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Fabulas de Esopo Ilustradas.pdf

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  • Fbulas de Esopo

    2

    Ttulo: Fbulas de Esopo

    Traduo e adaptao: Carlos Pinheiro

    Ilustraes: Steinhowel (1479), Osius (1574), Wenzel Hollar (sc. XVII), Francis

    Barlow (1687), JJ Grandville, (1838) Samuel Croxall (1863), Herrick (1865),

    Harrison Weir (1867), Grandville (1870), Randolph Caldecott (1883), Richard

    Heighway (1894) e Milo Winter (1919).

    1. edio

    Dezembro de 2012

    Esta obra foi licenciada com uma Licena Creative Commons

    Atribuio-Uso No-Comercial-Proibio de realizao de Obras

    Derivadas 3.0 Unported

    Imagem da capa: The fables of sop: with a life of the author; illustrated with

    one hundred and eleven engravings from original designs by Herrick, 1865.

    As 115 fbulas que compem esta edio resultam da adaptao da obra

    Fabulas de Esopo, com applicaes moraes a cada fabula, nova edio

    revista e aumentada, 1848 (Fbulas I a XCII). Na adaptao procurou manter-

    se o estilo do autor, sobretudo na moral da histria, embora com as

    necessrias adaptaes ortogrficas e sintticas. As restantes fbulas so

    tradues de Aesop for Children (translator not identified), Illustrations by Milo

    Winter, 1919 (Fbulas XCII a CIX), The fables of sop: with a life of the author;

    illustrated with one hundred and eleven engravings from original designs by

    Herrick, 1865 (Fbula CX) e de Aesop's Fables, by George Fyler Townsend, with

    illustrations by Harrison Weir, 1867 (Fbulas CXI a CXV). O captulo A Vida de

    Esopo igualmente adaptado da obra Fabulas de Esopo, com applicaes

    moraes a cada fabula, nova edio revista e aumentada, 1848.

    As mais de cem ilustraes que acompanham o texto foram retiradas de

    diferentes verses em lngua inglesa das fbulas de Esopo e datam dos sculos

    XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX, estando identificadas de acordo com a seguinte

    nomenclatura:

    Francis Barlow, 1687 (FB1687), Grandville, 1870 (G1870), Harrison Weir, 1867

    (HW1867), Herrick, 1865 (H1865), Milo Winter, 1919 (MW1919). Osius, 1574

    (O1574), Randolph Caldecott, 1883 (RC1883), Richard Heighway, 1894

    (RH1894), Samuel Croxall, 1863 (SC1863), Steinhowel. 1479 (S1479), Wenzel

    Hollar, sec. XVII (WHsecXVII)

  • Fbulas de Esopo

    4

    ndice Fbula I O Galo e a Prola ..................................................................................................... 8

    Fbula II O Lobo e o Cordeiro .............................................................................................. 10

    Fbula III O Lobo e as Ovelhas ............................................................................................. 12

    Fbula IV O Rei dos Macacos e dois Homens ...................................................................... 14

    Fbula V A Andorinha e as outras Aves ............................................................................... 16

    Fbula VI O Rato e a R ....................................................................................................... 18

    Fbula VII O Ladro e o Co de Guarda ............................................................................... 20

    Fbula VIII O Co e a Ovelha ............................................................................................... 22

    Fbula IX O Co e a Carne ................................................................................................... 24

    Fbula X A Mosca em cima do carro ................................................................................... 25

    Fbula XI O Co e a Mscara ............................................................................................... 27

    Fbula XII O Leo, a Vaca, a Cabra e a Ovelha .................................................................... 29

    Fbula XIII O Casamento do Sol........................................................................................... 31

    Fbula XIV O Homem e a Doninha ...................................................................................... 33

    Fbula XV A Macaca e a Raposa .......................................................................................... 35

    Fbula XVI Juno e o Pavo ................................................................................................... 37

    Fbula XVII O Lobo e o Grou ............................................................................................... 39

    Fbula XVIII As duas Cadelas ............................................................................................... 41

    Fbula XIX O Homem e a Cobra .......................................................................................... 43

    Fbula XX O Burro e o Leo ................................................................................................. 45

    Fbula XXI O Rato da Cidade e o Rato do Campo ............................................................... 46

    Fbula XXII A guia e a Raposa ........................................................................................... 48

    Fbula XXIII O Galo e a Raposa ............................................................................................ 50

    Fbula XXIV O Bezerro e o Lavrador .................................................................................... 52

    Fbula XXV O Lobo e o Co ................................................................................................. 54

    Fbula XXVI Os Membros e o Corpo ................................................................................... 56

    Fbula XXVII A guia e o Grou ............................................................................................. 58

    Fbula XXVIII A Raposa e o Corvo........................................................................................ 60

    Fbula XXIX O Leo e os outros Animais ............................................................................. 62

    Fbula XXX As Rs e Jpiter ................................................................................................. 64

    Fbula XXXI As Pombas e o Falco ...................................................................................... 66

    Fbula XXXII O Parto da Montanha ..................................................................................... 68

    Fbula XXXIII O Galgo velho e o seu Dono .......................................................................... 70

  • Fbulas de Esopo

    5

    Fbula XXXIV As Lebres e Rs .............................................................................................. 72

    Fbula XXXV O Lobo e o Cabrito .......................................................................................... 74

    Fbula XXXVI O Veado, o Lobo e a Ovelha .......................................................................... 76

    Fbula XXXVII A Cegonha e a Raposa .................................................................................. 78

    Fbula XXXVIII A Gralha e os Paves ................................................................................... 79

    Fbula XXXIX A Formiga e a Mosca ..................................................................................... 81

    Fbula XL A R e o Touro ..................................................................................................... 83

    Fbula XLI O Cavalo e o Leo ............................................................................................... 85

    Fbula XLII As Aves e o Morcego ......................................................................................... 87

    Fbula XLIII O Cavalo e o Burro ........................................................................................... 89

    Fbula XLIV O Falco e o Rouxinol ...................................................................................... 91

    Fbula XLV As rvores e o Machado ................................................................................... 93

    Fbula XLVI O Burro e o Mercador ...................................................................................... 95

    Fbula XLVII O Rato e a Doninha ......................................................................................... 97

    Fbula XLVIII A Raposa e as Uvas ........................................................................................ 99

    Fbula XLIX O Pastor e o Lobo ........................................................................................... 101

    Fbula L O Burro e a Cachorrinha...................................................................................... 103

    Fbula LI O Leo e o Rato .................................................................................................. 105

    Fbula LII O Milhafre e a sua Me ..................................................................................... 107

    Fbula LIII A Porca e o Lobo .............................................................................................. 109

    Fbula LIV O Velho e a Mosca ........................................................................................... 111

    Fbula LV O Cordeiro e o Lobo .......................................................................................... 113

    Fbula LVI O Homem pobre e a Cobra .............................................................................. 115

    Fbula LVII O Macaco, o Lobo e a Raposa ......................................................................... 117

    Fbula LVIII O Carvalho e o Junco ..................................................................................... 119

    Fbula LVIX A Formiga e a Cigarra ..................................................................................... 121

    Fbula LX O Caminhante e a Espada ................................................................................. 123

    Fbula LXI O Burro e o Leo .............................................................................................. 125

    Fbula LXII A Gralha e a Ovelha ......................................................................................... 127

    Fbula LXIII O Boi e o Veado .............................................................................................. 129

    Fbula LXIV O Homem e o Leo ........................................................................................ 131

    Fbula LXV O Lobo e a Raposa .......................................................................................... 132

    Fbula LXVI O Leo e outros Animais ................................................................................ 134

    Fbula LXVII O Veado e o Caador .................................................................................... 135

  • Fbulas de Esopo

    6

    Fbula LXVIII A Serpente e a Lima ..................................................................................... 137

    Fbula LXIX Os Carneiros e o Carniceiro ........................................................................... 139

    Fbula LXX O Lobo e o Burro doente ................................................................................ 141

    Fbula LXXI A Pulga e o Camelo ........................................................................................ 143

    Fbula LXXII O Caador e as Aves ...................................................................................... 144

    Fbula LXXIII O Cervo e o Cavalo ....................................................................................... 146

    Fbula LXXIV O Abutre e mais Pssaros ............................................................................ 148

    Fbula LXXV A Raposa e o Leo ......................................................................................... 150

    Fbula LXXVI O Carneiro grande e os Pequenos ............................................................... 152

    Fbula LXXVII O Leo e o Homem ..................................................................................... 153

    Fbula LXXVIII A Panela de barro e a de cobre ................................................................. 155

    Fbula LXXIX O spide e o seu Hspede ........................................................................... 157

    Fbula LXXX O Co e o seu Dono ....................................................................................... 158

    Fbula LXXXI A Raposa e a Doninha .................................................................................. 160

    Fbula LXXXII A Nora e a Sogra ......................................................................................... 162

    Fbula LXXXIII O Burro e a Cobra ...................................................................................... 163

    Fbula LXXXIV O Corvo e o Escorpio ............................................................................... 164

    Fbula LXXXV O Ladro e o Anjo ....................................................................................... 165

    Fbula LXXXVI A Serpente e o Cabrito .............................................................................. 166

    Fbula LXXXVII A Raposa e o Leo ..................................................................................... 167

    Fbula LXXXVIII Hrcules e os Pigmeus ............................................................................. 168

    Fbula LXXXIX O Caador e a Vbora ................................................................................. 169

    Fbula XC A Cigarra e a Andorinha .................................................................................... 171

    Fbula XCI O Soldado e a Corneta ..................................................................................... 172

    Fbula XCII O Homem e a Burra ........................................................................................ 173

    Fbula XCIII O Urso e as Abelhas ....................................................................................... 175

    Fbula XCIV O Co na Manjedoura ................................................................................... 177

    Fbula XCV As Duas Cabras ............................................................................................... 178

    Fbula XCVI Os Ratos e as Doninhas ................................................................................. 180

    Fbula XCVII A Raposa e o Porco-Espinho ......................................................................... 182

    Fbula XCVIII A Formiga e a Pomba .................................................................................. 184

    Fbula XCIX A Lebre e a Tartaruga .................................................................................... 185

    Fbula C Os Viajantes e a rvore ...................................................................................... 187

    Fbula CI O Agricultor e os seus Filhos .............................................................................. 188

  • Fbulas de Esopo

    7

    Fbula CII O Pescador e o Peixinho ................................................................................... 190

    Fbula CIII O Conselho dos Ratos ...................................................................................... 191

    Fbula CIV A Galinha dos Ovos de Ouro ........................................................................... 193

    Fbula CV A jovem Leiteira ................................................................................................ 195

    Fbula CVI O Avarento ...................................................................................................... 197

    Fbula CVII O Velho, o rapaz e o burro ............................................................................. 199

    Fbula CVIII O Pastor e o Leo .......................................................................................... 201

    Fbula CIX O Lobo e o Leo ............................................................................................... 203

    Fbula CX O velho e o feixe de varas................................................................................. 204

    Fbula CXI Os Dois Viajantes e o Urso ............................................................................... 205

    Fbula CXII A guia e a Gralha .......................................................................................... 207

    Fbula CXIII O Lobo em Pele de Cordeiro .......................................................................... 209

    Fbula CXIV O Touro e o Bode .......................................................................................... 210

    Fbula CXV O Burro com pele de Leo .............................................................................. 211

    A vida de Esopo ................................................................................................................. 212

  • Fbulas de Esopo

    8

    Fbula I

    O Galo e a Prola

    H1865

    Andava um Galo a esgravatar no cho, para achar migalhas

    ou bichos que comer, quando encontrou uma prola. Excla-

    mou:

    Ah, se te achasse um joalheiro! A mim porm de que va-

    les? Antes uma migalha ou alguns gros de cevada.

    Dito isto, foi-se embora em busca de alimento.

    Moral da histria

    Os ignorantes, desprezando os ensinamentos proveitosos e a doutrina moral

    que sob das Fbulas se esconde, fazem o que fez este Galo; buscam coisas

    sem valor, cevada e migalhinhas.

  • Fbulas de Esopo

    10

    Fbula II

    O Lobo e o Cordeiro

    MW1919

    Estava um Lobo a beber gua num ribeiro, quando avistou

    um Cordeiro que tambm bebia da mesma gua, um pouco

    mais abaixo. Mal viu o Cordeiro, o Lobo foi ter com ele de m

    cara, arreganhando os dentes.

    Como tens a ousadia de turvar a gua onde eu estou a

    beber?

    Respondeu o cordeiro humildemente:

    Eu estou a beber mais abaixo, por isso no te posso turvar a

    gua.

    Ainda respondes, insolente! retorquiu o lobo ainda mais

    colrico. J h seis meses o teu pai me fez o mesmo.

    Respondeu o Cordeiro:

    Nesse tempo, Senhor, ainda eu no era nascido, no te-

    nho culpa.

  • Fbulas de Esopo

    11

    Sim, tens replicou o Lobo , que estragaste todo o pasto

    do meu campo.

    Mas isso no pode ser disse o Cordeiro , porque ainda no tenho dentes.

    O Lobo, sem mais uma palavra, saltou sobre ele e logo o de-

    golou e comeu.

    Moral da histria

    Claramente se mostra nesta Fbula que nenhuma justia nem razes valem ao

    inocente para o livrarem das mos de um inimigo poderoso e desalmado. H

    poucas cidades ou vilas onde no haja estes Lobos que, sem causa nem ra-

    zo, matam o pobre e lhe chupam o sangue, apenas por dio ou m in-

    clinao.

  • Fbulas de Esopo

    12

    Fbula III

    O Lobo e as Ovelhas

    H1865

    Havia uma guerra entre os Lobos e as Ovelhas; estas, embora

    fossem mais fracas, como tinham a ajuda dos ces levavam

    sempre a melhor. Os Lobos ento pediram paz, com a condi-

    o de que dariam de penhor os seus filhos, se as Ovelhas

    tambm lhes entregassem os ces.

    As ovelhas aceitaram estas condies e foi feita a paz.

    Contudo, os filhos dos Lobos, quando se viram na casa das

    ovelhas, comearam a uivar muito alto. Acudiram logo os

    pais, a pensar que isso significava que a paz havia sido que-

    brada, e recomearam a guerra.

    Bem quiseram defender-se as Ovelhas; mas como a sua

    principal fora consistia nos ces, que havia entregado aos

  • Fbulas de Esopo

    13

    Lobos, foram facilmente vencidas por eles e acabaram

    degoladas.

    Moral da histria

    Ensina esta Fbula que ningum deve entregar as armas aos seus inimigos,

    antes tenha a paz por suspeitosa. Tambm nos avisa quanto ao perigo de

    meter em casa inimigos, ou filhos de inimigos, como fizeram as Ovelhas, que

    querendo estar mais seguras por terem os filhos dos Lobos em casa, foram eles

    a causa da sua destruio.

  • Fbulas de Esopo

    14

    Fbula IV

    O Rei dos Macacos e dois Homens

    S1479

    Dois companheiros que caminhavam juntos pela floresta,

    acabaram por se perder. Depois de andarem muito, chega-

    ram terra dos Macacos. Foram logo levados ao rei, que,

    mal os viu, lhes perguntou:

    Na vossa terra e nessas que atravessastes, o que se diz de

    mim e do meu Reino?

    Respondeu um dos homens:

    Dizem que sois um grande Rei de gente sbia e culta.

    O outro, que gostava de dizer a verdade, respondeu:

    Toda a vossa gente so macacos irracionais, logo o rei

    tambm um macaco.

  • Fbulas de Esopo

    15

    Ouvindo isto, o Rei ordenou que matassem este, e que ao

    primeiro oferecessem presentes e o tratassem muito bem.

    Moral da histria

    Verifica-se nesta Fbula o que diz Terncio, que a verdade causa dio e o

    elogio ganha amigos. Com um Rei ignorante no h sbios nem virtuosos,

    apenas chocarreiros e aduladores. Daqui resulta que frequentemente os bons

    so rebaixados e obedecem aos maus, que o Rei Macaco tem dio a quem o

    desengana, e que o que mente, como aqui fez o primeiro companheiro, fa-

    vorecido.

  • Fbulas de Esopo

    16

    Fbula V

    A Andorinha e as outras Aves

    H1865

    Estavam os homens a semear linho, e, ao v-los, disse a An-

    dorinha aos outros pssaros:

    Para nosso mal fazem os homens esta seara, que desta

    semente nascer linho, e dele faro redes e laos para nos

    prenderem. Melhor ser destruirmos a linhaa e a erva que

    dali nascer, para estarmos seguras.

    As outras Aves riram-se muito deste conselho e no quiseram

    segui-lo. Vendo isto, a Andorinha fez as pazes com os homens

    e foi viver em suas casas. Algum tempo depois, os homens

    fizeram redes e instrumentos de caa, com os quais apa-

    nharam e prenderam todas as outras aves, poupando ape-

    nas a Andorinha.

    Moral da histria

    A Andorinha representa o homem prudente, que fica livre de dificuldades se

    consegue antecip-las. Os que querem viver a seu gosto, sem ouvirem con-

    selhos nem preverem o mal que est para vir, so caados e castigados devi-

    do sua ignorncia.

  • Fbulas de Esopo

    18

    Fbula VI

    O Rato e a R

    MW1919

    Um Rato desejava atravessar um rio, mas tinha medo, pois

    no sabia nadar. Pediu ento ajuda a uma R, que se ofere-

    ceu para o levar para o outro lado desde que se prendesse a

    uma das suas patas.

    O Rato concordou e, encontrando um pedao de fio, pren-

    deu uma das suas pernas R. Mas, mal entraram no rio, a

    R mergulhou, tentando afogar o Rato. Este, por sua vez, de-

    batia-se com a R para se manter superfcie. Estavam os

    dois nestes trabalhos e canseiras quando passou por cima um

    Milhafre que, vendo o Rato sobre a gua, baixou sobre ele e

    levou-o nas garras juntamente com R. Ainda no ar, comeu-

    os a ambos.

    Moral da Histria

    Nesta R, e na sua morte, se v aquilo que ganham os maus quando

    atraioam aqueles que neles confiam. Porque quase sempre recebem o mal

    que para outros ordenam; e se o inocente morre, no escapam eles do cas-

    tigo merecido; que mesmo que se livrem do castigo temporal, cairo depois

    da morte num castigo ainda mais temvel.

  • Fbulas de Esopo

    20

    Fbula VII

    O Ladro e o Co de Guarda

    HW1867

    Um ladro, desejando entrar noite numa casa para a rou-

    bar, deparou-se com um co que com os seus latidos o impe-

    dia. O cauteloso ladro, para apaziguar o Co, lanou-lhe

    um bocado de po. Mas o Co disse:

    Bem sei que me ds este po para que eu me cale e te

    deixe roubar a casa, no porque gostes de mim. Mas j que

    o dono da casa que me sustenta toda a vida, no vou deixar

    de ladrar enquanto no te fores embora ou at que ele

    acorde e te venha afugentar. No quero que este bocado

    de po me custe morrer de fome o resto da vida.

    Moral da Histria

    Quem se fia em palavras lisonjeiras, acha-se no fim enganado. Mas quem

    suspeita das ofertas e das palavras de lisonjeio, no se deixa enganar.

  • Fbulas de Esopo

    22

    Fbula VIII

    O Co e a Ovelha

    O1574

    O Co pediu Ovelha certa quantidade de po, que dizia

    haver-lhe emprestado. A Ovelha negou ter recebido tal coi-

    sa. O Co apresentou ento trs testemunhas a seu favor, as

    quais havia subornado: um Lobo, um Abutre e um Milhafre.

    Estes juraram ter visto a Ovelha receber o po que o Co re-

    clamava. Perante isso, o Juiz condenou a Ovelha a pagar,

    mas no tendo ela meios de o fazer, foi forada a ser tosqui-

    ada antes de tempo para que a l fosse vendida como pa-

    gamento ao Co. Pagou ento a Ovelha pelo que no co-

    mera e ainda ficou nua, padecendo as neves e frios do

    inverno.

    Moral da histria

    Parece que j no tempo em que Esopo escreveu esta Fbula se adivinhava o

    que hoje passa em muitos lugares, onde roubam aos pobres e fracos as honras

    e fazendas, com falsos testemunhos de homens desalmados, conjurados para

    roubarem o alheio. Que em nenhum lugar, contra bons homens e ovelhas, fal-

    tam Lobos e Milhafres que os dispam e lhes chupem o sangue.

  • Fbulas de Esopo

    24

    Fbula IX

    O Co e a Carne

    H1865

    Um Co levava na boca um pedao de carne, e, ao atra-

    vessar um rio, vendo a carne refletida na gua, pareceu-lhe

    esta maior e soltou a que levava nos dentes para apanhar a

    que via dentro de gua. Porm, como a corrente do rio ar-

    rastou a carne verdadeira, com ela foi tambm o seu reflexo,

    e ficou o Co sem uma e sem outro.

    Moral da histria

    Este Co significa a cobia daqueles que, muitas vezes, por terem maiores in-

    teresses, arriscam o que possuem e perdem tudo; como diz bem o provrbio:

    mais vale um pssaro na mo do que dois a voar.

  • Fbulas de Esopo

    25

    Fbula X

    A Mosca em cima do carro

    O1574

    Sobre uma carroa carregada puxada por uma Mula pousou

    uma Mosca. Achou-se to importante por ir no alto, que co-

    meou a falar com arrogncia contra a Mula, dizendo que

    andasse depressa seno que a castigaria, picando-a onde

    lhe doesse. A Mula virou a o rosto dizendo:

    Cala-te, desavergonhada, que no tenho medo de ti, nem

    me podes fazer nada, s temo o carroceiro que leva na mo

    o aoite. Quanto a ti, s com importunaes podes cansar-

    me, sem me fazer outro mal.

    Moral da histria

    Esta Fbula mostra a natureza de alguns, que s tm lngua, e com ela por-

    fiando e contradizendo, cansam e importunam toda a gente, querendo mos-

    trar-se muito importantes.

  • Fbulas de Esopo

    27

    Fbula XI

    O Co e a Mscara

    RH1894

    Procurando comida, um Co encontrou a mscara de um

    homem muito bem-feita de papelo com cores vivas. Che-

    gou-se ento a ela e comeou a cheir-la para ver se era um

    homem que dormia. Depois empurrou-a com o focinho e viu

    que rebolava, e como no quisesse ficar quieta nem tomar

    assento, disse o Co:

    Decerto que a cabea linda, mas no tem miolo.

    Moral da histria

    A mscara representa o homem ou mulher que s se preocupa com o aspeto

    exterior e no procura cultivar a alma, que muito mais preciosa. Notam-se

    nesta Fbula as pessoas que tm todo o cuidado com enfeites e cores supr-

    fluas, formosas por fora, mas a cuja cabea falta miolo.

  • Fbulas de Esopo

    29

    Fbula XII

    O Leo, a Vaca, a Cabra e a Ovelha

    G1870

    Um Leo, uma Vaca, uma Cabra e uma Ovelha combinaram

    caar juntos e repartirem o ganho. Acharam ento um Vea-

    do, e depois de terem andado e trabalhado muito, consegui-

    ram mat-lo.

    Chegaram todos cansados e, cobiosos da presa, dividiram-

    na em quatro partes iguais. O Leo tomou uma, e disse:

    Esta parte minha conforme o combinado.

    A seguir pegou noutra e acrescentou:

    Esta pertence-me por ser o mais valente de todos.

    Pegou numa terceira e disse:

    Esta tambm para mim pois sou o rei de todos os animais,

    e quem na quarta mexer, considere-se por mim desafiado.

  • Fbulas de Esopo

    30

    Assim levou todas as partes, e os companheiros acharam-se

    enganados e afrontados; mas sujeitaram-se por no terem

    tanta fora como o Leo.

    Moral da histria

    Parceria e amizade quer-se entre iguais, e o casamento tambm; conforme

    dizia o filsofo, que o mandou aprender aos meninos: cada um com seu igual;

    porque quem trava amizade com maior, torna-se seu escravo e tem de lhe

    obedecer ou perder pelo menos a amizade, na qual o trabalho sempre do

    mais fraco, e a honra e proveito do mais poderoso.

  • Fbulas de Esopo

    31

    Fbula XIII

    O Casamento do Sol

    O1574

    Dizem que em certo tempo o Sol desejou casar-se, e toda a

    gente, desagradada com isso, se foi queixar a Jpiter,

    dizendo que no vero sofriam muito com um Sol que os abra-

    sava com os seus raios, donde concluam que se o Sol se

    casasse e viesse a ter filhos, queimaria o mundo todo; porque

    sendo apenas um Sol, temos um vero calmoso na ndia,

    outro na Grcia, outro na Noruega e nas terras setentrionais;

    mas sendo todas as trs zonas trridas no teriam as pessoas

    onde viver. Tendo compreendido isso, Jpiter ordenou que o

    Sol no se casasse.

    Moral da histria

    Todos os homens tm a obrigao de evitar que se multiplique o nmero dos

    maus e desalmados e dos que desaforadamente fazem mal ao prximo,

    como nesta Fbula se finge que era o Sol, e devem pedir a Deus que os

    emende ou os tire do mundo, e favorecer a justia, para que possa castig-

    los.

  • Fbulas de Esopo

    33

    Fbula XIV

    O Homem e a Doninha

    O1574

    Um Homem que caava ratos apanhou na armadilha uma

    Doninha. Esta, vendo-se em seu poder, pediu-lhe que a soltas-

    se, e disse em seu favor que ela nenhum mal lhe fazia, pelo

    contrrio, limpava-lhe a casa de ratos e bichos.

    Respondeu o homem:

    Se tu por acaso fizesses isso por bem, devia-te eu agra-

    decimento; mas como o fazes por teres fome, no te devo

    nada, antes te quero matar, que se os bichos te faltarem,

    comers o que meu, pior ainda do que os prprios ratos.

    Moral da histria

    Do que os homens fazem em seu benefcio nenhum agradecimento se lhes

    deve; a boa obra deve ser voluntria e no por acaso, para que quem a re-

    cebe a deva agradecer. Esta Doninha como muitos homens que at as ms

    obras que fazem querem vender com boas palavras e desejam que se lhes

    fique devendo.

    Porm a inteno que d obra o seu valor; quem me deu uma lanada

    para me matar e me lancetou o abcesso que me matava no foi amigo,

    apesar de me ter dado sade. Esta devo-a s a Deus, que por mo do inimigo

    ma quis dar.

  • Fbulas de Esopo

    35

    Fbula XV

    A Macaca e a Raposa

    H1865

    Uma Macaca sem rabo pediu a uma Raposa que cortasse

    metade do seu e lho desse, dizendo:

    Bem vs que o teu rabo demasiado grande, pois que at

    se arrasta e varre a terra; o que dele sobeja podes-mo dar a

    mim para cobrir estas partes que vergonhosamente trago

    descobertas.

    Antes quero que se arraste disse a Raposa e varra o

    cho, e me seja pesado, que aproveitares-te tu dele. Por isso

    no to darei, nem quero que coisa minha te faa proveito.

    E assim ficou a Macaca sem o rabo da Raposa.

    Moral da histria

    Semelhantes a esta Raposa so todos os invejosos, que deixaro de escarrar se

    souberem que algum aproveita o seu cuspinho, e todos os avarentos que do

    muito que em sua casa sobeja no querem partilhar com o pobre que lhes

    mostra a sua necessidade, como aqui a Macaca mostra Raposa.

  • Fbulas de Esopo

    37

    Fbula XVI

    Juno e o Pavo

    H1865

    O Pavo foi ter com Juno muito queixoso, dizendo por que

    razo o Rouxinol havia de cantar melhor que ele e ter-Ihe

    muitas outras vantagens. Disse Juno que no se agastasse;

    que por isso tinha ele as penas formosas, cheias de olhos, que

    pareciam estrelas.

    Isso no vale nada replicou o Pavo , antes queria

    saber cantar.

    Juno respondeu:

    No podes ter tudo. O Rouxinol tem voz, a guia, fora, o

    Gavio, ligeireza, tu contenta-te com tua formosura.

  • Fbulas de Esopo

    38

    Moral da histria

    Prova-se nesta Fbula o que fica dito no princpio da vida de Esopo; que no

    h ningum completamente desamparado de natureza e sem graa parti-

    cular; que Deus, autor da mesma natureza, criou os homens e repartiu por eles

    os seus dotes.

    De uns faz valentes e de outros ligeiros; um bom pintor, outro msico hbil,

    outro tem o seu dote no entendimento.

    Ensina por isso esta Fbula que ningum se ensoberbea da graa particular

    de que dotado, nem tenha inveja das boas obras do prximo, antes com tu-

    do e por tudo d louvores a seu Deus e Criador.

  • Fbulas de Esopo

    39

    Fbula XVII

    O Lobo e o Grou

    H1865

    Estava um Lobo a comer carne quando se lhe atravessou um

    osso na garganta, que o sufocava. Estando nesta aflio, pe-

    diu ao Grou que lhe valesse e que com o seu bico e pescoo

    comprido lhe tirasse o osso da garganta e que seria recom-

    pensado. O Grou assim fez e tirou-lhe o osso. Estando livre o

    Lobo, pediu-lhe ento o Grou uma parte do muito que antes

    lhe oferecera. Porm o Lobo respondeu-lhe:

    ingrato! No te agradeci j o bastante por te ter dei-

    xado meter a cabea dentro na minha boca, onde fcil-

    mente poderia apertar os dentes e matar-te? No me peas

    paga, pois tu que me deves favor, e bem ingrato s em no

    reconheceres to grande benefcio.

  • Fbulas de Esopo

    40

    Calou-se o Grou, e ficou muito arrependido do que fizera,

    dizendo:

    Nunca mais por gente ruim meterei a cabea e a vida em

    semelhante perigo.

    Moral da Histria

    Benefcios feitos a gente perdida so benefcios perdidos, e podem contar-se

    por malefcios quando puramente no se fazem por amor de Deus, que todos

    os bens tem o cuidado de pagar. A homem desagradecido, quanto fazeis por

    ele tudo perdeis, e s vezes com palavras vos carrega, mostrando que sois vs

    o devedor, como este nosso Lobo fazia.

  • Fbulas de Esopo

    41

    Fbula XVIII

    As duas Cadelas

    O1574

    Estava uma cadela com as dores de parto, e no tendo lugar

    onde pudesse parir, suplicou a outra que lhe cedesse a sua

    cama, que era num palheiro, dizendo que assim que parisse

    se iria embora com os filhos.

    Tendo pena dela, a outra cadela cedeu-lhe o lugar, mas de-

    pois do parto pediu-lhe que se fosse embora. Porm a hspe-

    de mostrou-lhe os dentes e no a quis deixar entrar, dizendo

    que estava de posse do lugar, e que no a tirariam dali a no

    ser por guerra e s dentadas.

    Moral da histria

    Esta Fbula mostra ser verdadeiro o adgio que diz: Queres inimigo? D o teu

    e pede-o de volta. Porque, sem dvida, h muitos homens como esta cadela

    parida, que pedem humildemente, mostrando a sua necessidade, e depois de

    terem o alheio em seu poder, arreganham os dentes a quem lho pede, e se

    so poderosos ficam com ele.

  • Fbulas de Esopo

    43

    Fbula XIX

    O Homem e a Cobra

    WHsecXVII

    Na fora do chuvoso e frio inverno andava uma Cobra fraca

    e encolhida, e um homem piedoso recolheu-a, agasalhou-a

    e alimentou-a, enquanto houve frio. Chegado o vero, co-

    meou a Cobra a estender-se e desenroscar-se, pelo que o

  • Fbulas de Esopo

    44

    homem a quis pr fora; mas ela levantou o pescoo para o

    morder. Vendo isso, o homem pegou num pau e comeou a

    lutar com a Cobra. Na peleja ficou a Cobra morta, e ele bem

    mordido.

    Moral da histria

    Bem diz o provrbio: pela mo leva o homem a desgraa a sua casa. Assim

    aconteceu a este homem com a cobra, e acontece a muitos que, no inverno

    dos trabalhos e perseguies, querem ser bons aos seus prximos, mas eles, de

    ruins, chegado o vero das bonanas, nem o dado agradecem nem o em-

    prestado devolvem. Assim certo acolherdes s vezes em casa um pobre que

    ou vos rouba e foge, ou, se o mandais embora, vos molesta e injuria.

  • Fbulas de Esopo

    45

    Fbula XX

    O Burro e o Leo

    MW1919

    Um Burro simplrio cruzou-se com um Leo num caminho, e,

    altivo e presunoso, atreveu-se a falar-lhe, dizendo:

    Sai do meu caminho!

    Vendo este desatino e ousadia, o Leo deteve-se por um ins-

    tante; mas prosseguiu logo o seu caminho, dizendo:

    Pouco me custaria matar e desfazer este Burro agora ms-

    mo; porm no quero sujar os meus dentes nem as fortes

    unhas em carne to ordinria e fraca.

    E seguiu caminho sem fazer caso dele.

    Moral da histria

    H homens nobres que suportam coisas de outros abaixo deles que no

    suportariam aos seus iguais, porque consideram uma afronta sujar as mos em

    gente baixa. Pelo contrrio, h muitos idiotas, como este burro, que, contentes

    de si, bem vestidos e bem alimentados, sem terem onde carem mortos, que-

    rem logo desafiar os fidalgos maiores da terra, como queria fazer este burro

    com o Leo, rei dos outros animais.

  • Fbulas de Esopo

    46

    Fbula XXI

    O Rato da Cidade e o Rato do Campo

    WHsecXVII

    Um Rato que morava na Cidade, calhando ir ao campo, foi

    convidado para jantar por outro Rato que l morava. Este

    levou-o sua toca e preparou a refeio com coisas do

  • Fbulas de Esopo

    47

    campo, como ervas e razes. Disse o Rato da Cidade ao ou-

    tro:

    Compadre, tenho pena de ti e da pobreza em que vives.

    Vem comigo morar na cidade e vers a riqueza e a fartura

    de que gozas.

    O Rato do Campo aceitou o convite e l foram ambos para

    uma casa grande e rica. Entrando na despensa, estavam a

    comer boas e abundantes comidas quando de sbito entra o

    despenseiro e dois gatos atrs dele.

    Assustados, os Ratos correram cada um para seu lado. O de

    casa achou logo o seu buraco, e o de fora trepou pela pa-

    rede, dizendo:

    Fica-te com a tua fartura, que eu antes quero comer razes

    no campo, onde no h gato nem ratoeira e se vive sem

    sobressaltos.

    E assim diz o adgio: Mais vale magro no mato, que gordo na

    boca do gato.

    Moral da histria

    Quanto o estado de pobreza mais calmo e seguro mostra-se bem nesta F-

    bula; e quantos riscos correm os que trabalham por conseguir mais riquezas.

  • Fbulas de Esopo

    48

    Fbula XXII

    A guia e a Raposa

    H1865

    Uma guia, procurando alimento para os seus filhotes, deitou

    as unhas a dois raposinhos. A Raposa, vendo isso, implorou-lhe

    que lhe desse os filhos; mas a guia, l do alto, zombou das

    suas splicas e disse que no deixaria de lhos comer.

    A Raposa, magoada, comeou logo a juntar, ao p da rvo-

    re onde a guia tinha o ninho, muitas palhas, arbustos e ra-

    mos secos, e arranjou-os de tal maneira que, chegando-lhe

    fogo, fez uma fogueira muito grande.

    Viu-se a guia muito apoquentada com o fumo e a laba-

    reda, e com o receio de que ardesse a rvore toda, lanou-

    lhe os raposinhos sem lhes tocar, e quase ficou chamuscada

    pela astcia da Raposa.

    Moral da histria

    Se algum presumir ser guia na fora e ter vantagem em relao aos outros,

    nem por isso afronte nem importune o fraco e pequeno que no possa vingar-

    se do maior. Deus ajuda os humildes e resiste aos soberbos; e quis que o Leo

    temesse o Galo, e o Rato pudesse inquietar o Elefante.

  • Fbulas de Esopo

    50

    Fbula XXIII

    O Galo e a Raposa

    WHsecXVII

    Fugindo de uma Raposa, algumas Galinhas e o seu Galo

    subiram a uma rvore. A Raposa, vendo que ali no os podia

    alcanar, quis usar de cautela, e disse ao Galo:

    Podes descer com segurana, que acabou de se pro-

    clamar a paz universal entre todas as aves e animais. Portanto

    desce e vamos festejar este dia.

  • Fbulas de Esopo

    51

    O Galo percebeu que era mentira, mas com dissimulao

    respondeu:

    Essas novidades por certo so boas e alegres, mas vejo

    alm trs ces a chegar; deixemo-los chegar e todos juntos

    festejaremos.

    A Raposa, sem mais esperar, encolheu-se dizendo:

    Tenho medo que eles ainda o no saibam e me matem.

    E depressa se ps a fugir, ficando as Galinhas seguras.

    Moral da histria

    Um cravo tira outro cravo. Por este Galo pode entender-se o homem ajuizado

    que, quando outro com palavras o quer enganar, dissimula, fingindo que no

    o entende, e com palavras brandas se defende. Que se o falso encontra

    homem avisado, quase sempre cai nos laos que armou.

  • Fbulas de Esopo

    52

    Fbula XXIV

    O Bezerro e o Lavrador

    O1574

    Um Lavrador tinha um Bezerro forte e gracioso e p-lo a lavrar

    com outro boi manso. Como o Bezerro resistia ao jugo e ao

    trabalho, o Lavrador tentava amans-lo com pancadas e pe-

    dradas. E disse ao boi manso:

    No te ponho com este para que lavres, que ele ainda

    no est pronto para isso, mas para o amansar de pequeno,

    porque depois de se tornar touro no haver quem o aman-

    se.

  • Fbulas de Esopo

    53

    Moral da Histria

    Ensina-nos esta Fbula que necessrio educar e refrear os filhos de

    pequenos, acostum-los virtude, tirando-os de ociosidades, que do sempre

    maus resultados na velhice; porque doutrina crist que quem tira aos moos

    o castigo, se lhes quer bem, lhes faz mal. Donde se prova que quem lhes quer

    bem lhes faz mal. Donde se prova que quem lhes tem amor, deve dom-los e

    castig-los de pequenos. Tambm pelo boi manso se v que o homem quieto

    e pacfico sempre mais querido e estimado por aqueles que lidam com ele.

  • Fbulas de Esopo

    54

    Fbula XXV

    O Lobo e o Co

    RH1894

    Encontrando-se um Lobo e um Co num caminho, disse o

    Lobo:

    Tenho inveja, companheiro, de te ver to gordo, com o

    pescoo grosso e o cabelo luzidio; eu ando sempre magro e

    desgrenhado.

    Respondeu o Co:

    Se fizeres o que eu fao, tambm tu engordars. Estou nu-

    ma casa onde gostam muito de mim, do-me de comer, tra-

    tam-me bem; e s tenho de ladrar quando sinto ladres de

    noite. Por isso, se quiseres, vem comigo que ters outro tanto.

    O Lobo aceitou e l foram. Mas no caminho disse o Lobo:

    O que isso, companheiro, que te vejo o pescoo esfo-

    lado?

    Respondeu o Co:

  • Fbulas de Esopo

    55

    Para que durante o dia no morda os que entram em

    casa, prendem-me com uma corrente. De noite soltam-me

    at de manh, quando tornam a prender-me.

    No quero a tua fartura respondeu o Lobo. A troco

    de no estar preso, antes quero trabalhar e passar fome, mas

    ser livre.

    E dizendo isto foi-se embora.

    Moral da Histria

    No h prata nem ouro que valham mais do que a liberdade, e quem a es-

    tima faz o que fez este Lobo, que escolhe antes trabalhos e fome que perd-

    la. Comedores negligentes e sem prstimo no prezam ser livres, desde que

    comam o po, e tais so representados nesta Fbula pelo Co.

  • Fbulas de Esopo

    56

    Fbula XXVI

    Os Membros e o Corpo

    RH1894

    As mos e os ps queixavam-se dos outros membros, dizendo

    que se fartavam de trabalhar e que traziam o corpo s cos-

    tas, e tudo redundava em proveito do estmago, que comia

    sem trabalho. Portanto, o estmago que tratasse da sua vida,

    que eles no haviam de dar-lhe de comer.

    Por muito que o estmago lhes pedisse, no quiseram voltar

    atrs no que tinham dito e comearam a negar-lhe a comi-

    da. O estmago enfraqueceu, mas como juntamente enfra-

    queceram tambm os ps e as mos, estes tornaram de-

    pressa a querer aliment-lo. Contudo a fraqueza j era muita,

    e de nada lhes valeu, morrendo todos juntamente.

    Moral da histria

    Somos todos membros de uma mesma Repblica, e todos necessrios uns aos

    outros. Soldados e trabalhadores so as mos e os ps, o Rei, cabea, os ricos,

    estmago. Se o lavrador disser que no quer trabalhar para que o outro coma,

    ele h de ser o primeiro a padecer de fome. Se os soldados no defenderem a

    ptria, o rei no governar, os ricos no distriburem o que juntaram antes, e

    cada membro se separar, morrero todos, e morrer o corpo mstico da

    Repblica.

  • Fbulas de Esopo

    58

    Fbula XXVII

    A guia e o Grou

    H1865

    A guia apanhou um Cgado para comer, e trazia-o pelo ar

    e dava-lhe picadas, mas no conseguia mat-lo porque es-

    tava muito recolhido na sua carapaa. A guia estava a fi-

    car furiosa com isto, mas entretanto chega o Grou, que diz:

    A caa que apanhaste decerto muito boa, mas no

    poders sabore-la seno por artimanha.

    A guia props que, se lhe ensinasse a artimanha, repartiria

    com ele o que caara. O Grou disse ento:

    Sobe acima das nuvens e de l deixa cair o Cgado em

    cima de uma pedra, que quebrar a carapaa, deixando a

    carne descoberta.

  • Fbulas de Esopo

    59

    A guia assim fez, e sucedendo o queriam, comeram ambos

    da caa.

    Moral da histria

    Na guerra, e em qualquer negcio, vale mais a sageza do que a fora. H

    negcios muito rduos que apenas se concluiro por manha, e sem ela a

    fora pouco ou nada vale. Foi isto que quiseram mostrar os poetas na

    companhia e amizade do sbio Ulisses com o valente Diomedes, porque va-

    lentia sem manha poucas ou nenhumas vezes d fruto proveitoso a seu dono,

    e um conselho bom vale mais que muitos maus.

  • Fbulas de Esopo

    60

    Fbula XXVIII

    A Raposa e o Corvo

    H1865

    Um Corvo apanhou um queijo, e, fugindo com ele, pousou

    em cima de uma rvore. Uma Raposa, ao v-lo, desejou co-

    mer-lhe o queijo. Ps-se ento ao p da rvore e comeou a

    dizer ao Corvo:

    V-se bem que s formoso e gentil, e poucos pssaros h-

    ver que te ganhem. s bem-disposto e muito galante; se por

    acaso soubesses cantar, nenhuma ave se compararia conti-

    go.

    Envaidecido com estes elogios e desejando fazer boa figura,

    o Corvo levantou o pescoo para cantar; porm, abrindo o

    bico, caiu-lhe o queijo. A Raposa apanhou-o e foi-se embora,

    ficando o Corvo faminto e ciente da sua prpria ignorncia.

  • Fbulas de Esopo

    61

    Moral da histria

    Os que se deixam convencer com palavras lisonjeiras, como eram as desta

    Raposa, no de admirar que cometam os maiores desatinos, como o Corvo

    fez. Quem, sem ter qualidades, v louvar-se, entenda que no so louvores,

    seno laos que lhe armam para o enganarem; porque palavras dceis so

    sempre suspeitosas, e quanto melhor se aceitam, mais prejudiciais so. So

    engodo que o caador faz para nos apanhar e por meio desse ardil vem a

    alcanar de ns o que desejava.

  • Fbulas de Esopo

    62

    Fbula XXIX

    O Leo e os outros Animais

    H1865

    Estava um Leo doente e fraco de velho, e veio um javali que

    lhe lembrou ter sido por ele maltratado noutros tempos e deu-

    lhe uma forte trombada. Veio um Touro e deu-lhe uma cor-

    nada, e muitos outros animais, para se vingarem, maltrataram

    o Leo. Por fim veio um asno, e deu-lhe dois coices, com que

    o deitou por terra.

    Chorava o Leo dizendo:

    Tempos houve em que todos estes s com o meu bramido

    tremiam, e no havia nenhum to forte que no fugisse de se

    encontrar comigo. Agora que me veem fraco, todos querem

    vingar-se e no h quem no me maltrate.

    Moral da histria

    Os que desempenham cargos e ofcios grandes no faam mal aos outros,

    temam o que aconteceu a este Leo; porque quando o seu poder en-

    fraquecer e deixarem o ofcio, tambm qualquer pobre poder vingar-se

    deles e atac-los, ou por obras, ou por palavras.

  • Fbulas de Esopo

    64

    Fbula XXX

    As Rs e Jpiter

    H1865

    H muito, muito tempo, as Rs pediram a Jpiter que lhes

    desse um rei, como tinham os outros animais. Jpiter riu-se da

    ignorante petio e, atendendo a ela, lanou um madeiro

    para o meio da lagoa. As Rs comearam ento a ter-lhe

    respeito; porm, logo que perceberam que no era coisa vi-

    va, foram de novo ter com o deus pedindo um rei. Jpiter, far-

    to de ser importunado, deu-lhes a Cegonha, que comeou a

    comer as rs uma a uma.

    Vendo elas esta crueldade, foram-se queixar a Jpiter pe-

    dindo uma soluo, mas ele despediu-as dizendo:

    J que no ficastes contentes com o primeiro rei, sofrei

    com esse, que tanto me pedistes.

    Moral da histria

    Gente amiga de novidades como as Rs; cada dia querem mudar de

    senhor e desejam alteraes e mudanas. Mas bem se v nesta Fbula que

    Deus muitas vezes castiga os maus simplesmente concedendo-lhes o que

    pedem; e os que se queixam do bom Governador ou Prelado, s vezes caem

    em poder de tiranos, que os comem e destroem, como a Cegonha aqui fazia.

  • Fbulas de Esopo

    66

    Fbula XXXI

    As Pombas e o Falco

    H1865

    Vendo-se as Pombas perseguidas pelo Milhafre, que de vez

    em quando as maltratava, e pensando como poderiam livrar-

    se dele, pediram ajuda ao Falco.

    Tomou este o cargo de as defender; mas comeou a trat-las

    muito pior, matando-as e comendo-as sem piedade. Vendo-

    se sem remdio, diziam:

    Sofremos e com razo, pois no nos contentando com o

    que tnhamos, decidimos mal num assunto que tanto nos im-

    portava.

    Moral da histria

    Direitamente parece que esta Fbula se dirige aos prncipes cristos, que

    tendo rivalidades entre si, muitas vezes chamaram em seu favor Mouros ou

    Turcos, do que depois se arrependeram, como estas Pombas, e ficaram na

    sujeio de que hoje padece o Egito e muitas outras provncias, em castigo de

    seus dios, invejas, cismas, abominaes e outros pecados, causas de dis-

    crdias e por conseguinte de total destruio.

  • Fbulas de Esopo

    68

    Fbula XXXII

    O Parto da Montanha

    RH1894

    Em certo tempo comeou a Montanha a dar urros e a inchar,

    dizendo que queria parir. Andava a gente muito surpresa e

    cheia de temor, receosa de que nascesse algum monstro que

    pudesse destruir o mundo todo. Chegado o tempo do parto,

    estando todos juntos suspensos, a Montanha pariu um Rato,

    transformando em riso o que antes era medo.

    Moral da histria

    Esta Fbula sobre os que prometem de si coisas grandes, e depois no fazem

    coisa alguma, como so certos fanfarres, que se armam em valentes e a

    poder de juramentos o querem parecer. Outros que gabam as suas letras e os

    livros que ho de escrever, mas quando se joeira a valentia de uns e a cincia

    dos outros, tudo joio; pelo que com razo fica quem os conhece e se ri e

    escarnece deles, como na Fbula se diz que os homens fizeram do parto da

    Montanha.

  • Fbulas de Esopo

    70

    Fbula XXXIII

    O Galgo velho e o seu Dono

    HW1867

    Um Galgo velho, que em tempos havia sido muito bom caa-

    dor, deixou fugir uma lebre de entre os dentes, porque j os

    no tinha. Vendo isso, o dono aoitou-o cruelmente e man-

    dou-o embora, como coisa que nada valia.

    Disse ento o Galgo:

    Deves, Senhor, lembrar-te de como te servi bem enquanto

    era jovem, quantas lebres cacei e quanto me estimavas; ago-

    ra que sou velho e estou no osso, por uma lebre que me fugiu,

    aoitas-me e lanas-me fora. Devias antes perdoar-me e

    pagar-me bem o muito que te tenho servido.

    Moral da histria

    Deste Galgo tome lio quem serve senhor ingrato, e ver o pagamento que

    h de ter, principalmente se o serve em coisas contra a sua conscincia,

    porque depois de estar bem metido no Inferno, pela primeira vontade que

    deixar de lhe fazer, perde quanto tem servido. E muitas vezes o prprio

    senhor, por cujo respeito ele perdeu a Deus, que o seu algoz e o faz castigar

    pelos pecados que o obrigou a cometer.

  • Fbulas de Esopo

    72

    Fbula XXXIV

    As Lebres e Rs

    H1865

    Cansadas de fugirem dos galgos e de serem assustadas por

    todos os animais, as Lebres combinaram, para no passarem

    mais sobressaltos, afogarem-se num rio. Correram ento em

    direo gua, mas chegando beira dela viram grande

    nmero de Rs saltarem com medo para o rio. Perante isso,

    as Lebres pararam e, mudando o conselho, disseram:

    Tendo em conta que estas Rs vivem tendo medo de ns e

    de todos os que nos atemorizam, aguentemos tambm ns a

    vida, j que h outros mais perseguidos e medrosos.

    Moral da histria

    Bem se v ser verdade o que diz Marcial, que ningum miservel se for

    comparado; e a mais certa consolao, ainda que cruel, que h nos males

    ver outros que padecem maiores.

    Perguntando a um Filsofo de que modo se suportariam bem os sofrimentos,

    respondeu este: vendo o nosso inimigo em outros maiores.

  • Fbulas de Esopo

    74

    Fbula XXXV

    O Lobo e o Cabrito

    HW1867

    Uma Cabra, indo pastar ao campo, deixou o filho em casa e

    disse-lhe que no abrisse a porta nem ao Urso nem ao Lobo

    que ali viessem, porque morreria. Mal saiu, veio um Lobo que,

    fingindo a voz de Cabra, comeou a falar carinhosamente

    ao Cabrito, dizendo que lhe abrisse a porta, que era a sua

    me. Ouvindo isto, o Cabrito chegou porta e, olhando por

    uma fenda, viu o Lobo. Sem outra resposta, virou as costas e

    recolheu-se em casa. O Lobo foi-se embora, e ele ficou salvo.

    Moral da histria

    Aos filhos obedientes a seus pais nada de mal lhes acontece. Esta Fbula

    avisa-nos que observemos sempre esta obedincia, e tambm que no nos

    fiemos em palavras meigas; porque quem pura fora no se atreve con-

    nosco, quanto mais peonha traz no corao tanto mais mel mostra a lngua;

    que a peonha no se d seno nos manjares mais saborosos.

  • Fbulas de Esopo

    76

    Fbula XXXVI

    O Veado, o Lobo e a Ovelha

    FB1687

    Um Veado exigia Ovelha uma certa quantidade de trigo,

    que falsamente dizia haver-lhe emprestado. A Ovelha pensou

    em negar-lho, mas receou, porque o Veado estava acompa-

    nhado de um Lobo. Assim, com dissimulao, respondeu a

    Ovelha:

    Peo-te, pela tua vida, que esperes alguns dias e ento

    faremos as nossas contas e pagar-te-ei quanto te dever.

    O Veado foi-se embora todo contente. Porm quando am-

    bos se encontraram sem o Lobo estar presente, a Ovelha de-

    senganou-o, disse-lhe que no lhe devia trigo nenhum e que,

    portanto, nada lhe pagaria.

    Moral da histria

    Contm esta Fbula um aviso proveitoso que pode servir-nos quando algum

    porfia contra ns em presena dos nossos inimigos; que ento prudncia

    dilatar a vida at nos vermos numa situao em que possamos livremente

    defender a nossa opinio, como fez aqui a Ovelha, sem temor de Lobos

    inimigos roazes.

  • Fbulas de Esopo

    78

    Fbula XXXVII

    A Cegonha e a Raposa

    RC1883

    Um dia a Raposa convidou a sua amiga Cegonha para

    jantar. Chegado o tempo, a ardilosa Raposa preparou para o

    jantar umas papas que estendeu numa bandeja, e incenti-

    vava a Cegonha a que comesse. Mas como esta magoava o

    bico na bandeja e nada conseguia apanhar das papas,

    regressou faminta ao ninho.

    Para se vingar, a Cegonha convidou por sua vez a Raposa e

    serviu o manjar numa garrafa, de onde comia com o bico e

    pescoo comprido. A Raposa, no conseguindo meter o foci-

    nho na garrafa, regressou a casa morta de fome.

    Moral da histria

    agradvel enganar o enganador e zombar de quem quer zombar de ns, e

    obrigao dos que zombam e escarnecem sofrerem bem zombarias leves.

  • Fbulas de Esopo

    79

    Fbula XXXVIII

    A Gralha e os Paves

    H1865

    Uma Gralha pediu emprestadas penas de pavo e, vestindo-

    se com elas, passou a andar com os Paves, desprezando as

    outras Gralhas. Porm, passado algum tempo, os Paves pe-

    diram as suas penas de volta, e comearam a depenar a

    Gralha, arrancando-lhe penas e carne com o bico. A Gralha

    quis depois regressar para junto das suas antigas companhei-

    ras, ainda que com temor e vergonha, e disseram-lhe elas:

    Teria sido melhor contentares-te com o que te deu a na-

    tureza do que quereres ser o que no s e ficares no estado

    em que ests, pelada, ferida e envergonhada.

    Moral da histria

    Quem faz casa e toma fausto com rendas alheias, ou fazenda emprestada,

    tem o sucesso desta Gralha. Chega o tempo da paga, vm os credores, to-

    mam-lhe as alfaias com que se honrava, e se no bastam, enfiam-no na

    cadeia, donde sai pelado e vergonhoso.

  • Fbulas de Esopo

    81

    Fbula XXXIX

    A Formiga e a Mosca

    WHsecXVII

    Entre a Mosca e a Formiga houve grande discusso sobre

    pontos de honra. Dizia a Mosca:

    Eu sou nobre, vivo livre, ando por onde quero, como refei-

    es saborosas, sento-me mesa com o Rei e beijo as mais

  • Fbulas de Esopo

    82

    formosas damas. Tu, mal-aventurada, andas sempre a traba-

    lhar.

    Respondeu a Formiga:

    Tu s uma doida preguiosa. Se pousas uma vez em prato

    de bom manjar, mil vezes comes sujidades e imundcies des-

    prezadas por todos; se te pes no rosto da dama ou mesa

    com o Rei, no por sua vontade, mas porque s enfadonha

    e importuna.

    Moral da histria

    Com esta Fbula aprendamos o pouco que valem homens ociosos e im-

    portunos como moscas, que se gabam difamando mulheres e pessoas hon-

    radas e contam feitos que nunca lhes aconteceram, desprezando os que

    como a formiga vivem do seu labor, mas quando veem a ocasio, no fazem

    nada e ficam afrontados e tidos por cobardes.

  • Fbulas de Esopo

    83

    Fbula XL

    A R e o Touro

    WHsecXVII

    Andava um grande Touro a passear junto da gua, e uma

    R, vendo-o to grande, ficou cheia de inveja e comeou a

    comer e a inchar-se com vento, e perguntava s outras se j

    era grande.

  • Fbulas de Esopo

    84

    Elas responderam que no. A R voltou a fazer mais fora

    para inchar e, desenganada do muito que lhe faltava para

    igualar o Touro, terceira vez inchou com tanta fora que veio

    a rebentar com a cobia de ser grande.

    Moral da histria

    Marcial, num epigrama contra Otalcio, moraliza esta Fbula, entendendo

    pela R o ambicioso, que, desejando igualar-se com o rico no trato e na des-

    pesa, gasta o que tem e o que no tem, e chega a consumir-se, at que

    rebenta em muitas dvidas que o levam cadeia. Fiquem logo avisados

    aqueles que, sendo Rs na posse, no queiram despender como Touros,

    porque seno rebentam como esta de que tratou esta Fbula.

  • Fbulas de Esopo

    85

    Fbula XLI

    O Cavalo e o Leo

    H1865

    Um Leo viu um Cavalo a pastar num outeiro, e pensando

    numa maneira de o matar para o comer, chegou-se com pa-

    lavras de amigo, dizendo que era mdico e se queria que o

    curasse.

    O Cavalo, que o conheceu e percebeu a sua inteno, disse

    com dissimulao:

    Na verdade, amigo, vens em boa altura, que tenho nesta

    pata uma dor que muito me faz sofrer.

    O Leo aproximou-se para lhe ver a pata, e o Cavalo le-

    vantou-a e assentou-lhe um coice no queixo, que o deixou

    atordoado.

    Voltando a si, o Leo viu que o Cavalo j ia longe, e disse:

  • Fbulas de Esopo

    86

    Por certo que fez bem em me ferir e ir-se embora, pois eu

    queria com-lo e no cur-lo.

    Moral da histria

    Aos que querem roubar e enganar outros, professando ofcios que nunca

    aprenderam, muitas vezes lhes sucede ficarem escalavrados como este Leo,

    e nunca escapam das afrontas e injrias graves, porque querem vender o que

    no sabem, o que tudo so maneiras de furtar.

  • Fbulas de Esopo

    87

    Fbula XLII

    As Aves e o Morcego

    H1865

    Havia uma guerra entre as Aves e os outros animais, e, sendo

    estes mais fortes, andavam as Aves maltratadas e vencidas.

    Amedrontado, o Morcego passou-se para o bando contrrio,

    e voava por cima dos animais de quatro patas, aos quais se

    aliara.

    Entretanto a guia veio ajudar as Aves e estas alcanaram

    vitria. Apanharam o Morcego, e como castigo da sua trai-

    o, ordenaram-lhe que andasse sempre pelado e s escu-

    ras.

    Moral da histria

    Esta Fbula adverte os soldados para que no desamparem os seus capites;

    os amigos para que no esqueam a amizade em tempo de trabalhar. Os

    que assim no fazem pouco tm de amigos e muito de inimigos, ganham fa-

    ma de traidores e ningum confia neles.

  • Fbulas de Esopo

    89

    Fbula XLIII

    O Cavalo e o Burro

    O1574

    Um Cavalo, ricamente ajaezado de seda e ouro de muito

    valor, encontrou no caminho um Burro carregado e disse-lhe

    cheio de altivez:

    Animal inconveniente, porque no me cedes lugar e te

    desvias para que eu passe?

    O pobre Burro calou-se e suportou a ofensa.

    Alguns dias depois, o Cavalo torceu uma pata e comeou a

    mancar. O seu dono retirou-lhe por isso os ricos arreios e ps-

    lhe uma albarda para servir como animal de carga.

    O Burro encontrou-o ento carregado de esterco, e disse-lhe:

    Onde vais, irmo? Onde est a tua soberba? Porque no

    pedes agora que me arrede, como fazias noutro tempo?

    Moral da histria

    Que ningum despreze os pequenos e pobres por se ver bem alimentado e

    bem vestido ou com honras e ofcios; porque se mudam as venturas e estados,

    e a soberba passada no serve mais que de vergonha e injria presente.

  • Fbulas de Esopo

    91

    Fbula XLIV

    O Falco e o Rouxinol

    O1574

    Certa manh, um Falco apoderou-se do ninho onde o Rou-

    xinol tinha os filhos e quis mat-los. O Rouxinol comeou com

    muita brandura a suplicar-lhe que no os matasse e que fica-

    ria ao seu servio.

    O Falco disse que ficaria contente se o Rouxinol cantasse de

    um modo que o satisfizesse. Principiou o triste Rouxinol a can-

    tar muito sentido e suave. Porm, o Falco, mostrando-se des-

    contente com a msica, comeou a comer-lhe os filhos. En-

    tretanto chega por trs um caador e apanha o Falco com

    um lao, em que o prendeu e o levou de rasto, e o Rouxinol

    ficou livre.

    Moral da histria

    Este Falco representa os tiranos e desalmados, que por nenhumas

    razes, ainda que muito justificadas, desistem de prejudicar os que

    podem pouco; mas neste entremeio chega a Justia divina, que os ca-

    a no lao da morte e os lana no inferno, e muitas vezes, para conso-

    lao dos bons, os aflige visivelmente nesta vida com pena temporal.

  • Fbulas de Esopo

    93

    Fbula XLV

    As rvores e o Machado

    H1865

    Um Machado de ao bem forjado, faltando-lhe o cabo, via-

    se impedido de cortar. As rvores disseram ento ao Zam-

    bujeiro que lhe desse o cabo. E logo que o Machado ficou

    encavado, um homem comeou com ele a fazer madeira e

    a destruir o arvoredo.

    Disse ento o Sobreiro ao Freixo:

    A culpa nossa, que demos cabo ao Machado para nos-

    so mal, porque, se no lho dssemos, seguras poderamos es-

    tar em relao a ele.

    Moral da histria

    Quem vir o seu contrrio incapaz de lhe fazer mal, no o habilite nem lhe d

    armas, se o vir desarmado. Virtude perdoar ao inimigo, mas parvo quem,

    alm de lhe perdoar, o favorece tanto que depois possa com pouca ajuda

    mat-lo.

  • Fbulas de Esopo

    95

    Fbula XLVI

    O Burro e o Mercador

    O1574

    Um comerciante que ia para a feira levava um Burro

    carregado de mercadoria, mas como o animal estava muito

    fraco, andava devagar. O Mercador, ambicioso, com desejo

    de chegar depressa, bateu tanto no Burro que este caiu no

    caminho com a carga e morreu. Depois de morto esfolaram-

    no, e da pele fizeram um tambor, em que andavam sempre

    a batucar.

    Moral da histria

    Os que sabem aproveitar-se dos trabalhos da vida e se preparam para a

    morte, descansam nela; porm os que como burros morrem sem se lembrarem

    de que h outra vida, depois de padecerem nesta suas desventuras, so na

    outra escarnecidos e atormentados pelo demnio; pelo que com acerto so

    comparados nesta Fbula a jumentos, cuja pele maltratada tanto na morte

    como na vida.

  • Fbulas de Esopo

    97

    Fbula XLVII

    O Rato e a Doninha

    WHsecXVII

    Uma Doninha, como no pudesse j caar de to velha e

    cansada que estava, usava esta artimanha: enfarinhava-se

    to-da e punha-se muito quieta a um canto da casa.

  • Fbulas de Esopo

    98

    Vinham alguns Ratos que, pensando que a Doninha era outra

    coisa, se aproximavam para comer e ela apanhava-os comi-

    a-os.

    Por fim veio um Rato velho, que tinha j escapado de muitas

    armadilhas, e pondo-se de longe disse:

    Por mais artes que uses, no me apanhars. Engana

    vontade esses pequenos, mas eu conheo-te bem e no hei

    de chegar-me a ti.

    E, dizendo isto, foi-se.

    Moral da histria

    Na Doninha se pode ver que quem criado em ms manhas, nem por velhice

    as perde. Quem se acostuma a furtar, ou o barao ou a morte lho h de tirar;

    e quando j no podem usar da fora, com rebuos, manhas e traies usam

    os seus maus ofcios, como gente que tem perdida a vergonha e temor de

    Deus.

  • Fbulas de Esopo

    99

    Fbula XLVIII

    A Raposa e as Uvas

    MW1919

    Chegando uma Raposa a uma parreira, viu-a carregada de

    uvas maduras e formosas e cobiou-as. Comeou a fazer

    tentativas para subir; porm, como as uvas estavam altas e a

    subida era ngreme, por muito que tentasse no as conseguiu

    alcanar. Ento disse:

    Estas uvas esto muito azedas e podem manchar-me os

    dentes; no quero colh-las verdes, pois no gosto delas

    assim.

    E, dito isto, foi-se embora.

    Moral da histria

    Homem avisado, coisas que no pode alcanar, deve mostrar que no as

    deseja; quem encobre as suas faltas e desgostos no d gosto a quem lhe

    quer mal nem desgosto a quem lhe quer bem; e que seja isto verdade em

    todas as coisas, tem mais lugar nos casamentos, que desej-los sem os haver

    pouquidade, e sizo mostrar o homem que no lhe lembram, ainda que muito

    os cobice.

  • Fbulas de Esopo

    101

    Fbula XLIX

    O Pastor e o Lobo

    MW1919

    Andava um Lobo a fugir de um caador que vinha a

    persegui-lo, e, chegando ao p de um Pastor, escondeu-se

    numas moitas e pediu ao Pastor que se o caador pergun-

    tasse por ele, lhe dissesse que fugira. O Pastor concordou.

    Quando chegou o caador, perguntou pelo Lobo, e o Pastor

    disse-lhe que fugira, mas coma cabea indicou-lhe onde

    estava escondido. Contudo o Caador no percebeu os

    acenos e foi-se embora. O Lobo saiu ento do esconderijo, e

    disse-lhe o Pastor:

    Ento, amigo? Muito me deves pois bem te vali.

    Valeu-me antes a minha sorte respondeu o Lobo e

    no te entender o caador; pelo que nada te devo, e se

    bendigo a tua lngua, amaldioo a tua cabea, que tanto fez

    por me descobrir.

    Moral da histria

    Notam-se nesta Fbula os que do mal que urdiram, ainda que no tendo

    efeito, querem tirar agradecimentos, e mostra-se o perigo que representa que-

    rerem os homens em seus trabalhos valer-se de seus inimigos; que quando so

    muito fiis e primorosos, cuidam que satisfazem ao mostrarem-se neutrais.

  • Fbulas de Esopo

    103

    Fbula L

    O Burro e a Cachorrinha

    H1865

    Um Burro, vendo que o seu dono brincava com uma

    Cachorrinha e se alegrava com ela, e a tinha mesa, dando-

    lhe de comer, e que ela se entusiasmava quando ele che-

    gava, e lhe saltava para o colo, pensou com inveja que se fi-

    zesse o mesmo seria mais estimado.

    Ento, quando chegou o dono, ps-lhe as patas nos ombros

    e comeou a querer lamber-lhe o rosto com a lngua.

    Espantado, o dono comeou a gritar e acudiram os criados

    que, a poder de muitas pancadas, tornaram a meter o Burro

    na estrebaria.

    Moral da histria

    Ningum se meta a mostrar habilidades que a natureza lhe negou. Cante o

    msico, pratique o letrado, o soldado trate de armas, o piloto de sua arte, e

    quem quer meter-se nas artes alheias, para ganhar terra e contentar a outrem,

    ou sair como este asno espancado, ou o mandaro para a estrebaria.

  • Fbulas de Esopo

    105

    Fbula LI

    O Leo e o Rato

    WHsecXVII

    Estando um Leo a dormir, andavam uns Ratos a brincar

    volta dele, e, saltando-lhe por cima, acordaram-no.

  • Fbulas de Esopo

    106

    O Leo prendeu um entre as patas e estava para o matar;

    mas, devido s splicas do Rato, acabou por solt-lo.

    Passado pouco tempo, o Leo caiu numa rede onde ficou

    enleado, sem poder valer-se da sua fora. O Rato, sabendo o

    que acontecera, roeu com afinco os laos e cordis e soltou

    o Leo, que se viu livre de perigo em troca da boa ao que

    praticara.

    Moral da histria

    Duas coisas temos aqui de notar: primeiramente o agradecimento que se

    deve a qualquer boa ao, e em especial a quem perdoa algum agravo, po-

    dendo vingar-se como este Leo podia.

    Em segundo lugar, quanto devem os poderosos estimar a amizade de qual-

    quer homem, por muito fraco que seja.

  • Fbulas de Esopo

    107

    Fbula LII

    O Milhafre e a sua Me

    H1865

    Estando o Milhafre doente, e receando a morte que via j

    chegada, rogou a sua Me que fizesse por sua sade roma-

    rias aos Santos.

    Respondeu ela:

    De boa vontade, filho, as faria; mas temo que no te va-

    lham de nada; porque como gastaste a vida toda em mal-

    feitorias, e como com o teu esterco sujaste sempre os templos

    dos Santos, receio que no me queiram ouvir, ainda que lhes

    rogue pela tua sade.

    Moral da histria

    fcil de entender que este Milhafre representa os homens que toda a vida

    so maus e guardam o arrependimento para a hora da morte. Esta Fbula

    tambm ensina quanto risco correm os que ofendem os Santos e bons, e

    porque que Justia divina faz com que s vezes no sejam ouvidos, quando

    se querem valer deles.

  • Fbulas de Esopo

    109

    Fbula LIII

    A Porca e o Lobo

    H1865

    Estava uma Porca com dores de parir, e um Lobo faminto

    aproximou-se dela dizendo que era seu amigo, que tinha d

    de a ver desamparada e que queria servir-lhe de parteira. A

    Porca percebeu logo que o que ele queria era comer-lhe os

    filhos e, dissimulando, disse que no pariria enquanto ele ali

    estivesse porque era muito envergonhada; por isso que se

    fosse embora e a deixasse parir, e que depois podia voltar. O

    Lobo assim fez, mas logo que saiu dali, a Porca tambm se foi

    em busca de um lugar seguro onde parir.

    Moral da histria

    O que tem fama de Lobo, quando se faz bondoso h que fugir dele, porque

    nunca fazem bem por virtude, seno por seu interesse. E destes quem no

    puder livrar-se por fora, deve apartar-se com dissimulaes, que tanto estar

    mais seguro de se queimar, quanto mais longe estiver do seu fogo.

  • Fbulas de Esopo

    111

    Fbula LIV

    O Velho e a Mosca

    WHsecXVII

    Repousava soalheira um Velho careca, com a cabea des-

    coberta, e uma Mosca no fazia outra coisa seno picar-lhe

    na calva. Acudia logo o Velho com a mo, mas como a Mos-

    ca fugia muito depressa, dava em si mesmo grandes palma-

    das, de que aquela muito gostava e se ria. Disse o Velho:

  • Fbulas de Esopo

    112

    Podes rir-te de quantas vezes eu der em mim, que isso no

    me mata; mas se uma s vez te acertar, ficars morta, e

    pagars os agravos de ontem e os de hoje.

    Moral da histria

    H mancebos que a zombar e escarnecer dos homens srios e sensatos so

    mais importunos que Moscas, at que o homem, para os castigar, lhes desco-

    bre uma falta, com que os deixa mortos de injuriados. Eu por esta Mosca en-

    tendo alguns muito zelosos, que trabalham por dar desgostos a senhores pode-

    rosos, ou fazem sobrancerias s justias e escapam muitas vezes, at que

    alguma vez caem nas suas mos, e ento os fustigam de tal maneira que

    ficam perdidos de todo.

  • Fbulas de Esopo

    113

    Fbula LV

    O Cordeiro e o Lobo

    HW1867

    Andava um Cordeiro entre as cabras, e chegou um Lobo que

    lhe disse:

    No este o teu rebanho, vem comigo, vou levar-te tua

    me.

    Respondeu o Cordeiro:

    No quero, porque esta cabra gosta muito de mim e d-

    me mais mimos do que ao seu prprio filho.

    Contudo replicou o Lobo , estars melhor com a tua

    me.

  • Fbulas de Esopo

    114

    Bem estou aqui disse o Cordeiro , no quero meter-me

    em aventuras, que por bem que me suceda, no deixar o

    pastor de me tirar a l e ficarei a morrer de frio.

    Moral da histria

    Mostra-nos esta Fbula que a companhia dos bons amigos mais segura que

    quanto parentesco tem o mundo; que o parente sem amor, nem amigo

    nem parente; e o amigo verdadeiro parente e amigo. Tambm o Cordeiro

    nos avisa que quem est bem no deve meter-se em aventuras. Quem est

    quieto, contente-se com a sua sorte e guarde-se de empiorar.

  • Fbulas de Esopo

    115

    Fbula LVI

    O Homem pobre e a Cobra

    H1865

    Um Homem pobre costumava acarinhar e dar de comer a

    uma Cobra que tinha em casa, e enquanto assim fez tudo lhe

    corria bem e a vida melhorou. Depois, em virtude de um de-

    sentendimento com a Cobra, fez-lhe uma grande ferida. E

    vendo que tornava a empobrecer, com muitas palavras e

    humildade pediu perdo Cobra. Respondeu a Cobra:

    Eu boamente te perdoo, mas isso no te vai servir para

    deixares de ser pobre, que esta ferida sempre me h de doer

    e sempre h de estar pedindo vingana de ti.

    Moral da histria

    Quis Esopo mostrar nesta Fbula o que costumam dizer: a quem ofenderes

    no lhe creias, porque a memria das ofensas eterna. Portanto, quem in-

    juriou algum amigo e depois se reconciliaram, entenda que, por muito amigos

    que paream ser e que no exterior mostre no se lembrar nada, l no mais

    secreto do corao est guardada muitas vezes a memria da injria.

  • Fbulas de Esopo

    117

    Fbula LVII

    O Macaco, o Lobo e a Raposa

    O1574

    O Lobo discutiu com a Raposa, dizendo que ela lhe furtara

    algo. Era juiz o Macaco. A Raposa negou fortemente, discu-

    tindo ambos diante do juiz, e cada um revelou as maldades

    sabia do outro. Depois de o Macaco os ouvir, pronunciou a

    sentena, dizendo que o Lobo no provara que fora rouba-

    do, mas que ele entendera que a Raposa tinha furtado algu-

    ma coisa; portanto condenava ambos que ficassem para

    sempre entre si desavindos e desconfiados.

    Moral da histria

    Natural maliciosos e mentirosos pensarem que no h homem que seja bom

    nem verdadeiro; e por estas suspeitas condenarem quantos conhecem e no

    conhecem. Tambm mostra esta Fbula que os juzes, para condenar, se re-

    gem no pela prova, mas por suspeitas: tm saber de Macaco, que tudo sabe

    para mal, e no para bem.

  • Fbulas de Esopo

    119

    Fbula LVIII

    O Carvalho e o Junco

    H1865

    O Carvalho, alto e direito, no queria dobrar-se ao vento, e

    vendo como Junco se maneava facilmente, aconselhava-o

    que no se dobrasse.

    Respondeu o Junco:

    Tu podes resistir, mas eu no, que no tenho razes com-

    pridas nem sou forte como tu s.

    Dizendo isto, levantou-se uma ventania, que arrancou o Car-

    valho com razes e tudo; mas o Junco, que se dobrou, ficou

    em p.

    Moral da histria

    Mostra bem esta Fbula quo sujeitos esto a desastres os soberbos e aqueles

    que a ningum querem dobrar-se, e, por outra parte, que segura a hu-

    mildade; porque os que sofrem com discrio e obedecem aos tempos, ainda

    que paream juncos fracos, permanecem mais que os soberbos.

  • Fbulas de Esopo

    121

    Fbula LVIX

    A Formiga e a Cigarra

    MW1919

    No inverno, quando a Formiga tirava o trigo da sua cova para

    o secar ao sol, apareceu a Cigarra com as mos postas e

    pediu-lhe que repartisse com ela, que morria fome. Per-

    guntou-lhe a Formiga que fizera no vero, porque no guar-

    dara alimento para se manter? Respondeu a Cigarra:

    O vero passei-o a cantar e em brincadeiras pelos

    campos.

    A Formiga, ento perseverando em recolher o seu trigo, disse-

    lhe:

    Amiga, pois se os meses de vero gastaste em cantar,

    bailar comida saborosa e com gosto.

    Moral da histria

    Notrio significar-se pela Formiga o homem trabalhador, diligente e previ-

    dente. Portanto esta Fbula ensina-nos que sejamos como a Formiga e no

    confiemos no que outrem nos h de dar ou emprestar; que com razo se

    pode negar tudo ao preguioso, se como a Cigarra afeioado msica e a

    passatempos. Porm trabalhar e guardar caminho certo para no depender

    de ningum.

  • Fbulas de Esopo

    123

    Fbula LX

    O Caminhante e a Espada

    O1574

    Um Caminhante achou uma Espada muito bem

    ornamentada no meio da estrada e perguntou-lhe quem a

    perdera e a deixara ali. A espada calou-se e ficou quieta. De-

    pois, sendo outra vez questionada, respondeu:

    Ningum me perdeu a mim, ainda que me vejas lanada

    neste cho, antes eu fiz perder muita gente. Dando ocasies

    a brigas, matei alguns homens, de que resultou ficarem per-

    didos os matadores, e os mortos mais perdidos ainda se no

    estavam em graa, porque caminharam para o Inferno.

    Moral da histria

    Por esta espada entendo os homens desalmados que enganam a gente

    moa por maus respeitos, levando-a a casas de jogo e outras piores, desvi-

    ando-as da obedincia de seus pais; porque estes matam mil vezes famas,

    honras, fazendas alheias e tambm vidas e almas daqueles que a eles se

    juntam.

  • Fbulas de Esopo

    125

    Fbula LXI

    O Burro e o Leo

    O1574

    Encontrando-se num caminho um Burro com um Leo, disse o

    primeiro:

    Subamos a um outeiro, que quero que vejas como os ou-

    tros animais tm medo de mim.

    O Leo riu-se e foi com ele. O Burro zurrou e fez fugir grande

    nmero de lebres, coelhos, raposas e outros semelhantes. Dis-

    se ento ao Leo:

    Que te parece? Vs o medo com que fogem de mim?

    Fogem de ti os fracos respondeu o Leo , que so os

    que tm medo de te ouvir bradar; mas eu sem brados des-

    fao os mais valentes com as minhas mos; pelo que de

    nenhum nem de ti tenho temor.

    Moral da histria

    Certo , nos que querem mostrar-se valentes, deitarem brados e bravatas

    entre gente pacfica, para com eles espantarem homens fracos e muito

    ordeiros; mas o verdadeiro valente no se mede pelos gritos; pelas obras, e

    no pelas palavras, que se conhece cada um. No na boca que est a

    valentia, mas sim no corao, e nos braos parece-se o homem com o Burro

    ou com o Leo.

  • Fbulas de Esopo

    127

    Fbula LXII

    A Gralha e a Ovelha

    O1574

    Uma Gralha ociosa pousou no pescoo de uma Ovelha, e ali

    a repelava e lhe tirava a l, picando-a por entre ela. A Ove-

    lha virou o rosto, dizendo:

    Este vcio ruim e antigo havers de perder no dia em que

    picares um rafeiro no pescoo e ele te matar sem esforo.

    Respondeu a Gralha:

    J sou muito velha e sabida, sei quem posso importunar e

    quem devo acarinhar. No temas que me ponha no pescoo

    do co, seno no teu, que no me podes fazer mal.

    Moral da histria

    Esta Gralha significa alguns malandros, que andam sempre a molestar com

    aes e palavras os homens de bem e pacficos; mas quando encontram

    algum mais forte que eles, encolhem os ombros e passam com cumprimentos;

    porque com Ovelhas so Gralhas, e com Rafeiros so Ovelhas.

  • Fbulas de Esopo

    129

    Fbula LXIII

    O Boi e o Veado

    H1865

    Um Veado, para escapar de um caador, fugiu para a vila, e

    entrando cheio de medo numa estrebaria, encontrou um Boi,

    a quem perguntou se podia esconder-se ali.

    Disse-lhe o Boi que o mais certo era morrer e que antes deve-

    ria regressar floresta, mas mesmo assim escondeu-o e co-

    briu-o de palha. Quando chegou dono da estrebaria, viu no

    meio da palha a armao do Veado. Afastando a palha,

    acabou por descobri-lo.

    Mas disse-lhe:

    J que de tua vontade vieste minha casa, no te quero

    matar, seno defender-te e tratar-te muito bem.

    Moral da histria Muitos, na pressa de fugirem da sert, caem nas brasas; mas h alguns afor-

    tunados, como este Veado; e afortunado quem, sendo perseguido, tem a

    sorte de se acolher em casa de Fidalgo, que o no seja s no nome; porque

    esse, ainda que por um lado deseje beber o sangue daquele que se vale de

    sua casa, obrigado pelo seu pundonor, salva-o e favorece-o, deixando dios

    de parte para guardar pontos de honra.

  • Fbulas de Esopo

    131

    Fbula LXIV

    O Homem e o Leo

    Andando um Leo caa, espetou um espinho no p, que o

    no deixava andar. Encontrou um Homem e mostrou-lho pa-

    ra que lho tirasse. O Homem assim fez, e o Leo, como agra-

    decimento, deixou de caar nas suas terras.

    Dali a muito tempo este Leo foi convidado para certas

    festas e nelas se lanavam homens para que os matassem.

    Entre estes lanaram-lhe o Homem que o curara e que esta-

    va preso por algumas culpas. Porm o Leo no s o no ma-

    tou, como se ps em sua guarda e o acompanhou toda a

    vida, caando para ele.

    Moral da histria

    No s Fbula a de cima, mas histria verdadeira, contada por Apino Polbio

    Grego, e tambm Aulo Glio nas noites ticas, e ainda Baptista Fulgoso no

    quinto Livro. Todos dizem que o homem era cativo e se chamava Andronico.

    Deste Leo, no fabuloso mas verdadeiro, podemos aprender a ser agra-

    decidos a quem nos faz bem, pois vemos que um bruto to feroz mostra

    tamanho agradecimento. Pela mesma ocasio dizem que S. Jernimo teve

    tambm um Leo, que lhe servia de carga e companhia.

  • Fbulas de Esopo

    132

    Fbula LXV

    O Lobo e a Raposa

    O1574

    Um Lobo precavido abasteceu muito bem o seu covil de

    mantimentos. Passado um tempo, a Raposa foi ter com ele e

    disse que muito o admirava e que estava ansiosa por v-lo e

    servi-lo.

    No quero o teu servio disse o Lobo , que a tua

    inteno no outra seno roubar-me e comeres-me o que

    tenho.

    A Raposa, vendo-se descoberta, procurou quem matasse o

    Lobo e tomou posse do seu covil e de quanto nele havia, mas

    vieram uns caadores, foi achada pelos ces e feita em

    pedaos.

    Moral da histria

    Na morte desta Raposa declara-se o fim que merecem os que desejam e

    procuram a morte de seus parentes para herdar deles. Esses, se chegam a

    alcanar o que pretendem por meios to ilcitos, as mais das vezes no o

    gozam, e muitas o perdem com a vida e honra, porque o mal adquirido, dizem

    os Latinos, por entre as mos escorrega.

  • Fbulas de Esopo

    134

    Fbula LXVI

    O Leo e outros Animais

    Eleito rei de todos os animais, o Leo prometeu a nenhum fa-

    zer mal.

    Mas logo os mandou reunir, p-los por ordem, e deu-lhes a

    cheirar o seu bafo. Aos que diziam que lhes cheirava mal, ma-

    tava-os. Aos que diziam que cheirava bem, feria-os.

    Procedendo assim, chegou Macaca, e perguntou-lhe, co-

    mo a todos, se o bafo lhe cheirava mal. A Macaca cheirou-o,

    e disse que no, pensando que assim se salvaria. Porm o

    Leo, para a matar, fingiu-se doente e disse que s se curaria

    se a comesse. E com esta artimanha arranjou maneira de a

    matar.

    Moral da Histria

    Por mais prudente que o homem seja no consegue livrar-se do Rei tirano,

    porque quer fale ou no fale, ou diga bem dele ou mal, l se h de arranjar

    uma ocasio de o destruir, e como pode e quer, faz tudo a seu proveito.

  • Fbulas de Esopo

    135

    Fbula LXVII

    O Veado e o Caador

    RC1883

    Estando um Veado a beber numa ribeira, viu nela refletidos os

    seus cornos e armao e as pernas delgadas; as pernas pare-

    ceram-lhe mal, e ficou pesaroso de as ter, mas por outro lado

    ficou to satisfeito com a formosura dos cornos, que se fez so-

    berbo de contente. Ainda no tinha sado da gua, quando

    se apercebeu de um Caador. Foi obrigado a valer-se dos

    ps, que pouco antes desprezara e que agora o punham a

    salvo. Mas entrando por um arvoredo denso, embaraavam-

    se-lhe os cornos nos ramos das rvores, com o que se atra-

    palhou e foi apanhado. Vendo-se preso e ferido, disse ento:

    Que grande parvo fui; desprezei o que me era til, fazendo

    muito caso do que me causou a morte.

  • Fbulas de Esopo

    136

    Moral da histria

    A cegueira deste Veado sofrem-na todos os que tm bem-aventurana em

    haver coisas, que depois de alcanadas, ainda que no princpio nos alegrem,

    so depois causa da nossa destruio.

    Portanto aprendamos a pedir a Deus que nos d coisas com que o sirvamos e

    nos salvemos; porque ele sabe o que para cada u