Pateio surgida em 1951 evidenciavam e exploravam 0 glamour dos corpos e das vidas dos mitos cinematograficos emergentes inspirando os seus publicos enquanto exemplos de padroes de beleza e de (onduta Isto a par de um numero crescente de artigos com receitas e recomenda~6es acerca de novos quesitos ao corpo da mulher versando os cuidados a ter nos seus minishymos detalhes com unhas e pele maos e pes face e sobretudo pentea-
ARTED~EMBELEZAR ASCABECA
eUrna cabeleira bem tratada bonita ebm peoteada tern uma importancia
e aecisiva nd beleza ferninina ficou demonstrado no I Festival
e corpa colabor(l~ao de grandes laboratorios d~ produto5 capilares francese$raquo (Revista Modas e Bordados 1958) A etracgio do blJ~o e outro pelos corpDrais passou a ser um dos serviltos proporcionados laquomulher rnoderna)- nos muitos cabelelreiros que abriam no pais FOlos Hemeroteca Municipal de lisboa Fernando Marques (0 Formidaven_
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
I 261
I f~~ f~
Hist6ria cla Vida Privada em Portugal Os
Os anos 60 vinHn (orpo das jovens f)rnpEt Gin inuitos dos
espartilhos fias suas vivencius 0 prazer 2 a )IJtodetermina~50
pela comercializa~ao da pilula
pronto-a-ve$~fr Ern 1963 a minlssaia um exHo estrondoso e torna-52
urn lcone do pmnto-aMvcstir feminino Em Portugal modelos de
Mary Quant eram importados pela Loja das Meias e a irnprensa feminlnd destacava 0 laquonoVO sentidoraquo das suas
(ores e formasr laquoeuror)EctilCC e laquo(divertido para os
dos 0 chapeu entrava em desLlso apenas guardado para ocasioes mais solenes e os cabeleireiros multiplicavammiddotse Muitos desses artigos ja teciam consideraltoes acerca da relaao entre penteado e personalidade tentando aconselhar qual seria mais adequado para cada tipo de pessoa Urn indicio do processo de individualizaltiio e privatizaltao do corpo que comeltava a marcar 0 espirito da laquomulher modernaraquo que surgia
AIpounduma ousadia e desejo de ruptura nas atitudes e cuidados com 0
corpo ganharam enfase nos anos 60 por entre as camadas juvenis ciladinas Em consequencia do prolongamento do tempo passadono sistema de ensino 0 periodo da adolescencia estende-se e a laquojuvenshy
middottude comelta a emergir enquanto categoria social com expreurossao publica com modas e modos espedficos Fora de casa nilS escolas nos empregos nos tempos livres ou durante as (erias os momentos de
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
sociabilidade juvenil modificaram-se multiplicaram-se fora das barshyreiras impostas 11 convivencia entre generos
Em sectores socials que detinham alguma relaltao com a vida universitaria a laquomulher modernaraquo afirma-se gradual mente no domfnio publico - em liceus e universidades em postos de trabalho que conshyquista na industria e em escritorios em espa~os mundanos que se abrem it sua entrada sentando-se em cafes au divertirrdo-se em lugashyres nocturnos Muitas mulheres come~aram entao a mostrar urn tarpo cada vez mais vaidoso garrido dan~ante e sensual
A luta pela emancipaltaafeminina tambem passava pda rebeldia perante 0 vestuario impasto como adequado para a mulher Nao adeshyrindo as indumentarias convencionais a laquorllulher moderna)) desnudavashymiddotse progressivamel1te exibia-se publica mente e assumia 0 desejo de liberdade e igualdade perante 0 homem com 0 qual comeltava a conshycorrer em alguns segmentos do mereado de trabalho Em meados dos anos60 as saias subiam bastante acima dr~ joelhos 05 decotes fica ram pronunciados as linhas rigidas foram ilbandonadas a favor de uma silhueta leve alegre e confortavel eo usa das calas difunde-se
G)rno senhora do e do seu destino Apesar de
lima muiher
ofkiiilmente interdito este com~ou a tmnlt3r conta das portugu2sas para satisfacao mifOf12S mascullnos ~otos AN 1T Arquivo Diorio de Noticias
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
I ~
Hist6ria daVida Privada em Portugal 05
Ainda que a atitude de reserva das raparigas se diluisse as mecashynismos de vigilltlncia corporal do regime permaneciam atentos aos sinais de subversao A nova imagem feminina os sectores sociais mais conservadores associavam a mulherfacil e futi que frequentava instishytutos de beleza cinemas e cafes dancings casinos au outros laquoantros de perversaoraquo sem que soubesse dar um proveito mais util ao seu tempo a mulher que se fazia notar se pintava escandalosamente se exprimia com baixo calao e fumava com ar petulante e superior a
mulher que tomava a pilula assumindo a sua sexualidade e reivindishycando 0 direito ao prazer
Os homens por sua vez movidos pelo proprio contacto social quotidiano com os sectores femininos da popula~ao quer no trabalho quer na vida mundana veem-se tambem a cuidar da sua imagem corporal A moda masculina assinala alterac6es significativas comecando a haver mais propostas a nivel do vestuario e uma maior democratizacao do traje A tradicional industria da alfaiataria entra em crise nomeadamente com 0 5wrgimento do pronto-a-vestip) uma realldade que tambem vefYl conquistar 0 consumidor masculino Este passa ainda a assimilar tendencias de moda em penteados barbas e bigodes que se alorgam e seurotornam mais extravagantes e espontaneos
(cA moda ehoje urn fen6rneno de juventuderaquo constal-ava a magazine
Semoncirio Feminino 1967
Foto ANTT
A laea e a brilhantina que outrora formatavam 0
ca belo cede m ao desalinho de uma laquomodajovemraquoque se afirma nacional e intershynacionalmente
Os anos 60 foram com efeito anos de juvenishylizacao dos corpos com a adopcao de uma imagem mais informal e colorida por parte das gera~6es mais novas Os pr6prios costureishyros e tradicionais casas de moda voltavam-se para formas mais funcionais confortaveis e irreverentes de vestir oferecendo ao homem e mulher da epoca
~n~lt~c~ 26300 lado do avesso l11undos e experiencias de Vida
Tu eacalca
reg eOI1TrclSTeP~flori-OS _TO
tihRoVlTI)ftIA 110 CKrAiUfik ~
ambos trabalhadorCs 0 poderde adquirir com facilidadeea econ6micos pe-cas de vestuario arrojadas e praticas sem terem de se 5ubmeter a longas provas e Qutras demoras
o pronto-a-vestir impunha-se nas ruas e nas revistas de moda porttlguesas (des)cobrindo umcorpo jovem que na cicjade tinha adquirido alguma capacidade de consumo e autonomia Um corpo que se tentava libertar dos modelos e conven~6es oficiais nomeadamente das convenlt6es de genera A moda unissexo comeca a surgir mesmo que sob acusa~6es e lament05 de que ja nao se conseguiam distinguir rapazes e raparigas ambos frequentavam as mesmas lojas usavam cabelos longos ou curtos calcas de ganga e de boca-de-sino blus6es
de cabeda I adornos variados Insu rgindo-se contra as convenlt6es de genero a diferenca indishy
vidual e a rebeldia social eram valores que as corpos dos mais jovens pretendiam expressar ate por inspira~ao de varios movimentos ou laquosubculturasraquo de rua que em outros paises da Europa enos Estados Unidos da America se davam a reconhecer at raves de indumentanas espectaculares greasers rockabillies teddy boys hippies rockers etc o corpo tambem se individualizava na danca atraves de movimentos efllsivos e desgarrados da presenca de um par Apesar da apertada vigilancia sobre eventos colectivos nomeadamente sobre espectaculos musicals e espai0s danltantes sentia-se que 0 corpo dos seus frequenshytadores procurava nao 56 ampliar formas de erotismo como estimular
a excita-ao dos sentidos
HIEi(2uO Ot ui)u--b_i uma dl[eren~a mostrM 0 CG~pO apresenHl~1do modelos rcbeldes e irreverentes pardos dOl epoca Eram em Inglaterra e adaptados (m e atelies portuguescs que os reproduziam com materiasprimas nadonais e a baixos A ctrategia tornou 0 acesso de rnuitos ioVEoS a uma vaSta de
bastnrrlf eXfravogames na da figura no cartaz promocional loja
bastante elucidativa da tcndencia Un5sexo que emerglltl Coiecylo particular
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
265 Hisl0ria da Vida Privada em Portugal Os Dias
ern 1976 iSilb2i Queiro5 do Vale abre o prrmeiro Salao de Cabeleirciro unsshy
segto de Usbac num plso tErreo Cen1ro Comerciai tmrWiZ (Era tudo
esiranho a come~3r pelo facto de ser urn cabeieireiro unlssexo num Espalto vlsfve passalGt [ ] Forn uma
rllultidao samente todos os passos
capilur ferninina e mas(ulind euro cornenshytava ern voz alta por vezes corn alguma
indignaltlt1o iI ousadia do empre~ndishymento Os risos piadas resmungo5 e
cxclama~6e5 atraVC$savam a barreira de Som doSe secadores da musica ambiente
e (onversas defltro do salao mas etudo junto a tratar Qualqucr dia nem se
distinguem os hornens das mulheresgt (Gonzaga 2006 p 131) Na foto urn
5alao de cabelcireiro lisboeta em 1971 Foto Arquivo Ojario de No t icias
o iE-itS urna adapta~~o aoougueurosada
mento musical naciont infamando vibranternente os curpos que preenchlarn o palco e a platei do Teatro Monurrientol
em Usboa quer nos concertos de argu~ rnas tstfetas internadonClis-que pOT aqui (ome~avam a passar quer nos concursos
de novas valores da musfca moderna organizaaos par Vaco
decada de 60 Fotos Costa MadeiraANTI
As referenclaS dominantes de produ~ao da imagem corporal dos malt jovens ja nao passavam pela sofisticaltao dasestrelas de cinema mas PI2I irreveltencia dos astros nacionais e internacionais da canltao ligeira rack euro rup que surgiam apesar da dificuldadede aceurosso ao material mus ca I pmvelj( nte do exterio~ As ondas da radio e 05 ecras desse aparelho que invadia il (asa dos portugueses - a televisao - abriam horizontes para Qutras realidades sonoras e imageticas outros produtos e valores propa- gando sinais de e para uma nova geraltao com carpos sentidos e mentashylidades diferentes do passado Os varios estilos musicais que este meio de comunica-ao difundia em larga escala traziam consigo estilos de vestir danltar e de se comportar que inspiravam muitos jovens urbanos das camadas medias e altas da sociedade portuguesa
Do lado do avesso mundos experiencias de vida
As transforma~6es indiciadas expandiram-se nos an05 70 tcnshydendo a generalizar-se ap6s a revolultao de 25 de Abril de 1974 Esta foi uma conjuntura em que a sociedade portuguesa viveu transversalmiddot mente lim periodo de exalta~ao revolucionaria -elebrat6ria da libershydade social conquistada Nos corpos engalanildos de colarinhos pOfltiagudos libertariamente desabotoados ou de pernas escancaradas era experimentada uma euforia co[ectiva a que Portugal estava pouco habituado
Ainda que nem tudo tivesse passado a ser permitido muito foi reivindicado A informa~ao diversifica-se e muitos d05 temas que anteshyriormente eram tabus como a vida sexual 0 aborto ou a homossexushyalidade - sao tratados e discutidos nos meios de comunica~ao social
Note-so a oU5dia do visual do compo tamento corporal da fa d Johnny Halliday dmante 0 espectaculo deste no Monumental 1961 Face a estes excess OS a interventao polidal exigia 0 sltu controlo Fotas Claudina Costa MadeiraANTI
poJftjltos fndiciifS r ) Gente muito vstida de todas as cores do arcoshymas escuw ao mais berrante
Rap3Zes e rapClrig25 de tunicas e Ci1sacos afegaosr jeans rasg5dos puidos rcmendado5 - (ar[~imos e importado~
saiaS compridasl njnj~sala ou hot pantsraquo (Gonzaga 2006 p 141) Fatos Arquivo Diouio de Notfcias Rui Pacheco
de Lisbod
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
267 ~ Historia da Vida rivada ern Portugal Os
I ~
Autoc~lante do Partido Sociaiista Revoucionario anos 80 I magern cedida Del arauivo documental
Esquerda
nas escolas e na vida politica enquanto direito5 sobre uma propriedade que se reivindica como privada 0 corpo
Nos cinemas estreiam-sefllmesque haviam side proibidos devido
aexibiltao de cenas de nu e sexo explfcito como a Ultimo Tango em Paris au Emmanuele A pornografia vende-se livremente e 0 aviso laquocenas
eventualmente chocantesraquo passa a acompanhar filmes e eurospectaculos
de teatro e revista onde cenas destriptease eram adoptadas como forma
de chamar mais publico 0 filme sensatao de Cannes em 76 Imperio dos Sentidos chegou a Usboa ao mesmo tempo que as restantes capitais
europeias Ao contexto de liberdade sexual junta-se a vontade individual
de se tamar atraente e diferente tal como aqueles corpos mundanos
com que as portugueses ja contactavam quotidianamente atraves dos
media e da publici dade
11
No decorrer dos anos 80a sociedade portuguesil Ie gradualmente
amclecinos os ideais revolucion~rios e as grandes frctes de ideologishy
ZayaO politicas e partidarias caracteristicos da deCi-] ilnterior Com a
entraua de Portugal na Comunidade Europeia e a pellodc ele estabilishy
zaltiio pol[tlca e economica que sc Ihe ~eguiu nova amblcoes expecshy
tativas e son nos passaram a ser exporados e alimentados por uma
sociedade de consumo em franco cresdmento A vida politica deixa de
ser vivida com entusiasmo a favor de outros palos de atrac~ao mais
mundanos e informals
As causas e utopias colectivas desvanecem-se em detrimento de
causa5 e utopias individuals e particularistas A etica de contesta~ao e
combate que caracterizava 0 ambiente de Abril nos anos 70 e sucedida
pOl uma etica de celebra~ao e consumo Desinteresoada da preten5ao
de mudar 0 mundo a gera~ao nascida depois do 25 de Abril ambiciona
mudar a sua vida Muitos tentam altera r 0 corpo de que se sentem
proprietarios investindo-o de imaginarios c desejos project6es e proshyjectos nao raras vezes diffceis de concretizar Muitos desses corpos
ut6picos vao exprimir-se atraves da experimenta~ao de limites fisicos e
conven~6es sociais do excesso nos visuais movimentos e nas sensa~6es laquoOriginalldaderaquo e laquoestiloraquo sao valor (gt que atravessam as produ~6es
corporais que demarcam as novas IKtribos juvenisgtl que emergem nos
espa~os urbanos portugueses Independentemente da c1asse social ou do sexo os jovens portushy
gueses dos aoos 80 distinguem-se a si proprios e sao diferenciados das
Do lado do avesso mUrldos p experiencizs de vida
gera=6es que as precedem pelo facto de darem maior importancia ao
corpo as actividades fisicas e a vida sexual bem como pelos gost05 muito diferentes em materia de vestuario E por que razao 0 valor do
corpo se tornou tao consensual mente partilhado entre as geralties
posteriores ao 25 de Abril Porque atraves dele epossivel viver na carne
alguns dos valores que hoje Ihes sao mais queridos como demonstram
varios inqueritos ajuventudp pOftuguesa 0 experimentalismo enquanto
tentativa de ultrapassar deg Hmii possivel 0 hedonismo (omo principio de prazer gozo e celebra~ao da vidaopresentismocamoforma de viver
intensivamente a momento sem pensai no futuro 0 individualismocomo modo de afirm3t30 da pessoa na sua singularidade autenticidade e liberdade pessoal
A fantasia criativa que caracteriza as modas e os modos em
meados dos anos 80 veio transformar 0 (arpa na maneira como e vestido cal~ado penteado ou adornado num inestirnavel recurso de
personalizaltao sobretudo nas mais jovells geralt6es A moda come~a
Os desportos ((radiGlfSraquo tornam-se uma das expressocs publicas da culturas juvenis oode a pericia a criatividade sao verilicodas pelo grau de diflculdade jnova~3o dogt movimentos
executad03 Critividade e driereha sao tambern 05 valores cultivados pelos
Nos anos 80 mod a punk fervilha na Baixa Lisboela oem como rela ruas eslreita do Salrro Alto fotDS Arqulvo E)(pr1csso
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
269 Hist6ria da Vitia Privada em Portugal
l-I I
o eorpo jovem) hoje goriflcado e rnercantilizado no espa(o publico
privado corresponde a um imaginario que se materiai73 no d( urna tensao maxima da
e uma iihueta (onforme aos canones de perfeiao de mdnter um corpo
activo e sempre aptolonge da amealta de doenoa au do prenundo de morte
de canstruir um carpo sedutor e lenudl scm pre dccsejavel avida dc
explordr um corpo hcdonsta c irrever~nte que proporclone prazer
imediato teste laquocorpo jovemraquo qucl sob a torma de beleza saude vltalidade
sensual1dade assoma hoje em dla como realidade Ideal(izada) alimentanda
ansiectadcs e expectatlvas de multos ~oto Biblloteca Nacional Usboa
a ceder ao estio onde 0 valor da laquodiferenltaraquo individual mals do que o de distinltao social e corporal mente explorado 0 absolutismo da alta-costura enquanto laboratorio oficial da estetica do corpo e derrushybado e da lugar a uma industria de pronto-a-vestir que cada vez mais inventiva se expande e diversifiea propostas assimilando a variedade das tendimcias internacionais etornando-as mals acessiveis a um maior numero de pessoas A ditadura sazonal de uma solinha que inclufa um visual completo com todos os detalhes de beleza pentE-ado e acessoshyrios foi sendo desmultiplicada e 11 norma autoritaria e directlva tende a ser substituida por uma pluralidade de normas de natureza mals indicativa orientadora e flexivel
Num contexto onde 0 corpo eorgulnosamente exibido e valorishyzado no espa~o publico e Como tal mais atentamente cuidado na esfera privada a industria da moda do design corporal cresce numa escala mals alargada fragmentando produtos e clientelas na esfera publica portuguesa Novas lojas fabricantes institutos de beleza empresas de cosmeticos nacionais internaciunais vem afirmar-se no mercado portugues Com a expans~o de marcas e produtos de manutenltao e modificacao corporal e facilitado 0 aces so a uma panoplia de produtos e tecnicas com pI orressas de triar um corpo atraente saudiivel energico e bem nutrido A irrdgem do corpo laquorejuvEnesceraquo e com ela a preocushypaltao de ter e mlrter um corpo perfeito e eternamente jovem
Ao mesmo tempo que a laquojuventuderaquo se afirma como entidade social autonoma no ediffcio das gera~6es 0 seu corpo ffsico e promovido a valor de referenda e reverencia Com efeito as atitudes e praticas corshyporais cultivadas pelos mais jovens tem-se reflectido na propria vlvencia corporal da geracao dos respectivos pais eles proprios pressionados no
Do lado do avesso mundose experiencias de vida
~el1tido da promQ(ao aperfeiltoamento e manutencao dos seus corpos Se outrora era ambiltao da filha fazer-se parecer com a sua mae actualshymente e 0 contra rio que se verifiea Nesta optica culto da juventude e culto do corpo Glnlinham a par ser jovem ja nao e uma etapa a ultrashypassar rapidamente mas uma condiltao a prolonga na melhor forma passivel sob 0 prlsma da beleza saude vitalidade e do bem-estar
Recentes investiga~6es levadas a cabo tem mostrado que a mitoshylogia do corpo jovem e perfeito e em grande medida alimentada por uma florescente diversa e cada vez mais sofisticada industria de design corporal Esta compreende esferas diversas Desde logo a esfera do bemshy-parecer correspondente aos produtos e serviltos que prometem 0
desejado ajustamento aos canones esteticos do momento atraves da modificayio ou conserva~ao do corpo produtos cosmeticos e dieteticos qufmicos e biologicos metod os mals imediatos como as cirurglas plasshyticas ou mais prolongados como a pletora de actividades ffsicas e desportivas cada vez mais diversificadas sofisticadas e acessiveis pratishycadas em ambientes protegidos e cada vez mais luxuosos
Paralelamente existe tambem um segmento dedicado it promoshyyio do bern-fazer constituido pelos produtos ou serviltos que afiamam os eevados padr6es de desempenno saude e vitalidade hoje em dia exigidos ao corpo bebidas e produtos energeticos que possibititem enfrentar um estilo de vida cada vez mais acelerado pastil has que asseshyguram uma ou mais noites consecutivas de dana e euforia proteses farmacol6gicas quimicas ou laquonaturaisraquo que garantem a obten~ao de um melhor desempenho e rendimento sexual sao alguns dos produtos hoje disponlveis neste segmento de mercado
laquo(Se os ginasio decduca~aoff5i(aN lisdpitnamiddot
corpo para for mar melhores ddadsecto5 rnais saudave~5 e cornpetenieuroS preparardo~os para desafios das IOVaS sociedvdes surgidas corn a
os lado aS50ciJm a juventude e a salde do corpo
~ auto-estima e dO
otEendo produtos e servios des in3dos a moldar 0 corpo amedida das necessidddes (ulturnls e preocupa~6e5 de (ada individuoraquo (Fortuna 2002 p Foto PhotodlsCGettylmagesAlllson MidlaelOrenstein
o Vlogra entre outros produtos veio trazer ltfirmezu) a muitos homens quegt ja a tinham dado corno posslbilitando a dos prazeres da carna a muitos casals para quem a vida sexualja havio a(abado he multo Mas se muitos casarn(ntos 50
reavivaram ac011ta do comprimido azul outro5 complicaram-seuro na rnedidrt em que rnuitos homens renascidos
orientaram 05 seus esionos fisicos e sedutores para fora de casa e no sentido de mulheres mals jovells ~oto Fotobancohlarny
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
271 27f Hist6ria da Vida Privada ern Portugal
Hoje 0 banho va alern da preocupaltao Por ultimo desenvolveu-se ainda uma csfera dedicada ao bemshy
num ritual de cclcbraltiio dos sentidos e -esta( corporal que compreende produtos e servi~os que asseguram higienista com 0 asseio Converteu-se
do bcgtrn-estar pesso(ll assoc(ado a uma o prazer e a satisfaltao pessoal atraves do corpo toda uma gama de mullipticidade d~ prorutos e objectos
acess6rios de banho e de casa que prometem 0 relaxamento e a estishyque VaG aiern do imperativo de lirnpel tambem hidratam tonificam mulaltao prazerosa dos sentidos (velas saboes e espurnas de banho
pcrfumdm cmagr(-((-mdao prazerl perfumadas) terapias diversas colocadas ao servilto do corpo ou nele tnmsfOr mlindo momentos rituals de
ancoradas ao servilto da psique tome os spas as terapias bioenergetishyhigiene pessoal em momentos
descontraccao cas e de meditaltao bem como os inumeros tipos de massagens ou
outras actividades de importaltao oriental ou as pr6teses farmacol6shy
gicas que regulamdominam eou transformam os seus humores como
o Prozac e outros antidepressivos e ansioliticos
Todas estas esferas de mercantilizaltao de uma forma ou de outra
acenam com promessas mercantis de rejuvenescimento dos corpos Se
outrora esses produtos eram restritos a urna elite de afortunados hoje
em dia esse sonho tende a democratizar-se existindo um laquoelixir da
Do lado do avesso mundos e experiencias de vida
juventuderaquo amao de qualquer urn e amedida de (ada carteira De facto
muitas das tecnicas tecnologias e produtos fornccidos por esta industria
conseguem atingir segmentos socials ate hojc deles exclufdos colocando
ao seu dispor consoante possibilidadese ambi~oesdispositivos materiais
e tecnicos que permitem a manipula~ao da morfologia e fisiologia do
corpo no senti do da conserva~ao correqao ou aperfei~oamento das
suas formas ou fun~oes da experimentaltao das suas fronteiras ou da
amplialtao das suas capacidades e sentidos
A par do desenvolvimento da industria de design corporal em grande
parte 5uportando-oe promovendo-o deu-se urna crescente tematizaltao
e circulaltao mediatica de imagens e inforrnac6es sobre corpo nao 50
atraves de publicidade mas tambem de outros formatos jornalisticos
Aconselhamentos em materia de alimentaltao exerdcio fisico ou faonci(las A imagerrtcllldos de saude sao rubricas frequentcs em revistas ou programas
tpela~ eievisivos de natureza especializada au generalista Esbatendo a fronshy recentes revistas dedicJdas ao teira entre ficcao e realidade as mensagens mediaticas tendem a difunshy rnasculinor apreStHln Urn
ltnovo homenll prcocupado nin $6dir a convicltao de que se as instrultoes de um determinado produto ou COrTI desempenho sexual mas
servilto forem seguidas 11 risea e possivel atingir 0 ideal corporal Ao tambem corn a fkgtxibilidade da pele a mesmo tempo tomam os individuos mais conscicntes da sua apanncia tonicidade do silhuela 0 volume do
externa confrontando-os com kones que enformam (e conformam) abd6rncm a domesticaltao dos odores o estiio e a sallde Arquivo Motorpn-ssideais de perfeiltao fisica laquocorpos de sonhoraquo que saem do reino da
excepltiio e invadem a vida quotidiana
Ao explorar largamente irnagens corporais que estabelecem
elevados pad roes de atractividade e desempenho corporal a accao dos
media e do mercado potenciam scntimentos de insatisfaltao e incompeshy
tencia ffsica na imagem que cada um desenvolve sobre 0 seu pr6prio
corpo Sao efeitos que se materializarn par exemplo na intensificaltiio
de estrategias de vigilancia sabre as formas e funlt6es do corpo bem
como muitas vezes numa gestao corporal de riscoraquo quando a adesao
a determinadas praticas de modifica~ao corporal como as dietas au a
actividade fisica par exemplo e feita de uma forma compulsiva e exashy
gerada
Eneste contexto que alguns disturbios de natureza psicopatol6shy
gicatem aumentado na sociedade portuguesa nomeadamente aqueles
cuja prevalencia tern sido associada ao segmento juvenil da populaltao
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
----- - -
273 Historia da Vida Privada em Portugal 05 N0SS0S DieS
ninguem me abandonaram para que
05 medicos me tratltlssem Nao quero scr triltada nan estou doen1e e nk~
quem mudar Nem urn grarna a uma caloria a
de me controlar ai convencer a er difer2ntu1 ell
nao quero mudar dO~ vintc c nove quilos custou-me muiio E
nao ~ agora qu~ vou perder todo 0 que ganhei nesta lutaraquo (0 Diorio de
Joanaraquo in Bouca 2000 pp 19middot 20) Foto LifesizelGettyimagesRoeiof B05
comoa anorexia a bulimia ou a vigorexia porexemplo DeJacto segundo
dados de um inquerito as atitudes dos jovens portugueses perante 0
corpo muitos tendem a desenvolver sentimentos de insatisfaoao pessoal
com a sua imagem corporal quando comparam os seus corpos com os dos modelos socialmente difundidos e valorizados
Para combater a sua insatisfaltao os jovens encontram uma pano
plia cada vez mais diversificada de op~5es para prover ambilt6es e expectativas corporais Nao raramente 0 projecto de modificaltao corshy
poral nao tem apenas um significado estetico mas tambem emancipashy
torio Quando porexemplo adornam a sua pele com tatuagens ou body piercings esculpem e colorem os seus cabelos de uma forma original
fazem uma dieta ou tomam anabolizantes para modificara sua silhueta
Do lado do avesso mondos e experiencias de vida
mesmo que il1corram em riseos os jovens fazem middotno eonvictos de que
estao no pleno exercicio de um direito fundamental 0 usufruto sobre
um patrimonio que entendem como sua propricdade privada capitalishy
zavel sem restri~6es que nao apenas as definidas por si proprios
A mobilizaltao dessas praticas de modificaltao do corpo sucede muitas
vezes ao arrepio das varias instancias que ern diferentes dominios da
vida social (familiar educativ~ profissional reiigioso medico jurfdico
mediatico etc) estao tradicionalmente a utorizadas a exercer 0 poder
de produzir e regular a Figura e a gesta corporal
o processo de privatizaltao subjacente aos actos de modifica~ao
ou manutenltao corporal na sociedade actual e realizado nao apenas sob
a egide da autoridade pessoal mas tambem da auto-responsabilizaltao
cada um a partida tera plenos direitos sobre 0 bem patrimonial que
considera mais representante de si proprio sendo igualmente responshy
savel pelocumprimento de determinados deveres sociais perante 0 seu
proprio corpa e q ue passam por cui dar da respectiva aparencia vitalidade
lilLer lorn () Iniu L(Jtiln
de tudo Nao eda mmha mae nao edo mcu paI que sao os responsaveis qor eu fostar vivo Eles muito menos ~ao aqueies que poderao controlar 0 que EU fa~o ou nao Apenas (u mais nil1guem pode 0 que eque eu falto com 0 corpob~ (2S anos sexo masculino] 200B p 18S) Foto IsaksonlGettyimages
e humor Ou ate mesmo zelar pel a respectiva duraltao e qualidade de
vida assumindo um papel preponderante no controlo e identifica-ao
atempada dos sintomas de patologias diversas (cancro problemas car
diovasculares etc) na prevenltao de condutas de risco (nomeadamente
atraves da redu~ao do alcool e do tabaco da obrigatoriedade do exercrshy
cio fisico ou de sexo protegido) ou no evitamento de excessos (ali menshy
tares de exposiltao ao sol de medicaizaltao etc)
Se aprimeira vista os processos de individualtao e de privatizaltao
do corpo a oeorrer na sociedade portuguesa desde os anos 50 parecem
corresponder a um progressivo desaparecimento dos interditos normashy
tivos descobre-se que na realidade sao expressao de uma nova e mais
subtil distribuiao social dos constrangimentos e das disciplinas corposhy
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
275 HIst6ria da Vida Privada em Portugal
rais porq ue voluntarista desmultiplicada e discreta As sucessivas formas
de liberta~ao corporal que aconteceram traduzem nao um eclipse dos
constrangimentos exteriores sobre 0 corpo mas 0 seu deslocamento
para a esfera individual operando atraves de mecanismos mais impershy
ceptiveis sedutores e eficazes de interioriza~ao e reprodultao de novas
normas e pad roes corpora is
Se anteriormente 0 controlo dos excessos nos gestos nas apashy
rencias e nas emo~6es era c1aramente realizado atraves da aqao de
institui~6es como a policia a medicina a religiao ou a escola encarreshy
gues de fazer aplicar e vigiar os multiplos interditos corporais institushy
cionalizados hoje eo proprio individuo 0 responsavel por essa mesma
regula~ao e controlo Perpetuamente submetido ao olhar de si proprio
sobre si mesmo constantes estrategias de autovigilfmciil ~ autodisciplina
sao por ele laquonaturalmenteraquo assumidas incorporadas e transformadas
em automatismos e obrigalt6es a cumprir na esfera da vida privada No
frenesim da adequacao a um laquocorpo perfeitoraquo e da conserva~ao de um
etrno presente multas pessoas sujeitam hoje voluntariamente 0 seu
corpo a regimes quase sacrificials de deporto ou restricao alimentar
na ilusao de estarem a dominar mecanismos lioogicos
Embora discreta a luta pelo controlo sobre os significados comportashy
mentos e prazeres do corpo tem sido crucial nas ultimas decadas ou
nao fosse 0 corpo 0 lugar on de 0 social emais convictamente represenshy
tado como individ ual e as politicas mais bem disfarcadas enquanto
natureza Era esse 0 projecto politico do regime do Estado Novoconstruir
um cor po disfanado de laquonaturaiiuaderaquo que espelhasse os seus valores
mais profundos e agisse na tonformidade e interesse do Estado Um
corpo representado e agilizado como instrumento a cuidar nomeadashy
mente enquanto forlta de trabalho socializado na dependencia de um
projecto colectivo nacionalista e vigiado segundo padroes etico-morais
muito estritos e conservadores
Os espa(o ie socializaltao directamente criados e controlados
pelo poder (a escola e as mocidades portuguesas rnasculina e fell1inina
em aJianlta com as institui~6es de forma~ao religiosa) cultivavam 0 corpo
como urn espa~o de interdi~6es sagrado intocavel apenas rectificavel
na medida do que se entendia ser a sua laquonaturalidaderaquo um corpo dis-
Do lado do avesso fIluodos experienciils de vida
creto asseado e saudavel pronto para servir 0 regime no trabalho na
guerra na reprodwao e na moral da epoca Para tal reCOrrelJ-Se a resshy
peitabilidade dos conhecimentos e da aClao de profissionais da medicina
da educa~ao fisica e a agentes da religiao como forma de habituar 0
corpo dos portugueses a novas modas e modos Esses agentes proceshy
deram a um trabalho incansavel de correccao e de vigilancia em consoshy
nancia com urn conjunto de valores politicos e socials segundo
estrategias diferenciadas em funcao de publicos muito definidos as
gentes simples dos campos as gentes viciosas e ociosas das cidades a
mocidade ameacada por tentaltoes de varia ordem
Desde meados do seculo XX pons-m que for~as sociais diversas
nao 56 politicas (como 0 movimento feminista) mas tambem mundanas
(como 0 mercado e os meios de comunicaltao social) come~aram a
sujeitar 0 corpo a um trabalho de desnaturalizaltao emancipando-o da
postura que 0 tomava como destino geneticamente herdado que apenas
urgia manter na sua vitalidade Nas condic6es sociais culturais e econoshy
micas herdadas pelo 25 de Abril 0 corpo ja nao econsiderado apenas
um mere utensilio social mente valorizado no rendimento laboral que Ainda que cada vez mals expOS10 no
proporciona e enquanto superffcie de expressao moral de um colectivo espalto pubnco a atltoridade a
comoo fei para 0 Estado Novo 0 corpo emerge na sociedade portuguesa
contempOl ilnea como um acessorio fmpar na constru~ao dos projectos
de identickde pessoal de cada individuo
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado
Historia da Vida Privada em Portugal Nossos
Num mundo onde a gestao da imagem se tornou simultaneashymente um negocio lucrativo e uma necessidade de facto 0 Corpo na
forma como e mantido au modificado converteu-se numa influente
fonte de informaltao sobre a pessoa sujeito asua vontade e responsashy
bilidade Oaf oenormevalorqueadquire enquanto acess6riode presenca
e de reconhecimento social do individuo no mundo projectlvel segundo o seu desejo empenho e recursos
Enquanto materia maleavel transitoria e manipulavel 0 corpo e aberto aexperimentacao disponivel a ser treinado moldado corrigido modificado projectado no sentido do encontro com uma identidade
pessoal desejada conforme 0$ interesses aspiralt6es gostos esteticos
valores eticos e condic6es economicas do seu portador Urn patrimonio
privado que na praca publica cabe a cada um explorar gerr e capitashy
lizar 0 melhor que puder e souber considerando 05 novas imperativos esteticos e sanitarios determinados pelas industrias do bem-parecer bem-fazer e bem-estar
EsOcialmente instituida uma moral individual de esforlto e de sicrifido em fun~ao de novos deveres ~cdais 0 corpo liberto deve estar em constante aten~ao sobre a sua apresentltlltao forma desempenho e
disposi~ao E se necessaria for h6 que sofrer para se mastrar belo saushy
davel din amico alegre Os individul5 sao responsavclmenteconvidados
a transformar e a expor a aparenci d melhorar ou a conservar a forma
a corrigir defeitos a disfar~ar marcos de envelhecimento a erradicar
sintomas de degradacao fiska a melhorr desempenhas e humores
Esse tal corpo publkamente apr0entaco COmo pessoal e livre dcscobreshy-se afinal um corpo priadamente sodalizado e disciplinado